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Revisada por: Aurora Boreal 💫
Finalizada em: Maio/2025


Prólogo

Antes de tudo desabar.

Ele me levou até o terraço do prédio onde costumava tocar violão nas noites de insônia.
O céu estava limpo, as luzes da cidade piscando lá embaixo como se fizessem parte do momento. Tinha uma toalha xadrez esticada no chão, duas taças de vinho tinto, e uma playlist baixinha tocando Norah Jones como fundo.
sorriu quando me viu chegar. Aquele sorriso lento, tranquilo, o tipo de sorriso que faz a gente esquecer por um segundo que o mundo pode machucar.
— Não tá frio demais aqui pra um encontro? — provoquei, mas me sentei ao lado dele mesmo assim.
— Você sempre reclama, mas nunca vai embora. — Ele me passou a taça, encostando o ombro no meu. — Isso me dá esperança.
Eu ri. E ele riu também.
Ficamos em silêncio por alguns minutos, só ouvindo a música e o som abafado da cidade ao fundo. Foi então que ele se virou para mim, os olhos fixos nos meus, como se tivesse ensaiado naquela hora.
, posso te perguntar uma coisa?
— Já tá perguntando.
Ele respirou fundo, e o daquele momento — aquele — parecia genuíno.
— Você quer namorar comigo?
Simples assim. Sem firulas. Sem pressa, mas com uma calma bonita, daquelas que só vêm quando a gente acha que encontrou segurança.
Meu coração disparou. Não porque era surpresa, mas porque era certo. Ou, pelo menos… parecia.
— Só se você prometer continuar dividindo o último pedaço de pizza. — Ele sorriu como se tivesse acabado de ganhar a maior aposta da vida.
— Por você? Até a borda recheada.
E então, ele me beijou.
E eu pensei:
É isso. É aqui.
Sem saber que, mais pra frente, eu olharia pra esse momento com um gosto amargo na boca e perceberia que até os cavalheiros sabem mentir muito bem quando querem ficar.

Capítulo Único

Eu nunca acreditei em coincidências. Para mim, o universo sempre deu sinais quando algo estava prestes a desmoronar. Pequenos detalhes, mudanças sutis, um arrepio involuntário. Mas o problema de enxergar os sinais é que, muitas vezes, preferimos ignorá-los.
Naquela noite, deitada sobre o peito de , senti um desses sinais atravessar minha pele como um aviso silencioso. O calor da sua respiração contra meus cabelos deveria ser reconfortante, mas não era. Algo estava errado.
Seus batimentos estavam irregulares. Não era aquela aceleração doce de quando nos beijávamos ou ríamos juntos. Era outra coisa. Um nervosismo abafado. Seu peito subia e descia de forma hesitante, como se carregasse um peso invisível.
E, no fundo, eu sabia quando tudo começou.
Algumas horas antes, estávamos jogados no sofá da minha sala, rindo de um vídeo qualquer no meu celular. Tudo parecia normal, até que o celular dele vibrou ao lado da taça de vinho sobre a mesa.
A notificação apareceu na tela bloqueada, e em um segundo, ele mudou.
O riso desapareceu do seu rosto, as mãos se moveram rápido demais para pegar o aparelho, e ele virou a tela para baixo, como se esconder fosse a solução mais segura.
— Quem era? — perguntei, sem realmente esperar uma resposta sincera.
— Nada. Só uma mensagem qualquer.
Nada.
Sempre nada.
Desde então, estava diferente. Mais calado, mais distante. Mais evitativo.
E agora, sentindo a tensão em seu corpo debaixo de mim, percebia que ele ainda estava carregando aquilo. Aquilo que não queria que eu visse. Deslizei os dedos sobre sua pele, desenhando padrões distraídos, testando sua reação. Seu corpo ficou rígido, e o ar que ele soltou pelo nariz soou como um sinal de impaciência.
— Você está estranho — murmurei, mantendo minha voz calma.
Ele demorou um segundo a mais para responder.
— Nada. — Sua voz saiu baixa, mas firme.
Nada.
Fechei os olhos por um instante. Eu sabia que aquela resposta escondia algo. Levantei a cabeça e o encarei no escuro do quarto.
— Desde que olhou para o seu celular mais cedo, você mudou. — prendeu a respiração por um instante, mas logo soltou um suspiro, passando a mão pelo rosto.
— Sério, ? Isso de novo?
— Isso o quê? — Arqueei uma sobrancelha.
— Você sempre achando que tem alguma coisa errada.
Ele afastou minha mão do seu peito e sentou na cama. O lençol deslizou sobre seu corpo, mas ele nem pareceu notar.
— Você sabe por que eu estou perguntando, . — Minha voz saiu mais controlada do que eu esperava. — Você viu algo naquela mensagem e, desde então, tá agindo diferente.
Ele esfregou o rosto com as mãos e soltou um riso seco.
— Meu Deus… Era só uma mensagem.
— Então por que você reagiu daquele jeito? — Ele virou o rosto para mim e seus olhos carregavam um incômodo palpável.
— Porque você sempre faz isso! Sempre quer transformar uma coisa pequena num grande problema!
Seu tom me atingiu mais do que eu esperava. Ele nunca falava assim comigo.
— Eu só quero entender. — esfregou as têmporas como se estivesse prestes a perder a paciência.
— Eu só… tô cansado, tá? Foi um dia longo. Não faz tempestade num copo d’água.
Aquela frase.
Cruzei os braços e me encostei na cabeceira da cama, observando-o no escuro.
— Ok — murmurei, sentindo um nó apertar minha garganta.
passou a mão pelo rosto, inclinou-se para frente e deu um selinho rápido nos meus lábios.
Frio.
Rápido.
Automático.
Então, sem me dar tempo para responder, ele se levantou da cama e pegou a camisa que estava jogada na poltrona.
— Acho melhor eu ir pra casa. — Meu coração acelerou.
— O quê? Agora? — Ele já estava vestindo a camiseta e calçando os tênis, sem sequer olhar para mim.
— Sim, preciso dormir direito hoje.
Meu peito apertou. Isso nunca tinha acontecido antes. Ele costumava querer ficar, me envolver nos braços até dormirmos. Mas naquela noite, algo estava diferente.
Ele saiu do quarto sem olhar para trás. Ouvi a porta se fechar e fiquei ali, sentada na cama, encarando o vazio.
E foi nesse exato momento que eu soube.
Alguma coisa tinha mudado.

💫💫

Desde aquele dia, estava diferente.
Não era algo óbvio, algo que qualquer um notaria de imediato. Mas eu notei.
O jeito como ele parecia mais distraído, como evitava contato visual por tempo demais quando conversávamos. O celular sempre virado para baixo, as respostas mais curtas, a paciência diminuída. Pequenas mudanças que, sozinhas, poderiam não significar nada, mas juntas formavam um padrão impossível de ignorar.
E então, o nome dela começou a aparecer.
Primeiro, como um sussurro ao fundo de uma conversa com os amigos. Depois, em um comentário casual de alguém que não fazia ideia do que aquilo significava para mim. E agora, estava prestes a ser dito em voz alta.
Estávamos no bar de sempre, sentados em uma mesa no canto, quando Noah trouxe o assunto sem saber que estava detonando uma bomba.
— Ah, vocês souberam que a Sienna voltou? — ele perguntou, pegando um punhado de batatas fritas.
Meu coração parou por um instante. Desviei o olhar para . Ele estava com a mandíbula tensa, os dedos girando a garrafa de vidro sobre a mesa, como se a informação não fosse nova para ele.
Porque, claro, não era.
Ele não olhou para mim.
O nome dela, até pouco tempo atrás, era só um fantasma do passado dele. O nome que ele sempre dizia que não tinha mais importância. Mas, de repente, ela estava por toda parte.
— Sério? — Olivia franziu a testa, ajeitando o cabelo atrás da orelha. — Nossa, achei que ela ainda estava em Nova York.
— Pois é. Parece que vai ficar por aqui por um tempo — acrescentou Daniel, distraído demais com o próprio celular para perceber a forma como minha respiração ficou presa no peito. — Tá tentando recomeçar a vida.
Meu estômago revirou.
Recomeçar a vida.
finalmente falou algo.
— Faz sentido — ele disse, dando de ombros, a voz calculadamente indiferente.
Mas eu vi.
Vi o jeito como ele apertou o punho ao redor da garrafa, como desviou o olhar para a mesa logo em seguida. Pequenos gestos que gritavam mais do que qualquer palavra. E foi aí que eu soube.
Ela não tinha apenas voltado, ela já estava na vida dele de novo.

💫💫

Depois, veio a mensagem.
Vi por acaso, enquanto ele deixava o celular sobre a mesa da sala, distraído por uma conversa qualquer. Foi rápido, mas suficiente.
Sienna.
A mulher que ele havia jurado ser parte do passado. O nome dela brilhou na tela, seguido por uma prévia da mensagem:
"A gente precisa conversar."
Minha respiração parou por um instante.
Poderia ser sobre qualquer coisa. Poderia ser uma conversa casual, um assunto mal resolvido, uma despedida final. Mas se fosse realmente nada, por que ele escondeu?
voltou para pegar o celular antes que eu pudesse ler mais. Desbloqueou a tela rápido demais. O polegar deslizou sobre a mensagem e então ele virou o aparelho para baixo.
Como se aquilo apagasse o que eu tinha visto. Como se não tivesse sido tarde demais.
Ele percebeu.
Seu corpo ficou tenso. Sua expressão endureceu, mas ele fingiu que nada tinha acontecido. Eu também fingi, mas só até a hora certa.
A oportunidade veio mais tarde naquela noite.
Ele estava sentado no sofá, o olhar preso na TV, mas a mente claramente em outro lugar. Meu coração martelava no peito enquanto eu me aproximava. Sentei ao lado dele, puxando as pernas para cima do estofado.
— Você quer me contar alguma coisa, ? — perguntei, mantendo minha voz controlada. Ele piscou, como se voltasse à realidade, e franziu a testa.
— O quê? — Cruzei os braços, inclinando ligeiramente a cabeça.
— A mensagem. — Os músculos do seu maxilar se contraíram.
— Que mensagem? — Soltei um riso baixo e desacreditei.
— Sienna — disse apenas o nome dela, porque eu sabia que isso bastava. Vi a hesitação em seus olhos antes mesmo da resposta sair.
— Ah… aquilo.
Ah… aquilo. Como se fosse irrelevante. Como se não fosse nada.
— E então? — insisti, sem desviar o olhar. Ele passou a mão na nuca, evitando me encarar.
— Foi do nada. Ela mandou, só isso.
— E o que ela queria? — soltou um suspiro, como se eu estivesse sendo exagerada.
— Não sei, . Eu nem abri direito.
Mentira.
A forma como ele pegou o celular mais cedo, o jeito como escondeu a tela, como a tensão ainda estava estampada no seu rosto… Ele sabia exatamente o que ela queria.
— Sabe o que eu acho engraçado? — Sorri, sentindo um gosto amargo na boca. — Você não sabia que ela estava na cidade, mas sabia que fazia sentido ela voltar. Você ignorou a mensagem dela, mas ficou estranho desde então. Você disse que não queria mais nada com ela, mas o nome dela continua aparecendo.
fechou os olhos por um segundo, esfregando o rosto com as mãos antes de me encarar.
, você tá criando coisa na sua cabeça.
— Criando coisa? — Minha voz subiu um tom. Ele estava fazendo isso, virando o jogo, tentando me fazer parecer irracional.
Ele passou a mão pelos cabelos, o aborrecimento crescendo no seu rosto.
— Eu só tô cansado, ok? Isso não é nada. — Levantei do sofá, cruzando os braços.
— Então me mostra.
— O quê? — Apontei para o celular ao lado dele.
— A mensagem. Me mostra.
E foi ali, naquele instante, que ele me provou tudo sem precisar dizer nada. Seus ombros travaram. A garganta se moveu numa deglutição tensa. Suas mãos continuaram onde estavam, mas ele não se mexeu. Não pegou o celular.
Porque se pegasse, não haveria mais como esconder.
O silêncio foi mais ensurdecedor do que qualquer resposta.
Minha respiração ficou presa no peito. Meu coração acelerou de um jeito estranho, misturando raiva e frustração. Quando finalmente falou, sua voz estava mais baixa, mas carregada de irritação.
— Isso não é sobre confiança, .
— Não. Isso é sobre o fato de você estar mentindo para mim.
Por um segundo, achei que ele fosse rebater, mas ele apenas passou a língua pelos dentes e soltou um riso seco. Então se levantou, pegou as chaves do carro e caminhou até a porta.
— Quer saber? Melhor eu ir. — Senti algo dentro de mim se partir.
— É isso que você faz quando não quer responder? Vai embora?
Ele abriu a porta e parou por um instante, respirando fundo. Depois se virou e me olhou nos olhos.
— Boa noite, .
A porta bateu atrás dele.
E ali, sozinha na sala, eu soube. Ele não estava tentando me convencer de que não havia nada entre eles, estava tentando convencer a si mesmo.

💫💫

As coincidências aumentaram.
A cidade era grande demais para tantos encontros acidentais. Mas, de alguma forma, Sienna estava sempre lá.
Na mesma noite.
Na mesma rua.
Nos mesmos bares.
Era como se ela estivesse se infiltrando na nossa rotina sem precisar de convite. Talvez porque, no fundo, ela nunca tivesse realmente saído.
Eu tentava afastar o aperto no peito, repetindo para mim mesma que era paranoia, que era só o destino brincando comigo. Mas a intuição não me deixava em paz.
E então, eu soube.
Era uma noite comum de sexta-feira. Estávamos no Rusty’s, o bar onde sempre nos reuníamos depois de semanas cansativas. O ambiente tinha um ar despretensioso, um lugar onde as risadas fluíam fáceis e onde, até então, eu me sentia confortável.
Até que ela apareceu.
— Olha só quem tá aqui! — A voz de Noah cortou o barulho ao nosso redor, e quando ergui o olhar, meu estômago afundou.
Sienna.
Ela entrou com a familiaridade de quem já fazia parte daquele lugar, de quem conhecia o caminho, de quem pertencia. Como se nunca tivesse partido, como se eu fosse a intrusa ali.
Ela andava com facilidade, os cabelos soltos caindo em ondas suaves sobre os ombros, o sorriso confiante no rosto. Vestia uma jaqueta de couro sobre um vestido simples, mas havia algo nela que a fazia parecer demais.
O ar ficou pesado.
E então, antes que eu pudesse me preparar para isso, ela veio até nossa mesa.
— Sienna! — Olivia se levantou com um sorriso cordial, dando um breve abraço na recém-chegada.
Não foi caloroso. Não foi íntimo. Foi educado. Como quem cumprimenta alguém por boa educação, por respeito às histórias antigas, mas com um olhar que dizia: "Eu te conheço, mas não esqueço de quem está do outro lado."
Olivia gostava de mim. Ela era amiga de , sim, mas nunca me tratou com distância. Porque ela sabia que, desde que cheguei, estava diferente. Mais leve. Mais presente.
Daniel sorriu largo. Noah se inclinou na mesa, claramente animado. Todos pareciam em paz com aquilo. Como se já estivessem acostumados, como se já fosse normal.
Porque já era. Eles sabiam, ela já estava ali fazia tempo.
E ?
Ele ficou de pé assim que ela chegou perto, não um reflexo automático, não um gesto educado. Mas como se precisasse. E então, ele a abraçou.
Foi rápido. Apenas alguns segundos. Mas suficientes. Ela sorriu, um brilho nos olhos quando se afastou.
— Finalmente conseguimos nos encontrar. — Sua voz era leve, familiar.
Meu peito apertou.
Finalmente? Ela olhou ao redor da mesa, e então, se virou para mim.
— E você deve ser a — disse ela, os olhos percorrendo meu rosto com uma curiosidade quase clínica, como se quisesse catalogar cada reação minha, cada traço.
pigarreou, passando a mão pela nuca. Um gesto pequeno, mas revelador.
— Sim, essa é minha namorada, .
Meu coração acelerou ao ouvi-lo me apresentar, como se aquelas palavras tivessem sido lançadas ao ar como uma corda de proteção. Mas soaram frágeis. Uma âncora jogada em mar revolto.
Sienna sorriu, estendendo a mão com calma. A confiança escorria dos dedos.
— Ouvi falar muito de você.
Minha mente girava. Por quem? Quando? Com que tom? Hesitei por um segundo antes de aceitar o aperto de mão.
— Gostaria de dizer o mesmo. — Minha voz saiu mais firme do que eu esperava. Seu sorriso se alongou ligeiramente, como se minha resposta tivesse a divertido.
— Ah, então já começamos bem — disse, cruzando as pernas ao se sentar com a naturalidade de quem nunca deixou de pertencer àquela mesa. — sempre teve um gosto excelente.
Minha garganta secou, mas mantive o queixo erguido.
— E um certo talento pra repetir os mesmos erros, também.
— Isso é o que o torna tão fascinante, não é? — respondeu ela, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo na mão, sem tirar os olhos de mim. — A imprevisibilidade.
Meu olhar deslizou para , que fingia beber a cerveja como se fosse um disfarce. Não respondeu, não rebateu. Porque não precisava.
Aquilo não era um acaso. Ela não apareceu por sorte, ela sabia que eu estaria ali. E todos sabiam que ela viria, só esqueceram de avisar a mim.

💫💫

Nos dias seguintes, agiu como se nada tivesse acontecido.
Ele ainda me beijava na testa antes de sair para o trabalho quando dormia em casa. Ainda me mandava mensagens de boa noite. Ainda segurava minha mão quando estávamos juntos.
Mas não era o mesmo.
Havia um brilho diferente nos olhos dele. Algo inquieto, sempre em movimento, como se estivesse preso em um pensamento constante do qual eu nunca fazia parte.
As mensagens chegavam tarde da noite. O celular permanecia virado para baixo na mesa. E, quando eu me aproximava, ele sempre dava um jeito de bloquear a tela rápido demais.
Eu queria acreditar que estava errada, que era uma coincidência, que não passava de paranoia.
E foi naquela noite, quando saímos para um bar qualquer, que as certezas começaram a se encaixar.
O ambiente era pequeno, aconchegante, iluminado por luzes amareladas. As músicas não eram altas demais, permitindo que as pessoas falassem sem precisar gritar. O tipo de lugar onde tudo parecia casual.
Menos eu.
Minha mente estava longe dali. Minha garganta estava seca. falava sobre alguma coisa — trabalho, talvez? Ou um novo filme que queria assistir? Eu nem conseguia ouvir.
Então, aconteceu.
O garçom esbarrou no copo de , que caiu da mesa, estilhaçando-se no chão.
— Droga — ele resmungou, empurrando a cadeira para trás e se abaixando para pegar os cacos.
E então, eu vi.
Seu celular estava sobre a mesa, desbloqueado. Mas quando ele se inclinou para pegar os pedaços de vidro, a tela acendeu.
Mensagem de visualização única.
De Sienna.
Meu estômago se revirou. Minha mão se moveu por reflexo, os dedos deslizando pela tela.
A mensagem abriu, e então lá estava ela.
Nua.
Os cabelos soltos caíam sobre os ombros nus. Os lábios entreabertos formavam um sorriso provocativo. O olhar dela, direto. Quase desafiador.
A legenda, curta e venenosa:
"Sente falta?"
O mundo ao meu redor desapareceu. A música ambiente ficou distante. O burburinho do bar se dissolveu em segundo plano. O calor subiu pelo meu corpo, mas não era embaraço. Era raiva.
Raiva por ter sido feita de idiota.
Raiva por ter duvidado de mim mesma.
Raiva por ele.
E então, se levantou, limpando a calça.
— Que merda — resmungou. Despreocupado. Como se estivesse lidando com qualquer coisa, menos o desastre prestes a acontecer. — Vou pedir outro dri—
Ele me viu.
O sorriso relaxado sumiu na hora. O choque passou pelo seu rosto como um raio. Ele soube imediatamente.
— O que foi? — A voz dele veio baixa, hesitante, como se já soubesse a resposta.
Não respondi. Apenas virei o celular para ele, deixando que visse com os próprios olhos. O sangue sumiu do rosto dele, ficou pálido na hora.
— Que porra é essa, ? — Minha voz saiu firme, mas carregada de veneno. Ele piscou algumas vezes, tentando processar, mas as palavras não vieram.
… eu—
— Você o quê? — interrompi, a raiva me queimando por dentro. — Vai dizer que foi engano? Que abriu sem querer? Que ela enviou sem motivo nenhum? — Ele passou a mão pelos cabelos, os ombros tensos, a respiração curta.
— Eu juro por tudo, … eu não pedi isso.
— Mas você respondeu? — Arremessei o celular sobre a mesa. — Ou melhor, quantas vezes isso já aconteceu? — Ele franziu o cenho, como se aquilo fosse uma ofensa pessoal.
— Você tá me acusando de quê, exatamente?
Soltei um riso seco. Ousado da parte dele, se fazer de ofendido.
— Você realmente quer que eu acredite que isso foi do nada? — perguntei, com a voz já trêmula de indignação. Ele esfregou o rosto com as mãos, como se estivesse à beira de perder o controle.
— Isso não significa nada, . Eu nunca… eu nunca quis ela.
— Nada? — Bati a mão na mesa. — Então por que você escondeu? Por que agiu como se eu fosse louca esse tempo todo? Por que parecia sempre distante, sempre em outro lugar? Você acha que eu sou burra?
— Você tá exagerando — ele resmungou, cruzando os braços.
Aquela frase.
De novo.
Como se o problema fosse a minha reação, e não a porra da mulher nua no celular dele. Cruzei os braços também, engolindo em seco.
— Você sabe o que dói mais, ? Não é a mensagem. Não é o fato de ela estar pelada na porra do seu celular. — Levantei o olhar, encarando o dele sem piscar. — É que você nunca tentou impedir isso.
O silêncio dele foi uma confirmação, mais pesada que qualquer “sim”.
O bar girava ao meu redor. O garçom passou ao lado, mas tudo era borrado, distante, abafado. E então, ele suspirou. Olhou para mim com os olhos marejados — e foi a primeira vez em semanas que ele parecia sincero.
, me escuta. Por favor.
Ele puxou a cadeira para mais perto, os cotovelos apoiados na mesa, o corpo inclinado na minha direção.
— Eu nunca traí você. Nunca. Ela tá tentando se meter, sim. Ela me procura, insiste, faz essas coisas de propósito. Mas eu nunca quis ela. Nunca.
— Então por que parece que você quis? — Minha voz quebrou, baixa.
— Porque eu fui um idiota. Porque eu devia ter te contado, devia ter bloqueado ela, te provado o tempo todo que era você. — Ele passou as mãos no rosto, frustrado.
— Eu te amo.
As palavras me acertaram em cheio.
Eu te amo.
Como se isso pudesse apagar tudo, como se esse “eu te amo” não estivesse atrasado demais.
E o pior? Uma parte de mim ainda queria acreditar nele. Eu abaixei o olhar, sentindo o coração bater rápido demais. Tudo em mim gritava para ir embora, mas minhas pernas não se moviam.

Minha voz saiu fraca. Meus olhos ardiam. Ele me olhava como se o chão tivesse se aberto sob seus pés.
— Eu tô cansada. De me sentir insegura, de duvidar de mim mesma. De não saber onde você está de verdade. — Ele se inclinou mais, tentando me tocar, mas eu recuei. — Não me pede pra decidir agora. Eu tô… eu tô machucada.
Ele assentiu, engolindo em seco.
— Eu espero. O tempo que for. Só… por favor, não desiste da gente.
Fechei os olhos por um instante, tentando respirar. O gosto amargo ainda estava na minha boca. A decepção ainda queimava, mas eu ainda sentia.
E isso era o mais cruel.
— Me dá um tempo, .
Apenas isso.
Sem promessas.
Sem garantias.
E então, peguei minha bolsa e saí do bar. Dessa vez, com ele me olhando ir embora. E, pela primeira vez, ele realmente parecia ter medo de me perder.

💫💫

A notificação apareceu no meu celular no meio da noite. Número desconhecido. Uma imagem.
Quase não abri.
Quase.
Mas alguma coisa dentro de mim já sabia que aquilo seria a última peça que faltava pra desmontar de vez essa farsa. Desbloqueei o telefone com mãos frias, mas o sangue fervendo por dentro.
E ali estava.
e Sienna. Colados. Sorrisos fáceis. O rosto dele inclinado demais pro lado dela.
Íntimos.
Aquele sorriso no rosto dele… não era educado. Não era desconfortável, era leve. Real. Era o meu sorriso, mas não era mais.
O calor subiu pelo meu pescoço até os olhos. A raiva, surda e certeira, explodiu dentro de mim. Quem enviou achou que foi discreto.
Número desconhecido. Sem texto, mas eu sabia.
Olivia.
Ela nunca precisou dizer nada. Bastava o jeito como ela olhava pra mim quando Sienna aparecia no grupo. Bastava o incômodo nos olhos dela.
Ela via. Ela sabia. Ela sentia.
Diferente de todo mundo que fingia não notar. Que achava normal a ex do meu namorado aparecer sorrindo do lado dele como se eu fosse a figurante. Eu encarei aquela foto por mais um segundo.
Depois disquei.
Oi — ele atendeu com a voz surpresa, quase… esperançosa. — ?
— Vem aqui. Agora — disse, seca.
Você quer conversar? — O entusiasmo disfarçado na voz dele me embrulhou o estômago.
— Agora, . Só vem.
Desliguei.
Joguei o celular em cima do sofá e comecei a andar pela sala, como um bicho enjaulado. As mãos suadas, o peito em chamas. A dor virou ódio. O amor virou fúria.
Quinze minutos depois, ouvi o barulho da campainha.
Abri a porta. Ele estava lá, cabelo bagunçado, camiseta amassada. Sorriso tímido nos lábios.

O estalo foi seco.
O tapa pegou em cheio o lado esquerdo do rosto dele. Ele levou a mão na hora, cambaleando um pouco, completamente sem reação.
— Você tá maluca?! — Ele cuspiu, mais chocado do que bravo.
— Você me fez de idiota. De maluca. De insegura. Agora aguenta. — Ele ainda segurava o rosto, a respiração acelerada.
— Que porra é essa, ?! — ele gritou, a mão ainda onde o tapa tinha acertado. Voltei a pegar o celular, abri a imagem e joguei na cara dele com desprezo.
— Isso é.
Ele congelou. Piscou uma, duas vezes. E eu vi. A merda toda refletida nos olhos dele.
— Não é o que parece...
— SE VOCÊ FALAR ESSA FRASE EU TE DOU OUTRO. — Minha voz tremeu, mas não de fragilidade. Era raiva pura. Raiva de tudo o que ele fez, de tudo o que eu aguentei, de tudo o que eu me calei. — Você jurou que não tinha nada com ela. Que ela era passado.
Dei um passo à frente.
— Mas você nunca parou de responder, de sorrir, de estar onde ela estava. — Ele ergueu as mãos, desesperado.
, eu juro por tudo que é mais sagrado, eu não traí você. Ela tem tentado, sim. Ela me persegue, me pressiona, aparece de propósito. Mas eu nunca fiz nada!
— E por que você nunca me contou?! Por que você se encolheu como um rato e me fez duvidar de mim mesma?! — Cuspi as palavras. Eu estava tremendo. De nojo, de ódio, de frustração. Ele andava em círculos, passava a mão no cabelo.
— Porque eu achei que se eu contasse, você ia pensar isso. Que eu estava envolvido. Mas eu nunca quis ela! Eu nunca toquei nela! Eu amo você!
Eu amo você.
Essa frase me atravessou como faca. Não me atingiu com ternura. Me atingiu com rancor. Porque agora ela não significava mais nada.
— Me desculpa — ele sussurrou, com os olhos vermelhos, a voz falhada. — Me perdoa, por favor. Eu fui um idiota. Eu devia ter te protegido disso. De tudo.
O silêncio entre nós era uma sentença. Eu não precisava de tempo, não queria tempo, queria fim.
— Eu ainda gosto de você — admiti, e doeu dizer. — E talvez essa seja a parte mais triste. Porque eu queria conseguir te odiar. — Os olhos dele brilharam, como se ainda existisse uma chance.
— Então me dá outra oportunidade. Me deixa mostrar que eu ainda sou o cara que você amava.
Balancei a cabeça. Devagar. Um “não” com gosto de liberação.
— Eu não sei quem você é, . E não quero mais tentar descobrir.
Ele abriu a boca pra responder, mas eu ergui a mão, firme, cortando qualquer tentativa.
— Você teve todas as chances. E desperdiçou cada uma delas. — Me aproximei da porta, a respiração controlada, o coração batendo firme no peito.
— Acabou.
, por favor—
— SAI AGORA! EU NUNCA MAIS QUERO TE VER! — gritei. Era um grito rasgado, doído, mas libertador. Era tudo o que eu tinha guardado por semanas explodindo de uma vez.
Ele hesitou.
Então eu o empurrei com a força de tudo o que ele destruiu em mim. Fechei a porta com um estrondo na cara dele.
Sem choro.
Sem pedido de volta.
Sem olhar pra trás.
Com firmeza. Com orgulho. Com alívio.
E, pela primeira vez desde que tudo começou, eu me senti livre. De verdade.

Epílogo

Três anos depois.

A vida seguiu em frente. E, pela primeira vez em muito tempo, a minha também, mas não foi rápido. Nem bonito.
Durante muito tempo, eu precisei ficar sozinha. Sozinha pra respirar. Pra chorar o que guardei e me olhar com mais cuidado.
Fiz terapia, abri feridas antigas, me reconectei comigo e só depois de me escolher, é que consegui abrir espaço pra mais alguém.
Hoje, o sol da tarde entrava pelas janelas do café onde eu esperava Olivia. As mesas de madeira escura e o aroma suave de café recém passado criavam uma atmosfera acolhedora.
Eu girava distraidamente a colher dentro da xícara, sentindo uma calma genuína no peito.
Ao meu lado, segurava minha mão sobre a mesa.
Ele era tudo que nunca foi: Atencioso, transparente e presente.
Ele não ficava em silêncio quando algo o incomodava. Não virava o celular pra baixo como um escudo. E, o mais importante: não me fazia questionar se eu era suficiente.
— Você tá longe — ele comentou, sorrindo enquanto apertava levemente meus dedos. Sorri de volta.
— Só pensando. — Ele arqueou uma sobrancelha.
— Algo bom?
— Só lembrando de algo que, hoje, sei que merecia ter acabado — respondi, com um meio sorriso, deixando a colher repousar na xícara.
sorriu de um jeito que fazia meu peito aquecer, pegou minha mão com cuidado e beijou meus dedos como se aquilo fosse a coisa mais preciosa do mundo.
— Ainda bem que você teve coragem de fechar aquela porta… pra poder abrir essa aqui — disse, olhando pra mim como se fosse grato por cada centímetro de espaço que conquistou.
Revirei os olhos, mas sem conter o riso.
— Que romântico, senhor “porta aberta”. Vai ver eu só precisava de alguém menos idiota mesmo.
— E você achou — ele rebateu na hora, confiante, os olhos brilhando. — Um idiota completamente apaixonado por você, mas funcional, eu juro.
— Hum… — Fingi pensar, estreitando os olhos. — Você tá se saindo bem. Acho que vou manter.
Ele riu e se inclinou, me dando um beijo leve, demorado, cheio de promessas silenciosas.
E foi exatamente nesse momento que Olivia chegou.
— Ok, desculpa o atraso! — Ela jogou a bolsa na cadeira e se sentou, ajeitando os óculos escuros no topo da cabeça.
— Tá perdoada — brincou. — Desde que não roube minha namorada por muito tempo.
— Bom saber que você continua um cavalheiro, . — Ele riu e pegou o celular.
— Vou deixar vocês fofocarem sem julgamento. Vou pedir mais café.
Quando ele se afastou, Olivia sorriu pra mim e apoiou o queixo nas mãos.
— Você parece muito bem.
— Porque eu tô. — Sorri. E, dessa vez, era real.
— Ele é um cara legal.
— Sim. Sim, ele é. — Ela assentiu.
— Ao contrário de um certo alguém. — Suspirei, mas sem dor.
— Você vai falar dele agora?
— Tecnicamente, não eu. — Franzi a testa.
— O que você quer dizer?
Olivia olhou para o lado, como se escolhesse as palavras com cuidado.
e Sienna.
Meus ombros se enrijeceram, mas não doeram.
— Ah.
— Voltaram. De novo. — Soltei uma risada curta.
— Claro que voltaram. Sempre voltam.
— E… terminaram. De novo. — Pisquei.
— O quê? Mais já? — Ela se inclinou pra frente, pegando um sachê de açúcar e rasgando com calma.
— Já foram e voltaram tantas vezes que eu até perdi a conta. Sempre o mesmo script: drama, brigas, idas e vindas. Um ciclo tóxico tão previsível que nem dói mais assistir. — Me afundei na cadeira, cruzando os braços.
— Que coincidência. — Olivia riu.
— Eu sabia que você ia dizer isso.
Fiquei em silêncio por um instante. Antes, ouvir esse tipo de coisa teria me destruído por dentro.
Hoje?
Nada.
Só alívio.
voltou com duas xícaras nas mãos e colocou uma extra na minha frente.
— Sobre o que estamos falando? — Troquei um olhar cúmplice com Olivia antes de dar de ombros.
— Nada importante.
Sorri e segurei a mão dele sobre a mesa novamente. Porque, pela primeira vez, era verdade.

FIM!

Nota da autora: Ah, gente… a bichinha tinha uma dependência emocional tão forte por esse boy lixo que dava vontade de entrar na história e sacudir ela, né? A verdade tava ali, gritando na cara dela, e mesmo assim ela fazia de tudo pra não enxergar. Dá um aperto no peito acompanhar essa negação, mas o alívio vem quando ela finalmente acorda pra vida e escolhe recomeçar. Foi uma delícia escrever essa história. Obrigada a quem deu uma chance. Um beijo, e nos encontramos por aí! 💛