12. Don't Smile
Codificada por:
Lua ☾
Finalizada em: 17/05/25
PRÓLOGO
Da porta eu podia sentir o cheiro forte de sais de banho, o de frutas cítricas era o meu favorito pela minha memória olfativa. Senti falta das boas vindas de Barbie, a Golden sempre penteada e enjoada que gastava todo meu salário em banhos e acessórios, mas eu já sabia bem o motivo da ausência dela. Obviamente meu coração se acelerou mais ao se dar conta da verdade que meus neurônios constataram.
Embora ansiosa, com a sensação de antecipação me tomando por inteira, tirei meu calçado e o casaco, deixando dentro do armário à porta de entrada, assim como a bolsa de mão e o cachecol, antes de caminhar adiante pelo curto corredor do meu apartamento. Podia ouvir também a melodia da voz baixinha cantarolando alguma música que eu ainda não sabia qual era, me guiando.
Não só o que meus ouvidos recebiam, mas também tinha a luz baixa que vinha do meu quarto.
Ao adentrar no cômodo, encontrei velas espalhadas em algum canto e um buquê de tulipas negras. O meu sorriso acompanhou o tamanho daquele aglomerado de flores, e logo que o peguei em mãos, levei ao meu nariz para sentir seu aroma fresco. Ao fundo, agora mais alto, a voz cantante fez a trilha sonora do meu momento.
Suspirei, tomando cuidado para devolver o meu presente significativo de volta para a cama, em seguida girei meus calcanhares para a porta do banheiro da suíte, acompanhando a canção de romântica que me chamava enquanto cantada por um gogó afiado. Abrindo a porta, la estava Barbie, tão encantada como sempre, deitada no chão e completamente alheia a tudo e todos, porque ali dentro da banheira estava quem fazia o meu coração acelerar — e aparentemente o de Barbie também — ao menos uns três anos.
Eu não consegui esconder minha comoção no meu tom:
— Você voltou!
Ele apenas assentiu, como se isso não fosse nenhuma anormalidade de rotina.
— Achei que você ia demorar mais. — mesmo com a ironia, ele sorriu ao me ver entrar, um sorriso enorme e iluminado, que aumentava suas bochechas e me dava vontade de aperta-las e beijá-las.
Barbie apenas moveu seu rabo para me deixar saber que ficou feliz de me ver, voltando tão rapidamente para seu sono profundo.
Me adiantei para mais perto da banheira, ficando à borda e tendo minha mão agarrada pela dele.
— Se eu soubesse que você estava aqui, ou melhor, que tinha voltado, eu teria saído antes. Muito antes. — entrelacei nossos dedos, contendo a vontade de pular ali dentro com ele.
— Eu queria te fazer um surpresa. Gosto da sua expressão quando algo diferente acontece.
— Neste caso, não existe nada de diferente. — revirei os olhos, brincando com nossas mãos entrelaçadas. — Eu acreditei mesmo que você ficaria na Europa até a próxima parte da turnê. — choraminguei.
— Era a ideia. — ele sorriu de lábios fechados, levando meus dedos até seu queixo, num modo de toque carinhoso. Algo em mim se acendeu como um alerta. — Vai demorar pra você decidir entrar aqui?
— Estava esperando seu convite.
— Ah, por favor, meu bem... Faça de conta que a banheira é sua.
Com um riso fraco, me inclinei para roubar um selinho de , ansiosa demais por esse contato. Comecei a desabotoar minha camisa, vendo a atenção de Barbie ser direcionada a nós, fazendo com que ela logo decidisse sair do banheiro quando percebeu a minha tão rápida nudez.
Entrei na banheira, me sentando de frente com ele e encaixando nossos corpos. Han não demorou a fazer nosso beijo de verdade acontecer, me puxando pela nuca para frente e selando nossos lábios. A resposta do meu corpo não poderia ser diferente e eu ja me encontrava totalmente entregue à sua presença e seu toque, como uma sinapse à saudade que sentia.
— Você está com fome? Eu pedi um jantar. — o tom ameno dele mais uma vez me arrepiou.
Entretanto, quando abri meus olhos por completo e o encarei, tive minha mente tomada uma onda nebulosa com a lembrança que veio. Não era uma coisa que eu queria lembrar ou usar contra ele, visto nosso status de relacionamento sem rótulos que ja durava alguns anos, mas me incomodou em algum momento.
E eu tenho certeza que ele percebeu, porque seu semblante ficou mais sério e pareceu muito cansado.
— , fala alguma coisa. — ele foi o primeiro a dizer.
Mas eu não sabia o que falar, não tinha posição ou interesse em cobrar ele sobre o fato.
Um rumor de namoro dele com uma outra famosa havia surgido durante essa última viagem para o Japão que ele tinha feito com o grupo que fazia parte para um festival que aconteceu no país. Certamente tudo parecia meio estranho para eu simplesmente acreditar na falta de respeito que seria comigo caso aquilo fosse real; assim, Han e eu não somos namorados, mas temos uma relação de benefícios baseada em muita amizade e respeito, como se vivêssemos um namoro, mas sem rótulos — firmar uma relação com um cara famoso, que está no auge, mesmo o conhecendo em início de carreira, envolvia uma série de questões das quais eu não me sentia preparada e disposta a viver; sorte a minha que ele gostava de mim o suficiente para concordar e respeitar.
Ainda assim, aquilo não me inspirava algo bom. Eu vi, sendo totalmente curiosa, claro, que grande parte dos fãs dele aceitaram — algo muito inédito, diga-se de passagem. Dentro de mim uma coisa vermelha piscante tentava me alertar que isso daria muito o que rolar ainda.
— Eu queria que você falasse primeiro. — fui honesta, por fim.
— O que eu posso dizer que não vá parecer uma desculpa idiota?
— A verdade. — dei de ombros, relaxando o corpo um pouco. — Qual é a verdade?
suspirou, torcendo os lábios com a lembrança que teve, talvez um pouco irritado ainda com o que deve ter escutado de seus gerenciadores.
Podia ser o arrependimento também.
— Foi um after normal, como todos os outros... Todo mundo bebeu demais e as imagens ficaram muito sugestivas.
Uma das coisas que culminaram em todo o meu carinho por ele foi descobrir sua genuinidade. era transparente demais para conseguir mentir, bastava você acompanhar o olhar dele ficar perdido e as bochechas inflarem. Pronto .
— Eu consigo acreditar em você. Tá tudo bem. — ele não respondeu, desviou o olhar. — Ta tudo bem, não está? — meu tom saiu preocupado desta vez.
— Querem que a gente assuma uma relação em público.
Senti como se meus olhos fossem saltar para fora do meu rosto. Assim como meu coração. Primeiro eu pensei que fosse sobre eu e ele, mas isso não me preocupou, porque a segunda constatação veio mais forte e, confesso, dolorida.
Um fardo pesado para carregar.
— Não nós dois. — ele riu fraco, porém nervoso. Han sabia respeitar o meu limite, sempre soube e sempre foi um querido com essa questão medrosa minha.
— Eu entendi. — suspirei, torcendo os lábios. — Você não me colocaria contra a parede agora.
— Estão propondo um contrato de alguns meses, mas eu não quero, .
Era uma conversa da qual eu queria muito evitar.
Desde que eu e Han começamos a nos relacionar, ele estava há dois anos vivendo uma vida louca, típica de um artista em busca da sua ascensão. O grupo do qual ele faz parte estava indo para o segundo ano desde a estreia e precisava de foco total para conseguirem conquistar seu espaço. Além disso, a indústria do k-pop por si só já é conhecida por sua rigorosidade. Portanto, sempre me pareceu uma decisão certa: não passaríamos para uma relação pública, mesmo gostando muito de , eu preferia a minha paz. O combo que vinha junto com "levar mais a sério nossa relação" não me apetecia, não combinava comigo.
Amor nenhum no mundo será capaz de mudar minhas convicções.
Também não era como se eu estivesse ficando sério com ele, mas saísse também com muitos outros. Não, era apenas Han, sem rótulos, porém.
Algo que funcionava bem na minha cabeça.
Levei alguns segundos para responder ele. Antes de o fazer, estalei a língua no céu da boca.
— A gente precisa mesmo entrar nessa discussão? — tentei soar cansada, mas não tão desinteressada. Afinal, era um assunto sério. Dentro de mim, lá no fundo, eu ja conseguia ver a resolução triste disso. — É um clichê tão batido, Han. Sabemos o que vai acontecer se você for contra o que querem.
Ele enrijeceu o corpo e franziu o cenho para mim.
Me pareceu como um esquilo acuado.
— As coisas são diferentes agora, não somos mais um grupo no caminho do sucesso. Podemos escolher mais. E eu não quero isso pra mim!
— Mas você escolheu uma vida em que todos vão querer coisas para você e nem sempre você vai querer o mesmo que eles. É a sua realidade...
— Então eu posso abrir mão dessa vida! — ele deu de ombros, dizendo como se fosse algo fácil.
— Em nome de quê? — rebati rápido para ele não ter tempo de pensar.— Porque se for pelo seu livre arbítrio, eu acho que agora é um pouco tarde para tomar qualquer decisão em nome disso.
Como se estivesse tomando um tempo para refletir minhas palavras, que eu reconheci terem sido um pouco duras, ele me encarou e desviou o olhar algumas vezes.
— Por que você tem que ser tão dura? — disse baixo, porém.
— Eu não sou dura, eu só estou tentando te mostrar que isso que está acontecendo agora é um reflexo da sua escolha. A colheita. Infelizmente existem pessoas que escolhem por você... — encolhi minhas pernas, dobrando os joelhos e cruzando os braços por cima deles para apoiar meu queixo no antebraço.
— Mas eu não quero que elas escolham qualquer coisa que me faça ficar sem você, Song . — levou a mão ao meu rosto. — Mesmo que você não queira um relacionamento público, ser chamada de minha namorada, eu quero escolher você. É o que eu tenho feito. Não é justo com tudo o que vicemos nos últimos quatro anos. — ele encheu o peito de ar e soltou pesado. — E sei que você não vai querer viver essa farsa. Também não seria democrático da minha parte exigir isso de você.
— Me desculpa. — minha voz saiu sussurrada e eu senti uma leve vergonha pelo meu egoísmo tão intocável.
— Não precisa se desculpar. Eu é quem deveria pedir perdão por tudo isso. Por ter sido descuidado demais.
Apenas assenti com sinceridade. Não tinha muito sobre o que discutir, era isso e ponto. Infeliz são os reflexos das nossas escolhas — e eu estava sendo vítima da colheita do que ele escolheu para a própria vida; tudo bem, ele sempre teria total apoio meu.
— O que a gente vai fazer? — dedilhando meu antebraço a pergunta de um milhão de dólares veio.
Obviamente isso sobraria para a parte racional da relação.
— Terminar. Viver cada um a sua vida. E ponto.
O rosto dele se contorceu.
Acho que foi um reflexo do meu. Claro que ouvir o que eu estava dizendo também me incomodou.
— Eu queria ser pelo menos um por cento pé no chão como você.
— Mas você é. — arqueei as sobrancelhas, erguendo o rosto. — Só age como um bobão às vezes.
— Porque eu gosto demais de você, da gente.
— E o que isso tem a ver?
— É que você me deixa assim, bobo demais.
Não tinha o que eu responder para esse flerte clichê. Apenas assenti leviana e soltei a respiração pesada, junto com os músculos enrijecidos do meu corpo.
— Ela é bonita. — me lembrei da foto que vi. — Vocês dois combinam. E pensa pelo lado bom, pelo menos os fãs gostaram e não vão fazer a vida da moça um inferno.
— Você combina mais comigo. Para com isso.
se aproximou abruptamente, passando o braço pela minha cintura para me trazer mais perto de si, isso fez com que a água vazasse pelas bordas da banheira quando minhas pernas foram esticadas obrigatoriamente.
— Vamos parar de falar disso enquanto temos nosso momento?
— Pensei que você não ia me pedir isso.
Ele deu o sorriso que era nosso.
— Eu tenho o final de semana livre, posso ficar aqui?
— Desde quando você precisa pedir? — ri nervosa, sentindo minhas pernas fraquejarem. Seriam nossos últimos dias juntos, então?
Ele beijou minha mandíbula, fazendo eu me arrepiar inteira. Travei meu olhar no dele, dando o melhor sorriso que eu poderia para deixar claro de que estava tudo bem.
E realmente estava. Na vida a gente não deve chorar pelo leite derramado, e sim agradecer por ter um leite a derramar.
— A gente pode se beijar agora? — pedi, tocando o indicador no peito dele por dentro da água.
assentiu antes de enfim me tomar toda para ele.
Embora ansiosa, com a sensação de antecipação me tomando por inteira, tirei meu calçado e o casaco, deixando dentro do armário à porta de entrada, assim como a bolsa de mão e o cachecol, antes de caminhar adiante pelo curto corredor do meu apartamento. Podia ouvir também a melodia da voz baixinha cantarolando alguma música que eu ainda não sabia qual era, me guiando.
Não só o que meus ouvidos recebiam, mas também tinha a luz baixa que vinha do meu quarto.
Ao adentrar no cômodo, encontrei velas espalhadas em algum canto e um buquê de tulipas negras. O meu sorriso acompanhou o tamanho daquele aglomerado de flores, e logo que o peguei em mãos, levei ao meu nariz para sentir seu aroma fresco. Ao fundo, agora mais alto, a voz cantante fez a trilha sonora do meu momento.
Suspirei, tomando cuidado para devolver o meu presente significativo de volta para a cama, em seguida girei meus calcanhares para a porta do banheiro da suíte, acompanhando a canção de romântica que me chamava enquanto cantada por um gogó afiado. Abrindo a porta, la estava Barbie, tão encantada como sempre, deitada no chão e completamente alheia a tudo e todos, porque ali dentro da banheira estava quem fazia o meu coração acelerar — e aparentemente o de Barbie também — ao menos uns três anos.
Eu não consegui esconder minha comoção no meu tom:
— Você voltou!
Ele apenas assentiu, como se isso não fosse nenhuma anormalidade de rotina.
— Achei que você ia demorar mais. — mesmo com a ironia, ele sorriu ao me ver entrar, um sorriso enorme e iluminado, que aumentava suas bochechas e me dava vontade de aperta-las e beijá-las.
Barbie apenas moveu seu rabo para me deixar saber que ficou feliz de me ver, voltando tão rapidamente para seu sono profundo.
Me adiantei para mais perto da banheira, ficando à borda e tendo minha mão agarrada pela dele.
— Se eu soubesse que você estava aqui, ou melhor, que tinha voltado, eu teria saído antes. Muito antes. — entrelacei nossos dedos, contendo a vontade de pular ali dentro com ele.
— Eu queria te fazer um surpresa. Gosto da sua expressão quando algo diferente acontece.
— Neste caso, não existe nada de diferente. — revirei os olhos, brincando com nossas mãos entrelaçadas. — Eu acreditei mesmo que você ficaria na Europa até a próxima parte da turnê. — choraminguei.
— Era a ideia. — ele sorriu de lábios fechados, levando meus dedos até seu queixo, num modo de toque carinhoso. Algo em mim se acendeu como um alerta. — Vai demorar pra você decidir entrar aqui?
— Estava esperando seu convite.
— Ah, por favor, meu bem... Faça de conta que a banheira é sua.
Com um riso fraco, me inclinei para roubar um selinho de , ansiosa demais por esse contato. Comecei a desabotoar minha camisa, vendo a atenção de Barbie ser direcionada a nós, fazendo com que ela logo decidisse sair do banheiro quando percebeu a minha tão rápida nudez.
Entrei na banheira, me sentando de frente com ele e encaixando nossos corpos. Han não demorou a fazer nosso beijo de verdade acontecer, me puxando pela nuca para frente e selando nossos lábios. A resposta do meu corpo não poderia ser diferente e eu ja me encontrava totalmente entregue à sua presença e seu toque, como uma sinapse à saudade que sentia.
— Você está com fome? Eu pedi um jantar. — o tom ameno dele mais uma vez me arrepiou.
Entretanto, quando abri meus olhos por completo e o encarei, tive minha mente tomada uma onda nebulosa com a lembrança que veio. Não era uma coisa que eu queria lembrar ou usar contra ele, visto nosso status de relacionamento sem rótulos que ja durava alguns anos, mas me incomodou em algum momento.
E eu tenho certeza que ele percebeu, porque seu semblante ficou mais sério e pareceu muito cansado.
— , fala alguma coisa. — ele foi o primeiro a dizer.
Mas eu não sabia o que falar, não tinha posição ou interesse em cobrar ele sobre o fato.
Um rumor de namoro dele com uma outra famosa havia surgido durante essa última viagem para o Japão que ele tinha feito com o grupo que fazia parte para um festival que aconteceu no país. Certamente tudo parecia meio estranho para eu simplesmente acreditar na falta de respeito que seria comigo caso aquilo fosse real; assim, Han e eu não somos namorados, mas temos uma relação de benefícios baseada em muita amizade e respeito, como se vivêssemos um namoro, mas sem rótulos — firmar uma relação com um cara famoso, que está no auge, mesmo o conhecendo em início de carreira, envolvia uma série de questões das quais eu não me sentia preparada e disposta a viver; sorte a minha que ele gostava de mim o suficiente para concordar e respeitar.
Ainda assim, aquilo não me inspirava algo bom. Eu vi, sendo totalmente curiosa, claro, que grande parte dos fãs dele aceitaram — algo muito inédito, diga-se de passagem. Dentro de mim uma coisa vermelha piscante tentava me alertar que isso daria muito o que rolar ainda.
— Eu queria que você falasse primeiro. — fui honesta, por fim.
— O que eu posso dizer que não vá parecer uma desculpa idiota?
— A verdade. — dei de ombros, relaxando o corpo um pouco. — Qual é a verdade?
suspirou, torcendo os lábios com a lembrança que teve, talvez um pouco irritado ainda com o que deve ter escutado de seus gerenciadores.
Podia ser o arrependimento também.
— Foi um after normal, como todos os outros... Todo mundo bebeu demais e as imagens ficaram muito sugestivas.
Uma das coisas que culminaram em todo o meu carinho por ele foi descobrir sua genuinidade. era transparente demais para conseguir mentir, bastava você acompanhar o olhar dele ficar perdido e as bochechas inflarem. Pronto .
— Eu consigo acreditar em você. Tá tudo bem. — ele não respondeu, desviou o olhar. — Ta tudo bem, não está? — meu tom saiu preocupado desta vez.
— Querem que a gente assuma uma relação em público.
Senti como se meus olhos fossem saltar para fora do meu rosto. Assim como meu coração. Primeiro eu pensei que fosse sobre eu e ele, mas isso não me preocupou, porque a segunda constatação veio mais forte e, confesso, dolorida.
Um fardo pesado para carregar.
— Não nós dois. — ele riu fraco, porém nervoso. Han sabia respeitar o meu limite, sempre soube e sempre foi um querido com essa questão medrosa minha.
— Eu entendi. — suspirei, torcendo os lábios. — Você não me colocaria contra a parede agora.
— Estão propondo um contrato de alguns meses, mas eu não quero, .
Era uma conversa da qual eu queria muito evitar.
Desde que eu e Han começamos a nos relacionar, ele estava há dois anos vivendo uma vida louca, típica de um artista em busca da sua ascensão. O grupo do qual ele faz parte estava indo para o segundo ano desde a estreia e precisava de foco total para conseguirem conquistar seu espaço. Além disso, a indústria do k-pop por si só já é conhecida por sua rigorosidade. Portanto, sempre me pareceu uma decisão certa: não passaríamos para uma relação pública, mesmo gostando muito de , eu preferia a minha paz. O combo que vinha junto com "levar mais a sério nossa relação" não me apetecia, não combinava comigo.
Amor nenhum no mundo será capaz de mudar minhas convicções.
Também não era como se eu estivesse ficando sério com ele, mas saísse também com muitos outros. Não, era apenas Han, sem rótulos, porém.
Algo que funcionava bem na minha cabeça.
Levei alguns segundos para responder ele. Antes de o fazer, estalei a língua no céu da boca.
— A gente precisa mesmo entrar nessa discussão? — tentei soar cansada, mas não tão desinteressada. Afinal, era um assunto sério. Dentro de mim, lá no fundo, eu ja conseguia ver a resolução triste disso. — É um clichê tão batido, Han. Sabemos o que vai acontecer se você for contra o que querem.
Ele enrijeceu o corpo e franziu o cenho para mim.
Me pareceu como um esquilo acuado.
— As coisas são diferentes agora, não somos mais um grupo no caminho do sucesso. Podemos escolher mais. E eu não quero isso pra mim!
— Mas você escolheu uma vida em que todos vão querer coisas para você e nem sempre você vai querer o mesmo que eles. É a sua realidade...
— Então eu posso abrir mão dessa vida! — ele deu de ombros, dizendo como se fosse algo fácil.
— Em nome de quê? — rebati rápido para ele não ter tempo de pensar.— Porque se for pelo seu livre arbítrio, eu acho que agora é um pouco tarde para tomar qualquer decisão em nome disso.
Como se estivesse tomando um tempo para refletir minhas palavras, que eu reconheci terem sido um pouco duras, ele me encarou e desviou o olhar algumas vezes.
— Por que você tem que ser tão dura? — disse baixo, porém.
— Eu não sou dura, eu só estou tentando te mostrar que isso que está acontecendo agora é um reflexo da sua escolha. A colheita. Infelizmente existem pessoas que escolhem por você... — encolhi minhas pernas, dobrando os joelhos e cruzando os braços por cima deles para apoiar meu queixo no antebraço.
— Mas eu não quero que elas escolham qualquer coisa que me faça ficar sem você, Song . — levou a mão ao meu rosto. — Mesmo que você não queira um relacionamento público, ser chamada de minha namorada, eu quero escolher você. É o que eu tenho feito. Não é justo com tudo o que vicemos nos últimos quatro anos. — ele encheu o peito de ar e soltou pesado. — E sei que você não vai querer viver essa farsa. Também não seria democrático da minha parte exigir isso de você.
— Me desculpa. — minha voz saiu sussurrada e eu senti uma leve vergonha pelo meu egoísmo tão intocável.
— Não precisa se desculpar. Eu é quem deveria pedir perdão por tudo isso. Por ter sido descuidado demais.
Apenas assenti com sinceridade. Não tinha muito sobre o que discutir, era isso e ponto. Infeliz são os reflexos das nossas escolhas — e eu estava sendo vítima da colheita do que ele escolheu para a própria vida; tudo bem, ele sempre teria total apoio meu.
— O que a gente vai fazer? — dedilhando meu antebraço a pergunta de um milhão de dólares veio.
Obviamente isso sobraria para a parte racional da relação.
— Terminar. Viver cada um a sua vida. E ponto.
O rosto dele se contorceu.
Acho que foi um reflexo do meu. Claro que ouvir o que eu estava dizendo também me incomodou.
— Eu queria ser pelo menos um por cento pé no chão como você.
— Mas você é. — arqueei as sobrancelhas, erguendo o rosto. — Só age como um bobão às vezes.
— Porque eu gosto demais de você, da gente.
— E o que isso tem a ver?
— É que você me deixa assim, bobo demais.
Não tinha o que eu responder para esse flerte clichê. Apenas assenti leviana e soltei a respiração pesada, junto com os músculos enrijecidos do meu corpo.
— Ela é bonita. — me lembrei da foto que vi. — Vocês dois combinam. E pensa pelo lado bom, pelo menos os fãs gostaram e não vão fazer a vida da moça um inferno.
— Você combina mais comigo. Para com isso.
se aproximou abruptamente, passando o braço pela minha cintura para me trazer mais perto de si, isso fez com que a água vazasse pelas bordas da banheira quando minhas pernas foram esticadas obrigatoriamente.
— Vamos parar de falar disso enquanto temos nosso momento?
— Pensei que você não ia me pedir isso.
Ele deu o sorriso que era nosso.
— Eu tenho o final de semana livre, posso ficar aqui?
— Desde quando você precisa pedir? — ri nervosa, sentindo minhas pernas fraquejarem. Seriam nossos últimos dias juntos, então?
Ele beijou minha mandíbula, fazendo eu me arrepiar inteira. Travei meu olhar no dele, dando o melhor sorriso que eu poderia para deixar claro de que estava tudo bem.
E realmente estava. Na vida a gente não deve chorar pelo leite derramado, e sim agradecer por ter um leite a derramar.
— A gente pode se beijar agora? — pedi, tocando o indicador no peito dele por dentro da água.
assentiu antes de enfim me tomar toda para ele.
CAPÍTULO ÚNICO
— E por hoje é só, pessoal.
— Se por hoje é só, imagina na próxima reunião! — comentei em tom de brincadeira para velar a minha reclamação quando Beom finalizou sua apresentação.
— Muito engraçada, senhorita Song. — ele fez careta e os outros riram. — Próxima reunião eu deixo as análises fiscais com você.
— Não, muito obrigada. Aqui o meu negócio é pagar vocês para que tudo seja feito.
Erguendo minhas mãos en rendição, me levantei, assim como todo o resto, para começar a juntar toda a papelada que me foi dada. Mais relatórios a serem analisados, mais horas extras.
Era tudo o que eu precisava para continuar distraindo minha mente.
— , vamos no St. Batatas para o happy hour de hoje? Sohyeon vai pagar uma rodada de soju e cerveja para todos.
Ao meu lado, Kim Garam saltitava, já carregando sua pasta abarrotada das anotações. Às vezes eu desejava ser como ela: a secretária do setor que ficava sentada no canto tomando anotações apenas, sem nenhuma cobrança, sem nenhum e-mail preocupante. Nada.
— Hoje não, Garam. Tenho compromisso.
— Esses relatórios estão todos em PDF no e-mail do senhor Beom, coloca no Chat GPT e ele mesmo resume pra você! — com sua empolgação jovial, Garam dissertou como se isso fosse realmente salvar minha vida e o certo a se fazer. Notando seu comentário, e talvez a minha careta também, ela tapou a boca. — Perdão, senhorita Song. Eu... Eu não faço isso.
— Sei que não, Garam. — assenti para ela não dando muita importância. — Bom divertimento para vocês.
Ouvindo o burburinho baixo das repreensões que ela recebeu por sua empolgação no nosso breve diálogo, me distanciei, saindo da sala de reuniões para voltar para o meu escritório. Não era uma caminhada muito distante, visto que meu local de trabalho era naquele mesmo andar, porém em uma das salas do fundo, daquelas que tinham paredes de vidro, se fazendo possível ver todo o setor.
Responsabilidade de uma analista sênior: vigiar seus funcionários.
A movimentação no andar estava contrária a minha, todo mundo se preparava para sair e ir beber — ao menos a grande maioria com seus respectivos grupos, incluindo o gerente financeiro; senhor Im era sempre muito empolgado com as sextas-feiras. Paz para mim, por outro lado. Todos os relatórios que eu precisava analisar com calma demandavam tempo e uma imensa necessidade de silêncio, o que eu não conseguiria se tivesse com o quadro colaborativo todo ali, ou a conversa paralela seria alta ou os telefones ficariam tocando ou eu seria interrompida a cada segundo.
Trabalhar de sexta-feira após o horário de happy hour se tornava muito mais produtivo do que o restante da semana.
Mal me sentei e meu telefone tocou, a foto de Sihyeon, minha melhor amiga, brilhava na tela com um alerta de "distração".
— Credo, você ainda está aí? — ela foi direta quando eu atendi a chamada de vídeo.
— Preciso aproveitar enquanto eles se divertem. Tenho problemas para resolver ou vou ficar desempregada. — me ajeitei na cadeira de forma mais folgada. — Você já está num bar?
— Não! Encontrei a Chae e ela me convidou para a festa na casa nova dela. Esse aqui é um bar que montaram.
Sihyeon virou a câmera para mostrar a casa de sua amiga famosa, membro de um grupo feminino em ascensão. Era mesmo uma casa muito bonita; eu sabia que ela estava procurando uma casa nova, agora que já podia dividir um pouco da sua vida fora do dormitório (uma coisa comum para os idols do k-pop).
Chegar nesse pensamento me fez voltar a uma lembrança.
— Bonita a casa dela. — endireitei meu corpo, tentando voltar ao foco da nossa conversa. — Tenta não beber muito, estou sem carro para te buscar em lugares duvidosos.
— Fica tranquila, vou dormir por aqui... E... — ela torceu um bico, era típico de sua parte quando estava com alguma ideia mirabolante. — Você não quer vir?
— Não. E não pense em tentar me convencer do contrário.
— Ah, qual é? Sexta-feira a noite e você vai ficar enfiada nessa sala, Song ?
— Sim. Trabalhar faz bem para mim. Eu gosto.
— Você podia admitir que está tendo problemas de superação e depositando isso no trabalho excessivo. Somos amigas de infância, pode confiar em mim.
— Sihyeon, eu vou desligar. Você tem alguma coisa a dizer? Algo produtivo, de preferência.
— Eu tenho muitas coisas a dizer, você sabe... Mas eu não quer ouvir elas. — ela riu. — Então eu vou desligar, se mudar de ideia, só me falar. Vai ser ótimo ter você aqui.
— Obrigada. Se divirta!
Desliguei a chamada e relaxei as costas no encosto da cadeira, esticando meu corpo. Olhando para a frente, pude ver todo o setor vazio e com pouca luz iluminando o ambiente, dando um ar mórbido. Um ar de solidão.
Suspirei frustrada. Se fosse uma fase normal, eu estaria em casa neste momento, com — assim, caso ele estivesse em Seul também, e não por aí em meio a algum compromisso de agenda ou show de uma super turnê mundial; e eu sabia que ele estava na cidade nesse final de semana, ter amigos em comuns culminou para eu ainda saber da vida dele. Nosso programa favorito para as sextas em que podíamos ficar juntos era simplesmente assistir qualquer filme de roteiro idiota e ficar jogando conversa fora. é muito bom para conversas, nossos assuntos nunca se esgotavam. E no final, a gente acabava se amassando um no outro: ele adora dormir agarrado, mesmo que isso me sufoque.
Percebi que focar no trabalho seria difícil.
Fiquei alguns minutos encarando a tela do computador, fingindo que aqueles números e gráficos faziam algum sentido... Mas não faziam. Nem hoje, nem agora, nem com todo o esforço que eu tentasse enfiar nesse autocontrole que estava prestes a desmoronar.
Suspirei, vencida.
Talvez hoje não fosse sobre ser forte. Nem sobre ser produtiva. Talvez hoje fosse só... Sobre aceitar. Aceitar que tem dias que a gente perde — e tudo bem.
Fechei o notebook, recolhi meus papéis de qualquer jeito e organizei só o suficiente para não parecer que um furacão passou por ali. A essa altura, o andar já estava completamente vazio. Só eu, o som abafado do relógio digital e aquele silêncio pesado, meio frio, meio triste.
Atravessei o corredor tentando não pensar em nada — ou, pelo menos, tentando não pensar nele.
Mas, ironicamente, foi exatamente dele que eu não consegui fugir.
Quando dobrei o corredor que levava até o elevador, meu corpo inteiro travou. Porque ele estava lá.
Han .
Com aquela jaqueta que eu conhecia tão bem, parado, meio deslocado naquele ambiente que nunca fez parte dele, olhando pra mim como se o mundo inteiro estivesse em suspenso.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu vim te ver. — ele disse como se fosse óbvio.
Olhei para os lados outra vez, ainda preocupada em estarmos sendo vigiados.
— Isso é loucura, ! — destravei o carro. — Entra logo. — apontei, dando a volta para entrar pelo lado do motorista.
Meu coração estava disparado, causando um tremor incontrolável em todo meu corpo. Que era dono de uma teimosia imensurável, eu já sabia, mas que ele poderia ser irresponsável com a própria carreira, era novidade.
Mesmo que eu estivesse borbulhando em ego por dentro. Ele estava se arriscando por mim.
Achei que iríamos começar uma discussão quando ele entrou no carro, mas não, ficou em completo silêncio. Eu, não muito corajosa no momento, também fiquei quieta, e assim foi o caminho até eu parar na minha vaga na garagem subterrânea do prédio.
— O que você tem na cabeça? Tem ideia do que isso poderia te causar? As pessoas não podem-
— Eu sinto sua falta. — ele me cortou, mas sem olhar para mim, seu olhar mirava alguma coisa na parte da frente.
Por um segundo, o silêncio foi tão alto que parecia me esmagar.
Apoiei a testa no volante, soltando um suspiro cansado, como quem tenta reunir forças que não tem mais.
— ... — chamei, baixinho, quase numa súplica. — Não faz isso. Não agora.
Ele mordeu o lábio, aquela mania antiga que sempre aparecia quando estava tentando organizar pensamentos que nunca foram fáceis para ele.
— Eu tentei. — sua voz era mais baixa, rouca, trincada nas bordas. — Juro por tudo, , eu tentei fazer o que você pediu. Seguir. Me ocupar. Fingir que tá tudo bem. Acordar, ir pro ensaio, sorrir pras câmeras, escrever música, atender cronogramas, voar para shows, voltar pra casa, fingir que casa ainda é lar… E que minha roupa de cama não tem seu cheiro… Que aquele lugar não é cheio de você. — ele respirou fundo, apertando os próprios joelhos. — Mas eu não sei... não sei como é que eu... como é que eu faço isso…
Fechei os olhos, apertando as pálpebras, como se isso fosse suficiente para segurar as lágrimas, ou pelo menos para esconder a verdade que me corria nas veias feito veneno.
— Você acha que pra mim é fácil? — minha voz saiu falha, mas não fraca. — Você acha que eu não quis te procurar? Que não quis fingir que esse contrato não me afeta? Que não doeu ver teu nome estampado em toda maldita notificação do meu celular, junto com outro nome que nunca foi o meu?
Me afundei no banco, encarando o teto do carro, tentando achar ali alguma resposta que nunca veio.
— Esses dois meses... — continuei, deixando a voz escorrer baixa, triste, honesta. — foram um campo de batalha. Todo dia acordar e repetir pra mim mesma que eu precisava seguir. Que você tem uma vida, uma carreira, que o mundo inteiro te observa e te exige... E que eu... — ri sem humor — eu nunca fui parte desse mundo, né? Que eu escolhi não ser.
Ele apertou os olhos, balançando a cabeça, como se aquilo o ferisse de um jeito físico.
— Nunca foi assim pra mim, você sabe. — sua voz soava mais grave, mais pesada. — Eu nunca te tratei como algo temporário, nunca foi uma distração, nem um espaço vazio que eu preenchi enquanto dava tempo.
— Mas também nunca fomos algo de verdade, . — minha voz falhou. — Nunca fomos um "nós". Nunca colocamos um nome. Sempre ficou nesse lugar... meio vivo, meio morto. Nesse quase. Nesse ter sem possuir.
Ele esfregou o rosto com as mãos, como se pudesse apagar tudo só com aquele gesto.
— Porque a gente tinha medo. — ele sussurrou, olhando finalmente pra mim, e aquilo me desmontou um pouco. — Porque assumir o que tínhamos ia ser pesado demais pra mim... pra você... pra nós dois. Você tem a sua vida, seu trabalho, seus planos... Eu tenho o peso de uma carreira inteira nas costas. Uma empresa. Um mundo inteiro me cobrando. E eu... — ele respirou fundo, os olhos brilhando demais. — Eu não sabia se eu ia conseguir te proteger disso… Te proteger de mim!
Ficamos em silêncio por longos segundos, com só a respiração pesada preenchendo o espaço apertado do carro.
— E a verdade, ... — minha voz saiu mais baixa, quase frágil. — É que, no fundo, eu também não sabia se eu queria. Se eu tava disposta a pagar esse preço. A ser só mais uma sombra, uma nota de rodapé na sua biografia.
— Você nunca foi uma nota de rodapé. — ele rebateu na hora, sem pensar, com a voz embargada. — Nunca.
Pisquei, sentindo a garganta arder.
— Mas eu sou. No final das contas, eu sou. — minha voz quebrou. — E tudo isso... tudo isso é exatamente por isso. Porque a gente nunca soube se deixar ser de verdade. Nunca soube se escolher de verdade. A gente só... se encontrou no meio do caminho. Sem nome. Sem manual. Sem promessas.
Ele abaixou a cabeça, segurando a nuca com força, como se aquilo fosse impedir o mundo de desabar em cima dele.
— Eu não vim aqui pra te cobrar nada, . — sua voz saiu num fio. — Eu vim porque... — respirou fundo, apertando os olhos, lutando contra ele mesmo. — Porque eu não sei mais fingir que dá pra existir sem você.
As lágrimas que eu tanto lutei pra segurar começaram a cair, silenciosas, pesadas.
— Eu também não sei, . Eu também não sei.
E, naquele carro parado, no subsolo cinza de um prédio qualquer, era como se todo o nosso passado, nossos medos, nossas escolhas — e nossas não-escolhas — estivessem apertados ali, nos sufocando.
Tínhamos tudo. E não tínhamos nada. Tínhamos o amor nunca rotulado e uma falta de coragem absurda.
O silêncio entre nós era quase insuportável, mas não mais do que tudo o que eu precisei suportar nos últimos dois meses. O tipo de silêncio que não carrega dúvidas, só confirmações.
Puxei o ar, longa e profundamente, apertando o volante como quem segura a própria decisão na ponta dos dedos.
Mais uma vez eu deveria decidir por minhas convicções. Virei o rosto na direção dele, respirando fundo uma última vez.
— Você não devia ter vindo, . — minha voz saiu firme, reta, limpa.
Ele apertou os lábios, desviando o olhar, como se procurasse uma desculpa qualquer entre as riscas na pintura da parede da garagem. Não encontrou.
— Eu precisava te ver. — ele respondeu, quase num sussurro. — Você não atende... você... você simplesmente sumiu.
Inclinei o corpo para trás, encostando no banco. Cruzei os braços e mantive o tom.
— Justamente. Achei que tinha ficado claro.
Ele me olhou, e eu reconheci no olhar dele aquele velho pedido mudo. Aquele "fica" que ele nunca teve coragem de dizer em voz alta. Aquele "não vai" que ele sempre deixou pra eu adivinhar.
Mas dessa vez, eu não ia adivinhar.
Nem fingir que não entendia.
— Eu sinto sua falta, . — ele deixou escapar, tenso, quase engolindo as palavras. — Você sabe que eu sinto.
Apertei o maxilar, firme, e engoli em seco, deixando que o silêncio preenchesse os segundos.
— E eu sinto falta de um monte de coisa. — respondi, direto. — De dormir em paz. De não precisar fingir que tá tudo bem quando não tá.
Ele franziu o cenho, respirando pesado, como se estivesse prestes a discutir. Mas não teve tempo.
— E, sabe... — continuei, soltando um riso seco. — A gente nunca teve essa conversa de verdade, né? Sobre o que éramos. Porque a gente se escondia atrás de “não precisa de rótulo”, “é só deixar fluir”, “o que importa é o que a gente sente”.
Inclinei pra frente, encarando ele nos olhos.
— Pois é. Eu deixei fluir. Fluiu até secar.
Ele fechou os olhos, respirando fundo, como se aquilo tivesse acertado em cheio. E acertou.
— ... — tentou, mas eu levantei a mão, cortando.
— Não. — disse, mais baixo, mais firme. — Não faz isso. Não tenta me convencer. Porque, se fosse pra ser, não era eu quem tava aqui... engolindo orgulho, engolindo saudade, engolindo tudo isso... sozinha. Mas eu fui boba em ter acreditado que você enxergaria por trás do meu orgulho e pose de mulher madura quando eu determinei um término par algo que jamais começou.
Ele apertou os olhos, respirando fundo, mordendo o lábio, lutando contra alguma coisa que eu sabia exatamente o que era. Eu também lutei contra isso. Por muito tempo.
Mas chega.
Puxou o celular do bolso, o olhar no chão, e pediu um carro. Nenhuma palavra. Nenhuma desculpa. Nenhuma promessa.
Saiu do carro, batendo a porta com mais força do que queria, talvez sem nem perceber. E ficou ali, parado, as mãos nos bolsos, esperando. Talvez esperando que eu chamasse, que eu voltasse atrás. Mas eu não chamei.
Nem olhei mais.
Esperei ele sumir na curva da saída da garagem, vi as luzes traseiras desaparecerem. Só então soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Subi pro meu apartamento com a cabeça erguida, os ombros tensionados, o maxilar apertado, como quem carrega uma vitória amarga. Porque, no fim, é isso.
Às vezes, escolher a si mesma tem gosto de derrota. Mas ainda assim... é vitória.
E eu escolhi por mim pela milésima vez.
Eu deveria estar acostumada.
O portão se abriu devagar, revelando uma daquelas casas que só existem no Pinterest — ou na vida dos extremamente bem-sucedidos, o que no caso era praticamente a mesma coisa. Fachada moderna, linhas retas, vidro, concreto e madeira, um jardim impecável e iluminação indireta que deixava tudo mais aconchegante do que ostensivo. O som da música escapava de alguma caixa bem posicionada no quintal, nada ensurdecedor, só o suficiente para preencher os espaços entre as conversas. Jazz moderno misturado com R&B, batidas suaves, o tipo de playlist que parece casual, mas foi escolhida meticulosamente para passar a ideia certa: sofisticação despretensiosa.
— Só pra deixar claro… eu continuo te odiando. — murmurei, ajeitando a bolsa no ombro, observando as luzes quentes que vinham de dentro da casa.
Sihyeon girou no próprio eixo, me lançando um sorriso tão brilhante que era quase uma ofensa.
— E eu continuo te ignorando. — segurou meu pulso, me puxando com ela. — Anda. E coloca esse sorriso no rosto, pelo amor de Deus, antes que a dona da casa ache que você veio aqui contra a vontade.
— Eu vim contra a vontade. — arqueei uma sobrancelha, e ela riu, me ignorando como sempre.
O interior da casa era ainda mais impressionante. Pé direito alto, móveis minimalistas, quadros de arte moderna, arranjos florais enormes e aquela leveza de quem tem dinheiro, mas prefere que ele se manifeste em bom gosto e não em ostentação.
Espalhados pelos ambientes, idols de grupos famosos conversavam em pequenos grupos, riam, brindavam, alguns jogavam conversa fora no sofá, outros se concentravam nas rodinhas próximas à bancada da cozinha gourmet, onde petiscos caros e garrafas de soju e vinho estavam dispostos de forma quase cenográfica.
Era engraçado observar. A naturalidade com que pessoas que, teoricamente, vivem dentro de um holofote, se comportam quando estão entre os seus. Roupas casuais, rostos livres de maquiagem pesada, risadas altas, piadas internas e aquela leve tensão que nunca desaparece — afinal, mesmo entre amigos, fama é uma coisa que pesa no ambiente.
— Por favor, tenta não parecer uma auditora fiscal. — Sihyeon me cutucou, me entregando uma taça que pegou de uma bandeja que passou flutuando.
— Eu tô perfeitamente relaxada. — disse, levando o cristal aos lábios.
Ela me lançou um olhar descrente.
— Relaxada é uma palavra muito forte pra você, Song .
Revirei os olhos, mas não respondi. Me limitei a observar o entorno, percorrendo o espaço com o olhar, captando detalhes, rostos, expressões. Estar ali não me parecia exatamente desconfortável, apenas indiferente. Como quem assiste um filme onde não se sabe se é figurante ou protagonista.
— Só pra você saber... — Sihyeon se aproximou, abaixando um pouco a voz. — A dona da casa é a Chae, do Twinkle. E, sim, aquele grupo novíssimo que tá estourando em tudo. E, sim, tem metade da indústria aqui hoje.
— Maravilha. — comentei, seca, tomando mais um gole. — Literalmente, só faltava isso.
Ela riu, como se minha ironia fosse combustível.
— E só pra você saber também... você tá maravilhosa. Então, se algum deles te notar... não estranha.
— Por favor, não me transforme em pauta de fanfic. — balancei a cabeça, apoiando uma mão na cintura.
Sihyeon apertou meu braço, me encarando com aquele misto de empolgação e teimosia que só ela sabia carregar. — Relaxa. Hoje a vida é nossa.
Assenti, respirando fundo.
Corpo presente. Alma também.
O resto a gente vê depois
A música não estava alta, mas o suficiente para preencher o ambiente de maneira agradável. As luzes amarelas, penduradas em fios que cruzavam o teto, davam um ar aconchegante para aquela casa espaçosa, de decoração minimalista, porém impecavelmente estilosa. As conversas se misturavam com risadas e o tilintar dos copos. Havia algo quase dramático em estar ali. Sihyeon estava, obviamente, em êxtase, era como se fosse seu habitat natural. Seus olhos brilhavam enquanto segurava minha mão e me puxava para dentro da sala principal, ignorando completamente minha expressão que claramente dizia: “eu preferia estar em casa”.
— Ai, , olha isso! — ela girava o pescoço de um lado pro outro, sorrindo feito criança em parque de diversões. — Se eu morrer hoje, pelo menos foi no auge!
— Dramática. — revirei os olhos, ajeitando a alça da bolsa no ombro. — E você me arrastou até aqui pra isso? Pra surtar?
Ela segurou meu braço e me puxou mais para dentro.
— Você precisava sair, mulher. Faz semanas que você tá se escondendo no escritório e fingindo que sua vida social não existe. — me olhou de lado. — E, convenhamos, se for pra quebrar esse ciclo, que seja numa casa como essa, com esse tanto de gente bonita e rica.
Suspirei, cruzando os braços.
— Gente bonita e rica me dá dor de cabeça, Sihyeon.
Ela riu, balançando a cabeça, e pegou uma taça da bandeja que passava.
— Então bora beber até isso deixar de ser um problema.
Caminhamos entre pequenos grupos. Era quase impossível não reconhecer rostos. Idols de grupos que eu via na televisão ou nas redes sociais estavam ali, à vontade, rindo, jogando conversa fora como se o mundo fora daquela casa não existisse. E eu estava fisicamente presente, mas minha mente vagava. Não era incômodo estar ali, mas também não era confortável. Era como ocupar um espaço que nunca foi feito pra mim.
Sihyeon parecia ter nascido pra isso. Ela cumprimentava um, acenava para outro, ria com mais alguém e me arrastava junto, como se eu fosse uma extensão dela mesma. Eu mantinha o sorriso educado, a postura impecável e aquele ar indiferente que aprendi a usar quando precisava.
Até que ela parou abruptamente e segurou meu braço com mais força. Seu olhar mudou, ficou mais tenso, mais sério.
— … — sua voz soou mais baixa, quase como um aviso. — Eles estão aqui.
Franzi o cenho, demorando alguns segundos pra entender. Mas quando segui seu olhar, tudo ficou claro.
— Ah… — soltei, quase num suspiro pesado, sentindo o estômago embrulhar. — Isso não vai me abalar. Tá tudo bem, amiga.
Ela segurou meu braço mais firme.
— Tem certeza?
— Tenho. — forcei um sorriso, segurando meu copo com mais força. — Isso não vai me desestabilizar.
Me obriguei a encarar. Han . E, claro, ela. A namorada de contrato, mas que naquele ambiente — e pra quem não sabia da verdade —, parecia tudo, menos um contrato.
Eles caminhavam cumprimentando todos com aquele sorriso bem ensaiado. O tipo de sorriso que eu aprendi a identificar à distância, depois de conviver tanto tempo no meio desse jogo de aparências. E, mesmo assim, mesmo sabendo de tudo, meu corpo reagiu como se fosse a primeira vez. O coração disparou, as mãos suaram e aquela sensação incômoda de borboletas nervosas tomou conta do meu estômago.
Mas por fora? Frieza. Completei meu gole, ajeitei a postura e voltei meu olhar pra Sihyeon.
— Acho que vou pegar mais bebida. Você quer? — perguntei, mantendo o tom mais casual possível.
Ela hesitou.
— Na verdade, acho que vou embora.
— Cedo assim? — questionei, surpresa, já calculando mentalmente que isso significava que, provavelmente, eu também iria embora. Ou ela tivesse armado para mim.
Sihyeon sorriu, um pouco sem graça, e tocou meu ombro. — Amanhã é dia de balanço fiscal, preciso estar descansada. — fez um biquinho. — Mas você não vai ficar sozinha. — arqueou as sobrancelhas e apontou discretamente pra trás de mim.
Virei o rosto, meio sem entender, e logo vi se aproximando. Ele caminhava com aquela segurança de quem não precisava pedir licença para existir, desviando das pessoas que tentavam pará-lo no caminho, como se soubesse exatamente onde queria chegar — e, naquele momento, esse lugar era ao meu lado.
Automaticamente, sorri. Talvez alívio, talvez gratidão.
— Estará em ótima companhia, unnie. — Sihyeon me beijou na bochecha, se despediu e sumiu na direção da porta.
E assim, eu fiquei. Entre a vontade de ir embora e a obrigação interna de provar para mim mesma que não precisava mais fugir de absolutamente nada. Nem dele.
— Uau… — olhou pra mim depois de mais um gole da própria bebida, cruzando os braços. — Nunca pensei que fosse te encontrar numa festa dessas.
— Nem eu. — ri curto, girando o copo na mão, observando o líquido âmbar refletir a luz quente da sala. — Sihyeon basicamente me sequestrou.
Ele assentiu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá, virando-se completamente na minha direção, com aquele sorriso enviesado que ele sabia usar muito bem.
— Bom… sorte minha.
Arqueei uma sobrancelha, divertida.
— Tá tentando flertar comigo, ?
Ele soltou uma risada abafada, baixando o olhar por um segundo antes de me encarar de novo, com aquele jeito seguro, quase desafiador.
— Talvez. — deu de ombros. — Você parece precisar de distração.
Soltei uma risada seca, levando o copo aos lábios.
— Você não faz ideia.
O clima entre nós, que até então era casual e confortável, começou a ganhar uma tensão diferente. Uma linha tênue entre cumplicidade e provocação.
— E me diz… — ele inclinou-se um pouco mais para perto, diminuindo propositalmente o espaço entre nós. — Como anda sua vida, fora balanços, relatórios e planilhas intermináveis?
Suspirei, apoiando as costas no sofá e cruzando as pernas.
— Uma maravilha. Totalmente estável, saudável, emocionalmente inabalável. — revirei os olhos, sarcástica, fazendo ele rir. — Você sabe que é mentira, né?
— Sei. — respondeu simples, dando mais um gole na própria bebida. — Dá pra ver.
— Ótimo. — finalizei meu copo e deixei sobre a mesa de centro, me ajeitando no sofá. — Então acho que não preciso fingir, pelo menos não com você.
me olhou por alguns segundos, sério, como se estivesse me estudando. Então se inclinou, pegou a garrafa que estava sobre a mesa e serviu mais soju para nós dois.
— Então brinda comigo. — estendeu o copo. — Pela honestidade brutal.
— Pela honestidade brutal. — trinquei meu copo no dele e bebemos juntos.
O álcool já começava a criar aquela névoa leve, aquela sensação em que o corpo fica mais solto, os pensamentos mais leves e as barreiras emocionais, perigosamente, começam a ceder. Conversamos por mais um tempo. Sobre tudo e nada. Sobre trabalho, sobre viagens, sobre músicas, sobre como as pessoas naquele meio viviam sob pressão constante. Sobre como ambos se sentiam deslocados às vezes, cada um à sua maneira.
E rimos. Muito. era leve, engraçado e inteligente. E, acima de tudo, genuíno. E isso, naquele momento, era como um respiro de ar puro.
Em algum ponto da conversa, percebi que estávamos mais próximos do que antes. Talvez o sofá fosse pequeno. Talvez tivesse sido intencional. Nossos joelhos se tocavam, e nenhuma das partes fez questão de se afastar.
Ele percebeu o meu olhar e arqueou uma sobrancelha, sorrindo de canto. — Você tá me olhando assim por quê?
— Porque você é perigoso. — soltei, quase sem pensar, num tom mais baixo, mais rouco do que pretendia.
riu, mas foi aquele tipo de riso abafado, quase nervoso.
— Eu? Não… — negou, balançando a cabeça, enquanto levava a mão até meu queixo, segurando de leve, me obrigando a manter o olhar nele. — Perigosa é você, Song .
Por um segundo, apenas nos olhamos. O som da festa virou um pano de fundo distante, irrelevante. Tudo que eu conseguia processar era o cheiro dele — amadeirado, quente —, a respiração um pouco mais pesada, e o fato de que, naquele exato momento, nada mais importava.
Foi ele quem quebrou a distância. E eu não impedi.
Seus lábios tocaram os meus de forma surpreendentemente gentil, quase como se pedisse permissão. E quando eu não recuei — pelo contrário, segurei a gola da jaqueta dele —, ele aprofundou o beijo, deixando de lado qualquer hesitação. O gosto da bebida misturado ao dele. As mãos quentes na minha cintura. Meu corpo respondendo de forma imediata, inclinando-se pra mais perto, como se aquilo fosse inevitável. Mas foi rápido. Preciso. E, talvez por isso, ainda mais intenso. Nos separamos ofegantes, mas com sorrisos idiotas no rosto. Ele mordeu o lábio inferior, desviando o olhar por um segundo.
— Ok… isso foi… — começou, mas não terminou.
— Um erro. — completei, ajeitando a bolsa no ombro e me levantando, antes que qualquer parte de mim resolvesse se apegar àquele instante. — Mas um erro muito bom.
também se levantou, mas não insistiu. Só colocou as mãos nos bolsos e me olhou, ainda sorrindo. — Você vai embora?
— Sim. — respirei fundo. — Já estive aqui tempo o suficiente pra hoje.
Ele assentiu, dando dois passos para perto, só para segurar meu queixo mais uma vez e me olhar fundo, com aquele jeito meio debochado, meio sério.
— Cuide-se, .
— Sempre. — sorri de canto, me virando em seguida e cruzando a sala, me esquivando dos grupos de pessoas e da música que parecia, agora, mais abafada na minha cabeça.
Saí da casa com o coração batendo em um ritmo estranho — entre a satisfação de ter me provado capaz de seguir em frente e a incômoda certeza de que, na verdade, eu estava só fingindo muito bem.
O ar frio da noite me acertou quando pisei na calçada, me dando a clareza que o álcool havia roubado.
É. Talvez seguir em frente fosse um pouco mais complicado do que parecia. Principalmente se eu fosse querer beijar mais o melhor amigo de — porque algo dentro de mim queria beijar muito mais do que o simples beijo que tivemos.
A madrugada havia mergulhado a cidade numa calma quase irreconhecível, o que fazia Seul se tornar um dos meus lugares favoritos no mundo, não por ser meu local de nascimento. Eu finalmente estava pronta para dormir quanso o silêncio do meu apartamento foi quebrado por uma batida suave e persistente na porta. Olhei para o relógio — quase três horas da manhã. Quem poderia estar ali a essa hora?
Cansada e com os pensamentos confusos, caminhei até a porta e abri.
Lá estava ele: . Seus olhos carregavam uma mistura de nervosismo e determinação, e um leve sorriso que não escondia a ansiedade por estar ali.
— ? — minha voz saiu baixa, um pouco incrédula.
Ele engoliu em seco e desviou o olhar por um segundo antes de me encarar de novo.
— Desculpa incomodar tão tarde. Eu não planejei isso... Mas precisava ver você.
Eu fiquei parada, os olhos tentando ler algo em seu rosto que eu ainda não sabia decifrar.
Ele deu um passo à frente, a mão tremendo ligeiramente antes de segurar a minha.
— Eu soube que você estava na festa... com o .
Minhas bochechas esquentaram, mas ele não desviou o olhar.
— E, pra ser sincero, eu senti ciúmes. Não estou com raiva.
Um ciúme doce, desajeitado, como se fosse a primeira vez que sentia aquilo.
— Eu tentei me convencer de que isso não importava. Que você tinha todo o direito de seguir a sua vida. — ele respirou fundo, segurando a minha mão com mais firmeza. — Mas a verdade é que, mesmo depois de tudo, você ainda é a única pessoa que eu quero por perto.
Senti o peito apertar, não de dor, mas de algo que parecia um misto de saudade e esperança.
— Eu sei que a gente nunca foi um casal de verdade. Nem rotulado, nem público... E talvez isso tenha sido o que nos salvou, ou o que nos destruiu. — falei, olhando para os seus olhos intensos. — Nunca pensamos que precisaríamos ser mais do que o que éramos.
Ele sorriu, meio triste, meio aliviado.
— Talvez a gente nunca tenha que ser o que o mundo espera. Mas eu quero que a gente seja algo pra gente. Algo real, do nosso jeito.
A mão dele apertou a minha, como se dissesse “eu tô aqui”.
— Eu não quero perder você, . Não assim, não agora.
Olhei para ele, para tudo que ficou guardado nas entrelinhas do nosso silêncio, e então apontei para a sala, convidando-o para entrar. Nosso espaço pequeno, cheio de luz suave, de repente pareceu o lugar mais seguro do mundo. Ele se aproximou devagar, como se cada movimento fosse ensaiado, e o calor do corpo dele me trouxe uma certeza que eu não esperava admitir. Os olhos dele buscaram os meus, procurando permissão, e eu dei, com um leve aceno.
Quando os lábios dele tocaram os meus, o mundo todo pareceu parar.
Foi um beijo intenso, carregado de tudo que ficou guardado — saudade, desejo, medo, esperança. Ele me segurou firme, sem pressa, como se quisesse traduzir em silêncio tudo que as palavras não conseguiram dizer. Quando nos afastamos, ele encostou a testa na minha e sussurrou:
— Eu tô aqui, . Pra ficar, do jeito que você quiser. E eu não quero mais sentir a sua falta.
— Não sinta. Você pode deixar a saudade pra depois.
— Ou nunca.
— Se por hoje é só, imagina na próxima reunião! — comentei em tom de brincadeira para velar a minha reclamação quando Beom finalizou sua apresentação.
— Muito engraçada, senhorita Song. — ele fez careta e os outros riram. — Próxima reunião eu deixo as análises fiscais com você.
— Não, muito obrigada. Aqui o meu negócio é pagar vocês para que tudo seja feito.
Erguendo minhas mãos en rendição, me levantei, assim como todo o resto, para começar a juntar toda a papelada que me foi dada. Mais relatórios a serem analisados, mais horas extras.
Era tudo o que eu precisava para continuar distraindo minha mente.
— , vamos no St. Batatas para o happy hour de hoje? Sohyeon vai pagar uma rodada de soju e cerveja para todos.
Ao meu lado, Kim Garam saltitava, já carregando sua pasta abarrotada das anotações. Às vezes eu desejava ser como ela: a secretária do setor que ficava sentada no canto tomando anotações apenas, sem nenhuma cobrança, sem nenhum e-mail preocupante. Nada.
— Hoje não, Garam. Tenho compromisso.
— Esses relatórios estão todos em PDF no e-mail do senhor Beom, coloca no Chat GPT e ele mesmo resume pra você! — com sua empolgação jovial, Garam dissertou como se isso fosse realmente salvar minha vida e o certo a se fazer. Notando seu comentário, e talvez a minha careta também, ela tapou a boca. — Perdão, senhorita Song. Eu... Eu não faço isso.
— Sei que não, Garam. — assenti para ela não dando muita importância. — Bom divertimento para vocês.
Ouvindo o burburinho baixo das repreensões que ela recebeu por sua empolgação no nosso breve diálogo, me distanciei, saindo da sala de reuniões para voltar para o meu escritório. Não era uma caminhada muito distante, visto que meu local de trabalho era naquele mesmo andar, porém em uma das salas do fundo, daquelas que tinham paredes de vidro, se fazendo possível ver todo o setor.
Responsabilidade de uma analista sênior: vigiar seus funcionários.
A movimentação no andar estava contrária a minha, todo mundo se preparava para sair e ir beber — ao menos a grande maioria com seus respectivos grupos, incluindo o gerente financeiro; senhor Im era sempre muito empolgado com as sextas-feiras. Paz para mim, por outro lado. Todos os relatórios que eu precisava analisar com calma demandavam tempo e uma imensa necessidade de silêncio, o que eu não conseguiria se tivesse com o quadro colaborativo todo ali, ou a conversa paralela seria alta ou os telefones ficariam tocando ou eu seria interrompida a cada segundo.
Trabalhar de sexta-feira após o horário de happy hour se tornava muito mais produtivo do que o restante da semana.
Mal me sentei e meu telefone tocou, a foto de Sihyeon, minha melhor amiga, brilhava na tela com um alerta de "distração".
— Credo, você ainda está aí? — ela foi direta quando eu atendi a chamada de vídeo.
— Preciso aproveitar enquanto eles se divertem. Tenho problemas para resolver ou vou ficar desempregada. — me ajeitei na cadeira de forma mais folgada. — Você já está num bar?
— Não! Encontrei a Chae e ela me convidou para a festa na casa nova dela. Esse aqui é um bar que montaram.
Sihyeon virou a câmera para mostrar a casa de sua amiga famosa, membro de um grupo feminino em ascensão. Era mesmo uma casa muito bonita; eu sabia que ela estava procurando uma casa nova, agora que já podia dividir um pouco da sua vida fora do dormitório (uma coisa comum para os idols do k-pop).
Chegar nesse pensamento me fez voltar a uma lembrança.
— Bonita a casa dela. — endireitei meu corpo, tentando voltar ao foco da nossa conversa. — Tenta não beber muito, estou sem carro para te buscar em lugares duvidosos.
— Fica tranquila, vou dormir por aqui... E... — ela torceu um bico, era típico de sua parte quando estava com alguma ideia mirabolante. — Você não quer vir?
— Não. E não pense em tentar me convencer do contrário.
— Ah, qual é? Sexta-feira a noite e você vai ficar enfiada nessa sala, Song ?
— Sim. Trabalhar faz bem para mim. Eu gosto.
— Você podia admitir que está tendo problemas de superação e depositando isso no trabalho excessivo. Somos amigas de infância, pode confiar em mim.
— Sihyeon, eu vou desligar. Você tem alguma coisa a dizer? Algo produtivo, de preferência.
— Eu tenho muitas coisas a dizer, você sabe... Mas eu não quer ouvir elas. — ela riu. — Então eu vou desligar, se mudar de ideia, só me falar. Vai ser ótimo ter você aqui.
— Obrigada. Se divirta!
Desliguei a chamada e relaxei as costas no encosto da cadeira, esticando meu corpo. Olhando para a frente, pude ver todo o setor vazio e com pouca luz iluminando o ambiente, dando um ar mórbido. Um ar de solidão.
Suspirei frustrada. Se fosse uma fase normal, eu estaria em casa neste momento, com — assim, caso ele estivesse em Seul também, e não por aí em meio a algum compromisso de agenda ou show de uma super turnê mundial; e eu sabia que ele estava na cidade nesse final de semana, ter amigos em comuns culminou para eu ainda saber da vida dele. Nosso programa favorito para as sextas em que podíamos ficar juntos era simplesmente assistir qualquer filme de roteiro idiota e ficar jogando conversa fora. é muito bom para conversas, nossos assuntos nunca se esgotavam. E no final, a gente acabava se amassando um no outro: ele adora dormir agarrado, mesmo que isso me sufoque.
Percebi que focar no trabalho seria difícil.
Fiquei alguns minutos encarando a tela do computador, fingindo que aqueles números e gráficos faziam algum sentido... Mas não faziam. Nem hoje, nem agora, nem com todo o esforço que eu tentasse enfiar nesse autocontrole que estava prestes a desmoronar.
Suspirei, vencida.
Talvez hoje não fosse sobre ser forte. Nem sobre ser produtiva. Talvez hoje fosse só... Sobre aceitar. Aceitar que tem dias que a gente perde — e tudo bem.
Fechei o notebook, recolhi meus papéis de qualquer jeito e organizei só o suficiente para não parecer que um furacão passou por ali. A essa altura, o andar já estava completamente vazio. Só eu, o som abafado do relógio digital e aquele silêncio pesado, meio frio, meio triste.
Atravessei o corredor tentando não pensar em nada — ou, pelo menos, tentando não pensar nele.
Mas, ironicamente, foi exatamente dele que eu não consegui fugir.
Quando dobrei o corredor que levava até o elevador, meu corpo inteiro travou. Porque ele estava lá.
Han .
Com aquela jaqueta que eu conhecia tão bem, parado, meio deslocado naquele ambiente que nunca fez parte dele, olhando pra mim como se o mundo inteiro estivesse em suspenso.
— O que você está fazendo aqui?
— Eu vim te ver. — ele disse como se fosse óbvio.
Olhei para os lados outra vez, ainda preocupada em estarmos sendo vigiados.
— Isso é loucura, ! — destravei o carro. — Entra logo. — apontei, dando a volta para entrar pelo lado do motorista.
Meu coração estava disparado, causando um tremor incontrolável em todo meu corpo. Que era dono de uma teimosia imensurável, eu já sabia, mas que ele poderia ser irresponsável com a própria carreira, era novidade.
Mesmo que eu estivesse borbulhando em ego por dentro. Ele estava se arriscando por mim.
Achei que iríamos começar uma discussão quando ele entrou no carro, mas não, ficou em completo silêncio. Eu, não muito corajosa no momento, também fiquei quieta, e assim foi o caminho até eu parar na minha vaga na garagem subterrânea do prédio.
— O que você tem na cabeça? Tem ideia do que isso poderia te causar? As pessoas não podem-
— Eu sinto sua falta. — ele me cortou, mas sem olhar para mim, seu olhar mirava alguma coisa na parte da frente.
Por um segundo, o silêncio foi tão alto que parecia me esmagar.
Apoiei a testa no volante, soltando um suspiro cansado, como quem tenta reunir forças que não tem mais.
— ... — chamei, baixinho, quase numa súplica. — Não faz isso. Não agora.
Ele mordeu o lábio, aquela mania antiga que sempre aparecia quando estava tentando organizar pensamentos que nunca foram fáceis para ele.
— Eu tentei. — sua voz era mais baixa, rouca, trincada nas bordas. — Juro por tudo, , eu tentei fazer o que você pediu. Seguir. Me ocupar. Fingir que tá tudo bem. Acordar, ir pro ensaio, sorrir pras câmeras, escrever música, atender cronogramas, voar para shows, voltar pra casa, fingir que casa ainda é lar… E que minha roupa de cama não tem seu cheiro… Que aquele lugar não é cheio de você. — ele respirou fundo, apertando os próprios joelhos. — Mas eu não sei... não sei como é que eu... como é que eu faço isso…
Fechei os olhos, apertando as pálpebras, como se isso fosse suficiente para segurar as lágrimas, ou pelo menos para esconder a verdade que me corria nas veias feito veneno.
— Você acha que pra mim é fácil? — minha voz saiu falha, mas não fraca. — Você acha que eu não quis te procurar? Que não quis fingir que esse contrato não me afeta? Que não doeu ver teu nome estampado em toda maldita notificação do meu celular, junto com outro nome que nunca foi o meu?
Me afundei no banco, encarando o teto do carro, tentando achar ali alguma resposta que nunca veio.
— Esses dois meses... — continuei, deixando a voz escorrer baixa, triste, honesta. — foram um campo de batalha. Todo dia acordar e repetir pra mim mesma que eu precisava seguir. Que você tem uma vida, uma carreira, que o mundo inteiro te observa e te exige... E que eu... — ri sem humor — eu nunca fui parte desse mundo, né? Que eu escolhi não ser.
Ele apertou os olhos, balançando a cabeça, como se aquilo o ferisse de um jeito físico.
— Nunca foi assim pra mim, você sabe. — sua voz soava mais grave, mais pesada. — Eu nunca te tratei como algo temporário, nunca foi uma distração, nem um espaço vazio que eu preenchi enquanto dava tempo.
— Mas também nunca fomos algo de verdade, . — minha voz falhou. — Nunca fomos um "nós". Nunca colocamos um nome. Sempre ficou nesse lugar... meio vivo, meio morto. Nesse quase. Nesse ter sem possuir.
Ele esfregou o rosto com as mãos, como se pudesse apagar tudo só com aquele gesto.
— Porque a gente tinha medo. — ele sussurrou, olhando finalmente pra mim, e aquilo me desmontou um pouco. — Porque assumir o que tínhamos ia ser pesado demais pra mim... pra você... pra nós dois. Você tem a sua vida, seu trabalho, seus planos... Eu tenho o peso de uma carreira inteira nas costas. Uma empresa. Um mundo inteiro me cobrando. E eu... — ele respirou fundo, os olhos brilhando demais. — Eu não sabia se eu ia conseguir te proteger disso… Te proteger de mim!
Ficamos em silêncio por longos segundos, com só a respiração pesada preenchendo o espaço apertado do carro.
— E a verdade, ... — minha voz saiu mais baixa, quase frágil. — É que, no fundo, eu também não sabia se eu queria. Se eu tava disposta a pagar esse preço. A ser só mais uma sombra, uma nota de rodapé na sua biografia.
— Você nunca foi uma nota de rodapé. — ele rebateu na hora, sem pensar, com a voz embargada. — Nunca.
Pisquei, sentindo a garganta arder.
— Mas eu sou. No final das contas, eu sou. — minha voz quebrou. — E tudo isso... tudo isso é exatamente por isso. Porque a gente nunca soube se deixar ser de verdade. Nunca soube se escolher de verdade. A gente só... se encontrou no meio do caminho. Sem nome. Sem manual. Sem promessas.
Ele abaixou a cabeça, segurando a nuca com força, como se aquilo fosse impedir o mundo de desabar em cima dele.
— Eu não vim aqui pra te cobrar nada, . — sua voz saiu num fio. — Eu vim porque... — respirou fundo, apertando os olhos, lutando contra ele mesmo. — Porque eu não sei mais fingir que dá pra existir sem você.
As lágrimas que eu tanto lutei pra segurar começaram a cair, silenciosas, pesadas.
— Eu também não sei, . Eu também não sei.
E, naquele carro parado, no subsolo cinza de um prédio qualquer, era como se todo o nosso passado, nossos medos, nossas escolhas — e nossas não-escolhas — estivessem apertados ali, nos sufocando.
Tínhamos tudo. E não tínhamos nada. Tínhamos o amor nunca rotulado e uma falta de coragem absurda.
O silêncio entre nós era quase insuportável, mas não mais do que tudo o que eu precisei suportar nos últimos dois meses. O tipo de silêncio que não carrega dúvidas, só confirmações.
Puxei o ar, longa e profundamente, apertando o volante como quem segura a própria decisão na ponta dos dedos.
Mais uma vez eu deveria decidir por minhas convicções. Virei o rosto na direção dele, respirando fundo uma última vez.
— Você não devia ter vindo, . — minha voz saiu firme, reta, limpa.
Ele apertou os lábios, desviando o olhar, como se procurasse uma desculpa qualquer entre as riscas na pintura da parede da garagem. Não encontrou.
— Eu precisava te ver. — ele respondeu, quase num sussurro. — Você não atende... você... você simplesmente sumiu.
Inclinei o corpo para trás, encostando no banco. Cruzei os braços e mantive o tom.
— Justamente. Achei que tinha ficado claro.
Ele me olhou, e eu reconheci no olhar dele aquele velho pedido mudo. Aquele "fica" que ele nunca teve coragem de dizer em voz alta. Aquele "não vai" que ele sempre deixou pra eu adivinhar.
Mas dessa vez, eu não ia adivinhar.
Nem fingir que não entendia.
— Eu sinto sua falta, . — ele deixou escapar, tenso, quase engolindo as palavras. — Você sabe que eu sinto.
Apertei o maxilar, firme, e engoli em seco, deixando que o silêncio preenchesse os segundos.
— E eu sinto falta de um monte de coisa. — respondi, direto. — De dormir em paz. De não precisar fingir que tá tudo bem quando não tá.
Ele franziu o cenho, respirando pesado, como se estivesse prestes a discutir. Mas não teve tempo.
— E, sabe... — continuei, soltando um riso seco. — A gente nunca teve essa conversa de verdade, né? Sobre o que éramos. Porque a gente se escondia atrás de “não precisa de rótulo”, “é só deixar fluir”, “o que importa é o que a gente sente”.
Inclinei pra frente, encarando ele nos olhos.
— Pois é. Eu deixei fluir. Fluiu até secar.
Ele fechou os olhos, respirando fundo, como se aquilo tivesse acertado em cheio. E acertou.
— ... — tentou, mas eu levantei a mão, cortando.
— Não. — disse, mais baixo, mais firme. — Não faz isso. Não tenta me convencer. Porque, se fosse pra ser, não era eu quem tava aqui... engolindo orgulho, engolindo saudade, engolindo tudo isso... sozinha. Mas eu fui boba em ter acreditado que você enxergaria por trás do meu orgulho e pose de mulher madura quando eu determinei um término par algo que jamais começou.
Ele apertou os olhos, respirando fundo, mordendo o lábio, lutando contra alguma coisa que eu sabia exatamente o que era. Eu também lutei contra isso. Por muito tempo.
Mas chega.
Puxou o celular do bolso, o olhar no chão, e pediu um carro. Nenhuma palavra. Nenhuma desculpa. Nenhuma promessa.
Saiu do carro, batendo a porta com mais força do que queria, talvez sem nem perceber. E ficou ali, parado, as mãos nos bolsos, esperando. Talvez esperando que eu chamasse, que eu voltasse atrás. Mas eu não chamei.
Nem olhei mais.
Esperei ele sumir na curva da saída da garagem, vi as luzes traseiras desaparecerem. Só então soltei o ar que nem sabia que estava prendendo. Subi pro meu apartamento com a cabeça erguida, os ombros tensionados, o maxilar apertado, como quem carrega uma vitória amarga. Porque, no fim, é isso.
Às vezes, escolher a si mesma tem gosto de derrota. Mas ainda assim... é vitória.
E eu escolhi por mim pela milésima vez.
Eu deveria estar acostumada.
O portão se abriu devagar, revelando uma daquelas casas que só existem no Pinterest — ou na vida dos extremamente bem-sucedidos, o que no caso era praticamente a mesma coisa. Fachada moderna, linhas retas, vidro, concreto e madeira, um jardim impecável e iluminação indireta que deixava tudo mais aconchegante do que ostensivo. O som da música escapava de alguma caixa bem posicionada no quintal, nada ensurdecedor, só o suficiente para preencher os espaços entre as conversas. Jazz moderno misturado com R&B, batidas suaves, o tipo de playlist que parece casual, mas foi escolhida meticulosamente para passar a ideia certa: sofisticação despretensiosa.
— Só pra deixar claro… eu continuo te odiando. — murmurei, ajeitando a bolsa no ombro, observando as luzes quentes que vinham de dentro da casa.
Sihyeon girou no próprio eixo, me lançando um sorriso tão brilhante que era quase uma ofensa.
— E eu continuo te ignorando. — segurou meu pulso, me puxando com ela. — Anda. E coloca esse sorriso no rosto, pelo amor de Deus, antes que a dona da casa ache que você veio aqui contra a vontade.
— Eu vim contra a vontade. — arqueei uma sobrancelha, e ela riu, me ignorando como sempre.
O interior da casa era ainda mais impressionante. Pé direito alto, móveis minimalistas, quadros de arte moderna, arranjos florais enormes e aquela leveza de quem tem dinheiro, mas prefere que ele se manifeste em bom gosto e não em ostentação.
Espalhados pelos ambientes, idols de grupos famosos conversavam em pequenos grupos, riam, brindavam, alguns jogavam conversa fora no sofá, outros se concentravam nas rodinhas próximas à bancada da cozinha gourmet, onde petiscos caros e garrafas de soju e vinho estavam dispostos de forma quase cenográfica.
Era engraçado observar. A naturalidade com que pessoas que, teoricamente, vivem dentro de um holofote, se comportam quando estão entre os seus. Roupas casuais, rostos livres de maquiagem pesada, risadas altas, piadas internas e aquela leve tensão que nunca desaparece — afinal, mesmo entre amigos, fama é uma coisa que pesa no ambiente.
— Por favor, tenta não parecer uma auditora fiscal. — Sihyeon me cutucou, me entregando uma taça que pegou de uma bandeja que passou flutuando.
— Eu tô perfeitamente relaxada. — disse, levando o cristal aos lábios.
Ela me lançou um olhar descrente.
— Relaxada é uma palavra muito forte pra você, Song .
Revirei os olhos, mas não respondi. Me limitei a observar o entorno, percorrendo o espaço com o olhar, captando detalhes, rostos, expressões. Estar ali não me parecia exatamente desconfortável, apenas indiferente. Como quem assiste um filme onde não se sabe se é figurante ou protagonista.
— Só pra você saber... — Sihyeon se aproximou, abaixando um pouco a voz. — A dona da casa é a Chae, do Twinkle. E, sim, aquele grupo novíssimo que tá estourando em tudo. E, sim, tem metade da indústria aqui hoje.
— Maravilha. — comentei, seca, tomando mais um gole. — Literalmente, só faltava isso.
Ela riu, como se minha ironia fosse combustível.
— E só pra você saber também... você tá maravilhosa. Então, se algum deles te notar... não estranha.
— Por favor, não me transforme em pauta de fanfic. — balancei a cabeça, apoiando uma mão na cintura.
Sihyeon apertou meu braço, me encarando com aquele misto de empolgação e teimosia que só ela sabia carregar. — Relaxa. Hoje a vida é nossa.
Assenti, respirando fundo.
Corpo presente. Alma também.
O resto a gente vê depois
A música não estava alta, mas o suficiente para preencher o ambiente de maneira agradável. As luzes amarelas, penduradas em fios que cruzavam o teto, davam um ar aconchegante para aquela casa espaçosa, de decoração minimalista, porém impecavelmente estilosa. As conversas se misturavam com risadas e o tilintar dos copos. Havia algo quase dramático em estar ali. Sihyeon estava, obviamente, em êxtase, era como se fosse seu habitat natural. Seus olhos brilhavam enquanto segurava minha mão e me puxava para dentro da sala principal, ignorando completamente minha expressão que claramente dizia: “eu preferia estar em casa”.
— Ai, , olha isso! — ela girava o pescoço de um lado pro outro, sorrindo feito criança em parque de diversões. — Se eu morrer hoje, pelo menos foi no auge!
— Dramática. — revirei os olhos, ajeitando a alça da bolsa no ombro. — E você me arrastou até aqui pra isso? Pra surtar?
Ela segurou meu braço e me puxou mais para dentro.
— Você precisava sair, mulher. Faz semanas que você tá se escondendo no escritório e fingindo que sua vida social não existe. — me olhou de lado. — E, convenhamos, se for pra quebrar esse ciclo, que seja numa casa como essa, com esse tanto de gente bonita e rica.
Suspirei, cruzando os braços.
— Gente bonita e rica me dá dor de cabeça, Sihyeon.
Ela riu, balançando a cabeça, e pegou uma taça da bandeja que passava.
— Então bora beber até isso deixar de ser um problema.
Caminhamos entre pequenos grupos. Era quase impossível não reconhecer rostos. Idols de grupos que eu via na televisão ou nas redes sociais estavam ali, à vontade, rindo, jogando conversa fora como se o mundo fora daquela casa não existisse. E eu estava fisicamente presente, mas minha mente vagava. Não era incômodo estar ali, mas também não era confortável. Era como ocupar um espaço que nunca foi feito pra mim.
Sihyeon parecia ter nascido pra isso. Ela cumprimentava um, acenava para outro, ria com mais alguém e me arrastava junto, como se eu fosse uma extensão dela mesma. Eu mantinha o sorriso educado, a postura impecável e aquele ar indiferente que aprendi a usar quando precisava.
Até que ela parou abruptamente e segurou meu braço com mais força. Seu olhar mudou, ficou mais tenso, mais sério.
— … — sua voz soou mais baixa, quase como um aviso. — Eles estão aqui.
Franzi o cenho, demorando alguns segundos pra entender. Mas quando segui seu olhar, tudo ficou claro.
— Ah… — soltei, quase num suspiro pesado, sentindo o estômago embrulhar. — Isso não vai me abalar. Tá tudo bem, amiga.
Ela segurou meu braço mais firme.
— Tem certeza?
— Tenho. — forcei um sorriso, segurando meu copo com mais força. — Isso não vai me desestabilizar.
Me obriguei a encarar. Han . E, claro, ela. A namorada de contrato, mas que naquele ambiente — e pra quem não sabia da verdade —, parecia tudo, menos um contrato.
Eles caminhavam cumprimentando todos com aquele sorriso bem ensaiado. O tipo de sorriso que eu aprendi a identificar à distância, depois de conviver tanto tempo no meio desse jogo de aparências. E, mesmo assim, mesmo sabendo de tudo, meu corpo reagiu como se fosse a primeira vez. O coração disparou, as mãos suaram e aquela sensação incômoda de borboletas nervosas tomou conta do meu estômago.
Mas por fora? Frieza. Completei meu gole, ajeitei a postura e voltei meu olhar pra Sihyeon.
— Acho que vou pegar mais bebida. Você quer? — perguntei, mantendo o tom mais casual possível.
Ela hesitou.
— Na verdade, acho que vou embora.
— Cedo assim? — questionei, surpresa, já calculando mentalmente que isso significava que, provavelmente, eu também iria embora. Ou ela tivesse armado para mim.
Sihyeon sorriu, um pouco sem graça, e tocou meu ombro. — Amanhã é dia de balanço fiscal, preciso estar descansada. — fez um biquinho. — Mas você não vai ficar sozinha. — arqueou as sobrancelhas e apontou discretamente pra trás de mim.
Virei o rosto, meio sem entender, e logo vi se aproximando. Ele caminhava com aquela segurança de quem não precisava pedir licença para existir, desviando das pessoas que tentavam pará-lo no caminho, como se soubesse exatamente onde queria chegar — e, naquele momento, esse lugar era ao meu lado.
Automaticamente, sorri. Talvez alívio, talvez gratidão.
— Estará em ótima companhia, unnie. — Sihyeon me beijou na bochecha, se despediu e sumiu na direção da porta.
E assim, eu fiquei. Entre a vontade de ir embora e a obrigação interna de provar para mim mesma que não precisava mais fugir de absolutamente nada. Nem dele.
— Uau… — olhou pra mim depois de mais um gole da própria bebida, cruzando os braços. — Nunca pensei que fosse te encontrar numa festa dessas.
— Nem eu. — ri curto, girando o copo na mão, observando o líquido âmbar refletir a luz quente da sala. — Sihyeon basicamente me sequestrou.
Ele assentiu, apoiando o cotovelo no encosto do sofá, virando-se completamente na minha direção, com aquele sorriso enviesado que ele sabia usar muito bem.
— Bom… sorte minha.
Arqueei uma sobrancelha, divertida.
— Tá tentando flertar comigo, ?
Ele soltou uma risada abafada, baixando o olhar por um segundo antes de me encarar de novo, com aquele jeito seguro, quase desafiador.
— Talvez. — deu de ombros. — Você parece precisar de distração.
Soltei uma risada seca, levando o copo aos lábios.
— Você não faz ideia.
O clima entre nós, que até então era casual e confortável, começou a ganhar uma tensão diferente. Uma linha tênue entre cumplicidade e provocação.
— E me diz… — ele inclinou-se um pouco mais para perto, diminuindo propositalmente o espaço entre nós. — Como anda sua vida, fora balanços, relatórios e planilhas intermináveis?
Suspirei, apoiando as costas no sofá e cruzando as pernas.
— Uma maravilha. Totalmente estável, saudável, emocionalmente inabalável. — revirei os olhos, sarcástica, fazendo ele rir. — Você sabe que é mentira, né?
— Sei. — respondeu simples, dando mais um gole na própria bebida. — Dá pra ver.
— Ótimo. — finalizei meu copo e deixei sobre a mesa de centro, me ajeitando no sofá. — Então acho que não preciso fingir, pelo menos não com você.
me olhou por alguns segundos, sério, como se estivesse me estudando. Então se inclinou, pegou a garrafa que estava sobre a mesa e serviu mais soju para nós dois.
— Então brinda comigo. — estendeu o copo. — Pela honestidade brutal.
— Pela honestidade brutal. — trinquei meu copo no dele e bebemos juntos.
O álcool já começava a criar aquela névoa leve, aquela sensação em que o corpo fica mais solto, os pensamentos mais leves e as barreiras emocionais, perigosamente, começam a ceder. Conversamos por mais um tempo. Sobre tudo e nada. Sobre trabalho, sobre viagens, sobre músicas, sobre como as pessoas naquele meio viviam sob pressão constante. Sobre como ambos se sentiam deslocados às vezes, cada um à sua maneira.
E rimos. Muito. era leve, engraçado e inteligente. E, acima de tudo, genuíno. E isso, naquele momento, era como um respiro de ar puro.
Em algum ponto da conversa, percebi que estávamos mais próximos do que antes. Talvez o sofá fosse pequeno. Talvez tivesse sido intencional. Nossos joelhos se tocavam, e nenhuma das partes fez questão de se afastar.
Ele percebeu o meu olhar e arqueou uma sobrancelha, sorrindo de canto. — Você tá me olhando assim por quê?
— Porque você é perigoso. — soltei, quase sem pensar, num tom mais baixo, mais rouco do que pretendia.
riu, mas foi aquele tipo de riso abafado, quase nervoso.
— Eu? Não… — negou, balançando a cabeça, enquanto levava a mão até meu queixo, segurando de leve, me obrigando a manter o olhar nele. — Perigosa é você, Song .
Por um segundo, apenas nos olhamos. O som da festa virou um pano de fundo distante, irrelevante. Tudo que eu conseguia processar era o cheiro dele — amadeirado, quente —, a respiração um pouco mais pesada, e o fato de que, naquele exato momento, nada mais importava.
Foi ele quem quebrou a distância. E eu não impedi.
Seus lábios tocaram os meus de forma surpreendentemente gentil, quase como se pedisse permissão. E quando eu não recuei — pelo contrário, segurei a gola da jaqueta dele —, ele aprofundou o beijo, deixando de lado qualquer hesitação. O gosto da bebida misturado ao dele. As mãos quentes na minha cintura. Meu corpo respondendo de forma imediata, inclinando-se pra mais perto, como se aquilo fosse inevitável. Mas foi rápido. Preciso. E, talvez por isso, ainda mais intenso. Nos separamos ofegantes, mas com sorrisos idiotas no rosto. Ele mordeu o lábio inferior, desviando o olhar por um segundo.
— Ok… isso foi… — começou, mas não terminou.
— Um erro. — completei, ajeitando a bolsa no ombro e me levantando, antes que qualquer parte de mim resolvesse se apegar àquele instante. — Mas um erro muito bom.
também se levantou, mas não insistiu. Só colocou as mãos nos bolsos e me olhou, ainda sorrindo. — Você vai embora?
— Sim. — respirei fundo. — Já estive aqui tempo o suficiente pra hoje.
Ele assentiu, dando dois passos para perto, só para segurar meu queixo mais uma vez e me olhar fundo, com aquele jeito meio debochado, meio sério.
— Cuide-se, .
— Sempre. — sorri de canto, me virando em seguida e cruzando a sala, me esquivando dos grupos de pessoas e da música que parecia, agora, mais abafada na minha cabeça.
Saí da casa com o coração batendo em um ritmo estranho — entre a satisfação de ter me provado capaz de seguir em frente e a incômoda certeza de que, na verdade, eu estava só fingindo muito bem.
O ar frio da noite me acertou quando pisei na calçada, me dando a clareza que o álcool havia roubado.
É. Talvez seguir em frente fosse um pouco mais complicado do que parecia. Principalmente se eu fosse querer beijar mais o melhor amigo de — porque algo dentro de mim queria beijar muito mais do que o simples beijo que tivemos.
A madrugada havia mergulhado a cidade numa calma quase irreconhecível, o que fazia Seul se tornar um dos meus lugares favoritos no mundo, não por ser meu local de nascimento. Eu finalmente estava pronta para dormir quanso o silêncio do meu apartamento foi quebrado por uma batida suave e persistente na porta. Olhei para o relógio — quase três horas da manhã. Quem poderia estar ali a essa hora?
Cansada e com os pensamentos confusos, caminhei até a porta e abri.
Lá estava ele: . Seus olhos carregavam uma mistura de nervosismo e determinação, e um leve sorriso que não escondia a ansiedade por estar ali.
— ? — minha voz saiu baixa, um pouco incrédula.
Ele engoliu em seco e desviou o olhar por um segundo antes de me encarar de novo.
— Desculpa incomodar tão tarde. Eu não planejei isso... Mas precisava ver você.
Eu fiquei parada, os olhos tentando ler algo em seu rosto que eu ainda não sabia decifrar.
Ele deu um passo à frente, a mão tremendo ligeiramente antes de segurar a minha.
— Eu soube que você estava na festa... com o .
Minhas bochechas esquentaram, mas ele não desviou o olhar.
— E, pra ser sincero, eu senti ciúmes. Não estou com raiva.
Um ciúme doce, desajeitado, como se fosse a primeira vez que sentia aquilo.
— Eu tentei me convencer de que isso não importava. Que você tinha todo o direito de seguir a sua vida. — ele respirou fundo, segurando a minha mão com mais firmeza. — Mas a verdade é que, mesmo depois de tudo, você ainda é a única pessoa que eu quero por perto.
Senti o peito apertar, não de dor, mas de algo que parecia um misto de saudade e esperança.
— Eu sei que a gente nunca foi um casal de verdade. Nem rotulado, nem público... E talvez isso tenha sido o que nos salvou, ou o que nos destruiu. — falei, olhando para os seus olhos intensos. — Nunca pensamos que precisaríamos ser mais do que o que éramos.
Ele sorriu, meio triste, meio aliviado.
— Talvez a gente nunca tenha que ser o que o mundo espera. Mas eu quero que a gente seja algo pra gente. Algo real, do nosso jeito.
A mão dele apertou a minha, como se dissesse “eu tô aqui”.
— Eu não quero perder você, . Não assim, não agora.
Olhei para ele, para tudo que ficou guardado nas entrelinhas do nosso silêncio, e então apontei para a sala, convidando-o para entrar. Nosso espaço pequeno, cheio de luz suave, de repente pareceu o lugar mais seguro do mundo. Ele se aproximou devagar, como se cada movimento fosse ensaiado, e o calor do corpo dele me trouxe uma certeza que eu não esperava admitir. Os olhos dele buscaram os meus, procurando permissão, e eu dei, com um leve aceno.
Quando os lábios dele tocaram os meus, o mundo todo pareceu parar.
Foi um beijo intenso, carregado de tudo que ficou guardado — saudade, desejo, medo, esperança. Ele me segurou firme, sem pressa, como se quisesse traduzir em silêncio tudo que as palavras não conseguiram dizer. Quando nos afastamos, ele encostou a testa na minha e sussurrou:
— Eu tô aqui, . Pra ficar, do jeito que você quiser. E eu não quero mais sentir a sua falta.
— Não sinta. Você pode deixar a saudade pra depois.
— Ou nunca.
FIM!
Nota da autora: Olá! Espero que tenha gostado.