━Autora Independente do Cosmos.
Finalizada ✅️
Naquela noite, Angelo entrou comigo pelo salão abarrotado com a mão em volta da minha cintura, mesmo que eu tenha dito dezenas de vezes pra não fazer aquilo. Não havia nada de mal em beijá-lo esporadicamente na minha casa ou na dele, ou passar uma noite divertida naquela cama espaçosa, mas demonstrações de afeto não eram algo que eu tinha liberado. Nem em público, e muito menos a sós. Ele sabia disso mas, como sempre, uma mulher decidida quase nunca era levada a sério.
Deixei que ele tivesse o que queria por meros cinco minutos até me afastar para abraçar Sandra e Bart, não demorando muito a enxergar Davis e a companhia de meus companheiros de trabalho, mesmo que não trabalhássemos exatamente juntos. Talvez por isso nos dávamos tão bem, já que as escalas da empresa não incluíam apenas revezamento de horários, mas sim, revezamento de países. Aquela ocasião em que todos riam e se divertiam juntos em um mesmo restaurante era mais rara do que se imaginava.
Ninguém ali se conhecia de verdade.
As risadas eram soltas enquanto cada um dividia as últimas atualizações de suas vidas nos últimos 6 meses. Houve um casamento, filhos, términos e recomeços, reconciliações, acidentes e falecimentos de pais, e demissões. Muita coisa acontecia em 6 meses. Uma vida inteira.
— E você, ? — perguntou Sandra, bebericando o grande copo de chopp. — O que aconteceu nesse seu tempo nos Estados Unidos?
Olhei de soslaio para Davis, que endureceu o olhar e engoliu em seco, encorajando-me a tomar a melhor decisão. Se existia algum amigo mais próximo naquela roda, seria ele. E nem mesmo ele sabia da história toda. Mas sabia sobre as crises de choro, os momentos deprimentes no quarto enorme e em como ficar sozinha entre quatro paredes estava sendo uma tortura.
A mesa estreitou os olhos furtivamente para Angelo, com os braços passados sobre a minha cadeira, mesmo que isso não significasse nada. Angelo era apenas um entre tantos que já mostrei, mais uma companhia. Eu nunca estava sozinha. Ninguém nunca me via sozinha.
Mas ninguém olhava para dentro de mim. A solidão era um estado totalmente inconsciente.
— Não aconteceu nada demais. — respondi com um sorriso, buscando a distração da taça gelada o mais rápido possível. — Consegui mais clientes. Fui à praia. Tomei sorvete, e sabe como eu odeio sorvete. Como foi o casamento?
— Mas teve um cara, não teve? — ela perguntou sem qualquer preocupação com minha companhia, ou com os cochichos, que não foram muitos, o que me mostrou em como o assunto já devia ter sido comentado na minha ausência há muito. Claro.
Davis desviou os olhos para a bebida, com medo talvez do tom da minha voz, que era cordial o suficiente para seguir direto do educado ao rude.
Mas eu não me descontrolaria, não na frente de toda essa gente. Mesmo que a pergunta tenha sido como um soco inesperado. Ou como uma faca no pulmão.
Sorri, bebericando a taça. Angelo parecia curioso. Eu poderia usar isso.
— Eu não sei como você descobriu isso, mas que coisa desprezível para jogar nesse encontro. — suspirei. Sandra franziu os lábios — Sabe como sou insaciável. E ainda não tinha provado o gosto de Los Angeles.
A explosão de risadas da mesa foram mais altas do que pensei. Até mesmo Angelo limpou a garganta e aceitou o comentário de bom grado. O que ele diria? Sabia onde estava metido até o pescoço. Sabia dos casos antigos, nesta mesma cidade ou em outras. Sabia que, provavelmente, eu tinha um enorme vazio no peito para querer preenchê-lo com tanta futilidade.
Mas ele não sabia de Los Angeles. Não sabia daquela noite no hotel. Não sabia dele. Ninguém sabia de nada. Davis dizia que sabia pelo que eu estava passando, mas ele também só sabia do agora. Ele não tinha ideia do quanto eu queria voltar ao passado.
Daria tudo para voltar àquela noite no hotel.
O Millenium Biltmore Hotel em Los Angeles era caro e luxuoso, no ponto que eu gostava. O ponto que me deixava confortável ao constatar que só estava usufruindo de tudo que eu tinha conquistado com o meu trabalho. Mas, naquela noite, não acabei nesse hotel. Acabei em um duas estrelas perto de Venice Beach, depois de uma chuva torrencial cair sem aviso e impossibilitar a continuação da minha rota.
Acabei em um hotel que provavelmente tinha cobras ou coisa pior. Com ele.
Jaebum estava comigo.
Foi nesse hotel, em cima daquela cama que provavelmente quebraria ao menor dos movimentos, aquela janela que recebia o vento forte e tremia de uma forma frágil, que eu disse que o amava pela primeira vez.
Pela única vez. E pela última vez.
Foi em um sussurro, depois de a cama ter literalmente quebrado com nós dois, e decidimos que seria melhor fazer amor no chão — sendo até mais emocionante — e Jaebum quis fumar um cigarro depois e dormiu rápido demais. Pelo menos foi o que eu pensei. Mas eu sussurrei, perto de seu nariz, o primeiro “eu te amo” que saiu da minha boca que não fosse para o meu pai e nem para minha gata. Sussurrei, querendo gritar. Rosnar. Era irônico pensar que as palavras mais sinceras de toda a minha vida saíram tão baixas que se ele estivesse um centímetro mais longe não escutaria.
E Jaebum abriu os olhos devagar e virou o rosto para o meu, dizendo as mesmas palavras.
“Eu também te amo, senhorita Hepburn. Que merda, não é?”
Era uma merda. Eu não tinha ido à Los Angeles para me apaixonar. Muito menos me apaixonar por Im Jaebum.
Ele não tinha emprego fixo, moradia estável ou planos aceitáveis para alguém como eu. Seu futuro estava nas mãos de uma filosofia de agora. De presente e apenas presente. Nada em si gritava por uma carreira. Ele vendia itens de artesanato, frequentava aulas abertas na UCLA sem estar matriculado e aprendia rápido. Aprendia com a vida, com as pessoas. Era admirável, mas nada realista.
Eu era realista. E deixei claro quando o conheci. Deixei claro que não me apaixonaria. Ele disse a mesma coisa. Porque, segundo suas concepções, não combinava com uma garota que parecia uma cópia de Audrey Hepburn. Era meu apelido desde então.
Mas nós nos apaixonamos. Mesmo sabendo que não era certo. O pior de tudo foi meu apaixonar sem saber do mais importante. Sem refletir sobre isso, ignorando seus avisos repetitivos:
— Eu não vou ficar, sunflower. Não vou ficar.
E ele não ficou. Não ficou em Los Angeles, não ficou nos Estados Unidos e não ficou nesse universo.
Suas dores foram escondidas de mim, as internas e as externas, e quando ele estava perdendo a consciência em uma cama de hospital, pude ver que Jaebum jamais me daria o que eu estava cobrando. Cobrando impulsivamente, inconscientemente. Sem perceber. Cobrando porque Audrey Hepburn queria as coisas do jeito dela, a despeito das outras pessoas, e que no meu mundo, Im Jaebum precisava melhorar, não eu. E acabei vendo que a situação era totalmente o contrário.
Eu pedi algo específico, mas não estava disposta a dar algo específico. E sem saber de nada que estava acontecendo, o vi partir sem poder fazer nada.
Às vezes, eu me apegava a Jaebum como se fosse um filhotinho. Eu me sentia segura, amada e protegida. Mesmo que socialmente, eu estivesse em uma posição além. Mas foi uma das lições que aprendi não só naquela noite, mas em todo meu tempo que passei junto com ele. Que nós mesmos advertimos o amor com base em um futuro, que é incerto para todos, não importa o quanto você se prepare pra ele. E que abraçar o amor do agora era intenso, tão desconhecido quanto, mas que evitava um dos sentimentos mais torturantes que o ser humano enfrenta: o arrependimento.
Eu não me arrependia por ter me entregado à Jaebum. Por ter dito aquelas palavras no hotel. Não me arrependo de deixar meu coração ser arrebatado por um homem que nunca imaginei. Me arrependo apenas de não ter feito isso antes. Bem antes.
E ninguém fazia ideia disso. Ninguém fazia ideia que eu o disse adeus cedo demais. E ninguém fazia ideia do quanto meu coração estava destroçado por dentro.
O fim do jantar trouxe beijos e abraços ao mesmo tempo da promessa de uma próxima confraternização mais cedo naquele ano. Nunca dava certo. Aquele encontro era uma mostra de saldos de experiências, e precisava de um tempo suficiente para ter o que contar. Um ano era suficiente. Muita coisa acontecia em um ano.
Angelo murmurou algo no meu ouvido antes de voltar a se despedir dos outros. A palavra embolou meu estômago, e recebi o abraço de Davis na hora certa. Era confortável e familiar. Vi que um osso se moveu em seu maxilar quando o soltei, como se segurasse para dizer alguma coisa, que eu provavelmente sabia qual era, e abri um sorriso singelo que carregava um aviso. Hoje não. Hoje eu não quero nenhuma lição de moral.
— Sabe que pode contar comigo, não sabe? — ele sussurrou, e me senti grata, porém cansada. Eu sabia, sabia mais do que tudo. Mas isso não mudava o fato de que ele não sabia.
— Claro. Se cuida.
Andei em direção à Angelo na saída, sem olhar para trás. Sabia que Davis provavelmente me observava pelas costas, visualizando a bela voltando a ser a pseudo-empresária que almejava o cargo de vice-presidente. Ele era o único daquele lugar que se dava conta de que eu podia ser outra coisa.
Mas eu tinha certeza de que ele jamais entenderia.
Angelo se preparou para pegar em minha mão na saída, mas afastei-o gentilmente, colando os lábios em seu ouvido e falando em tom suave:
— Hoje vou para casa sozinha, querido. — abri a bolsa carteira e estendi uma nota de cem dólares para ele. — O ponto de táxi é logo ali na frente. Obrigada pela companhia de hoje.
Ele pareceu surpreso; tanto pelo comunicado quanto pelo dinheiro. Sua boca abriu e fechou várias vezes até que eu suspirasse e enrolasse a nota em seu bolso da frente do jeans, com a expressão ainda chocada.
— Mas… …
— Boa noite, querido. — depositei um beijo em seu rosto e segui rapidamente para a Land Rover estacionada no meio-fio, destrancando-a antes que o local começasse a se encher de meus colegas fazendo a mesma coisa e enxergassem alguma margem para conversas ou outros convites.
Eu não queria outros convites. Só queria chegar em casa e me afundar no silêncio mórbido e pesado que já havia me acostumado. Não era como meu apartamento em Los Angeles, quando Jaebum colocava jazz clássico no último volume e me obrigava a dançar com ele pela cozinha. Hoje eu odiava jazz. Odiava porque chorava. Tudo me fazia chorar.
Angelo continuava parado, atônito. Pobrezinho. Achei que ele perceberia. Queria que ele tivesse prestado mais atenção e visto que havia algo de diferente em mim. Algo de errado. Algo que eu não explicaria, porque ninguém entenderia.
“Desculpe, querido, estou quebrada. Por dentro. Completamente destroçada”, era o que meus olhos diziam através do para-brisa. Automaticamente, minhas mãos foram até o porta-luvas e encarei de longe a polaroid que morava no meu carro. Uma lembrança de dias felizes, de noites elétricas e de sorrisos sinceros. Também me lembrava de conversas curtas e grossas, começos e finais e brigas no banco do carona. Me lembrava dele, em todas as nuances, e manter seu sorriso gravado ali era como ter sua companhia para onde quer que eu fosse.
Ninguém jamais viu essa foto. Ninguém viu o que ele escreveu no espaço em branco. E fechei o porta-luvas para não precisar ver por mais tempo.
Arranquei imediatamente quando vi Angelo começar a caminhar em minha direção. Suspirei, sem olhar para trás, pensando no silêncio que me atraía e me desesperava na mesma proporção.
Ah, Jaebum. Maldito Im Jaebum. O que você tinha feito comigo?
Nunca me esqueceria das noites em que a solidão parecia um estado inexistente. Mas todas elas aconteceram em sucessão para que cedessem um espaço muito maior para a solidão de fato. A mesma solidão constante que eu vivia agora. A mesma que nunca seria curada. Se eu pudesse voltar no tempo, diria a ele que não me sentia sozinha. Diria a ele que poderia tentar ficar. Só tentar...
Ou diria para me levar junto. Além da chuva de Venice Beach. Além do céu e das estrelas de Los Angeles.
FIM.
NOTA DA AUTORA > Olá! Espero que você tenha gostado, e obrigada pela sua leitura. Até a próxima!
beijos,
Sial ఌ︎
Sial ఌ︎
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