Independente do Cosmos🪐
Última Atualização: 21/01/2025Bruxos das sombras não deveriam mais existir. Os dois últimos haviam sido seu irmão e seu pai, ambos já mortos. O primeiro, por um dos companheiros de clã do próprio . O outro, seu pai, ele mesmo havia eliminado, cerca de cinquenta anos atrás.
Mas então ele sentiu, magia das sombras. Bem ali.
Curioso, o híbrido se deixou guiar por seus instintos, sentindo necessidade de encontrar a fonte daquele poder. Provavelmente se atrasaria para o serviço mais uma vez, teria que ouvir um novo sermão de sobre pontualismo e comprometimento, mas isso era mais importante. Se ainda havia um bruxo das sombras vivo, ele precisava saber.
Havia pessoas demais no campus para que deduzisse exatamente quem ele estava procurando, mas aos poucos passou a desconfiar do garoto encolhido dentro de um moletom preto duas vezes maior que ele. Quem quer que fosse a pessoa, era maior que , tanto em altura quanto em massa muscular, mas com o gorro que ele usava sobre a cabeça, não conseguia ter nenhuma idéia de quem poderia ser.
O híbrido continuou andando, e sua teoria se mostrou certa quando acabou seguindo aquele estranho até uma cafeteria próxima ao campus. entrou logo atrás dele, mas o perdeu de vista quando o estranho entrou direto por uma porta de funcionários.
sentou no balcão e olhou o cardápio para disfarçar enquanto o esperava. Infelizmente, o estranho demorou demais e precisou fazer um pedido para que ninguém estranhasse sua ida até ali. O pedido chegou, mas o rapaz não apareceu. passou a se sentir ansioso e devido a isso, por costume, acabou levando uma das mãos distraidamente até o pescoço, onde a pele humana dava espaço para sua característica animal.
, assim como os bruxos das sombras, era híbrido de serpente. Ele deveria ter controle sobre a transformação, mas não tinha. Algumas características do animal apenas se fundiram a ele quando nasceu. Atrás de sua orelha esquerda, sua pele humana dava espaço para a pele negra do réptil e cobria parte de seu pescoço e ombro, refletindo sempre que tinha contato com o sol. Ele usava magia para cobrí-la quando inserido no mundo humano, assim como fazia com seus olhos amarelados. Suas pupilas também não eram comuns, ao invés de redondas, eram mais como um risco na vertical e ele usava lentes de contato para que ninguém estranhasse.
O problema era que o animal dentro dele não gostava nada disso, de saber que ele tentava escondê-lo, e às vezes lutava contra a magia, fazendo sua pele pinicar, especialmente quando ele estava nervoso com alguma coisa.
torceu para que o estranho aparecesse logo para que pudesse ir para a clínica e se livrar da magia em seu pescoço, mas ainda levou alguns minutos para que o garoto voltasse.
Pela porta de funcionários, saiu um rapaz alto, vestindo o uniforme branco do café. Ele tinha o cabelo ligeiramente comprido, cobrindo praticamente todo seu pescoço, mas estava parcialmente preso para trás, evitando que lhe caísse nos olhos.
A manga da camisa estava dobrada e podia ver parte da tatuagem em um dos braços. Uma serpente, ironicamente. quase riu. Claro que ele iria se atrair pelo animal.
Decidido a chegar mais perto dele, se levantou, sem se importar de ter terminado seu café. Podia apenas chamar pelo rapaz e pedir atendimento, mas ver o nome em seu crachá não bastava, precisava tocá-lo, sentir sua energia para entender o que realmente estava acontecendo.
ficaria louco se soubesse que ainda existia outro bruxo das sombras por aí. O mundo mágico não costumava vê-los com bons olhos, não depois do que seu irmão havia feito.
se aproximou e esbarrou propositalmente no funcionário, sentindo tudo dentro de si vibrar em resposta. Ele tinha definitivamente magia das sombras presa dentro dele, mas notou que ele não era um ser mágico, o que o deixou profundamente confuso.
Como alguém que tinha magia não era mágico? Nunca antes ouviu falar de algo assim.
— Desculpe. — o garoto falou, mesmo que o encontrão não tivesse sido culpa dele. Ele era um funcionário, era de se esperar que agisse assim, mas não estava disposto a deixar que ele se afastasse tão rápido.
— Na verdade, foi culpa minha. — respondeu rapidamente, com um enorme sorriso no rosto. Espiou o crachá em seu uniforme, memorizando rapidamente seu nome. , ele se chamava, e não parecia ter passado ainda dos vinte anos humanos. — Acho que te vi no campus, estuda lá? — puxou assunto, mas o rapaz não pareceu disposto a conversar.
— Não. — ele mentiu, caminhando para longe totalmente desinteressado. ficou boquiaberto.
Ninguém nunca o tinha ignorado dessa forma antes. Por que aquele cara o tinha ignorando?
Não era uma questão de ego. nasceu como um bruxo das sombras, mas não era mais um. Possuía magia da luz dentro dele, o que atraia naturalmente as pessoas. O animal dentro dele também, embora de uma forma totalmente diferente e levemente traiçoeira, já que se tratava de um predador.
Aquele cara não deveria ignorá-lo e decidido a conseguir sua atenção, foi atrás dele novamente.
— Sério? Eu tenho certeza de que te vi lá.
— Por que você está falando comigo? — o garoto parou de andar, indo direto ao assunto. ficou boquiaberto mais uma vez. — Outra aposta?
— Aposta? Por que alguém apostaria para falar com você...? Oh... — murchou ao se dar conta de que, se ele estava falando isso, era porque muito provavelmente já deveria ter acontecido. Se a magia da luz atraia as pessoas, a das sombras repelia. Não era muita surpresa que ele tivesse passado por isso, embora ainda fosse triste. — Isso é meio cruel.
O rapaz não respondeu nada, apenas deu as costas de novo, e dessa vez o deixou ir. Ser invasivo obviamente não ajudaria e seus encantos naturais também não estavam surtindo efeito. Já sabia que ele trabalhava ali pelo menos e como chamá-lo. Poderia encontrá-lo de novo outro dia.
novamente estava atrasado e soube que levaria uma enorme bronca quando notou o caos que a clínica estava.
Ao encontrar o líder de seu coven, após se vestir para o trabalho, recebeu apenas um olhar duro antes de ser mandado para o primeiro atendimento do dia. Até tentou lançar a ele seu melhor sorriso angelical, buscando amolecer seu coração, mas nem mesmo isso pareceu dar certo. Estava perdido.
apenas não era o único imune a seus encantos porque os membros de seu coven já sabiam como lidar consigo. Estavam juntos há trinta e cinco anos e ele nem era o único bruxo da luz entre eles. Já estavam acostumados consigo e quando se deixavam levar por ele ou , na maior parte das vezes, era mais pelo fato de serem os mais novos.
já tinha cento e vinte e três anos embora sua aparência permanecesse congelada na casa dos vinte. Ele sempre costumava olhar para os mais jovens com muito carinho, mesmo que estivessem fazendo uma bobagem potencialmente duvidosa. Era por isso que sabia que se não havia recebido um sorriso do líder, era porque ele provavelmente estava estressado e seu atraso o tinha sobrecarregado.
Sentiu-se culpado por isso. Sabia que a clínica podia deixá-lo tenso às vezes e não gostava de saber que havia contribuído para isso quando podia estar dividindo aquele fardo com ele.
Normalmente seus atrasos não chegavam há dez minutos, mas justamente hoje foi quase meia hora.
entrou em seu consultório já com a primeira ficha em mãos. Seu paciente era um familiar bruxo sob a forma de um guaxinim.
era um curandeiro, mas diferente de , que atendia tanto humanos quanto animais, ele não tinha pleno conhecimento de magia de cura humana. O que ele sabia, no máximo, o permitia tratar alguns híbridos quando se feriam em sua forma animal.
Buscando aperfeiçoamento em seu trabalho, cursava veterinária, mesmo que não fosse totalmente necessário quando usava magia para tratar seus pacientes. Apenas achou que seria útil, assim como era formado em medicina.
Apesar de querer se desculpar com seu líder de coven e também contar sobre seu encontro com , não teve tempo para vê-lo durante todo o dia. Aparentemente, todas as pessoas do mundo mágico haviam decidido se lesionar ao mesmo tempo.
Quando finalmente atendeu sua última ficha e estava pronto para tirar o jaleco, ouviu gritos na recepção e correu para lá alarmado. Não era sempre que tinham uma emergência.
Ao chegar lá tomou um susto ao se deparar com o rastro de sangue no chão. Era outro familiar ferido, embora não tenha atendido nada tão grave durante todo o dia. O animal, uma águia, tinha seu pequeno corpo atravessado por uma flecha.
— Ajuda, por favor! — o bruxo responsável por ele gritou. Era um homem alto de cabelos vermelhos, como fogo. Ele trazia o animal no colo, embalado em seu peito. Sua camisa branca estava coberta de sangue e não pensou duas vezes antes de correr até ele.
— O que houve?! — questionou, antes mesmo de se aproximar.
— Ele foi atingido por algum caçador enquanto voava. — o homem respondeu, em prantos, enquanto estendia o animal para . O bruxo da luz o pegou, já dando as costas para seguir apressadamente até o consultório. O outro o seguiu. O animal estava vivo, mas diante da quantidade de sangue que havia perdido, talvez não tivessem mais tanto tempo. — Por favor. Eu não retirei a flecha, imaginei que seria pior.
— Você fez bem. — respondeu, surgindo na porta de uma das salas. — Aqui, . — chamou, e o bruxo imediatamente obedeceu, entrando no consultório do bruxo mais velho e colocando o animal sobre uma das mesas. — Está mandando energia para ele?
— Sim. — o homem respondeu prontamente. Os familiares eram abastecidos com a magia de sua família mágica. Em uma batalha, ele servia como um banco de energia, recebendo de todos e compartilhando com quem precisasse mais. O mesmo acontecia se fosse ele precisando de energia, o que era o caso. — Ótimo, continue. Não precisa olhar se não quiser, mas continue.
— Certo.
— Eu contenho o sangramento e você retira a flecha. — falou, arregaçando as mangas antes de colocar as luvas. Raramente precisavam delas, poucos tratamentos envolviam tocar de fato o paciente, mas diante de tanto sangue, imaginou que talvez fosse necessário.
concordou, colocando luvas assim como havia feito. O mais novo não o esperou antes de começar a trabalhar, erguendo ambas as mãos sobre o animal e repetindo mentalmente os encantamentos que já conhecia. Uma luz amarelada surgiu em suas mãos, fluindo dele para o animal sobre a mesa. se focou apenas nisso, não dando atenção a enquanto ele se posicionava ao seu lado, esperando o sangramento diminuir para retirar a flecha.
Quando achou ser seguro, o bruxo mais velho pegou um alicate e o usou para cortar a ponta da flecha antes de retirá-la do animal, evitando que o formato da ponta o machucasse mais ao ser retirado. colocou uma das mãos ao redor do ferimento em seguida e iniciou outro encantamento, sua mão brilhando em um tom de verde. Ele provavelmente estava se garantindo que fosse seguro remover a flecha. Assim que o fez, o sangue voltou a escorrer abundantemente, independente dos esforços de . Preocupado, o bruxo mais novo intensificou seus esforços, colocando mais energia no encantamento mesmo que isso também o drenasse mais rápido, deixando-o cansado.
— Você está indo bem. — o elogiou. — Continue, eu vou fechar o ferimento, vai parar de sangrar.
Assim como estava fazendo, o bruxo mais velho estendeu as mãos sobre o pássaro e a luz verde fluiu com mais força, fechando lentamente o ferimento. Com cuidado, pôde ir diminuindo a quantidade de energia que mandava ao animal e apenas quando o sangramento parou completamente, graças ao trabalho de , ele pôde mudar o encantamento. Precisava agora recuperar o familiar da perda de sangue.
Levou apenas mais alguns minutos, mas por fim conseguiram salvá-lo.
Assim que as luzes cessaram e tanto quanto abaixaram as mãos, o bruxo responsável pelo bicho se aproximou, chorando ainda mais.
— C-como ele está? Ele está bem? — perguntou, tentando conter a vontade de se debruçar sobre ele para abraçá-lo.
— Ele está bem. — sorriu. — Pode pegá-lo se quiser.
O bruxo não precisou ouvir duas vezes, tomando o animal nos braços e chorando copiosamente sobre ele. O alívio do homem era quase palpável e não julgava. Se sentiria da mesma forma se fosse um membro de seu coven ferido.
— Obrigado, obrigado. Eu achei que o perderia. Obrigado.
— É o nosso trabalho. — respondeu, sorrindo também apesar do cansaço. — Tanta magia em seu corpo tem alguns efeitos colaterais e ele provavelmente precisará de muito descanso nos próximos dias, mas está totalmente fora de perigo.
— Não se assuste se ele estiver indisposto ou dormindo demais. — o alertou também.
— Tudo bem. — o homem sorriu para os dois. — Obrigado.
Depois que o homem saiu, se deixou desabar sobre a cadeira de . O dia foi exaustivo, mas por sorte já estava quase no final do expediente. Ele estendeu as pernas, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos por um instante, mas o pigarrear de o fez se endireitar imediatamente na cadeira, lembrando-se que precisava se desculpar com seu líder.
— ! — ele exclamou, levantando-se apressado.
— Me poupe das suas desculpas, . — o mais velho lhe deu as costas, retirando as luvas para jogá-las no lixo.
— Eu sei que eu prometi não me atrasar mais, mas dessa vez eu realmente tive um bom motivo. — explicou, entrando na frente de para que o mais velho o encarasse. O líder revirou os olhos, dando-lhe as costas novamente. — É sério, me escute, eu encontrei esse rapaz no campus...
— , eu juro que se você se atrasou para flertar com um rapaz... — ele o encarou novamente, agora por conta própria, mas foi quem revirou os olhos dessa vez.
— Não foi isso! — bufou, indignado que esperassem tão pouco dele. — , ele tinha magia das sombras!
— Como é?!
— Sim, exatamente! Eu senti a energia antes de realmente ver o garoto, ele era um exórdio, . Com cerca de vinte anos, talvez. — explicou. Exórdio era alguém que ainda estava vivendo os anos de vida humanos e não tinha passado dos vinte e cinco, quando o envelhecimento dos bruxos normalmente passava a desacelerar. — Só que não era só isso, . — continuou. — Apesar dele ter magia, ele não é um bruxo.
— , isso não faz o menor sentido. — respondeu, e o mais novo não o culpava. Também não acreditaria se não tivesse visto com seus próprios olhos. Sabia que se não conhecesse sua índole, desconfiaria de que ele estivesse mentindo para justificar seu atraso.
— Eu sei que não faz, mas quando o toquei, era como se a magia estivesse presa dentro dele, entende? E como ela não se manifesta, ele não chega a ser um bruxo. Na verdade, eu acho que talvez ele nem saiba que isso está dentro dele.
— Tem certeza que não imaginou?
— Claro que tenho, ! — respondeu, impaciente para fazer com que o outro acreditasse nele. — Você sabe que eu posso sentir.
— Certo, e onde podemos encontrar esse garoto? Você conseguiu descobrir alguma coisa sobre ele? Um nome? O curso que faz?
— Tenho o nome e o local onde ele trabalha. É uma cafeteria perto do campus.
— Certo, então vamos lá assim que acabarmos aqui. Se for isso mesmo, quero ver com meus próprios olhos.
revirou novamente os olhos. Claro que era, sabia o que tinha sentido.
Ele olhou para o relógio sobre a mesa de , a fim de verificar o horário, e se iluminou ao notar que já tinha dado a hora de ir embora.
— O expediente se encerrou nesse minuto, podemos ir! — falou para o outro animado, já se encarregando de livrar-se de seu jaleco.
Ao invés de fazer o mesmo, cruzou os braços, e murchou. Claro que não seria poupado, independente de ter uma boa desculpa.
— O expediente acabou, mas você vai limpar tanto a minha sala quanto a sua para compensar o atraso de hoje.
— ! Mas foi por uma boa causa!
— Independente disso, o atraso aconteceu. Limpar as salas é para compensar suas horas e limpar sem magia é sua punição.
— Sem magia?! — exclamou, indignado.
— Quanto antes começar, antes termina. — piscou para ele antes de dar as costas para sair da sala. — Tictac, tictac.
Frustrado, choramingou, se deixando cair sentado de volta na cadeira por alguns instantes. Odiava limpar, e ter que fazer isso sem magia era ainda pior.
o olhou com desconfiança assim que passou pela porta do café naquele fim de tarde. Quando entrou logo atrás, conversando com ele, estreitou os olhos. não tinha pensado nisso ainda, mas podia ser intimidador para quem não o conhecia. O homem além de alto tinha os ombros enormes, parecia o tipo de pessoa capaz de te quebrar ao meio com um tapa, mesmo que fosse inofensivo.
, infelizmente, não tinha como saber disso.
— Interessante, ele parece não gostar de você. — comentou, analisando o garoto com curiosidade enquanto ambos seguiam até uma das mesas.
— Para de olhar para ele. — o repreendeu com um sussurro.
Uma coisa sobre é que apesar do QI altíssimo, ele não tinha noção sobre muitas coisas, desde o próprio tamanho até o quanto conseguia constranger as pessoas com assuntos que apenas ele conhecia. O coven já estava acostumado a se sentir meio burro perto dele -exceto, talvez, -, mas estranhos normalmente não. , claro, nunca entendia o que estava acontecendo.
— O quê? — ele questionou, confuso, provando seu ponto. — Eu nem falei nada ainda!
— Não falou, mas tem mais de um metro e oitenta e está encarando o garoto.
— Não sei se você reparou, mas ele também não é exatamente pequeno. Esse é você.
Diante de sua resposta, parou no meio do café para olhar feio para ele, indignado. O mais novo colocou as mãos na cintura e apenas o puxou pela manga da camisa para continuar andando.
— Eu não sou pequeno. — retrucou, enquanto se sentava.
— 'Tá bom, eu que sou.
Sem dar muita atenção para ele, abriu o cardápio que estava sobre a mesa, mas bufou. Ele não era baixo, tinha um e setenta e quatro de altura. Seus companheiros de coven que eram altos demais e isso não era culpa dele.
— Vocês que cresceram muito. — resmungou, mas ciente de que não responderia mais nada, apenas puxou o outro cardápio sobre a mesa para olhar também.
sentiu sua pele pinicar novamente, e levou a mão até o pescoço para coçar. Seu lado híbrido querendo se virar para o garoto das sombras também não estava ajudando, mas se controlou para não deixá-lo ainda mais constrangido.
— Você deveria parar de cobrir isso. — falou, embora não tenha levantado o olhar do cardápio para . — Pode apenas dizer que é uma tatuagem.
— Uma tatuagem em relevo?
— Para alguém saber que é em relevo vai precisar tocar, você não acha? Sem isso você pode apenas dizer que é uma arte 3d.
— Vou pensar. — respondeu, mas ambos sabiam que ele não ia. se sentia mais confiante se escondendo.
Mesmo no mundo mágico, a maioria das pessoas costumava olhar feio para ele porque seu lado híbrido entregava suas origens. Metamorfos eram comuns, mas híbridos, especialmente como ele, eram uma particularidade de bruxos das sombras. podia ser um bruxo da luz e as pessoas sentiam isso, mas o preconceito ainda estava ali, junto com a fofoca que corria sobre ele. era o único ainda vivo, vindo da família de bruxos das sombras que tentou derrubar o conselho mágico. Só estava vivo porque era o único deles que não era também um bruxo das sombras, mas as pessoas ainda julgavam. Se não vissem suas características de serpente, às vezes, esqueciam-se de quem ele era. Achava melhor assim.
Após escolher o que pedir, fechou o cardápio, indicando que havia terminado. era indeciso demais para escolher qualquer coisa com agilidade, então não olhou muito, apenas decorou um nome aleatório no cardápio para que pudesse atendê-los logo. Ainda evitavam olhar muito para ele, mas usou o reflexo das janelas de vidro para observar quem viria até a mesa.
O rapaz cochichou algo com outra atendente e ela olhou na direção deles. praguejou por isso e ela rapidamente desviou o olhar. Ele estava pedindo para que ela assumisse a mesa deles, o que estragaria completamente seus planos.
— Eu faço. — falou, notando o mesmo que ele, e antes que pudesse se pronunciar ou fazer qualquer pergunta, a garota escorregou no chão limpo e seco, derrubando a bandeja que ela tinha em mãos com algumas bebidas.
Tudo aconteceu em segundos. Todas as pessoas ao redor olharam para ela, e rapidamente se ofereceu para limpar a bagunça em seu lugar, meio desesperado pela garota. Antes que decidissem qualquer coisa, no entanto, outra pessoa, provavelmente a chefe, saiu pela porta de funcionários. Ela repreendeu a garota duramente enquanto mandava cuidar das mesas.
— Essa foi a pior ideia que você podia ter tido. — repreendeu , ciente de que ele tinha causado tudo aquilo. Ela podia ter se machucado, ou machucado alguém. Tudo que tinha de inteligente ele tinha de falta de tato.
— Bom, deu certo. Ele está vindo.
— A garota pode perder o emprego, . — lembrou a ele. — E ainda passou por uma humilhação pública.
Somente então pareceu notar o que tinha feito e ficou verdadeiramente preocupado. Entre todos os membros de seu coven, ele era um dos mais gentis. Perdendo, no máximo, para . Não era do seu feitio apenas fazer mal a alguém.
— Droga, eu não tinha pensado nisso. — lamentou, e se poupou de fazer outro comentário. Sabia que se sentiria culpado agora. Provavelmente voltaria para verificar a garota no dia seguinte.
Interromperam a conversa quando finalmente se aproximou da mesa e colocou seu melhor sorriso no rosto.
— Você de novo! — falou, como se fosse uma surpresa, mas não correspondeu.
— É, eu trabalho aqui. — devolveu, e riu sem graça. Realmente, tinha sido uma abordagem meio idiota.
— Seu turno poderia ter acabado. — sugeriu, mas não estava para papo e apenas o cortou.
— Já escolheram o que vão pedir?
— Sim, eu quero um expresso e um bolo de maçã com nozes. — respondeu rapidamente, quebrando o clima constrangedor que se instalava. Enquanto o garoto anotava, pediu também.
— Mais alguma coisa? — ele questionou, mas pareceu pensar melhor sobre sua fala e reformulou. — Sobre os pedidos.
acabou rindo, meio nervoso. Não estava acostumado com isso, o que fez segurar o riso.
— É só isso, obrigado. — o mais velho respondeu por eles, estendendo o cardápio para . A maioria das mesas tinha um, assim como a deles, então era uma desculpa meio fraca, mas era a melhor forma de conseguir tocar em sem precisar esbarrar nele mais uma vez.
— Pode deixar ai, temos outros.
— O rapaz pediu na outra mesa. — mentiu, e não parecendo muito disposto a discutir, estendeu a mão para pegar. Ele pareceu ter cuidado para não tocar o mais velho, mas o fez mesmo assim, talvez não tão discretamente quanto deveria. percebeu, porque se afastou rapidamente sem dizer mais nada e mal notou a expressão surpresa que adotou.
— Caramba, ele realmente é um bruxo das sombras. — o líder do clã sussurrou, surpreso, assim que o garoto se afastou.
— Na verdade, ele não é. — corrigiu, porque, como já havia explicado a ele, o poder apenas estava dentro do garoto, preso de alguma forma.
revirou os olhos.
— Você entendeu. — retrucou. — Como isso aconteceu?
— Eu esperava que você pudesse me dizer.
— Eu ainda não tenho todas as respostas do mundo. — respondeu, apoiando o rosto na palma de suas mãos enquanto olhava o garoto ao longe, pensativo. — Se ele deveria ser um bruxo das sombras, não teria que ser mais como você?
— Para de olhar para ele. — o chutou por baixo da mesa.
— Ai! Não precisava disso! — se inclinou para frente, massageando a canela, mas nem tinha chutado tão forte assim.
— Pare de olhar para ele como um maníaco. — o repreendeu. — E caso não se lembre, eu apenas sou como sou porque nasci todo errado.
— Você entendeu o que eu quis dizer, . Eu estou falando sobre ser um híbrido. Você não consegue sentir isso? Não tem nada que indique?
— Na verdade não, foi isso que eu disse. Não era para eu ser assim, os olhos, a pele, normalmente podemos controlar. — explicou. — Ou temos a aparência totalmente humana ou nos transformamos completamente.
— E você não pode se transformar. — lembrou, voltando a ficar pensativo.
— Não posso. É como se eu tivesse me desenvolvido pela metade. Apenas o veneno funciona plenamente.
— Então, supondo que ele possa se transformar, não temos como saber.
— Não, mas eu não acho que possa, ou já teria acontecido algum acidente.
— Mas nós estamos apenas presumindo que ele não sabe o que é. — observou. — Às vezes ele sabe e se esconde justamente por isso. Às vezes até foi ele quem pediu para prenderem os poderes dentro dele de alguma forma. Você sabe melhor do que eu como as pessoas tratam bruxos das sombras no nosso mundo.
— E só piorou depois do que minha família fez.
— Exatamente.
— Quando o conheci essa manhã e tentei interagir, ele achou que era alguma aposta para falar com ele. — contou, fazendo uma careta ao se lembrar. Era triste pensar nisso, ou no porque dele pensar esse tipo de coisa só porque alguém tentou ser simpático. Seguindo a mesma lógica que ele, suspirou, tão incomodado quanto . As pessoas podiam ser cruéis.
Antes que pudessem dizer mais alguma coisa, os pedidos chegaram, mas para a surpresa dos dois, não foi que veio trazer e sim a moça que havia derrubado a bandeja no chão há pouco.
— O que aconteceu com o rapaz que estava nos atendendo? — perguntou, enquanto ela colocava os pedidos diante deles. A mulher pareceu ficar nervosa.
— Uhm, ele não estava se sentindo bem e foi embora mais cedo.
— Oh, que pena. Deseje melhoras para ele. — sorriu para ela, tentando mostrar que era totalmente inofensivo, diferente do que provavelmente havia contado. A moça corou, e se atrapalhou completamente com os pedidos, por pouco não derrubando seu latte sobre . — Você está bem? — perguntou, como se não soubesse o que tinha feito, e ela se desculpou antes de praticamente correr para longe.
— Parabéns, você acabou de espantar mais um atendente. — provocou, e ele o encarou indignado.
— Pois tenho certeza que quem espantou o foi você.
— Eu precisava tocar nele para sentir, você sabe! — o outro se defendeu.
— Eu sei, mas o que fazemos agora? Não acho que ele vai querer aproximação.
— Eu acho que se ele realmente tem magia das sombras, isso talvez seja um problema para o lidar, não a gente.
era outro bruxo do coven, um telepata poderoso de cento e oitenta e sete anos e carinha de trinta. Ele era líder da ONIM, uma espécie de força policial do mundo mágico e a menção dele na conversa fez com que se sentisse ofendido.
O garoto não tinha feito absolutamente nada de errado, porque queria chamar a ONIM para ele? Ser um bruxo das sombras não fazia dele uma pessoa ruim imediatamente e sugerir isso quando sabia todo o preconceito que sofria por um dia ter nascido como um era ofensivo.
Algo em sua expressão deve ter entregado como ele se sentia, pois imediatamente se justificou.
— Não estou dizendo que ele fez algo de errado, mas você precisa concordar comigo que tem algo estranho acontecendo. Se ele é um bruxo e não sabe, então alguém prendeu sua magia sem o seu consentimento. E se ele sabe e escolheu fazer isso, então ele pode estar tentando manter algo por baixo dos panos.
— Não tínhamos concluído que ele pode apenas estar tentando se esconder do preconceito das pessoas?
— É uma suposição muito forte, mas e se não for isso? Você quer arriscar?
— Acho que eu posso apenas me aproximar dele como um amigo e descobrir.
— Ele está fugindo de você, . Literalmente foi embora só para não lidar com a gente.
— Porque as pessoas são cruéis com ele e ele acha que eu também vou ser.
— Ok, mas e se ele realmente estiver tentando se esconder? Se for isso, ele nunca vai deixar você se aproximar. Especialmente você, que pode sentir a magia das sombras por ter nascido com ela.
— Mas ele não sabe disso. — rebateu. Seu lado híbrido estava escondido quando encontrou pela primeira vez e agora também. Ele não tinha como saber quem era, pelo menos não com sua magia adormecida.
— Não sabemos se ele não sabe. Ele pode não te sentir, mas conhecer seu rosto.
Pensando por esse lado, estava certo. Se conhecia o mundo bruxo e especialmente seu poder, então ele provavelmente sabia quem era. Todos já tinham ouvido falar sobre ele. Muitos não conheciam seu rosto, mas se ele era um bruxo das sombras, provavelmente já tinha pesquisado.
— Vamos comer, e depois falamos com o em casa, apenas para que ele fique avisado. — o mais velho voltou a falar. — Você tenta do seu jeito, e se não der, aí intervém. O que você acha?
suspirou, não acreditando ter muita escolha. Por hora, aquela era a melhor solução.
— Tudo bem, vamos fazer assim. — respondeu, desviando sua atenção para o latte a sua frente enquanto pensava no garoto com poder das sombras.
suspirou pela milésima vez enquanto caminhava distraidamente, tentando entender qual era o problema das pessoas com ele. Nunca tinha feito mal para ninguém e sempre tentava passar despercebido pelos lugares, mas, de alguma forma, nunca conseguia.
Não sabia o que tinha feito para chamar atenção daquele rapaz, mas aparentemente, tinha conseguido e não estava ansioso para descobrir em quais problemas tinha se metido agora, mesmo que não tivesse feito nada.
E, para piorar, o cara sabia também onde ele trabalhava. Não podia perder o emprego. Era muito difícil conseguir um quando você intimidava todas as pessoas, não importava o quanto você tentasse ser amigável.
A única coisa que podia fazer agora era torcer para que aqueles dois esquecessem logo dele.
Enquanto atravessava a praça em frente a rua onde morava, ouviu o miado característico com o qual já estava acostumado e parou de andar, finalmente se distraindo de seus pensamentos. Ele olhou ao redor, esperando encontrar o pequeno felino que o seguia para a casa todos os dias há algum tempo. Não sabia se era apenas um gato de rua ou se pertencia a algum vizinho por perto, mas ele sempre estava ali quando passava e se enroscava em seus pés em busca de carinho.
sempre gostou de animais, mas mesmo eles eram repelidos por ele de alguma forma, exceto aquele gato, então acabou se rendendo a ele. Sempre que o via, parava para acariciá-lo por alguns instantes, e lamentava não poder levá-lo para casa.
Porém, dessa vez, o felino não veio até seus pés como de costume, o que o preocupou imediatamente.
— Gatinho... — cantarolou, assobiando em seguida, apenas para se sentir idiota um segundo depois. Eram cachorros que atendiam ao assobio, não os gatos.
Apesar do bichano não aparecer, ouvir sua voz pareceu surtir algum efeito, pois ele miou novamente e o som ajudava a se guiar para achá-lo. O garoto seguiu o som, chamando o gato novamente, e com mais um ou dois miados ele conseguiu localizar a pequena bola de pelo encolhida embaixo de um banco.
— Oi, amiguinho. O que aconteceu? — perguntou, se abaixando para verificar o animal. O pequeno tinha pelagem preta com manchas brancas nas costas e no focinho. Ele ergueu a cabeça em sua direção e miou novamente, mais fraco que de costume, como se quisesse dizer a que não se sentia muito bem. — Você se machucou? — voltou a questionar, estendendo uma das mãos, e recebeu uma lambida fraca em um de seus dedos.
nunca teve um animal de estimação, não sabia cuidar de um, mas tinha noção o suficiente para tocar o focinho do animal, verificando a temperatura. Parecia quente, e seco. Sabia que o gato costumava ter o nariz bem gelado, ele sempre o esfregava em sua mão.
Ele realmente estava doente e sabia que não deveria se meter nisso. Seu pai o mataria se levasse um gato para casa e aquele animal nem era dele, mas tinha um coração e já estava apegado ao bichinho que sempre o cumprimentava com animação quando passava por aí.
Decidindo ouvir seu lado imprudente, retirou a mochila das costas.
Tinha saído do trabalho com tanta pressa que ainda vestia seu uniforme, então era seu moletom e sua roupa do dia a dia que estava dentro da bolsa. Não tinha problema se ela ficasse cheia de pelo de gato.
abriu a mochila, ajeitou as coisas dentro para que o felino coubesse ali e então se esticou para pegar o bichinho nos braços, colocando-o lá dentro em seguida.
— Desculpa te colocar em um lugar tão apertado, mas é só para que possamos entrar em casa, tudo bem? — perguntou, e o pequeno miou para ele, como se concordasse. sorriu, porque aquele gato sempre parecia entender tudo que ele dizia e de alguma forma ainda o respondia. Não usava palavras, apenas miados, mas em sua cabeça, jurava que entendia o que ele queria dizer. — Vou te levar pra casa, mas você não pode miar enquanto estiver lá, ok? Se formos descobertos, meu pai coloca nós dois para fora.
O gato miou novamente, escondendo a cabeça em seu moletom, e entendeu isso como um sinal de que o gato havia compreendido a mensagem e estava pronto para a viagem. afagou seus pelos por um instante e então fechou a bolsa, deixando um espaço para que o bichinho pudesse respirar enquanto seguia para sua casa.
— ie! — Jihyo gritou animada, descendo as escadas correndo para encontrá-lo.
praticamente correu até ela, pronto para segurá-la caso despencasse escada abaixo.
— Jihyo, já conversamos sobre correr nas escadas! — a repreendeu, mas a menina apenas riu, se jogando em seus braços. Ela sabia que ele era fraco o suficiente por ela para nunca realmente ficar bravo ou puní-la de qualquer forma. — É sério, Jihyo. Você pode se machucar.
— Eu só estava com saudades do ie! — ela respondeu, finalmente o soltando, e sorriu.
Jihyo era sua irmã mais nova e tinha apenas cinco anos. Ela costumava falar de si mesma em terceira pessoa na maioria das vezes, mas a escola estava tirando esse seu costume. Também pediram para que eles em casa chamassem sua atenção sempre que ela errasse e fazer isso estava surtindo efeito. Ele se sentia orgulhoso quando ela falava direito sem que precisassem lembrá-la, mas também se sentia emotivo dela estar perdendo aquela característica que ele sempre achou tão adorável.
Era um lembrete de que sua irmã estava crescendo.
Jihyo estava vestindo uma legging listrada em rosa e roxo que ia somente até o meio da canela e uma saia rodada em um rosa pink holográfico. Por dentro da saia ela usava uma camiseta simples branca e uma jaqueta roxa por cima. Seus cabelos estavam presos em duas maria chiquinhas com várias presilhas coloridas em formato de estrelinhas e seus braços tinham pulseiras até os cotovelos. riu de novo. Ela se vestia assim sempre que a deixavam escolher a própria roupa. e sua mãe gostavam disso, era a personalidade dela e não via sentido em repreendê-la por algo tão bobo quanto uma roupa, mas seu pai normalmente a ameaçava para se vestir como "uma criança normal". ficava louco da vida com isso, mas considerando que o homem deveria estar cuidando da menina hoje, ficou preocupado.
— Jihyo, onde está o papai? — ela deu de ombros ao invés de responder e ele estreitou os olhos. — Como não sabe? Ele saiu?
Ela concordou com a cabeça.
— Ele deixou Jihyo em casa depois da aula e saiu.
— "Me deixou". — corrigiu, enquanto sentia seu sangue ferver. Ele simplesmente tinha deixado uma criança de cinco anos sozinha em casa sem supervisão por cinco horas. Estava furioso, não podia evitar, mesmo que soubesse exatamente como o homem era.
E aquele tipo de irresponsabilidade era a cara dele, apenas sua mãe se negava a ver.
— Você pelo menos comeu alguma coisa? — ele perguntou, segurando sua mão para puxá-la escada acima. Precisava acomodar o gato antes de arrumar algo para que pudessem lanchar e de preferência fazer tudo isso sem que a menina percebesse o quão irritado ele estava por saber que ela tinha sido abandonada sozinha em casa.
— Uhm... Desculpa, ie. — murmurou cabisbaixa e ele estreitou os olhos, confuso.
— Pelo que exatamente você está se desculpando?
— Jihyo... Quer dizer, eu, pegou um pacote de bolacha. Eu estava com fome.
— "Eu peguei". — corrigiu de novo, por costume, enquanto seu coração apertava. Odiava aquela situação e odiava viver assim. Sentiu seus olhos enxerem de lágrimas, mas as segurou. Não podia chorar na frente dela, mesmo que se sentisse tão frustrado.
Por motivos óbvios, Jihyo não podia comer doces quando queria. Era uma questão de saúde, mas seu pai não se preocupava com isso. Ele apenas não gostava que ela pegasse qualquer coisa dos armários, como se ela não tivesse direito de comer quando sentisse fome só porque era criança. Jihyo sabia que não podia e obedecia, mas não se dava conta do quão ridículo e injusto era aquilo. Dessa vez, no entanto, ela desobedeceu porque foi abandonada por horas sem comer e mesmo assim ainda se desculpou. queria chorar de raiva e abraçá-la para que ele pudesse se desculpar por deixá-la sozinha, sob supervisão daquele lixo de homem, mas se conteve.
Se dependesse de , já teriam ido embora dali há muito tempo, mas infelizmente, não dependia e não podia apenas deixar sua mãe e sua irmã sozinhas ali.
Já no topo da escada, parou de andar e se abaixou na frente dela para que pudessem conversar.
— Jihyo, você fez bem em comer alguma coisa. Precisa comer. Ele que não deveria ter saído sem te alimentar antes. — suspirou, realmente frustrado com a situação. — Na verdade, ele nem devia ter saído, mas vou providenciar alguns lanches melhores pra você e deixar no meu quarto, assim, caso isso aconteça novamente, você pode pegar lá e não dos armários, ok? — ela concordou com a cabeça. — Você fez bem hoje, de procurar comida e se manter longe do fogão. Você não deveria ter que ficar sozinha em casa e cuidar de si mesma, mas você fez muito bem.
gostaria de poder dizer a ela que garantiria que algo assim nunca mais acontecesse, mas sabia que não seria verdade. Essa era a vida que eles viviam e infelizmente, não podia proteger sua irmã disso, apenas fazer seu melhor para que ela conseguisse crescer melhor que ele, sem perder sua infância tão cedo.
Seu pai era pastor, e de alguma forma, ele ser um homem rígido, misógino e com pensamentos tão antiquados era justamente o que fazia dele tão bom em sua profissão. Ele era tido como um modelo de honra para seus fiéis, mesmo que tratasse a esposa como lixo e os filhos como empregados. Ele bebia e batia na mulher, não era um segredo, mas para a igreja aquilo era o certo. Ou pelo menos, era o que ele fazia as pessoas acreditarem. Uma esposa tinha que ter disciplina.
não acreditava em Deus, e mesmo assim conseguia ver a incoerência daquilo. Se ele existisse e fosse tão bom quanto deveria ser, jamais apoiaria esse tipo de coisa, mas não era idiota o suficiente para dizer aquilo em voz alta.
Diferente do pai, sua mãe era realmente uma mulher boa, mas também religiosa, ao ponto de acreditar que o casamento era uma benção de Deus e que precisava honrá-lo independente do que acontecesse. odiava isso, se sentia furioso com a situação, mas estava amarrado a ela. Sua mãe sempre ficava do lado de seu pai mesmo quando ele a machucava e a forçava a coisas que ela não queria.
O sonho de era sair daquela casa, mas como faria isso se sua mãe jamais iria com ele? Como poderia deixar sua irmã sob supervisão constante de um homem que a abandonava em casa sem ter o que comer?
Pensar nisso o fazia se sentir arrasado, mas ele ainda sorriu para a irmã antes de se levantar novamente. Ela não precisava se preocupar com isso também.
— Vem, tenho algo para te mostrar. — falou, ciente de que ela adoraria ter um bichinho de estimação. — Mas vai ser um segredo nosso.
A menina imediatamente se animou, era uma fofoqueirinha nata e se divertia com isso. Ela não espalhava as coisas se ele pedia para não contar, mas ela adorava saber que tinha uma notícia privilegiada.
Assim que entraram em seu quarto, trancou a porta e se sentou no chão, colocando a mochila cuidadosamente entre ele e Jihyo, que se sentou à sua frente. abriu a mochila e os olhos da menina imediatamente se arregalaram ao ver o gato ali, todo enrolado em suas roupas.
— Um gatinho! — ela exclamou, se adiantando para pegá-lo em seus braços, mas a impediu.
— Ele está doente, você precisa ter calma com ele.
— Ele está doente, ie? — ela imediatamente o encarou com olhinhos tristes.
— Sim. Eu não sei ainda o que ele tem. Vamos arrumar um lugar quentinho pra ele ficar e dar água e comida. Se até amanhã ele não melhorar, vou levá-lo no veterinário. — explicou. — Mas o papai e a mamãe não podem saber. Você guarda segredo?
— Jihyo não conta nada.
— "Eu"
— Eu não conto nada. — ela corrigiu e ele apertou uma de suas bochechas como elogio. Não foi forte, ele sabia como podia ser incômodo e como adultos costumavam machucar crianças com essa brincadeira boba. Quando fazia, era apenas uma forma de carinho, assim como quando bagunçava seus cabelos, mas ela gritou mesmo assim, dramatizando a situação antes de soltar uma risada. — Posso passar a mão nele?
— Pode. Fique com ele enquanto eu arrumo um cantinho para ele dormir, mas não o pegue no colo. Não sabemos se isso o machuca mais.
— Está bem!
Jihyo se aproximou mais da mochila, iniciando um carinho atrás da orelha do gatinho. Ele miou fraco e deu uma lambida em sua mão antes de voltar a se aconchegar ali dentro.
Decidindo que estava tudo bem, levantou, seguindo até seu armário. Havia uma caixa ali, grande o suficiente para um gato. Seus livros estavam dentro dela, mas ele a esvaziou, empilhando-os ali dentro.
Ele separou uma almofada que não usava e um lençol velho. Cortou o lençol no meio, usou uma parte para embrulhar a almofada e deixou a outra de lado para cobrí-lo. Colocou a almofada dentro da caixa e então se sentou novamente no chão.
— Ele deveria ser tão quietinho, ie?
— Acho que não. — respondeu, embora tivesse certeza disso. O gato sempre o seguia até em casa, pulando eufórico como se tivesse passado o dia inteiro esperando aparecer. Ele nunca foi tão amuado.
Com cuidado, o tirou de dentro de sua bolsa e o colocou na caixa, cobrindo-o em seguida.
— E agora? — ela perguntou. — O que gatos comem?
— Ração. Mas não temos isso aqui. — respondeu, ficando pensativo. Tinha uma petshop não muito longe, mas não podia sair e deixar o gato sozinho tanto quanto não podia fazer isso com a irmã novamente. Se pedisse para entregar, corria risco de chegar quando seu pai voltasse e teria que explicar porque estava comprando comida para gato. O jeito era usar a internet e pesquisar algo que pudesse dar mesmo sendo comida de gente.
pegou o celular para fazer isso, mas antes que pudesse digitar sua dúvida no Naver, ouviu a porta da frente bater.
Jihyo imediatamente olhou preocupada para .
Assim como o irmão mais velho, Jihyo fugia do pai. Era triste que, mesmo tão pequena, ela soubesse se esconder dele tão bem. Ela podia passar a tarde inteira com ele sem ser notada pelo homem e mesmo que preferisse assim, ainda não era o ideal. Não gostava que Jihyo precisasse passar por isso, mas desde que o dinheiro ficou curto, a mãe deles passou a trabalhar como doméstica e Sunwoo, que trabalhava apenas a noite dando cultos, era quem ficava responsável pela menina.
Responsável era a última coisa que aquele homem era, mas sua mãe não o ouvia e não era como se pudesse levar Jihyo consigo para a faculdade.
Os dois ficaram em silêncio assim que ouviram o homem chegar, a tensão se instalando imediatamente entre eles. Sempre que Sunwoo desaparecia por tanto tempo voltava bêbado e se portava como uma bomba relógio.
Como o esperado, levou apenas um minuto para a primeira coisa quebrar lá embaixo, comprovando que ele estava bêbado. Jihyo se encolheu e se levantou enquanto o homem no andar inferior começava a gritar sozinho.
— Onde você vai? — Jihyo se levantou também, ficando imediatamente preocupada.
— Colocá-lo para dormir...
— Não! — ela o interrompeu, se agarrando em sua cintura um tanto quanto desesperada. — ie, não vai!
— Jihyo. — ele a afastou, se abaixando mais uma vez para ficar da sua altura. — Você não comeu nada o dia inteiro e eu preciso preparar algo não só pra você como também pra mamãe quando ela chegar mais tarde.
— Ele vai brigar com você. — murmurou, com um bico nos lábios.
— Só vou colocá-lo para dormir para que a gente possa descer. — explicou, embora no fundo soubesse que isso não seria tão fácil e dificilmente aconteceria sem uma briga. — Você quer ficar com o gatinho? Pra isso também vamos precisar arrumar algo para ele comer.
— Mas ie não pode ficar nervoso. — ela choramingou, meio chorosa. — Mamãe disse pra não deixar nervoso.
— Está tudo bem, não vou ficar nervoso. — mentiu, mas pelo menos tinha lembrado dos seus remédios hoje. — Eu volto logo.
— Não, ie. — ela tentou novamente, e se sentiu quebrar um pouco mais quando as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto da menina. Ela era pequena demais para entender o que estava acontecendo, mas entendia. odiava que ela entendesse. Quis chorar junto, mas aguentou firme.
— Jihyo, ele não pode subir, e se ele ver o gatinho? Você sabe que ele não gosta disso. Precisamos cuidar dele, certo?
Ela fungou, mas concordou com a cabeça.
— Fica com ele, ie já volta.
sabia que não devia falar com ela daquela forma. Jihyo estava com a fala tão atrasada porque incentivaram por muito tempo aquela forma de se comunicar sem se dar conta de que aquilo fazia mal para ela, mas sabia que assim ela entenderia.
Por fim, a menina finalmente concordou e seguiu com ela até a porta.
— Depois que eu sair, você tranca. — pediu, e depois entregou a ela o celular. Você sabe o que fazer, já conversamos sobre isso.
— Pedir ajuda se for necessário.
— Isso. — sorriu, mesmo que doesse ter que explicar aquele tipo de coisa para ela. Após deixar um beijo em sua testa, ele finalmente saiu do quarto, suspirando antes de descer as escadas.
Precisava enfrentar mais uma vez o monstro muito real embaixo da sua cama.
Não, o móvel não tinha mudado magicamente de lugar, sempre esteve ali, exceto que agora estava torto devido a agressividade do homem com ele.
respirou fundo, tentando reunir toda a calma que tinha dentro de sí. Costumava ser alguém tranquilo, precisava ser, mas possuía tanta mágoa e ressentimento pelo homem que se sentia sufocar sempre que precisava lidar com ele. Queria tanto gritar e expulsá-lo de casa, de suas vidas. Sentia tanto nojo de tudo que ele representava, de tudo que fazia, e aquela atitude era apenas uma delas.
A situação financeira já não era das melhores há algum tempo. não sabia muito bem o que estava acontecendo, se a igreja não estava mais dando o mesmo retorno financeiro de antes ou se era seu pai quem estava gastando mais que o normal em álcool, mas tê-lo em casa quebrando o pouco que ainda tinham era algo que definitivamente contribuía.
De algum lugar teria que sair o dinheiro para consertar uma janela, uma porta, um fogão que ele quebrava. E todos esses exemplos eram recentes.
estava farto. Apenas sua mãe e irmã ainda o mantinham são. Era por elas que não retribuía o homem na mesma moeda. Nenhuma das duas precisava de mais violência, de mais gritos, mesmo que manter as coisas como estavam matassem por dentro.
— Está tudo bem por aqui? — o garoto questionou, embora a resposta fosse óbvia.
O homem apenas riu.
— Entendi tudo agora! Foi você quem fez isso! — Sunwoo acusou, delirante. Ele apontou o dedo em sua cara, fazendo vacilar para trás em surpresa.
— Do que você está falando? — o mais novo questionou, mas já tinha alguma ideia.
Não era novidade que ele e seu pai não tinham uma boa relação. Tudo que acontecia dentro de casa era culpa de , estava acostumado, mas bêbado ele se tornava um mestre em manias conspiratórias.
— Você mudou as coisas de lugar enquanto eu não estava! — voltou a acusar, exatamente como havia cogitado. — Quer tirar sua mãe de mim, fazer com que ela pense que eu sou louco!
Foi quem riu dessa vez. Adoria ter esse poder, mas infelizmente, não tinha. Aquele era seu maior desgosto. Ele e sua irmã jamais seriam a prioridade de sua mãe porque a igreja colocava seu marido em primeiro lugar, sempre, independente do que fizesse.
— Seria ótimo se fosse possível. — resmungou, sem se conter, e só percebeu o que havia dito quando o homem voltou a gritar.
— Como é que é?! Seu moleque... — Sunwoo tentou avançar sobre ele, mas não teve nenhuma dificuldade em se afastar. Era faixa preta em Taekwondo, apenas não praticava mais porque não tinha disponibilidade de horário.
Talvez sua mãe também tivesse surtado quando soube o que ele fazia, temendo que o esporte prejudicasse sua condição mesmo que fosse indicado para ela, mas permaneceu nas aulas às escondidas até que realmente não pudesse mais devido ao trabalho e estudo.
Alguém precisava se defender. Hoje seu pai estava apenas fora de si, mas pessoas como ele, assim como a bebida, eram imprevisíveis. Haviam dias mais difíceis que outros e se recusava a deixar que o homem tocasse em sua mãe e irmã mais do que já tinha feito.
Sem que fosse necessário muito dessa vez, no entanto, o homem acabou caindo para frente, sozinho. Para a sorte dele, foi em cima do sofá, mas isso o fez voltar a gritar, agora sobre ter sido atacado pelo próprio filho. , sinceramente, não tinha a mínima paciência para isso.
— Por que você apenas não sobe enquanto eu faço o jantar? — sugeriu, tentando se livrar dele. — Vai tomar banho antes que a mamãe chegue, você fede.
— Você é um ingrato. — o homem acusou, com desdém, ao invés de lhe ouvir. — Vai envenenar minha comida!
— Está bem, então não coma. — revirou os olhos. — Faça você mesmo.
deu as costas, encerrando a conversa. Não sentia o mínimo de empatia pelo homem, não se importava se ele fosse dormir no chão ou passar a noite sem comer. Só queria ser capaz de manter-se longe.
Seguiu para a cozinha, decidindo que Sunwoo estava louco o suficiente para mal reparar se ele tirasse um saco de dez quilos de ração de dentro de uma gaveta.
Mas para sua surpresa, no entanto, seu pai não estava tão disposto assim a deixá-lo ir. não reparou quando foi que ele se levantou, ou como, já que mal parecia capaz de subir as escadas sozinho, mas Sunwoo tentou se jogar em suas costas para impedí-lo de ir embora. Despreparado, cambaleou para frente, precisando se escorar em um móvel para não cair. Havia um vaso sobre ele, que não teve a mesma sorte, e se espatifou pelo chão.
Voou vidro por toda parte, e sabia que aquilo ia sobrar pra ele. Podia até mesmo ouvir o discurso complacente de sua mãe de que, se ele tivesse mais paciência com o pai, nada disso teria acontecido. Basta ignorar, respeitar. Independente de como ele é, "ainda é seu pai".
Dessa vez, perdendo totalmente a paciência, voltou a se virar, realmente o empurrando de volta para o sofá.
— Qual é o seu problema?! — explodiu, sentindo as veias de seu pescoço saltarem pela força que tinha usado ao falar. Sabia que precisava manter a calma, mas Sunwoo costumava ser um grande empecilho.
— Não dê as costas para mim, seu moleque ingrato! — o homem reclamou, tentando levantar novamente, mas acabou apenas por cair pateticamente no chão.
respirou fundo três vezes.
Ninguém iria socorrê-lo se tivesse uma crise e também não poderia fazer o jantar. Seria mais trabalho para sua mãe quando chegasse cansada em casa e Jihyo passaria mais tempo com fome.
— Vai para o chuveiro. — disse apenas. Não era como se Sunwoo fosse capaz de compreender qualquer bronca que tentasse dar nele no momento.
— Você não manda em mim! — gritou, como uma criança. Ele ainda lutava para se levantar do chão, praticamente se arrastando em frente ao sofá, e voltou a dar as costas. Ele não conseguiria atacá-lo de novo nem com muito esforço.
— Foda-se, então, fica ai.
O homem ainda continuou insistindo e o ouviu cair outra vez, agora derrubando a mesa de centro, mas não voltou para verificar.
Como ele mesmo havia dito, precisava fazer a janta, além de arrumar um lanche para sua irmã e arrumar alguma coisa para o gato. Não tinha tempo para isso, mas duvidava que no estado que Sunwoo estava, ele fosse demorar mais de dez minutos para apenas dormir ali mesmo, no chão, onde ele estava.
Lamentava apenas ter que limpar ainda toda aquela bagunça antes da mãe chegar, mas pelo menos dessa vez, não tinha se estressado ao ponto de passar mal novamente.
Assim como já era costume, acordou antes do despertador tocar. Era sempre assim quando Jihyo decidia dormir com ele. Provavelmente algum instinto adquirido por ser o responsável por ela por tanto tempo.
Era mais fácil se arrumar para a aula se ela ainda estivesse dormindo e depois, já vestido, podia ajudá-la com suas próprias coisas, sem que os dois terminassem atrasados.
Com cuidado, se sentou na cama e buscou o celular para desligar o despertador. Seus olhos ainda estavam inchados de sono e ainda sentia sua mente meio nublada, mas lembrou-se rapidamente do animalzinho que havia resgatado no dia anterior e levantou-se apressado para verificá-lo.
Tinha deixado o bichinho embaixo da cama, escondido caso alguém entrasse no quarto no meio da noite. Com cuidado, puxou a caixa, mas o pequeno mal se moveu, o que imediatamente o deixou preocupado.
Na noite anterior, sempre que o moviam, ele miava baixinho, como se quisesse deixar claro que estava ali, que estava bem. Ele ainda respirava, podia ver isso, mas sequer abriu os olhos e estava esparramado na caixa sem parecer se importar com absolutamente nada. Isso partiu seu coração.
não sabia explicar a afeição que tinha pelo animal. Era mais do que ser seguido para a casa tantas vezes e não se perdoaria se não conseguisse ajudá-lo.
Decidindo que não iria à aula naquele dia, se levantou. O dinheiro era curto, mas daria um jeito de levar o animal a um veterinário, nem que precisasse vender alguma coisa depois. Faria o que fosse possível.
Apressado, temendo que o animalzinho não tivesse muito tempo, separou suas roupas e saiu do quarto, tentando fazer o menor barulho possível para não acordar Jihyo ainda. Seguiu até o banheiro que costumava dividir com a irmã, já que seus pais possuíam um próprio no quarto, e se fechou ali.
Se arrumou o mais rápido possível, vestiu suas habituais roupas pretas, e somente então voltou para acordar a irmã, afastando seu cabelo do rosto com cuidado para despertá-la aos poucos.
— Jihyo, está na hora. — sussurrou, mas a menina apenas resmungou. Estava um pouco mais cedo que o normal, ele sabia, e sentiu-se culpado por isso, mas era necessário. Tinha certeza que ela concordaria quando soubesse que tinha relação com o gatinho embaixo da cama. — Vamos, levante. — pediu de novo, segurando-a pelos pulsos com cuidado para fazê-la se sentar. Ela o fez dessa vez, mas não abriu os olhos, se deixando cair sobre ele para frente.
Dessa vez, riu. Sabia o que ela queria e o fez, erguendo-a em seu colo para carregá-la de volta para seu próprio quarto.
a sentou na cama, mas a menina se deixou cair para o lado, pronta para voltar a dormir novamente. Sabia que era apenas manha, mas estava realmente cedo e sentiu pena por acordá-la antes da hora.
Apesar de saber que Jihyo já podia se vestir sozinha, separou suas roupas e fez isso por ela, tentando poupá-la. Quando terminou, ela mal tinha aberto os olhos ainda, mas já vestia o uniforme da escola e um par limpo de meias.
— Vamos, Jihyo. Para o banheiro, escovar os dentes. — pediu, segurando-a novamente pelos pulsos para ajudá-la a se levantar. Dessa vez surtiu efeito, embora ela ainda estivesse sonolenta. Ela abriu os olhinhos, finalmente, piscando algumas vezes para espantar o sono e pareceu surpresa de já estar vestida.
Ele riu outra vez, achando adorável a enorme interrogação que surgiu em seu olhar ainda meio perdido de sono. Sem dizer nada, ela o encarou, como se esperasse uma resposta, mas ele apenas se levantou para puxá-la para cima também, a incentivando a fazer o mesmo.
— Sim, sim, banheiro. — falou, e apesar de ainda parecer meio perdida, dessa vez ela se moveu. — Precisamos levar o gatinho para o médico, lembra dele? — questionou, e a garota imediatamente arregalou os olhos, despertando em segundos.
— , ele não melhorou?! — perguntou, preocupada, e ele suspirou ao negar com a cabeça. Se sentia da mesma forma.
— Não, por isso precisamos sair logo. — explicou, e a menina nem precisou ouvir duas vezes, já correndo para fora do quarto. — Ei, sem correr pela casa! — alertou, nenhum pouco disposto a ter que levar a irmã no médico também, mas apenas pôde suspirar quando foi ignorado. Ela havia batido a porta antes mesmo dele terminar a frase.
Decidindo deixar aquilo de lado, buscou a mochila rosa que Jihyo levava para a escola e conferiu os materiais que ela precisaria naquele dia, tentando adiantar as coisas o máximo que era possível.
Normalmente, era Jihyo quem fazia aquilo, mas ele estava apressado demais para esperar hoje, especialmente porque sabia que isso era algo que ela sempre enrolava em fazer. Jihyo era uma criança obediente na maior parte das vezes, mas ainda uma criança, que nem sempre fazia tudo que você pedia na hora que deveria fazer.
E ela odiava arrumar sua mochila.
Quando terminou, calçou os tênis e pegou sua própria bolsa.
Não sabia se sua mãe tinha tido tempo de deixar o café da manhã pronto antes de sair para trabalhar, mas se não fosse o caso, teriam que comer algo na rua, no caminho até a escola de sua irmã.
Ciente da urgência, Jihyo foi rápida no banheiro e logo estava de volta ao quarto.
Ela tinha coberto os braços com as mesmas pulseiras da noite anterior e estendeu para uma tiara de lantejoulas coloridas, pedindo que ele a colocasse nela.
Jihyo era uma criança excêntrica. Mesmo com uniforme, ela ainda dava um jeito de levar sua individualidade para qualquer lugar. a incentivava, gostava que ela expressasse seus gostos e sentimentos de um modo geral. Poucos pais permitiam que seus filhos fizessem isso, tentando criar apenas pequenas cópias de si mesmos, mas esperava que Jihyo pudesse pensar com a própria cabeça. Era o que queria para a irmã, embora a própria escola a podasse na maior parte das vezes.
As pulseiras mesmo, ele tinha certeza que teriam que sair quando ela chegasse, mas não se importava se ela usasse no caminho.
Por fim, após ajudá-la rapidamente com a tiara, a ajudou também com os tênis antes de descerem juntos para a cozinha, de mãos dadas.
Para alívio de , sua mãe estava ali, e pôde agradecer mentalmente por economizar o dinheiro do café. Não sabia ainda quanto perderia com o gato.
— Já estão de pé? — ela questionou, surpresa ao ver os dois ali.
— Preciso sair mais cedo hoje. — explicou, erguendo Jihyo para ajudá-la a subir nos bancos altos do gabinete.
— Então que bom que eu também levantei mais cedo. — ela sorriu, de forma amigável, mas ele não conseguiu retribuir e viu seu sorriso morrer.
apreciava seu esforço e amava a mulher com toda sua vida. Sabia que ela realmente tentava fazer seu melhor e que, em sua concepção, era exatamente isso que fazia, mas não conseguia mais retribuir aquele carinho tinha muito tempo.
Ela tentava fazer tudo por eles, mas fracassava na maior parte do tempo. Fracassada quando permitia que levassem a vida que levavam, quando abaixava a cabeça para um marido desprezível, quando deixava que ele tratasse a si mesma e aos filhos como queria e não conseguia evitar de se ressentir dela por tudo isso, mesmo estando ciente de que, para a mulher, aquele era o certo.
sabia que a magoava sempre que se afastava ou toda vez que virava o rosto, sem conseguir mais ser o mesmo garotinho que corria para seus braços em busca de carinho, mas não podia evitar.
Estava cansado, e a forma como ela sorria, como se tudo estivesse bem, o cansava mais ainda.
Provando seu ponto, a mulher se esforçou para voltar a sorrir um segundo depois.
— Já tomou seus remédios? — ela questionou, mudando totalmente de assunto, e negou com a cabeça. Tinha acabado de descer, obviamente não havia tomado seus remédios ainda, mas seguiu até um dos armários sem dizer nada, apenas para fazer isso. — Deixe que eu a leve para a escola, tenho tempo, pode seguir com seus compromissos. — a mulher ofereceu, ainda de frente para o fogão.
— Não precisa. — respondeu. Já tinha planejado sua manhã para levar a irmã na escola e ainda ter tempo de seguir até o veterinário.
— Você já fez muito ontem. — ela insistiu. Não entrou em detalhes, mas compreendeu o que estava implícito ali.
Quando a mulher chegou na noite anterior, o jantar já estava pronto, Jihyo alimentada e terminava a lição de casa em seu quarto, mas Sunwoo ainda dormia jogado no chão da sala. já tinha arrumado a maior parte da bagunça, mas ainda colocava a mesa de centro no lugar, o que foi o suficiente para sua mãe entender o que tinha acontecido.
Não tinha muito o que ela pudesse fazer além de lidar com o próprio marido, até mesmo a louça já estava lavada, então foi isso que ela fez, após lançar a um olhar culpado que ele não correspondeu.
Ela passaria o resto do dia tentando compensá-lo, já conhecia o procedimento, mas não era como se adiantasse quando o mesmo dia se repetia todos os dias.
— Está tudo bem. — repetiu, mesmo que não estivesse, e ciente disso, ela também insistiu.
— Ele já saiu, vamos ficar bem. — ela sorriu novamente, e por pouco não revirou os olhos.
— Claro, tem culto hoje, ele precisa começar cedo.
— ... — ela o repreendeu pelo tom ácido ao se referir ao pai, mesmo que estivesse certo, e ele riu sem nenhum humor. Seu pai era um bêbado, mas o errado era ele de apontar aquele fato, como se ignorar fosse fazer o problema sumir.
— Acho que é melhor eu ir antes mesmo. — resmungou, dando as costas para a cozinha ao desistir daquela discussão. Ainda precisava subir para pegar a caixa com o gato e pensar em uma desculpa para passar por ela sem que a mãe visse, mas qualquer coisa podia apenas pedir que Jihyo gritasse para causar uma distração. Ela entenderia.
— , você precisa se alimentar. — a mulher o alertou, preocupada. — Você sabe...
— Eu como no caminho.
— Não é comer qualquer coisa, você precisa se alimentar direito.
— Eu sei me cuidar, mãe. — respondeu, contendo a vontade de lembrá-la que já se cuidava sozinho há muito tempo.
não tinha muita ideia de como havia ido parar ali. Era claramente uma clínica veterinária, ok. Tinha até uma fachada, enorme por sinal, mas como exatamente ele terminou naquele lugar? Aquela clínica estava obviamente além dos seus padrões de vida e ele nunca tinha reparado naquele prédio antes.
Sim, um prédio. Não era apenas uma clínica, era um prédio inteiro, em uma parte da cidade que ele provavelmente nunca tinha estado.
Ele não entendia o que tinha acontecido, era quase como se alguma coisa apenas o tivesse chamado até ali, algo que ele não podia explicar.
Ainda estava com a caixa em mãos, segurando-a com cuidado. Como o gato mal se mexia, conseguiu entrar no ônibus fingindo ser apenas um trabalho escolar qualquer. Ninguém o questionou.
não prestou muita atenção no caminho e não entendeu bem o motivo, visto que já tinha salvo o endereço da clínica onde pretendia levar o animal até então. Um lugar pequeno, no caminho para a faculdade, e que certamente teria um valor acessível para ele, mas de repente estava ali, em frente a um prédio de pelo menos cinco andares. Grande demais para tratar apenas espécies mais comuns de animais.
Já pronto para sair dali, deu as costas para o lugar, sem nem ao menos pensar muito sobre isso. Não tinha o que pensar, ele trabalhava em um café, não em um escritório de advocacia.
Infelizmente, no entanto, antes de sair, acabou trombando com alguém maior que ele. Não percebeu que não estava sozinho até então.
Seu primeiro instinto foi agarrar a caixa com mais força, tentando proteger de uma possível queda o gatinho já indefeso. Ergueu também a cabeça, para se desculpar, mas acabou arregalando os olhos ao ver quem estava ali. Era o mesmo cara do café no dia anterior, o mais alto.
Imediatamente, pensou que eles estavam mesmo lhe perseguindo, embora não tivesse ideia do que poderia ter feito para os dois. O rapaz loiro até entendia, estudavam na mesma universidade, talvez tivesse olhado torto para ele, ou, quem sabe, não correspondido a um "bom dia" que havia recebido, mas agora o outro também? Não conseguia pensar em nada que pudesse ter feito e fosse forte o suficiente para incomodá-los daquela forma.
Já estava pronto para fugir dali, mesmo sem dizer nada, quando reparou no jaleco que o homem estava usando, com seu nome gravado bem ao lado. "".
Ele era um dos funcionários, provavelmente um veterinário, e se viu ainda mais chocado. Tudo bem, diploma não garantia caráter, mas ele não tinha nada melhor a fazer do que perseguir um universitário em um café?
Por fim, ficou tanto tempo perdido em seus próprios pensamentos, que o homem acabou falando primeiro:
— Me desculpe, eu estava distraído. — se desculpou, sorrindo amigável. Duas covinhas fofas surgiram em suas bochechas por isso, contrastando com a aparência meio bruta e ombros largos, mas apesar de sua aparente simpatia, não se sentiu tranquilo em sua presença.
Dificilmente abaixava a guarda para as pessoas e jamais faria isso perto de alguém que, obviamente, tinha ido procurá-lo em seu lugar de trabalho, sem que ao menos se conhecessem e por um motivo que ele desconhecia.
Tinha certeza que eles queriam algo com ele e não se sentia disposto a descobrir o que.
— Sem problemas, eu já estava indo de qualquer forma. — respondeu rápido, sem pensar muito. Só queria sair dali, agora mais do que antes.
Ele tentou passar por , mas o homem viu o gato em sua caixa e ao invés de lhe abrir espaço, entrou na frente.
— Já foram atendidos? — perguntou, soando preocupado. — O que aconteceu com ele?
— Não costumo frequentar essa clínica, peguei o ônibus errado. — se justificou, tentando desviar novamente, mas mais uma vez interviu.
Ele olhou melhor para dentro da caixa, e estranhou o espanto que viu em seu rosto assim que realmente se permitiu analisar o gato com mais calma. O animal estava tão doente assim, ao ponto de um veterinário se assustar com apenas um olhar?
— O que foi? O que ele tem? — questionou. Não queria manter a conversa, mas foi mais forte que ele. Estava preocupado.
— Por que não sobe comigo e damos uma olhada? — questionou, e imediatamente lembrou de todos os motivos pelo qual aquilo era uma péssima ideia.
— Na verdade, eu deveria procurar outro lugar. — respondeu, dando um passo para trás, como se fosse simplesmente atacá-lo em público.
— Ele não vai ser tão bem tratado em outro lugar. — argumentou, e pela dimensão daquela clínica, tinha certeza que ele estava certo.
— Aposto que não, mas esse lugar está bem fora dos meus padrões. — foi sincero, segurando a caixa com mais força.
suspirou.
— Me deixe dar uma olhada, eu arrumo um bom desconto para você.
— Não acho que você tenha como saber o quanto de desconto eu precisaria.
— Garanto conseguir o suficiente. — respondeu, deixando-o intrigado com a insistência.
— Por que isso? — questionou, sem mais rodeios. Não via sentido em continuar conversando como se já não tivessem se visto antes. — Por que vocês estavam ontem no café e por que agora você está me oferecendo um desconto para olhar o meu gato?
— Eu sou veterinário, por que eu me recusaria a ajudar o seu gato? Eu literalmente estudei pra isso. — falou, escolhendo ignorar a primeira pergunta.
— É o seu trabalho. Você recebe pra ajudar.
— Claro, eu tenho contas pra pagar, mas não vou deixar de ajudar só porque o tutor não tem como pagar.
aceitou aquela resposta, mas não tinha deixado passar que o outro havia apenas ignorado sua primeira pergunta, a principal.
— E por que estavam me bisbilhotando no café? — insistiu, e soube que ele ia mentir antes mesmo do homem abrir a boca.
Algo importante sobre era que ele funcionava como um detector de mentiras. Ele sempre sabia quando estavam mentindo ou pretendiam mentir para ele. Sempre soube, desde criança.
E pretendia mentir.
— Bisbilhotando? — ele riu, como se aquela ideia fosse absurda. Ele estava ganhando tempo, pensando em uma desculpa. ergueu uma sobrancelha em sua direção enquanto esperava. — Só estávamos passando por ali e pareceu um café legal.
— Você está mentindo e por isso estamos indo embora.
Não esperando uma resposta, seguiu em frente, passando por para voltar ao ponto de ônibus. Antes que realmente se afastasse, o homem o segurou pelo ombro, o impedindo de continuar.
— Está bem, está bem. Meu amigo, , ele te viu no campus e ficou curioso sobre você. — explicou, e se virou para ele novamente. — Ele tentou se aproximar, mas como você não deu atenção, ele quis tentar de novo.
— Curioso sobre o que? — perguntou, porque apesar de saber que ele estava sendo sincero dessa vez, "curioso" ainda era amplo demais e não explicava nada. Sequer esclarecia se as intenções deles consigo eram boas ou ruins.
Podia ser literalmente qualquer coisa.
— Eu não sei. — mentiu novamente, o que deixou ainda mais intrigado.
— Você está mentindo de novo. — retrucou, e dessa vez bufou.
— Olha, nós dois sabemos que você não tem como saber realmente se eu estou mentindo ou não.
— Tenho sim. Eu sei que está mentindo e você sabe que eu estou certo.
não parecia muito convencido, mas era como tinha dito, o homem sabia que ele tinha acertado.
— Tudo bem. — admitiu, e sorriu convencido. — Eu não quero e não pretendo te contar o que deixou intrigado. Se quiser saber, vai ter que perguntar para ele. O que eu vou te dizer é que não temos nenhuma intenção ruim. Não sei o que você espera que façamos, mas está errado. Só queríamos conversar quando fomos até lá, assim como agora eu realmente só quero ajudar o seu gato. Ainda estou mentindo?
Não estava, mas aquilo não era a resposta que esperava ouvir. Sequer era uma, na verdade. andava por ai coberto dos pés a cabeça, com o cabelo nos olhos e uma máscara escondendo o rosto. Que tipo de curiosidade havia despertado? Aquilo não respondia nada, apenas o deixava ainda mais incomodado.
, ainda esperando uma resposta, ergueu uma sobrancelha, e se viu obrigado a responder.
— Não, você não está mentindo. — admitiu. — Mas isso não explica nada.
— Você não precisa saber de tudo, apenas que ninguém quer fazer mal a você ou ao seu gato.
Diante de sua resposta, bufou. Não gostava de se sentir no escuro e ainda não confiava no homem. Sinceramente, queria sair dali e seguir para o veterinário que ele tinha pesquisado anteriormente, mas olhou para dentro da caixa, vendo o bichinho ainda mais imóvel que antes, e se deu por vencido.
Ele realmente queria ajudar o gato, isso bastava por hora.
— De quanto desconto estamos falando? — perguntou, e gesticulou para que ele esquecesse isso.
— Deixa que eu me preocupo com a conta. — respondeu, indicando a entrada do prédio com a cabeça. — Vamos subir.
Um familiar, o gato era um familiar. Nenhum veterinário comum poderia ajudá-lo.
tinha uma teoria sobre o que ele podia ter, mas ela abria espaço para tantas novas perguntas que ele sequer sabia por onde começar.
— Qual é o nome dele? — perguntou, tentando sanar a primeira delas enquanto guiava pelo prédio. Não que saber o nome do gato mudasse alguma coisa, sua intenção na verdade era saber se aquele gato era mesmo do garoto. Desconfiava que não, e teve certeza de que estava certo quando parou de olhar tudo ao redor, ficando repentinamente desconfortável.
— Ele chama... Uhm... Mochi. Ele chama Mochi.
— Tinha esquecido o nome do seu gato? — brincou. Sabia que o garoto tinha acabado de escolher aquele nome, mas fingiu não se importar. Ao invés disso, parou com ele em frente aos elevadores e apertou o botão ao lado para chamá-lo.
— Na verdade, eu meio que o adotei ontem... — respondeu, meio inseguro. Era compreensível, visto que tinha se oferecido para pagar o tratamento do gato. — Eu realmente pretendo ficar com ele, eu só... Não tinha pensado nisso ainda.
fingiu confusão.
— Mas te entregaram um gato já doente? — questionou. Normalmente, ONGs de adoção de animais apenas os colocavam para adoção já tratados e bem de saúde, mas o que queria mesmo era saber onde o tinha encontrado, e como.
— Eu o encontrei na rua.
— Na rua? E ele não tinha nenhuma coleira de identificação? — fingiu estar muito espantado, embora tudo naquela conversa fosse exatamente o que ele esperava. — Ele pode ter um dono.
— Ele me segue há algum tempo até em casa e depois volta para a praça, onde me esperava até o dia seguinte. Ontem ele estava assim, doente, então o levei para casa, mas ele só piorou.
concordou com a cabeça, compreensivo, mas por dentro estava eufórico. Era isso. Familiares não podiam viver se não houvesse mais nenhum membro vivo na família para mantê-lo, já que não eram transferíveis. A única forma dele sobreviver nesse caso seria se o bruxo responsável por ele fosse ligado a um coven. Os bruxos em um coven, apesar de não terem uma ligação familiar de sangue, também eram um clã, uma família ligada por magia, e assim o animal podia viver também.
Ou seja, se estava certo sobre o que o gato tinha, o bruxo responsável por ele estava morto, e o único parente vivo para acolhê-lo não tinha feito isso. Se não porque não o queria, porque não sabia que ele existia.
Ou não sabia que era um bruxo.
Se o gato o estava seguindo, era porque era esse parente vivo. Ele não teria perdido tempo com um estranho aleatório sabendo que sua vida estava prestes a acabar.
sentia seus neurônios a ponto de entrar em combustão. Quem era o bruxo responsável por aquele familiar antes? Como ele morreu? Certamente foi um acidente, ou ele teria se ligado a um clã para salvar o familiar. E como não sabia sobre magia quando tinha um parente mágico? Adoção?
Mas isso não explicava a magia presa dentro dele. Quem fez isso certamente sabia sobre ela.
Eram tantas perguntas...
— Não vai descer? — tinha uma das mãos em frente à porta, a segurando para . Ele mal tinha reparado quando entrou no elevador para início de conversa, curioso demais para se atentar ao ambiente ao seu redor. — Está tudo bem?
— Sim, desculpe. Eu estava pensando sobre o diagnóstico.
— Do gato? — o encarou com confusão. — Você sequer fez perguntas sobre o que ele tem.
— Muitas doenças podem ser contraídas quando se é um gato de rua. — respondeu, e viu o cenho dele franzir.
O garoto podia saber quando estava mentindo. tinha se esquecido disso. Não tinha muita certeza de como ele podia saber, mas era evidente que sabia.
Precisaria perguntar a se isso era algum dom especial de bruxos das sombras e, enquanto isso, tomar cuidado com o que dizia. Especialmente porque precisaria tratar com magia um gato mágico sem que percebesse. Não tinha ideia de como fazer isso.
Quando chegaram a sua sala, a abriu e gesticulou para que entrasse. Assim que ele o fez, fechou a porta novamente atrás de sí.
— Pode sentar, e me diga o que ele tem. Pelo menos o que pôde notar. — se sentou diante dele, em frente ao computador, e enquanto falava, apenas fingiu anotar, pensando em como tratar o gato sem expor a magia. Não sabia exatamente o que estava acontecendo e porque parecia não saber que era um bruxo, então preferiu não arriscar.
Quando o garoto terminou de falar, felizmente, já tinha ideia.
— Pelos sintomas, é com certeza uma bactéria que ele contraiu na rua.
— Me parecem sintomas bem comuns, na verdade. — respondeu, ainda parecendo desconfiado.
O garoto era não só esperto e observador demais como também muito direto. Não era do tipo que fazia gracinhas ou ficava quieto para evitar um clima ruim. Ele apenas dizia o que pensava, e se você não queria que as coisas se tornassem estranhas, bom, não falasse bobagem para começar.
E era essa pessoa que tinha que enrolar.
— Claro, você está certo. — sorriu, tentando ser tão amistoso e diplomático quanto seu clã insistia que ele era. — Mas como eu disse, o histórico ajuda. As conclusões seriam outras se esse gato só vivesse com você em casa.
— Mas você ainda precisa confirmar o diagnóstico, certo?
— Com certeza. — se levantou, seguindo até a mesa esterilizada no canto da sala. — Pode colocar a caixa aqui em cima?
Sem questionar novamente, obedeceu, e pediu licença para retirar Mochi de dentro da caixa.
Achou irônico que tivesse pensado naquele nome em específico, pois era exatamente como chamava quando queria incomodá-lo. dizia ser uma menção honrosa às bochechas fofas do outro, que pareciam um bolinho, e enlouquecia. Não que fosse muito difícil de irritá-lo de qualquer forma.
Voltando a se focar no gato, afastou seus membros de clã dos pensamentos. O animal estava completamente amolecido quando o pegou nos braços e se preocupou que talvez tivesse menos tempo do que pensava. Precisou se apressar para fazer uma inspeção rápida, mas que fosse o suficiente para que acreditasse no diagnóstico sem que fosse feito qualquer exame. O gato certamente não tinha tempo para isso.
aferiu a temperatura do animal, verificou os olhos e garganta e usou tudo que podia encontrar de diferente para justificar a seu diagnóstico. O gato melhorando, esperava que ele não visse necessidade de pesquisar tudo aquilo na internet.
Quando terminou de falar, parecia convencido. cuidou de falar apenas a verdade, associando os sintomas a outras doenças que realmente as tinham como sintomas. Aquilo pareceu resolver o problema de com a mentira e ele finalmente confiou um pouco mais em sua palavra.
— Então, o que podemos fazer? — o garoto perguntou.
— Vou passar uma medicação intravenosa e ele deve estar melhor quando terminar. — contou.
Nunca tinha tentado isso antes, mas acreditava que conseguia empurrar sua magia para dentro do acesso para ir curando o gato aos poucos. Perderia o dobro de tempo, mas não levantaria suspeitas, e não sabia ainda o que estava acontecendo com para se expor para ele.
— Parece simples.
— Apenas porque sabemos o que ele tem e não é muito grave, mas isso mudaria se você não o trouxesse rapidamente, enquanto ainda é reversível. — respondeu, virando-se de costas para preparar o remédio, sem que visse o que ele realmente fazia. Quando conseguiu, quase comemorou alto demais, mas se controlou no último instante.
Enquanto perfurava o gato para aplicar a medicação, manteve sobre ele olhos atentos, pronto para intervir a qualquer momento. sabia que muitos humanos realmente possuíam aquela empatia com animais, mesmo que não os conhecessem, mas podia sentir que a preocupação de era mais que isso. O garoto podia não saber sobre magia, mas era afetado por ela e já tinha se ligado ao familiar sem saber.
A coloração dentro do acesso era ligeiramente brilhante, e fez questão de sair do consultório antes que fizesse alguma pergunta sobre aquilo, deixando-o sozinho enquanto a medicação tratava Mochi. Apenas quando já estava no final, voltou, parando na porta quando viu o garoto conversar com um animalzinho muito mais disposto.
— Não tive tempo de pensar direito, mas o que acha de Mochi? — perguntou, recebendo um miado em resposta.
O gato ainda estava na mesma posição que o tinha colocado, provavelmente sentindo a magia tratá-lo.
Familiares eram tão inteligentes quanto qualquer humano poderia ser e entendiam perfeitamente qualquer coisa que lhes fosse dito. tinha certeza que Mochi compreendia que era ignorante quanto a magia e talvez até soubesse mais sobre isso do que eles. Seu tutor anterior poderia ter confidencializado toda a história com ele, afinal, mas era um segredo que morreria com Mochi, já que gatos não podiam falar.
— Você gosta? — voltou a dizer, acariciando com cuidado o pelo do animal. O gato miou novamente, e dessa vez sorriu, abaixando um pouco a guarda. — Acho que vamos ter algum problema de comunicação se você me responder com miados exatamente iguais. — brincou.
conseguia compreender a diferença entre os miados, não eram iguais, mas não tinha a mesma prática. Mochi o encarou com um olhar cheio de julgamento, como se quisesse responder de forma atravessada e acabou rindo.
— Você parece esperto demais para um gato. — comentou, e decidiu que aquele era o momento de intervir.
Talvez devesse avisar Mochi que era observador demais. Ele precisaria fingir melhor se pretendia esconder o que era.
Assim que notou a presença de , corrigiu sua postura, voltando a fechar sua expressão antes sorridente. Fingindo não reparar, apenas voltou para seu lugar, pedindo que assinasse alguns papéis para ele. O garoto voltou até a mesa.
Havia anotado os sintomas que descrevera na ficha do animal, bem como o tratamento. Não mencionou nomes de remédios ou doenças, mas colocou valores, junto de um recibo esclarecendo que estava tudo pago.
sabia que se lesse direito o papel, estranharia as informações vagas, então caprichou no valor do tratamento, esperando que ele se chocasse o suficiente com isso para evitar fazer qualquer questionamento.
— Ele já parece bem. — comentou, dando pouca atenção ao papel de verdade. Aparentemente, tinha conquistado ao menos um mínimo de sua confiança ao tratar realmente o gato.
— Eu disse que ficaria. — sorriu. — Pode ser que ele fique um pouco indisposto ainda hoje, mas amanhã vai ser como se ele nunca tivesse ficado doente. Só vou precisar que volte aqui na próxima semana para vacinarmos ele, mas já incluí esse valor no final do tratamento. — virou para a próxima página, onde estava os valores, para que não perdesse muito tempo na página anterior.
O garoto arregalou os olhos assim que viu o preço, surpreso, e concordou rapidamente com a cabeça.
— Uhm... Certo. Eu acho. — respondeu, meio sem jeito, assinando rapidamente o papel antes de empurrá-lo para longe.
Mochi não precisava realmente se vacinar, era um gato mágico, mas precisava verificar se ele continuaria bem sob o teto de . Se ficasse, era a comprovação de que Mochi era mesmo seu familiar e precisariam investigar o que estava acontecendo ao redor do garoto.
Talvez fosse realmente hora de repassar aquela questão para , querendo isso ou não. Se aquele gato tinha chego até , alguém tinha morrido.
não se sentia bem enquanto assistia a aula e conhecia aqueles sintomas melhor do que gostaria.
Sua mente já tinha apagado algumas vezes enquanto olhava para o nada, e em todas elas, quando voltava, sentia aquele mesmo gosto estranho na boca. Sua cabeça doía, seu estômago estava embrulhado. Ficou feliz de ter se esquecido de comer, ou já teria vomitado seu remédio para fora, mesmo que ele não estivesse realmente fazendo efeito de qualquer forma.
não estaria se sentindo assim se o remédio estivesse agindo como deveria, o que também o deixava preocupado.
Por que não estava funcionando?
Não queria ter que voltar ao médico, as infinitas consultas. Tinha medo de descobrir que havia mais algum problema em sua cabeça, como sempre acontecia. Não queria os olhos de sua mãe o tempo todo sobre ele com o dobro de preocupação e pensar em tudo isso o deixava ansioso.
De acordo com seu médico, o pânico também era um sintoma, mas se sentia assim porque estava beirando a uma crise. Não era o pânico que o deixava doente.
Estava no meio de uma aula, e temeu ser novamente o garoto estranho que convulsionava no meio da turma. Isso não tinha acontecido ali ainda. As pessoas o achavam estranho por se esconder e era melhor assim do que cochichando sobre ele ser doente.
Fingia não se importar com o que pensavam dele, mas se escondia de todos justamente por se importar demais. Já tinha escutado de tudo por conta de sua condição, preferia se poupar hoje em dia, mas até quando conseguiria?
desejou poder levantar dali e apenas ir embora. Não precisava pedir permissão, não estava mais na escola, mas se sentia tonto demais e temia que o nervosismo apenas piorasse tudo, desencadeando a crise de uma vez.
Sua melhor opção no momento era esperar a aula acabar. Não se importaria em ter uma crise sozinho, em meio a uma sala vazia, mesmo que acabasse machucando a si mesmo.
não ouviu uma única palavra do que o professor disse, mas ainda assim, estava exausto quando ele finalmente liberou a turma. Seu corpo estava tenso, mas foi proposital quando ele demorou demais para guardar suas coisas.
O professor não o esperou para sair, dizendo que tinha um compromisso, e apenas murmurou que estava tudo bem. Preferia assim.
Era intervalo agora, ninguém entraria ali pela próxima meia hora. Estar sozinho era tudo o que ele precisava.
terminou de juntar suas coisas, mas ficou ali por algum tempo, tentando controlar a respiração. Se sentiu um pouco melhor apenas de saber que não teria testemunhas se algo acontecesse, mas para sua surpresa, até mesmo os outros sintomas foram diminuindo. Sua cabeça pareceu um pouco mais em ordem, a dor diminuiu. Sentiu que poderia chorar de alívio com isso.
Após esperar mais alguns instantes, tentou se levantar, e agradeceu mentalmente quando o mundo não girou ao seu redor.
Poderia chegar até o banheiro e esperar lá até que todos voltassem para suas aulas, assim teria os corredores livres para ir embora sem passar por nenhum constrangimento. Parecia o plano perfeito.
Saiu da sala apressado, ou o máximo que pôde, mas congelou onde estava quando simplesmente encontrou Mochi bem ali, parado à sua frente, no meio do corredor. Ele estava sentado tranquilamente, como se o esperasse, e piscou duas vezes para ele, totalmente confuso.
Era algum sintoma novo? Agora teria alucinações? Esfregou os olhos como se isso fosse resolver alguma coisa, mas Mochi estava realmente ali e ainda miou para deixar bem claro.
Mas não era realmente possível que ele estivesse ali, era? Tinha certeza de que o tinha deixado em casa, dentro da mesma caixa do dia anterior.
Mochi chegou totalmente bem em casa, como se nunca tivesse estado doente. o alimentou e pediu que ficasse quietinho ali, sem sair do quarto. O gato o viu se afastar e ir embora, como se tivesse entendido exatamente o que havia pedido, mas então, ali estava ele.
Como?
precisava tomar ônibus para chegar à faculdade, não era possível que um gato simplesmente tivesse andado por todo caminho até ali, era?
Novamente, o gato miou, como se tentasse chamar sua atenção, mas ele ainda temia falar com o animal e descobrir que era uma alucinação de sua mente meio prejudicada.
— Oh, o que você está fazendo aqui? — outra voz perguntou, e se alarmou ao reconhecê-la imediatamente.
.
O garoto não parecia tê-lo visto ainda, estava vindo de um corredor a esquerda de e o gato estava bem no cruzamento entre eles. Ele se aproximou de Mochi, já se abaixando para pegá-lo nos braços, e o gato foi de bom grado para seu colo, miando animado enquanto se esfregava nos ombros do outro como um bom traidor.
sabia que não estava aliciando agora, mas preferia que estivesse. Não gostava de ainda, não sabia o que ele queria consigo, e quando os olhos dele voltaram para os seus, quis fugir. Não gostava de atenção, e ali estava o único estranho que parecia querer alguma coisa dele.
Em um instante, todos os sintomas que haviam desaparecido durante a aula voltaram. Sua cabeça doeu, seu estômago embrulhou, e sua visão escureceu rapidamente. Teria uma crise ali mesmo.
Ciente de que a porta do banheiro estava perto, tentou se apressar até lá, mas precisou escorar na parede para não cair, o que imediatamente alarmou e o levou a devolver o gato para o chão.
— ? Você está bem? — questionou, aproximando-se junto de Mochi que imediatamente pulou em suas pernas, voltando a miar.
desejou afastar os dois, queria ficar sozinho, precisava estar sozinho. A atenção só piorava tudo e ainda era um estranho, mas não se sentia capaz de apenas dizer isso e mandá-lo embora.
Às cegas, tentou seguir seu caminho, fugir de e chegar ao banheiro, mas o outro entendeu apenas a segunda parte, aproximando-se para ajudá-lo. o segurou pelo quadril e passou um de seus braços sobre os ombros, tentando guiá-lo até lá.
— O que está acontecendo? — perguntou, aflito, mas não respondeu, sentia sua consciência lhe deixando. Todo seu peso estava sobre agora, sabia disso, mas não conseguia mais evitar. — ?!
conseguiu chegar até o banheiro, praticamente o arrastando para lá. Ele abriu a porta, e apenas não caiu ali dentro porque o outro o amparou. Ouviu gritar seu nome outra vez, mas sua mente já estava longe demais. A última coisa que ele se lembrava de ter visto, foi uma luz muito clara diante de seus olhos, antes de apagar completamente nos braços do garoto que ele estava tentando evitar.
desabou sobre ele e o peso de seu corpo levou os dois ao chão. caiu sentado e bateu com a cabeça na parede, mas apesar da dor, não soltou o outro, que terminou jogado entre suas pernas.
levou alguns segundos para se dar conta do que realmente acontecia após o choque inicial e se desesperou quando percebeu que estava convulsionando. Imediatamente, colocou a cabeça para funcionar. Tinha um médico em casa, sabia o básico sobre primeiros socorros.
Com alguma dificuldade, tentou usar o próprio corpo para virar de lado, evitando realmente restringir seus movimentos muito além daquilo. A cabeça dele estava em seu peito, devidamente segura, e além disso, não havia muito mais a ser feito, por mais desesperadora que a situação fosse.
trabalhava em uma clínica veterinária, via aquele tipo de coisa acontecer com os bichinhos com alguma frequência desagradável, mas nunca ficou tão nervoso antes. Talvez por saber que não poderia tratar aquilo. não era um cachorro e menos ainda um de seus pacientes. Ou porque essa era apenas mais uma coisa estranha ao redor do garoto de aura triste. sentiu muito por ele e desejou poder abraçá-lo até que passasse, mas se conteve. Sabia que não ajudaria.
Repentinamente, sua perna passou a ser arranhada e ergueu o olhar, vendo o gato de antes, do corredor, tentando chamar sua atenção. Ele parecia desesperado, como se quisesse dizer algo, e arregalou os olhos quando finalmente compreendeu. Aquele gato, a forma como estava sentado no meio do corredor, ele não era um animalzinho qualquer. Era um familiar, de . Seu coração deu um salto no peito.
Ele era um bruxo sem magia, mas com um familiar. A magia não fluía em seu corpo como em outras pessoas, ela estava presa dentro dele. também era, provavelmente, o único bruxo como ele vivo depois de todos os outros terem sido exterminados. Era coisa demais para ser coincidência, e incluía nessa conta o fato dele estar convulsionando. Algo estava muito errado. Precisava contatar , e talvez também.
O gato miou alto, um som sofrido, e voltou a se focar nele.
— Temos que esperar passar. — explicou, voltando a olhar para . Os espasmos estavam diminuindo, mas não sabia até que ponto o pós de uma crise convulsiva era igual em um humano e um animal. O gato miou novamente, e apesar daquele familiar não ser seu, não teve dificuldade em entender o que ele queria dizer. — Vai passar. — assegurou. — Apenas temos que evitar que ele bata a cabeça e esperar que passe. Já está passando.
Confiando em sua fala, o gato se sentou onde estava, soltando apenas mais um miado baixinho enquanto aguardava, mas não demorou muito para que se acalmasse. Tudo aconteceu em menos de dois minutos, e suspirou aliviado quando o viu abrir os olhos.
— ? — chamou, se inclinando para tentar ver seu rosto. — Está tudo bem?
O garoto piscou duas vezes, mas não se moveu ou tentou encará-lo. Sua mente ainda parecia totalmente fora de órbita, o que deixou ainda mais preocupado.
— Está me ouvindo? — voltou a chamar, e como se quisesse ajudá-lo, o gato miou em seguida, levantando-se de onde estava para se aproximar um pouco mais. Ele foi para a esquerda de , ficando em frente ao rosto de . O gato lambeu sua bochecha e o garoto resmungou qualquer coisa, escondendo o rosto em sua camisa para fugir do animal.
Ele não parecia ter notado ali ainda. Não parecia lúcido o suficiente para isso.
— ? — chamou novamente, tocando seu ombro, mas ele não respondeu mais e questionou se o garoto havia dormido ou desmaiado. Precisava fazer alguma coisa, mas não tinha muita ideia do que. Se fosse o caso de uma doença normal, ligaria para uma ambulância, mas sentia que não era isso.
Mantendo na mesma posição, se remexeu para buscar o celular no bolso da calça. Quando conseguiu, procurou o contato de . Tinha certeza que ele saberia o que fazer.
O líder do clã atendeu no segundo toque.
— ? — falou ele do outro lado da linha, parecendo confuso. — Você não deveria estar em aula?
— Estou no intervalo, na verdade. — explicou, antes que o outro reclamasse. era do tipo que levava os estudos um pouco a sério demais, e apesar disso ser meio chato às vezes, também era o motivo pelo qual havia ligado para ele para início de conversa. Ok, era médico, mas além disso também sabia tudo sobre tudo. — Preciso que me diga o que fazer após uma convulsão.
— Você não deveria aprender isso na aula?
— Se eu estivesse falando de um pet, sim, mas minha pergunta é sobre um humano.
— , aconteceu alguma coisa? — ele voltou a perguntar, agora soando preocupado.
— Sim, mas não comigo. É sobre o , o garoto de ontem-
— Eu lembro dele. — o interrompeu quando começou a explicar. — Ele esteve aqui hoje.
— Esteve?!
— Sim, com um gato.
— Um familiar?! — sugeriu, arregalando os olhos enquanto se voltava para o animal ao seu lado. Ele o encarava com um olhar cheio de julgamento e podia compreender o motivo. Tinha dito que ficaria bem se apenas esperassem, mas ele não havia acordado. — Então ele sabe sobre magia?!
— Era um familiar, mas o garoto não parecia saber disso.
— Como ele tem um familiar e não sabe?
— Ele acha que encontrou o gato perdido na rua. — explicou, e ficou ainda mais surpreso quando terminou de processar as informações.
Familiares não se perdiam e muito menos podiam ser encontrados. Se estava com ele era porque o gato pertencia a ele e só tinha uma forma disso acontecer.
— Alguém morreu. — concluiu em voz alta e logo concordou.
— Sim, aparentemente. Mas se ele não sabe sobre a magia, então também não sabe quem foi. — respondeu, e suspirou. Será que conseguia uma lista dos últimos bruxos mortos para tentarem localizar quem era o parente morto do garoto? — Mas como você sabia que era um familiar? — voltou a questionar, e deixou seus pensamentos de lado. Por enquanto.
— Gostaria de dizer que é porque nossa clínica veterinária é para animais mágicos, mas na verdade é por causa do gato que está me olhando agora, pronto para voar no meu pescoço se o garoto não acordar logo.
— Ah, certo. Isso. O que aconteceu? — voltou a perguntar, lembrando-se do assunto inicial da ligação. — Tem a ver com o papo sobre convulsão?
— Sim, convulsionou. Eu impedi que ele se afogasse, mas depois que acabou ele abriu os olhos apenas por alguns segundos antes de apagar de novo e eu não sei o que fazer. Eu ligaria para uma ambulância, mas você deve concordar comigo que isso não parece ser um problema humano comum.
— Onde você está? Vou pedir para o me levar ai. Ou trazer vocês, no caso.
— Beleza. Estou no banheiro da ala C.
— Não tenho ideia do que isso significa, mas descubro.
— Siga as placas. — respondeu, mesmo ciente de que não era bem assim que o poder de funcionava.
— Claro, vou pedir pra ele fazer isso enquanto teletransporta a gente. — devolveu, não esperando uma resposta antes de desligar a ligação.
— Vocês podem me explicar de novo por qual motivo trouxemos alguém potencialmente perigoso para nossa casa? — perguntou, encarando ao longe de braços cruzados.
Mochi, como descobriu que se chamava o gato, mostrava os dentes sempre que ele tentava chegar perto. Podia sentir que não gostava de e como o garoto não podia se proteger, fazia isso por ele.
nunca faria mal a alguém se não fosse atacado antes, ele apenas estava preocupado com a segurança de todos no coven, mas Mochi não tinha como saber disso.
e eram o que os bruxos chamavam de irmãos de magia. , quando nasceu, não possuía magia o suficiente no corpo para se manter vivo. Dessa forma, sua única esperança era um ritual de permutação, onde outro bruxo recém nascido lhe doava parte de sua magia. Era uma espécie rara de ritual, visto que os dois bebês precisavam possuir magias opostas, mas os dois, coincidentemente, eram. Esse era o motivo pelo qual hoje era um bruxo da luz, embora não possuísse todas as capacidades plenas da classe.
era capaz de fazer clones de sí mesmo usando a manipulação da luz, além de realizar teletransporte fotocinético, duas habilidades que nunca chegou a dominar.
— Potencialmente perigoso? — questionou, gesticulando para a cama onde havia sido colocado. Ele ainda estava desacordado, sendo examinado por . — Ele realmente parece perigoso pra você?
revirou os olhos.
— Estar desmaiado não muda o fato de que ele pode ser perigoso. — respondeu. rapidamente abriu a boca para retrucar de volta, mas uma característica de ter como seu irmão de magia era que podiam prever o que o outro estava pensando. sabia exatamente qual acusação tinha para ele e a rebateu antes que ele tivesse oportunidade de verbalizá-la. — Não, eu não estou falando por conta da magia das sombras dentro dele. Eu sei que ela também está em você, não me acuse de me importar com isso. O problema é que ninguém sabe nada sobre ele. Não existe nenhum registro em seu nome ou sobrenome em nenhum banco de dados. Se ele está se escondendo, tem um motivo, e vocês o trouxeram aqui sem saber qual é.
— Tecnicamente, você trouxe. — deu de ombros, ignorando a preocupação do outro, e o repreendeu:
— . — chamou, olhando duramente para ele. — está certo. Não podemos permitir que qualquer um passe por nossas barreiras de proteção. Elas não foram colocadas ali atoa. — falou, voltando-se para em seguida, antes de continuar. — No entanto, receio que a culpa seja minha, eu dei a ideia de trazer ele pra cá. Também não acreditei que ele fosse perigoso.
— Por que também falou com ele quando estava acordado. — explicou. Sabia que o líder havia sentido no garoto a mesma aura triste que ele sentiu.
A magia das sombras repelia as pessoas. provavelmente teve uma vida solitária sem entender o motivo. se comovia por isso, pois sabia que podia ter sido ele caso sobrevivesse sem . Sentia uma amostra disso sempre que pessoas mágicas viam sua verdadeira forma e era o motivo pelo qual também se escondia.
— Posso entender como você se sente sobre ele, , mas pessoas mentem o tempo todo e nenhum dos dois são telepatas para termos uma noção da índole do garoto.
— Podemos não ser, mas ainda somos três contra um. — o lembrou. — Ele definitivamente não representa um perigo maior que a gente. Ele nem deve ter passado dos anos de vida humanos ainda.
— Não passou. — respondeu, voltando-se para eles após terminar seus exames. — Ele realmente tem a idade nos documentos dele, vinte e três anos.
— O que nos coloca com setenta anos a mais. — fez questão de ressaltar e revirou os olhos mais uma vez.
— Só estou tentando guardar nossa casa. — respondeu, dando um passo para dentro do quarto, mas Mochi imediatamente se levantou, colocando-se entre e novamente enquanto rosnava para ele. — Escuta aqui, se eu quisesse machucá-lo não precisaria chegar perto! — brigou com o bicho, apontando em sua direção, mas Moch não deu a mínima, apenas continuou rosnando com os pelos eriçados. bufou, voltando um passo para trás, e somente então o gato voltou a relaxar. — Familiares são chatos. — reclamou, e o gato resmungou de volta.
— Eu tenho certeza que ele te xingou. — riu.
— Eu sei. — respondeu, cheio de desgosto. — Você também.
negou com a cabeça, achando graça que o melhor amigo estivesse brigando com um animal que sequer podia falar, mas voltou-se para em seguida, ainda preocupado com o garoto.
— Mas e ai? Descobriu mais alguma coisa sobre ele? Ou o que ele tem?
já havia dito que a convulsão de , independente do motivo, não havia causado qualquer dano em seu sistema neurológico ou sido causado por um problema em seu cérebro. Diante disso, decidiu que o sono pesado dele era provavelmente algum sintoma comum pós convulsão. Ele chamou isso de sintoma pós-ictal e disse que ficaria bem.
O problema era que, se o garoto não tinha motivos para convulsionar, então porque havia convulsionado? Era isso que estava tentando descobrir.
— A convulsão é definitivamente um efeito colateral do que está bloqueando a magia dele, mas não consigo desvendar o que é ou como libertar. Parece ser uma magia antiga demais para mim. Não consigo sequer ver o selo de quem fez.
— Mais antigo que você? — perguntou, surpreso. , apesar de sua aparência corresponder a no máximo vinte e seis anos, tinha quase cento e trinta.
— Eu vivi menos de um terço de uma vida bruxa, . — o outro explicou, mas entendia sua indignação. Seus membros de clã eram as pessoas mais velhas que os dois conheciam.
— Ainda é muita coisa! — exclamou. — Dificilmente encontramos bruxos que viveram uma vida completa.
— Isso porque antigamente existiam muitas guerras. Hoje em dia não é mais assim.
— Certo, mas e ai? — os interrompeu novamente, tentando voltar ao assunto. — Não podemos fazer nada, então? Ele vai continuar convulsionando?
— Se a magia dele não for liberta, a tendência é que as convulsões passem a ocorrer em uma frequência cada vez maior, até que realmente haja algum dano cerebral ou que ele não aguente mais.
— E como se liberta algo que a gente nem sabe como foi preso? — perguntou, mas o problema era justamente aquele. Ninguém sabia, nem mesmo , que normalmente sabia de tudo.
sentiu seu peito apertar, mesmo que não conhecesse o garoto.
— Nossa única pista é Mochi. — falou, decidindo contar a eles a ideia que havia tido. — Alguém morreu para que Mochi fosse transferido para ele. deve conseguir descobrir quem foi. Se ele achar a pessoa, saberemos por onde começar a investigar. Algo no passado dele deve levar até quem prendeu a magia dentro dele.
— Isso supondo que ele já não saiba e esteja tentando se esconder por outro motivo. — sugeriu, mas negou rapidamente.
— Não está.
— Você não tem como saber, . Já falamos sobre isso. — retrucou, mas podia sentir que ele não estava, mesmo que não pudesse explicar o motivo.
precisava de ajuda. Algo dentro dele gritava por socorro e apenas podia escutar. Talvez fosse a magia das sombras se comunicando por ele, mas não importava. precisava dessa mesma magia para viver. Um fazia parte do outro.
— Então talvez devêssemos realmente chamar . — sugeriu, porque acreditava que estava certo o suficiente para chamar um telepata para tirar a prova.
Antes que pudesse responder qualquer coisa, no entanto, o garoto na cama suspirou alto, chamando a atenção de todos no quarto. Eles se voltaram para ele, esperando que acordasse, e lentamente seus olhos se abriram.
Mochi miou ao seu lado, chamando sua atenção, e seguiu o som, notando então que não estava sozinho ali. Parecendo assustado, se sentou rápido na cama, ou tão rápido quanto poderia, enquanto olhava para os lados.
tinha falado algumas coisas sobre sintomas após convulsão, que ele provavelmente estaria meio letárgico quando acordasse. Ele realmente parecia assim, embora ainda pudesse sentir também seu receio.
Acordar em um lugar estranho com pessoas estranhas ao redor após desmaiar deveria ser perturbador. Deveriam ter pensado nisso antes de simplesmente levá-lo para um lugar diferente. Tinha sido uma ideia estúpida.
— Onde eu estou? — questionou, inseguro, enquanto seus olhos examinavam cada um deles cuidadosamente. Tinha certeza que se alguém desse um único passo em sua direção, ele levantaria em um pulo. não tinha dúvidas disso.
— Você passou mal, não se lembra?
— Eu me lembro de estar na faculdade. — o respondeu de forma acusatória. precisava admitir que merecia.
— Sim, no banheiro. Mas você convulsionou e eu não sabia o que fazer, então liguei para o . — apontou para o outro, lembrando-se de que deveria dizer apenas a verdade. Alguns bruxos como ele podiam ler através das mentiras e, de acordo com , era um deles
O garoto franziu o cenho, confuso.
— Para um veterinário?
— também é médico. — explicou, mas o garoto apenas pareceu ainda mais perdido.
— Ele é médico e veterinário? Quantos anos ele tem? — se voltou para .
— Eu fiz alguns anos de medicina, mas acabei mudando de especialidade. Preferi priorizar os animais. — explicou, tentando soar meio vago para que não identificasse a mentira.
não tinha feito apenas alguns anos de medicina, ele havia se formado. Atuou como cirurgião geral por alguns anos antes de decidir ir para a cardiologia. Acontece que, quando se tem tanto tempo livre, mudar de carreira é até bem fácil. Cinco anos de estudo era nada para eles, mas não tinham como explicar isso a sem contar sobre a magia.
— Como eu terminei aqui? — ele voltou a perguntar, dando pouca atenção para a história de . Aparentemente, ser vago funcionava.
— Você não acordou depois que a convulsão passou e eu não podia só te largar no banheiro jogado. — respondeu. — Essa é nossa casa. É perto da faculdade. nos ajudou a te trazer. — apontou para o outro que apenas se manteve parado na porta, olhando seriamente para ao longe.
Com o olhar, o repreendeu. era ótimo em intimidar as pessoas. Um sorriso e ele amolecia qualquer um, mas com a expressão séria, parecia outra pessoa. Alguém certamente muito mais rude do que ele realmente era, mas não pareceu se importar.
O garoto franziu o cenho novamente, e todos conseguiam ver que ele ainda tinha muitas perguntas em sua mente. Ele parecia lutar para fazer com que seu cérebro funcionasse adequadamente, mas estava perdendo. Era evidente que ele ainda não estava muito bem. Na verdade, notou que ele parecia estar empalidecendo muito rápido e não foi o único, pois voltou a se aproximar dele rapidamente.
— O que você está sentindo? — perguntou, sentando-se ao seu lado na cama para apoiar suas costas caso desmaiasse novamente ou voltasse a convulsionar. — Tontura? , vá buscar um copo de água.
O bruxo pareceu pronto para discutir, mas bastou um olhar duro de para que obedecesse.
— Eu vou ficar bem. — voltou a falar, após respirar fundo algumas vezes. — Eu tenho epilepsia, foi só uma crise.
— Isso acontece com frequência? — questionou ainda.
— Não muito. Têm alguns gatilhos.
— Como o quê? — insistiu, aproveitando-se do garoto estar letárgico demais para pensar em não responder.
— Ficar muito nervoso.
— Você estava nervoso na aula? — estranhou, lembrando-se de que o encontrou saindo de uma das salas, mas negou.
— Não acontece imediatamente. Pode ser efeito de um ou dois dias antes. — explicou, e não pôde deixar de se questionar se não tinha contribuído para isso.
Tinha feito o garoto achar que estava sendo perseguido, afinal, e pela expressão no rosto de , soube que o outro pensava a mesma coisa.
— Eu deveria ir embora. — ele falou repentinamente, escorregando na cama para poder colocar as pernas para fora.
— Calma, você ainda não parece bem. — se levantou para lhe dar espaço. — Você pode ficar mais um pouco.
— Eu não sei que horas são e eu preciso trabalhar.
— Trabalhar? — questionou, vendo o outro levantar. Ele pareceu vacilar, mas o amparou rapidamente. — Você precisa descansar.
— Ainda não deu o horário final da aula. — falou também. — Você pode ficar até precisar ir para o trabalho.
— Eu realmente gostaria de ir. Posso descansar lá enquanto o expediente não começa.
— Tudo bem, mas deixa eu te dar uma carona? Por favor? — perguntou. — Não tem como você ir andando até lá assim. Você parece péssimo.
pareceu pronto para protestar outra vez, mas acabou concordando por fim. Se estava tão evidente para eles que o garoto não estava bem, certamente podia sentir. Andando sozinho, dificilmente chegaria até qualquer lugar sem desmaiar no caminho e ele provavelmente sabia que tinha dado sorte por nada de ruim ter acontecido ainda.
Durante o caminho até o café onde o garoto trabalhava, apenas dormiu. Ele parecia tão perdido em sua própria mente quanto avisou que ele estaria. Ele parecia cansado e letárgico, o que apenas preocupou ainda mais. deveria ir para casa, descansar, não para o trabalho, especialmente quando seu serviço exigia que ele ficasse de pé o dia inteiro.
Acontece que, quando comentou isso com , sua intenção já era pedir uma folga para vigiá-lo, mas o líder do clã a ofereceu antes mesmo que precisasse pedir. Ele, obviamente, aceitou, fingindo que nunca antes havia pensado sobre isso.
De dentro do carro, o observou de longe, aproveitando-se das janelas de vidro do café. Viu o garoto atender as mesas parecendo sonolento, até que decidiram deixá-lo atrás do balcão, provavelmente notando que ele não estava em seu melhor estado de espírito. Quando finalmente deu a hora de ir embora, passou pela porta da frente com a mesma mochila de antes e um moletom tão grande quanto os outros que o viu usando. O gorro, como de costume, estava sobre sua cabeça, cobrindo quase totalmente seus olhos, como se ele estivesse tentando se esconder do mundo. não duvidava que estivesse, e conseguia entender seus motivos. Sentiu seu peito apertar em pensar neles.
Assim que virou a rua, deu partida no carro, abrindo a janela quando finalmente se aproximou dele.
— , oi! — exclamou, todo entusiasmado, como se tivesse encontrado o garoto totalmente ao acaso. — Pensei em te dar uma carona para casa, que bom que cheguei a tempo!
— Eu vi seu carro estacionado do lado de fora o dia todo, não sou cego. — o outro respondeu, tão direto como sempre.
riu sem graça, tentando pensar rapidamente em uma desculpa.
— Colocando dessa forma soa um pouco estranho, mas...
— É estranho. — o interrompeu, antes que ele terminasse sua fala. Ele sequer havia parado de andar, o que obrigou a seguí-lo de perto com o carro, exatamente como um stalker faria.
Mais uma vez, riu sem graça. Normalmente ele não era tão ruim em se aproximar das pessoas, mas com ele parecia estar fazendo tudo errado o tempo todo.
Por uma brecha no zíper da mochila, Mochi colocou a cabeça para fora. O gato ainda estava com ele e pôde sentir o julgamento no olhar do animal. Olhou feio para o bicho, que devolveu um olhar de completo desdém antes de voltar para dentro da mochila.
— Eu não estava no carro, aproveitei que tinha vindo te deixar no serviço e fui ajudar uma amiga minha que trabalha na loja da frente.
Se tivesse pensado um pouco, teria deduzido que era uma péssima desculpa, mas não teve muito tempo para isso quando Mochi o distraiu.
— Você foi ajudar sua amiga em uma loja de lingerie? — devolveu, e arregalou os olhos. Óbvio que estava mentindo, não tinha ideia do que havia na frente no café. Não imaginava que era uma loja de lingerie, mesmo tendo passado a tarde inteira encostado ali.
A verdade era que , sem aquele moletom enorme, era adorável. Ele era alto e tatuado, mas arregalava os olhos de forma fofa quando os clientes falavam, como se precisasse fazê-lo para ouvir melhor. Como se isso não bastasse, ele ainda franzia o nariz em momentos totalmente aleatórios, como se estivesse coçando e não pudesse colocar a mão para coçar. passou a tarde inteira vendo a forma como ele agia. Tinha certeza que ninguém imaginaria o quão fofo ele podia ser escondido embaixo daquele moletom.
— Uhm, eu conheço a dona. — insistiu na mentira, ainda seguindo o garoto com o carro. revirou os olhos.
— Não tem uma loja de lingerie na frente. — declarou, e deixou o queixo cair.
— Você mentiu para mim?! — perguntou, surpreso. Parando para pensar, talvez devesse ter previsto.
— Você também mentiu.
— Certo, você está certo, mas eu só estava preocupado.
— Você age como um stalker. — o outro respondeu. Durante toda a conversa, andava olhando apenas para frente, com as duas mãos nos bolsos. Em momento algum ele desviou sua atenção para . — Você me seguiu ontem, me levou para sua casa enquanto eu estava desacordado e agora está querendo saber onde eu moro, depois de ficar me vigiando o dia inteiro.
Ok, colocando dessa forma, precisava admitir que soava péssimo, ele parecia realmente um psicopata. Se fosse o contrário, não confiaria em de forma alguma.
— Eu só queria te dar uma carona… — suspirou, se sentindo um idiota por ter agido da forma como agiu.
— Não vou deixar que você simplesmente descubra onde eu moro.
— Você diz isso, mas continua andando enquanto eu te sigo, eu vou acabar descobrindo de qualquer forma. Se você entrasse, poderíamos pelo menos chegar mais rápido. — sorriu, mas esqueceu-se que ele não estava olhando. Voltou a fechar a cara, descontente, e ouviu Mochi soltar um bufo. Quando olhou para a mochila, viu que o gato o observava novamente e o bufo foi o mais perto que ele pôde chegar de rir da sua cara.
De repente não gostava mais daquele gato.
— Você acha mesmo que eu estou andando até a minha casa enquanto você me segue? — perguntou, finalmente virando a cabeça para encará-lo. Ele tinha uma sobrnancelha erguida, como se chamasse de idiota. provavelmente era mesmo um idiota, estava agindo como tal desde o início daquela conversa. — Se me seguir eu vou demorar mais para voltar para casa, apenas isso. E se eu desmaiar no caminho, no meio da rua, a culpa vai ser totalmente sua de novo.
— De novo? — se espantou com aquela fala, quase perdendo a direção do carro por um instante. Já tinha pensado naquela possibilidade e havia negado. Odiou a ideia de ser o causador daquela crise. Em momento nenhum sua intenção foi fazer mal a ele e sentiu-se extremamente culpado por isso. — Sua crise anterior foi realmente minha culpa?
Notando sua preocupação, suspirou.
— Não foi culpa sua, muitas coisas aconteceram. — explicou, como se também estivesse se sentido culpado. — Por favor, só vá pra casa e me deixe em paz. Eu não sei o que eu fiz pra chamar sua atenção dessa forma, mas eu estou pedindo pra me deixar em paz. Não é tão difícil.
se sentiu ainda mais idiota com aquele apelo. Estava perseguindo alguém que tinha todos os motivos do mundo para preferir estar sozinho. Também tinha seus motivos para estar fazendo isso, precisava se aproximar, mas podia ter sido mais sutil.
— Eu não quero te fazer mal e nem tinha a intenção de ficar te espionando por maldade, eu juro. Eu só estou preocupado, nada a mais. me deu folga hoje e por isso decidi ficar por perto. Você não parecia bem, eu achei que não ia aguentar o expediente completo. Não era a intenção realmente ficar o dia todo. — foi sincero. — Me deixa te dar uma carona, eu não tenho nenhuma intenção ruim e nem me importo em saber onde você mora. Não vou fazer nada com essa informação.
pareceu pensar um pouco sobre o que ele estava dizendo e novamente o encarou. Por um instante, o garoto pareceu olhar no fundo de sua alma e se arrepiou. Por fim, pareceu acreditar em sua fala e finalmente concordou.
— Tudo bem, eu aceito a carona. — respondeu, e comemorou em alto e bom som, o que o deixou constrangido em seguida, especialmente porque não sorriu de volta ou disse qualquer coisa, ele apenas parou de andar e esperou que também parasse o carro para que ele pudesse entrar. Quando o fez, ele pulou para o banco do passageiro em completo silêncio, cuidando apenas de tirar a mochila para não esmagar Mochi dentro.
não pôde deixar de notar que, se o garoto estivesse dormindo como antes, seria menos constrangedor. Ele não parecia do tipo falante.
— Certo, onde você mora? — perguntou, mas apesar de realmente precisar daquela informação, sua principal intenção era puxar assunto.
— Segue em frente. — o outro respondeu, simples. Claro que ele não ia facilitar.
— Você não vai me dar o endereço para eu por no GPS?
— Não.
— Você sabe que o endereço vai ficar salvo quando chegarmos, não sabe? Não vai fazer diferença.
— Se você não seguir eu vou descer. — respondeu, e imediatamente deu partida no carro.
— Tudo bem, tudo bem. — ele teria que procurar outra forma de puxar assunto se não quisesse deixar o carro em um silêncio constrangedor. — Como você se sente, está melhor?
— Sim.
— Você tem o gato há muito tempo?
— Não.
— Uhm, ok... — segurou o riso, embora fosse de constrangimento. — Eu estou tentando puxar assunto, aqui.
— já sabe sobre isso, eu contei para ele quando levei Mochi até lá. — respondeu. ficou satisfeito de ser uma frase um pouco mais longa, mas ainda não resolvia a questão de puxar assunto. Ele basicamente estava mandando perguntar a .
— Certo, eu tinha me esquecido disso…
— Vira à esquerda.
— Nessa esquerda? — perguntou, ele estava na pista da direita, longe da rua onde deveria entrar. Torceu para que não fosse, mas claro que era. Precisou virar rapidamente para não perder a entrada e pelo menos três carros buzinaram para ele por causa disso. — Você tem que me avisar antes! — exclamou, indignado. Podia ter batido!
— Eu avisei. — ele respondeu, como se fosse óbvio. o encarou chocado.
— Mais antes que isso! Eu preciso dar a seta!
O garoto deu de ombros e estava pronto para perguntar se ele era louco por não ver a seriedade do que tinha acontecido, mas amoleceu quando percebeu que segurava o riso. Era a primeira vez que conseguia alguma reação dele diferente de tédio e incômodo. Ficou realmente feliz com isso.
— Na próxima direita você vira de novo. — falou.
— Nossa, muito obrigado. — deu a seta, e o garoto apenas olhou para fora, tentando soar indiferente novamente. Tudo bem, já sentia que tinham tido um progresso.
Quando virou a direita, como instruído, notou que era rua sem saída. Era ali que ele morava, então. Um lugar aparentemente tranquilo com casas simples. Era confortável e próximo do café. Realmente dava para vir andando, mas se sentiu mais tranquilo em tê-lo trazido de qualquer forma.
Um pouco mais adiante uma pequena comoção chamou a atenção dos dois e imediatamente ergueu a cabeça, parecendo preocupado. , que olhou primeiro para , acabou demorando mais para notar o que acontecia, especialmente porque o garoto ao seu lado simplesmente soltou o cinto de segurança e praticamente pulou para fora do carro.
— , enlouqueceu?! — gritou, mas ele já batia a porta, correndo até uma das casas.
seguiu até lá, finalmente prestando atenção no que acontecia. Havia um homem jogado na calçada e uma criança pequena tentava puxá-lo para dentro sem muito sucesso. Havia três degraus para subir e a menina era pequena demais para dar conta.
— Jihyo! — exclamou, se aproximando apressado, e foi como se um enorme peso deixasse os ombros da menina imediatamente. Ela ergueu a cabeça para encará-lo e seus olhinhos se encheram de lágrimas.
não sabia realmente o que estava acontecendo, mas a cena partiu seu coração, especialmente quando a menina soltou os braços do homem e correu para , o abraçando pelo quadril.
— Entra em casa, leva minha mochila. — ele a tirou das costas e entregou para a menina que imediatamente a segurou. Mochi miou lá dentro e ela arregalou os olhos, exatamente como costumava.
— Mochi! Eu achei que ele tinha sumido!
— Ele estava comigo, me seguiu o dia inteiro. — explicou, mal notando que agora saia do carro. — Sobe com ele.
A menina concordou com a cabeça e, sem dizer mais nada, deu as costas para entrar na casa, deixando e sozinhos ali.
— Ele está bem? — perguntou, mas podia sentir facilmente o cheiro de álcool vindo do homem. Era fácil deduzir o que tinha acontecido, mas perguntou mesmo assim.
— Vai embora, obrigado pela carona. — respondeu sem encará-lo, se abaixando para erguer o homem.
— Me deixa te ajudar, você ainda não está bem...
— Vai embora. — o interrompeu, de forma muito mais rude do que antes.
entendeu imediatamente o que devia ter desencadeado a crise em e ficou receoso de acontecer novamente.
— É o seu pai?
— Eu disse pra ir embora! — praticamente gritou, puxando o homem de qualquer jeito para cima. Ele não pareceu ter dificuldade em erguê-lo sozinho e arrastá-lo degraus acima. tentou seguí-lo para dentro, mas o máximo que conseguiu foi subir os degraus antes de bater a porta na sua cara.
Tinha sido invasivo demais mais uma vez, só percebeu depois de agir. Nunca conseguiria se aproximar dele dessa forma. era reservado e arisco. Ser intrometido não o levaria a lugar nenhum.
O problema era que coisas demais aconteciam ao redor do garoto e sua preocupação o deixava impulsivo. Não conseguia pensar de fazer antes de simplesmente agir.
ainda estava pensando em enquanto dirigia para casa e quase bateu o carro quando se materializou repentinamente no banco do passageiro.
— Você enlouqueceu?! — gritou, desviando no último segundo do portão de entrada do coven.
— Eu só queria ter certeza de que você estava vivo!
— Pra me matar depois?! — o encarou, e teria batido em uma árvore se o próprio não tivesse se inclinado para puxar o volante para o outro lado.
— Você não parece precisar de ajuda para isso.
— Você me assustou! — o repreendeu. — Não podia ter esperado mais cinco minutos? Eu tenho certeza que dava para me ver de qualquer janela!
Em resposta, apenas deu de ombros antes de desaparecer novamente, como se nada tivesse acontecido, e não se surpreendeu. Apesar de não duvidar de sua preocupação, sabia que a prioridade dele era ser um completo pirralho, especialmente consigo, já que eram os mais novos.
Negando com a cabeça, deixou o carro em sua vaga, ao lado da Mercedes de , antes de descer para entrar em casa.
Eles viviam em uma antiga pensão que reformou em algum momento no passado para abrigar o coven, antes mesmo de ou se juntarem a eles. Como o esperado dele, o local era coberto de plantas, mantendo um visual meio rústico por fora, apesar da mobília mais moderna trazida por . O coven era localizado no final de uma estrada de terra, cercado de verde, e inacessível para qualquer um além deles, mesmo que a pessoa possuísse magia.
Sem a permissão de um dos seis membros do coven, mesmo que encontrasse a estrada, você jamais chegaria até lá.
Outra particularidade do local era que ele também não era tão perto assim da faculdade quanto havia dito para . Estava bem longe na verdade, mas uma das proteções colocadas por interferia no tempo e espaço, fazendo com que coven sempre estivesse longe e perto de qualquer lugar. Era como se teletransportar com , onde uma distância de horas viravam meros segundos.
gostava do lugar, era grande o suficiente para que todos tivessem seu próprio quarto, apesar de ser o único que não dividia com ninguém. e eram um casal e se relacionava com e .
Quando entrou em casa, para a surpresa de , todos estavam reunidos na sala. já tinha tirado o terno e seus cabelos estavam molhados de um banho recém tomado. Ele estava jogado sozinho no sofá lateral e parecia entediado, como se preferisse estar em qualquer lugar ao invés dali. No outro sofá, em frente a televisão, estavam e , gritando um com o outro e rindo alto. Estavam jogando vídeo game.
Apesar do barulho, estava na cadeira suspensa de balanço próxima a uma das janelas, com o abajur ligado ao seu lado, óculos de leitura e um livro em mãos.
, o último que faltava, estava na porta, o esperando, e tirou as chaves do carro de suas mãos assim que entrou, as colocando sobre o móvel ao lado da porta antes mesmo que pudesse pensar em fazer isso.
— O que está acontecendo? — perguntou. Não era costume ter todos reunidos assim no mesmo lugar, mas o outro bruxo da luz simplesmente o segurou pelo pulso e o arrastou para a sala, onde os outros estavam.
— Finalmente. — se sentou direito, pegando o controle ao seu lado no sofá e desligando com ele a televisão.
e gritaram juntos.
— ! — reclamou, virando-se para ele indignado, mas já jogava o chinelo em sua direção.
, como telepata, sequer olhou para o objeto antes que ele desse a volta, acertando o próprio no meio da testa.
— ! — ele gritou, e o telepata segurou uma risada, diferente de e que gargalharam com vontade.
— Imagina se descobrem que o líder do conselho caiu em um truque tão barato. — o provocou.
— ! — se voltou para o líder do clã. — Você vai deixar eles fazerem isso comigo?!
— Me parece que já está feito, amor.
— !
— Crianças, não provoquem o . — ele falou, despreocupado, virando uma nova página do livro.
sabia que não era sério, aquela gritaria fazia parte do dia a dia. Eles eram bagunceiros, caóticos e barulhentos, mas funcionavam muito bem juntos.
e costumavam ser a calma em pessoa, mas enquanto o líder do clã exalava tranquilidade, era do tipo curto e grosso, alguém de poucas palavras. Em uma analogia melhor, era o Golden Retriever e o gato preto.
era a mãe da casa, quem os impedia de passar fome e os obrigava a limpar o que sujavam. era barulhento e mandão, falava gritando e tinha a energia de uma criança de cinco anos. Era capaz de fazer mil coisas por segundo, ao ponto de se cansar só de olhar para ele, mas o ilusionista também era engraçado, um bom companheiro e tinha o humor de um tiozão que adorava.
Então tinha . Ele era um empata e podia se adaptar perfeitamente de acordo com a pessoa que estivesse com ele. Com e ele era um pirralho. Com e ele era capaz de passar horas divagando sobre a criação do universo. A verdade sobre é que ele era a pessoa mais empática que já tinha tido o prazer de conhecer, aquele que transmite boa energia apenas de estar por perto. A pessoa que te faz rir apenas por estar rindo. E ria o tempo todo.
Por fim, tinha , a pessoa com quem ele compartilhava sua magia, a pessoa que cedeu parte de sí para que pudesse viver. Foi quem se juntou primeiro ao clã e trouxe quando se reencontraram. era mimado por ter sido o mais novo por tanto tempo e parecia um metidinho esnobe para quem o via passar com o nariz em pé e roupas de marca, mas ele era a única pessoa capaz de ser tão empática quanto , que era o próprio empata. tinha o coração enorme e gostava de abraços. Ele era como um enorme urso de pelúcia, embora pudesse ser também um tanto arisco quando contrariado.
— Só pra constar, eu sou mais velho que a maioria. — respondeu, esticando as pernas para cruzar os pés em frente ao corpo. — A gente vai começar isso logo ou o que?
— O que exatamente vamos começar? — perguntou, confuso.
— quer uma reunião do clã. — explicou, e desconfiou que essa fosse uma daquelas coisas que fazia apenas porque era pedindo.
— E estamos fazendo uma reunião por que…?
— Como por quê?! — se voltou para , indignado. — Vocês trouxeram um completo estranho para dentro de casa!
— Sério? Isso de novo? — perguntou, se deixando cair sentado no sofá.
— Tecnicamente, foi você mesmo que trouxe. — retrucou, e apontou em sua direção, concordando.
— Exato, eu disse isso pra ele mais cedo.
— Eu trouxe porque o me pediu!
— O líder do clã, acho que isso resolve as coisas. Posso ir dormir agora? — perguntou.
— Não! — quase gritou, batendo um dos pés no chão. — Ele não deveria ter me pedido isso para início de conversa.
— Reclama com nosso líder. — fez piada, já que ninguém parecia estar levando o assunto a sério, mas se calou quando o encarou com irritação.
— Eu estou tentando fazer uma reclamação formal e vocês estão debochando de mim! — reclamou, realmente ofendido, e pôde sentir o clima na sala mudar. Assim como ele, todos se sentiram culpados por não levá-lo a sério.
Não importava o quanto acreditasse que estava errado, não era assim que faziam as coisas. O clã estava unido por tanto tempo sem nenhum desertor porque todos tinham suas opiniões ouvidas. Não estavam fazendo isso com .
Pensando o mesmo que ele, fechou o livro que lia, o deixando de lado para se juntar aos outros no meio da sala.
— Certo. Nos diga suas preocupações, nós vamos ouvir. — o líder se sentou em uma das poltronas, esperando. Diante de sua calma, também abaixou o tom de voz.
— Vocês trouxeram para dentro da nossa casa um estranho com alto potencial de ser perigoso.
— Ele estava desacordado, . — o líder se justificou. — E não o deixamos sozinho por nenhum momento.
— Não é esse o ponto, ! Se ele quisesse, podia apenas ter atacado! — ele voltou a aumentar a voz e estranhou a atitude por um instante. era do tipo que resmungava e fazia bico, não que gritava, especialmente com .
Mas sua reação foi o que levou a entender o real motivo por trás daquela atitude. estava com medo. se sentiu estúpido por não ter pensando nisso antes.
Os pais de haviam morrido quando um bruxo das sombras, irmão de , invadiu seu coven familiar e matou metade dos integrantes. Era por isso que estava odiando a ideia de ter ali. Seu receio era que o passado se repetisse. Era plausível, e quis abraçá-lo para garantir que tudo ficaria bem.
— , às proteções não permitem que alguém que queira fazer mal para nós ou para o coven entre aqui. Ele não teria conseguido passar pela estrada se fosse o caso. — o explicou, e se questionou se ele também tinha entendido o problema.
— Elas podiam ter falhado!
— , você sabe que não. — foi carinhoso, estendendo uma mão para que o outro se aproximasse. não aceitou e suspirou. — Se você realmente pensar sobre isso com calma, vai concordar com a gente.
— Não vou não porque vocês estão errados e não estão me ouvindo!
— Te ouvir não quer dizer concordar com você, . — foi incisivo.
— Eu entendo porque você está nervoso, mas o garoto não viveu nem um terço da nossa idade. — tentou novamente. — Mesmo que ele pudesse usar magia, e não pode, ele não conseguiria realmente machucar ninguém aqui dentro-
— Tem metade da nossa idade, mas você perseguiu ele por aí o dia todo. — o interrompeu com deboche e levou aquilo como um tapa.
— O que você quer dizer com isso? — questionou, mesmo sabendo muito bem onde ele queria chegar.
— Ele é bonito, você acha que eu não vi?
— , já chega! — foi quem falou agora, levantando-se do sofá para remediar a situação, mas o outro não ouviu.
— perdeu o juízo porque está pensando com a cabeça de baixo!
— E eu também estou? — interrompeu, cruzando os braços em frente ao peito como se desafiasse a concordar. — está certo, .
— Quando é que nós vamos realmente falar sobre o elefante na sala? — entrou na conversa. abriu a boca para responder, mas o silenciou ao erguer uma das mãos. — Não, chega. Você já falou demais e nós ouvimos, mesmo você tendo gritado com todo mundo. Agora você escuta. Eu não conheci esse garoto, mas até onde me foi dito, ele não passa de um garoto, está muito longe de ser um bruxo tão poderoso ao ponto de vencer você, e juntos. Ele não tem a experiência, o poder ou o conhecimento necessário para se igualar ao irmão ou ao pai do , e nós sabemos que o problema aqui é esse. — abaixou a cabeça, parecendo finalmente notar que havia passado do ponto. — Além disso, como eu já disse, as barreiras não permitiriam que ele entrasse aqui se tivesse intenções ruins. Eu sinto sempre que alguém passa por elas e se deixarem de funcionar, eu também vou saber.
— Nós entendemos sua preocupação, . — voltou a falar, quando terminou. — E realmente a apreciamos, mas você precisa confiar mais em nós.
— Eu confio. — ele respondeu em um meio fio de voz, sem erguer a cabeça.
— Tem certeza? o viu convulsionar e eu o examinei pessoalmente. Ele não estava fingindo. Ele chegou aqui desacordado e mesmo depois que acordou ele ainda estava desorientado. Há algo de errado com o garoto, algo de ruim acontecendo com ele.
— Vocês já pararam pra pensar que a pessoa que prendeu a magia dentro dele pode ter feito porque sabe que ela é ruim? — voltou a falar. — E vocês querem simplesmente soltar ela por aí.
— Quem disse que é, ? Como podem saber sem ela nunca ter se manifestado? Quem decidiu isso e por que se achou no direito de decidir? — questionou.
— Bruxos como ele já fizeram mal a muitas pessoas, talvez seja isso. — ele deu de ombros, e sentiu aquele gesto no fundo do peito.
— Se não o ajudarmos ele vai morrer. — tentou novamente.
— Talvez ele mereça.
— É isso que você pensa de mim? — soltou o que o estava assombrando. Ele originalmente era um bruxo das sombras, como e mesmo não possuindo mais essa magia, ainda vivia todos os dias o preconceito de um dia tê-la tido. Podia facilmente entender porque alguém havia se achado no direito de fazer aquilo com , mas esperava que , sendo seu amigo mais próximo, compartilhasse da sua indignação e não que desejasse que o garoto, aparentemente inocente, apenas morresse por algo que ele não era capaz de controlar.
Ao notar o que tinha feito, arregalou os olhos.
— , claro que não!
— Eu sou um bruxo das sombras também, .
— É totalmente diferente!
— Não é não. Eu nasci como um bruxo das sombras e eu tenho características de um bruxo das sombras.
— Mas não é um! — insistiu, o que, sinceramente, só fez doer mais. queria que ele visse que estava errado e não que tentasse encontrar justificativas pra dizer que não era quem ele era.
Porque, se fosse, então sim, ia preferir que ele morresse. Era assim que via.
— Não tenho magia das sombras porque você compartilhou da sua comigo e ela venceu, mas eu ainda sou um bruxo das sombras e não sou ruim por isso, mesmo sendo filho e irmão de quem eu sou. — respondeu, mas não deixou que o interrompesse quando ele tentou. — Entendo sua preocupação sobre o garoto, mas da mesma forma como é pessoal pra você, é pessoal pra mim também. Ele é só um garoto que precisa de ajuda e eu quero ajudar porque sei o que é estar no lugar dele.
— Desculpa, .
— Está tudo bem. — mentiu, fingindo não se importar, e virou o rosto quando o abraçou de lado.
De repente, os sentimentos que nutria em segredo pelo amigo se tornaram ainda mais dolorosos. Já estava acostumado a não ser correspondido. Bruxos costumavam ter o que humanos chamavam de alma-gêmea, embora o mundo mágico chamasse de conexão de alma. e eram a conexão de , então sabia que não o amava tanto quanto acreditava amar. Existia mais para ele em algum lugar. As conexões sempre eram correspondidas, e duravam para sempre. Se um morria após se conhecerem, então o outro morria também. Essa era a intensidade do sentimento.
Enquanto não tinha isso, amava secretamente, da forma que ele conhecia, e podia lidar com isso desde que estivesse feliz. Porém, saber que ele guardava tanta mágoa assim de bruxos como ele era um pouco demais, mesmo que tivesse seus motivos.
— Você não vai gostar de ouvir isso, , mas além da responsabilidade que sente que tem com ele, é nossa obrigação ajudar. — falou pela primeira vez, e apesar da culpa que estava sentindo, não gostou de ouvir aquilo.
— Mas-
— , eu sou ministro do conselho bruxo e o o líder da ONIM. Isso é literalmente um problema nosso. É o tipo de coisa que somos pagos pra resolver. Não podemos apenas ignorar o que está acontecendo com o garoto.
— Sobre isso... — o interrompeu, e todos se voltaram para ele. — Sei que terão que reportá-lo em algum momento, mas podemos lidar com ele por baixo dos panos por enquanto? Ele nem sabe que tudo isso existe ainda. — "e já parece estar lidando com coisas demais", pensou, mas guardou essa parte para sí.
— Ele precisa de ajuda médica, não? — especulou.
— Está além das minhas capacidades, mas já estou pesquisando sobre isso. — respondeu.
— Não vamos poder escondê-lo depois que o liberar a magia dentro dele, mas ele pode viver uma vida normal até lá.
— Supondo que ele viva. — falou, recebendo um olhar de repreensão de .
— Por favor, vamos ser sinceros. A vida dele vai se tornar um inferno quando isso vier à tona. — continuou, e considerando a forma como o próprio reagiu ao saber sobre , não tinha dúvidas quanto a isso. — Não liberar a magia dentro dele seria um favor se isso não fosse matá-lo.
suspirou, meio resignado, mas estava certo. Sabia disso.
— Então qual é o plano? Apenas... contar a ele? Quando chegar a hora? — questionou.
— Posso me aproximar dele, e quando descobrir como salvá-lo, deixamos que ele faça a escolha. Até lá não seremos totalmente estranhos. — sugeriu.
— Bom, o principal membro do conselho e o líder da ONIM já sabem, não acho que tenha alguém acima disso pra quem contar além do mago supremo e não é como se ele estivesse disponível. — analisou. — Podemos fazer do seu jeito.
— Obrigado.
— Eu ainda não gosto dele. — voltou a falar, meio emburrado.
— Não precisa gostar, mas enquanto ele não demonstrar ser uma ameaça, você precisa respeitá-lo como pessoa. — voltou a falar. — Você sabe como as pessoas me tratam em qualquer evento e eu sei que isso te incomoda. Você não acha que seria hipócrita da sua parte fazer o mesmo com ele?
— Eu entendo seu ponto, e tudo bem, eu posso admitir que estou errado. Eu exagerei porque isso é pessoal para mim, mas eu prefiro não me envolver com ele.
— Tudo bem, é o suficiente. Não vamos te obrigar a se envolver com ele se não quiser. Não é sua obrigação de qualquer forma. — respondeu. — É isso, então? Podemos encerrar essa reunião por aqui?
— Sim. — falou. — Me desculpem por gritar.
— Nós entendemos, . — bagunçou seus cabelos, e o outro sorriu fraco.
— Vem, vamos subir. — se levantou do sofá, chamando por .
— Eu não vou dormir agora! — ele exclamou, indignado com a disposição -ou falta dela- do mais velho.
— Deita comigo, depois você desce. — pediu, o puxando pelo braço. abriu um sorriso enorme, e fez uma careta, percebendo o que tinha feito. Imediatamente, se agarrou a suas costas e o mais velho reclamou, mas deixou que ele o abraçasse enquanto subiam as escadas.
No dia seguinte, o coven já estava agitado pela manhã, como todas as manhãs.
procurava as chaves do carro para ir trabalhar. Normalmente, ele não tinha horário para chegar, era o chefe da força policial bruxa, mas aparentemente, naquele dia em específico, alguém havia ligado, pedindo sua presença no prédio mais cedo que o habitual. , como de costume, tinha feito o café da manhã e estava sentado em frente ao balcão da cozinha com , ambos já vestidos para irem ao ministério, onde trabalhavam. e não tinham descido ainda quando o fez, mas nenhum dos dois precisavam de muita pressa. era proprietário da clínica veterinária e de um prédio menor onde havia montado seu próprio negócio. Outra clínica, mas no seu caso, para cuidados mentais. Como empata, podia sentir as emoções das pessoas, o que fazia dele um ótimo ouvinte e também um ótimo psicólogo. Sua clínica possuía pelo menos seis profissionais que atendiam tanto bruxos quanto humanos comuns.
precisava admitir, aquilo tudo o fazia se sentir meio patético de estar indo para a faculdade. Todos já tinham trabalhos importantes, mas com seu passado, jamais conseguiria um cargo público como , e , mesmo que quisesse. Felizmente, não era o caso, mas para atuar com , ele precisava estudar, assim como o líder e haviam feito em algum momento em suas vidas.
Mas ele ainda estava atrasado, graças ao tempo que perdeu tentando vingar sua mãe.
— Bom dia! — o cumprimentou assim que o viu. — Café?
Ainda meio sonolento, negou com a cabeça. Normalmente até se sentava com eles para ao menos tomar uma xícara de café, mas ainda estava chateado com devido a conversa do dia anterior. Ele o tinha decepcionado duas vezes.
estava ciente da pessoa que era, mas doeu saber que esperava tão pouco dele, o acusando de estar tentando ajudar o garoto porque tinha algum interesse físico nele. não era cego, podia enxergar a beleza de , mas não tinha se aproximado dele com esse propósito. Saber que , seu melhor amigo e também a pessoa que ele gostava, acreditava que ele era essa pessoa o entristecia, mas não satisfeito, ainda deixou claro seu preconceito com bruxos das sombras, a natureza de .
— Tenho que ir mais cedo hoje, na verdade. — mentiu, aproveitando-se de que ainda não estava lá para saber disso. ajeitou a mochila nos ombros, pronto para realmente sair, mas rapidamente se levantou de onde estava, usando um guardanapo de papel para limpar a boca.
— Eu gostaria de falar com você antes, por favor.
— Pode ser mais tarde? — tentou fugir, fingindo estar atrasado. Claro que deixaria aquilo de lado, sua mágoa passaria sozinha porque amava , mas ainda estava um pouco cedo para isso.
— É rápido, posso te falar enquanto te acompanho até o carro. — respondeu ele, e soube que a conversa de ontem era justamente o assunto.
certamente havia notado a forma como se sentiu com os comentários de e tinha contado a ele, mas sabia que a intenção de não era realmente magoá-lo. O problema é que se ele tinha dito tudo aquilo com a cabeça quente, era porque já pensava sobre aquelas coisas, apenas nunca tinha dito porque sabia que devia guardar suas opiniões para si mesmo.
Mesmo ciente de que conversa nenhuma resolveria aquilo agora, concordou com a cabeça, apenas para acabar logo com aquilo.
— Tudo bem. — respondeu, tirando as chaves do bolso para seguir até a porta. — Tchau, , . — se despediu, recebendo um “boa aula” de e um aceno de cabeça do telepata, ainda obstinado a encontrar as chaves perdidas.
passou primeiro pela porta, e veio em seguida, a fechando atrás de si e não esperou mais que isso para iniciar sua fala. Não era como se o carro estivesse longe de qualquer forma, tinham pouco tempo.
— Uhm… me contou sobre como você se sentiu ontem. — confessou, seguindo atrás de .
— Eu imaginei.
— , me desculpe. — pediu, e ele realmente foi capaz de sentir a culpa em sua voz. — Eu fui rude, e agi com a emoção. Eu tenho medo que o passado se repita e esse garoto acabe destruindo a gente também. Eu não odeio todos vocês, eu só tenho medo. Me desculpe pelas coisas que eu disse, por favor. — pediu, e torcia para que fosse mesmo apenas isso, mas tinha dito que talvez o garoto devesse mesmo morrer, por causa de uma magia que ele nunca tinha usado. Era um pouco demais para . — Você é meu melhor amigo e um bruxo das sombras, . Eu sei disso e continuo te amando porque isso não é um defeito e não te faz uma pessoa ruim. Talvez ele também não seja, já que você não é, mas minha preocupação falou mais alto, meu medo, porque eu sabia que você ia querer ajudar e eu tenho medo de te perder como perdi meus pais. Eu projetei nele o peso do meu passado e fui irracional. Te acusei de coisas que você não é, eu passei completamente dos limites.
suspirou, entendia seu ponto, mas não conseguia deixar de se chatear. Eram muitas camadas ali. O preconceito, sugerir que ele estava ajudando apenas por uma foda... Era meio patético, porque na verdade sempre esteve fugindo de seus verdadeiros sentimentos. E nem era por escolha, ele apenas não podia contar, e acabou sendo taxado de insensível. Sabia que sua chateação ia passar, mas muito provavelmente se pegaria pensando nessa última parte outras vezes. Podia entender o medo que sentia de diante seu passado, mas acusá-lo de querer apenas dormir com o garoto era um claro julgamento ao estilo de vida que levava.
— Está tudo bem. — respondeu por fim, ainda caminhando até o carro para não encará-lo.
— Claro que não está, você está chateado.
— Estou, — admitiu. — Entendo você ter medo e consigo aceitar que você falou sem pensar pela emoção, mas pra dizer que eu só me aproximei dele por interesse você claramente espera muito pouco de mim.
— Eu não espero tão pouco de você, é isso que eu estou tentando dizer. Eu estava estressado com a situação, por outro motivo que não tem a ver com você ou mesmo com ele. Eu só queria uma desculpa pra dizer que vocês estavam errados e falei sem pensar. Por favor, acredite em mim. — falou, ainda caminhando atrás de si e se sentiu um pouco culpado por sequer encará-lo. — Eu te amo, . Como você pode achar que eu esperaria tão pouco de você? Não te amaria se achasse que você é essa pessoa.
Finalmente chegando no carro, parou para encará-lo, torcendo para que estivesse sendo mesmo sincero.
— Eu não arriscaria nossa casa e o coven por alguém que eu não conheço, . — falou também, tentando deixar aquilo bem claro. — Muito menos por um motivo tão egoísta.
— Eu sei disso. Eu juro! Eu só deixei minhas emoções sobre outra coisa falarem mais alto. — se justificou, e parando para pensar, era o mesmo motivo pelo qual estava tão empenhado em ajudar o garoto também. Tanto ele quanto tinham uma história com bruxos como . Talvez não devesse julgar tanto por agir de forma emocional.
— Tudo bem, talvez eu também tenha me precipitado um pouco, pelo mesmo motivo. — suspirou, dando-se por vencido. — Mas , eu ainda vou ajudar ele.
— Eu sei, e eu te admiro por isso. Você também tem motivos pra odiar ele e está tentando ajudar, diferente de mim. Eu realmente agi mal, me desculpa.
— Tudo bem.
— Tudo bem mesmo? — sorriu largo, e sentiu uma fisgada no peito. Inferno de garoto bonito.
— Sim. — sorriu também, embora soubesse que, vez ou outra, ainda questionaria a sí mesmo devido a fala do outro. Ficaria paranoico, questionando o que pensava dele, mas sabia que, com o tempo, aquilo ia passar também.
Diante de sua resposta, se aproximou para puxá-lo para um abraço que permitiu de bom grado.
esperou por ao final das aulas, mesmo tendo que abandonar a sua antes do tempo. cursava o último ano de direito. Lembrava de ter visto a informação em seu cartão de acesso no outro dia, quando ele convulsionou em seus braços.
O esperou bem na porta de sua turma, ciente de que tentaria fugir assim que o visse, e não deixou de reparar como não parecia se encaixar com as pessoas que passavam por ali. Enquanto a maioria dos alunos usava roupas de marca e tentavam deixar claro que perderam tempo se arrumando para estarem ali, variava entre moletons e jeans rasgados. Era um estilo, não achava que ele apenas pegava a primeira coisa no armário, mas ainda se destacava entre os outros, especialmente quando muitos pareciam tentar combinar peças sociais entre as roupas, talvez para irem dali direito para o trabalho.
Como o esperado, quando o professor liberou a turma, encontrou seu olhar, mas passou por ele como se nunca o tivesse visto antes. Apenas afundou as mãos nos bolsos da jaqueta e saiu andando, como se fosse apenas uma sombra na parede.
— Boa tarde pra você também. — o cumprimentou, seguindo atrás dele sem se abalar. Havia muita gente nos corredores devido ao horário e precisou apertar o passo para não perdê-lo de vista. — Não vai mesmo falar comigo?
— Não.
— Acabou de falar. — respondeu, mesmo que a fala o fizesse se sentir com quinze anos outra vez. apenas seguiu seu caminho em silêncio, mas podia apostar que tinha revirado os olhos. — Você não fica pelo menos curioso para saber o motivo de eu ter vindo te encontrar? — questionou, mas não recebeu resposta.
Justo, considerando que fez piada quando o respondeu.
— Eu vim em missão de paz, eu juro. — voltou a falar, mas precisou parar um instante quando alguém o cumprimentou. Mal viu quem era, apenas acenou com a cabeça e continuou seguindo . — Quer tomar um café? Ou almoçar, antes de ir para o trabalho?
— Está falando sozinho, ? — outra pessoa o chamou, esbarrando propositalmente em para chegar nele. Sinceramente, nem sabia o nome do cara. Era apenas alguém que ele cumprimentava por aí e conversava nos eventos da universidade. Sem dizer nada, apenas desviou e continuou seu caminho, mas encarou a situação meio horrorizado. Estavam na faculdade, eram adultos. Bullying não era tipo coisa de adolescente?
Pensou em pedir que o cara se desculpasse com , mas ele, obviamente, não parou de andar. Ignorando o cara que ainda esperava uma resposta, apenas apertou o passo para continuar atrás de .
— Acho que ele não te viu. — mentiu, tentando aliviar o peso da situação.
— Por que você apenas não almoça com um dos seus amigos e me deixa em paz?
— Se eu quisesse almoçar com eles não estava chamando você. — respondeu, mas precisou cumprimentar uma outra pessoa que o chamou pelo caminho.
Talvez fosse um pouco sociável demais, nunca tinha reparado.
— Bom, eu não quero.
— Se não aceitar vou te seguir até seu trabalho. — insistiu.
— E a resposta vai continuar sendo não.
— Eu peço para sua chefe uns minutos pra você sentar comigo. — tentou novamente, e dessa vez acabou rindo.
— Queria ter toda essa autoestima pra achar que ela simplesmente vai cair nos seus encantos.
— Quer pagar pra ver? — respondeu, vendo ali uma oportunidade. Ele era ótimo em levar as pessoas na lábia, coisas de magia da luz. Não que ele usasse magia nelas, a luz apenas atraia as pessoas. — Se eu falar e ela deixar, então você toma um café comigo.
— Não bebo café.
— Você trabalha em uma cafeteria e não toma café?
— Você cuida de animais e não é um cachorro?
Diante de sua fala, riu.
— Certo, justo. Pode ser outra coisa então, o que mais vocês vendem lá? Milkshake? Eu pago.
— Óbvio que vai pagar, é você quem está insistindo nisso. — ele retrucou, mas já estava satisfeito apenas de saber que ele ia concordar. — Se convencer ela a me dar uma pausa, deixo você pagar a comida.
— Que honra. — não conseguiu controlar o deboche, mas por sorte, se poupou de responder.
não teve qualquer dificuldade em conseguir quinze minutos para antes de começar o expediente, o que deixou o garoto completamente sem palavras. Aparentemente, sua chefe não era a pessoa mais compreensiva do mundo.
— Sempre que quiser uma folga, estou à disposição. Só precisa me passar seu número. — ofereceu, mas apenas revirou os olhos para sua tentativa, se afastando para seguir até uma das mesas. — Não vai escolher nada pra comer?
— Tanto faz.
— Não tem essa opção no cardápio. — retrucou, mas o outro apenas tirou a mochila das costas para se sentar. — Garotinho difícil. — resmungou, pegando o cardápio sobre o balcão para olhar alguma coisa.
— O tempo está correndo. — o alertou, tirando o celular do bolso.
— Ele gosta do bolo de nozes. — a garota atrás do balcão sussurrou para ele. Era a mesma que tinha feito cair no outro dia. — E esse shake. — ela apontou para o cardápio. O negócio era uma grande bomba de açúcar com chocolate, chantilly e farofa crocante. Um gole e certamente virava um pré-diabético. Aquela escolha definitivamente não era a melhor para o almoço, mas no momento estava mais preocupado em agradar o garoto.
— Certo, dois bolos, esse shake e um café simples.
Ela sorriu enquanto registrava os pedidos.
— Não imaginava que o oppa gostasse de meninos. — ela falou, mantendo o tom baixo. — Mas vocês formam um casal bonito. Vou torcer por vocês. — ela piscou. — Débito ou crédito?
ficou surpreso que ela tivesse concluído aquilo tão rápido, mas para não prolongar o assunto, se poupou de negar. Sinceramente, nem ele sabia a preferência de ainda, o que era irônico, já que ela era a segunda pessoa a insinuar algo assim. Talvez ele fosse gay o suficiente para os dois e faziam essa associação. Por fim, pagou pelo pedido e a agradeceu pela ajuda antes de voltar para a mesa. Quando chegou, o encarou com desconfiança.
— O que vocês conversaram? — questionou, e poderia soltar fogos de felicidade por ter ele iniciando um assunto.
— Curiosidade ou ciúmes? — provocou.
Ao invés de responder, revirou os olhos novamente antes de se voltar outra vez para o celular e se deu conta de que continuava escolhendo as abordagens erradas com ele. Provocar o garoto não o faria gostar mais de si, mas era mais forte do que ele.
— Ela foi gentil e me disse o que você gosta de comer. — explicou. — Já que você preferiu dificultar minha vida.
— Ou seja, você levou mais alguém na lábia.
— Se ela fosse tão boa você já estaria mais receptivo, não acha?
— Você vai ter que se esforçar um pouco mais.
— Ah, então você quer que eu me esforce?
— Eu não disse isso. — ele respondeu, pouco afetado por sua fala. Sequer ergueu o olhar do telefone.
— Foi exatamente isso que você disse. — provocou outra vez, exatamente no mesmo momento que seus pedidos chegavam, sendo trazidos pela mesma atendente do balcão. Discretamente, ela colocou a sua frente um segundo canudo de milkshake e precisou segurar o riso. Antes de se afastar, ela piscou em sua direção.
— Obrigado, Minji. — agradeceu, tão educado que ficou surpreso. — Eu já vou te ajudar.
— O movimento está tranquilo, aproveite sua pausa. — ela sorriu para os dois antes de se afastar, e se voltou para em seguida.
— Ela está trabalhando sozinha por sua causa.
— Ela parece bem com isso. — retrucou, dando uma garfada no bolo. — Uhm, é realmente muito bom.
Ao invés de responder, se ocupou com seu próprio prato, o que obrigou a caçar mentalmente qualquer assunto que os mantivesse conversando.
— Desculpe pelo que aconteceu na saída. — lembrou-se repentinamente. — Aquele cara, ele foi rude.
— Tanto faz. — deu de ombros, com as bochechas infladas de tanto bolo. não pode deixar de rir. Ele já tinha olhos grandes, mas os arregalava ainda mais para comer. Era adorável, especialmente quando ele tinha um bico nos lábios e as bochechas inchadas daquele jeito. Pensou em dizer que não precisava ter pressa para comer apenas para fugir dele, mas preferiu poupar um novo constrangimento.
— Tanto faz nada, você não fez nada para ele.
— Essa é a vida dos introvertidos na faculdade. Já está acabando.
puxou o copo de milkshake para mais perto após mastigar e tomou um gole. pode ver que ele realmente gostava da bebida pois quase gemeu de satisfação. viu em sua reação uma oportunidade.
— Isso parece bom, deixa eu provar?
— Não.
— Eu que paguei.
— Porque quis. Pede outro. — puxou o copo para mais perto, colocando o canudo de volta na boca, como se isso fosse pará-lo. Se pudesse rosnar para proteger a comida, teria feito. tinha certeza. — Já babei no canudo.
— Eu não me importo.
— Eca, nojento. — fez careta, e riu.
— É só saliva, tenho certeza que já enfiou a boca em lugar pior. — retrucou, recebendo, claro, outro revirar de olhos.
— Isso não é bem da sua conta. — resmungou, com a boca ainda no canudo, e se aproveitou da situação para enfiar o próprio canudo no copo e se inclinar sobre a mesa para provar um gole. Surpreso, não se moveu, apenas o encarou com os lábios entreabertos. o viu engolir em seco, e quando se afastou, precisou conter um sorriso satisfeito ao notar que o garoto olhava para sua boca.
Também não sabia se gostava de garotos, tinha feito aquilo apenas para provocá-lo, sem pensar realmente nisso, mas aparentemente, tinha acabado de receber uma resposta.
não falou mais nada durante os quinze minutos de pausa. Apesar dele ser, obviamente, uma pessoa quieta e introvertida, não parecia ser exatamente tímido para ficar constrangido com sua atitude e decidiu que aquilo era progresso, já que ele pelo menos não o xingou nenhuma vez.
Estava acostumado a estar sozinho, mas isso não significava que ele gostava exatamente. Afastava as pessoas para se poupar justamente desse tipo de decepção, quando elas percebiam que ele não era interessante o suficiente. Ninguém gostava realmente dos introvertidos, especialmente pessoas como , que pareciam ter o mundo inteiro nas mãos.
Era sexta-feira à noite, dia de menor movimento no café. Pessoas com vida social provavelmente estavam se arrumando para sair enquanto organizava a cozinha e contava os segundos para poder voltar para casa. Ele tinha dois desenhos para entregar, encomendas que fizeram com ele para tatuar.
desenhava por hobbie e todas as suas tatuagens nasceram assim. Ele tinha fechado o braço esquerdo com desenhos feitos por si próprio e o tatuador passou a indicar seu trabalho para alguns clientes. Foi assim que terminou no Instagram. Evitava postar sobre si mesmo, era mais para contato com os interessados nos seus desenhos. Ninguém precisava gostar dele para encomendar uma arte.
Quando o sino na porta indicou a entrada de clientes, suspirou. Ele estava sozinho ali, Minji já tinha ido embora, então restava a ele atender.
saiu da cozinha e foi para o balcão da frente, se surpreendendo ao ver ali, junto de outro rapaz.
— ! Que bom que está aqui ainda! — exclamou, jogando os cabelos loiros para trás enquanto se aproximava do balcão.
— Eu trabalho aqui.
— Eu sei, mas é sexta-feira, achei que fechassem mais cedo.
— Não fechamos. — devolveu, se poupando de explicar que a maioria dos funcionários saia mesmo mais cedo, já que o movimento era menor. Normalmente eles revezavam para decidir quem ia ficar, embora se oferecesse na maior parte das vezes. Precisava do dinheiro e não era como se ele tivesse uma vida social para onde escapar. — Vai pedir?
— Não, eu vim falar com você, já que não me passou seu número. — respondeu, e não parecendo constrangido com suas respostas diretas demais, sorriu.
Uma coisa que já tinha notado sobre era que ele tinha dois tipos de sorrisos. Um deles era natural, onde ele mostrava todos os dentes e fechava os olhos. Era fofo, suas bochechas inflavam, e se ele ria o som era contagiante. O outro sorriso, no entanto, soava meio cafajeste. Era apenas um ar de sorriso, onde estreitava os olhos e ainda passava a língua nos lábios grossos, certamente ciente do quão bonitos eles eram. gostava mais do primeiro sorriso, mas o segundo fazia algo dentro dele revirar.
O sorriso que deu agora, obviamente, foi o segundo, e ergueu uma sobrancelha para aquela investida. Estava certo de que ele tinha desistido.
— O que o quis dizer, é que viemos te chamar pra sair. — o outro rapaz com ele falou, passando um dos braços sobre os ombros do loiro.
ficou ainda mais desconfiado. querer chamá-lo para sair ele até entendia, mas quem era esse segundo cara? A interrogação provavelmente ficou óbvia em sua expressão, porque o rapaz riu antes de se justificar.
— Eu sou ! — se apresentou. — é meu parceiro de balada e eu o convidei para a inauguração de um lugar novo. Ele disse que deveríamos chamar você então estamos fazendo isso. É só um encontro de amigos! Meu namorado não gosta muito de sair.
— Seu namorado escolheria nascer como uma pedra se pudesse, apenas para não precisar se mover. — respondeu, enquanto ainda tentava entender o que estava acontecendo.
Sério, porque estavam chamando justo ele para sair? Não era possível que não tivesse alguma coisa de errado. Era alguma pegadinha, certamente. Não seria a primeira vez.
— Não precisa pensar tanto! — voltou a falar. Ele exalava tanta energia e positividade que deixava meio tonto. Seu sorriso era enorme, quase podia ver uma aura colorida vibrar ao redor dele. Era estranho. — Só queremos fazer amizade.
sabia que ele não estava mentindo, mas ainda não podia deixar de achar estranho. Isso era algo que extrovertidos faziam? Apenas escolhiam alguém pra conhecer e chamavam pra sair? Mesmo que fosse um estranho totalmente aleatório?
— Balada não é meu tipo de programa. — disse ele. Ainda não confiava nos dois, negaria qualquer convite, mas não estava mentindo sobre aquilo. Os motivos chegavam a ser óbvios na verdade. Eles saberiam se pensassem um pouco. Bom, pelo menos saberia.
— Beber é exatamente o tipo de coisa que você está precisando. — foi justamente o loiro quem disse. Talvez não fosse tão esperto.
— Eu não bebo.
— Como não? Quantos anos você tem?
— Eu tenho epilepsia, tomo remédio, não posso beber. Além disso, as luzes piscando rápido demais me deixam tonto. — explicou.
Epilepsia fotossensível não era algo tão comum, mesmo em pessoas com epilepsia, mas era um azarado o suficiente para ter todas as vertentes do problema. Não dava para arriscar apesar dele nunca ter tido realmente uma crise com as luzes.
— Não tínhamos pensado nisso. — respondeu, com culpa genuína, provavelmente se lembrando dos avisos para epiléticos em todo programa com muitas luzes.
pareceu realmente decepcionado.
— Tenho certeza que algum universitário está dando uma festa hoje. — ele se voltou para , que imediatamente se animou outra vez.
— Conheço dois! — ele respondeu. — Podemos ir! Não vai ter luzes!
— Ou vocês podem ir na inauguração sem mim. — voltou a falar, se perguntando que parte do "não é meu tipo de programa" eles não tinham entendido. Claro, tinham os motivos óbvios que o faziam evitar tudo aquilo, mas ainda assim não era algo que ele apenas gostava de fazer em sua noite.
Odiava o cheiro de bebida, odiava gente bêbada e odiava música alta. Não ter amigos da sua idade o tinha transformado em um velho ranzinza.
— Nah, a boate vai estar lá para sempre. — o dispensou com uma das mãos. — Podemos fazer outra coisa hoje.
— Por que estão insistindo tanto em mim?
— Por que não insistiríamos? — devolveu sua pergunta. — Se estamos te chamando pra sair é justo que você possa frequentar o lugar.
Não era bem isso que estava querendo saber, na verdade, mas não teve tempo de responder antes que voltasse a falar:
— Vamos, vai ser legal!
— Não. — respondeu automaticamente, mas seu coração se apertou assim que viu a expressão decepcionada em seu rosto. Nem o conhecia, mas tinha um jeito tão alegre. Parecia um crime colocar aquela expressão chateada em seu rosto.
— Se vier eu te dou meu número. — piscou, e odiou a forma como seu corpo reagiu imediatamente. As coisas estavam estranhas desde que ficou tão perto para tomar aquele milkshake.
Ele era bonito demais, sempre soube disso, mas agora o afetava.
Talvez devesse aceitar o convite e apenas procurar alguém com quem ficar por uma noite, sem compromisso. Estava na cara que seu corpo precisava disso. Fazia algum tempo que não dormia com alguém e festas universitárias eram o melhor lugar para isso. A pessoa nem lembrava dele no dia seguinte.
— Quem disse que eu quero seu número? — respondeu apesar de suas considerações.
— Eu posso convencer sua chefe a te dar outra folga.
revirou os olhos, se poupando de responder aquilo.
— Eu vou com vocês, mas não quero seu número. — aceitou, apenas porque não conhecia nenhum universitário dando uma festa. Não ficaria com eles lá, sumiria nas sombras sem que vissem e, se qualquer um deles tivesse planejando algo ruim para si, terminariam decepcionados.
comemorou sua resposta e sorriu animado, dizendo que seria divertido. Combinaram de buscar em casa às dez, mas o esperaram fechar o café antes de seguirem o próprio caminho.
Por fim, conseguiu o número do garoto. Era isso ou tocar a campainha quando chegassem e essa ideia pareceu deixar apavorado. Era evidente que algo estava muito errado no relacionamento dele com o pai. se sentia intrigado ao pensar nisso.
— Estou sentindo sua preocupação. — falou, sentado no banco do passageiro ao seu lado. Já tinham chegado a casa de e o esperavam sem descer do carro, parados do outro lado da rua.
Toda essa coisa de chamá-lo para sair junto com tinha sido apenas uma desculpa, mesmo que fosse algo que já planejasse fazer.
Como empata, podia sentir a essência das pessoas. Ninguém era cem por cento bom, mas ele conseguia dizer o que era predominante. Ele saberia se alguém estivesse planejando algo ruim e sugeriu que ele acompanhasse por esse motivo. A desconfiança dele com ainda chateava , mas precisou concordar que era uma boa idéia. , além de tudo, também era alguém que conquistava qualquer um com facilidade. Podia até ser devido a sua magia, assim como funcionava com e , mas diferente deles dois, a magia de não era contrária a de para repelí-lo.
— Estava pensando no que eu vi outro dia quando vim deixá-lo em casa. — respondeu, olhando para a casa do outro lado da rua. — Ele tem uma irmã pequena e ela estava tentando arrastar o pai bêbado para dentro. — explicou. — Bom, ele não confirmou que era seu pai, mas parecia ser. Agora ele nos pede pra parar do outro lado da rua e passa o telefone só pra evitar que a gente bata na porta.
— Parece uma situação de merda, mas explica porque eu o senti tão deprimido. — suspirou.
Ao contrário do que esperava, não sentiu maldade em quando o conheceu, apenas cansaço e tristeza. Quando o empata disse isso ao clã, entendeu imediatamente o motivo, pensando no pai do garoto. Não só isso, na verdade. tinha muitos motivos para estar triste e entendia todos eles, mesmo não sendo mais um bruxo das sombras. ficou chateado por ele, mas achou desnecessário contar a todos o que sabia. Apenas estava contado a porque ele podia sentir muito mais do que deveria de qualquer forma.
Antes que continuassem a conversa, a porta da casa onde morava foi aberta e ele passou por ali, gritando com alguém do lado de dentro.
— Que bom que eu não estou indo pra igreja, então. — falou, fechando a porta com força atrás de sí. Ele parecia furioso, não precisava ser um empata para sentir a tensão.
A pessoa do lado de dentro gritou em resposta, mas não foi possível entender o que tinha dito.
e se entreolharam, ambos curiosos, mas ninguém disse nada. já seguia em direção ao carro, sem olhar para trás.
Pela primeira vez desde que o tinha conhecido, via com uma roupa diferente dos moletons habituais ou seu uniforme de trabalho, embora ele ainda usasse preto dos pés a cabeça. Ele vestia uma calça cargo com a barra presa dentro de coturnos pesados e sua camiseta estava dentro da calça, presa por um cinto. A camisa em si era simples, preta e lisa, mas por cima de tudo isso, o que provavelmente era o problema da pessoa dentro de sua casa, ele usava uma jaqueta com glitter. Ela ainda era preta, assim como o brilho, mas refletia na luz e era um pouco curta. A peça fazia exibir uma cintura fina que desconhecia. Menor inclusive que a sua, e por um instante ele se viu completamente sem palavras.
era realmente muito bonito. Era difícil reparar nisso quando ele passava a maior parte do tempo tentando esconder o rosto, mas nada impedia de vê-lo agora. Seu cabelo estava penteado principalmente para trás e ficou realmente impressionado.
Dizer que era bonito, na verdade, era pouco.
— Cuidado pra não babar. — comentou, o fazendo notar que olhava fixamente para o outro. imediatamente desviou o olhar, constrangido.
Lembrou-se do que tinha dito, sobre o verdadeiro interesse de em , e se sentiu meio culpado por estar olhando para ele dessa forma.
— Eu guardo seu segredo. — riu, como se pudesse ler seus pensamentos. Era perturbador estar perto dele às vezes.
— Qual segredo? — perguntou, abrindo a porta de trás do carro. Para desespero de , ele também estava absurdamente cheiroso.
— Se é um segredo, óbvio que eu não vou te contar. — riu. — Você está lindo, -ah. Estava tentando impressionar alguém?
— A mim mesmo. — devolveu, sem encarar nenhum dos dois, mas não pareceu incomodado com o elogio amistoso de . tinha certeza de que se fosse ele, levaria uma patada, mas se fosse, o elogio também não seria apenas amistoso. — Podemos ir?
— Vamos. — respondeu, dando partida no carro, mas foi quem se encarregou de preencher o silêncio com conversa.
se separou de e nos primeiros cinco minutos após chegarem e o lugar estava cheio o suficiente para que ele conseguisse fugir novamente sempre que via um dos dois por perto.
Estavam em uma república qualquer em um bairro universitário próximo a faculdade. A música era alta o suficiente para incomodar seus ouvidos, mas ninguém além dele parecia ter um problema com isso. Corpos bêbados dançavam e se esfregavam no meio da sala, curtindo a música e se perguntou qual era o problema dele para se sentir tão deslocado naquele ambiente.
Ele estava andando por aí sozinho, um copo de bebida na mão apenas para fingir estar aproveitando. Sabia que era isso que esperavam de um universitário em uma festa universitária, mas ele não tinha tomado um único gole. Estava até mesmo se arrependido de ter ido até lá.
não era muito bom em chegar nas pessoas. Na verdade, não tinha nem ideia de como fazer isso. Não se considerava alguém tímido, mas ser introvertido acabava completamente com sua capacidade de socializar. Era por isso que, no geral, ele usava alguma roupa brilhante quando saia com intuito de ficar com alguém. Nenhum cara hétero usaria uma jaqueta tão curta cheia de glitter.
Mas hoje, num geral, as coisas estavam meio devagar demais. Ninguém tinha se aproximado e ela também não notou ninguém lhe cobiçando ao longe. Pelo menos nenhum homem. Talvez fosse o fato de não ficar muito tempo parado no mesmo lugar para isso, já que estava fugindo de e .
Deveria ter perguntado, como quem não quer nada, onde era a outra festa. Poderia ter ido pra lá ao invés de ficar ali, fugindo dos dois. já estava quase desistindo disso para ir para casa quando uma garota bêbada esbarrou nele, fazendo com que derrubasse sua bebida sobre ela, na altura de seus seios.
Ele arregalou os olhos.
— Me desculpe! — pediu, mesmo que a culpa não fosse realmente dele, e ela apenas gargalhou.
— Se me der um beijo te deixo me molhar de novo.
— O quê?! — questionou, mais pela surpresa do que por não ter entendido. Ela apenas riu novamente, mas foi puxada para trás por um dos braços antes que pudesse responder.
A princípio, ela começou a se debater e se preparou para intervir, mas ela relaxou quando olhou para o cara, voltando a rir bobamente. Estava claramente bêbada.
— Ah, verdade. Eu tenho namorado. — falou ela, como se não tivesse acabado de pedir um beijo para . — Ele derrubou vodka nos meus peitos. — explicou ela para o recém chegado, e mesmo não tendo usado qualquer tom acusatório, soube ali que teria problemas.
não entendia bem como as coisas aconteciam ao seu redor às vezes. Ele costumava repelir as pessoas sem fazer nada para isso, como se vivesse nas sombras e fosse invisível para o mundo. Era de se esperar que isso repelisse também também os problemas, mas normalmente era o contrário. Quando era visto, muitas vezes era rapidamente odiado, quase como se ficassem irritados por ele ousar existir.
As poucas exceções eram os caras que chegavam nele por achá-lo bonito. Normalmente essas pessoas só queriam uma foda rápida e nada disso importava.
Mas esse não era o caso daquele cara. E ele, para piorar, ainda estava bêbado.
— Você fez o quê? — o homem avançou em sua direção, parecendo um touro, e deu alguns passos para trás. Podia se defender se realmente precisasse, mas não era do seu feitio bater em gente bêbada.
— Ela esbarrou em mim e a bebida caiu. — tentou explicar. — Relaxa, cara.
— Não me manda relaxar! Você jogou bebida na minha namorada!
— E por qual motivo eu faria isso de propósito? Não faz sentido.
— A blusa dela está transparente agora!
— Então cubra ela ao invés de gritar comigo. — respondeu, indignado com aquela briga estúpida.
— Oh, verdade, dá pra ver meus peitos. — ela voltou a rir, e o cara se voltou para ainda mais furioso, como se somente então notasse isso.
suspirou, desejando muito que aquela garota ficasse quieta. Sabia que não era exatamente culpa dela que o cara fosse um encrenqueiro, mas seus comentários não estavam ajudando.
— Era isso que você queria? Ver os peitos dela? — ele avançou mais alguns passos.
— Cara, eu ‘tô usando uma jaqueta com glitter! Glitter! — tentou justificar, apontando para sí mesmo. Por mais que tentasse esconder quem era na maior parte do tempo, por causa de seu pai, não era o que ele estava tentando fazer agora.
— O que isso tem a ver?!
— Acho que ele está tentando dizer que era mais fácil estar interessado nos seus peitos do que nos dela. — surgiu repentinamente, se colocando entre eles. O loiro tocou o outro cara para tentar afastá-lo de , mas ele empurrou sua mão.
— Se ele é viado estava olhando os peitos dela por quê?!
— Esse é o ponto. Eu não estava! — se defendeu, indignado, mas o homem se jogou sobre ele mesmo assim, enquanto as pessoas ao redor já começavam a gritar pedindo por briga.
desviou de seu golpe sem dificuldade, mas o homem caiu por cima do bar, derrubando metade das bebidas no chão. imediatamente soube que estava perdido e para comprovar isso, as pessoas passaram a vaiar. Ele sabia que o culpado de tudo não era ele, mas tinha certeza que as vaias eram para si. Tinha relação com aquela coisa de repelir as pessoas também.
Parecendo deduzir o mesmo que ele de alguma forma, simplesmente pegou pela mão e o arrastou em direção a saída, o obrigando a correr junto com ele para fora.
Um grupo tentou se por na frente deles, impedí-los de fugir, mas um deles escorregou no nada e desabou na frente dos dois, derrubando os outros em um efeito dominó. os pulou, e fez o mesmo. Outra pessoa tentou segurar e ele desviou. Outro tentou socar , mas de alguma forma inexplicável, acabou socando o próprio rosto. A pessoa caiu, derrubando quem vinha atrás para ajudá-lo e no meio desse caos de pessoas bêbadas derrubando umas às outras, e conseguiram chegar ilesos na rua.
Os dois acabaram rindo enquanto ouviam a gritaria do lado de dentro, como se as pessoas ainda os procurassem ou, quem sabe, brigassem entre si. Fazia sentido, considerando que todos estavam meio bêbados.
— Você sumiu de vista pra arrumar confusão? — perguntou, divertido, enquanto soltava sua mão.
— Mas eu não fiz nada! — se defendeu imediatamente. — Ela que esbarrou em mim!
— Eu vi, só estava brincando. — riu novamente, tirando as chaves do carro do bolso. — Não estou bêbado, sou capaz de entender o que aconteceu.
aceitou a desculpa, mas não respondeu mais nada. Estava acostumado a ser apontado sempre como culpado. Não esperava que fosse apenas acreditar nele assim, mesmo que desde o início ele estivesse rindo.
— Bom, mas agora vamos ter que arrumar outro lugar pra ir. — voltou a falar, abrindo a porta do carro. — Entra aí.
— E o ?
— Ele ligou pro namorado vir buscar ele. — riu. — Ele fala que é meu parceiro de balada, mas na verdade não aguenta ficar dez minutos em um lugar onde ele não está.
— E por que não foi embora também?
— Você veio com a gente, achou que íamos te deixar pra trás? — devolveu, e se sentiu imediatamente culpado. Era exatamente isso que ele pretendia fazer.
Diante de seu silêncio riu outra vez, entendendo tudo.
— Tudo bem, eu te perdoo. — respondeu, não parecendo se importar com aquilo. — Entra aí.
não estava muito certo de que aquela era a melhor ideia. Ainda se sentia meio inseguro perto de , mas ter sido o babaca quando pensou que esse seria o fez entrar no carro em silêncio, sem questionar. Se sentia meio culpado.
— Você disse que isso não era seu tipo de programa, o que você gosta de fazer então? — perguntou.
— Ir para a casa parece ótimo.
— Não mesmo, não me arrumei tanto atoa. — retrucou, e precisava concordar, seria um desperdício.
era lindo, qualquer um podia ver. sabia que ele sequer precisava se esforçar, mas naquela noite ele ainda tinha se esforçado. Ele usava uma calça de couro preta com uma camiseta branca por dentro. A peça era simples, completamente livre de estampas, mas por cima ele vestia uma jaqueta holográfica de tom claro que certamente ficava bem somente dele nele. Seus cabelos loiros estavam arrumados para trás, mostrando a testa, e ele tinha caprichado no perfume. Era perturbador, sinceramente.
— E então? Gosta do que? — insistiu, tão animado que não conseguiu apenas interrompê-lo para pedir para ir embora de novo. — Quer comer? Uhm... Jogar alguma coisa? Boliche? Me diz que você não é tipo o namorado do que prefere um museu.
— Acho que comer parece bom... — respondeu, meio incerto, mas sorriu radiante.
— Então fechado! Vamos comer. — comemorou, soando tão alegre que questionou se estava mesmo fazendo o certo em fugir tanto dele.
tentou levá-lo para uma lanchonete de gente metida em um bairro de rico. Um lanche simples sem os acompanhamentos custava o dobro de um combo em um fast food popular. A primeira reação de sobre isso foi mandá-lo se fuder antes de dizer que não ia entrar lá. acabou rindo e deixou que ele escolhesse onde iriam comer. Segundo ele, aquela tinha sido a reação mais espontânea que tinha tido em sua presença desde que tinham se conhecido. discordava, tinha sido bem espontâneo quando o levou para o trabalho após convulsionar, mas não discutiu.
Foi assim que terminaram no drive thru de um McDonald's, com reclamando antes, durante e depois de fazer os pedidos, especialmente quando o fez escolher um combo na promoção.
— Por que é que eu não pude escolher se eu que paguei? — resmungou, literalmente. Com direito a um bico nos lábios e voz afetada. olhou para ele com uma sobrancelha erguida. Era no mínimo esquisito ver um adulto agindo daquela forma, mas precisava admitir que ficava meio fofo. Provavelmente porque ele já tinha uma aparencia meio fofa quando não estava lançando nos outros aquele maldito sorriso flertador.
— Pagou porque quis, eu disse que ia pagar o meu.
— Eu te chamei, eu pago.
— Isso não é um encontro pra você pagar pra mim. — respondeu, abrindo o saco com os pedidos para roubar uma batata. Antes que pudesse levá-la até a boca, a roubou de sua mão.
— Me espere para comer! — gritou, comendo ele mesmo a batata. o encarou indignado.
— Mas você acabou de comer! — gritou também.
— Por que você ia fazer isso antes!
— Mas agora eu tenho direito de pegar uma!
— 'Tá, mas só uma. — levantou um dedo em sua direção, mas se sentiu desafiado.
— Pois agora também eu vou pegar mais. E da sua.
— Não vai não! — gritou novamente, intercalando a atenção entre ele e a rua à sua frente. — ! — gritou mais alto quando o garoto realmente pegou várias batatas. Três, para ser mais exato, e tentou roubá-las novamente. Dessa vez, se esquivou. — Não pode incomodar o motorista! Você está incomodando o motorista! — gritou novamente, lutando para alcançar enquanto mantinha os olhos na rua.
acabou rindo daquilo, colocando duas batatas na própria boca antes de enfiar a outra na de . Literalmente enfiar, sem nenhuma delicadeza. Apenas aproveitou que a boca de estava aberta, no meio de um grito, e atacou ali. engasgou, e teve que frear o carro para tossir.
— Enlouqueceu?! — gritou, mas acabou rindo junto de que gargalhava da situação. — Eu podia ter batido!
— Estava testando suas habilidades como motorista. Parabéns, você passou.
— Você era mais legal calado. — resmungou, voltando a dar partida no carro.
— Não era você que queria se aproximar? Pois bem.
— Já me arrependi.
— Uhum. — resmungou, não acreditando realmente naquilo. Não era só uma questão de saber quando estavam mentindo, ele apenas sabia que somente estava tentando provocá-lo. Apesar de nunca conseguir se aproximar das pessoas, não parecia ter qualquer problema com ele.
— Onde nós vamos comer, hein? — acabou perguntando, e deu de ombros.
— Sei lá, só para o carro em qualquer lugar.
— Meu restaurante era muito mais legal e tinha lugar pra sentar.
— Sabe onde também tinha lugar pra sentar? Minha barraquinha qualquer de procedência duvidosa no meio da estrada. — respondeu, porque realmente havia sugerido aquela opção quando estavam escolhendo onde comer. , obviamente, rejeitou a ideia.
— Você é um nojento.
— Nojento é você que não sabe aproveitar um podrão engordurado.
Por fim, acabaram parando em uma praça enquanto reclamava dos lanches estarem esfriando o caminho inteiro. Era apenas para provocá-lo, embora todo mundo soubesse que os lanches do McDonald's só ficavam bons nos primeiros cinco minutos após serem feitos.
O tempo estava nublado, com cara de chuva, e provavelmente já era madrugada. As ruas estavam desertas, assim como a praça. Havia alguns brinquedos infantis ali, escorregador, giga gira, balanço e um playground mais alto de madeira, com uma casinha no topo. Eles foram para lá. Em uma parte do brinquedo, as madeiras de proteção para evitar que as crianças caíssem havia sido arrancada e os dois se sentaram ali, com as pernas para fora e a sacola com os lanches entre eles.
Foi o primeiro bom momento que passou com alguém, além de sua irmã, em muito tempo.
funcionava melhor a noite. Assim como algumas pessoas gostavam de se sentar ao ar livre para aproveitar o sol, ele gostava de se sentar com a companhia da lua. Era por isso que fugia para seu telhado no meio da noite para desenhar sempre que podia e foi por isso que ele inclinou o corpo para trás, apoiando-se nos cotovelos, para olhar a lua.
Estava esperando voltar, mas sinceramente, não achava que isso ia acontecer.
Depois que comeram, decidiu que estava sóbrio demais e saiu para comprar álcool. Disse que seria rápido, tinham passado por uma loja de conveniência vinte e quatro horas antes de pararem ali, mas não costumava ser a pessoa preferida de ninguém. Não seria surpresa se aquilo fosse apenas uma desculpa para ir embora e largá-lo ali sozinho.
realmente não era bom em manter uma conversa, mesmo que se esforçasse para isso. Normalmente só respondia o que lhe perguntavam e as pessoas rapidamente se cansavam de seu silêncio quase constrangedor. já estava acostumado com isso, mesmo que fosse meio cruel, mas admitia que realmente ficaria chateado se fizesse o mesmo. Para sua surpresa, tinha realmente apreciado a companhia do outro.
não sabia explicar porque era assim, mas sentia que não conseguia demonstrar para as pessoas quando gostava delas ou de sua companhia. Ele sempre tinha a impressão de fazer exatamente o contrário quando tentava demonstrar que gostava de alguém, e no caso de , na verdade, ele apenas tinha se esforçado para espantá-lo.
Quando realmente voltou, foi um choque para . Ele não conseguiu esconder sua surpresa e notou com um único olhar.
— Você realmente achou que eu ia te largar sozinho aqui? — perguntou, aproximando-se do brinquedo onde ainda estava sentado, o encarando de baixo para cima. — Eu não te deixei pra trás nem na festa enquanto você tentava fugir da gente.
não quis verbalizar suas inseguranças e explicar para alguém praticamente estranho que era assim que as coisas funcionavam com ele, então apenas deu de ombros, fingindo que aquilo não era nada demais mesmo que fosse.
Ele estava realmente feliz por ter voltado, essa era a verdade, mas tentou não fazer daquilo um grande caso apesar da satisfação em seu peito.
Pensou que talvez, se falasse, se sentiria mais acolhido. Estava há pouco pensando no quanto tentou espantá-lo, mas ainda tinha receio do outro apenas estar brincando com ele e ser feito de idiota.
Tantos anos de reclusão fizeram dele alguém inseguro naquele aspecto.
— Você podia ter mudado de ideia. — comentou apenas.
— Se eu tivesse mudado de ideia teria inventado uma desculpa pra te levar pra casa, . É assim que pessoas normais agem. — falou, puxando uma latinha do engradado de cerveja em sua mão e a jogando para ele. a pegou no ar apesar de não beber, e viu que era apenas refrigerante. tinha se lembrado desse detalhe, mesmo que não tivesse repetido. Se sentiu acolhido, mas não disse nada, apenas abriu a latinha.
— Você ficaria surpreso. — respondeu, antes de tomar um gole.
— Bom, algumas pessoas estão realmente presas no ensino médio ainda, vivendo uma eterna síndrome de Regina George, mas eu prefiro ficar longe de gente assim.
acabou rindo de seu comentário, mas não pode evitar de se sentir meio culpado. Não era santo, sabia disso, mas gostava de pensar que apenas se defendia das pessoas quando precisava. No geral, ele se excluía para evitar decepção, mas e o convidaram pra sair com toda boa vontade e ele estava disposto a deixá-los para trás. Iria fazer exatamente o que ele estava pensando que, se fizesse, seria cruel.
— Eu teria ido embora da festa sem vocês, apesar de vocês terem me convidado. — admitiu, mesmo que já soubesse daquilo.
— Eu sei, mas vou te dar o benefício da dúvida. Minha tentativa de aproximação foi bem suspeita, você tinha motivos pra estar desconfiado. — respondeu e, bom, aquele realmente era o motivo pelo qual estava tentando fugir dele.
finalmente caminhou de volta para o brinquedo e deu outro gole em seu refrigerante, pensando sobre sua fala enquanto o esperava.
Sabia que não estava mentindo e por isso estava ali. Ainda não entendia bem os objetivos do loiro, mas confiava que ele não tinha intenção de lhe fazer mal.
Mas como não tinha como saber disso, decidiu provocá-lo mais uma vez.
— Uhm, ainda não sei não se sua intenção era realmente boa. — comentou, e bufou enquanto se aproximava dele por trás.
— Então você é burro pra caralho de estar sozinho comigo no meio do nada. — respondeu, fazendo rir.
Se tinha uma coisa que não parecia, era ameaçador. No máximo esperava um pouco de bullying.
— E o que você faria comigo sendo desse tamanhozinho? — debochou, mas o outro não reagiu muito bem.
— Você só parece mais alto porque tá usando uma bota! — exclamou, praticamente aos berros, o que fez rir mais uma vez. Não esperava realmente ofendê-lo, mas aparentemente tinha tocado em um ponto delicado.
era no máximo três centímetros mais alto que , mas enquanto ele tinha ombros largos, os de eram pequenos, o que o fazia parecer delicado perto de .
pareceu amolecer diante de sua reação, mas revirou os olhos e empurrou o engradado de cerveja em seu peito. se perguntou o que ele tinha feito com as cervejas que estavam faltando pois metade do engradado estava completo com refrigerante.
— Cala a boca e segura isso. — reclamou, aproveitando-se que estava de pé para tirar a jaqueta.
acompanhou o movimento despretensiosamente, mas sentiu a temperatura se elevar quando a luz do poste quase sobre suas cabeças revelou o que escondia ali embaixo.
Sua camisa branca era ligeiramente transparente, permitindo que viesse o que ele escondia ali embaixo. tinha uma tatuagem na costela escrito "Nevermind" e um piercing em um dos nos mamilos, que deixou completamente sem fala.
parecia um príncipe encantado na maior parte do tempo, os cabelos loiros alinhados em um topete perfeito, a pele clara parecendo feita de porcelana, os lábios cheios sempre rosados... sabia que apesar da aparência ele estava mais para uma cobra sorrateira, deixava isso claro com seus sorrisos ladinos e a forma como estreitava os olhos, mas não esperava por piercings no mamilo.
— A baba está escorrendo aqui, ô. — o provocou, fingindo limpar algo no canto da própria boca. Ele tinha novamente aquele sorrisinho maldito nos lábios, que deixava desconcertado. — Tenho outra tatuagem nas costas também, mas não acho que é isso que você está olhando.
imediatamente desviou o olhar, tentando disfarçar, embora se sentisse repentinamente quente. era quente, na verdade. Era difícil de ignorar.
— E o que é? — perguntou, lutando para olhar para seus olhos e não para a jóia em seu corpo novamente.
Mas , claro, ainda sorria daquele jeito, muito bem ciente do que tinha causado e obviamente feliz com isso.
— Se quiser saber vai ter que olhar com os próprios olhos. — sorriu.
— Isso é um convite?
— Se você quiser que seja... — ergueu uma sobrancelha de forma bem sugestiva, mas não era muito bom com meias palavras. Ele precisava que as pessoas fossem diretas pois dificilmente conseguia entender as entrelinhas e quando entendia, desconfiava de si mesmo por ter entendido, achando mais fácil estar enganado. pareceu notar sua confusão, porque revirou os olhos antes de voltar a falar.
— Eu quis dizer que é um convite se você quiser, . — foi mais direto, mas ele ainda não se sentiu convencido.
— Do que exatamente estamos falando? — questionou, tentando ter certeza que estavam na mesma página.
Estava ciente de sua própria aparência, mas era bonito demais pra qualquer um.
Ao invés de responder, simplesmente se ajoelhou ao seu lado, tirando o engradado de suas mãos para colocá-lo de lado. o acompanhou com o olhar, sem se mover, e quando finalmente se viu livre, o segurou pela jaqueta, puxando-o para mais perto.
sentiu o ar fugir se seus pulmões quando inclinou o rosto em sua direção, deixando os lábios a poucos centímetros do seu. Ele se arrepiou inteiro ao sentir o hálito dele contra seus lábios, os olhos de presos aos seus. Desejou que ele apenas tivesse juntado suas bocas e salivou ao pensar nos lábios cheios de movendo-se junto aos seus.
— Quer? — perguntou em um sussurro, aproximando-se um pouco mais, e quase fechou os olhos quando os lábios dele finalmente roçaram os seus.
definitivamente queria isso, mais do que achava seguro para seu próprio bem. Era quase como se o enfeitiçasse. Algo apenas o puxava para o outro e não tinha nenhuma vontade de lutar contra isso. Eram dois homens adultos e era bonito demais para que não se sentisse atraído.
Sem esperar mais um segundo, simplesmente findou a distância entre eles. Ele segurou pelos cabelos para trazê-lo mais para perto e colou suas bocas com um pouco mais de força do que era realmente necessário.
não pareceu nenhum pouco incomodado, pois imediatamente entreabriu os lábios para que ele pudesse juntar suas línguas. O loiro jogou os braços sobre seus ombros, montando em seu colo, e permitiu que ele aprofundasse o beijo rapidamente, suspirando contra seus lábios quando chupou sua língua.
Beijar justamente não era exatamente o que ele tinha em mente quando saiu de casa naquela noite, mas era definitivamente melhor do que seu plano original.
era intenso e beijava com o corpo inteiro, como se quisesse tomá-lo para si. Os lábios dele eram macios contra os seus e o beijo, apesar de lento, parecia consumí-lo de dentro para fora. Duvidava que beijar apenas uma vez seria suficiente. Seus lábios eram viciantes. A forma como o beijava era viciante.
Sem se conter, o abraçou pela cintura e o espremeu contra seu peito, fazendo-o suspirar contra sua boca enquanto agarrava seus cabelos. O gesto o deixou imediatamente excitado, levando a gemer contra seus lábios. , ciente do que estava causando, rebolou devagar em seu colo, fazendo segurá-lo com mais força.
Quando o ar faltou, se afastou minimamente, apenas o suficiente para que pudessem respirar. O loiro juntou suas testas, soltando o ar contra sua boca, e teve que se controlar muito para não tomar seus lábios novamente, ignorando a necessidade por ar. Mal teve coragem de abrir os olhos, ainda entregue a sensação avassaladora de beijar .
— Se queria tanto era só ter pedido. — o outro brincou, e beliscou sua cintura. Sabia que ele estava tão desconcentrado quanto a si próprio. A respiração de era pesada e seus corpos ainda estavam colados o suficiente para que sentisse o movimento de seu peito.
Em resposta a sua atitude, gargalhou, jogando a cabeça para trás e sentiu algo em seu peito doer.
Os sorrisos que costumava lançar, cheio de segundas intenções, mexiam com ele, mas aquela gargalhada tão natural e espontânea era uma das coisas mais bonitas que já tinha ouvido. O som, a forma como ele fechava os olhos para rir. Era injusto que alguém fosse tão bonito assim.
— Eu só estou brincando. — se inclinou novamente em sua direção. — Você parece o Mochi, um gatinho arisco.
— Ele não é arisco. — devolveu, e riu de novo. Tão perto que sentiu seu corpo se arrepiar em resposta.
— Pra você ver, até seu gato é mais dócil.
Em retaliação por seu comentário, o beliscou novamente, mas continuou rindo após se esquivar mais uma vez.
— Se continuar me maltratando não te beijo de novo. — roçou seus lábios outra vez, e precisou dar tudo de si para não dar início a outro beijo.
— E quem disse que eu quero? — retrucou, e soube que aquela resposta era a resposta errada quando o encarou novamente com aquele mesmo sorriso de lado. Não precisou dizer nada, a pergunta estava implícita em sua cara. "Não quer, é?"
— Tem certeza? — sussurrou, usando a ponta da língua para entreabrir seus lábios.
Pessoas tão seguras de si quanto ele eram um perigo para sociedade e não se importava em ser a vítima da vez.
Tentando provocá-lo, selou brevemente seus lábios e se afastou quando tentou iniciar um novo beijo. Frustrado, grunhiu, e apenas sorriu antes de voltar a se aproximar, agora puxando seu lábio inferior entre os dentes.
era ótimo naquele jogo, não tinha a menor chance.
— Tudo bem, você venceu. — falou, quase implorando para beijá-lo novamente.
— Eu sempre venço. — riu, mas não o deixou ficar muito tempo afastado, puxando-o para um novo beijo.
segurou com mais força em seus cabelos enquanto movia a língua contra a sua e quase gemeu. Apenas parecia ainda melhor agora. Os lábios fartos de moviam-se em sincronia com os seus em um beijo profundo que o deixava completamente desconcentrado.
Como se aquilo não fosse o bastante, voltou a rebolar em seu colo, devagar, e ambos suspiraram entre o beijo. Foi apenas um segundo antes deles voltarem ao que faziam, incapazes de desconectar os lábios.
Puxando-o para mais perto, esmagou contra seu peito e a camisa fina que o loiro usava o permitiu sentir a jóia em seu mamilo contra sua própria pele, causando um atrito delicioso. voltou a se arrepiar, sentindo a ereção se formar entre suas pernas. Tudo em que ele conseguia pensar era em puxar aquele piercing entre os dentes.
Quando o ar lhes faltou novamente, puxou seus cabelos para trás, afastando seus lábios e obrigando-o a inclinar a cabeça. Ainda de olhos fechados, o fez, e no instante seguinte a boca do loiro estava em seu pescoço, chupando e mordiscando sua pele deliciosamente.
não foi capaz de conter um gemido, sentindo a língua do outro brincar em sua pele.
— Vamos para o carro. — pediu, sua voz soando arrastada em meio aos suspiros que soltava para o outro. Segurando pela cintura, tentou afastá-lo de si, mas ele não obedeceu, traçando com a língua um caminho de seu pescoço até o lóbulo de sua orelha.
grunhiu novamente quando ele sugou a cartilagem para dentro da boca, roçando o nariz atrás de sua orelha enquanto esfregava seus quadris juntos.
poderia enlouquecer só com isso. Já sentia seu corpo prestes a entrar em combustão.
— O que você disse? — perguntou com falsa inocência quando finalmente afastou seus lábios, mas a respiração dele em seu pescoço ainda o perturbava. — Achei que você não queria mais nada. — provocou, quando sequer lembrava de ter dito isso.
Para provar seu ponto, o loiro rebolou novamente contra a ereção entre suas pernas e segurou sua cintura com mais força por isso. Sentiu que também estava excitado, tanto quanto ele, e decidiu provocá-lo de volta.
apalpou o volume entre as pernas do loiro e o apertou devagar entre os dedos, fazendo interromper imediatamente os movimentos em seu colo. Ele gemeu baixo contra seu ouvido, jogando todo seu peso sobre .
Ele quase gemeu junto, certamente sonharia com aquele som.
— Tem certeza que não quer ir para o carro? — sussurrou, massageando sua ereção entre os dedos. Estava louco para tocá-lo sem nenhum tecido entre eles, especialmente se pudesse ouví-lo gemer daquela forma novamente.
— Eu nunca neguei. — retrucou, gemendo novamente quando o segurou com mais firmeza.
— Mas também não concordou, uhm?
massageou sua ereção, subindo com a outra mão por dentro se sua camisa, até que estivesse arranhando suas costas. suspirou com a cabeça enfiada em seu ombro, a respiração descompensada deixando ainda mais ansioso.
— Carro. — finalmente se rendeu, e teria rido se o outro não tivesse sido tão rápido em se levantar de seu colo.
Antes mesmo que tivesse tempo de pensar, já o segurava pela mão para que se levantasse também, pegando a jaqueta e o engradado de bebidas com a mão livre.
Seguiram de mãos dadas até o carro, e não pôde deixar de notar que era a segunda vez que isso acontecia naquela noite. Para sua surpresa, o gesto não o incomodava. Muito pelo contrário, na verdade, o que era preocupante.
só estava sendo gentil, mas não estava acostumado com isso.
Quando finalmente chegaram até o carro, o soltou para destrancar as portas. Ele havia estacionado embaixo de um poste de luz, e a iluminação deu a o vislumbre de sua pele. A tal tatuagem se tratava das fases da lua, bem no meio das costas, começando um pouco abaixo de sua nuca e terminando quase em seu quadril.
Era bonito pra caralho e imediatamente juntou seu corpo ao do outro, segurando-o pela cintura antes de deixar um beijo em sua nuca.
se arrepiou inteiro com a atitude, notou, então se atreveu um pouco mais, distribuindo beijos de boca aberta por toda a pele disponível até seu pescoço.
suspirou, inclinando a cabeça para o lado, e o puxou para mais perto, chupando seu pescoço. acabou colando seu corpo ao dele, esmagando sua ereção com a bunda, e gemeu baixo. Se ele não abrisse logo aquela porta o tocaria por baixo da roupa ali mesmo, no meio da rua.
— A porta, . — pediu, deixando em seu pescoço uma mordida que o fez xingar, mas fez o que estava pedindo, finalmente abrindo a porta do carro. Ele deixou as garrafas e a jaqueta no banco da frente e entrou atrás, com vindo em seguida. Ele fechou a porta atrás de sí e se apressou para se sentar no colo do outro, segurando seu rosto entre as mãos para voltar a atacar seus lábios.
O beijo de era viciante e se estivesse em seu juízo perfeito, se preocuparia com isso. Não tinha nenhuma chance de não pensar naquele beijo mais tarde, quando estivesse sozinho em casa, mas no calor do momento, aquela era a última coisa que se passava em sua cabeça.
Enquanto devorava os lábios do outro, empurrou sua jaqueta para trás. lamentou ter que se afastar para terminar de tirá-la, mas se aproveitou para livrar-se da camiseta também.
gemeu quando teve um vislumbre de seu corpo. se exercitava, estava em forma. E o outro certamente reparou nisso, o que arrancou um sorrisinho discreto de .
O loiro o empurrou para trás, para fora de seu colo, até que ele estivesse desajeitadamente deitado sobre os bancos. Não tinha muito espaço para isso e ele só pôde ficar com as pernas abertas, com entre elas.
O mais velho se inclinou sobre ele imediatamente, rumando direito para seus mamilos. Ele sugou um entre os lábios e suspirou alto, segurando em seus cabelos enquanto seu membro endurecia rapidamente entre suas pernas.
notou isso, pois desceu uma das mãos por seu abdômen até estar sobre o volume em suas calças, apertando sua ereção por cima da roupa exatamente como tinha feito com ele mais cedo.
gemeu baixo com o contato, enquanto rumava para seu outro mamilo, assoprando após chupá-lo como tinha feito com o anterior. se remexeu embaixo do outro, de repente ansioso para se livrar das calças. Não conseguiu deixar de pensar em como seria os lábios grossos do outro ao seu redor quase gemeu novamente com o pensamento.
— Se eu tivesse um corpo desse eu andava pelado. — comentou, descendo beijos por seu abdômen.
suspirou, sentindo seu corpo queimar em desejo, mas não pode deixar de responder, embora sua mente já estivesse meio entorpecida.
— Essa camisa que você está usando é quase a mesma coisa.
— Gostou? — perguntou, deixando uma mordida em seu abdômen que fez estremecer.
— Preferia sem. — respondeu, arfando ao receber um chupão no mesmo lugar.
riu, se de seu comentário ou de sua reação, não sabia, mas ele se afastou pra tirar a peça de roupa. salivou ao ter o vislumbre da jóia em seu mamilo e esqueceu-se completamente da expectativa de ter os lábios de ao redor de seu pau.
se levantou, sentando-se novamente para poder se inclinar sobre . Ele o agarrou pela cintura e abocanhou seu mamilo, fazendo gemer alto com o contato. O som fez se arrepiar por inteiro e seu pau pulsou dentro da calça que em um segundo já estava desabotoando.
O loiro invadiu sua cueca, segurando sua ereção entre os dedos, e gemeu contra seu mamilo enquanto o outro o masturbava devagar demais para sua sanidade. A mão de era quente ao seu redor, e fez voltar a pensar sobre sua boca.
Melhor que isso apenas ter dentro dele. Precisava agilizar as coisas antes que enlouquecesse, mas não conseguia soltar o piercing em seu mamilo. Era uma delícia ter a jóia entre os dentes e a forma como o apertava mais entre os dedos sempre que maltratava a região sensível fazia gemer junto com ele.
— Como você quer fazer isso, uhm? — perguntou. Ele usou a mão livre para agarrar seus cabelos e puxou sua cabeça para trás. gemeu, um fio de saliva ainda o conectando com seu mamilo, agora levemente inchado com seus chupões. — Eu podia te comer bem gostoso, mas tiver outra preferência...
— Eu sento em você. — o interrompeu para responder. Já tinha saído de casa preparado e provavelmente imaginou isso diante de sua resposta tão rápida. Ele sorriu, voltando a se aproximar de sua boca.
— Desde que a gente possa repetir o contrário depois... — sussurrou, roçando seus lábios juntos, e quase gemeu em expectativa. Definitivamente podia imaginar isso, mas não facilitaria as coisas para quando podia apenas provocá-lo.
— E quem disse que eu vou querer de novo? — retrucou, mesmo que estivesse totalmente rendido por ele, a cabeça ainda inclinada para trás enquanto o outro o segurava pelos cabelos.
Em resposta, puxou sua cabeça ainda mais, lambendo seus lábios.
— Eu digo. — falou, empurrando de volta para o banco. Ele se deixou cair para trás, e logo teve as calças arrancadas de seu curto junto da cueca.
lhe comeu com os olhos assim que o viu completamente nu diante dele. Ele mordeu o lábio inferior, olhando para ereção de completamente dura sobre sua barriga.
— Vai ficar só olhando? — perguntou, ansioso demais para que as mãos do outro voltassem para seu corpo.
xingou, se inclinando sobre ele para beijá-lo mais uma vez. o agarrou pela cintura, abrindo os lábios imediatamente e enfiou a língua em sua boca. tentou aprofundar o beijo, mas não permitiu, afastando-se rápido demais. tentou impedí-lo, o segurando com mais força, mas se rendeu quando levou uma das mãos até seu pescoço. Ele não o apertou, mas estremeceu ao sentir os anéis gelados nos seus dedos contra sua pele.
— Não posso chupar seu pau se estiver chupando sua língua. — sussurrou em seu ouvido, se esfregando contra sua ereção e xingou baixo.
Já se sentia uma bagunça e mal tinham começado.
— Então porque está demorando tanto? — perguntou em provocação. A outra opção era implorar para que o comesse de uma vez, antes que enlouquecesse.
Em resposta a sua malcriação, finalmente apertou seu pescoço. Foi apenas um segundo antes de soltá-lo, mas foi o suficiente para fazer gemer sôfrego.
Se queria testar sua aceitação ao toque mais bruto, já tinha descoberto sua resposta. gostava e estava desesperado por mais.
se virou um segundo para o compartimento entre os bancos dianteiros e o abriu, tirando de lá um tubinho de lubrificante. não julgou, tinha um no bolso da calça, assim como preservativos.
empurrou o banco do passageiro mais para frente e conseguiu descer do banco para o assoalho, se acomodando entre suas pernas.
Sem que ele pedisse, ergueu um dos joelhos, dando a livre acesso a sua entrada.
o olhou como se fosse completamente pecaminoso e quis puxá-lo de volta para si quando o viu maltratar seu lábio inferior com os dentes. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, no entanto, se moveu, despejando lubrificante em sua entrada. estremeceu quando o líquido gelado entrou em contato com sua pele quente e fechou os olhos por um instante, tocando seu próprio pau para descontar a excitação.
No minuto seguinte, um dedo de cutucava sua entrada enquanto sua língua deixava uma lambida na cabeça de seu pau. O loiro sugou sua glande para dentro da boca quente e afastou sua mão para deixá-lo fazer o que quisesse. Ele provocou sua venda com a língua, babando ali enquanto se contorcia embaixo dele. Somente quando gemeu mais alto que finalmente afundou um dedo dentro de si.
já tinha se aberto no banho. Os caras aleatórios com quem ele fodia nem sempre tinham paciência pra isso. Ele costumava se preparar em casa para evitar o transtorno, mas ter outra pessoa fazendo aquilo por ele era definitivamente melhor.
se moveu dentro dele devagar enquanto descia os lábios por todo seu comprimento. virou uma bagunça de gemidos e arfares enquanto o outro babava ao seu redor e se contorceu embaixo dele quando sentiu a garganta de em sua glande.
foi obrigado a abrir os olhos para assistir a cena, seu pau inteiro sendo engolido pelos lábios grossos de . A visão era tão boa quanto a sensação e só conseguiu gemer mais uma vez para ele.
Como se quisesse desafiá-lo a manter os olhos abertos, o loiro empurrou mais um dedo para dentro e gemeu arrastado, voltando a fechar os olhos com a invasão. Seus dedos não atingiam tão fundo quanto gostaria, mas ainda era uma delícia, especialmente quando eles deslizavam molhados com o lubrificante.
passou a mover os lábios mais rápido ao seu redor, acompanhando o ritmo com os dedos, e viu estrelas, segurando seus cabelos entre os dedos enquanto lutava para não foder sua boca. A língua do outro era quente ao seu redor e sua saliva já escorria onde seus lábios não alcançavam.
Mas ainda precisava de mais e sem aguentar mais daquilo, puxou seus cabelos para afastar a boca do outro de si. voltou a se sentar, o melhor que pôde com os dedos do loiro dentro de si. Entendendo o que ele queria, voltou para o banco, atacando novamente seus lábios em um beijo muito mais afoito do que antes.
sentiu seu gosto na língua do outro e gemeu com isso, mas focou em abrir suas calças. Era um absurdo que ainda estivesse vestido e ele o livrou das últimas peças rapidamente.
salivou quando teve o vislumbre de seu corpo totalmente nu. era ainda mais bonito por baixo da roupa. Apesar de ser magro, tinha o abdômen definido e as coxas grossas. Até seu pau era bonito, menor que o de em comprimento, porém mais grosso. Desejou encher sua boca com ele, mas estava ansioso demais para tê-lo dentro de si.
se virou para o compartimento entre os bancos, onde havia pego o lubrificante, e escolheu rapidamente um preservativo. Ele o abriu, colocando-o em antes de subir novamente em seu colo.
o envolveu com os braços, segurando firmemente em sua cintura enquanto segurava sua ereção entre os dedos para posicioná-lo no lugar certo. Quando conseguiu, finalmente se afundou sobre ele, gemendo alto enquanto jogava a cabeça para trás com a invasão. Desceu devagar, e sentiu segurá-lo com mais força conforme ele engolia deliciosamente seu pau.
A invasão era ligeiramente dolorosa considerando o tamanho do outro, mas definitivamente gostava e apenas continuou até estar completamente sentado em seu colo, com alojado dentro dele, tão fundo quanto era possível.
se jogou para frente, enfiando o rosto em seu pescoço cheiroso enquanto se acostumava com o tamanho. Já respirava com dificuldade e mal tinham começado.
era inteiramente delicioso sem fazer nenhum esforço.
Quando finalmente se acostumou com o alargamento, se ergueu de seu colo devagar, fazendo com que saísse quase completamente de dentro dele antes de voltar a se sentar em seu pau, até o talo. Gemeu sôfrego quando teve completamente dentro de si novamente e repetiu o movimento, subindo e descendo cada vez mais rápido.
gemia junto dele, mais baixo, e o som apenas o atiçava ainda mais, o instigando a descer com mais força.
o puxou para mais perto, fazendo com que seu pau ficasse esmagado entre os dois e gemeu ainda mais alto, enfiando o rosto em seu pescoço. Aquela proximidade também o permitia sentir o piercing gelado contra seu peito e seu pau fisgou com a sensação. Aquele piercing era uma provação e tinha perdido completamente.
Já sem fôlego, o agarrou pelos cabelos enquanto segurava o banco com a mão livre, usando-o de apoio para se movimentar mais rápido sobre . Era uma delícia tê-lo inteiro dentro dele, alargando suas paredes. Ele suspirava baixo em seu ouvido enquanto gemia, um pouco mais alto cada vez que se afundava de volta em seu pau duro.
Seus músculos já ardiam com o momento repetitivo, mas não tinha nenhuma pretensão de parar até que estivesse gozando entre os dois.
Quando finalmente não aguentou mais, rebolou sobre , com o pau dele enterrado dentro de si. Ambos gemeram com isso, mas não demorou muito para segurar sua cintura e estocar dentro dele, atingindo sua próstata de maneira certeira.
gemeu alto, se agarrando em seus cabelos com mais força enquanto afundava os dentes em seu ombro. Normalmente tentava não marcar suas fodas, mas sua mente já estava completamente nublada de prazer.
repetiu o gesto, estocando com força dentro dele repetitivamente. Ele acertava sua próstata todas as vezes e se viu implorando por mais, mesmo quando já o invadia profundamente.
Ele já não sabia mais o que estava pedindo.
Meio obcecado com seu piercing, levou sua mão livre até lá, brincando com a jóia enquanto deixava fazer o que quisesse com seu corpo, estocando com força dentro dele.
Quando finalmente foi demais, afundou as unhas em seu peito e os dentes em seu pescoço, gemendo alto enquanto gozava com sua ereção intocada entre eles.
não parou, o invadindo cada vez mais rápido enquanto ele gozava. amoleceu completamente em seus braços, cansado e sem fôlego. Ele era uma bagunça completa de gemidos baixos e arfares, sem forças até mesmo para gemer tão alto quanto antes, por mais delicioso que aquilo fosse.
Mais algumas estocadas depois, finalmente gozou também, dentro do preservativo enterrado fundo em sua bunda.
Os dois estavam completamente sem ar quando terminaram e ninguém teve coragem de se mexer, mesmo , para sair de dentro dele. não reclamou.
enterrou o rosto em seu pescoço, e a respiração alta dele ali fez se arrepiar novamente, se agarrando mais a ele sem nem perceber. Estava sensível após gozar e algo na respiração de contra seu peito o deixava meio sonolento, mas lutou contra isso.
Quando finalmente se recuperaram minimamente, saiu de dentro dele e gemeu arrastado, sensível demais pra isso.
Ele saiu de cima do outro para que pudesse finalmente se livrar do preservativo, mas se jogou contra a porta do carro, ainda cansado demais pra se vestir.
, após se livrar do preservativo, fez o mesmo que ele, contra a outra porta, as pernas do loiro sobre as suas no banco, um de frente para o outro.
o cutucou com os pés.
— Pega o refrigerante. — pediu. Estava com sede e fome depois do que tinham feito.
— Pega você. — respondeu, tão preguiçoso quanto ele.
— Você está mais perto. — insistiu.
— Mas é você que está querendo.
resmungou, totalmente insatisfeito, mas precisava concordar que era um bom argumento.
— Não quero tanto assim. — desistiu.
bufou, mas se inclinou no banco para buscar o engradado. As bebidas não estavam mais tão geladas quanto antes, mas ainda estavam boas o suficiente pra beber já que a noite não estava exatamente quente.
Ele pegou uma lata para si e jogou outra para , que a pegou no ar. Ainda sem coragem para vestirem as roupas, eles beberam em silêncio.
era do tipo que ficava completamente mole depois do sexo e quase o deixou dormir no carro apenas porque ele ficava ainda mais bonito sonolento e bagunçado, com seus chupões marcados em seu pescoço.
A visão de seu corpo completamente despido também não era de se jogar fora, as coxas grossas, o abdômen definido, a cintura fina e as tatuagens cobrindo o braço esquerdo. era um pecado. Sonharia com aquela cintura com toda certeza.
não costumava dormir com a mesma pessoa mais de uma vez, mas soube que repetiria com assim que se beijaram a primeira vez. Só piorou quando o viu sem roupa.
Por fim, quando percebeu que estava quase dormindo no banco de trás, o próprio se sentou, pedindo pra ir pra casa.
— Fala alguma coisa. — pediu. Já estavam no banco da frente, vestidos, enquanto dirigia. — Estou quase dormindo.
— Durma, então. Não é como se eu fosse te sequestrar.
— Sei lá, você é meio doido e parece um stalker. — devolveu, não perdendo a oportunidade de provocá-lo novamente sobre aquele assunto.
— Já conversamos sobre isso. — respondeu, e ele apenas deu de ombros.
Se ele queria conversar, podia pelo menos facilitar e continuar a conversa, mas já tinha notado que não era muito bom com isso.
— Qual é da cobra tatuada no braço? — perguntou então, curioso sobre o que ele tinha a dizer. Bruxos das sombras costumavam ser realmente ligados ao animal já que podiam se transformar nele, mas não sabia disso e certamente nunca tinha feito também. Mesmo assim, tinha uma serpente gigante tatuada no braço, com o rabo enrolado ao redor de seu pulso e o corpo subindo por seu braço. A cabeça terminava em seu ombro. — Sei que nem sempre tem um significado, às vezes é só um desenho legal. Minhas luas são só um desenho legal, mas fiquei curioso.
Mais uma vez, deu de ombros, e realmente desejou parar o carro para dar um soco nele. Estava pronto para mandá-lo usar a boca quando finalmente respondeu.
— Eu só gosto. Tanto do desenho quanto do animal. Não tem um motivo maior que esse, não sei explicar.
— Tipo uma afeição por serpentes? — perguntou, já ciente da resposta. , como esperado, concordou.
— A maioria das outras tatuagens até tem significado, mas essa é só... Legal.
— É com certeza a mais bonita. — concordou.
— Gostei das suas. — ele respondeu, e achou tê-lo visto corar pelo retrovisor. — E do piercing.
gargalhou, jogando a cabeça para trás. Entendeu imediatamente porque ele tinha corado.
— Eu notei, quase arrancou ele com os dentes.
fez uma careta com seu comentário.
— Te machuquei? — perguntou, genuinamente preocupado, e riu mais uma vez.
era meio agressivo, estava cheio de marcas de unhas e dentes mesmo quando mal tiveram espaço pra mudar de posição, mas ele definitivamente gostava disso. Imaginar aquela brutalidade quando o outro estivesse dentro dele o fazia se arrepiar inteiro.
— Não, eu gosto. — respondeu. — Mas se gostou tanto, podia fazer um também. Você não parece ter problema com dor. — comentou, pensando no braço completamente coberto de desenhos.
— Eu faria, mas meus pais não gostam muito.
— Não é como se você fosse menor de idade.
— Não é assim que funciona quando você mora com os pais.
ficou tentado em fazer mais perguntas sobre a família dele. Era evidente que tinha alguns problemas com ela, mas sabia que seria invasivo demais e já não era dos mais falantes.
Também não era como se tivessem muito tempo pra isso, pois já virava na rua de sua casa.
Quando parou o carro, tirou o cinto sem dizer nada, mas não saiu de uma vez, e sentiu que ele tinha algo mais a dizer.
— Uhm... Foi legal. A noite. — ele falou, sem encará-lo, como se fosse difícil admitir aquilo em voz alta.
pensou na forma como realmente pareceu acreditar que o largaria para trás sem dizer nada e se sentiu meio deprimido. Era evidente que tinha tido todas as experiências ruins possíveis com as pessoas ao seu redor. Ele provavelmente tinha receio de admitir aquilo e simplesmente ser jogado pra escanteio de novo. Já tinham transado agora e sabia que tinha dado a entender que seu interesse em tinha a ver com isso.
— Apesar de você ser um pirralho chato e ladrão de batatas, foi uma boa noite. — o provocou, e revirou os olhos, mas o loiro viu que ele sorria.
— Foi você que ficou tentando me convencer de que elas não eram tão boas quanto as da sua lanchonete de gente nojenta. — retrucou, abrindo a porta do carro, e repetiu sua fala com a voz afetada. — Depois o pirralho sou eu.
— E quem mais seria? — perguntou, e dessa vez foi quem repetiu sua fala. — Tá vendo? — ele riu, mas o outro apenas fechou a porta atrás de sí, erguendo a gola da jaqueta pra que ninguém visse o chupão enorme que tinha deixado ali. — Vai pela sombra, viu. — gritou pra ele, mas não respondeu nada, apenas correndo para a porta de casa.
ainda ficou ali parado enquanto o via entrar, pensando mais uma vez na boca de a contra a sua, algo que não era do seu feitio. Assim que fechou a porta, após lançar um último olhar para , o loiro se lembrou imediatamente de .
Tinha feito exatamente o que o outro bruxo da luz havia sugerido sobre ele, sequer se deu conta na hora, movido apenas por seus instintos.
era realmente bonito demais, mas se sentiu meio culpado agora que tinha tempo de pensar sobre isso. Infelizmente, não conseguiria esconder do amigo as marcas que tinha deixado em seu pescoço, mas sinceramente, percebeu que nem queria.
Ele nunca foi essa pessoa. Ele nunca se importou em ver de novo alguém com quem tinha dormido, mas a verdade é que ele nunca precisou, as pessoas costumavam passar por ele no outro dia como se sequer existisse. Para alguns isso talvez fosse triste ou trágico. sabia que de fato era, mas ele preferia assim, sinceramente. Não gostava de drama e relacionamentos traziam drama, mas dessa vez era diferente. Por mais que não quisesse admitir, se fizesse o mesmo, ficaria chateado.
E tinha certeza que era exatamente isso que o loiro ia fazer.
tinha dado a entender que era isso que queria consigo, certo? Se já tinha conseguido, não havia mais motivos para continuar frequentando o café e o perseguindo até em casa.
estava tentando lembrar a sí mesmo que essa era a melhor parte de dormir com pessoas estranhas, não vê-las nunca mais, mas passou dias tentando se aproximar, como se realmente quisesse ser seu amigo, e por mais que o repelisse, estava começando a se acostumar. Foram pouquíssimos dias na verdade, mas para quem nunca recebia atenção, qualquer uma era muita coisa. Não estava pronto para mais uma decepção ainda.
E foi por isso que preferiu adiar, terminando ali, sentado na sala de com Mochi em seu colo, esperando o veterinário voltar.
— também tinha um chupão no pescoço quando voltou para casa na sexta. — comentou o outro rapaz na sala. achava que seu nome era , mas não tinha muita certeza. Na última vez que esteve com ele, sua cabeça não estava muito boa. A única coisa da qual ele tinha certeza era que aquele cara definitivamente não gostava dele.
tinha plena consciência de que nunca tinha feito nada para ele, mas não era como se precisasse fazer para conquistar a antipatia de alguém. era apenas mais um e , sinceramente, não se importava. Estava apenas achando a situação um tanto quanto incômoda. Ele estava sentado em uma sala estranha, de costas para a porta, com o vigiando encostado no batente, o encarando com olhos de águia enquanto obstruía a única passagem para sair da sala.
Não era como se fosse atacá-lo ou algo assim, então não via realmente um motivo para se preocupar, mas não deixava de ser desconfortável.
— Eu falei com você. — ele insistiu quando não disse nada. fez algum movimento na porta, ouviu, mas foi principalmente a reação de Mochi que o denunciou. O gato se colocou de pé imediatamente, usando o peito de como apoio para ficar sobre as patas traseiras. Ele olhou para por cima de seus ombros, os pelos eriçados enquanto rosnava, como se estivesse pronto para voar em cima de . Ele definitivamente não gostava do outro e , apesar de segurar o gato para impedí-lo de atacar, não conseguiu segurar uma risada, especialmente quando ouviu bufar. — Criaturinha desprezível.
— Desprezível é você ficar aqui me sondando a troco de nada. — defendeu o gato, ofendido com o xingamento. Mochi estava tentando protegê-lo e apreciava muito isso, mesmo que duvidasse da capacidade do gato de realmente causar um estrago significativo.
— Eu te fiz uma pergunta e você não respondeu.
— Você precisa aprender o conceito de pergunta então. No máximo você fez um comentário que não me interessa. Não foi uma pergunta.
— Eu insinuei que você e o passaram a noite juntos.
— Ou seja, nenhuma pergunta.
— Não se faça de besta, você entendeu o que eu quis dizer. — voltou a falar. Seu tom deixava claro que ele estava perdendo a paciência, o que só fazia aquela conversa ainda mais sem sentido.
Qual era o problema se tinha dormido com ou não? Aquilo só seria da conta do outro se e namorassem, o que obviamente não era o caso. Primeiro porque sabia que tinha dois namorados e que nenhum deles era , tinha lhe mostrado uma foto com ele. Segundo porque se fosse o caso, aquela conversa seria bem diferente.
, por fim, deu de ombros.
— É, talvez eu só ache que não é da sua conta.
— Então aconteceu algo.
— Cara — se virou para ele, ainda segurando Mochi que imediatamente voltou a rosnar. apenas revirou os olhos para o animal. —, eu não tenho obrigação de te explicar nada. Eu sequer te conheço. Se você tem algum problema com quem dorme ou deixa de dormir, se entenda com ele. Teu amigo é ele, não eu. Se você tem algum sentimento encubado sobre ele se entenda com ele, não comigo.
— O quê?! Eu não...
— . — voltou, e seu tom de voz deixava claro que ele estava tão satisfeito com a atitude de quanto o próprio .
imediatamente voltou atrás do que ia dizer para se defender de .
— Foi só uma pergunta inocente!
— Claro que foi. — retrucou o outro, deixando claro que não acreditava naquilo. — O que o faz ou deixa de fazer com a própria vida não é da sua conta. — o repreendeu. — Você sequer devia estar na sala. Aqui o é apenas o tutor do meu paciente.
Em resposta, revirou os olhos mais uma vez.
— Está bem, desculpe. Eu estou indo embora.
— Por favor.
— Ingrato. — retrucou, mas já dava as costas para ir embora.
Pelo que tinha entendido, tinha ido até lá levar algo que acabou esquecendo em casa, mas aparentemente preferiu ficar para aborrecê-lo ao invés de apenas entregar e ir embora.
Quando ele já estava longe, entrou na sala e fechou a porta atrás de sí.
— Desculpe por isso. Vamos começar?
descobriu muito rápido que Mochi era sim capaz de causar um estrago significativo.
Já tinha visto vídeos o suficiente de gatos no veterinário para saber que essa não era a coisa preferida deles no mundo, mas imaginou que Mochi seria diferente. Sequer precisava usar caixas de transporte com ele. O gato demonstrava entender tudo que ele falava de uma forma tão precisa que chegava a ser estranho.
Se pedia para ele entrar na mochila, ele entrava. Se pedia pra ele ficar quieto, ele ficava. Mochi entendia todo e qualquer comando que lhe desse, sem qualquer treinamento. Sentar, deitar, esperar. Ele podia até mesmo compreender comandos mais complexos como pular e trazer coisas. desconfiava que ele apenas não obedecia quando pediam para rolar ou fingir de morto porque não estava a fim. Ele sempre olhava para com um desprezo palpável quando ele tentava, como se a ideia fosse absurda.
E o simples fato de conseguir enxergar o desprezo na expressão do gato já era igualmente impressionante.
desconfiava que Mochi apenas não falava porque sua língua não permitia, pois neurologicamente ele era plenamente capaz.
Aquele gato se portava demais como uma pessoa para parecer um animal qualquer. Aquela era a primeira vez que ele realmente agia com um gato normal e não parecia ser o único surpreso. Ele imaginava que , como um veterinário, deveria estar preparado para o temperamento de um felino, mas assim que pegou a injeção, Mochi, que até então estava sentado na mesa mais bem comportado que muito adulto no hospital, simplesmente surtou. O gato pulou sobre ele sem nenhum aviso e o veterinário mal teve tempo de levar as mãos até o rosto antes que as garras de Mochi se afundassem em sua pele.
correu até ele desesperado enquanto Mochi pulava da mesa e seguia até a porta.
— O gato! — gritou.
— A porta está fechada. — respondeu, mas não deixou de se virar para ela, bem em tempo de ver Mochi pular na maçaneta. arregalou os olhos. Não deveria ficar surpreso que seu gato pudesse abrir portas, mas se surpreendeu. — Mochi, não! — correu até lá, mas já era tarde demais. Ele abriu a porta sem nenhuma dificuldade e correu para fora.
Aparentemente, ele escolhia quando ser um gato comum e quando ser um gato superdotado.
se apressou atrás do animal, embora soubesse que suas chances eram bem pequenas. Antes que Mochi conseguisse tomar muita distância, decidiu se jogar para frente. Sua intenção era pular em cima do bicho, mas achou de bom tom virar o corredor naquele exato momento.
não teve tempo de parar e acabou se jogando em cima dele, literalmente. Os dois foram para o chão, e , desprevenido, soltou um grito pelo susto, que logo virou um resmungar quando ainda lhe deu uma cabeçada.
Pelo menos agora ele teria um bom motivo para odiá-lo.
— Mas que porra?! — gritou, mas já se levantava, Mochi ainda estava correndo. Podia se preocupar com o outro depois. Não tinha sido um impacto forte o suficiente para machucá-lo.
— O gato, alguém para o gato! — pediu, tinha duas moças na recepção, mas para sua surpresa, antes que elas fizessem algo, o próprio Mochi acabou congelando no lugar, tão repentinamente quanto tinha atacado e fugido.
se apressou até ele, estranhando que Mochi voltou a se debater assim que o pegou no colo. Ele mesmo tinha parado no lugar para esperá-lo. Qual era o problema agora?
— O que você está fazendo, por que está fugindo? Você nunca fez isso antes. — perguntou para o animal, mas quem respondeu foi , ainda do chão.
— De nada.
— De nada pelo quê? — retrucou, voltando-se para ele. — Por aparecer na minha frente para atrapalhar?
— Ah, claro. Porque você estava se saindo muito bem.
— E você só atrapalhou, muito obrigada pela grande ajuda caindo na minha frente, idiota.
até pretendia ajudá-lo a se levantar e pedir desculpas. Não era mal educado nem estúpido. não tinha nenhuma obrigação de saber que ia pular no gato feito um jogador de rúgbi e o tinha derrubado, mas só de raiva, não fez nada disso, o pulando no chão para voltar para a sala de .
— Pelo menos peça desculpas! — gritou às suas costas.
— Não.
— É um pirralho mesmo. — reclamou, como se não tivesse, provavelmente, a mesma idade que . Ou perto disso, no mínimo.
Por fim, voltou para a sala e fechou a porta atrás de si, bufando com , mas arregalou os olhos assim que viu tirar uma gaze coberta de sangue de sua bochecha.
— Caramba, me desculpa! — pediu, voltando para perto dele. Deixou Mochi sobre a mesa novamente antes de seguir até o homem. Dessa vez tinha cuidado de trancar a porta. — Como eu posso ajudar? — perguntou. Seu rosto já estava limpo, mas havia três enormes arranhados ali. Eram feios e pareciam bem fundos. Certamente estavam doendo e se sentiu extremamente culpado.
Era sua obrigação conter seu gato e não o tinha feito.
— Não se preocupe com isso. — sorriu, tentando tranquilizá-lo, mas o sorriso rapidamente virou uma careta quando sua pele ferida esticou. — Eu deveria ter previsto isso. Vamos terminar e eu faço um curativo.
— Pode infeccionar.
— Só vamos levar alguns segundos para dar a vacina. — respondeu, soando realmente tranquilo. Talvez Mochi não fosse o primeiro gato a tentar matá-lo. — Mas vamos precisar segurá-lo agora.
— Tudo bem.
teve que preparar outra vacina, visto que a anterior havia caído no chão durante o ataque do gato. Quando ele terminou, segurou Mochi enquanto o animal se debatia desesperado. Nunca o viu daquela forma, nem mesmo quando estava doente. Ele rosnou e se debateu, por várias vezes quase fugiu, mas ele parecia realmente tentar evitar machucar , o que facilitou um pouco as coisas.
Dessa vez, eles conseguiram, mas Mochi murchou como se tivesse acabado de perder um pedaço de si. quase riu de tamanho drama.
— Está tudo bem agora, passou. — tentou confortá-lo, mas quando passou a mão no animal, Mochi voltou a mostrar os dentes. O veterinário se afastou rápido, mas Mochi já pulava nele outra vez.
foi rápido em contê-lo, um pouco mais prevenido agora, mas Mochi encarou de forma tão intensa que mais uma vez se questionou se ele era mesmo um gato. também pareceu surpreso, pois o viu arregalar os olhos por um instante, a cor sumindo de seu rosto, como se fosse desmaiar.
— Você está bem?
— Sim, sim. — ele estava mentindo, mas o que fez estranhar mesmo sua reação foi a risada sem graça que ele soltou em seguida. — Bom, acabamos por aqui.
deu as costas para retirar as luvas, mas permaneceu olhando para ele. Sentiu como se o outro, de alguma forma, tivesse conseguido se comunicar com Mochi, mas tratou de esquecer logo aquilo. Era literalmente impossível, certo? Mas se não era isso, o que estava escondendo?
Então... Acabei de atender e seu gato.
Menti que ele precisava de vacinas para que o garoto o trouxesse aqui novamente.
Na época fiz isso para confirmar se Mochi era mesmo um familiar e se era familiar de . Se o gato continuasse bem com ele, era.
Meio que acabamos confirmando de outra forma, mas enfim... É isso.
tinha algum parente mágico e ele está morto agora. Mochi é mesmo o familiar dele, caso ainda restasse alguma dúvida.
Então ele estava ai? Procurei por ele para comer e percebi que não veio à aula.
Sim, estava, mas temos um problema maior do que o gato dele ser um familiar.
Considerando que ninguém no mundo mágico morreu nos últimos dias, isso é meio óbvio.
O problema que eu estou falando é ainda maior que isso.
Por Deus, homem. Só fala de uma vez.
Certo, desculpe.
Bom... Mochi não é um gato.
Quê?
Ele parecia bastante com um gato na última vez que eu chequei.
E fazem apenas alguns minutos.
Ele não é um gato. O antigo tutor usou magia para mascarar a verdadeira forma dele. Não tenho idéia de que animal é, mas não é um gato.
Foi por isso que ele te deu uma surra?
Quem deu uma surra no ?
O gato.
Tivemos que consertar a cara picotada do .
Depois de te derrubar feito um saco de bosta.
Ele picotou tua cara antes até onde eu sei.
E quem me derrubou foi o dono dele, aquele pirralho ingrato.
Segurei o gato pra ele e não recebi nem uma desculpa e nem um obrigado.
É, tem isso ainda.
usou magia pra segurar o gato e queria um obrigado.
Sendo que o garoto nem sabe sobre magia ainda.
Problema dele, irmão.
Parem de fazer fofoca, foco no problema.
Eu amo fofoca. Não parem.
Estou curioso sobre isso.
Em casa vocês conversam sobre isso.
Então sequer sabemos qual animal esse familiar é?
Que ótimo, já não estava difícil o suficiente resolver isso.
Bom, se ele tinha parentes mágicos, então ele não é filho de quem ele pensa que é, certo?
Genética é bem mais complexa do que isso.
Podia ser um avô mágico que teve filhos não mágicos. O gene ainda estaria na família e consequentemente, pais não mágicos poderiam ter um filho mágico.
Mas o familiar podia ser de um tio também. Se o pseudo avô tivesse dois filhos, por exemplo. Um podia ter magia e outro não. O gato podia estar com um tio.
Certo, certo, mas pensa aqui comigo.
E se os pais dele eram bruxos e se escondiam por que eram bruxos das sombras como ele?
Faz sentido, né?
Tipo, mataram todos os bruxos das sombras depois do que os fizeram. Eles podiam ter se escondido.
Para que o sobrevivesse, eles prenderam a magia dele e o colocaram pra adoção.
Agora eles morreram de verdade e precisaram disfarçar o familiar pra mandá-lo para porque mantemos um registro de todos os familiares e seria fácil de achar a quem o Mochi pertencia dessa forma.
Fora que um familiar pode ser qualquer coisa. Muito mais fácil explicar um gato pra um garoto não mágico do que um dragão.
Isso faz mais sentido do que eu gostaria.
A única forma dos pais dele terem feito algo assim é forjando a própria morte. Não deixaram ninguém vivo naquela época.
Mas isso quer dizer que vamos ter registros.
É, mas o gato não ser um gato atrapalha bastante as buscas.
Não temos uma forma de descobrir que raios de bicho ele é?
Um feitiço de revelação não funcionaria?
Acredito que sim, mas não podemos apenas obrigar o gato a se revelar na frente do garoto.
Além disso, eu tenho certeza de que o gato não vai deixar a gente tentar isso se souber o que pretendemos.
Então faremos sem ele perceber.
Já sabe o que fazer, .
Certo, deixa comigo.
, enquanto isso pode ser uma boa idéia revisar os casais que foram mortos naquela época.
Acho que você não tem noção da quantidade de pessoas que foram mortas naquela época.
De fato, foram muitas. Mas buscar quem tinha um familiar certamente diminui a pesquisa.
E não é como se você não pudesse apenas perturbar um estagiário pra fazer o seu trabalho. Você é literalmente o chefe.
Ninguém pode saber que estamos pesquisando sobre bruxos das sombras. Isso tem que ficar aqui por enquanto.
Óbvio.
É, não tinha pensado nisso.
Já que vocês fazem questão, vou levar o computador pra casa. Somos em seis. Isso deve ajudar.
Tenho certeza que vamos estar em cinco. Ele vai ser o primeiro a fugir.
Em quatro, você vai ser o segundo.
☺️☺️☺️
Faltavam poucos minutos para o fim de seu turno quando o sino tocou e passou pela porta. estava no caixa e não conseguiu esconder a surpresa ao vê-lo ali. Tinha tanta certeza que passaria a ignorá-lo. Era o que todo mundo fazia.
tinha provado sua boa fé várias vezes no final de semana, mas ainda acreditava que isso tinha acontecido apenas porque ele tinha segundas intenções. Agora que ele tinha conseguido o que queria, estava certo que as coisas iriam mudar.
Mas então estava ali, tão bonito quanto o normal, e apesar de não achar que podia se deixar levar por isso, gostou de vê-lo ali.
— Sério mesmo? — o loiro questionou assim que parou a sua frente, do outro lado do balcão. Ele colocou as duas mãos na cintura, como uma mãe que dá bronca nos filhos após aprontar.
se viu totalmente confuso. Mais do que já estava, no caso.
Ele nunca tinha chegado nessa parte. Interagir novamente com as pessoas com quem dormia não era algo que costumava fazer. Se não fosse apenas virar as costas para ele agora, então como devia agir? Percebeu que não sabia. esperava alguma coisa dele em específico? Por que se esperava, não tinha ideia do que podia ser.
Quando ele não respondeu nada, riu. Gargalhou, na verdade, jogando a cabeça para trás, o que apenas serviu para deixar ainda mais confuso.
— Você devia ver a sua cara. — ele se sentou no balcão a sua frente. — Já te falaram que você é muito expressivo?
— Na verdade não.
— Bom, você é. Dá pra ver a confusão estampada no seu rosto. — falou, e mais uma vez, não disse nada, apenas pensando se aquela fala deveria ser vista como uma ofensa ou não. Não tinha muita certeza.
Na verdade, não tinha certeza de muita coisa e odiava perceber isso. Estava colhendo os resultados de ter se isolado por tanto tempo, mesmo que não fosse totalmente culpa sua. Só agora percebia o quanto isso o tinha alienado.
— Não estou entendendo onde você quer chegar. — admitiu.
— Minha indignação quando eu cheguei foi ver sua surpresa. — explicou, felizmente, sem caçoar dele dessa vez. — O que eu quis dizer foi: Sério mesmo que depois de tudo você ainda esperava que eu fosse simplesmente sumir?
— É o que as pessoas normalmente fazem.
— E quantas vezes eu julguei essas pessoas com você? — retrucou, mas não parecia realmente ofendido. — Não me subestime tanto.
Dando a conversa como encerrada, puxou o cardápio para si para verificar as opções, como se não tivesse dito nada demais.
Bom, para pessoas normais, de fato não tinha, mas não tinha ideia do que esperar da relação deles agora. Para ele, não havia uma, mas não tinha certeza de que era o comum e não achava de bom tom perguntar a . Era evidente que ele já tinha uma idéia do quão confuso era, mas ainda tinha receio de falar uma bobagem maior do que o esperado.
Estava odiando ter que pensar tanto antes de dizer ou fazer qualquer coisa. Era cansativo.
— Você é muito expressivo, mas eu ainda não consigo adivinhar falas inteiras. — voltou a dizer, sem erguer o olhar do cardápio. — Por que você apenas não me conta o que está se passando nessa sua cabecinha?
— Não estou fazendo cara nenhuma. — retrucou, e , ao invés de responder, apenas pegou o celular que havia deixado ao seu lado na mesa, o erguendo em sua direção. só percebeu o que ele estava fazendo quando ouviu o som da câmera sendo disparada.
— Por que você fez isso?! — perguntou, indignado, mas já virava a tela para ele.
— Pra te mostrar a cara que você está fazendo.
olhou para a foto, e fato, tinha uma careta estampada no rosto. estava certo sobre ele ser expressivo, quase era possível ver a interrogação em cima de sua cabeça. Acabou cruzando os braços, na defensiva. Isso era algo que ele preferia não saber. Ninguém queria ser um livro aberto para qualquer um.
— Apaga isso. — pediu, contrariado, e obedeceu imediatamente. Ele estava sendo mais colaborativo do que o normal, menos implicante, e vendo sua cara pela fotografia, conseguiu entender o motivo. Ele provavelmente sabia que não era o momento para isso. As questões de eram sérias para ele.
— Feito. — mostrou o celular de novo, para comprovar que tinha mesmo apagado antes de bloquear a tela novamente. — Quer me dizer algo agora?
Sendo sincero, não queria. Sabia que se sentiria estúpido, mas parecia disposto a responder suas perguntas, então decidiu por apenas se abrir. Ao menos um pouco.
— Eu só estou surpreso que você voltou. Achei que não falaria mais comigo agora que conseguiu o que queria.
— Que você estava pensando isso era óbvio. — respondeu. — Mas quem disse que eu só queria transar com você? Só estou tentando ser seu amigo, . Transar com você não era o objetivo, apenas aconteceu porque somos adultos, atraentes e deu vontade. Não precisa acontecer de novo se você não quiser, ou pode acontecer e tudo continuar como está. Nem tudo precisa ter um grande motivo por trás, mas se tiver alguma dúvida, apenas pergunte. Eu não vou te julgar. Posso fazer piada, porque é o que os amigos fazem, mas isso não quer dizer que eu vou estar te julgando.
— Fazer piada parece muito com julgamento pra mim.
— Bom, não é. Amigos caçoam um ao outro e se xingam o tempo inteiro, mas se outra pessoa te xingar, eles te defendem. É assim que funciona. — explicou. — Porém, de qualquer forma, se uma piada realmente te incomodar, você também pode só me pedir pra parar e eu vou. Tudo pode se resolver com uma simples conversa, . Não guarde as coisas pra você.
Pensou por um segundo no que ele disse e por fim concordou com a cabeça. Aquela resposta foi bem esclarecedora e sentiu um enorme peso sair de seus ombros. não estava mentindo, podia sentir. Ele estava sendo sincero em suas palavras, o que era um alívio.
pareceu notar que tudo estava resolvido, pois sorriu antes de se voltar para o cardápio.
— Uhm, se eu pedir essa bomba de açúcar aqui. — apontou para o milkshake que gostava. — Você toma juntinho comigo? — o provocou, mudando de atitude de um segundo para o outro.
entendeu a insinuação. Era sobre quando decidiu tomar do seu milkshake ao mesmo tempo que ele. Fisicamente, já tinham ficado bem mais próximos do que isso, mas aquele momento havia sido decisivo para muita coisa e aparentemente, também sabia.
Foi depois daquilo que começou a reparar mais nele fisicamente, especialmente em seus lábios.
Ao invés de respondê-lo verbalmente, pegou o pano de prato em seu ombro e jogou nele. riu, pegando o pedaço de pano no ar para jogar de volta.
— Vai mesmo agredir os clientes?
— Se você for o cliente, vou. — respondeu, mas acabou rindo também, o que pareceu deixar satisfeito.
— Só me vê um americano e um milkshake desse. Você já comeu?
— Vou comer quando chegar em casa. — respondeu, sem dar muita importância a pergunta. Já tinha abaixado a cabeça para registrar o pedido.
— Então um bolo desse que você gosta. Não, dois. Espera, sua irmã gosta do quê?
Finalmente entendendo onde ele queria chegar, parou o que fazia para encará-lo novamente.
— Você não precisa nos alimentar.
deu de ombros.
— Talvez eu goste de alimentar os outros. E também de dar presentes.
— Você não...
— Cala a boca, eu sou o cliente. Quero um americano, essa bomba de açúcar e três bolos desse já que você não vai me dizer o que sua irmã gosta.
revirou os olhos para sua insistência, mas decidiu não discutir. Não era como se parecesse ter algum problema com dinheiro de qualquer forma e talvez aquilo fosse apenas outra coisa que pessoas extrovertidas faziam no tempo livre. Ele nunca ia saber.
— Ela gosta do fantasia colorida. — ele apontou para o balcão e olhou pelo vidro. Era um bolo com glacê branco, glitter e um chifre colorido de unicórnio por cima. A massa dentro era colorida também, assim como o recheio. Era gostoso, mas sabia que o motivo pelo qual sua irmã gostava tanto era unicamente a aparência.
riu quando olhou para o bolo.
— Claro que gosta. — falou em um tom divertido, e deduziu que ele estava se lembrando da roupa que Jihyo vestia quando se viram no outro dia.
A menina gostava bastante de coisas coloridas, qualquer um que a visse uma vez percebia isso.
Antes que pudessem continuar, o sino tocou novamente. voltou a erguer seu olhar para a porta, mas dessa vez sentiu-se imediatamente tenso. Seu pai tinha acabado de se passar pela porta, praticamente arrastando sua irmã consigo pelo braço.
saiu rapidamente de trás do balcão e , que tinha se virado para conferir quem acabara de entrar, se levantou.
— Você a está machucando! — o loiro, que estava mais perto, falou primeiro, avançando para tirar as mãos de Sunwoo de cima de sua irmã.
mal tinha tido tempo de pensar no que dizer ainda e apesar de se ver grato a por intervir tão rápido, também ficava ainda mais nervoso. Seu pai bêbado e violento não era algo que ele se orgulhava ou ficava ansioso para que as pessoas conhecessem. Especialmente pessoas que estudavam com ele.
— Cuida da sua vida! — seu pai respondeu, praticamente jogando Jihyo para cima de que já se aproximava.
A menina o abraçou enquanto fungava, escondendo o rosto em sua barriga. a abraçou de volta, segurando-a pelos ombros enquanto sentia o sangue ferver.
Jihyo era uma criança adorável e obediente, que entendia tudo que era dito, que fazia o que pediram e respeitava as pessoas. Não tinha motivo para agir com ela daquela forma, assustá-la, e menos ainda machucá-la.
— Precisa fazer isso? Ela tem metade do seu tamanho! — ergueu a voz sem que pudesse se conter, ignorando que estava no trabalho. Seu pai cheirava a álcool e isso apenas o deixou ainda mais furioso.
— Isso é culpa sua que ensina ela a me provocar! Se me respeitasse nada disso acontecia!
— Ela é só uma criança... — voltou a falar, mas se calou quando o interrompeu:
— O que você quer aqui? — perguntou para o homem rispidamente. As pessoas já começavam a olhar, notou isso quando ouviu a porta de funcionários se abrir. Por sorte, sua chefe não estava, mas sabia que para alguém filmar precisava de apenas um segundo.
Por pior que fosse seu emprego, não podia perdê-lo. E sabia que debater com Sunwoo ali resultaria exatamente nisso. Seu pai era o tipo de pessoa que jurava estar sempre certa, que se achava incapaz de errar. Discutir com ele era pedir por uma cena, seria briga na certa, e precisou se conter, por mais que sentisse seu sangue ferver de tanto ódio.
— Sua mãe te mandou ir no mercado. — ele tirou um papel dobrado de dentro do bolso e o jogou em sua direção também. o pegou no ar, mas não olhou o conteúdo.
— Tenho certeza que ela mandou você no mercado, não eu.
— Mas eu tenho mais o que fazer. — seu pai respondeu, dando as costas já pronto para deixar o local. — Agradeça que eu pelo menos trouxe a pirralha antes de sair. Podia ter mandado foto da lista no seu celular.
não disse nada, mas precisou morder a própria língua para isso. Odiava aquele homem com todas as suas forças. Odiava tanto que sentia vontade de gritar de raiva e chorar de frustração por não poder fazer nada.
Sabia que, de fato, ele ter trazido Jihyo ao invés de deixá-la sozinha em casa era o melhor que ele podia ter feito. Pensar nisso era revoltante, porém o que o deixava ainda mais enojado era saber que sua mãe com certeza tinha dado a ele o dinheiro das compras. Se o homem tinha um compromisso agora, era porque estava pronto para gastar todo ele no bar.
o fuzilou com o olhar enquanto Sunwoo se afastava, sentindo o ódio emanar de sí em ondas.
Queria tanto, tanto que aquele homem simplesmente explodisse, desaparecesse, e não ligava se ele era seu pai ou não.
— Ele é seu padrasto? — perguntou, como se tivesse esperanças de alguém tão desprezível não ser seu pai, mas não teria tanta sorte.
— Antes fosse. — respondeu, embora se perguntasse às vezes se aquele homem era mesmo seu pai, apenas pelo quanto ele parecia odiá-los.
Adoraria descobrir que não compartilhava qualquer DNA com alguém tão desprezível, mas sabia que era impossível alguém como Sunwoo se manter em um casamento com uma mulher infiel. Podia ser que ele apenas não soubesse? Talvez, mas , sinceramente, acreditava que o homem apenas não se importava, nunca se importou.
Pessoas horríveis existiam e ele era uma dessas pessoas. Infelizmente, teve que descobrir isso cedo demais.
Cansado, ergueu o olhar para o relógio. Seu turno tinha acabado, mas agora ainda tinha que ir no mercado.
— Está tudo bem, Jihyo. Ele já foi. — a afastou de si, lembrando-se que, antes de tudo, precisava acalmá-la. Ela tinha um bico nos lábios e os olhos cheios de lágrimas. Sorriu para ela, tentando lhe passar uma tranquilidade que ele não sentia. — Você já comeu?
Ela negou com a cabeça e suspirou, embora não se sentisse realmente surpreso.
— Podemos comer aquele bolo de unicórnio, então! — exclamou animado, chamando a atenção da garota para si. Seu rosto tinha se iluminado completamente enquanto olhava para Jihyo, provavelmente tentando animá-la, e apreciou mais uma vez seu esforço. — Eu sou , amigo do seu irmão. Quer comer bolo comigo?
Ao invés de responder, ela olhou para de forma insegura, como se perguntasse se podia respondê-lo. Ele concordou com a cabeça, e somente então ela sorriu.
— Quero! — gritou, soltando-o para dar pulinhos animados.
e riram juntos e o mais novo ergueu a menina para colocá-la sentada no balcão. se sentou do lado dela.
— Ótimo! , dois bolos de unicórnio então. O que você vai beber? — perguntou para a menina.
— Jihyo gosta...
— Jihyo? — a interrompeu, e ela fez bico.
— Eu gosto... — resmungou ela, meio contrariada por ter sido repreendida, mas logo se animou novamente. — De milkshake! — ela bateu palminhas e gargalhou enquanto coçava o pescoço. sorriu para os dois.
— Tem certeza que você pode consumir tanto açúcar de uma vez só? — ele perguntou, erguendo o olhar para .
— Você toma um pouco do meu. — ele propôs para a irmã, que concordou imediatamente.
— Então pronto! — voltou a falar. — Dois bolos de unicórnio, um de nozes, um americano e um milkshake! Depois vamos ao mercado!
estranhou sua inclusão na ida ao mercado, mas optou por não dizer nada, se concentrando em cobrar o pedido. Também precisava fechar o caixa antes de realmente se sentar com eles para comer, e apesar de não pedir nada a , o loiro se encarregou de distrair Jihyo por ele. Aparentemente, ele era bom com crianças, e a cada risada animada da menina, se sentia mais grato por estar ali.
realmente foi junto com eles ao mercado e o que achou que seria uma tortura, porque falava demais, na verdade acabou sendo muito útil. tinha tanta energia quanto Jihyo e aparentemente gostava bastante de crianças. Eles estavam se dando muito bem e se viu segurando o riso várias vezes enquanto acompanhava a conversa dos dois.
A princípio, Jihyo estava desanimada. Sunwoo não tinha deixado que ela se vestisse como gostaria e apenas jogou nela as roupas que deveria usar, antes de sair do quarto para que ela se vestisse. Foi assim que ela terminou com uma jardineira jeans comum, com uma estampa única no bolso da frente (o rosto de um ursinho). Por baixo ela usava uma camiseta branca simples, meias comuns da mesma cor e o tênis neutro que ela costumava usar para ir para a escola. Ela também não tinha nenhuma pulseira ou acessórios de cabelo, mas insistiu em mudar aquilo antes de irem ao mercado.
Agora Jihyo tinha um dos braços completamente coberto de pulseiras coloridas de miçangas e tinha ganhado uma tiara com orelhas de coelhinho rosa. Ele também deu para ela dois pares de meias três quartos, uma rosa com corações brancos e outra roxa com estrelinhas e a ajudou a vestir uma delas (a rosa, para combinar com a tiara). , a princípio, até tentou se opor. já tinha pago pela a comida e não tinha nenhuma obrigação com sua irmã, mas era péssimo em contrariar a garota e , para ajudar, podia ser bem convincente.
E foi assim que os três terminaram no mercado com orelhas de coelho. com uma preta e com uma amarela (escolha de Jihyo, para combinar com seus cabelos).
Agora, enquanto olhava para a lista e buscava cada um dos itens, empurrava o carrinho com uma Jihyo sentada confortavelmente lá dentro.
pegou um pacote de arroz da prateleira e quando se virou para por dentro do carrinho, viu que sussurrava algo no ouvido da sua irmã. A princípio, estreitou os olhos. ainda era um homem praticamente estranho e sua irmã uma criança, mas Jihyo apenas olhou para e riu antes de se voltar para animada.
— É verdade! — ela gargalhou, se divertindo com qualquer coisa que tivesse dito.
Devido a sua reação, soube que era seguro, mas não pôde deixar para lá. Obviamente, a conversa era sobre ele.
— O que você está dizendo para ela? — questionou, colocando a embalagem dentro do carrinho.
— Nada não. — riu, mas bastou olhar para Jihyo para a garota dar com a língua nos dentes:
— ie disse que parece um coelhinho!
— Jihyo, não pode me denunciar tão rápido assim! — reclamou, embora tivesse rido junto da menina.
— Adultos não podem pedir segredo pra crianças. Só o , e só para a Jihyo. — a garota o respondeu, e se encheu de orgulho.
Claro que ela não tinha aprendido isso sozinha, ele quem ensinou. Mas sabia que a maioria das crianças apenas esquecia muito rápido o que era dito e ela se lembrava.
pareceu surpreso com aquela fala, mas logo tratou de sorrir, parecendo tão orgulhoso quanto .
— Jihyo está certa, ie não deveria ter pedido pra guardar segredo, desculpe. — ele se corrigiu rapidamente, e podia sentir que ele estava sendo sincero. Não tinha se dado conta do que tinha feito e não o culpava. Era o tipo de coisa que você só passava a perceber quando precisava cuidar de uma criança, especialmente se fosse uma menina.
— E não a incentive a falar assim. — voltou a repreendê-lo. — "Você está certa, eu não deveria." — repetiu a frase da forma correta.
pôde ver na cara que fez que o loiro quis xingá-lo, mas se conteve por estar perto de sua irmã. Riu por isso, mas disfarçou se voltando novamente para as prateleiras.
— parece ainda mais um coelhinho quando ri! — Jihyo gritou ao se dar conta, rindo alto, e rapidamente a acompanhou.
— Eu disse, não disse?
— Você não acha que precisa decidir qual animal eu sou, não? — questionou, lembrando-se que anteriormente, o tinha comparado com um gato mal humorado, mas se recusou a repetir aquilo em voz alta.
— Eu não decidi nada, é você que se parece com um coelho. — respondeu, mas quando o encarou de forma sugestiva, se lembrou do que tinha dito no outro dia e riu sozinho por isso. — Fisicamente você se parece um coelho, mas por dentro é um gatinho arisco, igual o Mochi.
— O que é "arisco"? — Jihyo perguntou, confusa.
— A gente chama alguém de arisco quando a pessoa não gosta muito de socializar, de conversar, e que prefere ficar sozinha. — explicou. — Quando é uma pessoa de poucas palavras, sabe? Ou simplesmente meio rude. Alguém que não gosta de muito contato ou carinho, como alguns gatos que você tenta pegar e ele te arranha.
— Uhm... — Jihyo pensou por um instante, e aguardou, esperando que a menina o defendesse. — Mochi não é um gato arisco. Ele gosta muito da Jihyo. Quer dizer, de eu.
— "De mim". — a corrigiu, e ela repetiu depois dele:
— De mim. Mochi gosta de mim.
— Isso. — concordou, e somente quando ouviu a rosadinha que soltou, se deu conta de que a menina não ficou do seu lado. — Espera, e eu não gosto de você?! — exclamou, indignado, e Jihyo voltou a rir.
— gosta, mas só de mim.
— Então você concorda com ele que eu sou arisco?!
A menina concordou com a cabeça de forma falsamente relutante e gargalhou, o que só deixou ainda mais indignado. Estava criando uma mini traidora.
— Pois pede doce pra ele, então! — falou para ela, que apenas riu outra vez.
— ie...
— Todos que você quiser, querida. — tratou de responder, tirando sarro dele, e bufou.
— São dois traidores, não um só. — retrucou, saindo na frente deles sem esperá-los, mesmo que não estivesse realmente chateado.
Jihyo gargalhou com sua reação, e sorriu junto.
No dia seguinte, o estava esperando do lado de fora de sua sala assim que a aula terminou. Não era a última do dia, mas era a última antes do intervalo.
— Como você sempre sabe em qual sala eu estou? — questionou assim que o viu, mas antes que pudesse responder, a próxima pessoa a sair da classe o cumprimentou.
ergueu a mão em um aceno e olhou para ele abismado. Aquele cara certamente estudava com há anos e ele sequer sabia seu nome.
Mas claro que iria conhecê-lo, quase revirou os olhos. Pessoas extrovertidas eram tão... Extrovertidas.
— Pergunta respondida? — questionou, e suspirou enquanto o seguia para onde quer que estivesse indo. Não notou o que fazia, apenas o fez.
— O que você veio fazer aqui? — perguntou, e fingiu ficar ofendido.
— Pra que ser tão rude? Até parece que não gosta da minha companhia.
Seu primeiro reflexo foi devolver uma resposta realmente rude, aquela pergunta tinha sido bem básica. estava ali sem motivo algum, mas como já tinha decidido que não queria realmente afastá-lo, se conteve. Por mais irritante que pudesse ser, especialmente por falar demais, estava realmente gostando de ter ele por perto.
Além disso, ele era legal com sua irmã e não sentia qualquer maldade vindo dele.
Quando não disse nada, riu.
— Eu vim te acompanhar no intervalo, só isso. Já que você não almoça antes de ir trabalhar, decidi que seria uma boa ideia te arrastar para comer antes disso.
— Qual é a sua obsessão por alimentar as pessoas? — estranhou.
— Primeiro que todo mundo gosta de comer. Pagar comida é a melhor forma de deixar alguém feliz. — ele enumerou nos dedos. — E segundo, seres humanos precisam comer para sobreviver, mas alguns parecem não saber disso, como você, e essas pessoas são minhas preferidas para alimentar.
— E o que te leva pensar que eu não sei que preciso comer para sobreviver? Todo mundo precisa comer pra sobreviver.
— Não era bem esse o ponto. — revirou os olhos, o deixando meio confuso.
— Foi exatamente isso que você disse.
— Sim, sim. Mas eu estava sendo irônico e me referindo a não se alimentar o suficiente. — explicou. — Você sabe que precisa, mas não come tanto quanto deveria.
— Você não sabe disso.
— , você não almoça antes de ir trabalhar e ontem, quando eu perguntei se você tinha comido, você disse que ia jantar em casa. Quantas vezes por dia você se alimenta?
Colocando as coisas daquela forma, precisava admitir que ele estava certo, mas não estava disposto a dizer isso em voz alta.
não gostava de almoçar no refeitório porque era cheio demais e não estava disposto a pagar por comida fora dali todos os dias. Por mais que pudesse pagar, não achava que era um dinheiro bem gasto se podia aguentar até chegar em casa.
E por mais que ele trabalhasse em um café, viver de bolo e doces seria tão ruim quanto apenas não comer, então preferia a primeira opção.
Pensando agora, era bem estúpido, especialmente quando ter uma boa alimentação era tão importante para pessoas que tinham seu problema, mas ele apenas tinha desconsiderado esse detalhe.
— O quanto eu como não é bem da sua conta, é? — respondeu por fim, somente depois percebendo que novamente estava sendo rude, mas não pareceu se importar.
— Não é, mas como você mesmo disse, eu gosto de cuidar da alimentação das pessoas. — ele deu de ombros. — Vamos comer.
Sem esperar uma nova resposta, o pegou pela mão e o arrastou pelos corredores. podia simplesmente dizer não, ou parar onde estava, mas não o fez e não sabia bem dizer o motivo. Talvez estivesse cometendo um erro em se deixar levar por tão facilmente, mas não conseguia evitar.
— Por que você decidiu que em dias normais eu não venho aqui comer? — perguntou quando finalmente chegaram ao refeitório, parando os dois na fila.
Sabia que, como não tinha negado as teorias do loiro, já sabia que estava certo, mas se deu conta de que não deixava de ser uma suposição, mesmo que certeira.
— Por que aquele dia, quando eu te perguntei sobre comer, você respondeu que não tinha tempo, não que já tinha comido. — respondeu. — E fala sério, nem é surpresa que você fuja do refeitório considerando a quantidade de gente aqui. Aposto que dividir uma mesa também não é algo que você goste.
Mais uma vez, optou por não responder. novamente estava certo e ele certamente já sabia que quando calava, era porque tinha deduzido corretamente. Havia acontecido vezes o suficiente para que notasse o padrão.
Como o esperado, o loiro riu.
— Para sua sorte, vou te fazer companhia de agora em diante. — ele voltou a falar. — Mas se estar aqui realmente te incomoda tanto assim, podemos comer fora, por minha conta.
— Não, comemos aqui. — respondeu rapidamente, se recusando a deixar pagar comida para ele novamente.
Quando saíram a primeira vez, se divertiu em fazê-lo pagar. Ele era seu hyung e claramente tinha uma condição de vida melhor que a sua. Um combo do McDonald's não lhe faria falta. Porém, era uma coisa completamente diferente deixar que ele pagasse sua comida todos os dias.
— Imaginei que diria isso. É o único motivo pelo qual não ofereci desde o início.
o puxou junto quando a fila andou mais um pouco, e somente então notou que ainda estavam de mãos dadas.
Normalmente, ele repelia qualquer toque vindo de estranhos, mas não se sentia incomodado com . Não ter se afastado era a prova, mal tinha notado, mas sentia um pouco de receio em pensar no que isso podia significar.
era a primeira pessoa fora sua família lhe dando a mínima atenção e não era idiota para não enxergar que estava se deixando levar por isso. parecia ser uma pessoa boa apesar de um tanto irritante, mas se não fosse, veria isso? Ou também se deixaria levar em troca de um pouco de atenção? não sabia dizer, mas novamente não fez nada para afastá-lo, apenas olhou para suas mãos juntas e não pôde deixar de notar como a de era pequena contra a sua. Enquanto os dedos de eram finos e longos, os dele eram pequenos e gordinhos. Quase riu disso, mas antes que o fizesse, notou o outro levar a mão livre até o lado esquerdo do pescoço para coçar.
Não era a primeira vez que o via fazer isso. Na verdade, já tinha notado ser um hábito.
— Por que você coça tanto o pescoço? — perguntou, e , que tinha os olhos na fila, se virou de frente para ele.
não tinha reparado ainda no quão próximos eles estavam e precisou prender a respiração quando praticamente deu de cara com ele.
Era injusto que alguém fosse tão bonito. Os lábios grossos, a pele perfeita, o cabelo bem cuidado jogado para trás. Era perturbador. E para piorar, mesmo notando a proximidade, não se afastou.
— O quê? — questionou ele, mantendo-se no mesmo lugar.
— É alguma alergia? — insistiu, olhando para seu pescoço. Não havia nada ali, nem mesmo marcas das unhas de que havia acabado de coçar o local. Sua pele parecia tão perfeita e intocada quanto todo resto.
sentiu imediatamente a mudança na postura do outro, os ombros ficando tensos assim que ele notou para onde olhava. soltou sua mão e finalmente se afastou, embora tivesse sido apenas um passo. se amaldiçoou imediatamente por isso.
Era a primeira vez que reagia negativamente a ele. Não pensou que a pergunta poderia ser ofensiva, mas entendeu imediatamente que não deveria tê-la feito.
— Eu não... Eu não reparei que estava coçando. — respondeu, mas estreitou os olhos, notando que, a princípio, ele tinha a intenção de mentir.
provavelmente ia dizer que não era nada, mas voltou atrás com sua resposta porque se lembrou que normalmente tinha ótimos palpites sobre estarem mentindo.
Mas o motivo para ele cogitar mentir deixou ainda mais intrigado.
— Mas você tem algo no pescoço? — insistiu.
— Tenho, na verdade. Mas não é uma alergia ou doença. — respondeu de forma vaga, mas não estava mentindo. — É um pouco mais complexo do que isso, mas não gostaria de falar sobre o assunto. É pessoal.
não gostou da resposta, mas podia respeitar aquele pedido. Não era sobre ele, era sobre e ele não queria falar. Podia conter sua curiosidade.
— Tudo bem, mas você pode só me dizer se vai ficar tudo bem? É algo que te machuque? — perguntou, surpreendendo a sí mesmo por se importar. pareceu igualmente surpreso, pois a princípio o encarou em silêncio, mas sorriu em seguida.
— Não me machuca, nem dói. Vai ficar tudo bem, não precisa se preocupar. — respondeu, e quase suspirou aliviado por notar que o clima estranho que a pergunta havia trazido já tinha se dissipado. — É mais psicológico mesmo, por isso não gosto de falar sobre o assunto.
— Certo, entendi. Obrigado por explicar.
— Tudo bem. — devolveu, exatamente quando chegava a vez deles na fila.
pegou uma bandeja e talheres, mas ao invés de se servir, a entregou para e o deixou passar na frente. Ele aceitou, sem saber o que dizer, mas não olhou para o outro, sentindo-se meio constrangido. Não estava acostumado a ser cuidado, mas não discutiu.
Normalmente, era ele quem cuidava das pessoas. Apenas três, na verdade, eram as únicas que tinha em sua vida: A irmã, que era uma criança, o pai bêbado, que apesar de não merecer, ele era obrigado a cuidar e sua mãe, que até tentava cuidar dele, mas era tão desajustada que sempre sobrava para mantê-la viva.
Encabulado, não disse mais nada até estarem na mesa, onde se sentaram um de frente para o outro. os tinha guiado para o canto mais afastado possível e ficou satisfeito em notar que não havia tanta gente ou tanto barulho ali.
— Por que você está fazendo isso? — perguntou, antes de tocar na comida.
— Isso o quê?
— Cuidando de mim.
— Estou cuidando de você? — se fez de desentendido, mas escondeu um sorriso ao levar uma porção de arroz frito na boca.
— Você me trouxe para comer e me deu a bandeja. — foi mais claro, embora tivesse certeza que já tinha entendido. Ele estava apenas tentando perturbá-lo, como sempre.
— Eu só te incentivei a vir no refeitório, precisávamos comer e te entreguei a bandeja por educação.
— Você me trouxe porque eu não estava cuidando da minha alimentação. Palavras suas. — insistiu, e o viu levar mais uma porção de comida até a boca. — E também comprou comida ontem, e foi com a gente no mercado. Tentou interferir entre meu pai e Jihyo, e está em todos os lugares.
— Tudo bem, eu estou realmente tentando cuidar de você. — admitiu. — Mas não é nada demais, é só... Você é o mais novo, sabe. É o que fazemos. Especialmente se somos amigos, amigos cuidam um do outro, mas muita coisa que você mencionou é realmente educação. Ou só... O básico? Sério, com quem você vem se relacionando? — questionou, parecendo realmente preocupado. — Um homem adulto segurando uma criança daquela forma, qualquer pessoa decente tentaria intervir.
realmente tinha se relacionado com pessoas ruins na vida, sabia disso. Mas ainda achava que era um pouco demais. Talvez ele realmente fosse uma pessoa boa, alguém gentil demais. sabia que ele não tinha mentido sobre sua fala, não estava dizendo nada apenas para conquistá-lo, ele realmente acreditava naquilo.
— Talvez esteja faltando pessoas decentes por ai. — respondeu. Quem sabe fosse justamente a falta de gentileza que tinha feito dele quem ele era, tão fechado e recluso? Podia não ser somente culpa dele, por ser estranho demais.
— Ou talvez você apenas não esteja dando sorte de encontrá-las. — sorriu para ele, e suspirou ao pensar naquilo.
— É, talvez.
Saudade de quando a gente só usava esse grupo pra mandar alguém trazer comida...
Não gostei de como essa conversa começou.
Não era para gostar mesmo. Não é uma boa notícia.
tem feito perguntas por ai, atrás de um bom curandeiro. Perguntas sobre aprisionar magia, perguntas sobre bruxos das sombras...
Não tinham me falado ontem sobre não falar disso com qualquer um?
Pois é.
Minhas perguntas geram outras perguntas. Preciso me explicar para que me respondam.
Deveria ter se explicado menos, obviamente.
Deveria.
O mago supremo não aparece mais em nenhuma reunião e as pessoas estão paranóicas sobre o que ele anda fazendo. Qualquer pergunta estranha gera desconfiança e o fez muitas delas.
Se ainda não nos colocaram no radar, estão para colocar.
Se tivessem colocado, jamais falariam na sua frente.
Exatamente.
Você precisava falar logo com ele sobre magia, .
Se o descobrirem antes dele saber vai ser muito pior.
Eu sei que preciso contar, mas sinto que ainda não é a hora.
E que hora que você está esperando, ? O garoto pode estar morrendo.
Eu só sinto que deveria conquistar a confiança dele primeiro.
Como que eu só contaria sobre magia sem que ele pensasse que eu sou louco?
Devo te lembrar que ele sente quando mentem para ele?
Se você falar a verdade ele apenas vai saber.
Gostaria de lembrar também que você sabe fazer magia. Se não sabe como dizer basta mostrar.
Mas ele vai achar que eu só me aproximei dele por isso. Não quero que ele pense assim, não quero quebrar sua confiança.
Muito horrível mesmo você ter se aproximado pra evitar QUE ELE MORRA.
Você sabe que vai muito além disso.
Ontem quando o pai bêbado dele apareceu eu pude sentir a mágoa emanar dele em ondas.
Como se ele fosse uma bomba prestes a explodir. Dava pra sentir a raiva de longe.
Não quero colaborar com isso. Quero ajudar, não atrapalhar.
Você apenas listou mais um motivo pra agirmos rápido, . Não sabemos o quão literal é a coisa de explodir. Ele tem uma magia forte presa dentro dele há anos.
Só eu que reparei em uma coisa?
Que coisa?
Não, eu também reparei.
No que?
Ah, nem fudendo
DO QUE VOCÊS ESTÃO FALANDO?
Se ele não percebeu, eu que não vou contar.
Bom, independente disso, tem que falar logo com ele sobre magia.
Isso também resolveria nosso problema de fazer o gato se revelar.
Você ouviu alguma coisa do que eu disse???
Ouvi, mas estamos falando da segurança do clã agora.
Você tem uma semana, se não eu mesmo falo.
!
Não precisa ser tão duro com ele.
Não estou sendo duro, estou limpando sua bagunça.
E ainda ajudando a proteger o garoto.
Apenas contem de uma vez. Ele não vai quebrar.
O problema é esse, tenho minhas dúvidas.
Mais um motivo pra você contar antes que eu conte.
Está bem.
Obrigado.
Tinha tido uma aula vaga e ao invés de ficar no refeitório, esperando pela próxima, optou por se sentar embaixo de uma árvore do lado de fora, apenas para se esconder das outras pessoas.
Como tinha uma encomenda para entregar nos próximos dias, decidiu aproveitar o tempo livre para cuidar disso. Estava concentrado em seu Ipad -que ele havia comprado de segunda mão- quando se aproximou em silêncio.
De alguma forma estranha, sentiu sua presença antes de vê-lo ou ouví-lo. A princípio, achou que fosse apenas coisa de sua cabeça, mas bastou alguns segundos e realmente apareceu, se sentando ao seu lado em silêncio, como se não quisesse atrapalhar sua concentração. No primeiro instante, ficou confuso por tê-lo sentido, mas estavam próximos do horário de intervalo. O que mais poderia ser se não intuição?
tinha cumprido sua promessa. Tinha ido encontrá-lo na porta de sua sala para que almoçassem juntos todos os dias. Logo, era de se esperar que fosse procurá-lo hoje também.
Ainda sem dizer nada, inclinou a cabeça sobre seu ombro, tentando ver o que ele fazia, e pôde ver pelo reflexo na tela que ele pareceu impressionado.
— Caramba, não sabia que você desenhava. — falou, sem se afastar. — E você é ótimo! Não sabia que era ótimo!
— Claro que não. Eu não contei. — respondeu com naturalidade, sem desviar o olhar da tela ou parar o que fazia.
o encarou, parecendo surpreso com sua fala.
— Não é isso que as pessoas costumam responder, sabia?
— E o que é que eu deveria responder? — questionou, confuso. Dessa vez, parou o que fazia para encará-lo, e se viu próximo demais de para ser saudável.
Sabia que ele estava perto, podia sentir a respiração dele em seu pescoço, mas encará-lo dessa distância era diferente. tinha uma beleza impressionante. A pele perfeita, os lábios grossos e rosados... ficava desconcertado toda vez.
— Você diz além de agradecer ao elogio? — o loiro retrucou, sem se afastar. — As pessoas também diriam "sim, eu desenho".
— Claro que eu desenho, você está vendo. Isso não deveria ser óbvio se você está vendo?
não estava tentando soar grosseiro, ele apenas não via sentido nesse tipo de diálogo. Para ele, era apenas enrolação que não levava a lugar nenhum. Percebeu que poderia ter soado rude demais apenas depois de falar, mas apenas riu.
— Deixa pra lá. — ele levou uma das mãos até o topo de sua cabeça, bagunçando seus cabelos como se fosse uma criança.
— Ei! Por que você fez isso? — perguntou, mais indignado do que realmente bravo.
— Por que é fofo como você soa ingênuo algumas vezes.
— Eu não sou fofo. — retrucou, questionando mentalmente se tinha batido com a cabeça ou algo assim. era maior que ele, tanto em altura quanto estatura. Tinha um braço inteiro fechado de tatuagens e constantemente afastava as pessoas por ser rude demais. De onde tinha tirado que ele era fofo?!
Em resposta, apenas riu mais uma vez.
— Você ficaria surpreso.
deu as costas para ele, ainda sentado, e o acompanhou com o olhar sem entender. Logo se inclinou para trás, deitando-se com a cabeça sobre suas pernas que estavam estendidas. o encarou com confusão. Ele não sabia o que era espaço pessoal? Tinha impressão que sempre estava perto demais dele, mais do que o normalmente aceitável.
pensou em reclamar, mas o loiro fechou os olhos ao se deixar e ele aproveitou a chance de olhar para sem qualquer julgamento. Ele parecia um príncipe encantado. Chegava a ser irritante. Sequer possuía poros. duvidava que um simples skin care pudesse entregar aquele resultado.
— Seu desenho daria uma ótima tatuagem. — voltar a falar, fazendo se assustar com a possibilidade de ser pego no flagra. Desviou rapidamente o olhar.
— Talvez porque é uma.
Diante de sua resposta, voltou a abrir os olhos.
— Como assim? É um hobbie? Ou alguém realmente vai tatuar ele?
— Eu desenhei todas as minhas tatuagens e meu tatuador é bem popular. — explicou, fingindo se concentrar novamente no desenho. — Depois que ele postou o resultado nas redes sociais, algumas pessoas começaram a me procurar para fazer algumas artes.
— Sério? — pareceu impressionado. — Por que você não aprende a tatuar e trabalha com isso? Não é algo que você goste? Seus desenhos são realmente bons.
— Meu pai é pastor e não sabe nem das minhas tatuagens, imagina eu virar tatuador.
— Você já me parece grandinho o suficiente pra tomar suas próprias decisões, não?
— Já falamos sobre isso. Não é assim que funciona quando você mora com os pais. — respondeu, não querendo prolongar o assunto assim como não quis antes também.
A verdade era que já tinha pensado em fazer isso às escondidas, assim como tinha feito suas próprias tatuagens, mas duvidava muito que seu pai fosse deixar para lá se aparecesse em casa com dinheiro que ele desconhecia a procedência. Não ia arriscar.
Se fosse apenas por ele, já teria largado até mesmo seu curso na faculdade, mas quem cuidaria da sua irmã? Sabia que ela não era realmente responsabilidade dele, não era sua filha, mas a amava demais para simplesmente largá-la com seus pais.
Percebendo que não ia arrancar mais nada dele, mudou de assunto:
— Você deveria me desenhar.
— Não.
— Por que não? Eu sou bonito, seria um ótimo modelo.
tinha certeza que ele estava certo. de fato daria uma ótima arte e adoraria poder apenas ficar olhando para ele sem que soasse estranho, mas não gostava de desenhar pessoas, era simples assim.
— Porque eu não quero. — retrucou.
De alguma forma, aquilo era algo que todos sempre pediam quando descobriam que ele sabia desenhar. Não que conhecesse muita gente para isso ou que muitas pessoas soubessem, mas era a primeira coisa que pediam, mesmo que fossem completos estranhos.
Pelo menos não parecia ofendido, normalmente se ofendiam. parecia apenas achar graça.
— Somos amigos agora e amigos dão presentes um para o outro. — ele voltou a insistir, o cutucando na barriga enquanto se virava para ele.
— Presentes que podem ser comprados.
— Nem sempre.
— Eu quis dizer que se eu quisesse te dar um presente, poderia comprar.
— Mas não quer. — fez bico, e pareceu tão adorável que imediatamente pensou que poderia sim dar um presente para ele, ou qualquer coisa que quisesse, apenas porque era difícil resistir àquele bico.
estava bagunçando completamente sua cabeça e soube ali mesmo que realmente acabaria lhe desenhando. Tinha perdido aquela batalha antes mesmo daquele bico. Ele apenas piorou tudo.
— Não quero. — foi o que ele respondeu, mesmo que fosse uma mentira.
— Eu sou tão legal, você deveria dar mais valor pra minha amizade. — ele o cutucou novamente, e riu quando sentiu cócegas.
— Não tem nem um mês que nos conhecemos. Daqui a pouco você supera essa amizade. — respondeu, embora pensar nessa possibilidade o deixasse chateado. Já tinha se apegado à companhia de , mesmo que não quisesse admitir. Se o loiro acabasse simplesmente indo embora como todas as outras pessoas na sua vida, ficaria arrasado.
Na verdade, já esperava que, com , fosse ser ainda pior. Ninguém antes tinha sido capaz de bagunçar tanto seus pensamentos quanto ele.
— Você me subestima demais, sabia? — retrucou.
— É o que você diz.
ficou quieto por um instante, e estranhou a atitude. Não era do seu feitio simplesmente calar a boca. Curioso, ele ergueu o olhar da tela para espiar o que o loiro fazia, e o encontrou olhando para ele com expressão de quem tinha um plano maligno em mente. estreitou os olhos, mas no instante seguinte, ele já era atacado por cócegas. enfiou as mãos por baixo de sua camisa, mas não se deu ao trabalho de se levantar de onde estava, ainda deitado em suas pernas.
empurrou o Ipad para o lado e mesmo entre os risos, segurou suas mãos para impedí-lo.
— Para com isso!
— Então me desenha. — insistiu, rindo junto com ele.
— Já disse que não!
tentou se desvencilhar de suas mãos para voltar com as cócegas. riu, mas não deixou que ele continuasse, se esquivando sem dificuldade. também riu, mas continuou tentando e acabou por se levantar para conseguir se movimentar melhor.
— Irritar o desenhista não vai te ajudar. — ameaçou, sem soltá-lo.
— Irritar? Mas eu estou te fazendo rir!
subiu em seu colo, se inclinando em sua direção, e acabou se distraindo quando sentiu a respiração do outro em seu rosto. sorriu de lado, aproximando seus lábios, e só percebeu que o loiro o estava distraindo quando as cócegas voltaram e ele explodiu em outra risada. Tentou impedí-lo, mas era mais forte do que parecia e só parou quando um assobio chamou a atenção dos dois.
— Ninguém é obrigado a assistir isso não! — alguém gritou de algum lugar próximo a eles.
Sem sair de seu colo, virou a cabeça para encontrar o dono da fala e ergueu o olhar.
Havia três caras sentados em uma mesa ali perto, à esquerda dos dois, olhando para eles. O que havia falado os encarava com um nojo claramente exagerado enquanto os outros riam de sua fala, como se fosse a coisa mais engraçada que já tinham escutado.
revirou os olhos. Era quase uma pré-disposição masculina diminuir e ridicularizar absolutamente qualquer coisa que eles desgostavam ou apenas não entendiam. Sempre com piadas idiotas que tinham graça apenas para outros homens. Havia suas exceções. era um homem, também, mas ele tinha consciência de classe.
— Se está incomodado é só sair, tem muito espaço por aí. — respondeu, sem se intimidar. Podia se defender se precisasse, mas estavam em um ambiente seguro. Aqueles caras não tentariam tocar neles. Eram valentões que esperavam apenas que as pessoas ao redor abaixassem a cabeça. Normalmente, era o que acontecia. Era o que fazia inclusive, mas aquilo era diferente. Ele não lidava muito bem com injustiça e intolerância. Acabava agindo sem pensar e às vezes até se arrependia.
— Eu não vou pra lugar nenhum! — o cara ergueu o tom de voz, se levantando do banco. Ele não esperava ser desafiado, a forma como seu rosto ficou vermelho deixava isso bem claro. Como havia deduzido, ele estava acostumado a ver as pessoas fugindo para se poupar de confusão. — É meu direito estar aqui e eu não sou obrigado a assistir esse tipo de coisa!
— Da última vez que eu chequei, também era nosso direito estar aqui. — retrucou e pôde sentí-lo irritado. Ele tentou se levantar para enfrentar o cara, mas o segurou ali.
Incomodar aquele tipo de gente era um prazer e se no seu colo o incomodava, que assim fosse.
, a princípio, o encarou com confusão, não entendendo porque o estava podando, mas bastou um olhar para que ele entendesse o que estava pensando.
— Ninguém é obrigado a assistir duas bichas se pegando! — outro deles respondeu, e acabou rindo.
— Se pegando? Nós nem começamos.
se voltou novamente para , e dessa vez ele não teve qualquer dificuldade para compreender o que o loiro queria dizer, mesmo que não tivesse usado palavras. imediatamente soltou suas mãos e as tirou de dentro de sua blusa. Ele passou um dos braços ao redor de seu pescoço e se aproximou mais, colando seus corpos sem tirar os olhos dele. o segurou pela cintura, ficando ansioso para ter os lábios do outro junto aos seus. Ainda se lembrava da sensação, do prazer de ter a boca de contra a sua, mas o outro tinha outros planos. devia ter previsto.
aproximou seus lábios, permitindo que roçassem um no outro, mas fugiu de seu alcance quando tentou iniciar o beijo. Ele sorriu, traiçoeiro, e subiu uma das mãos até seus cabelos, puxando sua cabeça para trás. resmungou, mas não tentou se afastar. Estaria mentindo se dissesse que não gostava da tensão tanto quanto gostava de provocá-la.
Não tinha percebido a vontade que tinha de beijar novamente até então, mas olhando agora para seus lábios, com tão perto, só conseguiu pensar nisso, ficando ansioso com a provocação.
umedeceu os lábios, encarando o outro de perto, mas não tentou se aproximar novamente, sabia que não conseguiria a menos que quisesse. Para sua sorte, o loiro não perdeu muito mais tempo, e após um breve sorriso, finalmente colou seus lábios, recebendo passagem imediatamente.
O grupo que ainda estava ali disparou palavrões e sons enojados, mas sinceramente, não deu a mínima, apenas o segurou pela cintura com mais força enquanto intensificava o beijo, apreciando também a proximidade de seus corpos.
suspirou contra seus lábios e sentiu-se quente.
No geral, ele não simpatizava com demonstrações públicas de afeto, mas já não se lembrava mais de estar em público. A boca de era boa demais para que ele se lembrasse de qualquer outra coisa e quando o loiro interrompeu o contato, precisou dar tudo de si para não reclamar.
— Eles já foram? — sussurrou, ainda perto ao ponto de seus lábios se tocarem.
, a contragosto, abriu os olhos. não tinha feito o mesmo e mantinha-se no lugar, olhos fechados e lábios entreabertos em busca de ar, mais vermelhos agora do que antes de se beijarem.
Sem se conter, juntou novamente suas bocas, puxando seu lábio inferior entre os dentes antes de iniciar um novo beijo. Por um instante, correspondeu, mas não durou muito. Ele logo voltou a se afastar.
— Você não respondeu a minha pergunta. — ele abriu os olhos, o encarando com divertimento.
Frustrado, resmungou uma reclamação, mas ergueu o olhar para onde o grupo estava, mesmo que agora o próprio pudesse olhar.
— Sim. — respondeu.
— Agora eu estou vendo. — riu, e o beliscou em retaliação.
Ele já estava pronto para uma resposta atravessada, mas antes que tivesse oportunidade de verbalizá-la, lhe deu o que queria, voltando a colar seus lábios.
Foi um beijo mais apressado que o anterior. puxou seus cabelos com mais força e se inclinou sobre ele, chupando sua língua. correspondeu na mesma intensidade, subindo uma das mãos por dentro de sua camisa para tocar sua pele. estremeceu, mas não interrompeu o beijo, muito pelo contrário, apenas intensificou o contato entre suas línguas.
Os lábios de eram viciantes e desejou estar em outro lugar para seguir com aquilo. Pensou em sugerir, mas antes que pudesse se afastar, foram novamente interrompidos, agora por uma notificação no telefone do loiro. Distraído como estava, pulou de susto, afastando seus lábios, mas rapidamente o puxou de volta. entreabriu rapidamente os lábios, tão disposto a encerrar o contato quanto , mas o que era apenas uma notificação logo virou duas e, em seguida, três, fazendo com que finalmente se afastasse após resmungar insatisfeito.
— Preciso ver o que é. — falou, e concordou com a cabeça, sentindo-se meio sem fôlego para verbalizar qualquer coisa. Ele deixou a cabeça cair para trás, contra o tronco da árvore, mas não soltou o outro, que ainda se mantinha em seu colo.
tirou o celular do bolso, e enquanto procurava o motivo das notificações, se manteve olhando para seus lábios. Eles ficavam ainda mais bonitos vermelhos daquele jeito após os beijos que tinham trocado.
, por fim, suspirou, não parecendo muito satisfeito com o que tinha visto no celular, mas não respondeu nada, apenas o guardou de volta no bolso.
— Precisamos comer, temos apenas mais uns dez minutos. — falou, embora parecesse tão feliz com isso quanto .
Ele se apoiou em seus ombros para se levantar e estranhou a atitude. Algo lhe dizia que só estava se levantando por causa do que tinha lido no aparelho, mas ainda assim aceitou sua mão quando o loiro a ofereceu para ajudá-lo a se por de pé.
Apenas lembrando ao que o tempo dele está acabando.
Ele está almoçando todos os dias com o garoto e não falou ainda o que precisa 👀...
Depois eu conto do meu jeito sou ruim.
Conhecendo o o garoto vai sair traumatizado. Faça um favor para todos nós e apenas conte de uma vez, .
Parem de falar tanto, meu celular não para de notificar.
Silenciar as notificações: Eu simplesmente não existo.
Já contou para o garoto sobre magia? Seu prazo acaba exatamente amanhã.
Não se apressa a arte.
kkkkkkkkk
Que arte, ? Toma vergonha na cara.
Por que não damos uma mãozinha pra ele?
Eu já ofereci.
Não a sua. Não queremos traumatizar o garoto.
Podemos chamar ele para nosso almoço de domingo e então damos apoio moral ao para contar.
Nosso churrasco de domingo era pra ser coisa nossa, do clã.
Podemos abrir uma exceção. É uma situação importante.
Bom, eu sei que se fizermos uma votação eu vou perder, então que seja.
Tudo bem, eu chamo ele pro churrasco, mas parem de falar. Estamos almoçando.
Ele quer dar atenção para o garoto dele 🤭
Eu nem vou responder.
Isso me pareceu muito com uma resposta
🖕🖕🖕
Crianças...
não convidou para o almoço de domingo. Não havia um motivo específico, ele apenas esqueceu.
Ou era isso que ele tentava dizer a si mesmo.
A verdade era que tinha postergado até o último instante e quando deu por si, estavam se separando para voltar para suas respectivas aulas.
era desconfiado e tinha sempre muitas perguntas. Ele nunca aceitaria aquele convite facilmente. Se ele fosse uma pessoa comum, podia apenas mentir e resolver o problema, mas não era, ele sabia quando estavam mentindo. Para que aceitasse o almoço, teria que contar a verdade, mas a verdade era justamente o motivo pelo qual o estavam convidando para início de conversa.
não sabia o que tinha acontecido com no passado, mas era evidente que alguém o tinha machucado para que fosse tão arisco e receoso. Partia seu coração ver como esperava pouco das pessoas, a forma como sempre pensava que seria abandonado, deixado de lado ou traído e como se excluía do mundo por isso. não queria que ele pensasse estar certo, não queria que ele concluísse que sua aproximação havia se dado com segundas intenções, mesmo que a princípio fosse exatamente isso.
não queria perder o pouco de confiança que tinha conquistado e sabia que após dizer a verdade, as chances disso acontecer eram enormes. Não gostava de pensar em como reagiria, não gostava da possibilidade de magoar o garoto.
E, claro, esse seu medo era outra coisa que o preocupava.
não era idiota. Seu clã havia sugerido em uma de suas conversas que havia algo mais entre e , algo que ele não tinha notado. A princípio, apesar da curiosidade, deixou para lá, mas desde então o comportamento de seu clã havia mudado.
tinha noventa e três anos e só havia se apaixonado uma vez, por uma única pessoa. Ele nunca contou a ninguém, pois já tinha dois companheiros, mas sabia que seu clã estava ciente de seus sentimentos. podia literalmente sentí-los. Nenhum deles jamais fez piada sobre gostar de alguém porque a única pessoa de quem ele realmente gostava daquele jeito era , mas então todos estavam repentinamente fazendo aquele tipo de piada sobre , alguém que mal conhecia e mal tinha tido tempo de realmente gostar. Sabia o que isso significava, o que eles tinham visto, e apenas não tinha reclamado porque realmente sentia que sua preocupação por ia além do normal. Talvez, só talvez, estivesse desconfiando de que eles podiam estar certos.
Bruxos possuíam alma-gêmea e eles achavam que era a sua.
Houve um tempo em que pensou que era e, por algum defeito de nascença, o amigo não conseguia corresponder, mesmo que isso fosse impossível. Não havia qualquer registro de alma-gêmea unilateral. Eventualmente, deixou isso para trás, mas agora podia ver como as coisas com eram mais intensas.
Sequer admitia ainda que gostava dele, era muito cedo, e mesmo assim já tinha estado com pessoas o suficiente ao longo da vida para ver nitidamente a diferença. Mal conseguia ficar longe de e a ideia de perder sua confiança era perturbadora.
Quando chegou ao café naquele final de tarde, decidido a convidar para o tal almoço, encontrou Mochi sentado do lado de fora, ao lado da porta. O gato tinha um sininho no pescoço agora, junto de uma plaquinha de identificação com seu nome. Ele parecia apenas um gato qualquer, ignorando as pessoas ao redor, mas sentiu que ele estava em alerta. Eram sinais sutis, os pelos em seu pescoço pareciam eriçados e sua postura mais ereta enquanto seus olhos se mantinham atentos a qualquer movimento. Não parecia um bom presságio. Familiares podiam pressentir o perigo. Algo estava para acontecer.
— Ele não te deixou entrar? — perguntou para o animal, ciente de que, se algo estava para acontecer, o gato certamente preferiria estar aos pés de . Em resposta, Mochi miou, e apesar de não entendê-lo completamente, pôde sentir o descontentamento do animal. Óbvio que não tinha deixado que ele entrasse. — Vou ficar com ele, relaxe um pouco. — pediu, e o gato bugou, como se aquele pedido fosse absurdo.
De fato, devia ser. Mochi era o familiar de , afinal. Morreria por ele.
Como de costume, após entrar na cafeteria, o sino da porta soou. novamente estava no caixa e colocou seu melhor sorriso no rosto assim que o mais novo ergueu a cabeça para encará-lo. Dessa vez, o garoto não parecia surpreso com sua chegada e se animou por isso, sorrindo ainda mais.
— Então quer dizer que você estava me esperando? — se sentou no balcão, inclinando-se para frente a fim de ver o que ele fazia.
Ou ficar mais perto, quem sabe, mas jamais admitiria isso em voz alta.
— É, você costuma parecer meio desocupado nesse horário. — retrucou, fazendo rir.
O garoto podia ter apenas se feito de desentendido, mas acabou admitindo que sim, estava esperando. só não sabia se ele tinha percebido o que havia dito ou se tinha saído sem querer.
estava criando um padrão ali, o visitando todos os dias após o trabalho. A nova receptividade de a isso o deixava animado, mas naquele dia fez seu coração doer um pouquinho. Realmente não queria chateá-lo.
Mais uma vez, pensou em voltar atrás com o convite para o churrasco, mas tinha mentido para sobre já tê-lo convidado.
Para quem mentiu uma vez, mentir outra sobre o garoto desistir era bem fácil, mas tinha certeza que se fizesse isso, ia dar um jeito de apenas aparecer ali e tirar o band-aid de uma vez.
E ele não era conhecido por ser a pessoa mais paciente do mundo. Menos ainda delicada.
— O que foi? — perguntou, confuso, quando ele não disse nada.
— Uhm?
— Você está pensando demais hoje.
— Não estou... — tentou se defender, mas se calou quando ergueu uma sobrancelha, deixando claro que sabia que ele estava mentindo. bufou.
— Normalmente você não cala a boca um minuto. — continuou.
— Ei, o que você quer dizer com isso?! — se fez de ofendido, mas talvez só quisesse ganhar tempo. Sabia que estava certo. — Está dizendo que eu falo demais?
— Exatamente isso.
— Sabe, esse é outro exemplo de coisa que você não se deve falar para as pessoas. — o repreendeu, e deu de ombros.
— Se já temos intimidade o suficiente pra você me perseguir por ai, então temos também pra esse tipo de coisa.
— Uhm, então temos intimidade. — sorriu. Era bom ver se abrindo, mas isso apenas o fazia se pressionar ainda mais para contar a verdade. — Bom, então acho que você não tem motivo para recusar meu convite.
— Convite?
— Isso, meio que temos uma tradição de domingo, sabe? Fazemos um churrasco no almoço, e estamos te convidando.
— "Fazemos"?
— Sim, meu... — ele começou a explicar, quase dizendo "clã", mas se conteve no último instante. — As pessoas com quem eu moro. Você já conheceu a maioria. O , , . Além deles tem o marido do e o namorado trisal.
— Você mora numa república? — estranhou, mas sentiu que ele estava apenas tentando ganhar tempo. Provavelmente pensando em uma desculpa para fugir. Parecia algo que ele faria, mas não era uma opção para deixar que ele conseguisse, especialmente agora que já tinha começado.
— Você já sabia que eu morava com a maioria deles.
— Sim, mas eu não tinha pensado ainda sobre isso. Não é algo muito comum.
Com "não é muito comum" queria dizer totalmente estranho. Ele entendia, não era convencional para os humanos viver daquela forma. Para eles o normal era morar junto de sua família, mas no mundo mágico, o clã era a família. Era comum que os clãs vivessem juntos na mesma casa, estranho seria se não vivessem, mas não precisava saber dessa parte ainda e tinha descoberto ser muito bom em falar meias verdade para não cair em seu radar.
— Não é uma república, a casa é do . — explicou. — Somos amigos há muito tempo e pensamos que seria legal nos juntarmos. meio que tinha herdado essa pensão de seus pais, então por que não?
Claro, não tinha sido bem assim que as coisas aconteceram, mas pareceu aceitar a desculpa, voltando a se concentrar no que fazia antes.
segurou o riso, sabia que ele estava tentando lhe distrair.
— E ai? — insistiu, esperando sua resposta para o convite.
— Uhm? — se fez de desentendido.
Deixando claro que sabia o que ele estava tentando fazer, puxou um copo plástico de trás do balcão e o jogou em , mas o garoto o segurou no ar, olhando feio para ele logo em seguida.
— Se eu for demitido porque minha chefe viu você desperdiçar material, eu te caço.
— Deixa disso, eu venho aqui todos os dias e consumo por sua causa. Ela não vai se deixar perder um bom cliente por isso.
— Não desperdice insumos. — o repreendeu mesmo assim, devolvendo o copo para o lugar, e revirou os olhos.
— Que seja, agora me responde. Eu sei o que você está tentando fazer.
Finalmente se dando por vencido, deixou o que fazia de lado mais uma vez.
— Você percebeu que está me chamando para um almoço junto do cara que gosta de você e os dois namorados dele? Não acha isso um pouco estranho?
— O cara que gosta de mim? — questionou, realmente confuso.
— . — explicou, e não conseguiu controlar uma gargalhada, por pouco não caindo do banco ao se jogar para trás.
— De onde você tirou isso?
— Se o cara é obcecado com quem você dorme é porque quer dormir com você.
— E como você chegou a essa conclusão? — riu novamente.
e eram almas-gêmeas de . A possibilidade dele querer algo com era nula, e ele adoraria estar errado.
— Pergunta pra ele. — foi o que respondeu, dando de ombros em seguida.
— Não quero perguntar para ele. Eu estou perguntando pra você. — insistiu, mas apenas deu as costas, se preocupando em fazer outra coisa. Percebendo que não arrancaria mais nada do garoto, optou por explicar a situação, ou ao menos uma parte dela. — não liga para as pessoas com quem eu durmo, ele só não gosta muito de você. Quando estiver no mesmo ambiente que ele e seus namorados, vai ver isso. Eles são loucos um pelo outro. não tem nenhum interesse em mim.
— Mas ainda não vai com a minha cara e você está me convidando para a casa dele.
— É minha casa também. — respondeu. — E é inofensivo. Ele provavelmente vai acabar gostando de você eventualmente.
— Tenho minhas dúvidas. Não é o que costuma acontecer.
— Não aceito "não" como resposta. — cantarolou.
— Que pena, porque isso é um "não".
— Prefere que eu traga o para te convencer? — sugeriu, rindo quando se voltou para ele novamente com um olhar meio indignado. — É, eu sei que ninguém consegue dizer "não" para ele. Por isso o trouxe naquele dia.
— Você é ridículo.
— Nunca neguei. — riu novamente, dando de ombros. — E então? Consegui seu "sim"?
Sinceramente, pensou em chamar sua irmã também, cogitando que talvez fosse mais fácil convencê-lo dessa forma. Em seu lugar, não gostaria de deixá-la sozinha com o pai mais do que o necessário, mas lembrou-se também do quão protetor ele parecia com ela e não achou uma boa idéia demonstrar interesse na menina.
Além disso, a conversa que teriam também deveria se manter privada. Não podia confiar aquele tipo de segredo a uma criança.
— Tudo bem, eu vou. — se deu por vencido, e comemorou. — Mas se ele me incomodar, eu vou embora.
— Se ele te incomodar eu te levo embora. — respondeu, repentinamente animado. Apesar de querer fugir da conversa, ficou feliz com a possibilidade de aproximar de seu clã. Era mais um sinal de alerta se parasse para pensar, outro indício de que as desconfianças do clã estavam certas sobre estar ligado a ele, mas tentou afastar o pensamento. Não se preocuparia com isso até que fosse necessário.
Antes que qualquer outra coisa fosse dita, no entanto, congelou repentinamente no lugar, arregalando os olhos ao focar em um ponto qualquer atrás de . Sentindo que algo estava errado, o loiro se virou rapidamente. Mochi tinha avisado a sua maneira, algo estava para acontecer. já tinha se esquecido disso, mas a forma como pareceu assustado foi o suficiente para ele lembrar.
A marca da serpente em seu pescoço pinicou dolorosamente e ele sentiu um arrepio subir por sua espinha. Conhecia aquela sensação, era magia das sombras se manifestando, mas era o único bruxo das sombras ali.
Mochi, que estava em alerta do lado de fora, invadiu a cafeteria repentinamente, sentindo o mesmo que . Ele pulou o balcão para se colocar ao lado de e surpreso com a despreza do gato, o garoto finalmente desviou sua atenção de onde estava, diferente de , que acabara de entender o que o havia perturbado.
No canto mais afastado da cafeteria, onde não havia janelas para entrar iluminação, uma das lâmpadas havia queimado. O local, obviamente, ficou escuro e não teria nada de errado nisso se as sombras ali não tivessem passado a se mover como se não fossem apenas uma sombra. Sequer deveria estar tão escuro assim ali se parasse para pensar, considerando a iluminação do resto do ambiente, mas estava e elas se moviam porque , de alguma coisa, havia conjurado uma animação sombria, algo que até onde sabia, era bem difícil de ser feito.
Controlar as sombras consistia naturalmente em animá-las, fazê-las trabalhar pra você, mas tinha criado literalmente uma animação, uma criatura, com membros e uma forma quase humana, que podia se comunicar com ele, lutar por ele e defendê-lo. Podia ser assustador se você não sabia o que era, a criatura não tinha face, apenas olhos vermelhos.
Poucos bruxos das sombras, no entanto, conseguiam fazer isso, e tinha feito sem ao menos saber como. Se não pudesse literalmente sentir a magia emanando do garoto, ia achar que estava louco ou que talvez houvesse outro bruxo das sombras por perto.
ouviu algumas coisas caírem atrás dele e se voltou rapidamente para , em tempo de vê-lo se apoiar na pia atrás do balcão para se segurar. Ele estava pálido e pela forma como balançava sutilmente, deduziu que se sentia tonto. Parecia prestes a desabar.
Preocupado, se levantou em um pulo para circular o balcão. Mochi estava ali também, pulando nele desesperadamente.
— O que está acontecendo? — a garota de outro dia, Minji, saiu pela porta de funcionários, arregalando os olhos quando olhou para . — O que aconteceu, ele está passando mal?
tinha uma teoria muito forte sobre o que tinha acontecido, mas não podia explicar para ela, então apenas se adiantou para segurá-lo.
— Minji, por favor, você poderia...?
— Eu cubro aqui na frente. — ela se prontificou a responder, antes mesmo que ele completasse a fala. — Leve-o para sala dos funcionários.
imediatamente concordou, passando um dos braços ao redor de para guiá-lo até o local indicado. O garoto agora tinha os olhos fechados e sabia que ele estava prestes a convulsionar como no outro dia.
— Só mais um pouquinho. — pediu, empurrando as portas, mas assim que passaram por elas, perdeu completamente a consciência.
Assim como na última vez, se limitou em amparar sua queda para que ele não se machucasse. Puxou para seu colo para que a cabeça não batesse no chão, e esperou que passasse sem tentar contê-lo.
Mochi estava ali também, e como se entendesse exatamente o que estava acontecendo agora, apenas sentou de frente para eles, esperando junto de .
— Você viu aquilo, não viu? — perguntou para o gato, mesmo sabendo que ele não poderia responder. — Não é exatamente o estresse que o faz convulsionar, mesmo que ele ajude. Acontece quando ele perde o controle da magia. Ela está tentando sair... — concluiu, sentindo-se ainda mais preocupado.
No outro dia, quando ficou irritado com seu pai, sentiu a magia emanar dele. Se isso acontecia sempre que ele se estressava, fazia sentido ele achar que o estresse o fazia convulsionar, já que não sabia sobre a magia ainda.
estava certo, não tinham tempo. Precisava contar o que estava acontecendo o quanto antes. Ter visto a animação ajudaria, mas algo dentro de o fazia desconfiar de que não era a primeira vez que aquilo acontecia.
levou cerca de dez minutos para acordar após a convulsão. Seu turno inclusive, já tinha acabado.
Em algum momento, se arrastou até o fundo da sala para apoiar as costas na parede e o puxou para seu peito, deixando-o deitado entre suas pernas, com as costas contra seu tronco.
O sentiu acordar antes dele abrir os olhos, mas sabendo que o garoto estaria meio letárgico, esperou até que se sentisse pronto para se mover.
Mochi, sentindo o mesmo, se aproximou, miando baixinho. Assim que se viu próximo o suficiente, passou a esfregar a cabeça na mão livre de , que estava pendurada ao lado de seu corpo.
— Mochi... — ele suspirou, sua voz soando áspera e arrastada, como se falar fosse muito difícil no momento. — Você não deveria estar aqui.
— Ele ficou preocupado. — o defendeu, e apenas concordou com a cabeça, parecendo exausto demais para fazer qualquer outra coisa.
E saber que o motivo para isso não era apenas um problema médico comum deixava apavorado. Em sua mente só pensava que já deveria ter contado a ele sobre magia, exatamente como havia insistido que fizesse.
— Ele não parece um gato comum às vezes. — voltou a falar após alguns instantes, chamando sua atenção novamente.
— Talvez ele não seja. — deixou escapar. Parecia uma boa deixa para iniciar a conversa.
Se não estava conseguindo conter a magia, era perigoso. Tanto para ele quanto para as pessoas ao seu redor. Especialmente se ele conseguia fazer algo como uma animação sombria, sem controlar as sombras que ele conjurava.
— O que mais ele seria? — perguntou, meio descrente, mas não se moveu de onde estava.
podia ver nitidamente que ele ainda não se sentia bem. Cada vez que piscava, seus olhos demoravam para abrir novamente. Não parecia o melhor momento para iniciar aquele assunto considerando sua falta de foco, mas duvidava que fosse encontrar um momento melhor do que aquele.
— , o que você acha que você viu?
— Como assim?
— Antes de entrar em crise, a criatura nas sombras. Eu vi, Mochi também.
— Era uma alucinação, como...? — ele pareceu ainda mais confuso. — Eu falei sobre isso em voz alta?
— Você não falou, . Eu vi.
— Você não pode ver minhas alucinações.
— Se fosse uma, não poderia. — explicou, mas continuou quando o outro não pareceu entender onde ele queria chegar. — Não era uma alucinação, . Foi real.
notou sua respiração se tornar mais acelerada e decidiu que talvez devesse de fato ter esperado o almoço para falar sobre aquilo. Já podia sentir a magia emanar dele novamente, fazendo seu pescoço pinicar. Não sabia se aquela reação de se devia a ele achar que estava gozando com sua cara ou por cogitar a possibilidade daquilo ser verdade, mas se ele passasse mal novamente, com por perto, pelo menos poderia socorrê-lo adequadamente.
— Por que está dizendo isso? Por que está fazendo isso? — perguntou, sua voz soando um pouco mais como ele agora, embora ligeiramente histérica. deduziu que era muito maior a possibilidade de achar que era uma piada.
— , olha para minha mão. — pediu, a erguendo sobre seu peito, bem em frente ao olhar do mais novo. Podia simplesmente provar o que estava dizendo.
obedeceu, e então a fez brilhar.
A princípio, foi apenas uma pequena luz, sob sua pele, mas se remexeu em seus braços, em uma mistura de surpresa e espanto. Aos poucos, intensificou a iluminação, até que ela se tornasse uma bola de energia brilhante e amarela sobre sua palma.
— O quê...
— É magia, . Eu tenho, e você também. Você pode controlar as sombras e eu a luz. — sua respiração pareceu ficar mais pesada e sentiu que podia enlouquecer por não saber o que se passava em sua mente. Desejou que estivesse ali, pois poderia sentir o que sentia, dizer as palavras certas. Ele estava acreditando? Ele achava que estava mentindo? Não, ele podia sentir se mentisse, mas então no que ele estava pensando? já estava cogitando que tinha se aproximado apenas por isso inicialmente? deveria continuar falando ou ficar quieto enquanto ele absorvia o que tinha acabado de escutar? — Nós achamos que sua magia está presa dentro de você e eu acredito que suas convulsões não são um problema médico, é ela tentando sair.
— Nós? — ele perguntou.
— As pessoas com quem eu moro. Eles são meu clã. Todos nós somos assim.
Mais um enorme silêncio se seguiu enquanto absorvia suas palavras e Mochi miou outra vez, tentando chamar a atenção dele novamente. não se moveu agora ou tentou acariciar o gato, e teve certeza de que realmente não tinha sido o melhor momento para falar sobre aquilo. Ele ainda estava letárgico devido à convulsão e agora tinha mais uma coisa com a qual se preocupar.
— ? Diz alguma coisa. — pediu, angustiado, mas talvez pressioná-lo não tivesse sido a melhor ideia.
Ao invés de responder, o garoto apoiou uma das mãos no chão para se afastar. Apesar de não querer, o soltou, ciente de que não podia prendê-lo ali. ficou apenas sentado por alguns instantes, de costas para , que olhou para o gato em um pedido quase desesperado por ajuda, mesmo que fosse completamente inútil. Diferente dele, o bicho sequer podia falar, como poderia ajudar?
— ? — chamou novamente.
Sem dizer nenhuma palavra, o garoto se levantou do chão, com alguma dificuldade. rapidamente se levantou para ajudá-lo e deixou que ele o fizesse, mas assim que se firmou, simplesmente seguiu até a porta, sem dizer nada. — , para onde você está indo? — o seguiu, sentindo-se meio desesperado. — Você sabe que eu não estou mentindo, por que você está fugindo de mim?
— , você está bem? — Minji, que estava no balcão, perguntou, mas o garoto também não parou para dizer nada a ela, apenas continuou andando para fora da cafeteria sem ao menos trocar de roupa ou pegar suas coisas como de costume.
Contar tinha sido demais para ele? Algo no feitiço que aprisionou sua magia o impedia de ouvir a verdade? Inferno, porque não cogitaram algo assim? Podia acontecer.
Ou, quem sabe, apenas fosse tarde demais. Às vezes ele estava finalmente sucumbindo como havia dito que aconteceria. Não sabiam como aquilo ia acontecer, talvez fosse algo neurológico.
— , por favor, fala comigo. — implorou, angustiado, e se tinha alguma dúvida sobre as especulações do seu clã sobre almas gêmeas, ela morreu ali, porque nunca se sentiu tão apavorado. — . — ele chamou novamente, tão focado no garoto que não parou para pensar no perigo dele estar apenas atravessando a rua sem olhar. Apenas quando um carro virou a esquina muito mais rápido do que o limite de velocidade permitido, ele se deu conta.
mal se ouviu gritar, sua mente nublada demais para pensar em usar magia para impedí-lo de ser atropelado. só teve tempo de se virar antes do carro chegar até ele, mas Mochi, por sorte, estava mais atento que os dois. Antes que o veículo o atingisse, Mochi pulou contra o parachoque. gritou por ele, mas o gato conseguiu parar o veículo. O parachoque foi amassado e o carro voltou alguns centímetros para trás, mas não chegou a atingir o garoto.
Aquilo tinha grandes chances de dar errado, os familiares tiravam sua magia do próprio tutor e a de estava aprisionada dentro dele, mas de alguma forma e por muita sorte, deu certo.
Algumas pessoas ao redor começaram a gritar pelo susto do que tinha acontecido. O motorista do carro parecia desmaiado ao volante, sua cabeça sangrando. não sabia dizer se ele já estava assim antes ou se o movimento de Mochi que havia feito aquilo com ele, mas sinceramente, não se importou, apenas correu até , que olhava congelado para o parachoque do carro.
— Você está bem? — perguntou, o segurando pelos ombros para virá-lo para sí. Novamente, estava pálido, como se estivesse a beira de outra crise. entrou em pânico. — Ei, ei, respira. Fica calmo. — pediu, embora duvidasse que apenas respirar fosse resolver o problema.
Se o uso da magia fazia convulsionar e Mochi tinha acabado de usar sua magia, era óbvio o que ia acontecer agora.
— Meu gato, ele acabou de parar um carro? — sussurrou, e concordou com a cabeça.
— Ele também faz parte disso. — explicou, mas foi a última coisa que ele conseguiu dizer antes que desabasse mais uma vez.
Então, eu tenho uma boa e uma má notícia.
Boa: Contei para o sobre magia.
Má: Não tenho ideia se ele entendeu o que eu disse, acho que não.
Eu tenho até medo de perguntar porque diabos ele não entenderia.
Isso faz parte da notícia má número dois.
Você não tinha dito que eram duas.
Agora estou dizendo.
Convoco nosso líder do clã para o hospital.
[Localização]
Pelo amor, como vocês foram parar no hospital?
Longa história, mas nosso churrasco de domingo acabou de virar uma janta de sexta. Boa sorte.
Da próxima vez a gente deixa o contar.
Estou totalmente de acordo.
O tempo que levou para acordar novamente após a convulsão foi o tempo que a ambulância demorou para chegar ao local do acidente. Esse foi o motivo pelo qual não conseguiram se livrar de levá-lo para o hospital. sabia que nenhum médico humano seria capaz de tratá-lo e sabia que não estava machucado, que seu problema era outro, mas os socorristas os impediram de apenas ir embora.
Enquanto lidavam com médicos e polícia, não tiveram tempo de conversar, e , apesar de ir encontrá-los, acabou ficando do lado de fora com o gato apenas porque insistiu que ele precisava de ajuda após parar um carro desgovernado.
Se ele fosse um gato comum, realmente, mas não era e não tiveram tempo de falar sobre isso.
Quando finalmente foram liberados, se agarrou a Mochi e simplesmente dormiu no banco do carro, o que não pôde deixar de achar fofo, mesmo que o gato em si estivesse evidentemente odiando cada segundo. Aparentemente, ele gostava de estar na companhia de desde que o garoto mantivesse seu espaço pessoal. Ser agarrado por ele não parecia algo que Mochi gostava, mas se deixou agarrar de qualquer forma, como se soubesse que ele precisava disso no momento.
Quando estacionou o carro em frente a antiga pensão onde morava com o clã, desceu e deu a volta para acordar . Tinham recuperado suas coisas antes de irem ao hospital e pegou sua mochila para colocá-la no ombro, somente depois soltando seu cinto para acordá-lo.
— Ei, chegamos. — sussurrou, ouvindo rir atrás dele. — O que foi?
— Se fosse você tinha simplesmente sacudido. Ou o puxado pelos pés.
o encarou ofendido.
— Não se ele estivesse doente!
— Ele não está doente, apenas cansado.
— Por que passou mal. Eu teria cuidado de qualquer um de vocês. — resmungou, e ambos sabiam que era sim verdade, mas estava certo também sobre nem sempre ser tão delicado assim. — Eu já entendi o que vocês estão tentando dizer, não precisa continuar esfregando na minha cara.
— Uhm, que bom. — riu novamente. — Se quer uma dica, apostou que você levaria meses para perceber. Caso você queira que ele perca.
— Quem vai ganhar?
— . e também apostaram contra.
, aparentemente, não estava valendo nada.
— Perceber o que? — perguntou repentinamente, ainda sem abrir os olhos, e arregalou os seus imediatamente, pensando no que ele por pouco não ouviu. Foi quem o salvou.
— Que o roubou uma de suas roupas. — mentiu.
— Não é verdade.
— Não? — se fez de desentendido. — Eu acho que você está sonolento demais pra saber, não acha? Mas não é nada ruim de qualquer forma.
— Uhm... — ele respondeu, ainda sem abrir os olhos, e não conseguiu evitar um sorriso. Ele era adorável dormindo e tinha um biquinho nos lábios. queria apertar, mas voltou a sí quando riu novamente.
— Quer privacidade?
— Cala a boca. — reclamou, agarrando pelos pulsos para fazê-lo se levantar. — Ei, já chegamos, acorda. — pediu. Parecendo aliviado, Mochi escapou de seu colo, e somente por isso finalmente abriu os olhos, olhando para os lados atrás do animal. — Ele está bem.
— Essa não é a minha casa. — estreitou os olhos quando reparou onde estava.
— É a minha.
— Por que eu estou na sua casa?
— Porque precisamos conversar.
— Precisamos? — respondeu, soando tão confuso que até mesmo a postura de acabou mudando. Ele também ficou preocupado, notou.
— Seu gato mágico te impediu de ser atropelado, lembra? — explicou, e o espanto em sua expressão deixou claro que não, ele não se lembrava.
— Onde ele está? — olhou novamente para os lados, agora a procura do gato.
— Não me parece que ele está bem para ter essa conversa. — comentou, mas apesar de concordar, não respondeu nada a ele, focando em .
— Mochi está bem, você estava agarrado com ele. — explicou, torcendo para que aquela confusão fosse apenas um efeito comum da convulsão, como antes, e não uma sequela permanente.
Quando , ao invés de respondê-lo, parou olhando pra ele sem dizer nada, se preocupou mais.
— ? — o chamou, trocando olhares com , que rapidamente tomou a frente.
— Está se sentindo bem? — perguntou o líder do clã, já arregaçando as mangas para cima a fim de examiná-lo.
— Meu gato parou um carro em movimento. — falou, como se somente então se desse conta, mesmo que estivesse agarrado a ele até então devido a preocupação. — Sua mão brilha e as sombras... Eu não estava alucinando. Esse tempo todo, não era alucinação.
— Esse tempo todo? — perguntou. — Isso acontece com frequência?
concordou com a cabeça, sua respiração voltando a acelerar, e sentiu muito por ele.
As sombras ao seu redor assumiam forma de uma pessoa, provavelmente se comunicavam com ele, e achava que era alucinação. Devia ser assustador e isso foi o suficiente para que entendesse que ele provavelmente estava fisicamente bem, mas mentalmente abalado.
— Vamos entrar, por favor. — pediu, voltando a puxar pelos pulsos. — Realmente precisamos conversar.
não tirava os olhos de porque sabia que se fosse colapsar, ele seria o primeiro a perceber.
parecia prestes a chorar e meio que entendia os motivos. Sua vida inteira tinha sido uma mentira.
O garoto tinha acabado de descobrir que havia magia aprisionada dentro dele e que alguém, que ele sequer sabia quem podia ser, havia feito isso contra sua vontade. Pior, ele sequer sabia os motivos. E como se isso não bastasse, havia passado sua vida inteira vendo coisas, achando que estava alucinando, que havia algo de errado com sua cabeça. As sombras ao seu redor se moviam e tentavam se comunicar com ele, assumiam formas estranhas, algo que teria assustado até os mais corajosos e que o fez procurar ajuda médica. Ele passou a vida inteira com um diagnóstico errado, se dopando de remédios que nunca ajudaram, tudo isso porque, um dia, alguém decidiu esconder dele quem ele realmente era.
, no seu lugar, já teria colapsado. Até mesmo , que era tão contra o garoto, parecia perturbado com a situação.
podia sentir que todos estavam tensos, apenas esperando que ele explodisse, mas apesar de claramente abalado, parecia estar se controlando bem.
Talvez ainda estivesse letárgico demais após as convulsões para assimilar totalmente o que estava ouvindo.
— Então eu deveria ser como vocês, mas alguém tentou impedir isso. — recapitulou o que tinha escutado. Ele estava sentando de pernas cruzadas sobre uma das cadeiras ao redor da piscina, com o prato de comida intocado na mesa ao seu lado. — Vocês não sabem quem ou porque, mas isso pode me matar se não for revertido?
— Em resumo, sim. — concordou após suspirar.
— E vocês souberam disso porque sentiu a magia e se aproximou.
— Sim. — o próprio confirmou, apesar de ainda se sentir receoso sobre isso.
tinha escutado tudo atentamente, fazendo poucas perguntas até então. não tinha ideia do que ele estava pensando ou como estava se sentindo e isso o estava deixando angustiado. não parecia alarmado, o que provavelmente era um bom sinal, mas daria tudo para sentir ele mesmo o que o garoto estava sentindo.
Depois de tantas descobertas em uma única noite, a última coisa que precisava era também achar que foi usado.
— Estávamos tentando decidir como te contar. — voltou a falar, tentando se defender de uma acusação que sequer tinha acontecido. — Não é algo que as pessoas apenas escutam e acreditam, não queria que pensasse que estávamos brincando com você ou que era uma piada.
Sem responder nada, apenas concordou com a cabeça.
— Minha irmã, ela não... Ela está bem? — questionou, olhando para .
— Sim, não tem magia nela.
— O que isso quer dizer? Ela não deveria ter também?
— As pessoas podem nascer mágicas sem pais mágicos. — voltou a explicar. — É como genética. Em algum momento no passado pode ter existido um bruxo na sua família. O gene ficou ali, perdido por anos, esperando uma chance de se manifestar.
— Mas o gene tem que ter estado na família em algum momento... — respondeu, mas não era exatamente uma pergunta. imaginou que ele estava cogitando o mesmo que havia cogitado. podia não ser filho de seus pais, essa possibilidade existia de fato. — Então agora tudo que eu posso fazer é... Esperar?
— está tentando descobrir como reverter isso. — o respondeu. — Sei que não parece o ideal, mas se existe alguém que pode ajudar, é ele. é o melhor com magia de cura e também um ótimo pesquisador.
— Mas é uma magia que ele nunca ouviu falar e ele sequer pode fazer muitas perguntas. — o garoto resumiu novamente, de acordo com o que já tinham explicado para ele.
era um bruxo das sombras, não tinha como esconder dele o que as pessoas no mundo mágico pensavam desse tipo de magia. Seria a vida dele dali em diante, mesmo que não fosse sua culpa ter nascido dessa forma.
— Parece desanimador, mas... É isso. — voltou a confirmar.
— E tem algo que eu possa fazer pra ajudar? Além de apenas esperar?
— Bom, existem muitos livros sobre medicina para ler. Podemos começar por ai.
concordou com a cabeça, mas sabia que nunca confiaria aquele trabalho a outra pessoa, especialmente alguém que não sabia o que estava procurando, como seria o caso de . Ele não era muito bom em delegar esse tipo de coisa, ficava paranoico em estar perdendo alguma informação porque não confiava que os outros fariam o mesmo trabalho que ele. Todos eles ali sabiam disso, mas ninguém disse nada. Era a vida de , não podiam apenas dizer que ele deveria sentar e esperar sem fazer absolutamente nada.
Após alguns segundos em silêncio, achou que ele não tinha mais perguntas. apenas remexeu o prato com hambúrgueres ao seu lado, mas não comeu e precisou controlar a vontade de mandá-lo fazer isso. Tinha certeza que sua última refeição havia sido ainda na faculdade.
— Por que estão tentando ajudar? — voltou a questionar, depois de algum tempo.
— Os bruxos das sombras que tentaram matar todo mundo eram da minha família. — explicou. — Eu não podia apenas ignorar que existia outro bruxo das sombras por ai. É um pouco pessoal para mim.
— Vocês não deveriam desejar que todos como eu morram, como todo mundo? Se todos são ruins, não seria melhor assim?
— E de onde você tirou que todos são ruins? — o respondeu, sentindo-se realmente ofendido. — O que te faz pensar que você é ruim?
Em resposta, deu de ombros.
— Até onde eu entendi, a magia não se manifestou totalmente ainda.
— , a magia não nos controla, ela é o que fazemos dela. — foi quem falou dessa vez. — Aquelas pessoas fizeram algo ruim porque elas eram ruins, não a magia. Da mesma forma como ao longo da história vários humanos sem magia alguma fizeram coisas terríveis com outras pessoas por diversos motivos totalmente mesquinhos. O que fizeram com bruxos como você foi injusto, um massacre movido por preconceito e medo.
— E por que vocês não sentem o mesmo medo?
— Eu nasci um bruxo das sombras. — voltou a explicar. — Normalmente é assim que funciona. Os filhos herdam a magia dos pais, ou de um deles, se forem magias diferentes. Normalmente a mais forte. Eu nasci como bruxo das sombras, como meu pai, mas havia pouca magia em mim. Para que eu vivesse, me emprestou a dele. Só por isso eu não sou como você hoje.
— Somos um clã, conhecemos o há anos, por toda a sua vida. Confiamos nele e sabemos que ter magia das sombras dentro dele não diz nada sobre quem ele é. — falou também.
— Mas vocês ainda não precisavam me ajudar de verdade. Podiam só ignorar.
— não podia. — voltou a dizer. — E o que você precisa saber sobre estar em um clã é que vamos estar um do lado do outro sempre, independente do que aconteça. Se alguém fizer algo de errado, vamos consertar juntos. Se for um segredo, então vai morrer com a gente. quis ajudar então estamos juntos nessa, mas se não fosse ele, então certamente seria ou porque ajudar as pessoas é o que eles fazem, o que eles são.
— Mas você também precisa saber que é o trabalho de se envolver nesse tipo de coisa. — tomou a frente novamente. — Se alguém aprisionou magia dentro de você, esse alguém cometeu um crime e isso é problema dele.
— Ele é policial? — perguntou, inocentemente.
— Tipo isso. — respondeu. — E é ministro, então ele também teria se envolvido eventualmente.
Quando concordou novamente com a cabeça, ele parecia finalmente satisfeito dessa vez, embora ainda não estivesse em seu melhor estado de espírito.
— Minha irmã, ela está mesmo bem? — voltou a questionar para , que novamente concordou.
— Totalmente. pode confirmar se isso for fazer você se sentir melhor, mas não senti nenhuma magia vindo dela.
— Acho que eu gostaria de confirmar sim, por favor. — pediu, e sorriu para confortá-lo.
— Então faremos isso. — respondeu, mas aproveitou-se que a conversa estava finalmente encerrada para empurrar o prato na mesa ao lado de para mais perto dele. — Mas agora você deveria comer.
— Não estou com fome.
— E quando foi a última vez que você comeu? — questionou. Entendia os motivos para ele não sentir fome, mas ainda precisava de comida como qualquer um. Entendendo onde queria chegar, bufou, mas levou um pedaço de carne até a boca.
— Ótimo, já que resolvemos essa parte, precisamos falar do seu gato que convenientemente decidiu sumir. — voltou a falar, e fez uma careta.
Certo, não tinham falado tudo ainda.
— Uhm? — o encarou com confusão. Ele olhou para os lados em busca do animal. Mochi sempre estava por perto, mesmo quando ele o mandava ficar em casa, mas de fato, dessa vez, não estava ali. pôde ver a preocupação em seu olhar, mas a próxima fala de o surpreendeu o suficiente para que arregalasse os olhos em sua direção.
— Mochi não é um gato.
não percebeu como ou quando aconteceu, mas de repente ele estava sozinho no jardim, sentado na borda da piscina com as pernas para dentro.
Provavelmente estavam tentando lhe dar espaço, tempo para pensar, mas sentia que sua mente ainda estava confusa demais para isso. Ele precisava dormir, urgentemente. Estava exausto após convulsionar duas vezes e só queria deitar em sua cama e apagar. Queria esquecer as últimas horas nem que fosse por um curto período de tempo, mas estava cansado demais para se levantar e procurar para levá-lo embora.
sabia que eles não tinham mentido, em nada. E não era apenas uma questão de sentir quando as pessoas mentiam. O que contaram apenas se encaixou perfeitamente dentro dele, como se o seu subconsciente sempre soubesse que uma parte de sua história estava faltando. Da mesma forma como ele sabia que as pessoas estavam mentindo, ele apenas soube que tudo aquilo era real e que era sobre ele, mas sinceramente, não sabia o que pensar sobre nada disso ainda.
Não sabia se realmente podia confiar neles para ajudá-lo e o que faria se não pudesse. Não sabia o que fazer com todas aquelas novas descobertas, como agir, e o assustava mais ainda pensar que talvez nem mesmo em seus pais ele pudesse confiar agora.
Em seu pai não seria uma surpresa, nunca contou com ele para nada, mas sua mãe... Ela sabia de tudo isso?
não era idiota, percebeu que quis dizer algo quando começou a falar sobre genética. Existia a chance de seus pais não serem seus pais e sinceramente, a possibilidade não o assustava. Nunca se sentiu conectado com eles. A traição doeria muito mais, saber que mais alguém havia mentido para ele, seus próprios pais. Ou ao menos, as pessoas que o criaram a vida toda.
— Ei... — se aproximou, e suspirou aliviado. Ficar sozinho com seus próprios pensamentos era tudo que ele não queria agora, estava enlouquecendo. — Já está bem tarde, pensamos se você não gostaria de dormir por aqui hoje. — ofereceu, sentando-se ao seu lado na borda da piscina. Diferente de , que havia arregaçado as barras da calça, vestia apenas uma camiseta branca e uma bermuda curta, que cobria apenas metade de sua coxa. Em outro momento, teria admirado a visão, tinha pernas bonitas, mas ele estava cansado demais até pra isso. — Temos dois quartos de hóspedes, você pode ficar à vontade para pensar de qualquer forma. Não vamos te pressionar.
— Não sei se eu realmente quero pensar agora. — foi sincero, olhando para o céu escuro. — Amanhã, talvez, mas hoje... Hoje não.
— Você que sabe. Se quiser ficar, está tudo bem, mas se quiser realmente ir pra casa, eu te levo.
provavelmente se sentiria mais à vontade em sua própria cama, mas a possibilidade de chegar em casa e precisar enfrentar o pai bêbado -que talvez sequer fosse seu pai- o fez estremecer.
— Se não for incomodo, acho que eu prefiro ficar.
— Não é incomodo. — sorriu, e percebeu que ele se adiantou para segurar sua mão, mas voltou atrás no último instante, como se pensasse melhor sobre aquilo. — Você está bravo comigo? — questionou, e quando o encarou com confusão, continuou. — Decepcionado, talvez?
— Por que estaria?
— Porque eu não te contei o que estava acontecendo logo de cara. Eu sabia o que você era e guardei pra mim.
— , eu realmente odeio mentiras. Odeio que não me contem as coisas ou as escondam de mim, mas não estamos apenas lidando com uma situação cotidiana, é magia. Quem acreditaria nisso? Eu quase fui atropelado porque fugi quando tentou falar a primeira vez, achei que estava brincando comigo. O que você acha que aconteceria se tivesse me contado logo de cara?
— Eu podia ter mostrado.
— Eu passei minha vida inteira vendo as sombras se moverem e achei que estava alucinando, . Me mostrar não teria adiantado de nada.
— Eu sinto muito que você tenha passado por isso, precisado lidar com um diagnóstico que não te pertence. — falou, soando sincero, mas sequer tinha pensado nisso ainda. Apenas deixava tudo ainda pior e ele realmente não estava pronto para lidar com tudo isso ainda.
— A única pessoa culpada é quem fez isso comigo. — concluiu, odiando não saber quem tinha sido para ter alguém a quem realmente culpar. — Eu não estou bravo ou decepcionado. Eu estou... Confuso.
— E o que você pensa sobre abraços? — perguntou, tão repentinamente que sequer conseguiu acompanhar.
— O quê?
— As pessoas dizem que eu tenho um ótimo abraço. — ele abriu os braços em sua direção, e fez uma careta. Entendeu onde ele queria chegar, mas não. Apenas abraçar não era para ele, seria no mínimo desconfortável.
Notando sua expressão, riu.
— Abraços são reconfortantes. — o loiro voltou a falar.
— Espaço pessoal também é.
abaixou os braços, mas não deixou de rir novamente. Felizmente, ele não precisa chateado com a recusa, na verdade ele sequer parecia surpreso.
— Você não pareceu ter problema com isso quando estávamos no banco de trás do meu carro. — provocou, fazendo-o revirar os olhos.
— Você não estava vestido quando estávamos no banco de trás do seu carro.
— Eu estou te oferecendo um abraço e você está me pedindo pra tirar a roupa? — se fez de ofendido, e acabou rindo. Sabia que estava tentando distraí-lo, e realmente se viu grato por isso.
— Deixa de ser ridículo, ninguém te pediu pra tirar a roupa.
— Eu tiraria se você pedisse. — insistiu, fazendo sorrir mesmo que não se sentisse no clima para isso.
— Não vou pedir, pode ficar tranquilo.
— Só hoje, eu espero.
— Quem sabe. — deu de ombros, mas ambos sabiam que ele estava sim certo. — Por hoje podemos só... Dormir? Eu estou realmente cansado.
— Claro que sim, vamos entrar. — se levantou primeiro, estendendo a mão para ajudá-lo. aceitou, mas se desequilibrou quando realmente se apoiou nele, fazendo com que trombassem um no outro.
Os dois riram por isso, mas ninguém disse nada sobre o assunto.
— Vamos, vou procurar uma roupa que te sirva para que possa tomar banho.
— Obrigado.
— Quer realmente ficar no quarto de hóspedes? — voltou a questionar. — Pode dormir no meu quarto se preferir, minha cama é suficientemente grande para nós dois.
pensou sobre isso, realmente não queria ficar sozinho agora. Além de não querer pensar muito, tinha também receio de que as sombras apenas começassem a se mexer como estava acostumado. Saber que não eram alucinações não era reconfortante como deveria, e mesmo que não tivesse medo delas, sabia que provavelmente teria pesadelos. Antes acreditava que elas nunca poderiam lhe fazer mal porque sequer existiam. Agora sabia que não fariam porque eram parte dele, mas isso não mudava o fato de que era justamente por elas existirem que ele estava morrendo.
concluiu que definitivamente preferia ter companhia no momento, mas acabou se questionando se estava realmente oferecendo apenas isso ou se as provocações eram algo mais. Não achou que fossem a princípio, mas ele nunca foi o melhor para entender esse tipo de coisa.
— Eu realmente não estou no clima agora pra... Você sabe. — esclareceu.
— Não é isso que eu estou oferecendo. Só me pareceu que você precisa de companhia, mesmo que não queira um abraço.
concordou com a cabeça, sentindo-se mais seguro com aquela resposta.
— Talvez eu queira, então...
— Companhia ou um abraço? — voltou a provocá-lo, mesmo que tivesse obviamente entendido. voltou a rir, enquanto o seguia para dentro.
— Companhia. — respondeu, mas soube que acabaria aceitando também aquele abraço.
ainda dormia, o sentia em suas costas, mas agora, além dos braços ao redor do seu corpo, tinha também uma das pernas sobre sua cintura. Estava agarrado a ele feito um coala e ficou surpreso de não estar incomodado, muito pelo contrário. Estava se sentindo mais confortável ali, agarrado daquele jeito, do que em sua própria cama. Algo na respiração tranquila de o tranquilizava e se viu caindo no sono mais uma vez.
Sabia que o dia anterior tinha sido complicado e que tinha coisas demais nas quais pensar, mas se sentia leve como a muito tempo não sentia e não queria por sua mente para trabalhar tão cedo. Talvez tivesse usado magia para acalmá-lo, feito alguma coisa para que relaxasse, mas sinceramente, não ligava. Pelo menos por enquanto.
— Está acordado? — questionou, e sua voz rouca pelo sono lhe causou arrepios. escondeu o rosto em sua nuca por cima dos cabelos, o nariz roçando seu pescoço enquanto seus braços o apertavam um pouco mais. sentiu-se quente imediatamente.
— ... — reclamou, ainda meio sonolento. Ele tinha uma ereção matinal entre as pernas e não estava ajudando.
Em resposta, o outro riu, o som soando mais baixo que de costume, um riso preguiçoso que o deixou perturbado. Ele estava praticamente se esfregando em suas costas. Mal havia acordado totalmente ainda, mas também não, e todo esse contato foi o suficiente para fazê-lo suspirar.
— Você está melhor? — questionou, sem soltá-lo. — Como está a cabeça?
— Estaria melhor se você não estivesse mexendo com ela. — falou sem pensar.
Em resposta, riu novamente, embora nem de longe parecesse um riso inocente.
— Eu estou mexendo com ela? — se inclinou para puxar seu lóbulo entre os dentes e voltou a suspirar quando sua língua tocou a cartilagem, roçando seus brincos. — Pra quem não gosta de abraços você parece muito confortável. — o provocou, os lábios ainda roçando sua orelha. — E eu ainda estou vestido.
— Podia não estar.
Diante de sua fala, riu novamente, deixando um selar em sua bochecha antes de se afastar. Não foi muito, apenas voltou a cabeça para o próprio travesseiro. Ele estava dando a espaço para respirar, mas não era espaço que queria no momento.
— Você está mesmo bem? — questionou, e o mais novo escondeu o rosto no travesseiro em frustração. Estava bem, mas ainda não queria falar sobre o dia anterior, ao menos por enquanto.
Compreendeu que não queria se aproveitar dele, assim como tinha cuidado de não fazê-lo na noite anterior, mas não estava preocupado com isso. não se parecia nenhum pouco com as pessoas com quem já tinha se envolvido e apesar de se sentir longe de confiar nele totalmente, não acreditava que fosse se aproveitar dele dessa forma.
— Estou, mas não quero falar sobre isso ainda. — respondeu, se esgueirando mais para trás a fim de aproximá-los novamente.
Dessa vez, entendeu seus planos, pois voltou a rir antes de enfiar o rosto em sua nuca novamente.
— E o que você quer fazer então? — perguntou, subindo uma das mãos sorrateiramente por dentro de sua camisa.
podia sentir que também tinha uma ereção entre as pernas, provavelmente matinal como a sua, mas isso não o impediu de colar sua bunda ao quadril dele, muito pelo contrário. se esfregou ali para provocá-lo e suspirou contra seu pescoço.
Por um instante, o segurou com mais firmeza, mas não demorou muito para descer a mão de seu abdômen até o meio de suas pernas, o tocando devagar por cima da bermuda fina. não vestia nenhuma roupa íntima por baixo e fechou os olhos com o contato, suspirando enquanto segurava sua ereção entre os dedos.
— Ter você dormindo assim ontem foi perturbador, mas hoje já me parece uma ótima ideia. — falou contra sua nuca. Ele roçou os lábios ali, sua respiração quente deixando ansioso, mas não demorou muito para cravar os dentes em sua pele.
sentiu seu pau pulsar entre as pernas, movia a mão devagar demais para sua sanidade. Desejou levar a própria mão até ali, para tocar a sí mesmo, mas se conteve.
— Então você estava olhando pra mim. — respondeu ao invés disso, continuando a conversa.
— Claro que estava, você já se olhou no espelho? — finalmente intensificou o aperto ao seu redor e inclinou a cabeça para trás com um suspiro. Dar mais acesso ao seu pescoço não foi proposital, mas aproveitou a oportunidade, trilhando um caminho de chupões e mordidas até lá.
Não aguentando mais aquela posição, segurou sua mão, a tirando de sua ereção para poder se virar de frente para ele. Precisava tocar de volta. Estava excitado e muito bem ciente do que escondia embaixo das roupas para apenas ignorar.
Em um instante, estava deitado de lado, com o abraçando por trás. No outro ele empurrava de costas para subir em seu colo, sentando-se exatamente entre suas pernas para sentí-lo acomodado em sua bunda.
Como de costume, o agarrou pelos cabelos, puxando seus fios em uma tentativa de aproximar suas bocas, mas virou o rosto antes que seus lábios se tocassem, fazendo urrar em frustração contra sua bochecha.
— Não escovamos os dentes ainda. — explicou.
— Sua boca está igual a minha.
— Exatamente. — respondeu, mas para evitar que continuasse reclamando, rebolou em seu colo, o fazendo fechar os olhos para suspirar com os lábios entreabertos. tinha a boca mais bonita que já tinha visto e de fato queria muito beijá-lo, mas ao invés disso apenas lambeu seu lábio inferior, se afastando quando novamente tentou iniciar um beijo.
— Mas que caralho, . — reclamou, fazendo o mais novo rir antes de descer a boca para seu pescoço, o calando mais uma vez.
se arrepiou quando mordiscou sua pele, o segurando com firmeza pela cintura em retorno. gemeu baixo, gostando do aperto, e mordeu com mais força, disposto a deixá-lo marcado com os seus dentes. gemeu também, estocando para cima para intensificar o contato entre eles, e o mais novo precisou levar uma das mãos para o meio de suas pernas, apertando sua própria ereção pulsante.
Bem ciente do piercing que tinha no mamilo, logo se soltou para poder livrá-lo da camiseta. ergueu o tronco, apenas o suficiente para que pudesse jogar a peça para longe, e se deixou cair de volta no colchão logo em seguida.
imediatamente levou a boca até seu piercing, e riu em meio a um suspiro, provavelmente esperando por isso. Não era como se tivesse escondido o quanto tinha gostado da joia ali.
— Vou acabar colocando um do outro lado por sua causa. — comentou.
— Desde que eu possa chupar ele também.
— Quando quiser. — respondeu, mas sua fala virou um gemido quando puxou o piercing entre os dentes, cuidando apenas de não fazê-lo forte o suficiente para realmente machucá-lo.
Tentando não negligenciar o outro mamilo, foi para lá, chupando o botão enquanto suspirava, ainda agarrado em seus cabelos.
Se estava cogitando outro piercing por causa dele, estava cogitando nunca mais cortar os cabelos apenas para que continuasse puxando. Aquilo o deixava excitado como o inferno.
Apesar de querer voltar para seu piercing, tinha algo mais interessante com o qual ocupar a boca e desceu chupões por seu corpo até estar em seu umbigo, se deleitando com a forma como parecia entregue para ele. Seus cabelos ainda estavam bagunçados após acordar, seu rosto meio amassado e os olhos completamente fechados, apenas apreciando seus toques. era lindo naturalmente, mas aquela aparência desalinhada o deixou completamente louco.
puxou a bermuda de para baixo, libertando sua ereção, e gemeu quando ela caiu dura sobre sua barriga. Até o pau de era bonito feito um inferno e ele não se demorou para enfiá-lo inteiro na boca.
gemeu mais alto, e se arrepiou inteiro, mal lembrando que tinha outras pessoas na casa para se sentir constrangido. deixou que sua saliva escorresse por todo cumprimento e o chupou com vontade, matando a sede que tinha de fazer isso desde a primeira vez que estiveram juntos.
segurou seus cabelos com mais força, mas não limitou seus movimentos, deixando que comandasse.
Quando ficou sem ar, o mais novo subiu para sua glande, chupando apenas a cabeça antes de voltar a descer, o engolindo até sentí-lo em sua garganta.
— Porra, . — ele xingou, o fazendo sorrir contra seu pau, satisfeito em ouvir a forma como parecia simplesmente sem fôlego com um boquete. — Eu coloco outro piercing quando você colocar um nessa língua gostosa.
se afastou o suficiente para rir de sua fala, mas não antes de deixar uma lambida em sua fenda, que fez gemer mais uma vez.
— Eu não vou poder usar ela de novo até cicatrizar. — o lembrou, e fez um som insatisfeito com a boca.
— Uhm, vamos esquecer isso, então. — respondeu, o empurrando de volta para seu pau e o atendeu de bom grado, voltando a abocanhá-lo até o final.
voltou a gemer, o deixando mais excitado a cada som que saia de sua boca. Tudo em era uma delícia, e segurou com firmeza em suas coxas apenas porque podia. tinha pernas grossas de quem malhava. Teria que meter os dentes naquelas coxas assim que tivesse oportunidade.
Os gemidos de ficaram mais altos e ele estocou em sua boca. gemeu junto, se deliciando com o gesto, especialmente quando em conjunto, voltou a puxar seus cabelos. o sugou com mais força, mas não demorou a se afastar, o impedindo de gozar em sua boca.
Por mais que a ideia o agradasse, queria dentro dele mais uma vez. Precisava disso, e entendeu rapidamente o que ele queria.
Assim que a boca de o soltou, se sentou na cama, o puxando para si. O loiro arrancou sua camisa assim que voltou para o seu alcance e inverteu rapidamente suas posições, jogando-o contra a cama de barriga para baixo.
veio para cima dele imediatamente, beijando seus ombros enquanto agarrava sua cintura com a mão livre. inclinou o quadril, tentando alcançar sua ereção com a bunda, e gemeu quando ele conseguiu.
— Vai demorar muito? — provocou, se esfregando contra ele, e juntou mais seus corpos em resposta.
— Você é um pirralho. — reclamou, deixando uma mordida em seu ombro, mas não teve tempo de responder nada antes do outro puxar sua bermuda para baixo, deixando-o completamente livre de roupas.
entreabriu sua bunda e pousou sua ereção ali, ainda molhada com sua saliva. gemeu em expectativa, que só aumentou quando se mexeu atrás dele para buscar algo em uma das gavetas ao lado da cama.
Quando voltou, se esfregou contra ele, mas não prolongou o contato, agarrando sua bunda com força antes de se afastar para jogar lubrificante em sua entrada.
O gel gelado fez se arrepiar, escondendo o rosto contra os travesseiros que cheiravam deliciosamente ao perfume de . Sem enrolar muito mais, o loiro empurrou um dedo para dentro e gemeu arrastado com a invasão gostosa, precisando se segurar para não se fuder em sua mão.
Não vendo resistência, colocou mais um após movê-lo algumas poucas vezes e gemeu junto de com o aperto ao seu redor. Enquanto o abria, voltou a castigar sua bunda, mordendo sua carne até que estivesse marcada com seus dentes e recebendo como incentivo os gemidos de .
De repente, tinha três dedos dentro dele e se sentia prestes a gozar antes mesmo de enfiar o pau em sua bunda, excitado demais com a dor que os dentes de provocavam ali.
— Já é o suficiente. — falou, sua voz soando arrastada.
— Já? Eu estou achando ótima a vista.
— Eu vou gozar nos lençóis. — reclamou, levando uma das mãos até sua ereção negligenciada para apertá-la entre os dedos. ia enlouquecê-lo.
— Você vai gozar nos lençóis de qualquer jeito. — ele riu, e urrou em frustração, logo se derretendo em outro gemido quando intensificou os movimentos dentro dele.
— Porra… — suspirou, agarrando-se aos lençóis com a mão livre. Estava lutando muito para não se masturbar e se permitir gozar de uma vez.
Ouviu rir novamente atrás dele, divertindo-se com seu sofrimento, e se apoiou na cama para levantar. Estava disposto a conseguir o que queria, nem que tivesse que se sentar nele, mas antes que tivesse a chance, finalmente tirou os dedos de dentro dele.
— Tão apressado… — provocou.
— Vai logo, .
Sem dizer mais nada, o loiro apenas empurrou uma de suas pernas para frente, fazendo com que lhe desse mais espaço para se mover. Satisfeito, o fez, suspirando em deleite quando finalmente se acomodou entre suas pernas, o invadindo com seu pau após vestí-lo com o preservativo.
escondeu o rosto no travesseiro para gemer mais alto, finalmente se lembrando de que não estavam sozinhos, mas o segurou pelos cabelos, fazendo com que virasse a cabeça.
— Eu quero te ouvir.
— Não estamos sozinhos.
— Eles podem dar um jeito nisso se não quiserem ouvir. — respondeu, e se lembrou, magia.
Ainda seria vergonhoso pensar que teriam que usar magia para inibir seus gemidos, mas não teve muito tempo para pensar sobre isso. Seus pensamentos voltaram a nublar assim que estocou dentro dele pela primeira vez.
gemeu novamente, ainda mais alto.
— Continua. — pediu, quando apenas parou dentro dele, o esperando se acostumar. rebolou contra seu pau e o segurou com firmeza pelo quadril, finalmente dando a ele o que queria.
passou a se mover dentro dele no instante seguinte, rápido e com força, e rapidamente se perdeu em meio a seus próprios gemidos, se agarrando aos lençóis como se a sua vida dependesse disso.
Se sentia cheio, até a borda e se viu babando nos lençóis antes mesmo que achasse sua próstata. Quando achou, gemeu alto, o suficiente para se envergonhar mais tarde, mas não pensou sobre isso. Não conseguia pensar sobre nada enquanto se movia dentro dele, atingindo repetitivamente aquele mesmo ponto que o fazia ver estrelas.
o agarrava com força pela cintura, o suficiente para lhe deixar marcas, e não se importou, muito pelo contrário. Cada vez que o quadril de batia com força em sua bunda, completamente marcada com seus dentes, ele suspirava com a pontinha de dor que sentia com isso.
o segurou pelas nádegas, as abrindo para ir mais fundo, e se esfregou contra a cama, sentindo-se prestes a gozar.
acelerou os movimentos, excitado com a visão que tinha ali de trás, e voltou a esconder o rosto nos travesseiros, querendo chorar por não poder tocar seu pau preso entre sua barriga e a cama. Estava enlouquecendo.
Quando o puxou para mais perto, se aproveitou para afastar-se do colchão, levando uma das mãos até sua ereção. Ele gemeu alto quando a apertou entre os dedos e , notando isso, circulou seu pescoço com um dos braços, o puxando para sí para que se levantasse. Suas costas colaram ao peito do outro e deixou sua cabeça cair para trás, em seus ombros, revirando os olhos. As estocadas iam mais fundo naquela posição. ficou completamente sem fôlego.
O loiro levou a mão até seu pau para masturbá-lo, mas antes que realmente o tocasse, gozou, se derramando enquanto ia fundo dentro dele.
Exausto, amoleceu em seus braços, mas seguiu gemendo enquanto continuava a invadí-lo, o masturbando devagar até que não restasse mais nenhuma gota.
Quando finalmente veio, gemeu contra seu pescoço, fazendo se arrepiar completamente. deixou beijos ali, sutilmente puxando o rosto de para o lado até que sua língua finalmente invadisse sua boca, como queria desde o início.
correspondeu, sequer lembrando que tinha lhe evitado a princípio.
— Nós nem escovamos os dentes. — reclamou quando finalmente se afastou, mas o único gosto entre eles era do pré-gozo de após tê-lo chupado.
— Coloca meu pau na boca e tem frescura com a porra de um beijo. — o loiro respondeu, fazendo-o rir apesar da exaustão. — Vamos tomar um banho, e então podemos escovar os dentes.
— Você já teve seu beijo, por hoje chega. É o que você ganha por ter roubado ele. — resmungou, se deixando cair para frente, de volta na cama. Estava novamente cansado, poderia tranquilamente dormir por mais uma horinha. A cama de era macia e bem mais confortável que a sua em casa.
— Deixa de ser preguiçoso. — o puxou pelos pés. — Se você tivesse noção de como sua bunda está bonita agora não virava ela de novo pra mim.
— Eu tenho certeza que posso imaginar. Fui eu quem sentiu seus dentes.
— Mas não estava reclamando antes. — retrucou. — Vamos, se levantar eu passo creminho na sua bundinha. — provocou, e urrou de vergonha alheia.
— Não se atreva a falar "bundinha" perto de mim de novo. — reclamou, fazendo rir.
— Então levanta daí. — o puxou novamente pelas pernas, e após reclamar mais uma vez, finalmente obedeceu.
realmente insistiu em passar creme na sua bunda e quase chutou a dele por isso. Até apreciava o cuidado, mas creme na bunda era um pouco demais para ele.
Por fim, se jogaram de volta na cama com os lençóis já trocados depois de um banho e por pouco não voltou a dormir enquanto esperava voltar com algo para comer.
também tinha pedido para que ele sondasse se os outros na casa o tinham escutado gemer enquanto o fodia e não ficou surpreso quando ele deu uma resposta evasiva.
Claro que tinham escutado e claro que ia tentar poupá-lo do constrangimento. Uma pena que não deu certo.
Foi a primeira vez que odiou saber quando as pessoas estavam mentindo. Aquele era o tipo de coisa que ele preferiria manter na ignorância. Se não soubesse que tinham escutado, não morreria de vergonha em pensar que teria de encará-los para ir embora. Precisaria sair feito um fugitivo, se escondendo para não esbarrar em ninguém.
Pelo menos a casa era grande o suficiente para que isso fosse possível.
O clã era, obviamente, rico. O quarto de tinha dois ambientes e uma suíte enorme só pra ele, com uma banheira que sozinha era maior que o banheiro inteiro que tinha em casa, para dividir com três pessoas. Não tinha andado muito por aí ou realmente reparado nos ambientes, mas pelo que já tinha dito, eles possuíam pelo menos cinco quartos. A sala, até onde se lembrava, era enorme, assim como a área onde jantaram na noite anterior.
Nas duas vezes em que esteve ali, dormiu o caminho inteiro. Não tinha idéia de onde ficava o lugar, mas era cercado de verde em uma área claramente particular.
Se não eram todos ricos, pelo menos era, mas veterinários ganhavam tão bem assim? não tinha ideia de como funcionava essa coisa de clã ou como se sustentavam no mundo mágico. Existiam profissões específicas naquela outra realidade? Provavelmente sim, tinha um cargo específico, mas e os outros?
Quanto mais pensava, mais perguntas surgiam em sua mente.
Ainda estava com em seu quarto, o loiro quieto como raramente ficava e desconfiava que fosse justamente para lhe dar espaço para fazer perguntas. Tinham contado os principais pontos na noite anterior, em especial os que o envolviam, mas agora podia ver que tinha muito mais além disso para se questionar.
Ele só não sabia por onde começar, ou como iniciar o assunto.
— Então... — ele pigarreou, e , sentado ao seu lado, o encarou. Já estavam vestidos, embora tivesse se limitado a uma bermuda justa demais para ser saudável. — Realmente não é uma república, né. — comentou, e acabou rindo.
— Essa é a única pergunta que surgiu na sua mente? — levou um pedaço de carne à boca. Eram sobras da noite anterior, mas considerando o quão faminto estava, comeria qualquer coisa.
Já se passava do meio dia e sua última refeição tinha sido o jantar que ele mal havia comido.
— Só estou tentando entender como funciona essa coisa de clã. — se justificou.
— Certo, certo. — se acomodou melhor contra a cabeceira, como se precisasse se preparar para iniciar uma longa história. se viu ansioso. — Bom, todo bruxo tem um clã. É uma questão de necessidade. Precisamos de um porque somos mais fortes assim. Usar magia demanda energia, o que pode levar ao esgotamento. Mesmo que nós não tenhamos magias compatíveis, podemos usar a energia do outro se for necessário, caso estejamos esgotados por algum motivo. — explicou, e concordou com a cabeça, esperando-o continuar. — Nascemos inseridos em um clã familiar, mas ao longo da vida, é normal que as pessoas escolham seu próprio clã para fazer parte. Não deixa de ser uma família, é assim que vemos os clãs no nosso mundo, mas é uma família que a gente escolhe pertencer. Raramente acontece de alguém renegar o clã ou simplesmente trocar para outro. Normalmente, depois de escolhido, o clã é para sempre.
— Vocês não brigam ou cansam da cara um do outro?
— Brigamos às vezes, sim. Mas acho que a magia que nos junta como um clã também nos aproxima como pessoas. Mesmo que haja diferenças entre a gente, nos amamos. Morreríamos um pelo outro. Para um bruxo, a ideia de se separar do seu clã ou traí-los é dolorosa.
— E é obrigatório morar na mesma casa? — voltou a perguntar, lembrando-se de continuar comendo apenas quando pegou outro pedaço de carne.
— Não é uma regra, mas nunca conheci um clã que não morasse. Normalmente, não conseguimos ficar muito tempo longe. Além disso, também somos fortes quando estamos juntos. É como se nossa energia se recuperasse mais rápido assim. — pensou um pouco. — Acaba sendo mais confortável também. Se acontecer algo, temos um ao outro. Também podemos saber se estamos todos bem e seguros.
— Do que exatamente vocês precisam se proteger? — voltou a perguntar, reparando na ênfase que tinha dado àquilo. Pensou em guerras, como nos filmes, mas logo se deu conta de que não precisava de tanto.
Se homens comuns já faziam tanto estrago, o que faria uma pessoa capaz de usar magia?
— Nunca se sabe. — deu de ombros. — De tempos em tempos sempre surge uma pessoa movida à ganância tentando dominar o mundo. A história está aí pra provar. Imagina o estrago se essa pessoa puder usar magia? — explicou, mas meio que já tinha concluído aquilo. — Além disso, é ministro e é líder da nossa força policial. Faria sentido tentar ameaçá-los de alguma forma. São cargos importantes dentro do nosso mundo.
concordou com a cabeça. Sua resposta também explicava as perguntas que ele não tinha feito ainda sobre cargos no mundo mágico e de onde saia o dinheiro. Eles aparentemente eram importantes de alguma forma. Fazia sentido.
já tinha a próxima pergunta formada em sua mente quando , repentinamente, puxou sua mão. Distraído, não notou que segurava o hashi entre os dentes, mordendo os pauzinhos enquanto o ouvia falar.
— Não é isso que é pra comer. — falou, colocando outro pedaço de carne em sua boca com o próprio hashi e , sem jeito, acabou aceitando. Era algo que ele fazia quando estava distraído, morder coisas. Ficou meio constrangido que tivesse notado, mesmo que não fosse nada demais. riu quando desviou o olhar, mas não disse nada sobre o assunto. — Mais alguma pergunta?
— O que exatamente implica ser um ministro? — questionou, após mastigar, mas focou em pegar mais comida ao invés de encarar novamente. — É mais como nosso governo ou algo estilo Harry Potter?
— Nenhum dos dois, eu acho. Nossas leis são regidas por um conselho mágico, com representantes escolhidos pela população. Todos que fazem parte desse conselho são ministros que trabalham no nosso ministério. No geral, temos um ministro para representar cada um dos principais tipos de poder, as classes mágicas, já que o objetivo do conselho é garantir representatividade para todas elas. São eles que criam e modificam nossas leis se necessário e também são eles que detêm o poder de julgar e sentenciar qualquer crime. — explicou, e somente ali já criou tantas novas perguntas que cogitou a ideia de puxar o celular para começar a anotar. — Acima dos ministros, garantindo que eles mesmos se mantenham em ordem, temos nosso Mago Supremo, que é quem dá sempre a última palavra, como um presidente.
— Tá, calma. Classes mágicas? — perguntou, mal se dando conta que havia voltado a morder o hashi até puxar sua mão novamente.
bufou, soltando os pauzinhos dentro da tigela entre eles.
— Cada bruxo tem um tipo de poder, você já sabe disso. — voltou a explicar. — Eu controlo a luz, você as sombras, etc. Esses poderes são divididos em classes. Os naturais, por exemplo, vêm da natureza. é um ilusionista, ele representa a classe de poderes mentais.
— Certo, e como isso funciona? Você controla a luz, então só pode fazer magia relacionada a isso? Você poderia esquentar água tocando nela, por exemplo, mas não esfriar? E o ? Ele não poderia fazer isso, mas pode controlar a mente das pessoas?
fez uma careta, não gostando daquela última parte. Alguém que podia controlar sua mente não parecia uma pessoa confiável para se ter por perto. Não gostava da ideia de ter alguém em sua cabeça, controlando seus pensamentos.
Não que fosse isso que fazia, mas não estava muito longe se estivesse interpretando corretamente a palavra ilusionista.
— A magia está dentro de nós, faz parte de quem nós somos. Por isso não conseguimos viver sem ela e por isso drenamos nossa energia quando usamos demais, porém esse é o motivo também pelo qual todos nós podemos fazer truques básicos sem precisar usar nossa classe e especialidade, normalmente truques vindo da manipulação dos elementos. É algo natural para nós, entende? Fora algumas especialidades que conseguimos aprender, como a cura, mas isso não vem ao caso. O ponto é, além disso, cada bruxo possui uma especialidade, um poder predominante, que nasce com ele. É o caso da luz, das sombras, ou o ilusionismo do . Essa especialidade é o que define o que somos e apesar de conseguirmos usar magia básica, sem ele não conseguimos sobreviver, a magia não seria o suficiente. Explicando isso na prática, , por exemplo, é da classe de naturais, com o poder de manipular plantas, mas ele pode fazer um copo de água esquentar em segundos já que é magia básica, feita a partir de um elemento da natureza, o fogo. Porém somente um bruxo de fogo seria imune ao fogo, assim como somente um bruxo da luz poderia usar fotocinese para criar clones de sí mesmo. Essas coisas já deixam de ser um truque básico de manipulação de elementos.
— Espera, você pode criar clones de sí mesmo?! — o encarou espantado. Tinha sido uma explicação longa, com muitas informações importantes, mas o final o chocou o suficiente para que esquecesse todo o resto.
acabou rindo.
— Não, mas pode.
— Por que não? Você não é um bruxo da luz como ele?
— Eu não nasci como um, lembra? — explicou, e voltou a concordar com a cabeça. deveria ser um bruxo das sombras, ele tinha lhe dito isso. — Não é tão natural para mim quanto é para ele. Não domino totalmente o poder da luz.
— Que chato.
— É, um pouco. — ele riu novamente, levando comida à boca de mais uma vez. Anteriormente, tinha aceitado porque estava constrangido demais para discutir. Pensou em negar agora, aquilo era um pouco de cuidado demais, mas não parecia estar fazendo daquilo uma grande coisa então apenas abriu a boca ao invés de discutir.
Se sentiu envergonhado e até corou um pouco, mas fingiu que não, já passando para a próxima pergunta.
— E qual a especialidade dos outros? — questionou, enquanto mastigava com as bochechas cheias.
— é um empata, ele pode sentir o que as outras pessoas sentem emocionalmente. — explicou, e imediatamente parou de mastigar. Se podia sentir então também podia manipular. Imediatamente deduziu que era por isso que parecia tão legal e porque a ideia de chateá-lo era tão horrível. Os dois tinham lhe manipulado para aceitar sair com eles. — Não, não, não! Eu sei o que você está pensando, mas está errado! — se defendeu rapidamente. — Nós não te manipulamos de nenhuma forma, eu juro! Quer dizer, não da forma como você está pensando. — ele urrou, frustrado, mas apenas estreitou os olhos. Ele estava dizendo a verdade e isso o fez relaxar um pouco, mas ainda se sentia desconfiado. — Isso soou péssimo, eu sei, mas vou explicar, espera.
— Uhm...
— Eu levei o aquele dia porque sabia que você não ia conseguir dizer não pra ele. Não deixa de ser manipulação, eu sei, mas não usamos magia, é isso que eu estou tentando dizer. Empatas normalmente são pessoas que todo mundo gosta. É como a energia da luz, que aproxima as pessoas, e a das sombras, que afasta. É natural, entende? Todo mundo gosta do , foi por isso que eu o levei. — disse, e acreditou nele. estava dizendo a verdade e também tinha um bom motivo. Podia lidar com isso. Porém, notando como o outro parecia desesperado para se justificar, apenas cruzou os braços, o encarando de forma que ele sabia ser intimidadora.
— Continue... — pediu. Não sabia se tinha realmente mais a dizer, achava que não, mas a forma como ele lhe encarou cheio de culpa foi resposta o suficiente.
— também sugeriu usar para sentir se você era uma pessoa boa ou se estava só fingindo não saber sobre magia. Não foi por mal, estávamos tentando nos proteger.
— E o que ele sentiu?
— Bom, estamos aqui, certo? Acreditamos em você e queremos ajudar.
— Uhm... — voltou a relaxar, mas tentou não demonstrar isso a ainda, por via das dúvidas. — E o último?
— é um telepata.
— Telepata? — se surpreendeu novamente, perdendo totalmente a compostura. — Ele lê mentes?
Era definitivamente um poder legal, mas se achava difícil confiar em um ilusionista, imagina alguém que podia ler mentes.
Bom, se você não tivesse nada a esconder, não seria um problema, diferente de . podia literalmente te fazer ver coisas que não existiam.
— Sim, mas não é como nos filmes. Ele não escuta todo mundo o tempo todo sem controle nenhum, ele precisa querer acessar sua mente para fazer isso e normalmente as pessoas podem sentir que ele está lá.
Isso mudava bastante as coisas. Se fosse o contrário, seria uma surpresa para que alguém o tivesse aceitado para fazer parte de um clã. Ninguém quer dar livre acesso a sua cabeça para outra pessoa. Existe um abismo entre pensar e falar. Se algo não é dito, é porque não deve ser dito, e tem acesso a esse tipo de coisa. odiaria não ter privacidade em sua própria cabeça.
— Quantos vocês são, afinal? — voltou a perguntar, dando-se conta de que existia todo um mundo de coisas e pessoas que ele não conhecia, um universo paralelo coexistindo junto do seu sem que ele tivesse ideia. — Como é possível existir tudo isso sem que ninguém saiba?
— "Nós somos". Você também faz parte disso, apenas não sabia ainda. — o lembrou. — Mas somos apenas uma minoria, por isso é mais fácil manter tudo em privado.
— Mas Mochi, ele parou um carro ontem, em público. Todas as pessoas dentro do café podem ter visto, ou nas outras lojas ao redor.
— Sim, mas faz parte da natureza das pessoas buscar uma explicação lógica sempre que elas vêem algo que não entendem. A maioria provavelmente deve ter deduzido que o próprio motorista parou o carro, só porque seria absurdo demais a ideia de um gato fazer isso. Porém, se for necessário, nós também temos um departamento no ministério apenas para limpar esse tipo de bagunça, manter o equilíbrio entre as coisas e sumir com qualquer manifestação mágica que o cérebro humano não consiga explicar. É nossa obrigação acionar esse departamento sempre que algo assim acontece e nós fizemos isso ontem, quando avisamos o .
— trabalha nesse departamento?
— É chefe dele, na verdade. — respondeu, e mais uma vez concordou com a cabeça.
Bom, o dinheiro que eles tinham definitivamente fazia sentido, mas saber com o que a maioria trabalhava o fez questionar a posição do próprio nisso tudo.
Ele estava mesmo na universidade? Ele e tinham a mesma idade, já sabia disso. Como que um tinha se tornado líder de um departamento enquanto o outro era universitário? Todos pareciam tão jovens, mas já era veterinário, mesmo tendo perdido anos com medicina. E não tinha mentido quando disse isso. Se tivesse, até cogitaria que a faculdade era uma desculpa para que o outro usasse magia para curá-lo, mas não mentiu. tinha, de fato, cursado medicina. No dia não parou para pensar sobre isso, mas não era velho o suficiente para ter feito isso tudo.
estreitou os olhos para , desconfiado.
— O quê?
— Você não está na casa dos vinte anos, está? — questionou, mas soube a resposta assim que , ao invés de responder, apenas fez um barulho estranho com a boca. — Quantos anos você tem?!
— Noventa e três. — confessou e imediatamente ajeitou a postura, se virando na cama para ficar frente a frente com ele.
— Como é? Isso é sério?
— É...
— Porra, eu tenho vinte e três! Isso não é tipo um crime ou algo assim?!
, que até então parecia envergonhado, o encarou indignado.
— E por que seria?! Eu estou te desvirtuando por acaso?!
Dessa vez, quem ficou constrangido foi . Tinha sido uma pergunta idiota, e ele optou por voltar ao seu lugar em silêncio.
Era realmente uma grande diferença de idade, mas não era como se fosse um idoso corrompendo uma criança inocente. Bom, idade de velho ele tinha, mas sua aparência era de alguém com no máximo vinte e cinco anos. Além disso, era um adulto plenamente capaz de fazer suas próprias escolhas e tinha escolhido estar ali.
Mas ainda assim, porra, noventa e três anos. se sentiu realmente um pirralho. tinha toda experiência do mundo sobre absolutamente tudo e ele tinha, basicamente, problemas familiares.
Diante do seu silêncio, voltou a falar.
— Se você realmente não se sentir confortável...
— Não é isso, relaxa. — o interrompeu rapidamente. — Não é como se eu fosse virgem ou algo assim.
— Então qual é o problema?
— Você já viveu noventa e três anos! Faz todo o sentido do mundo me tratar feito um pirralho, são setenta anos de diferença. E você? Como que você aguenta estar na faculdade? Por que raios você está na faculdade?!
— Tá, uma coisa de cada vez. não te trata como um pirralho por causa da sua idade. não gosta de você porque tem medo. Na revolta que meu pai e meu irmão iniciaram, o clã familiar dele foi dizimado. Ele tem medo por mim, me envolvendo com um bruxo das sombras, e por mais que sua preocupação demonstre que ele se importa, não deixa de ser preconceito. É um bom exemplo de que maturidade e idade nem sempre andam juntos. Se ele com noventa e três anos está sendo imaturo, você não é um pirralho só porque viveu menos.
— Mas eu não tenho nem metade da experiência de vida que vocês têm.
— E daí? Me pede pra conectar o spotify no som do meu carro e você vai ver que isso não diz nada. — respondeu, fazendo rir.
— Mas e a universidade? O que você está fazendo lá?
— Veterinária. — falou o óbvio, e lançou a ele um olhar cheio de julgamento. riu, mas voltou a falar em seguida. — Eu trabalho com o na clínica. Estou fazendo veterinária para tratar os animais, mas também estou aprendendo magia de cura com ele, embora seja mais focado nos bichos também. E antes que você pergunte, estou tão atrasado em relação aos outros por que perdi muitos anos da minha vida focado em me vingar do meu pai. Muitos anos antes de ter tentado o golpe, fez com que minha mãe fosse presa e mentiu pra mim sobre isso. Passei minha infância inteira achando que ela tinha morrido.
— Que? — arregalou os olhos, sentindo que tinha perdido uma parte enorme da história. — Como assim?
— Lembra que te explicamos sobre eu e dividirmos a mesma magia?
— Sim.
— Bom, eu nasci sem poder o suficiente das sombras pra me manter vivo e foi minha mãe, junto da mãe dele, que fez o ritual para compartilhar a magia do comigo. Eu sobrevivi graças a isso, mas meu pai era o tipo de pessoa que se achava superior a todas as outras. Magia da luz é o oposto da magia das sombras e ele era preconceituoso o suficiente para odiar qualquer bruxo da luz. Quando soube que seu filho mais novo era da classe que ele mais odiava, meu pai me odiou também. Para punir minha mãe, a incriminou por um crime que ela nunca tinha cometido e disse para todos que ela tinha se suicidado por arrependimento do que fez.
— E ele preferia que você tivesse morrido?!
— Sim, preferia. E a prova disso é que bruxos como eu precisam crescer junto do seu irmão de magia e ele fez questão de me afastar do . Eu fui uma criança muito doente e não sabia porquê. Também é por isso que eu não consigo controlar direito a magia da luz hoje em dia. Eu só encontrei de novo quando tinha dezoito anos, quando fui embora de casa. Vivi no clã familiar dele até os trinta e oito, quando minha mãe morreu de verdade e eu descobri o que meu pai tinha feito com ela. Levou cinco anos para que eu conseguisse me vingar, mas não voltei para o , fiquei com vergonha. Meu irmão tinha destruído o clã dele, achei que ele ia me odiar também. Eu só tomei jeito quando me juntei ao meu clã atual, muitos anos depois, quando o me achou de novo e disse que nunca tinha me culpado.
Quando terminou de falar, se viu meio chocado. Era uma história de merda. tinha passado tanto tempo remoendo sua própria autopiedade e a história de era bem pior que a sua.
Se perguntou se deveria consolá-lo ou algo assim, mas não tinha a menor ideia de como fazer isso.
— E eu achando que os meus problemas familiares eram ruins. — brincou, tentando aliviar o clima, e por sorte riu.
— Bom, pelo menos os meus não existem mais. — piorou ainda mais o comentário e foi a vez de de rir.
— Você acha que meus pais são mesmo meus pais? — voltou a questionar, depois de alguns segundos de silêncio.
— Isso eu já não sei te dizer.
— Mas você tem uma teoria. — retrucou, e mesmo não parecendo muito feliz por falar sobre o assunto, o fez.
— Eu acho que o Mochi é o ponto. Um bruxo da sua linhagem teve que morrer pra ele te procurar e como você mesmo disse, não soube da morte de nenhum parente. Alguma coisa está errada, ou então eles estão te escondendo alguma coisa.
Pensando nisso, suspirou. Não conseguia ver alguém como seu pai adotando uma criança por amor no coração. Duvidava até que ele tivesse um. Ele odiava , claro, mas odiava igualmente sua irmã, então não dava para dizer que tratava como tratava por não ser seu filho. Talvez ele não soubesse? sempre ouviu que tinha os olhos de sua mãe, então o ponto talvez fosse ela. Não a julgaria por ter se envolvido com outro homem considerando o quão desprezível seu pai era.
decidiu ali que falaria com ela. Se era mesmo filho da mulher, e não duvidava disso, seu pai era o ponto e somente ela saberia alguma coisa sobre o assunto.
Antes que pudesse contar isso a , no entanto, seu celular se acendeu sobre a mesa de cabeceira e o nome da mulher brilhou no visor.
Estava na hora de voltar para casa. Era bom que começasse a pensar em como abordar esse assunto com sua mãe.
não era o pai de Jihyo, mas novamente estava responsável por ela. Gostava de crianças e amava a irmã, não era um incômodo ficar com a menina, mas não deixava de ser frustrante a forma como seus pais apenas a jogavam para ele sempre que podiam, sem perguntar se ele tinha algum compromisso. não era mais um adolescente cuja única obrigação era com os estudos. Estudar já não era fácil, mas quando você ajuda a sustentar a casa, o argumento de que você deve isso aos seus pais já não funciona mais.
Mas pelo menos, estando junto da menina sabia que ela estava segura.
Quando contou que teria que ir embora para cuidar da irmã, sugeriu de usarem a oportunidade para que verificasse se estava tudo bem com ela. A princípio, sentiu vergonha de pensar que teria que encarar alguém do clã tão cedo, depois de todo o barulho que tinham feito àquela manhã, mas era por uma boa causa e acabou aceitando.
Com os dois junto, não conseguiria falar com sua mãe, mas isso já não aconteceria agora de qualquer forma, considerando que seu pai e sua irmã também estariam em casa. Precisava falar com ela a sós.
Por fim, buscaram Jihyo e a levaram para tomar sorvete e, após verificar que de fato estava tudo bem com ela, estavam andando a pé até um parquinho ali perto. andava na frente, de mãos dadas com a menina, enquanto andava mais atrás com .
— ie, ieo, olha! — a menina gritou, olhando para trás para encará-lo. — Jihyo consegue pular muito alto!
Ela se voltou para frente de novo quando a encarou e pulou para passar por uma poça de água sem molhar os pés. Era uma poça grande demais para que ela conseguisse pular sozinha e foi quem a fez pular mais alto, erguendo seu braço para que ela conseguisse se manter mais tempo no ar.
Jihyo gargalhou animada quando voltou para o chão.
— Viu? Você viu?! — perguntou para .
— Vi sim, quase uma saltadora profissional. — a respondeu, e ela gargalhou animada, praticamente arrastando para a próxima poça para pular mais uma vez.
sorriu enquanto olhava para os dois brincando juntos, mas não pôde deixar de ficar receoso. Realmente esperava que não se cansasse dele repentinamente como todo mundo, porque sua irmã se apegava às pessoas muito mais fácil do que ele. Bastou sair com uma vez e ela correu para abraçá-lo quando chegou com ele em casa. Tinha certeza que depois dessa ida ao parquinho, ela passaria a perguntar dele toda semana.
Pensar nisso também fez questionar o que seria de sua irmã se ele morresse. A responsabilidade de cuidar dela era sua na maior parte do tempo. Era também quem se preocupava em saber se ela estava alimentada e cuidada. Era ele quem comprava as coisas que ela gostava e saia com ela para passear, mas principalmente era com ele que ela era apegada, quem ela procurava quando tinha um pesadelo e de quem ela dependia emocionalmente.
definitivamente não gostou de pensar nisso.
— Você realmente acha que temos chance? — perguntou para , enquanto via Jihyo correr de mãos dadas com até o balanço livre. Quando o outro o encarou com confusão, continuou. — De descobrir e resolver o que está acontecendo comigo.
Ao invés de apenas responder, suspirou, e para isso foi resposta o suficiente. Se ele pudesse mentir, certamente o faria, mas sabia que não podia. Isso tornava as coisas mais difíceis para ele.
— Não sei te responder essa pergunta. — foi sincero. — É complicado quando sequer sabemos o que procurar, mas eu estou realmente tentando. Quero e espero conseguir e posso te prometer que vou fazer o possível.
Era uma boa resposta, mas infelizmente, não conhecia o suficiente para saber suas chances diante disso.
— Sua preocupação é com ela? — voltou a falar, olhando para Jihyo que agora era empurrada no balanço por um sorridente.
— Ela tem meus pais, mas digamos que eu não confie muito neles pra isso. — respondeu, evitando realmente falar muito sobre sua vida. Querendo ou não, eles ainda eram praticamente estranhos.
— Se o pior acontecer, podemos verificá-la de vez em quando se isso fizer você se sentir melhor, mas vamos fazer o possível para que não seja necessário. Se fizeram isso com você o feitiço existe e se existe alguém tem que saber.
— Eu me pareço demais com minha mãe para não ser filho dela. Vou tentar falar com ela sobre isso.
— Perfeito. E na segunda peço para te levar alguns livros para me ajudar a pesquisar. Não é difícil saber o que estamos procurando. Qualquer referência a ocultar magia ou tirar a magia de algum indivíduo. — concordou com a cabeça. — Vamos torcer também para que até lá Mochi já tenha aparecido, mas duvido que ele passe muito tempo longe.
Mochi, que seria de grande ajuda agora, simplesmente estava desaparecido. Desde sexta-feira, quando chegaram à pensão onde o clã morava, que não via o gato. Era óbvio que estava certo e ele propositalmente estava tentando se esconder, mas não conseguia ver sentido nisso. Se ele morresse, Mochi morria junto, então não devia ser de interesse do gato que eles descobrissem o que estava acontecendo com ? Saber quem era seu parente mágico definitivamente ajudaria nisso, então porque ele não deixava que descobrissem?
achava que ele queria proteger seu dono anterior por algum motivo, mas às custas de sua própria vida? disse que tudo dependia de quanto tempo Mochi tinha vivido com o dono anterior. Fazia sentido, mas ainda não estava muito convencido de que ele não tinha se machucado ao parar um carro em movimento.
— Tem certeza que ele está mesmo bem? — questionou , que tinha verificado o gato no dia anterior.
— Tenho. Ele provavelmente está escondendo sua verdadeira forma, como sugeriu. Minha teoria é de que ele espera que a gente consiga te ajudar sem denunciar seu antigo dono, mas eu estou certo de que se não conseguirmos a tempo, ele mesmo vai fazer isso.
realmente esperava que sim, mas depois de descobrir todo um novo mundo em paralelo ao seu, já não tinha mais certeza de nada.
pulou na cama ao acordar no meio da madrugada na segunda-feira. Achou ter escutado um barulho em sua janela, mas poderia também ter apenas sonhado. Jihyo estava dormindo ao seu lado, encolhida embaixo das cobertas, e sua tranquilidade fez suspirar. Se apenas ele tinha ouvido, então provavelmente tinha sido um sonho.
Ele fechou os olhos para voltar a dormir, mas uma segunda batida o fez abrir os olhos novamente, agora preocupado. Já se passava das três da manhã, nenhum barulho na janela as três da manhã podia ser um bom sinal.
Com cuidado para não acordar sua irmã, levantou da cama bem em tempo de ver o trinco se mover. Sua janela dava para uma sacada em frente para a rua. Era uma porta de correr, na verdade, de vidro, mas estava escondida atrás de uma cortina escura. não conseguia ver nada do outro lado, mas sabia que estava em uma altura bem fácil de escalar.
Depois de descobrir sobre magia, torceu sinceramente para que fosse apenas um ladrão comum, mas nesse caso, teria sido muito mais fácil para ele apenas quebrar o vidro. E não adiantava dizer que ele queria passar despercebido. Seria impossível com aquelas batidas altas na janela.
Cogitou a possibilidade de ser , mas ele poderia apenas usar magia para entrar sem fazer qualquer alarde. Mesmo assim, talvez em um ato de esperança, pensou em olhar o celular. Se fosse o loiro ele certamente teria avisado, mas antes que o fizesse, a pessoa do outro lado conseguiu abrir, por fora, a janela que estava trancada por dentro.
Magia, definitivamente, mas não teve tempo de fazer nada antes da porta se abrir e Mochi passar por ela, belo e pleno, como se não tivesse desaparecido por dias. ficou indignado. Era muita audácia daquele gato nojento acordá-lo no meio da madrugada depois de sumir o final de semana inteiro.
Como se não tivesse feito nada demais, Mochi miou uma vez em sua direção antes de pular em sua cama tranquilamente, começando a se acomodar ao lado de sua irmã para dormir junto dela.
— Sério isso? — repreendeu o bicho. — Onde você se meteu?
O gato miou mais uma vez em sua direção, mas deu as costas para ele no instante seguinte, como se dissesse que não queria conversa. bufou e seguiu para fechar a janela que ele havia aberto, mas antes que voltasse para cama, algo quebrou no andar inferior e ele pulou de susto mais uma vez.
Agora era sua mãe, pôde ouví-la xingar no andar inferior. Pensou em deixar para lá, já era tarde e ela provavelmente estava voltando do serviço, mas ao olhar para irmã lembrou-se do quão urgente era o assunto que tinha para tratar com ela.
desceu as escadas e a encontrou na cozinha, esquentando o prato de comida que tinha deixado para ela no microondas.
— Mãe? — a chamou ao entrar no cômodo e a mulher pulou de susto, levando uma das mãos até o peito.
— , por Deus. — ela suspirou, tentando se acalmar.
— Está tudo bem? Ouvi alguma coisa quebrando.
— Sim, foi um copo. Descuido meu. Pode voltar para a cama, querido.
concordou com a cabeça, mas não atendeu ao seu pedido. O microondas apitou e a mulher se virou para pegar o jantar, mas voltou a se assustar quando se deparou com ali ainda.
— Está tudo bem? — foi ela quem perguntou dessa vez.
— Sim, mas eu queria conversar sobre uma coisa.
— Claro, claro. Me acompanhe então. — ela apontou para o balcão que dividia a sala e a cozinha, o incentivando a se sentar, mas não se moveu, apenas esperou que ela fizesse isso enquanto pensava em como iniciar a conversa.
Se falasse direto sobre magia e ela não soubesse sobre isso, corria o risco dela dizer que ele tinha perdido o juízo. Poderia até achar que os episódios de convulsão já tinham lhe causado sequelas.
Até onde tinha entendido, era de fato possível nascer bruxo sem nenhum parente mágico, mesmo que realmente acreditasse que ela sabia sim de alguma coisa. Como tinha dito, Mochi era a pista e se esse parente mágico existia, era difícil acreditar que ela não soubesse, já que não tinha dúvidas de que era filho biológico de sua mãe.
Seu melhor chute era que seu pai não era seu pai de verdade, ele só não sabia se era porque a idéia era realmente boa ou por esperança de não compartilhar o DNA com alguém como ele.
— , está se sentindo bem? Você está me assustando. — ela voltou a falar quando ele não disse nada.
— Mãe, Sunwoo é mesmo meu pai? — soltou de uma vez só, sem realmente pensar se aquele era o melhor plano.
Pela forma como a mulher arregalou os olhos, talvez não tivesse sido.
— , que espécie de pergunta é essa? Você é a cara dele, de quem mais seria filho?
tinha espelho em casa para saber que aquilo não era verdade, mas mesmo assim sentiu a mentira em suas palavras. Nem ela achava aquilo.
— Nós dois sabemos que eu não me pareço nada com ele, mãe.
— Pelo amor de Deus, . A uma hora dessas. — parecendo irritada, a mulher se levantou do balcão. — Vou comer no meu quarto.
— Se você não tem nada a esconder, porque está fugindo?
— Fugindo, ? Me poupe, por favor. — ela bufou, parecendo irritada, o que não era muito comum. Sua mãe era passiva até demais e achou aquela atitude no mínimo suspeita. — Quase quatro horas da manhã, eu chego em casa exausta depois de passar a noite limpando vômito na emergência do hospital e sou obrigada a ouvir esse tipo de asneira? Quem está colocando bobagens na sua cabeça? Você não acha que é grandinho demais pra esse tipo de coisa?
Sem esperar uma resposta, a mulher pegou seu prato sobre o balcão e passou por ele rumo às escadas, mas decidiu arriscar.
— Eu sei sobre magia. — soltou, virando-se para ela em tempo de ver a mulher congelar no lugar.
Ela sabia e se sentiu furioso por isso. Alguém o tinha deixado doente e quem poderia ser mais suspeito do que a única pessoa que sabia sobre isso e nunca contou a ninguém?
— Foi você quem fez isso? — acusou. — Foi você que prendeu a magia dentro de mim? Você sabia esse tempo todo que eu não tenho epilepsia, que isso é um efeito colateral, e apenas deixou para lá?
A mulher imediatamente se voltou para ele.
— Você enlouqueceu de vez?! — ela parecia chocada com suas acusações, mas pôde ver quando sua expressão mudou para preocupação e ela deixou o prato que segurava sobre a mesa ao lado. — Você andou tendo outro episódio? — aproximou-se dele com as mãos estendidas. Exatamente como ele esperava, ela estava sugerindo que aquilo era algum delírio, sequela de outra convulsão.
deu um passo para trás.
— Eu estou perfeitamente bem.
— , você está falando sobre magia! Como pode estar bem?
— Se eu estou delirando porque você apenas não nega o que eu estou dizendo?
Ela o encarou como se ele fosse louco, mas nunca esteve tão lúcido. Ela tinha agido como se ele estivesse falando absurdos, mas não tinha negado com todas as letras para que ele soubesse se ela estava mentindo ou não.
— Eu sou filho do Sunwoo?
— , pelo amor de Deus!
— Para de por Deus no meio da conversa! — se estressou, aumentando o tom de voz sem perceber. Por sorte, Sunwoo não estava em casa, mas ainda seria uma péssima ideia acordar Jihyo. Ele apenas não se lembrou disso no momento. — Só diz "sim" ou "não".
— Claro que sim, ! O que você espera?!
sorriu sem humor. Era mentira.
— Foi você que fez isso comigo? — perguntou, mas se deu conta logo depois de que era uma pergunta burra. Ela não era uma bruxa então óbvio que não tinha feito nada. Se respondesse que "não" estaria dizendo a verdade. Ele precisava saber se ela tinha algum envolvimento com isso ou se ela sabia quem era seu pai.
— Isso o quê, ? Você está me deixando nervosa.
— Você sabia sobre magia?
— ...
— Sim ou não, mãe?! — insistiu. — Você sabia?
— Como eu poderia saber sobre algo que não existe, ?! — ela se exaltou também, finalmente perdendo a paciência. — É claro que não!
Mais uma mentira. Ela sabia. Só mais uma pergunta e se ela tivesse feito isso com ele então daria um jeito de arrancar a verdade da mulher, nem que precisasse recorrer a para isso.
— Você sabe quem fez isso comigo?
— Isso o que, ?! — ela ergueu o tom de voz, mas ele podia sentir o nervosismo em cada palavra que ela dizia. — Você não está falando coisa com coisa!
— Você sabe quem prendeu minha magia dentro de mim.
— Você não tem magia! — ela gritou, e para sua surpresa, a mulher estava falando a verdade. Não porque não tinha magia dentro dele, mas porque sua mãe acreditava que ele não tinha. Ela sabia sobre magia, mas não sabia que ele também era um bruxo. — Nós vamos no médico amanhã. — ela decidiu, voltando a pegar seu prato como se aquela conversa estivesse se encerrando ali. — Isso só pode ser alguma piora no seu quadro.
— Não existe quadro, mãe. Eu não tenho epilepsia. Eu sou como meu pai, meu verdadeiro pai.
— , pelo amor de...
— De Deus, tá. Eu sei quando você está mentindo, você não sabia que eu era como ele, mas agora está sabendo. Alguém tentou tirar a magia dentro de mim e precisamos reverter isso. Se você não sabe, então provavelmente foi meu verdadeiro pai quem fez. Ele deve estar morto agora, mas ainda pode ser uma pista. Quem era ele?
— Essa conversa está encerrada. — ela voltou a dar as costas para ele, continuando seu caminho até a escada.
— Não, não está. — foi atrás dela. — Quem era ele, mãe?
— Eu não sei! — ela gritou ao se virar para ele mais uma vez, e se assustou com sua reação. Por mais que já estivessem exaltados, agora sua mãe parecia realmente histérica e ele não esperava por isso.
Quando o susto passou, no entanto, veio a surpresa. Ela não estava mentindo. Como diabos ela não sabia quem era seu pai se fez um filho com ele?
sentiu seu sangue gelar quando a resposta surgiu em sua mente. passou a vida toda odiando um pai por ser um alcoólatra e o outro era um abusador? Mas se fosse o caso, como ela saberia sobre magia? Ele tinha usado seu poder contra ela? A possibilidade o deixou enojado.
Quando sua mãe se virou novamente para subir as escadas, não voltou a impedí-la.
Mesmo que ela não soubesse quem era seu pai, ainda tinha muitas coisas que ela podia ajudá-lo a descobrir. Alguém por parte da família de seu pai teve acesso a ele para fazer o que fizeram, mas seria cruel pressioná-la ainda mais.
Sentindo-se culpado, se deixou cair no sofá. Sua mãe também tinha sido uma vítima e ele a encheu de acusações.
— Calma lá. Você sabe que essa não é a única possibilidade, não sabe? — falou pela manhã, após contar para ele o que tinha descoberto.
Os dois estavam sentados em uma das mesas mais afastadas na biblioteca da universidade, que ainda estava vazia devido ao horário. tinha levado quatro livros para ler em busca de pistas sobre si mesmo e o garoto decidiu que aquilo era muito mais importante do que as aulas. Se morresse, as aulas não iriam importar de qualquer forma. Além disso, tinha descoberto que tinha literalmente todo o tempo do mundo para se formar mais tarde. Viveria centenas de anos.
Quando ele não respondeu nada, continuou.
— , ela pode simplesmente ter dormido com alguém que ela não conhecia em uma festa qualquer e engravidado. — sugeriu, e de repente foi como se um peso enorme saísse de seus ombros. suspirou, permitindo que o alívio o inundasse. — Ela não saber quem é de fato não nos ajuda, mas pode ter sido consensual mesmo assim.
— E como ela saberia sobre ele ser um bruxo se não o conhecia? — questionou ainda, embora torcesse para que também tivesse uma resposta para essa pergunta.
— O que exatamente você perguntou?
— Perguntei primeiro se ela sabia sobre magia e ela disse que não, mas era mentira. — explicou, muito bem ciente de onde Jimi queria chegar. Qualquer mínima palavra poderia interferir quando estava usando seu dom estranho. Lidava com ele há anos, sabia bem disso.
— Certo.
— E então eu perguntei se ela sabia quem prendeu minha magia dentro de mim e ela disse que eu não tinha magia. Sabemos que eu tenho, mas se ela não sabe então isso é verdade para ela.
— Certo, eu entendo isso. Mas você não percebe que as duas respostas podem sequer estar relacionadas? — perguntou, e olhou para ele como se tivesse acabado de dizer a maior loucura possível. Na sua cabeça era muito óbvio que eram sim relacionadas, mas apesar disso, sentiu certa esperança o inundar. Nunca antes torceu tanto para estar errado. — Ela pode saber sobre magia por centenas de motivos diferentes que não necessariamente seu pai. — explicou. — Ela podia saber por um amigo, ela podia saber porque você tinha outro parente na família que era um bruxo. Ela podia ter visto algo de outra pessoa, ou ela podia simplesmente ter ido numa festinha de bruxos ciente de onde estava se metendo, dormido com alguém sabendo que era um bruxo, mas sem realmente conhecê-lo.
— Festinha de bruxos com humanos?
— Antes das nossas leis serem tão rigorosas, eles faziam muito disso. Davam festinhas para alguns humanos selecionados só para inflar o próprio ego. Os humanos ficam se achando especiais porque é uma festa para poucos, os bruxos amam porque podem demonstrar alguma superioridade e a quantidade limitada de pessoas também impede que o segredo vaze. — explicou. — Mas nem precisa de tanto também, se ela tivesse um conhecido bruxo podia só ser uma festa normal. Enfim, muitas possibilidades.
— Que merda. — bufou, fechando um dos livros com força demais. Ele era grosso, de capa dura, e o barulho fez com que a bibliotecária olhasse feio para os dois, mas mal notou.
Tinha sido estúpido, fez as perguntas erradas.
— Você deveria tentar falar com ela de novo. — sugeriu.
— E de que vai adiantar se ela não sabe quem é meu pai ou o que aconteceu comigo?
— Pelo menos vai tirar dos seus ombros a culpa de ter sido fruto de um abuso. — respondeu, mas sinceramente, não sabia se queria ter alguma certeza sobre isso. A possibilidade já o perturbava o suficiente, não queria ter a certeza.
Além disso, se era ruim para ele, como seria para ela? E se fosse verdade e ele acabasse pressionando-a novamente? Não queria colaborar para que ela se lembrasse de um possível trauma, preferia deixar as coisas como estavam.
No momento, Mochi era sua maior esperança, mas o gato tinha voltado a desaparecer enquanto se arrumava para sair de casa. Teria que se esforçar mais se quisesse detê-lo, mas não deixaria que ele escapasse mais uma vez.
Descobrir qual animal Mochi realmente era seria sua próxima meta.
O garoto estava cabulando aula novamente, agora no jardim, para ler um dos livros que o tinha entregue, mas passava as páginas com raiva enquanto pensava naquele gato nojento.
Seria muito mais fácil se Mochi apenas colaborasse e eles pudessem usar magia para descobrir que diabos de animal ele realmente era, mas claro que ele não estava disposto a facilitar.
Mochi não o seguia mais por ai o tempo todo porque sabia das chances de se juntar a eles, especialmente na universidade. Agora ele só aparecia quando estava em casa, normalmente prestes a dormir ou ainda mais tarde, quando já tinha desistido de esperar.
Muitas vezes, apenas acordava pela manhã com aquela criaturinha folgada dormindo em cima de suas costas ou sobre sua barriga, a depender da posição que estava dormindo. Quando tentava segurá-lo para colocá-lo em uma caixa de transporte, ele e o gato entravam em uma briga que normalmente perdia, ganhando alguns pares arranhões a mais. Isso tudo sem Mochi usar magia. sabia disso. Ele apenas era muito bom em fugir, exatamente como um gato, mesmo que não fosse um.
Seu palpite era que ele continuava na família dos felinos. Só um felino para ser tão bom assim em se esquivar.
A verdade era que aquele gato nojento estava gozando da sua cara e passou mais uma página cheio de ódio ao pensar nisso, voltando atrás quando se deu conta de que sequer estava prestando atenção ao que estava lendo. Ele apenas estava passando as páginas enquanto pensava no animal.
Ficou ainda mais irritado por isso.
— Olha só quem está parecendo muito mais dócil hoje do que o normal! — chegou, falando exageradamente alto como de costume, e suspirou para não fazer uma careta. Estava realmente tentando ser mais agradável com o loiro, mas era difícil quando era tão escandaloso. — Bom dia, flor do dia. O que o livro te fez? Bateu na sua mãe?
quis usar o livro para bater nele, isso sim.
— Por que você está gritando? — perguntou, enquanto se sentava ao seu lado. O loiro riu.
estava embaixo da mesma árvore de sempre, como se aquele fosse o seu lugar embora na verdade odiasse estar ali, especialmente com o dia tão claro. Só tinha escolhido os jardins porque as provas estavam se aproximando e a biblioteca estava cheia de estudantes.
Entre dividir uma mesa e enfrentar o sol, preferia o sol.
— Existe certo prazer em te ver tentar conter um palavrão. — o respondeu.
— Da próxima vez eu te mando a merda, então. Ao invés de me conter.
— Não é como se nunca tivesse mandado. — deu de ombros, enfiando a cabeça na sua cara para espiar o conteúdo do livro, mesmo que ele soubesse exatamente qual era. que o tinha entregue para , afinal. Além disso, ler os livros de era tudo o que fazia nos últimos dias.
O que realmente queria era perturbá-lo, porque tudo que tinha de antipático ele tinha de irritante.
Talvez o pirralho fosse ele, afinal. se divertia em incomodá-lo, mas não perdeu a oportunidade de empurrar sua cabeça para longe a fim de afastá-lo.
apenas riu novamente.
— Será que tem como respeitar o espaço pessoal alheio? — pediu.
— Achei que já tínhamos passado dessa fase. — retrucou, fazendo-o revirar os olhos. — Eu só queria saber o que está te deixando tão irritado.
Lembrando-se do motivo, bufou, fechando o livro com força. Não era como se ele realmente estivesse lendo alguma coisa, de qualquer forma.
— Não consigo pegar Mochi de jeito nenhum. — explicou, irritado. — Eu acordo com ele na minha cama todo dia, mas não consigo pegá-lo pra trazer pra cá e ele não me segue mais por aí. Ele sabe o que queremos e não me deixa chegar perto. Fica comigo em casa, mas a uma distância segura, a não ser que eu esteja dormindo. E eu já tentei fingir que estou dormindo. Também não funciona. O maldito é inteligênte.
Ciente de que aquilo era mesmo um problema, suspirou, encostando contra o tronco da árvore ao seu lado.
— Se ele aparece quando você está em casa, eu posso fazer uma visita surpresa. — sugeriu. — Deve ter algum horário que você consiga ficar sozinho com ele, não?
— Aos sábados minha mãe sai cedo para trabalhar e meu pai até às onze já deve ter ido pro bar.
— Então amanhã às onze eu passo lá. Você deixa a porta destrancada e me avisa quando eu puder entrar. Esteja na sala com ele. Tente manter as janelas trancadas.
— Não acho que qualquer tranca consiga parar um gato mágico. As da minha janela não servem de nada.
— Não, mas dificultam. Se conseguirmos atrasá-lo, mesmo que um pouco, já é de grande ajuda.
— Se você está dizendo. — deu de ombros. Não era ele quem entendia de gatos mágicos, afinal. Estava claramente perdendo a batalha contra o seu e estava aceitando sugestões. — Vamos fazer do seu jeito.
— Ótimo, então. — bateu uma palma, levantando-se tão repentinamente que pulou de susto no lugar. Olhou feio para o loiro, mas o ignorou completamente. — Tomou café? — perguntou, mas já sabia a resposta e sequer esperou que respondesse antes de dar as costas. — Vou pegar algo para comermos e então te ajudo. Me espere aqui. — pediu, já se afastando.
era meio demais para ele acompanhar, mas acabou rindo sozinho antes de abrir novamente o livro em seu colo.
Às onze horas do dia seguinte, exatamente como o combinado, estava no andar inferior após trancar todas as janelas e deixar apenas a porta da frente aberta. já estava do lado de fora e , na cozinha, fazia o almoço, mesmo que sua atenção estivesse em grande parte focada no gato.
Jihyo tinha ido para a casa de uma amiga e Mochi estava deitado tranquilamente no sofá, dormindo, embora soubesse que, se ele se aproximasse, o gato imediatamente iria parar do outro lado da sala. Não conseguia imaginar uma forma de entrar e chegar até ele antes que o gato disparasse para qualquer outro lugar, mas não custava tentar.
podia usar magia para parar o bicho de qualquer forma. Isso devia valer de alguma coisa.
Disfarçadamente, explicou para exatamente onde Mochi estava. Achava importante que ele entrasse já sabendo para onde ir ao invés de ter que procurar o bicho no ambiente. Para isso, no dia anterior, tinha mandado para o outro uma foto daquele andar para que ele soubesse o que esperar. Estavam realmente empenhados, embora fosse meio vergonhoso pensar que tudo aquilo era apenas para conter um simples gato.
Após mais um breve olhar na direção do gato, finalmente enviou a mensagem que já estava escrita em seu celular, "agora", e no mesmo instante, invadiu o local.
Como esperado, Mochi pulou no sofá e correu até a escada, mas bateu contra uma parede invisível que deduziu ser obra de . O gato rosnou irritado, seus pelos se arrepiando, mas não teve tempo de encontrar outra rota de fuga antes que atravessasse a sala. Por sorte, sua casa era pequena, e um segundo depois já se jogava em cima do gato para tentar agarrá-lo.
Sem nenhuma dificuldade, Mochi se esquivou, pulando em cima do armário ao lado da escada e o usando como impulso para pular em direção a porta. Antes que ele chegasse até ela, se colocou entre eles, tentando segurar o gato no ar.
Não deu certo, Mochi colocou as garras para fora e precisou virar o rosto para não perder um olho, fazendo com que as unhas do bicho terminassem em seu pescoço. gritou, mas tentou agarrá-lo mesmo assim, o que mais uma vez não funcionou. Apenas ganhou mais uma porção de arranhões do braço antes do animal se esquivar novamente.
Ele tentou pular para uma janela, mas conseguiu empurrá-lo e Mochi acabou preso na cortina, suas garras abrindo um buraco no tecido conforme Mochi escorregava.
estremeceu, pensando na dificuldade que seria explicar aquilo para sua mãe, mas deixou para pensar nisso depois.
finalmente conseguiu colocar as mãos ao redor do gato, mas no instante seguinte o bicho estava em cima do seu rosto, rosnando e arranhando enquanto gritava.
arregalou os olhos, correndo até eles para ajudá-lo, mas antes que realmente colocasse as mãos no animal, ele já estava correndo para longe novamente.
tinha pelo menos uns três cortes sangrentos no rosto agora, mas tentou se jogar em cima do bicho novamente. Ele desviou outra vez e caiu de bunda no chão.
— Por que você está pulando em cima dele?! — gritou, indignado. O objetivo de tê-lo ali não era usar magia?! Por que ele não estava usando?! Pular em cima do gato era tudo o que tinha tentando fazer nos últimos dias. Já sabia que não dava certo. — Usa sua varinha mágica!
— Que varinha mágica, ? Enlouqueceu?
— Faz seus truques, ! — gritou, tentando cercar o gato mais uma vez, mas apenas tropeçou no tapete.
— Eu estou tentando! Você acha que ele não tem os dele?! — gritou de volta.
se lembrou da forma como Mochi simplesmente parou um carro em movimento e urrou em frustração. Não tinha cogitado a possibilidade de Mochi também usar magia para se esquivar de . Quando voltou a olhar para o gato, o viu congelar no lugar. Era , ele sabia, mas durou apenas um segundo. No instante, seguinte Mochi já se movia novamente, e percebeu que podia sentir quando ele usava sua magia. Era como se algo repuxasse em seu peito, um fio invisível que ia até ele.
— ! — gritou seu nome, o trazendo de volta à realidade. Distraído, não notou que Mochi voltava a correr para a porta.
Foi quem tentou pular sobre ele dessa vez, mas levou uma mordida no antebraço antes do gato escapar. correu até eles, derrubando o celular no percurso. Ele xingou alto, mas não teve tempo de parar antes de chutar o aparelho para longe, o estourando na parede.
xingou e fez outra barreira na porta. Mochi bateu contra ela quando tentou escapar, mas sentiu novamente aquele mesmo repuxar no peito e na segunda tentativa, Mochi conseguiu passar.
, que estava mais perto, segurou o animal pelo rabo, e foi imediatamente atacado com seus dentes. Precisou soltá-lo para se defender.
tentou outra barreira, e Mochi bateu contra ela. Ele rosnou, mostrando todos os dentes, mas tentou ir para a janela, batendo novamente em outra barreira. o tinha colocado dentro de uma caixa invisível e conseguiu colocar as mãos ao redor dele por isso. Quanto Mochi tentou lhe atacar com as unhas, bateu contra mais uma barreira. também tinha se protegido dessa vez.
suspirou, e aproveitando que ainda estava no chão após pular sobre o gato, relaxou ai, certo de que tinham vencido. Um novo repuxar em seu peito o deixou em alerta e ouviu gritar. Quando olhou novamente para cima, o loiro já soltava o gato.
— Ele me queimou! — gritou indignado, suas mãos paradas no ar enquanto saía fumaça delas. arregalou os olhos, mas não teve tempo de se levantar para tentar conter Mochi novamente.
Em um segundo, o gato estava lá. No outro, uma das janelas se quebrava antes mesmo do gato se aproximar. Ele pulou para fora assim que chegou perto o bastante, se colocando completamente fora do alcance dos dois.
— Mas que merda! — xingou, indignado. — Isso vai ter volta, seu sarnento! — gritou para o animal do lado de fora, mas apenas se deixou cair de volta no chão.
Seus braços e seu rosto doíam. O pescoço arranhado também. Tinham tomado uma surra de um gato, dois contra um, e ainda perderam. Quando deu por sí, estava tendo uma crise de riso. Fazia sentido se parasse para pensar. Gatos normais já eram difíceis. Um gato mágico então era impossível.
— Do que você está rindo?! — perguntou, ainda parecendo irritado, mas quando olhou para ele, apenas riu mais.
estava péssimo, tinha três cortes fundos na bochecha que pingam sangue para sua camisa, um corte no lábio que também sangrava e pelo menos três mordidas nos braços, fora os arranhados mais superficiais ali e em seu pescoço. Ele estava completamente descabelado, sujo e tinha quebrado o celular.
— Se a gente combinar direitinho podemos fingir que lutamos com um leão. — comentou, e passou a rir junto com ele.
— Gato nojento. — reclamou, se deixando cair sentado no sofá.
— É o que eu digo. — respondeu. — Como ele pode usar meu poder se nem eu consigo?
— Ele acessa sua magia exatamente como um clã e não precisa de você para isso. Desde que você tenha magia para ser usada, ele consegue acessá-la mesmo você estando inconsciente. Só precisa estar perto o bastante.
Diante de sua resposta, revirou os olhos. Meio que já sabia dessa parte considerando que acordava com o gato em sua cama mesmo após trancar a janela.
Repentinamente, uma luz dourada brilhou no peito de , por baixo da camisa branca que ele usava, e o encarou com confusão.
— O que é isso? — perguntou, sentando-se no chão, mas já tinha abaixado a cabeça, retirando de dentro de sua camisa um colar que estava em seu pescoço. Era um colar fino, prata, com um pingente amarelo pendurado. Uma pedra pequena que até pareceria comum se não estivesse brilhando. estreitou os olhos, tentando enxergar direito, e notou que algo dentro do pingente parecia se mover.
— A pedra contém um pouco da energia de cada membro do clã. É para nos comunicarmos. É um truque muito antigo, todo clã tem sua pedra, embora hoje em dia ela não seja tão utilizada já que podemos fazer isso pelo celular.
— Como eu nunca vi o colar? — perguntou. Se era tão importante para o clã, era de se esperar que vivesse com ele no pescoço.
— Você viu. Só não prestou atenção porque a energia dentro dele se move. — olhou de novo e entendeu. Fazia parte do tipo de coisa que a mente humana apenas não absorvia por não conseguir explicar.
Antes que fizesse mais perguntas, segurou o pingente entre uma das mãos. Uma energia dourada brilhou ali, de sua mão para o pingente, e então a voz de soou pela sala.
"Estamos tentando te ligar, pegou o gato?", perguntou ele, em alto e bom tom, mesmo que não estivesse ali.
imediatamente voltou a rir, lembrando-se do celular quebrado. Nunca teria imaginado que tentar segurar um gato poderia trazer tanto prejuízo. Além dos machucados, ele tinha destruído uma cortina e um celular.
Em resposta à pergunta do outro, suspirou e aquilo pareceu ser resposta o suficiente para o resto do clã que o ouvia através da pedra.
"Você perdeu para um gato?", falou, rindo em seguida.
— Aquilo não é um gato, é o demônio. — retrucou, emburrado. apenas riu mais.
"Ele se parece muito com um gato", voltou a falar.
"Por que você apenas não usou magia?", perguntou novamente, o que pareceu deixar indignado.
— E por que você acha que eu não tentei?! — aumentou o tom de voz. — Caso vocês não se lembrem, ele é um gato mágico! Ele usou a magia de para escapar.
"Certo, vamos tentar de novo", a voz de voltou a soar. "Veja com o garoto quando ele vai estar sozinho em casa novamente. Vamos fazer isso em conjulto".
Sem esperar uma resposta, apenas desligou a comunicação. soube disso porque pedra parou de brilhar instantâneamente. bufou outra vez, a soltando.
— Você o ouviu. — disse ele, sem contestar. — Agora vem aqui, vamos consertar essa sua cara.
— A sua está muito pior. — retrucou, mas se levantou para ir até ele.
falava demais, estava quase se arrependendo de tê-lo deixado ficar para o almoço.
sabia que se dependesse de si mesmo, não haveria qualquer diálogo. Ele meio que tinha experiência com isso e sabia que podia ser bem constrangedor, considerando a frequência com a qual acontecia. Ele nunca sabia o que dizer ou como puxar assunto então apenas não dizia nada. Se a conversa fosse mesmo necessária, preferia pessoas que conseguiam manter sozinhas um diálogo, mas era um pouco demais. mal tinha absorvido um assunto ele já tinha falado mais cinco.
o fazia se sentir a pessoa mais lerda do mundo.
— O cheiro disso está muito bom. — inspirou audivelmente, se equilibrando nas pontas dos pés para olhar o que fazia por sobre seus ombros. Ele apoiou o queixo ali e o abraçou por trás. fez uma careta de desgosto.
— Já não te mandei ficar sentado? — perguntou, concentrado em mexer o conteúdo de uma das panelas ao invés de afastá-lo.
Já estava começando a se acostumar com o contato de . O problema mesmo era que, independente disso, detestava cozinhar com gente em cima ou falando sobre a comida. Provavelmente tinha a ver com o quanto sua mãe dava palpites quando estava em casa, apontando o dedo e o mandando fazer tudo de outro jeito como se não fosse o principal cozinheiro da casa. não estava fazendo nada perto disso, mas o incomodava mesmo assim.
Já tinha pedido para o loiro se sentar no balcão pelo menos seis vezes, mas ele sempre terminava espiando em seu cangote ou agarrado em suas costas.
— Eu só estou olhando, não tem nada demais. — respondeu, ainda agarrado a suas costas. — Minha teoria é que cozinhar é um dom. Eu tenho noventa e três anos e consigo queimar o arroz na panela elétrica, mas você que é praticamente um bebê está fazendo uma refeição completa.
— Bebê o teu cú, . — xingou, e quando riu, soube que ele tinha feito de propósito para irritá-lo. parou de mexer a panela para afastar as mãos dele de sí imediatamente. — Vai sentar no balcão. — mandou, mas apenas riu de novo, voltando a se agarrar as duas costas. Dessa vez, não ficou na ponta dos pés, apenas escondeu o rosto em suas costas.
— Perto de mim você é um bebê sim. — retrucou, ignorando completamente o pedido para se sentar.
respirou fundo e afastou os braços de novamente, virando-se para encará-lo dessa vez. Como o esperado, voltou a rir.
— Você parece meio irritado. Quer um beijinho para passar? — provocou, e ao invés de responder, olhou feio. — Ok, sem beijinhos. — ergueu as mãos em sinal de rendição. — Eu só estava vendo o que você está fazendo.
— Vai ver quando estiver pronto. — o segurou pelos ombros, o empurrando até o balcão.
— Talvez eu queira aprender a cozinhar.
— Não comigo.
o segurou pela cintura e o ergueu no ar, como se fosse apenas uma pena. gritou de susto, arregalando os olhos. Ele o segurou pelos ombros, mas no instante seguinte já estava de volta ao banco alto em frente ao balcão. o encarou indignado, mas o ignorou.
— Se você descer daí de novo eu te boto pra fora, não no balcão.
— Ogro. — retrucou, mas não parecia realmente ofendido, então apenas deu de ombros.
— Já sabia disso quando se convidou pra almoçar.
se voltou novamente para as panelas, mas o som da porta de casa se abrindo chamou sua atenção. Ele ergueu a cabeça para ver quem era, sentindo-se tenso com a possibilidade de ser seu pai, mas foi Jihyo quem entrou por ali, correndo para dentro.
— ie! — a menina gritou assim que avistou , correndo para ele ao invés de se juntar a . Ficou um pouco surpreso com isso, mas foi inevitável não pensar na sugestão de no outro dia.
Se algo acontecesse com ele, podia verificá-la de vez em quando. Era meio triste pensar que duas pessoas praticamente estranhas eram mais confiáveis do que seus próprios pais, mas era a sua realidade e estava meio grato aos dois.
— Como você chegou aqui? — perguntou enquanto descia do banco para poder receber a menina, que se jogou nele para um abraço.
— Papai deixou Jihyo na porta... Eu, deixou eu.
— "Me deixou". — a corrigiu automaticamente, enquanto pensava sobre o que ela tinha dito.
— Isso. A mamãe da Hyewon precisou sair e pediu pra nossa mamãe me buscar. Ela pediu pro papai fazer isso e ficar comigo, mas ele disse que tinha outra coisa para fazer e trouxe Jihyo para o ie. Me trouxe para o ie. — ela mesma se corrigiu no final.
Novamente, eles estavam jogando a menina de um lado para o outro e como o costume, sobrava sempre para ele. Bom, era melhor isso do que seu pai simplesmente levar a menina para um bar, o que já tinha acontecido antes, aliás.
tinha pedido o dia para eles, mas era por causa de Mochi e pelo menos já tinham terminado essa parte.
— ie está fazendo comida, porque você não leva o ie para jogar Just Dance? — sugeriu, e a menina imediatamente arregalou os olhos animada, como se aquela fosse a melhor ideia do mundo inteiro. olhou para ele indignado e sorriu. — Assim ele para de ficar xeretando as panelas.
— Não pode xeretar as panelas, faz dodói. — ela o repreendeu, muito séria, e acabou rindo.
— Você não pode xeretar as panelas, você é pequena. — a respondeu.
— Você também é pequeno. — ela devolveu, e enquanto gargalhava, a encarou com indignação.
— Eu sou maior que você!
— Mas Jihyo é criança.
— É, ie. Jihyo é criança. Qual a sua desculpa? — gargalhou.
— Ah, vai se f...
— Não, não, não. — o interrompeu antes que ele completasse o palavrão. Não falavam palavrões perto da menina. — Jihyo, o que falamos sobre palavras feias?
— Não pode!
— Isso mesmo, não pode.
o fuzilou com o olhar e riu mais uma vez, sentindo-se completamente vingado. Conseguia entender agora porque gostava tanto de perturbar. Era divertido.
— Vão lá pra sala enquanto eu termino o almoço, vão. — voltou a falar. — Mostra seu jogo pra ele.
— Vamos, ie! — Jihyo gritou, o puxando pela mão.
— Você me paga. — retrucou para ele, mas se deixou ser puxado e ficou muito grato pelo balcão estilo americano que lhe permitiria assistir aquilo.
passou a semana seguinte pensando no próximo sábado. Estava ansioso. Não tinham encontrado nada nos livros de ainda, mas o clã ia se reunir em sua casa para tentar capturar Mochi novamente.
O gato nojento tinha ficado três dias sem aparecer depois de sua última tentativa, mas sentia que ele estava por perto, o observando de longe onde quer que fosse.
Mochi estava tentando mostrar seu descontentamento, mas, bom, não era o único descontente.
A única coisa maior que a frustração de era sua curiosidade acerca dos motivos pelo qual o bicho defendia tanto aquela informação, mesmo que custasse sua própria vida.
Mochi morreria se morresse, aquele segredo valia tanto assim? Sua própria vida?
estava louco para saber o que o gato tanto escondia, mas não ia mentir, também estava nervoso em receber o clã inteiro em sua casa. Talvez até mais por isso do que em descobrir a verdade sobre o gato, se ele fosse bem sincero. O padrão de vida do clã era muito diferente do seu. Aquilo seria no mínimo vergonhoso.
passou tanto tempo remoendo esse pensamento que foi pego totalmente desprevenido quando foi chamado na reitoria da universidade após as aulas daquela manhã.
Nunca antes tinha sido chamado lá. Tinha feito algo errado?
Era bolsista e não vinha frequentando as aulas como deveria, mas não era como se a universidade se preocupasse com esse tipo de coisa. Desde que suas notas continuassem bem e ele não ultrapassasse o limite de faltas, a preocupação não fazia sentido, e sabia cuidar de sua frequência muito bem. Se necessário, apenas levava os livros de para a aula e os lia ali mesmo, mas, novamente, não era o tipo de coisa com a qual a universidade se preocupava, ou os professores. Não estava mais no colégio.
Não tendo outra escolha, seguiu caminho até a reitoria, mas se viu ainda mais confuso quando chegou lá.
estava sentado na recepção e congelou no lugar por alguns instantes, piscando algumas vezes para ele. não olhava em sua direção, estava sentado de lado, mas como se pudesse sentí-lo chegando, virou-se para encará-lo, ficando imediatamente tão confuso quanto .
— O que aconteceu? — o mais novo perguntou, aproximando-se dele.
— Eu ia te perguntar a mesma coisa.
— ? — a recepcionista, que até então não estava na recepção, questionou ao sair da sala do reitor. Era uma mulher jovem, embora mais velha do que ele e se vestia formalmente com um terninho e um coque no topo da cabeça. Parecia uma pessoa gentil e abriu espaço para eles quando concordou com a cabeça. — O reitor gostaria de vê-los. Os dois juntos. — ela segurou a porta para que passassem e ambos se entreolharam.
Que tipo de assunto exigiria os dois juntos em uma reunião com o reitor? não tinha ideia, mas só havia uma forma de descobrir. Sem dizer mais nada, seguiu até a sala e não demorou muito para acompanhá-lo.
O reitor, um homem baixo e gorducho, se ergueu para cumprimentá-los assim que passaram pela porta. Ele certamente já tinha ultrapassado os cinquenta anos de idade e seus cabelos ralos eram completamente brancos, mas estava muito bem vestido, usando um terno completo.
O contraste entre ele e , usando seus moletons de sempre, era enorme, mas ele não se importava.
se virou para fechar a porta após passar, mas quando se voltou para apertar a mão do homem, estreitou os olhos ao notar a insatisfação em sua face. Ele só faltou limpar a palma após tocar . não achou que o loiro tinha reparado, mas isso só o fez questionar ainda mais o motivo de estarem ali.
O homem pediu que os dois se sentassem e eles o fizeram, mas o reitor ainda assim não parecia saber como começar o assunto.
, confuso, olhou para mais uma vez e, após o mais novo dar de ombros, tomou a frente para iniciar o assunto.
— Com todo respeito, mas por que exatamente estamos aqui? — questionou, e após pigarrear, o homem finalmente começou a falar.
— O que acontece é que um grupo de garotos me trouxe uma situação esses dias que receio ter me preocupado. — disse ele, e , sendo alguém que interage tão pouco com outras pessoas, não teve dificuldade de compreender a qual grupo ele se referia ou onde queria chegar.
Sentiu o sangue ferver imediatamente e, sem se conter, acabou rindo. Não tinha nenhuma graça, era um riso desacreditado, na verdade. Não era possível que com tanta coisa acontecendo em sua vida ainda teria que lidar com aquilo.
, que ainda não parecia ter compreendido, o encarou com confusão. Ele conhecia meio mundo, interagia com diversos grupos de pessoas por dia. Certamente era difícil para ele deduzir ao que o reitor estava se referindo, diferente de .
Mas não ia ser ele quem explicaria. Estava bem curioso na verdade para saber o que o reitor falaria sobre o assunto. Se ele parecia tão constrangido então certamente tinha alguma noção de que não podia repreendê-los por alguns beijos no jardim.
Ele sabia o quão ruim soava repreendê-los por isso e se viu muito disposto a testar até onde ele iria com aquele assunto.
— Por favor, refresque nossa memória. — pediu ao homem, independente de já saber muito bem o que ele queria.
— Vocês já estudam aqui há certo tempo, sabem que nossa instituição é um lugar de respeito... — falou, mexendo nervosamente em sua gravata. estreitou os olhos em sua direção, claramente confuso, enquanto cruzava os braços e encarava o homem de forma quase divertida. — Receio que certas demonstrações tão... públicas de afeto acabem sujando nossa reputação, entendem?
— Demonstrações tão públicas de afeto? — questionou. — Do que você está falando? — quando finalmente se deu conta, arregalou os olhos. — Isso é sério?!
— Eu tenho uma dúvida. — os interrompeu. — Você tem chamado casais héteros pra ter essa conversa também ou só a gente?
— Isso não vem ao caso no momento. — o homem tentou fugir do assunto, mas não deixou que o fizesse.
— Acho que vem sim, a pergunta me pareceu bem pertinente.
— Acontece que nunca antes tivemos esse tipo de reclamação sobre um casal hétero antes, entende? — o homem tentou se justificar, mas nenhum dos dois aceitaram aquela desculpa.
— Claro que não, porque reclamar que duas pessoas adultas estão se beijando é ridículo. — retrucou.
— A questão não é essa. Outros alunos se incomodaram com o acontecimento em questão.
— Então se eu reclamar porque vi um casal hétero se beijando vocês também vão chamá-los para conversar? — voltou a falar, sentindo o sangue ferver, e o encarou preocupado. Agora entendia porque ficava tão estressado tão facilmente e sabia o que isso podia acarretar, mas não era como se ele conseguisse apenas controlar. — Se a questão é o incômodo, então o meu também deveria ser levado em consideração, certo? Como um homem gay posso perfeitamente me incomodar com demonstrações físicas de afeto de casais héteros.
— Entendo seu ponto de vista. — o homem tentou ser cordial, mas aquilo apenas o irritou ainda mais. — Mas seu direito acaba quando começa o do próximo. Você não pode reclamar disso.
— Ah, entendo. E porque isso não foi aplicado ao grupo que veio reclamar de nós? — insistiu. — O direito deles vale mais que o nosso?
— Essa discussão não vai nos levar a lugar nenhum. — o reitor cortou ao invés de respondê-lo. — Apenas os chamei aqui para pedir que evitem esse tipo de contato em público.
— Certo, desde que isso seja passado formalmente por escrito. — sugeriu, e o homem o encarou em completo choque.
— Como?
— Se isso é uma advertência, gostaria dela por escrito, assinada.
— Vocês não estão mais na escola, isso é apenas um aviso informal. — o homem respondeu.
— Se é assim, então vou escolher ignorá-lo. — se levantou, dando a conversa como encerrada, o que pareceu chocar totalmente o reitor.
— Você não pode apenas ignorar...
— Se é apenas um "aviso informal", então nós podemos sim. — se levantou também. — E nós dois sabemos que não vai passar disso, certo? Você sabe que o que está fazendo soa muito como intolerância, preconceito, homofobia... Não vai querer isso relacionado a essa "instituição de respeito", vai?
— Eu estou apenas comunicando o incômodo de outros alunos sobre...
— O incômodo de um grupo pequeno de alunos tão intolerantes quanto o senhor. — o interrompeu.
— Mesmo um país tão preconceituoso quanto o nosso veria com maus olhos um reitor punindo dois estudantes por algo tão estúpido, é por isso que isso é apenas uma conversa informal. — voltou a falar. Apesar de seu tom educado, podia sentir que ele estava tão irritado com aquela conversa quanto ele. — Você deveria agradecer que estamos escolhendo apenas ignorar ao invés de expor isso na internet.
Sem esperar que o homem dissesse mais alguma coisa, apenas deu as costas e o seguiu, controlando-se muito para não bater a porta atrás de si.
Aquela não era a primeira vez que algo assim acontecia e nem seria a última, mas se sentia revoltado mesmo assim. Aquele homem certamente tinha tantas coisas com as quais se preocupar e achou de bom tom dar atenção para o que duas pessoas totalmente irrelevantes para sua vida faziam uma com a outra.
queria explodir aquela sala, sinceramente, mas sentiu a mão de na sua e relaxou quase imediatamente. Ele não disse nada, apenas o puxou para andarem juntos para fora e foi de bom grado. Não soube dizer se estava usando magia para acalmá-lo, mas quando saíram da reitoria, já não sentia mais nada. Se virou para agradecê-lo, mas antes que o fizesse, viu o mesmo grupo do outro dia, os três que tinham ido até a reitoria reclamar deles. Simplesmente estavam ali, do lado de fora do escritório, os esperando sair como se quisessem ver o resultado do que tinham feito.
se viu furioso novamente, talvez até mais do que antes. Sentiu tanto ódio. Se pudesse fuzilar os três com o olhar, teria feito. A única coisa que o fez desviar a atenção deles foi sentir apertar sua mão com um pouco mais de intensidade, tentando distraí-lo.
— Ei, se acalma. — pediu. — Você está emanando energia de novo.
— Porra, e o que eles vieram fazer aqui? Ver o que causaram? Rir da nossa cara?
— Provavelmente, mas podemos dar um jeito, não? — sorriu de forma sugestiva quando o encarou e a ideia de provocar aqueles três outra vez teve efeito imediato em , que se interessou rapidamente pelo que ele tinha a dizer.
Ele queria trocar mais alguns beijos na frente deles? Talvez não fosse a melhor ideia do mundo fazer aquilo ali, quase na porta da sala do reitor, mas sinceramente, não se importava. Talvez devesse, considerando que era bolsista e não podia perder aquela oportunidade, mas estava tão indignado com a situação que era difícil se importar.
Mas não era bem isso que tinha em mente.
— Precisamos fazer com que eles venham até aqui. — falou ele, encarando o grupo. — Depois disso, deixa comigo.
— O que você vai fazer? — perguntou, já imaginando que, independente do que fosse, usaria magia para isso.
Sinceramente, não podia gostar mais da ideia. Eles mereciam qualquer coisa que tivesse planejado e percebeu que confiava nele para isso.
— Eu disse pra deixar comigo. — ele insistiu, e apenas concordou.
— Certo, precisa que eles venham até aqui?
— Eu só preciso que eles estejam em movimento.
— Beleza. — concordou, aumentando a voz no instante seguinte para falar com o grupo. Já tinha um plano em mente. — Foram vocês, não foram? — ele avançou na direção deles, embora não tivesse pressa. Precisava que eles se aproximassem, afinal, e não o contrário. — Correram para o reitor chorar só porque viram dois homens se beijando? Tudo isso porque ficaram com vontade também ou o choro foi porque nenhum de vocês tem chance com a gente?
Justamente o cara que iniciou as provocações no outro dia, riu alto, e se sentiu ainda mais irritado.
— E o que te faz pensar que alguém aqui quer alguma coisa com vocês? — ele respondeu, cheio de deboche, e precisou se controlar para apenas não xingar. Ele raramente tinha paciência para argumentar em situações que o irritavam muito e já tinha tido sua cota do dia com o reitor, mas conseguiu se conter.
— Por que você não conta para seus amiguinhos que pediu pra eu te comer e levou um fora? — mentiu, e o cara arregalou os olhos enquanto os amigos dele o encaravam em completo choque.
— Você ficou maluco? — ele avançou em finalmente, diminuindo a distância entre eles. Um dos amigos veio junto para segurá-lo e ciente de que tinha algum plano, deu dois passos para trás, esperando.
— Fazer a gente apanhar não era exatamente a ideia. — reclamou.
— Faz seus truques.
Repentinamente, o cara que avançou em primeiro tropeçou nos próprios pés e caiu de cara no chão, bem na frente do amigo que estava com ele. Não tendo tempo o suficiente para parar, este tropeçou também, no outro que já estava no chão, e caiu por cima dele. Muitas pessoas já tinham parado para olhar o que estava acontecendo quando avançou primeiro em direção ao grupo e alguns celulares já estavam erguidos, filmando o tombo.
Era uma vingança meio sem graça, mas já ficaria satisfeito com isso, ciente de que aquele vídeo logo se espalharia para ferir o ego dos dois, mas tinha planejado mais. Durante a queda, os dois acidentalmente se beijaram. Foi apenas um selar, mas para eles aquilo, obviamente, era muito.
Foi meio cruel? Sim, mas gargalhou alto. Os dois arregalaram os olhos e se empurraram para longe, fazendo careta e cuspindo no chão enquanto os terceiro amigo olhava horrorizado.
— Do que você está rindo?! — um deles gritou, o que estava sempre mais irritado. Ele tentou se levantar, furioso, mas caiu novamente, sem nenhum aviso.
— Não consegue nem dar dois passos e quer arrumar briga? — provocou.
O cara praticamente rosnou, tentando se levantar de novo. Dessa vez ele conseguiu, mas um passo depois e ele estava caindo mais uma vez, como se estivesse bêbado. Ele tentou se segurar no amigo, e acabou arrancando suas calças antes de caírem os dois no chão.
As pessoas já tinham se amontoado ao redor e riam também, mas não conseguia sentir pena.
— Vamos embora, nem vale a pena discutir com esse tipo de gente. — chamou por , e após olhar para eles uma última vez, ele deu as costas, voltando a se aproximar de . Assim que chegou perto o suficiente, o loiro estendeu a mão para que ele segurasse, e aceitou sem pensar muito sobre isso. Talvez fosse apenas para provocar um pouco mais os três, que agora discutiam entre si, mas precisava admitir que estava gostando daquilo.
No sábado, inventou uma desculpa sobre estar muito ocupado com as provas do semestre para ficar com Jihyo e sua mãe a levou consigo para o trabalho. A buscaria assim que fosse possível, não queria que ela perdesse o dia inteiro com a cara enfiada em uma tela para se distrair e não atrapalhar sua mãe.
Mochi, como o esperado, estava em casa, embora soubesse muito bem que o gato passava grande parte do tempo em alerta quando estava ao seu lado. Sempre que se mexia, mesmo que minimamente, o gato remexia as orelhas, como se quisesse deixar claro que, mesmo estando de olhos fechados, estava atento. não colocaria as mãos nele se ele não quisesse, e ele não queria.
Ao contrário do outro final de semana, não estava fazendo o almoço. Dessa vez ele estava sentado junto a mesa de centro da sala, em frente ao sofá, com alguns livros de ao seu redor. Mochi estava deitado sobre uma almofada no sofá, logo atrás dele, e estava fingindo ignorá-lo. Já tinha avisado a onde estavam e que a porta estava destrancada. O resto do plano era com o clã e estava apenas esperando.
Tentando evitar de levantar suspeitas, se deixou distrair com os livros e acabou se assustando quando Mochi, repentinamente, ergueu a cabeça. não tinha escutado nada, mas o gato certamente escutou. Ele não se moveu muito mais do que já tinha feito, mas os pelos em seu pescoço se eriçaram.
— Mochi? Está tudo bem? — perguntou, tentando disfarçar. Fez menção de erguer a mão para tocá-lo, mas o gato lhe mostrou os dentes e a puxou de volta com um suspiro.
Não gostava daquela distância entre eles, preferia quando Mochi simplesmente se aconchegava em cima dele. Gostava da idéia de ter um relacionamento próximo com o animal, exatamente como o clã tinha explicado que normalmente acontecia entre o tutor e seu familiar, mas, infelizmente, precisava saber o que Mochi escondia. Esperava que ele pudesse perdoá-lo depois disso.
Quando a porta da sala repentinamente se abriu, Mochi tentou fugir, mas congelou no lugar ao invés disso, rosnando alto e mostrando os dentes. sentiu aquele mesmo fio do outro dia repuxar em seu peito, Mochi estava tentando acessar sua magia para escapar, mas tão rápido quanto aquilo aconteceu, ofegou ao sentir o fio ser repentinamente partido, levando a mão até seu peito.
Não soube dizer de onde veio o sentimento, mas de alguma forma que ele não conseguia explicar, sentiu-se violado em ter o fio partido. Sabia de onde aquilo tinha vindo, um deles, do clã de , tinha feito aquilo. Conseguia entender o motivo, era para que Mochi não conseguisse fugir novamente, mas se sentiu particularmente ofendido, como se tivessem cruzado uma linha que ele até então não sabia que não podia ser cruzada.
Tinha dado a eles permissão para entrar em sua casa e fazer o que fosse necessário para que pudessem conter Mochi, mas aquilo apenas pareceu demais por motivos que ele não sabia explicar. O estavam tentando separar de seu gato, seu familiar e se tornou apenas instintos, movido completamente pela emoção, mesmo que o clã estivesse ali para ajudá-lo.
Sem pensar no que fazia, se levantou, colocando-se entre Mochi e a porta sem pensar duas vezes. Ele sentia como se precisasse proteger Mochi das pessoas que ele mesmo pediu para estarem ali. Eles tinham rompido o fio que o ligava a Mochi, afinal. Aquilo era um pouco demais para ele, especialmente sendo alguém que não entendia o suficiente sobre magia para saber o que aquilo realmente significava.
— O que vocês fizeram? — perguntou de forma agressiva, com uma das mãos ainda sobre o peito.
, , e já estavam dentro de sua casa, mas e não estavam à vista. Se não tinham ido ou se estavam escondidos, não sabia dizer, mas também não se importava.
— Estamos apenas impedindo que ele acesse os seus poderes. — explicou, tentando se aproximar de , mas o garoto recuou. — É provisório. Está tudo bem.
— Eu falei que deveríamos ter explicado isso a ele. — falou, revirando os olhos para . Ele se aproximou de também, um dos braços estendidos como se fosse puxá-lo para sí. estreitou os olhos para ele, mas deixou que o segurasse pelo pulso e o puxasse para seu lado, de frente para Mochi e não mais no caminho entre ele e o clã.
— Explicado o que, o que vocês vão fazer com ele? — questionou, olhando para o animal. Mochi parecia furioso, os dentes estavam à mostra enquanto ele rosnava. O gato tentou andar para trás, mas parou ao bater no nada, como se houvesse uma parede invisível atrás de si.
— Não vamos machucá-lo. — insistiu.
— E por que exatamente você achou que deveria explicar isso?! — perguntou, não gostando que aquela possibilidade fosse uma possibilidade.
Ele, obviamente, não estava pensando com coerência.
— Estamos explicando por que entendemos que você está na defensiva. — Foi quem respondeu. — Não estamos quebrando seu laço com ele, apenas impedindo que ele consiga acessá-lo.
Mochi encarou como se quisesse deixar claro que estava se sentindo traído, e ele se arrependeu imediatamente de estar fazendo aquilo, mesmo que fosse necessário. E se Mochi não o perdoasse? não gostava de pensar naquela possibilidade.
— Vamos só acabar com isso. — falou, e foi a frente.
Mochi parecia estar preso dentro de uma caixa invisível e se desesperou um pouco mais.
— Isso vai machucar ele? — perguntou, tentando se soltar de para seguí-lo, mas o loiro permitiu.
se deu conta de que sabia bem pouco sobre o que eles iam fazer, não tinha se importado em perguntar, e se sentiu totalmente culpado por isso. Mochi era seu familiar deveria se preocupar com ele mais do que isso.
— Não vai machucá-lo. — o próprio explicou. — É apenas um feitiço para que ele mostre sua verdadeira forma. Se ele começar a crescer, vai expandir a caixa e tudo vai ficar bem.
— Depois que soubermos o animal que ele realmente é, ele estará livre. — continuou. — E nós restauramos o laço entre vocês.
duvidava um pouco que Mochi fosse querer aquele laço novamente depois disso. Deveriam estar um do lado do outro e meio que o tinha entregue para o clã. Saber aquela verdade acabaria salvando Mochi também no final, mas era evidente que essa não era a prioridade do gato.
Repentinamente, sentiu certo peso em seu peito, e demorou para se dar conta de que estava falando. Não era capaz de entender as palavras, era obviamente outro idioma. Um encantamento. sentiu a tensão esmagar seu peito e esperou cheio de ansiedade.
Um minuto inteiro se passou, mas nada aconteceu.
Sentiu ficar tenso ao seu lado e olhou ao redor. Todos pareciam confusos, e imediatamente entendeu que algo havia dado errado.
— O que aconteceu? — perguntou. Mochi ainda rosnava. Ele chegou a pular para frente algumas vezes, como se tentasse atacar a caixa, mas além disso, nada mudou. — Vocês já... Fizeram?
— Sim. — respondeu, olhando insatisfeito para Mochi.
— Então ele é mesmo um gato?
— Não. — falou novamente, mas não explicou mais do que isso. quis xingá-lo. Não entendia de magia como eles, precisava de explicações.
— Não estou entendendo.
Ao invés de explicar, soltou um palavrão.
— Soltem o gato. — pediu.
— Mas não deu certo. — falou, enquanto olhava de um para o outro.
— Estressá-lo mais não vai mudar nada.
— Será que tem como alguém me dizer o que aconteceu?! — ergueu a voz, perdendo a paciência.
— O feitiço não sei certo. — finalmente explicou. — Mochi não é um gato, mas o feitiço pra fazer ele se revelar não deu certo.
— E o que isso significa? Por que não deu certo?
— Isso significa que a pessoa que o prendeu nessa forma era um bruxo muito mais poderoso do que o normal. — tomou a frente. — Ele conseguiu fazer um feitiço tão poderoso que um bruxo comum não consegue desfazer.
— Então não vamos conseguir descobrir que animal ele é?
— Não, a menos que a gente consiga achar outro bruxo tão poderoso quanto o que prendeu Mochi nessa forma.
— E existem tantos assim? — perguntou. — Isso não limita as coisas também?
— Provavelmente, mas se um bruxo tão poderoso faz algo errado, ele não estaria ansioso pra se revelar. — falou. — Fora que ele pode estar morto agora, supondo que a pessoa que fez isso tenha sido o próprio tutor anterior do Mochi.
— Então vocês não têm teorias?
— Não. — suspirou, claramente insatisfeito com aquilo. — Vamos ter que voltar para os livros do por enquanto.
Antes ele odiava quando aquele sino soava tão no final do dia e agora ele apenas esperava por isso, porque havia a possibilidade de ser , mesmo que por fim o loiro sempre acabasse lhe fazendo trabalhar como qualquer cliente comum.
— Nós vamos sair no sábado à noite. — foi a primeira coisa que o loiro disse quando se sentou à sua frente no balcão da cafeteria, já puxando o cardápio para sí.
— Não vamos não. — respondeu, mas sequer o olhou, parecendo realmente interessado no cardápio como se já não tivesse estado ali vezes o suficiente para decorar as opções. puxou o cardápio de sua mão. — Você me ouviu? Eu disse não.
— Ouvi, mas escolhi ignorar. Não te dei opções, nós vamos sair.
— E desde quando você manda em alguma coisa? Eu tenho uma arte para entregar.
— Hoje ainda é quinta, você tem muito tempo para fazer antes de sábado.
— Talvez eu não queira. — respondeu, ciente de que ele estava certo. Apenas não gostava de sair e tinha certeza que o tipo de programa que agradava era totalmente o oposto de coisa que gostava de fazer.
— Pena, porque nós vamos sair. — insistiu, puxando o cardápio de volta.
— E o que te faz pensar que eu vou concordar em sair quando você sequer me falou o lugar?
— Como eu disse, não te dei opções. — ele respondeu, e respirou fundo, já começando a perder a paciência. Sabia que, muito provavelmente, estava fazendo de propósito e teve certeza disso quando o loiro riu.
— Eu ainda não sei para onde ir, só não quero estar em casa porque decidiu fazer uma confraternização com outros bruxos. E antes que você pergunte, isso é um problema seu porque é realmente sobre você. achou uma pessoa que pode saber algo sobre aprisionar magia e etc, mas não querendo ser muito óbvio, chamou outros bruxos para uma social ao invés de simplesmente ir visitar o cara para enchê-lo de perguntas.
— E por que você só não participa dessa social também?
— É meio óbvio, não? — questionou, mas quando não respondeu nada, explicou. — Os outros bruxos não gostam muito de mim.
— E por que não? — perguntou, mas logo que terminou sua fala lembrou do que tinha dito sobre seu pai e seu irmão. Eles meio que tinham tentado dar um golpe no conselho mágico, fazia sentido não gostarem muito de por associação. — Certo, já lembrei, mas eu achava que ser um bruxo da luz fazia todo mundo gostar de você. Não é por isso que você tem quase um fã clube na faculdade?
— Fã clube é muito exagero, mas é, o poder da luz faz isso. O problema é que os bruxos podem sentir também a magia das sombras em mim, que tem o efeito contrário. Não sou totalmente um bruxo da luz e quando eles percebem isso, se afastam. Prefiro ficar longe deles por isso.
— Certo, você venceu. — suspirou, se compadecendo por ele. — Vamos sair. Mas eu não bebo, não gosto de lugares cheios demais e nem com muitas luzes.
o encarou indignado.
— E você quer ir pra onde, então? Uma biblioteca?!
Compreendia que a pergunta de era retórica e que ele estava na verdade reclamando dos requisitos que ele tinha imposto, mas sinceramente, não era uma má ideia considerando que ainda tinha muitos livros para ler. Ele abriu a boca para concordar, mas rapidamente o interrompeu, deduzindo o que ele ia dizer.
— Não, não! Sem bibliotecas! Já passamos a semana inteira dentro delas.
— Passamos nada, eu passo. — retrucou. costumava encontrá-lo lá para chamá-lo para comer, mas não passava disso. Sabia que ele também estava ajudando com as leituras, mas não durante as aulas.
— Claro, se você quer perder o ano beleza, mas eu adoraria me formar.
— O que não faz nenhum sentido já que você pode resolver qualquer problema só sacudindo sua varinha mágica. — provocou, sabendo que aquilo o irritaria.
— Esquece isso de varinha mágica, ! — ele ergueu a voz, fazendo rir.
Jamais esqueceria, apenas porque o estressava. Antes que ele pudesse continuar, no entanto, viu o rosto de se iluminar e o encarou com desconfiança.
— Já sei onde podemos ir! — ele exclamou, animado. se preocupou com aquela felicidade repentina.
— Uhm.
— Você nunca tomou um porre, né? E se...
— Não. — o cortou imediatamente, antes mesmo que terminasse. não seria o primeiro nem o último a tentar convencê-lo disso, mas via o que o álcool fazia com sua família. Não suportava gente bêbada por um motivo e não via muito sentido em apenas fazer o mesmo.
— Você nem me deixou terminar!
— Porque eu não quero ouvir.
— Tomar o primeiro porre é um marco na vida de uma pessoa e você nunca tomou um porque achava que não podia beber. — continuou mesmo assim. — Agora você sabe que pode. Deveríamos fazer isso!
— A resposta ainda é não.
— E por que não?!
— Eu sou filho de um alcoólatra, não é só pela epilepsia que eu não bebo. — explicou. — Além disso, qual é a graça de ficar bêbado e ter ressaca? De fazer merda e não lembrar no dia seguinte?
— Você só vai saber a resposta se sair comigo. — tentou, mas ele revirou os olhos, voltando a limpar o balcão já que estava quase no final do seu expediente.
— A resposta ainda é não.
— Olha, não vou te obrigar a nada, mas seu pai ser um alcoólatra não diz nada sobre você, é sobre ele. Pessoas bebem socialmente todos os dias apenas por diversão, inclusive sem realmente ficar bêbadas. Um vinho no jantar, um espumante em uma comemoração. É normal. — voltou a falar. — E eu também vou estar com você, não vou deixar que passe do ponto ou faça algo absurdo, é só pela experiência. Você pode até desistir no meio do caminho se quiser e nós vamos comer em algum lugar.
— Mesmo que eu queira comer um podrão na esquina? — perguntou, e como o esperado, fez uma careta, mas concordou ainda assim.
— Mesmo que você queira comer um podrão na esquina.
sorriu com sua resposta, e decidiu aceitar apenas por seu empenho. realmente odiava a ideia de comer um lanche de procedência duvidosa e decidiu que o levaria para fazer exatamente isso. Sabia que não podia realmente obrigá-lo a beber se não quisesse ou se acabasse não gostando. E, se passasse do ponto, sabia também que ele o levaria para a casa no final do dia. não o abandonaria para se virar.
— Certo, eu aceito. — concordou ele. — Mas sério, nada de balada com música alta e luzes piscantes. Algum lugar que dê pra conversar.
— Como se você por acaso conversasse. — reclamou. — Você só quer me ouvir falar.
— Talvez eu só não goste de gente bêbada se esfregando em mim. — respondeu, o que era verdade, mas também estava um pouco certo lá no fundo. falava um pouco demais e o incomodava às vezes, mas no fundo gostava da companhia e de finalmente não estar sozinho o tempo todo.
— Tudo bem, podemos ir num bar, então. — sugeriu. — O que acha de um bar?
— Pode ser. Tem comida lá. — respondeu, pensando em uma porção de batata frita cheia de bacon e queijo, o que fez rir.
— Parece até que passa fome.
deu de ombros.
— E tem algo melhor do que comer?
— Posso pensar em algumas coisas. — ergueu a sobrancelha de forma sugestiva, descendo o olhar para seu corpo, o que fez revirar os olhos, jogando nele o pano de prato em seus ombros.
— Nojento. — reclamou, mas precisou segurar o riso.
— Você sabe que eu não menti! — retrucou, e apesar dele estar certo, não concordou ou respondeu, limitando-se a voltar para a cozinha sem dizer nada.
estava na biblioteca da faculdade, cabulando outra aula para ler os livros de , quando recebeu uma ligação da escola de Jihyo, dizendo que a garota não estava se sentindo bem e estavam tentando contatar algum responsável para buscá-la. Já tinham tentado ligar para seus pais, mas óbvio que nenhum dos dois atendeu, e por isso estavam tentando ele como última alternativa, já que era o irmão da menina e não os pais. não soube dizer se ficou mais preocupado com a garota ou irritado com seus pais pela irresponsabilidade, mas pelo bem dela, era até melhor que realmente não tivessem conseguido falar com eles. Sua mãe teria jogado para seu pai e ele teria largado a menina doente sozinha em casa. Pensar nisso apenas deixou ainda mais frustrado.
Sem nem perguntar o que ela tinha, guardou suas coisas e foi atrás dela. Precisou pedir um carro de aplicativo para ir mais rápido, mas em poucos minutos já estava lá, não se espantando em encontrar Mochi sentado na porta o esperando.
Correu rapidamente para a secretaria quando chegou, pedindo para Mochi esperar do lado de fora, mas congelou no lugar com quem viu ali.
Ela não tinha crescido muito desde os quinze anos apesar de ter a mesma idade que atualmente. Seus cabelos estavam um pouco mais escuros agora, eram castanhos antes e agora estavam totalmente pretos. Seus olhos eram tão claros quanto se lembrava, mas não tinham o mesmo brilho. Ela parecia ter mais idade do que tinha de fato embora não usasse mais as roupas da igreja que a faziam parecer muito mais madura quando criança, apesar dela nunca ter sido.
Pensava que ela tinha se mudado, nunca mais a viu depois que ela foi expulsa da igreja, mas se parasse para pensar, fazia sentido que não tivesse, ele que nunca quis parar para pensar. Os pais dela eram ainda mais religiosos que os seus e depois do que ela fez, eles a esconderam em casa para evitar a vergonha. Hoje via que era algo meio digno de pena, mas no caso dela, provavelmente era só karma.
Yuna era a prova viva de que crianças podiam sim ser pessoas horríveis e vê-la ali fez suas mãos tremerem. Pensou em voltar para trás, ela era a última pessoa que ele queria ver no mundo, mas ela sentiu sua presença antes que ele fizesse isso e se virou para encará-lo. Ela fechou a cara imediatamente. Quase pôde sentir o ódio emanar dela para ele.
Se perguntou se a secretaria sempre foi tão pequena, porque de repente ele se sentia sufocado ali dentro.
— O que você está fazendo aqui? — ela perguntou, soando tão rude quanto ele se lembrava.
— Não é da sua conta. — respondeu no mesmo tom, lutando para colocar uma máscara de indiferença no rosto para passar por ela.
Um vidro separava as pessoas das secretárias dentro da escola. Havia só uma lá dentro naquele momento e assim que foi visto por ela, a mulher se levantou.
— Veio buscar a Jihyo, certo? — ela perguntou, mas não esperou realmente uma resposta antes de se levantar para buscar sua irmã, já o reconhecendo como responsável por ela.
— Então depois de tudo você realmente engravidou uma pobre coitada? — Yuna riu atrás dele, sem nenhum humor. — Homens, não dá pra esperar muito mesmo.
— Você nunca pareceu ter problema com eles né. — não conseguiu conter a língua, mas não se virou para encará-la quando respondeu.
— O que você quer dizer com isso? — ela retrucou, soando ofendida, e foi quem quase riu dessa vez.
— Você sabe até melhor do que eu.
Antes que a mulher pudesse rebater mais uma vez, a secretária voltou com sua irmã, a segurando pela mão. Jihyo parecia pálida e cabisbaixa, os olhos vermelhos de choro e amoleceu imediatamente, seguindo até a porta lateral para receber a menina. Quando a porta se abriu, Jihyo se soltou da mulher rapidamente e se adiantou para seus braços e não pensou duas vezes antes de se abaixar para segurá-la nos braços. A menina afundou o rosto em seu pescoço, fungando.
— O que foi, o que você tem? — perguntou para ela, acariciando seus cabelos, mas se virou para a secretária ao invés de esperar por uma resposta da menina. — O que ela tem?
— Ela vomitou algumas vezes, provavelmente comeu algo que fez mal. — ela falou, estendendo para ele a mochila da menina. a pegou com uma das mãos e a jogou sobre o ombro. — Um remédio e alguma comida leve deve ajudar, mas você sabe que não podemos medicar as crianças.
— Tudo bem, obrigado.
se virou para ir embora pronto para passar por Yuna mais uma vez, ignorando totalmente sua presença, mas a mulher, obviamente, não estava muito disposta a isso.
— Quantos anos essa menina tem? — perguntou, olhando para Jihyo em uma mistura de espanto e desdém. Ela pensava que a menina era sua filha. Se fosse, ele a teria tido com dezoito, três anos depois deles terem terminado e três anos depois dela ter tido seu próprio filho, aos quinze.
podia desmentir, mas não quis.
— Não é da sua conta.
— Então sua relutância era realmente só comigo. — ela riu outra vez, dando alguns passos atrás dele já que não parou de andar para falar com ela ou para ouví-la.
— Talvez se você não fosse uma cobra eu não tivesse tido problema com você.
— Como é que é?! — a mulher ergueu o tom de voz, furiosa, e Jihyo ergueu a cabeça para olhar para ela, provavelmente curiosa sobre o que estava dizendo. Ele tocou a cabeça de sua irmã para fazê-la se deitar de novo e continuou seu caminho, percebendo que a mulher vinha atrás apenas quando passou pela porta e Mochi se levantou para rosnar para ela. — Que merda de bicho é esse? — ela perguntou, mas antes que pudesse responder, ouviu uma outra criança gritar por ela atrás dele. Ela provavelmente tinha vindo buscar o próprio filho.
ficou curioso para se virar e olhar, precisava admitir. Nunca soube qual dos amigos dela era o pai do garoto, mas não fez isso, apenas se afastou com a irmã para que pudesse chamar outro carro para levá-los para casa, ainda sentindo-se tenso com aquele encontro.
já estava no banco traseiro do carro de aplicativo, com Jihyo dormindo em seus braços e Mochi escondido na mochila, quando ligou. Era por volta do horário que se encontravam para comer e o loiro provavelmente estava ligando porque não o encontrou em nenhum dos lugares habituais.
Somente então questionou se não deveria ter avisado o outro que não estaria mais na universidade, mas em momento nenhum pensou em quando recebeu a ligação da escola da irmã. nunca tinha precisado pensar nesse tipo de coisa antes, não estava acostumado, mas se sentiu mal com a possibilidade de ter chateado .
Cogitou não atendê-lo por vergonha, mas isso seria ainda pior, então aceitou a chamada no terceiro ou quarto toque.
— Onde você está? — perguntou, antes mesmo que falasse "oi". Ele não parecia bravo por enquanto, apenas preocupado, o que fez se sentir ainda mais culpado. — A moça da biblioteca falou que você saiu apressado. Onde você foi?
— Estou indo pra casa. — admitiu sem rodeios.
— Indo pra casa? Você está bem? Passou mal ou aconteceu alguma coisa?
— Não.
— Não o que, ?! Explica direito o que aconteceu! — perdeu a paciência. — Você está bem?
— Eu só quis dizer que não me machuquei e nem passei mal. — se justificou, embora aquilo ainda não explicasse muita coisa. Ele ia continuar, mas provavelmente pensando que não, voltou a falar mais rápido.
— Certo, e você tem um bom motivo pra ter ido embora sem nem me avisar? Eu fiquei te procurando, !
— Jihyo passou mal na escola! — se defendeu, tentando falar baixo para não acordar a irmã, mas ela se remexeu em seus braços mesmo assim. — Meus pais não atenderam, então me ligaram para buscar ela.
— Certo, é um bom motivo. — aceitou sua resposta. — Mas você ainda podia ter me mandado uma mensagem, . Eu fiquei preocupado. Primeiro eu te procurei e quando não achei, perguntei sobre você para as pessoas. Quando a bibliotecária falou que você saiu apressado, pensei que você tivesse ido se esconder porque estava passando mal de novo.
se sentiu péssimo por tê-lo preocupado, mas sequer passou pela sua cabeça a possibilidade de se importar tanto assim com ele. Nunca teve amigos o suficiente para isso, ou para saber como agir diante de uma situação dessas.
— Desculpe, eu não pensei sobre isso.
— Eu percebi. — falou, mas apesar de sua fala, não soava como um julgamento, mesmo que devesse ser. apenas soou sincero, talvez ciente de que não estava realmente acostumado a dar satisfação para outras pessoas. — Se nós íamos nos encontrar, você tinha que ter avisado para que eu não te procurasse. Se acontecer algo assim de novo, me avise. Tanto se precisar sair quanto se não puder me encontrar por qualquer motivo. Se passar mal, mesmo que seja durante a aula, ou se ver algo estranho como daquela vez no café, me avise também. Por favor.
— Tudo bem. — concordou, sentindo-se meio grato dele já ter esclarecido todas as situações em que deveria ligar para ele. Era bom saber, sozinho provavelmente não saberia.
— Como ela está? — voltou a falar. — A Jihyo. O que ela tem?
— Vomitou algumas vezes. Estamos indo pra casa agora.
— Posso ir te encontrar?
— Não precisa. — respondeu. Percebeu que sim, gostaria que fosse, mas não pediria isso para ele depois de sequer ter tido consideração de avisá-lo que estava saindo.
— Talvez eu possa ajudar ela. — o lembrou, e voltou atrás rapidamente. Jihyo sempre seria prioridade.
— Acho que seria bom, por favor.
— Eu te encontro lá então. Mando mensagem quando chegar.
— Certo, obrigado. E desculpe mais uma vez por não ter avisado nada. — pediu, e novamente disse que estava tudo bem antes de desligar. Talvez, para , realmente estivesse, mas sabia que se sentiria culpado por algum tempo.
Quando chegou, Jihyo já estava medicada e dormindo depois de tirar o uniforme da escola. Mochi estava com ela, embolado ao lado de sua cabeça sobre o travesseiro, mas o levou para vê-la de qualquer forma. aproveitou que ela estava dormindo para verificar como a menina estava, já que ela provavelmente estranharia uma luz dourada emanando aleatoriamente de suas mãos, mesmo que ele tivesse levado apenas um segundo para terminar.
— Ela vai estar bem quando acordar. — falou para , voltando a cobrir a menina. estava sentado de frente para ela na borda da cama. — Não era nada complexo, só problema de estômago. O remédio provavelmente já era o bastante.
imaginava que sim, mas era bom confirmar. Ele sempre se preocupava um pouco demais quando era sobre Jihyo.
— Obrigado. Eu vou fazer sopa pra ela. Você pode ficar se quiser.
— Eu gostaria, sim. — se animou, mas estreitou os olhos em sua direção logo em seguida. — Está tudo bem? Eu já disse que entendo que você estava com pressa. É só me avisar da próxima vez. — falou, e se sentiu ainda mais culpado.
Ele sabia que estava com a cabeça em outro lugar e a culpa era de Yuna. Ainda estava pensando nela, mas a fala de além de lembrá-lo de ter agido mal com ele mostrava também que ainda estava fazendo isso, já que o loiro chegou até mesmo a notar que algo estava errado com ele.
não cansava de ser uma péssima companhia.
— ie brigou com uma moça na escola. — Jihyo falou repentinamente, assustando os dois por não saberem que ela estava acordada até então.
— Como é?! — perguntou, surpreso, enquanto ao mesmo tempo respondia que não tinha brigado com ninguém.
— ie falou que não gostava dela porque ela era uma cobra. — a menina explicou e o encarou com os olhos arregalados, parecendo realmente surpreso, o que achou um exagero.
Não era como se nunca o tivesse visto brigar antes. Costumava ser quieto, mas se defendia se precisava e já tinha visto isso pelo menos umas três vezes.
— Você vai me contar isso direitinho.
— Jihyo também quer saber.
— "Eu também quero saber" — corrigiu. — E você não vai saber nada, você vai continuar dormindo pra acordar bem.
— Eu já me sinto bem.
— Então posso te levar de volta pra escola? — perguntou.
— Jihyo está péssima, muito ruim mesmo! — a menina forçou uma tosse e se virou rapidamente na cama, dando as costas para eles. — Dormindo, já dormi.
segurou uma risada diante da péssima atuação e negou com a cabeça. Já a conhecia bem o suficiente para saber o que a menina ia fazer para fugir da escola.
— Então está bem. Vou fazer alguma coisa pra você comer. — falou para ela, mas ao invés de responder, a menina fingiu estar roncando.
não aguentou dessa vez e acabou rindo. Jihyo soltou uma risadinha por isso, mas logo voltou a roncar. sorriu um pouco, mas acenou com a cabeça em seguida para seguí-lo para baixo.
Voltaram os dois para a cozinha e , dessa vez notando que não estava no clima para brincadeiras, apenas sentou em silêncio no balcão, assistindo enquanto ele tirava algumas coisas da geladeira para fazer a sopa.
Ficaram em silêncio por vários minutos. sabia que ele queria saber sobre a pseudo briga que tinha tido na escola, especialmente porque estava claramente mais afetado com ela do que com as outras que ele havia presenciado, mas não sabia exatamente quanto deveria contar. Apenas os envolvidos realmente sabiam o que tinha acontecido, já que seus pais nunca acreditaram nele quando contou.
— Você está me deixando meio preocupado de novo. Foi tão grave assim? — perguntou.
— Na verdade não. — respondeu, mas não soube continuar.
— É outro daqueles momentos em que eu vou ter que conduzir a conversa enquanto você fala só "sim" ou "não"?
não sabia bem se devia, provavelmente não, mas acabou rindo daquela fala. Ele era realmente a pior pessoa do mundo para conversar, mas não era culpa dele se normalmente as pessoas não queriam saber da sua vida.
— Não foi nada demais a conversa. E não foi uma briga, mas ela era uma ex namorada.
— Você não é daquele tipo que chama as ex namoradas de doidas, é?
— Só tive uma ex namorada, mas nunca chamei ela de doida. Só de cobra, hoje.
— Eu estou muito curioso. É tipo aquela namoradinha antes de saber que é gay?
— Ah, na verdade eu já sabia. — respondeu, e estreitou os olhos em sua direção, cheio de perguntas. Dessa vez resolveu poupá-lo de precisar verbalizá-las. — Éramos da igreja, sabe?
— Uhm, já não gostei.
— É... Tínhamos treze anos, éramos amigos, e nossos pais acharam de bom tom que a gente namorasse. Com treze anos. Ela pareceu gostar disso. Eu não, obviamente. Já sabia que não gostava de meninas, mas não é como se eu fosse doido de contar isso para meu pai que sempre foi religioso ao extremo, então só concordei e foi... estranho. Piorou quando ela começou a andar com esse grupo de garotos que me provocava na escola. Ela só soube que eles existiam quando os pais dela conseguiram mudar ela pra minha turma e ela pareceu achar muito másculo o grupo de valentões que perturbavam as outras crianças.
— Por que eu sinto que essa é a história do porque de você não confiar em ninguém? — perguntou.
— É, talvez.. — respondeu. Nunca tinha pensado muito nisso. — Éramos bem amigos até então, e ela se juntou com esses garotos. Ela engravidou de um deles um ano depois e tentou dizer que era meu.
— Calma, calma, você avançou rápido demais. Ela engravidou com quatorze anos? E tentou dizer que era seu? Você chegou a dormir com ela?
— É... — concordou, aproveitando-se dos legumes que tinha que cortar para não olhar para .
— Sabendo que não gostava de garotas?
— É. — concordou de novo, mas não estava disposto a entrar em muitos detalhes sobre essa parte. Basicamente, ela o pressionou a isso. achava na época que era por causa dos outros garotos, que eles provavelmente pressionaram ela e ela fez o mesmo com ele. Mais tarde ele deduziu que ela talvez já soubesse do bebê e tenha pressionado tanto por isso. A experiência toda foi horrível, obviamente, e ela contou isso para eles porque a perturbação com ele aumentou vinte vezes mais e eles passaram a usar sexo para provocá-lo. — Eu não vi motivos pra não acreditar nela, obviamente. Sobre o bebê não ser meu, mas acabei contando para meus pais quando aconteceu e com isso eles souberam que o tempo não batia. Quanto os pais dela a pressionaram, ela acabou contando a verdade. Ela foi expulsa da igreja e eu fui punido por transar antes do casamento. Os pais dela tiraram ela da escola também, então nunca mais a vi até hoje.
— E ela tentou cobrar alguma coisa de você?
— Ela achou que a Jihyo fosse minha filha e deduziu que eu tinha algum problema com ela para relutar tanto em transar naquela época. Ela perguntou na verdade se eu só tinha problema com ela e eu respondi que talvez não tivesse se ela não fosse uma cobra, ou algo assim, mas a conversa não se prolongou muito mais tempo porque o filho dela apareceu.
— Caramba. — pareceu pronto para dizer mais alguma coisa, mas se calou. percebeu na verdade que ele parecia não saber o que dizer, o que era uma novidade, mas não conseguiu se sentir orgulhoso por isso como achou que deveria.
— Tudo bem, é passado.
— Tudo bem o cassete. A gente nem estaria tendo essa conversa se você parecesse bem.
— Eu só preferia não ter visto ela.
— Você acha que ela vai voltar a te perturbar agora que ela sabe onde te achar?
— Eu nunca me mudei, ela sempre soube onde me achar. Mas não sei, não conheço ela o suficiente para imaginar se saber de Jihyo muda alguma coisa. Não que tenha o que saber, mas ela interpretou errado as coisas e eu não me dei ao trabalho de desmentir. Talvez devesse ter feito, mas na hora eu não pensei.
É, ele obviamente não estava bem. Sabia o que era uma crise de ansiedade e ele quase teve uma quando a viu de novo. Provavelmente ainda estava ansioso, mas esperava não estar mais amanhã.
— O filho dela é mais velho né? Sabe se as crianças mais velhas tem contato com as mais novas?
— Até onde eu sei, elas não tem.
— Bom, por via das dúvidas, converse com sua irmã. Não precisa falar sobre sua ex ou sobre o filho dela, apenas converse sobre bullying e pede pra te contar se algo acontecer e então damos um jeito.
sequer tinha pensado nessa possibilidade ainda e se sentiu grato por ter pensado nisso por ele. Podia lidar com Yuna, mas odiava pensar na possibilidade de irem atrás de sua irmã.
Ficou aliviado de ter compartilhado isso com , mas não apenas por esse motivo. Percebeu que finalmente falar sobre isso com alguém tirou certo peso dos seus ombros.
— Obrigado. — falou, mas não justificou exatamente ao que estava agradecendo. provavelmente achou que era apenas ao conselho, e decidiu deixar assim.
— Relaxa. — pediu, se levantando no balcão.
— Não, não! Senta ai! Continua sentado! — pediu, lembrando-se do outro dia quando decidiu que ia ficar colado nas costas dele enquanto ele tentava cozinhar.
— Ah, para com isso! Me deixa te ajudar, eu posso cortar os legumes! Você mal começou, vai ser mais rápido assim!
estreitou os olhos em sua direção, pensando se devia mesmo, mas por fim, aceitou a sugestão, entregando uma faca para ele.
— Mas você vai fazer isso longe de mim.
— É um ogro mesmo.
— Sou.
— Gatinho arisco, igual o Mochi.
— Vai a merda, . — o loiro riu, satisfeito em incomodá-lo, mas não era o único que podia fazer isso. — Por que você só não sacode a varinha mágica e deixa tudo cortado de uma vez?
— Varinha mágica o teu cu, ! — respondeu, aumentando o tom de voz. apenas riu.
Conforme prometido, os levou para um bar.
O ambiente tinha uma aparência mais rústica, mas ainda parecia um lugar que só gente metida a rica frequentaria, exatamente como . Ao invés de cadeiras, tinha sofás com bancos de couro, móveis de madeira bem lustrados e, claro, era bem maior que um barzinho qualquer que o pai de frequentaria.
Assim que o loiro estacionou na porta, soube que qualquer bebida ali sairia mais cara do que ele era capaz de pagar e já deixou claro que pagaria a conta uma vez que o tinha arrastado até ali e ainda escolhido o lugar.
Como um bom metido a rico, apenas concordou.
O lugar tinha dois ambientes. Passando pela porta de entrada, era o primeiro. A direita, seguindo a parede, havia sofás redondos com mesas maiores no centro, para comportar grupos maiores de pessoas. A esquerda tinham mesas menores, com dois, três ou quatro sofás individuais ao redor. Ao fundo do ambiente, havia um bar e a esquerda dele uma escada, com poucos degraus, no máximo cinco, levando para o segundo ambiente, onde haviam mesas de sinuca. O que separava ambos os ambientes era outro bar, virado para a área de sinuca.
Ambos os ambientes eram escuros, em tons de vermelho e marrom, assim como os sofás e paredes de tijolos, mas estavam bem iluminados. Era um espaço para beber e conversar com os amigos. A única música era baixa, ambiente, e não se importou em identificar o que tocava.
Eles se acomodaram em uma mesa para duas pessoas e puxou o cardápio.
— Já que eu pago, eu escolho. — falou, e sinceramente, sentia que era realmente melhor ele nem saber o valor das bebidas ou ficaria estressado. Não se importava em deixar que pagasse, ele podia pagar, mas tinha algo irritante em saber que estavam gastando um dinheiro alto demais em coisas desnecessárias ou que podiam ser encontradas em um preço bem menor por ai, especialmente se estivessem gastando isso com ele.
— Além de metido é mandão. — reclamou mesmo assim, apenas para não perder o costume. — Eu quero comer, pede batata frita. Com queijo e bacon. Bar de gente metida também vende coisa cheia de gordura, né?
revirou os olhos, mas viu que ele estava rindo.
— Se eu sou mandão, por que é você que está mandando?
— Pra você não ficar ainda mais metido. — respondeu. — Eu estou te educando.
— Certo, uma porção de batata. O que você já bebeu? — ele perguntou, se poupando de retrucá-lo. — Você já bebeu alguma vez na vida, né? Alguma coisa?
— Champanhe barato em festas de final de ano.
— Meu deus, é pior do que eu pensava. — reclamou, mas a rebeldia de consistia em tatuagens que ninguém sabia que existia e brincos escondidos atrás do cabelo.
Não via sentido em beber se isso iria agravar seu problema quando ele é quem teria que lidar com as consequências. Fora, claro, o problema de seu pai. A princípio tinha medo de ficar igual ele, depois apenas pegou ódio pela coisa.
— Vamos ter que fazer uma noite de vinho também. — voltou a falar, fechando o cardápio e chamando o garçom. — Pode ser lá em casa, com o clã. Pode ser em um dos almoços de domingo, o que acha? Não é sobre ficar bêbado, é só para sentir o prazer de um bom vinho.
— Uhm. — concordou, segurando o riso apenas porque tinha soado exatamente como um velho dizendo aquilo, o que ele tecnicamente era, e lembrar disso que foi engraçado.
— Mas hoje vamos começar com o básico, cerveja.
— Começar? Não faz mal misturar bebidas diferentes?
— Isso é boato, o que faz mal é beber como se não houvesse amanhã, independente do que for. — explicou. — Nosso corpo pode absorver o álcool desde que você não consuma mais do que ele dá conta.
Antes que pudesse responder qualquer coisa, o garçom chegou e fez os pedidos, batata e cerveja, como ele tinha dito. o encarou meio confuso.
— Você não pode beber, tem que cuidar de mim. — o lembrou, quando percebeu que não tinha pego nenhuma outra bebida. Talvez também quisesse outra bebida já que iam comer. Se pedisse para ele, roubaria para sí.
O loiro apenas riu de sua fala.
— Ah, você vai precisar de muito mais que uma garrafa de cerveja pra me deixar bêbado.
— Não acredito em você.
— Eu tenho quase cem anos de tolerância, respeita minha história. — o chutou por baixo da mesa.
— Tá bom, vovô.
— Obrigado, pirralho. — devolveu a provocação, mas apenas deu de ombros.
Para a tristeza de , a cerveja chegou antes das batatas. Ele realmente não estava empolgado para beber.
encheu um copo para cada um e os fez brindar antes de finalmente levar o copo até a boca para beber. Enquanto o loiro entornou o seu em segundos, fez uma careta no primeiro gole, devolvendo o copo à mesa rapidamente.
— Não é possível que as pessoas realmente gostem disso! — reclamou, olhando para com certo horror quando percebeu que ele de fato tinha secado seu copo. — Não, você não pode me dizer que é bom!
se engasgou quando começou a rir, devolvendo seu copo até a mesa.
— Claro que é!
— É amargo, !
— E tem que ser ruim por isso?! — respondeu, ainda achando graça de sua indicação.
— Óbvio?!
— É uma criança mesmo. — voltou a rir, puxando seu copo para tomar também. puxou de volta.
— Não era pra você beber!
— , é só cerveja!
— Mas é alcoólico!
— O teor é baixo, eu não vou ficar bêbado só com essa garrafa! — riu novamente.
— Se você ficar bêbado eu vou te largar aqui e ir embora. — deixou que ele pegasse o copo, e o ergueu para o alto em outro brinde antes de virar tudo de uma vez. — Está avisado. — ameaçou, mas empurrou o resto da garrafa para também. Se recusava tomar aquilo.
Quando o garçom veio trazer as batatas, se apressou em pedir refrigerante, o que fez voltar a rir. imitou seu gesto de mais cedo, o chutando por baixo da mesa, e apenas riu mais por isso, o que ignorou.
Pelo menos as batatas estavam boas. Enquanto bebia, comeria pelos dois.
A próxima bebida que os sugeriu de provar foi tequila. estava curioso quanto a essa de tanto ver na televisão, mas o alertou sobre o gosto, já imaginando que ele também não gostaria se não tinha gostado da cerveja.
Tinham reservado uma mesa de sinuca para depois e estava decidido a pedir algo mais doce para , agora que havia decidido que ele tinha o "paladar infantil" baseado única e exclusivamente em um gole de cerveja.
— Você vai por o sal na mão. — fez isso para exemplificar e copiou, ignorando o tom todo risonho do outro. já estava preparado para rir dele e estava preparado para mandá-lo a merda, mas apenas seguiu as instruções. — Depois você vai tomar o shot rápido, de uma vez só. Sem dar bicadinha, é pra descer de uma vez...
— Só. Eu sei disso. — o interrompeu, gesticulando para que ele fosse mais rápido.
— Só pra garantir. — respondeu antes de finalizar. — Depois você vai morder o limão.
— A gente não pode pular o limão?
— Não, tequila tem que ter o limão. — respondeu. — Por que? É azedo demais pra você?
— Vai a merda, . — resmungou e o outro gargalhou alto, entendendo que é, não gostava muito daquilo também.
— É uma criança mesmo.
— Eu vou te dar um soco. — ameaçou e apenas riu mais.
— Vai, no três. — falou, porque sim, ele também ia beber. tinha totalmente desistido de reclamar disso. tinha terminado sozinho a garrafa de cerveja e agora iam tomar um shot de tequila. — Um, dois, três!
Conforme instruído, lambeu o sal primeiro e depois virou o shot de uma vez só. Começou a tossir assim que o negócio desceu queimando e se engasgou com o limão na boca, gargalhando.
— O limão! — o lembrou e apenas não o xingou porque estava ocupado demais tossindo. Ainda gargalhando, praticamente enfiou o limão em sua boca e o chutou um pouco mais forte que o necessário embaixo da mesa. gritou, se abaixando para massagear a canela, mas ainda estava gargalhando enquanto tentava não morrer engasgado.
Beber era uma merda. Estava decidido. E já tinha acabado completamente com o refrigerante.
— Eu te odeio. — resmungou, quando parou de tossir. ainda estava rindo. — Pede uma água.
— Eu falei que você não ia gostar, quem pediu a tequila foi você. — retrucou, chamando o garçom para pedir sua água.
— Mas a ideia de beber, em um geral, foi sua.
— Pra gente achar algo que você goste e eu sabia que você não ia gostar disso. — retrucou. — Vamos pedir vodka com alguma coisa doce.
— Não, não quero mais brincar disso. — reclamou e voltou a rir.
— Eu peço pra mim. Se você gostar, pedimos pra você.
— , não...
— Era pra eu beber, eu sei. Já disse que não vou ficar bêbado. — o interrompeu. — Te garanto que essa tequila vai subir mais rápido em você do que em mim.
revirou os olhos, não sentia nada de diferente, mas deixou que fizesse o que queria.
Depois de pegarem a água e pedir o que queria com vodka, os dois foram para as mesas de sinuca. sabia jogar? Óbvio que não, mas com certeza era mais divertido do que queimar a garganta com álcool.
E, falando em álcool, talvez estivesse se sentindo um pouco quente demais. Precisou tirar a jaqueta para jogar sinuca e riu quando viu. Óbvio que ele sabia o que estava acontecendo, mas não disse nada dessa vez. Nenhuma provocação.
— Sabe jogar ou quer ajuda? — perguntou, provavelmente vendo sua confusão com os tacos. literalmente testou vários. não tinha ideia do motivo para isso e apenas pegou qualquer um. — Posso ficar atrás de você segurando sua mãozinha. — provocou.
— Você é tão incrivelmente insuportável. — retrucou, no exato momento que a bebida que ele pediu chegava. Era um copo bem maior dessa vez, o líquido era vermelho e meio transparente. deu um gole e então estendeu o copo pra ele. — Não confio mais em você.
— Ah, para. Eu disse que você não ia gostar daquele e estou dizendo que você vai gostar desse. Pelo menos prova.
o encarou desconfiado, mas aceitou o copo. Tinha até um canudo dessa vez. Esperou que risse da sua cara, mas ele não fez, apenas esperou cheio de expectativa. provou a bebida, pronto para outra careta, mas acabou gemendo de indignação. Era realmente bom dessa vez.
— Eu falei! — comemorou, voltando a rir.
— Eu nem disse nada! — se defendeu.
— Não precisa, eu sei que você gostou.
— Gostei nada!
— Então devolve!
— Não, é meu.
voltou a gargalhar e deu as costas para ele, voltando a sugar no canudinho enquanto chamava o garçom novamente.
— Vai devagar com isso, é doce mas tem álcool.
— Ah, agora você lembrou que tem que cuidar de mim? Não parou de beber até agora!
— Eu não vou ficar bêbado só com isso, já falei.
— Você não sabe! — retrucou.
— Claro que sei! Tenho...
— Quase cem anos de experiência, eu sei. — o interrompeu. — Vai a merda.
continuou rindo, mas pediu outra bebida igual a que já estava tomando e um refrigerante.
— Você venceu, não vou mais beber hoje. — declarou. — Feliz?
— Muito.
Meia hora depois, estava bêbado e o jogo completamente esquecido.
não sabia muito bem quando tinha acontecido, mas de repente estava preso entre e a mesa de sinuca, com a língua do outro em sua boca.
estava quase sentado na beirada da mesa, com entre as suas pernas, agarrado em seus cabelos. O beijo tinha gosto de vodka, mas ele tinha tomado apenas dois drinks. Quando pediram o terceiro, já estava um pouco risonho demais e passou a beber a maior parte sem que ele percebesse. Tinha prometido que não o deixaria passar do ponto e faria isso. Sabia que sua tolerância seria menor devido a falta de costume então decidiu cuidar para que ele não continuasse.
pediu mais dois depois disso, mas também bebeu pouca coisa e nem percebeu.
Tentaram jogar sinuca e até se mostrou bom apesar de nunca ter jogado antes, mas foi piorando conforme bebia. Ele quase acertou a bola em sua cabeça em uma das jogadas, teve que usar magia para impedir um desastre, e riu como se não houvesse amanhã. Ou como se por pouco não o tivesse matado.
Mas precisava admitir, estava adorando vê-lo tão solto e aparentemente feliz. Se perguntou se não seria mais assim se não fosse pela vida, o pai bêbado o fazendo amadurecer mais rápido e a magia das sombras afastando as pessoas dele.
— A gente devia ir para o carro. — falou, afundando o rosto em seu pescoço após interromper o beijo. sentiu seu corpo inteiro se arrepiar, especialmente por ele ter feito isso do lado onde usava magia para esconder. Tinha mais sensibilidade naquele local.
esfregou o nariz em seu pescoço, juntando ainda mais seus corpos e então passou a distribuir beijos ao local. suspirou, jogando a cabeça para o lado para lhe dar mais espaço, mas quando tentou se esfregar nele, o segurou pelo quadril para impedí-lo antes que ficasse duro ali mesmo.
resmungou insatisfeito.
— Vamos para o carro... — insistiu, com um resmungo que não pôde deixar de achar fofo. Sem a bebida, fazia mais o tipo mandão, mas ali ele parecia pronto para choramingar até conseguir o que queria.
— Nós não vamos transar, . Se formos para o carro vai ser para te levar para a casa.
— E por que não? — perguntou, deixando um chupão em seu pescoço que fez gemer baixo.
— Porque você está bêbado.
— Eu não estou bêbado não!
— , a gente está se agarrando no meio de um bar.
— E daí? Eu sou introvertido, não tímido. — retrucou, e não ficou muito surpreso considerando o histórico.
— Mas ainda somos dois homens, a chance da gente apanhar é enorme.
— Eu luto taekwondo e você tem poderes mágicos, a gente não vai apanhar.
— Você luta taekwondo?! — perguntou, agora sim surpreso, e resmungou qualquer coisa.
— Não quero conversar, eu quero fuder. — ele gritou a última palavra e não sabia se ria ou se morria de vergonha. Não precisou olhar para ver que metade das pessoas no bar olhavam para eles agora.
também não era tímido, era bem exibicionista na verdade, mas preferia mais mostrar do que gritar no meio de um bar. De preferência em um lugar onde não corria risco de arrumar uma briga.
— A gente não vai fuder, .
— Por que não? — insistiu.
— Eu já disse.
— Eu não estou bêbado. — ele repetiu, segurando seus cabelos com mais força.
— Você está bêbado.
— Não estou.
— Você acabou de gritar que quer fuder, .
— Não gritei, não.
— Está bem, você não gritou. — acabou rindo. Aquele bêbado era engraçado. — Vamos pagar a conta e ir embora.
— Você que vai pagar a conta. — o lembrou.
— Eu vou. — concordou, o afastando de sí para poder seguir até o caixa. o pegou pela mão para arrastá-lo consigo após pegar suas jaquetas e foi junto após recuperar o copo até então esquecido, com conteúdo pela metade.
virou tudo de uma vez, sequer teve tempo de pensar. Esse era provavelmente o "passar dos limites" que ele tinha que evitar, mas pelo menos já estavam indo pra casa.
— Depois você vai me comer? — voltou a falar.
riu.
— Não, isso não.
— Eu como então? — tentou de novo.
— Não também.
— Que droga, achava que universitários eram mais divertidos. — reclamou. — Você é mesmo um vovô. — falou, ao mesmo tempo que chegavam ao caixa. A moça ali segurou o riso, mas não disse nada.
Enquanto pagava a conta, se agarrou a suas costas, o abraçando por trás. Ele enfiou a boca em seu ombro, chupando sua camisa, e preferiu nem perguntar o que ele estava fazendo.
— Podemos pegar mais um copo daquilo que estávamos tomando? — ele perguntou, após alguns segundos.
— Não.
— Mas o objetivo não era me embebedar?
— Você já está bêbado.
— Não estou não. — insistiu, fazendo rir novamente.
— Está bem, você não está bêbado, mas aqui é o caixa, não o bar.
— É só ir lá pedir. — o soltou para fazer isso, mas agarrou suas mãos, as puxando de volta para sua cintura.
— Não dá mais, ela já fechou a conta.
suspirou insatisfeito, mas voltou a boca para seus ombros, agora usando de mordedor.
— Estou com sono. — ele voltou a falar, e mais uma vez, se perguntando se era assim que ele soava para quando o outro reclamava que ele não ficava quieto por um minuto sequer.
Quando finalmente guardou o cartão, se despediu da moça que os ouvia segurando o riso.
— Vocês são um casal lindo. — ela falou em despedida.
— Não somos um casal, ele não quer me comer.
— ! — reclamou, mas não pôde evitar uma gargalhada. — Já deu por hoje, vamos pra casa.
— E você vai me...
— Não, eu vou te dar um banho gelado. — o interrompeu e fez bico.
— Sem graça.
teve que colocar no carro e fechar o cinto ao seu redor. Durante todo o caminho, ele parecia sonolento, chegando a dormir em alguns momentos, mas isso foi até passarem pelo tal trailer de lanches na beira da estrada.
deu um grito tão alto que por pouco não perdeu o controle do carro.
— O que foi?! — gritou de volta, até então sem reparar onde estavam ou o que ele tinha visto.
— Vamos comer! — gritou de volta, apontando para o trailer. fez uma careta.
— Você nem está com fome, comemos no bar.
— Só batatas! Eu quero um lanche.
— Podemos ir numa lanchonete então. — tentou dar partida no carro novamente, mas voltou a gritar.
— Não! Você disse que a gente podia comer ali! Eu deixei você me embebedar, agora vamos comer meu lanche!
— Você disse que não está bêbado.
— E você disse que eu estou!
— Argh, está bem! — respondeu, insatisfeito, e manobrou o carro para estacionar enquanto pulava no banco feito uma criança cheia de energia.
riu dele, mas não disse nada.
tentou descer do carro sem soltar o cinto assim que estacionou, não entendendo o motivo de não conseguir descer. Quando soltou para ele, tombou para frente, apenas não caindo porque o segurou no último instante, mas ele nem se abalou, correndo para fora para fazer os pedidos e por pouco não caindo mais duas vezes antes de chegar até a fila.
E sim, surpreendentemente, tinha uma fila naquele lugar, com duas pessoas na frente deles fora os quatro ou cinco grupos já comendo ou esperando seus pedidos ao redor. não o deixou escolher o que comer, apenas pediu pelos dois, e então empurrou para pagar por eles, com tanta força que por pouco não caiu para dentro do trailer em cima do pobre atendente.
Antes que ele pudesse reclamar, já tinha dado as costas e ido atrás de um lugar para se sentar, então apenas revirou os olhos e fez o pagamento antes de ir se sentar junto dele.
— Você vai ver, é muito melhor que essa sua comida de metido a rico. — avisou.
— Eu duvido.
— Então vamos apostar e se você perder você...
— Não. — o interrompeu e cruzou os braços com um bico emburrado na cara, o fazendo rir novamente.
Tinha certeza que mesmo que concordasse em transar com ele, não chegaria acordado em casa para ainda ter disposição para isso, mas preferiu não arriscar mesmo assim.
se recusou a voltar a falar com ele e quando a comida chegou, já estava dormindo com a cabeça em cima da mesa e baba escorrendo no canto da boca.
— Ei. — o cutucou pelo ombro. — Seu lanche gorduroso chegou. — chamou, mas o garoto no máximo suspirou. o cutucou mais uma vez, e quando ele apenas resmungou qualquer coisa inaudível, pegou uma batata e enfiou em sua boca.
não abriu os olhos, mas mastigou e engoliu.
— Mas é muito abusado mesmo. — reclamou, o cutucando mais uma vez. — Se você comeu você está acordado.
Ao invés de responder, apenas voltou a abrir a boca para ele por outra batata.
xingou, mas fez o que ele pediu, o vendo mastigar e engolir mais uma vez.
— Você vai ter que levantar pra comer o lanche, não tem como colocar na sua boca.
— Tem sim.
— Não tem.
— É só pedir uma faca e cortar pra mim.
— Mas nem nos seus sonhos! — riu do abuso.
— Se você não vai me comer podia me dar de comer pelo menos. — reclamou, e apenas enfiou outra batata em sua boca.
— Já estou te dando de comer.
— Quero o lanche também. — insistiu.
— Vai a merda, .
Bufando, o garoto finalmente se sentou. Ele suspirou, balançando a cabeça feito um gatinho irritado. Ele era fofo bêbado, tanto quanto era chato.
— Só porque é muito bom. E porque não se recusa comida de graça. — falou, pegando o lanche de dentro da cestinha onde ele veio. — E porque eu quero te ver comer.
— Você pode comer os dois, não me importo. — tentou.
— Come, . — mandou, todo sério, como se não estivesse babando na mesa há segundos atrás. — Se você não vai me...
— Tá bom! — praticamente gritou, apenas para que ele parasse de falar. riu, mas deu a primeira mordida em seu lanche enquanto assistia fazer o mesmo.
Meio relutante, deu a primeira mordida e gemeu impressionado com o quanto era bom. Ele arregalou os olhos, surpreso, e sorriu vitorioso, com a boca cheia de molho.
— Eu disse! — comemorou, com a boca meio cheia. Ele estava uma bagunça e pensou se deveria tirar uma foto para mostrar para ele no dia seguinte.
Esquecendo-se que ainda tinha lanche na boca, seu outra mordida, deixando pingar molho na roupa. teve que parar o que fazia para ajudá-lo.
— Quer um babador? — provocou, prendendo um pedaço de papel na gola de sua camisa e colocando outro em seu colo.
— Se você tivesse cortado pra mim isso não tinha acontecido.
— Tá bom, agora mastiga antes de falar. — retrucou, limpando sua boca com o papel quando voltou a mastigar.
— Ai! — reclamou. tinha propositalmente passado o papel com força demais.
— Come quieto. — mandou.
— Não precisa arrancar minha boca!
— Se eu arranquei sua boca como você está falando?
fez bico novamente ao invés de responder e voltou a rir antes de pegar seu lanche outra vez.
Na quarta ou quinta mordida, já mastigava com os olhos fechados e duas mordidas depois ele já voltava a se deitar na mesa com os olhos fechados, comendo o lanche em micro mordidas.
já tinha terminado o seu e comia as batatas a essas alturas, intercalando em colocar algumas na boca de para que ele comesse também. Pegou o celular em algum momento para filmar aquilo, se divertindo com a situação.
era um bêbado engraçado, torceria para que ele tivesse gostado da experiência e pudessem repetir novamente, mesmo que tivesse que cuidar dele outra vez e limpar molho de sua camisa.
ainda estava na metade de seu lanche quando decidiu que talvez fosse o suficiente. Ele mal mastigava, não queria que ele se engasgasse com a comida.
— Está com sono? — perguntou, e o viu concordar com a cabeça, sem abrir os olhos. — Vamos pra casa? — ele concordou mais uma vez.
tirou o lanche de sua mão e arrumou a bagunça, colocando o lixo dentro da cestinha. Precisou limpar a boca e as mãos de de molho, mas o fez com mais delicadeza dessa vez. Quando terminou, precisou puxá-lo para se levantar e se agarrou ao seu braço para que os guiasse de volta para o carro sem que ele precisasse abrir os olhos e dormiu o caminho todo de volta até a casa do clã.
pensou que as emoções do dia tinham acabado, mas então chegaram na casa do clã e de repente estavam os dois jogados no meio da sala, com gargalhando embolado em seu tapete. não sabia se ria junto ou se o mandava ficar quieto antes que acordassem a casa inteira.
— Os outros devem estar dormindo, . Faz silêncio. — pediu, tentando sussurrar, mas também estava rindo. tinha caído por cima dele e não conseguia se levantar porque estava rindo demais para ter forças.
— Por que me trouxe pra cá? Eu podia ter ido pra casa.
— Você está até falando embolado, .
— Eu não estou bêbado.
— Imagina se estivesse. — falou, assustando os dois ao aparecer repentinamente na sala.
— Hyung! — exclamou, sentindo-se culpado por tê-lo acordado. usava pijama e tinha os olhos inchados de sono. Seus cabelos estavam totalmente bagunçados por ter acabado de acordar, mas ele não parecia irritado, felizmente.
Ele se aproximou para ajudar os dois, estendendo a mão para primeiro já que ele estava por cima.
— O que aconteceu? — perguntou.
Antes que pudesse responder, , que olhava atentamente para meio de ponta cabeça, voltou a falar.
— Ele parece um gatinho! — exclamou, apontando para . — Ele não parece um gatinho?!
precisou segurar o riso porque sabia que estava ciente daquela comparação e não era muito fã dela, mas o outro apenas suspirou, provavelmente não vendo sentido em discutir com um bêbado.
— Porque você me chama de gatinho quanto tem um gatinho em casa?! — perguntou para .
Ouviram rir e se voltaram para as escadas, vendo e descer de lá com a mesma cara de sono que .
— Quanto ele bebeu? — perguntou, enquanto e ajudavam a ficar de pé.
— Pouco na verdade. — respondeu. — Ele nunca tinha bebido antes.
— Eu não estou bêbado!
— A gente está vendo. — retrucou, o empurrando para se sentar no sofá. voltou a fazer bico.
— Por que você só não usou magia para ajudar? — perguntou, de repente abrindo uma garrafa de água que ele provavelmente havia invocado com magia também.
— Você podia usar magia pra isso o tempo todo?! — exclamou, indignado. — Você podia ter usado magia e então podia me fu...
— Era para você ter a experiência completa! — o interrompeu antes que completasse a frase.
revirou os olhos, praticamente empurrando a garrafa de água na boca de .
Ele tentou reclamar, mas falar ao mesmo tempo que a água descia o fez engasgar.
— Vai afogar ele. — reclamou, puxando a garrafa para si.
— Por que tem um bêbado na nossa sala? — perguntou, descendo as escadas junto com .
— Eu não estou bêbado.
— Imagina se estivesse. — respondeu. fez uma careta pra ele.
— Não gosto de você.
— Não gosto de você também. — retrucou.
Repentinamente, sem que ninguém soubesse como entrou na casa, Mochi apareceu, pulando no colo de para rosnar para .
— Mochi! — o abraçou, apertando o gato em seus braços até que ele rosnasse para sí também, indignado.
— Sem matar seu gato hoje. — o segurou pelos braços para que soltasse Mochi e o gato imediatamente fugiu para longe de , desistindo de protegê-lo de . — Vamos para cima. Você precisa de um banho gelado.
— Você podia só resolver com magia. — lembrou.
— Ele quer que tenha a experiência completa de um porre. — respondeu.
— Que coisa estranha.
— É o . — respondeu, dando as costas para voltar para o quarto. foi junto, mas ficou para ajudar a levar o garoto para o quarto enquanto e ficavam para dar ordens.
Quase caíram novamente umas três vezes durante o percurso, mas por fim conseguiram chegar ao quarto.
resmungou ao acordar. Felizmente, as janelas estavam fechadas e o quarto totalmente escrito, mas sua cabeça doía mesmo assim e ele não demorou para se lembrar do motivo. Imediatamente levou as mãos até o rosto, resmungando novamente com a humilhação da noite anterior.
Ao contrário do que esperava, se lembrava de tudo: De ser alimentado por e dormir enquanto comia, de acordar o clã inteiro quando chegaram, de se agarrar com de forma um pouco obscena demais no meio do bar e de pedir para fuder com o loiro fuder diversas vezes aos berros.
Humilhante, sim, mas acabou rindo. Tinha sido divertido no final, e realmente tinha cuidado dele. Pensando agora, se dava conta de que muitas vezes o loiro tinha bebido por ele para que não passasse do ponto.
E o maldito realmente não ficou bêbado.
Ainda sem abrir os olhos, se virou na cama, apenas reparando que Mochi estava em cima dele quando o gato miou revoltado por estar sendo incomodado.
— Dorme em cima de mim e ainda quer reclamar? — resmungou, sua voz rouca pelo sono.
entreabriu os olhos para buscar na cama e choramingou com a dor de cabeça. Toda a iluminação do quarto vinha da porta do banheiro minimamente entreaberta. Era pouca coisa, mas o suficiente para incomodá-lo.
voltou a fechar os olhos, tentando diminuir a dor, e tateou a cama atrás de . Ele não estava agarrado consigo dessa vez, mas estava ao seu lado, e o cutucou assim que colocou as mãos sobre ele.
— Acorda. — pediu com um resmungo, encostando a testa em seus ombros. , infelizmente, nem se mexeu. — Você me embebedou, faz minha cabeça parar de doer. Eu quero dormir.
apenas resmungou qualquer coisa, virando o rosto para o outro lado aos suspirar. se viu obrigado a sacudí-lo novamente.
— Jimiiiiiin. — chamou, falando arrastado.
— O queeeê? — respondeu no mesmo tom.
— Minha cabeça dói.
— Claro que dói, se chama ressaca. — respondeu, não parecendo muito acordado realmente. Ao invés de fazer alguma coisa para ajudá-lo, apenas deu as costas, puxando a coberta para a cabeça.
se viu obrigado a abrir os olhos, puxando a coberta de volta para baixo.
— Faz parar de doer. — pediu, mas apenas se cobriu novamente.
— Tem remédio do lado da cama.
— Que remédio o que, . Usa sua varinha mágica! — se estressou.
— Logo cedo? — finalmente abriu os olhos, indignado, mas apenas virou o rosto em sua direção. — Vai a merda.
— , está doendo!
— Faz parte da experiência. — ele voltou a dar as costas.
— Eu só vou pedir mais uma vez. — ameaçou, com um plano em mente, mas o loiro o ignorou completamente em nome da preguiça. — Jimiiiiiin. — ele voltou a chamar, o empurrando um pouco mais para o lado enquanto o sacudia.
apenas resmungou alguns palavrões, sonolento demais para fazer mais do que isso, pelo menos até cair da cama com um baque alto e um grito. o tinha empurrado para fora.
— ! — o loiro berrou enquanto se sentava, mas apenas riu, escondendo o rosto no travesseiro.
— Precisava disso?! — voltou a gritar.
— Espero que agora sua cabeça também esteja doendo.
— Bebê chorão. — reclamou, levantando-se do chão. — Todo mundo passa por ressaca.
— Eu não sou todo mundo. Quem me embebedou tem uma varinha mágica.
Ao invés de lhe xingar novamente, apenas suspirou, fazendo-o rir outra vez.
— Está bem, eu faço. — falou, fazendo comemorar. — Mas só porque eu quero voltar a dormir.
voltou para a cama e se deitou de barriga para cima, pronto para o que quer que ele fosse fazer, no entanto, ao olhar para o loiro, arregalou os olhos.
— O que é isso no seu pescoço?! — praticamente gritou, sentando-se rápido na cama.
Mesmo com a pouca luz, viu ficar pálido, levando a mão até o lugar indicado rapidamente.
Havia uma enorme mancha preta se iniciando atrás de sua orelha e sumindo por baixo de sua camiseta.
rapidamente se lembrou de todas as vezes que viu coçar ali.
— Você está doente? O que aconteceu? — perguntou, ficando rapidamente preocupado. se ajoelhou na cama para puxar para perto, mas ao invés disso, se afastou mais. — Me deixa ver. — pediu, aflito. Todo seu sono passou imediatamente e ele se até mesmo de sua dor de cabeça.
Ao invés de respondê-lo, no entanto, simplesmente deu as costas, deixando confuso ao correr para fora do quarto.