━Autora Independente do Cosmos.
Encerrada ✔️
A primavera tinha feito um bom trabalho. Ouvi dizer que não houvera outra tão brilhante e harmoniosa no decorrer dos últimos anos. Haviam mais rosas vermelhas do que o habitual, atravessando toda a extensão dos campos em um mar escarlate. As mesmas rosas que eu observava nesse momento. As mesmas que a presenteei antes que tudo isso começasse.
Se existia algo de positivo na morte, era que somente nela poderíamos reencontrar os amores perdidos.
Quando o sangue se misturou ao monumento vermelho, tudo ficou em câmera lenta à medida que sentia meu corpo descer e afundar. Havia algo de bom na dor. Ela embaçou minha visão, mas trouxe outra coisa melhor: a imagem dela. A mais pura imagem do anjo que havia partido. Ela sussurrou meu nome e, Deus, como era possível sua voz ser tão bonita quanto sua aparência? Era como o pôr do sol do reino de Pegasus: balanços quentes em varandas e copos de chá gelado, cigarras mais altas que os pensamentos. Senti-a tocar em meu ombro, e o barulho das espadas da batalha ia sumindo cada vez mais atrás. Que sumisse. Eu iria com ela, com toda certeza. E finalmente estava dando-lhe todas as rosas do reino.
era a princesa mais linda que eu já vi.
Seria mais fácil se sua beleza fosse apenas externa. Aquele tipo de beleza já farta, inútil, que servia apenas para agradar os olhos. Não, tinha mais do que isso. Era inteligente, astuta, paciente. Os olhos egoístas do reino só sabiam observar o brilho de seu cabelo, seu lindo sorriso e seus olhos encantadores. Ninguém reparava em sua expressão cansada — o cenho franzido, a boca tensa. Aquela era sua expressão normal. Apesar disso, combinava com seus traços, acompanhando cada linha em torno da boca e dos olhos. Minha primeira impressão era de que aquela garota muitas vezes não se sentia feliz.
Primeiras impressões, muitas vezes, não passavam de um tremendo equívoco.
Ser filho do ferreiro real me permitiu várias e várias entradas no castelo desde que aprendi a pôr os pés no chão. Ver a princesa jamais me interessou — afinal, sabia que a veria várias vezes, desde que estivesse em sua casa. Sua beleza era realmente algo de tirar o fôlego, algo que me fazia desviar os olhos no início, tomado de um profundo tédio, resultado das minhas malditas primeiras impressões.
Porque era previsível que a princesa do grande reino de Pegasus fosse uma dondoca qualquer.
Foi em uma noite de inverno, quando as paredes de madeira de nossa pequena cabana já não eram mais tão capazes de reter o calor com eficiência, que saí com meu pai para buscar lenha nos confins da Floresta Vermelha. Com 12 anos, eu me sentia perfeitamente apto a deixá-lo separar-se de mim e adiantar o serviço pelo outro lado. Fazendo isto, segui pela direção da clareira, onde um mar de rosas vermelhas agora estava quase desaparecido pelos cadáveres de flora que o inverno deixava. Era a oportunidade perfeita de afastar os galhos mortos e conseguir mais lenha. Com a manta cobrindo até o nariz, andei com afinco pela neve entulhada aos lados, me aproximando da onde ela diminuía quando vi uma figura encapuzada parada em frente ao roseiral.
Morávamos no reino há pelo menos 10 anos e, durante todo esse tempo, não havia um único lugar naquela floresta que eu não tenha explorado, e não havia um único padrão de comportamento que eu não conhecesse. Dessa forma, soube exatamente que aquela figura não era normal, não era de alguém de dentro. Mesmo com aquela idade, eu sabia perceptivelmente que comandar trazia consigo uma gama de inimigos e relações instáveis, portanto, nada era seguro, ninguém era confiável. Levei as mãos até as botas e puxei de lá o canivete que usava para colher frutas. A neve me deixava lento, mas controlava minha respiração. Em um instante, eu me achegava por suas costas e dizia:
— Legal da sua parte nos fazer uma visita, mas quem é você? — minha voz era abafada pela manta. Um gemido escapou da outra pessoa quando sentiu a lâmina nas costas.
— D-d-desc…
— Não há necessidade de desculpas. Só precisa me dizer quem é e te mostro a saída.
A pessoa era mais baixa e, claramente, também uma criança, o que me intrigou assim que cheguei mais perto. Crianças eram uma ótima isca de espionagem, carregavam venenos dentro dos bolsos e dentro dos olhos inocentes.
— Calma… — a pessoa levantou os braços e virou-se lentamente. Uma manta cobria seu rosto igualmente até o queixo. Parecia uma… — Eu não sou o que você pensa.
— Eu também não. O que faremos sobre isso?
— Sou uma garota! — ela disse em um tom óbvio e indignado. Eu apenas arqueei as sobrancelhas em uma expressão patética e tediosa.
— E daí? — arranhei. — Garotas não fazem nada de errado?
— Eu só queria uma rosa… — ela sussurrou. Estalei a língua.
— Caso não percebeu, estamos no inverno, garota. As flores estão afogadas na neve. Espere a primavera, sim? Agora, acho que não é prudente que fique aqui até essa hora…
— Não é nada disso que está pensando. — ela bufou, largando as mãos ao lado do corpo. — Não quero rosas porque sou uma garota. Eu preciso delas. Pra fazer um remédio.
Parei e pisquei. Quis colocar a culpa no frio para explicar o nada-com-nada que aquela pessoa dizia, mas apenas franzi o cenho e disse:
— É o quê?
— Está certo. Rosas vermelhas têm importantes propriedades medicinais, sabia? Ela é um calmante natural, além de acelerar o metabolismo e prevenir o envelhecimento. Junte as pétalas em 1 litro de água e terá o melhor chá da sua vida. Agora, queria muito continuar falando com você, mas realmente preciso terminar isso aqui.
Eu simplesmente… Tentei mudar a expressão. Mas ela não ia, estava congelada. A garota se virou novamente, agora ajoelhando-se na grama, cavando neve com as próprias mãos. Senti que aquele era o momento em que eu deveria ter me livrado dela e seguido meu caminho.
— Deus do céu, você está falando sério mesmo? — continuei, porque o meu choque me impedia de sair.
— Estou! Agora você vai me ajudar a desenterrar algumas delas ou vai tentar me atacar de novo? — ela grunhiu, virando o rosto rápido na minha direção.
Naquela hora, juro que algo estranho foi tudo que consegui sentir quando vi o pedaço de pano em seu rosto ceder alguns milímetros e mostrar o rosto corado pelo frio. Um tipo de empatia me atingiu, junto com uma impressão vinda do além de que ela parecia ter uma expressão honesta, um sorriso incerto, recém-cunhado…
Péssima hora para imaginar coisas.
— Ah, Deus, não acredito que vou fazer isso…
Me abaixei ao lado dela, repetindo os movimentos de busca pelas flores. O jeito como fazia isso era amador e perdido. Suas mãos, escondidas em luvas grossas, não tinham nenhum remendo ou cheiro de fumaça. A respiração era lenta e calma, mesmo que estivesse agitando todo o corpo. Ela era simplesmente estranha o bastante para que eu quisesse continuar olhando.
O fato era que poucas garotas saíam sozinhas depois do pôr-do-sol para pegarem rosas para fazer remédios e não começavam a chorar quando eram ameaçadas por qualquer coisa pontuda.
Qual é, quem é você?, a voz na minha cabeça quis saber, mas ela permaneceria no escuro, porque quando me preparei para questionar, um barulho surgiu da escuridão das árvores ao redor, onde a luz da lua não batia e vários olhos observavam.
— O que foi isso? — ela perguntou e minhas mãos foram até sua boca de imediato. Fiz um sinal para que se calasse, todos os meus sentidos em alerta. Quase me esqueci da onde estava; no meio da clareira, vulnerável, à vista dos monstros noturnos que habitavam a Floresta.
Soltei-a e me coloquei de pé lentamente. Os olhos dourados me encaravam das trevas de folhas. Um rugido preparatório indicava sua intenção de atacar. O jeito como se mexia era familiar. Quando sua pelagem surgiu na luz, não era nada que eu não havia visto.
— O que você quer fazer? — o sussurro amedrontado da garota veio ao meu lado, e murmurei um “shiu” cortante. Não era hora de conversar, mas também não era hora de eu estender aquele joguinho de caça que costumava ser divertido em outros dias.
Em um movimento, tornei a pegar o canivete escondido e enxerguei o animal por completo ao mesmo tempo em que ele notou as duas presas ao seu dispor. Lancei-a no ar, que contornou a atmosfera como a pedra de um estilingue e cravou-se diretamente na testa do animal, fazendo o lobo soltar um latido anormal, misturado com urros de dor antes de se movimentar por alguns metros e desabar no limite da clareira.
— Uau! — de repente ela estava de pé ao meu lado, arregalando os olhos para o lobo caído, que não devia passar de um filhote. Um filhote imenso. — Você simplesmente o acertou tão rápido. Sua mira é magnífica! — ela juntou as duas mãos, virando-se para mim. Havia algo de estranho naquela forma de falar; as palavras eram longas e polidas, educadas, até mesmo no estado de entusiasmo. Parecia menos um sinônimo de falar e mais para elogiar. De um jeito, como se diz… Eloquente?
Esse tipo de coisa que eu só ouvia no castelo.
Revirei os olhos e caminhei de volta para o bicho, puxando meu canivete com força e limpando o sangue em seu pelo. Quando voltei, ela ainda estava ali parada, me olhando como se eu fosse algum tipo de herói ou coisa parecida. Não pude deixar de reparar como seus traços eram finos e até agradáveis.
— Sabe o que é isso? Meu argumento. — resmunguei, guardando a faca na bota novamente. — Essa não é uma boa hora pra quem não conhece a Floresta Vermelha.
— Então acho que acabou de evitar um belo incômodo colocando essa coisa nas minhas costas. — ela deu de ombros, ajoelhando-se novamente — E não é como se eu tivesse escolha. Ninguém sabe que estou aqui.
— Como assim?
Ela se remexeu em seu lugar.
— Não tenho permissão para sair. — respondeu, simplesmente. — Mas vir aqui foi ideia minha e totalmente minha. As ideias de outras pessoas sempre parecem me causar mais problemas.
Juntei as sobrancelhas. Estava quase contando a ela como as ideias de Heeseung, meu odioso primo, causavam problemas para todos em casa também, mas então me dei conta de que ela diria algo mais, e daí eu responderia, e isso poderia seguir noite adentro, e eu realmente não estava afim de ver a mãe daquele lobo mais tarde.
Por fim, apenas cocei a garganta e me abaixei de novo, voltando a procurar as benditas flores que serviriam de chá.
Não demorou muito para que achássemos os restos das flores e ela se despedisse com gratidão, correndo com pressa por uma bifurcação entre as árvores e desaparecendo no escuro. Fiquei parado por um tempo, pensando se devia ir atrás dela e salvar sua vida de novo, mas então suspirei e segui meu caminho. Algo a respeito daquela figura estranha me dizia que aquela era uma garota com quem eu podia ter uma conversa — talvez um dia, se a encontrasse de novo —, e não dormir com assuntos sobre bordado, casamento e filhos.
No dia seguinte, um oficial real trazia uma tropa inteira ao nosso estabelecimento.
Do nada.
Esse tipo de coisa não era incomum, já que meu pai era o principal responsável por forjar as espadas personalizadas do rei e de todos os comandantes reais do exército. Porém, daquela vez não estavam convocando meu pai. E sim, eu.
O rei queria me ver.
Meu pai parecia tão chocado quanto, mas a opção de recusar não existia. Engoli em seco, olhando para ele antes de seguir com os oficiais. Pude ouvir a voz dele em minha mente: Não preciso dizer que, se tiver aprontado, vai ficar de castigo, não é?
Mas não me lembrava de ter feito absolutamente nada. A única coisa que fazia ultimamente, no pico do inverno, era sair e buscar lenha, tirando as horas que passava na estufa, onde alternava meu tempo entre vigiar as forjas e testar as espadas novas. Fazia todo o caminho habitual pela Floresta Vermelha, onde só havia visto aquela garota estranha, e, me programei para que, se a visse novamente, daria meia-volta e faria o caminho contrário, colocando um ponto-final naquela coisa, simples assim. Ela não parecia ser, como dizia minha mãe, uma garota sensata. Na melhor das hipóteses, aquilo só poderia terminar em tormento.
Expirei forte e adentrei no salão real.
Sua majestade estava sentada no maior trono, é claro, cercado por oficiais com lanças pontudas em seus braços paralisados. Ninguém pareceu me olhar realmente. Quando cheguei diante dele, curvei-me como de praxe e o rei coçou o queixo, avaliando-me.
— Você é Park?
— Sim, Majestade. — mantive a cabeça baixa. A ansiedade dormente de antes começou a se agitar em meu peito.
— Era dele que você estava falando? — agora ele falava com outra pessoa.
— É, é ele sim! — a outra pessoa respondeu e, imediatamente, levantei o pescoço.
Não sei como a reconheci. Aliás, agora olhando-a de perto, não sei como não a reconheci. Ela me lançou um sorriso enorme antes de se virar para o rei e começar uma enxurrada de palavras, contando a história de como nos conhecemos e de como a salvei de uma besta horrenda da escuridão da Floresta. A princesa. Ela era, simplesmente, a princesa .
De qualquer forma, a questão não era o que ela estava dizendo de mim. A questão era que estava escondendo algumas partes essenciais da história, como por exemplo o motivo de estar lá fora no frio àquela hora, arriscando a vida em busca das flores. Ela disse, claramente, com todas as letras, que as estava pegando para fazer remédios. Calmantes e sei lá o que. Mas o rei estava ouvindo sobre a colheita de rosas vermelhas para criar tintas e iniciar a confecção de tecidos para a primavera.
É o quê?
Em todo caso, não era algo que eu pretendesse me meter. Ouvi a voz do rei ralhar e reclamar, jogando-lhe um sermão cansativo, como se não fosse a primeira vez que tivesse de fazê-lo. A princesa piscou os olhos e inclinou a cabeça de forma adorável, conquistando-o de novo. Em seguida, Sua Majestade coçou o queixo e olhou distraidamente para o chão.
— Bom, é mais do que justo que seu pagamento seja em dinhei…
— Não, papai! — ela o interrompeu. — Digo, Majestade… Ele salvou a minha vida. De um jeito totalmente ágil e forte, dignas de um cavaleiro. Ele é um achado, um talento. Essas coisas não se compram com dinheiro.
Abri a boca e tornei a fechá-la. Não estava entendendo mas, ao mesmo tempo estava e isso era um pouco assustador. O rei me encarou no fundo dos olhos e assentiu com a cabeça. juntou as mãos em alegria, da mesma forma que havia feito naquele dia.
E foi assim que me tornei cavaleiro real.
Desde então, várias estações se passaram em que eu e estivéssemos sempre juntos.
Quando descobri que a amava, já estava amando há muito tempo. Talvez desde que a ajudei a desenterrar rosas na neve. Talvez desde que passei a vê-la todos dias e conhecê-la melhor. E saber que sua expressão cansada, na verdade, era fruto de seus estudos constantes em seus aposentos, o que já a tornavam a melhor especialista de todo o reino, só serviu para que a imagem distorcida de realeza derretesse em minha mente.
Mas ela era a princesa, afinal. Não era como se eu tivesse alguma chance.
Enquanto crescíamos, também crescia a vontade de ficar mais perto, de estender horários. Lutei contra esse tipo de coisa por mais vezes que o necessário. O segredo era não imaginar como teria sido ficar e conversar, mas a cada vez que deitava minha cabeça no travesseiro, o rosto dela pairava em minhas memórias até que eu caísse no sono. Arrisco a dizer que era exatamente por esse motivo que eu dormia mais rápido do que os outros.
Meu próprio corpo me traía. Eu não deveria imaginar. Quando não se tinha dinheiro suficiente para algo, a pior coisa no mundo era imaginar como seria ter esse algo.
Era o que estava acontecendo.
No entanto, para minha total surpresa, ela foi a primeira a se declarar a mim. Em uma noite de inverno, às margens das flores vermelhas salpicadas de neve, sob a luz daquela mesma lua. Me senti perdido e eufórico ao mesmo tempo. Não consegui responder nada de imediato, só recuar. Parecia algo saído de alguma fantasia, as várias que alimentei em minha cabeça. Ela parou e não entendeu meu recuo. Mais tarde, o desejo me consumiu e bati em sua porta muito depois do horário de recolher.
Ali, só consegui beijá-la. E beijei-a pelo resto da noite.
Não havia necessidade de pensar no depois. Eu era o melhor cavaleiro do rei. O melhor de todo o reino. Aos 21, já liderava a vanguarda ao lado de Sir. Jungwon. Mesmo que eu mantivesse minha paixão por escondida pelos últimos três anos, sabia que, no final, ela era meu destino. Era com ela e por ela que findaria minha vida.
Até que, um dia, fui convidado a conversar em seu quarto. Por incrível que pareça, não era estranho que eu entrasse e saísse de lá. Oficialmente, eu era seu guarda-costas oficial — além de os demais rostos no palácio ainda nos enxergarem como as duas crianças que corriam por aí.
Naquele dia, ela estava com a expressão mais séria que o normal.
— Meu pai fez um acordo. — sua voz estava embargada e cheia de tristeza. Eu juntei as sobrancelhas e esperei que continuasse. — Ele se encontrou com o rei de Baldor.
— O que tentou nos atacar há alguns meses? — perguntei em descrença. Ela assentiu.
— Ele mesmo. Meu pai quer evitar a guerra a todo custo. Eles têm mais homens e um número desconhecido de poder de fogo. Diz que inventaram uma arma movida a pólvora, mais letal do que os canhões. Ele está com medo… — ela fungou, com os olhos vermelhos. Dei um passo à frente, mas ela me afastou delicadamente. — Está com medo e, assim, propôs um casamento. Ele quer que eu me case com o príncipe.
Fiquei parado como se recebesse um golpe no estômago. As palavras me faltaram. fez mais uma careta de choro.
— O-o quê? — foi o que consegui responder. Ela apertou os olhos com força.
— Ele não tem noção. É um idiota quando se trata de dinheiro, ouro, terras… O rei Doc prometeu tudo isso em troca da minha mão. — falou enojada. Engoli em seco, ainda absorvendo a informação. Algo quente se espalhava em meu peito, sufocante.
— E você? — perguntei depois de um tempo. Havia todo o receio do mundo na minha pergunta. — O que você disse?
Ela apenas me encarou com um olhar muito firme. Não era uma expressão comum, aquela que deixava algum espaço para brincadeiras.
— O que você acha, ? — ela deu um passo à frente, olhando no meu rosto. — Claro que não quero me casar. Não quero me casar com nenhum desconhecido, quero me casar com você.
Inclinei a cabeça para o lado, mirando a peça artesanal em formato de estrelas que havia dado a ela de presente há 5 anos. Ela ainda a guardava como algo valioso, mais valioso do que os outros itens em ouro e prata espalhados pelo quarto.
— , já conversamos sobre isso…
— Exatamente, conversamos muito sobre isso. Eu não entendo, , a gente se ama. Eu te amo e não posso contar isso a ninguém, porque você insiste que precisamos esperar. Mas agora, a situação…
— Não é apenas sobre isso, . Seu pai confia em mim, assim como toda a sua família residente desse palácio, mas isso não muda suas prioridades. Eles jamais aceitariam que a princesa se casasse com o filho do ferreiro. Preciso conquistar mais títulos e mais posses para que eles me vejam como alguém à sua altura.
— Quem se importa com o que eles pensam? Eu quero, . Quero mais do que tudo. — ela sussurrou perto do meu nariz, e beijou meus lábios logo em seguida. Toda a lógica do meu cérebro foi embora. Quando me beijava, eu só conseguia pensar em estrelas. Estrelas ascendendo e descendendo. Era estranho imaginar quão rapidamente elas giravam no céu: um vasto movimento distante demais para detectar. Leão, Leão Menor, Cinturão de Órion. Todas as constelações que ela havia me ensinado desde criança.
Existiam pessoas que conseguiam ler o destino nos céus. Se eu pudesse, veria o que deveria dizer a ?
— , escuta… — me afastei com sofrimento. Ela continuava perto, com o olhar confuso. — Não há momento pior para causarmos alarde no reino. O rei Doc é conhecido por ser louco e genocida. Não há a menor chance de vencê-lo caso comprarmos a briga. A proposta que ele fez…
— Isso quer dizer que concorda que eu me case com outro?
— Eu não disse isso.
— Mas não vai tentar impedir. — disse com a voz falha. Senti algo extremamente violento apertar meu peito. Algo como ser pisoteado pelos 500 cavalos da vanguarda.
— …
— Saia daqui. — ela virou-se para a sacada, escondendo o rosto que já devia se contorcer em um choro. Senti como se estivesse afundando em mar aberto sem qualquer possibilidade de emergir.
— , vamos conversar… — tentei dar um passo à frente, mas ela fez um sinal de mãos para que eu não me aproximasse.
— Acho melhor você voltar. Amanhã a gente se fala.
— Isso é um convite? — perguntei rápido demais, tomado pela ansiedade esmagadora. Um tipo de pânico me tomou quando ela demorou a responder. Algo diferente, algo que me dizia que ela não teria mais interesse em me chamar para conversar, ou ficar com ela, ou deixar que a fizesse companhia à noite.
Como eu era idiota. Como poderia querer essas coisas quando não tinha dado nenhuma resposta coerente e nenhum posicionamento válido naquela questão importante?
— Não sei. — ela respondeu e virou-se novamente, mexendo os ombros para mais uma sessão de choro. Engoli em seco e mordi os lábios com força, sentindo o nariz queimar. Saí do quarto a passos pesados, irritado, querendo desesperadamente correr para a Floresta Vermelha e gritar. Gritar de ódio. Frustração.
Tudo isso por mim mesmo.
Nos próximos dias, se encontrava cada vez mais no quarto ou nos aposentos de estudos. Quando eu tentava falar, ela apenas assentia e respondia o necessário. Nem ao menos sorria em resposta. Eu a entendia, mas ainda não podia dizer o que estava tentando fazer.
Há um tempo, eu reunia todos os documentos de meus títulos, conquistas e posses em favor do Rei. estava certa, seu pai tinha um bom olho para aqueles que se entregavam em seu favor, e não mostrei nenhuma gota contrária disso desde que fui nomeado. Eu poderia me casar com a princesa. Eu estava à altura da família real. Mas, mais do que isso, eu estava à altura do coração de , e essa era a melhor motivação que eu poderia ter.
Em uma noite, juntei tudo e me apressei a ir aos seus aposentos, mais feliz do que me lembrava, tendo certeza de que, assim que ela visse meus esforços preparados, voltaria a sorrir. Antigamente, aquele sorriso parecia muito perigoso, algo com que meu cérebro não ficava satisfeito, pois sabia que teria uma feia batalha com meu coração em breve. E ele não foi forte o suficiente. Hoje eu vivia por aquele sorriso e acreditava clinicamente que era algum tipo de remédio para o meu coração.
Mas não cheguei a lhe mostrar nenhum documento. Todos eles despencaram de meus braços assim que entrei sorrateiramente em seu quarto. Todos os músculos do meu corpo paralisaram.
parecia dormir profundamente em sua cama de dossel. Seus olhos estavam fechados delicadamente, mas o rastro de sangue pelo seu peito e pelos lençóis brancos, agora pintados em vermelho, paralisaram toda a minha energia. O choque me atingiu como milhares de flechas. Uma lâmina média e brilhante estava cravada em seu coração. Ela não respirava. Estava morta.
Cadillac havia sido assassinada.
E uma parte de mim foi levada junto com ela.
Eu tinha duas regras: ficar longe dos assuntos políticos, porque eles trazem problemas, e ficar longe dos assuntos políticos de outros reinos porque, quase sempre, eles eram uns canalhas.
Depois da morte de , nenhuma dessas regras se aplicaria ao reino de Baldor. Eu os mataria com minhas próprias mãos.
O comportamento distante dela nos últimos dias se deviam às diversas cartas que enviava ao reino vizinho, junto à reuniões com seu pai e os conselheiros pensando em outras formas de deter o embate, mostrando-se útil ao outro reino de outra forma. Foi quando ela se apresentou como alguém perfeitamente capaz nos cuidados médicos, descobrindo curas e tratamentos de diversas doenças. Ela anotava receitas e tantas outras dicas de prevenção para a população, alegando que o povo precisava viver bem para servir bem, conduzindo pesquisas com mentalidade madura e produtiva. Tudo isso para conseguir seguir a vida com os próprios pés.
Não era uma afronta arrogante. Mas o rei Doc entendeu como uma.
Não havia nada que o reino de Pegasus pudesse oferecer-lhe a não ser a princesa herdeira. E, se não estivessem dispostos a isso, ele daria início ao banho de sangue.
Foi o que aconteceu. E eu, pela primeira vez, me abstive de qualquer comportamento sutil e organizei a marcha que aqueles desgraçados tanto queriam.
Eu os mataria, um a um. Por terem arrancado meu coração. Por terem se negado a um acordo de paz alternativo.
Eu pegaria todo o meu ódio e o lançaria em todos eles. Até alcançar a cabeça do rei Doc.
Era nela que eu cravei minha espada antes de sentir a sua se enterrar no meu peito. No meu coração, agora matando-o de um jeito mais formal. Cuspi meu sangue, que espalhou-se pela relva. A clareira agora tinha o solo vermelho não apenas pelas rosas, mas também pelo sangue de dezenas de corpos espalhados. O rei Doc, um homem baixo e furioso, com a feição de um monstro caiu para o lado, enquanto eu caía diretamente no mar escarlate das flores, respirando seu perfume enquanto sentia a visão embaçar. Ao ver a aparição de , soltei um sorriso automático, vendo-a caminhar entre a flora sanguínea, abaixando-se ao meu lado e sussurrando:
— Que bom que você chegou.
Senti o peito ficar quente de felicidade e a dor se esvaindo à medida que tudo ia ficando escuro. Quando vi, já estava de pé, seguindo sua figura esbelta para um caminho diferente, um campo aberto iluminado, sem corpos ou elmos, que de repente pareceu ser algum lugar perfeito que sempre me pertencera.
Era aqui que eu finalmente viveria para sempre com . Era aqui que eu cantaria todas as canções de amor e paixão que compus durante a vida. E aqui que a morte floresceria em carmesim, anunciando vida intensa e próspera.
A morte não era mais o fim.
FIM.
Nota da autora: Olá! Espero que você tenha gostado, e obrigada pela sua leitura. Até a próxima!
beijos,
Sial ఌ︎
Sial ఌ︎
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