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Lua ☾
Finalizada em: 17/05/25
CAPÍTULO ÚNICO
“Eles nunca ouvem a versão da mulher. Só a versão que mais vende.”
Se você digitar meu nome no Google, o corretor automático completa com "surto", "tóxica", "ex do ". Nenhuma dessas palavras me resume — mas se repetidas o suficiente, quase me convencem.
Eu sou . Canto desde os doze anos, escrevo minhas próprias músicas desde os quatorze, e fui chamada de "promessa da MPB pop" aos dezoito. Hoje, aos vinte e seis, sou apenas um nome entre colunas de fofoca e vídeos de reações.
Não sei exatamente em que momento deixei de ser artista para virar espetáculo.
Talvez tenha sido quando comecei a namorar o homem mais amado do país.
era lindo, carismático e brilhante em público.
Privadamente… bom, privadamente ele apagava as luzes da sala mesmo durante o dia.
Me chamava de exagerada se eu reclamava.
Dizia que ninguém jamais me amaria como ele.
E eu acreditei.
Por um tempo, acreditei que ciúmes eram prova de amor.
Que sumiços eram só parte da rotina.
Que silêncio era normal.
Até o dia em que ele gritou. Depois quebrou um copo. Depois culpou o estresse. Depois culpou a mim.
E, finalmente, eu fugi.
Mas não existe fuga real quando se é famosa.
Você apenas muda de palco.
Agora moro num apartamento pequeno, com paredes que ainda cheiram a tinta fresca.
A sala tem uma janela que dá para um poste de luz, onde pombos discutem todas as manhãs.
Meu colchão ainda está no chão. Meu violão fica num canto, coberto por uma manta que não tive coragem de tirar.
Eu não componho há meses. Não canto.
Me acostumei com o silêncio.
Com os olhos baixos no supermercado.
Com as mensagens da assessoria dizendo “deixa isso morrer”, “não responde”, “foca em outra coisa”.
Mas eu não consigo focar. Nem esquecer.
Tudo o que vejo, ouço, respiro, me lembra de quem fui com ele — e de como todo mundo parece preferir aquela versão de mim.
Ontem, uma jornalista me enviou uma mensagem:
“Oi, . Estamos preparando uma matéria especial sobre ‘mulheres fortes que superaram relacionamentos tóxicos’. Você topa dar entrevista? A capa seria algo como ‘Renascida das Cinzas’. Que tal?”
Eu quase ri.
Eles querem que eu seja forte. Mas não forte de verdade. Forte no estilo que inspire cliques, frases de efeito, um corte vertical para o Reels.
Eles não querem a real.
A que acorda no meio da noite com falta de ar.
A que duvida de si mesma o tempo todo.
A que tem medo de se apaixonar de novo.
E, mais do que tudo, não querem ouvir o que tenho a dizer. Só querem resenhar minha dor.
Mas hoje... hoje foi diferente.
Eu saí de casa sem maquiagem, sem capuz, sem pressa.
Atravessei a rua e entrei numa cafeteria que nunca tinha notado antes.
O nome era Grão e Verso.
O lugar cheirava a pão na chapa e desorganização.
As mesas de madeira tinham riscos e frases escritas com caneta bic.
E atrás do balcão, com um avental amassado e uma mecha de cabelo caindo sobre os olhos, estava ele.
— Bom dia — ele disse, sorrindo sem parecer forçado.
— Bom — respondi, desconfiada. — Um cappuccino, por favor.
Ele assentiu e virou-se para preparar.
E, sem querer, começou a cantar.
Era “Pétala”, do Djavan. Baixinho, quase como se cantasse para si mesmo.
Algo dentro de mim estremeceu.
Não por causa da música, mas pela maneira como ele parecia... leve. Como se o mundo não pesasse tanto sobre os ombros dele.
Quando me entregou a xícara, sorriu de novo.
— Cappuccino da casa. Não é dos melhores, mas o coração é verdadeiro.
Olhei para a espuma. Um coração torto, quase rindo de si mesmo.
— Você tem cara de quem carrega o mundo nas costas — ele disse, simples.
Quis retrucar. Dizer que ele não sabia de nada. Mas, pela primeira vez em muito tempo, alguém olhava para mim sem julgamento.
— E você tem cara de quem se mete onde não foi chamado — respondi, sem agressividade.
Ele sorriu, como se tivesse gostado da provocação.
— — ele disse, estendendo a mão.
— .
E foi só isso.
Mas pela primeira vez, em muito tempo, voltei para casa com um gosto diferente na boca.
Não era o do café.
Era o da curiosidade.
“O coração estava torto. Mas, pela primeira vez, parecia certo.”
Na primeira manhã, pedi um cappuccino.
Na segunda, pedi o mesmo — mas sem açúcar, como quem tenta parecer consistente.
Na terceira, ele nem perguntou. Só sorriu, apontou para a cadeira encostada no canto e disse:
— Pode sentar. Hoje eu caprichei no coração.
Era torto. Sempre era.
Mas eu comecei a gostar daquele defeito.
Passei a ir à cafeteria como quem procura abrigo da tempestade.
O lugar era pequeno, quente, com cheiro de café queimado e pão fresco.
Mas havia algo nele — ou talvez em — que me fazia respirar diferente.
Ele falava pouco, mas ouvia como ninguém.
E, às vezes, o silêncio entre nós era mais confortável do que qualquer conversa que tive nos últimos anos.
— Você sempre canta enquanto faz café? — perguntei certa vez, tentando fingir que era uma pergunta casual.
Ele olhou por cima do ombro.
— Só quando esqueço que tem gente ouvindo. E você… você é do tipo que escuta tudo.
Sorri, de canto. Era verdade.
Sempre fui mais ouvidos do que palavras.
Mais observadora do que participante.
Talvez por isso tenha gostado de mim no início. Eu não o ofuscava.
Eu me moldava, me encaixava, me calava.
Eu era cenário.
era diferente. Não porque fazia perguntas, mas porque esperava as respostas — mesmo quando elas não vinham.
Numa terça nublada, ele me ofereceu uma bolacha caseira de canela.
— É brinde pra clientes fiéis — disse. — Ou só porque você parece precisar de um dia mais doce.
Olhei para ele, surpresa.
Meu reflexo na xícara era uma mulher cansada, de olhar baixo, com olheiras profundas e cabelo preso de qualquer jeito.
— Você sempre oferece comida pra quem parece infeliz?
— Não — respondeu, honesto. — Só pra quem parece corajosa por ter saído da cama mesmo assim.
Engoli a bolacha como se fosse o primeiro elogio sincero em meses.
Talvez fosse.
E foi nessa mesma semana que algo mudou.
Choveu forte numa quarta. Cheguei ensopada, sem guarda-chuva, com as calças grudadas nas pernas. me olhou e, sem dizer uma palavra, estendeu uma toalha e apontou para os fundos da cafeteria.
— Pode usar o banheiro. Tô lavando uns panos, tem um moletom seco pendurado. Pega emprestado.
Minha primeira reação foi desconfiar.
Homens geralmente não ofereciam abrigo sem segundas intenções.
Mas havia uma serenidade no rosto dele que me desmontou.
Entrei no banheiro e vesti o moletom. Era azul-escuro, largo, com cheiro de café e lavanda.
Quando saí, ele estava com dois chás fumegantes em canecas de vidro.
— Hoje não é dia de cappuccino — disse. — É dia de chá de hibisco e conversa de guarda-chuva esquecido.
Sentei. Encarei a caneca. Não falei nada por alguns minutos.
E então, soltei:
— Você sabe quem eu sou?
Ele me olhou. Sem ironia. Sem pena.
— Sei que você é . Gosta de chá, de silêncio e tem um riso contido. Só isso já vale mais do que qualquer manchete.
Meu coração deu um salto.
Não de paixão.
Mas de alívio.
Ele me via. Sem o peso da fama, sem os recortes de jornal.
Sem o “ex do ”, sem o “problema”, sem o “drama”.
Só .
Fiquei ali por horas. O moletom aquecendo meu corpo, o chá aquecendo minha alma.
E, no fim, antes de ir embora, ele me olhou com a mesma calma de sempre e disse:
— Volta amanhã. Vou tentar desenhar um coração mais bonito.
Sorri, tímida.
— Eu gosto deles tortos.
Ele assentiu, como se entendesse mais do que eu disse.
Talvez entendesse mesmo.
E eu fui embora sentindo, pela primeira vez, que talvez o mundo não fosse feito só de críticas.
Talvez existissem pessoas que não queriam me consertar, apenas me acolher — do jeito que sou, com todos os pedaços desalinhados.
“Não é fácil colar cacos quando até as mãos estão em pedaços.”
As noites continuam longas.
Não importa o quanto o dia tenha sido calmo, ainda acorda por volta das 3h27 — o mesmo horário em que, meses atrás, deixou o apartamento de com uma mochila nas costas e um corte no pulso que fingiu ter feito ao lavar a louça.
Essa dor não some. Ela apenas muda de forma.
E ultimamente, tem se manifestado em sonhos.
Pesadelos, na verdade.
No último, cantava num palco imenso. Mas ninguém ouvia.
A plateia gritava “exagerada”, “insuportável”, “coitada”, “ela mereceu”.
E , sentado na primeira fileira, sorria.
Ela acordou suando. Tremendo. Com a garganta fechada.
Foi até a cozinha. Bebeu água.
Encostou-se à pia e chorou em silêncio, como quem tenta não incomodar o mundo.
Na manhã seguinte, os olhos estavam inchados demais para maquiagem.
Mas mesmo assim, ela foi até o Grão e Verso.
a viu entrar e não perguntou nada. Apenas serviu um chá — camomila, hoje.
Sem açúcar. Com mel.
— Não dormiu bem — disse, simples, como quem constata a chuva pela janela.
assentiu, sem esconder.
Estava cansada de esconder.
— Às vezes acho que tô voltando — ela murmurou. — Que tô de novo naquele lugar. Naquela versão de mim.
sentou à sua frente. Não como garçom. Mas como alguém que sabia reconhecer o tremor invisível nos outros.
— Quando a gente quebra, as partes estilhaçadas continuam cortando por dentro por um tempo — disse. — Até encontrarem outro formato pra existir.
Ela riu sem som.
— E se eu nunca mais encontrar esse formato?
— Aí você inventa um novo.
Simples assim.
Mas naquela manhã, foi a frase que manteve em pé.
Na semana seguinte, ela recebeu uma ligação inesperada.
Era a assessora de .
“, querida. Tudo bem? Estou te ligando porque estamos produzindo um documentário sobre os bastidores da carreira do . Teremos vários depoimentos... familiares, amigos, ex-namoradas. Ele acha que sua participação seria simbólica. Pode mostrar como vocês superaram tudo. Uma mensagem bonita, de superação.”
não respondeu por alguns segundos.
“Vocês querem que eu diga o quê?” — perguntou, por fim.
“Que foi tudo difícil, mas valeu a pena? Que eu aprendi muito? Que ele sempre foi um bom homem no fundo?”
“Apenas algo sincero e inspirador. Pode ajudar na imagem de vocês dois.”
Ela desligou sem responder.
E naquele dia, chorou de raiva.
Mas dessa vez, não se calou.
Ela pegou seu caderno velho, aquele que evitava há meses.
Sentou-se no chão da sala e escreveu.
Escreveu com a fúria de quem engoliu palavras por tempo demais.
Com a clareza de quem viveu o apagamento.
Com a voz que tentaram silenciar.
O que saiu foi mais do que um desabafo.
Foi uma canção.
Sem melodia ainda. Mas com alma.
“Me chamaram de louca porque me ouviram gritar
Mas ninguém perguntou quantas vezes eu calei
Me chamaram de fria porque não voltei
Mas nunca viram o que eu precisei deixar pra trás…”
Naquele fim de tarde, levou o caderno até a cafeteria.
estava fechando. Ela esperou ele travar a porta, abaixar as luzes, e então entregou as páginas.
— Não sei se ficou bom. Mas é o mais honesto que consegui ser em muito tempo.
Ele leu em silêncio. Linha por linha.
E quando terminou, olhou pra ela como quem vê um quadro quebrado ainda assim belo.
— Isso é arte, . Não pelo que você sofreu. Mas porque, mesmo ferida, você ainda escolheu transformar dor em verdade.
Ela quis responder. Mas não conseguiu.
Então ele fez o que ninguém fizera antes.
Apenas a abraçou.
Sem pressa. Sem desejo. Sem pena.
Um abraço firme, silencioso, com cheiro de café e ternura.
E ali, naquele instante, um pedaço do mundo dela voltou ao lugar.
“A cura começou no exato instante em que parei de sussurrar minha dor.”
Gravar aquela música foi quase como atravessar uma ponte estreita entre dois mundos.
entrou no pequeno estúdio improvisado de um amigo antigo — alguém que permaneceu do seu lado mesmo depois da tempestade — e pediu que deixassem as luzes baixas. Só ela, o microfone e o som dos próprios passos ecoando na madeira.
O produtor, Matheus, sugeriu que fizessem uma guia rápida. Mas quando a base começou, fechou os olhos... e cantou.
Com a voz trêmula.
Com a garganta rasgando memórias.
Com o coração ainda costurado às pressas.
Ela não pensou nas críticas.
Não pensou em .
Não pensou nas manchetes, nos comentários, nas pessoas que disseram que ela "poderia ter lidado melhor".
Ela apenas deixou sair.
Quando terminou, o estúdio ficou em silêncio.
Matheus nem respirava.
— Isso não precisa de ajustes — ele disse. — Isso precisa ser ouvido.
A canção foi lançada discretamente, em um perfil independente, sem marketing, sem clipe, sem rosto.
Apenas a voz.
Apenas a verdade.
Nos primeiros dias, quase nada aconteceu.
Alguns compartilhamentos, mensagens de desconhecidos dizendo “senti isso também” ou “obrigada por dizer o que eu não sabia nomear”.
Mas algo mudou dentro de .
Não era fama.
Era leveza.
ouviu a música sozinho, numa noite em que a cafeteria estava vazia.
Quando ela entrou no dia seguinte, ele a olhou como se estivesse vendo uma nova versão dela.
— Agora eu entendo o som que você fazia em silêncio — disse, e ela sentiu a frase como uma carícia na alma.
Nos dias seguintes, os dois começaram a sair da rotina.
Foram a uma feira de livros usados, caminharam por uma rua cheia de luzes amareladas, dividiram um brigadeiro gourmet de um food truck que jurava ser o melhor da cidade.
E numa dessas noites, sentados no capô do carro dele, olhando o céu escondido pela poluição, perguntou:
— Por que você é tão calmo?
sorriu, sem pressa.
— Porque já fui o oposto.
Ela virou o rosto, curiosa.
Ele respirou fundo, e contou:
— Eu tinha uma banda. Nada muito grande, mas promissora. Eu era vocalista e compositor. O tipo de cara que achava que o mundo precisava ouvir tudo que eu sentia.
— E o que aconteceu?
— Um dia, uma das minhas músicas viralizou. Mas não pelo motivo certo. Um verso foi tirado de contexto e me acusaram de algo que eu não disse. Fui cancelado por uma frase que escrevi com dor e má interpretação. Perdi contrato, perdi amigos… e perdi a vontade de cantar.
engoliu seco.
— Você nunca mais escreveu?
— Não até conhecer você.
Ela sentiu um nó na garganta.
— Por quê?
— Porque você canta com a coragem que eu perdi.
Ele a olhou como se aquela fosse a confissão mais íntima de sua vida.
E era.
se aproximou, devagar.
Não para beijá-lo — ainda não.
Mas para encostar sua testa na dele, como quem agradece sem palavras.
Naquela noite, dois corações partidos encontraram uma batida comum.
Não uma história de amor pronta.
Mas o esboço de um recomeço.
“Talvez as pessoas tenham falado mal porque não conseguiram me ver de verdade. Agora eu vejo.”
As coisas mudaram rápido.
A música de , aquela lançada sem pretensão, começou a circular pelas redes como uma faísca silenciosa. Alguém editou um vídeo com imagens de mulheres sorrindo e chorando ao mesmo tempo, intercaladas com frases fortes da canção. A legenda era simples: “essa música me salvou.”
E então, outras pessoas começaram a contar suas histórias.
Mensagens chegaram em ondas:
“Essa letra sou eu.”
“Achei que só eu tinha vivido isso.”
“Obrigada por colocar sentimento onde só havia silêncio.”
O número de plays explodiu.
Jornais começaram a procurar por ela.
Portais feministas destacaram a coragem de escrever algo tão cru, tão real, tão sem maquiagem.
Mas foi só quando ela recebeu uma mensagem de voz de uma jovem chamada Milena que entendeu o alcance do que havia feito.
“Oi, . Eu tenho 19 anos e estava num relacionamento que me deixava doente, mas eu não percebia... até ouvir sua música. Eu saí de casa hoje. Tô tremendo, mas tô viva. Obrigada por me mostrar que eu também posso sair.”
chorou ouvindo. Não de tristeza. Mas de libertação.
A imprensa, antes ávida por pintá-la como "a ex instável do cantor Braga", agora queria entrevistar a compositora que virou símbolo de resiliência.
E como era de se esperar...
reapareceu.
Mandou flores.
Depois uma carta.
Depois uma tentativa de mensagem melosa, dizendo que “entendia tudo agora”, que “a música mexeu com ele”, que “talvez ainda pudessem conversar”.
Ela leu.
E pela primeira vez, não sentiu nada.
Não raiva. Não amor.
Apenas um alívio imenso.
Ela não devia mais nada a ele. Nem explicações, nem música, nem dor.
No mesmo dia, foi até o Grão e Verso. estava no balcão, organizando discos antigos.
— Você acha que a gente vira uma nova pessoa depois de sobreviver?
Ele a olhou com aquele jeito tranquilo que misturava céu e terra.
— Acho que a gente, no fundo, volta a ser quem era antes de aprender a ter medo.
Ela sorriu.
Um sorriso cheio. Verdadeiro. Sem esconder.
— Você quer cantar comigo?
Ele hesitou.
— No palco?
Ela assentiu.
— Eu tenho uma apresentação no festival da cidade. Aceitei sem pensar, porque senti que precisava fazer isso. Mas não quero subir sozinha. Eu quero dividir isso com alguém que entende.
Ele segurou as mãos dela, e viu nos olhos dele a resposta que já sabia.
Na noite do festival, o céu parecia limpo pela primeira vez em meses.
subiu ao palco vestindo algo leve, simples.
Sem maquiagem demais. Sem brilho.
Apenas ela.
pegou o violão e olhou para o público.
Ninguém ali sabia da história completa.
Mas todos sentiam que estavam diante de alguém que voltou do seu próprio fim.
Quando a primeira nota tocou, não cantou apenas a letra.
Ela contou sua história.
Com a voz firme.
Com o peito aberto.
Com os olhos cheios de uma verdade que ninguém mais poderia apagar.
Ao fim, o público ficou em silêncio por um segundo.
E então, aplaudiu de pé.
Não pela música.
Mas pela mulher que finalmente foi ouvida.
Mais tarde, enquanto caminhavam pela calçada vazia, e dividiram um sorvete de casquinha.
Ela encostou a cabeça no ombro dele.
— Eu ainda tenho medo às vezes — ela sussurrou.
— Tudo bem. Eu seguro sua mão quando tremer — ele respondeu, simples.
E ali, sob os postes amarelos, ela percebeu:
Não precisava mais provar que era digna de amor.
Não precisava mais tentar agradar quem só queria diminuí-la.
Ela era inteira.
Não perfeita, mas inteira.
E, pela primeira vez, vista com olhos que não a julgavam…
Mas a celebravam.
Se você digitar meu nome no Google, o corretor automático completa com "surto", "tóxica", "ex do ". Nenhuma dessas palavras me resume — mas se repetidas o suficiente, quase me convencem.
Eu sou . Canto desde os doze anos, escrevo minhas próprias músicas desde os quatorze, e fui chamada de "promessa da MPB pop" aos dezoito. Hoje, aos vinte e seis, sou apenas um nome entre colunas de fofoca e vídeos de reações.
Não sei exatamente em que momento deixei de ser artista para virar espetáculo.
Talvez tenha sido quando comecei a namorar o homem mais amado do país.
era lindo, carismático e brilhante em público.
Privadamente… bom, privadamente ele apagava as luzes da sala mesmo durante o dia.
Me chamava de exagerada se eu reclamava.
Dizia que ninguém jamais me amaria como ele.
E eu acreditei.
Por um tempo, acreditei que ciúmes eram prova de amor.
Que sumiços eram só parte da rotina.
Que silêncio era normal.
Até o dia em que ele gritou. Depois quebrou um copo. Depois culpou o estresse. Depois culpou a mim.
E, finalmente, eu fugi.
Mas não existe fuga real quando se é famosa.
Você apenas muda de palco.
Agora moro num apartamento pequeno, com paredes que ainda cheiram a tinta fresca.
A sala tem uma janela que dá para um poste de luz, onde pombos discutem todas as manhãs.
Meu colchão ainda está no chão. Meu violão fica num canto, coberto por uma manta que não tive coragem de tirar.
Eu não componho há meses. Não canto.
Me acostumei com o silêncio.
Com os olhos baixos no supermercado.
Com as mensagens da assessoria dizendo “deixa isso morrer”, “não responde”, “foca em outra coisa”.
Mas eu não consigo focar. Nem esquecer.
Tudo o que vejo, ouço, respiro, me lembra de quem fui com ele — e de como todo mundo parece preferir aquela versão de mim.
Ontem, uma jornalista me enviou uma mensagem:
“Oi, . Estamos preparando uma matéria especial sobre ‘mulheres fortes que superaram relacionamentos tóxicos’. Você topa dar entrevista? A capa seria algo como ‘Renascida das Cinzas’. Que tal?”
Eu quase ri.
Eles querem que eu seja forte. Mas não forte de verdade. Forte no estilo que inspire cliques, frases de efeito, um corte vertical para o Reels.
Eles não querem a real.
A que acorda no meio da noite com falta de ar.
A que duvida de si mesma o tempo todo.
A que tem medo de se apaixonar de novo.
E, mais do que tudo, não querem ouvir o que tenho a dizer. Só querem resenhar minha dor.
Mas hoje... hoje foi diferente.
Eu saí de casa sem maquiagem, sem capuz, sem pressa.
Atravessei a rua e entrei numa cafeteria que nunca tinha notado antes.
O nome era Grão e Verso.
O lugar cheirava a pão na chapa e desorganização.
As mesas de madeira tinham riscos e frases escritas com caneta bic.
E atrás do balcão, com um avental amassado e uma mecha de cabelo caindo sobre os olhos, estava ele.
— Bom dia — ele disse, sorrindo sem parecer forçado.
— Bom — respondi, desconfiada. — Um cappuccino, por favor.
Ele assentiu e virou-se para preparar.
E, sem querer, começou a cantar.
Era “Pétala”, do Djavan. Baixinho, quase como se cantasse para si mesmo.
Algo dentro de mim estremeceu.
Não por causa da música, mas pela maneira como ele parecia... leve. Como se o mundo não pesasse tanto sobre os ombros dele.
Quando me entregou a xícara, sorriu de novo.
— Cappuccino da casa. Não é dos melhores, mas o coração é verdadeiro.
Olhei para a espuma. Um coração torto, quase rindo de si mesmo.
— Você tem cara de quem carrega o mundo nas costas — ele disse, simples.
Quis retrucar. Dizer que ele não sabia de nada. Mas, pela primeira vez em muito tempo, alguém olhava para mim sem julgamento.
— E você tem cara de quem se mete onde não foi chamado — respondi, sem agressividade.
Ele sorriu, como se tivesse gostado da provocação.
— — ele disse, estendendo a mão.
— .
E foi só isso.
Mas pela primeira vez, em muito tempo, voltei para casa com um gosto diferente na boca.
Não era o do café.
Era o da curiosidade.
“O coração estava torto. Mas, pela primeira vez, parecia certo.”
Na primeira manhã, pedi um cappuccino.
Na segunda, pedi o mesmo — mas sem açúcar, como quem tenta parecer consistente.
Na terceira, ele nem perguntou. Só sorriu, apontou para a cadeira encostada no canto e disse:
— Pode sentar. Hoje eu caprichei no coração.
Era torto. Sempre era.
Mas eu comecei a gostar daquele defeito.
Passei a ir à cafeteria como quem procura abrigo da tempestade.
O lugar era pequeno, quente, com cheiro de café queimado e pão fresco.
Mas havia algo nele — ou talvez em — que me fazia respirar diferente.
Ele falava pouco, mas ouvia como ninguém.
E, às vezes, o silêncio entre nós era mais confortável do que qualquer conversa que tive nos últimos anos.
— Você sempre canta enquanto faz café? — perguntei certa vez, tentando fingir que era uma pergunta casual.
Ele olhou por cima do ombro.
— Só quando esqueço que tem gente ouvindo. E você… você é do tipo que escuta tudo.
Sorri, de canto. Era verdade.
Sempre fui mais ouvidos do que palavras.
Mais observadora do que participante.
Talvez por isso tenha gostado de mim no início. Eu não o ofuscava.
Eu me moldava, me encaixava, me calava.
Eu era cenário.
era diferente. Não porque fazia perguntas, mas porque esperava as respostas — mesmo quando elas não vinham.
Numa terça nublada, ele me ofereceu uma bolacha caseira de canela.
— É brinde pra clientes fiéis — disse. — Ou só porque você parece precisar de um dia mais doce.
Olhei para ele, surpresa.
Meu reflexo na xícara era uma mulher cansada, de olhar baixo, com olheiras profundas e cabelo preso de qualquer jeito.
— Você sempre oferece comida pra quem parece infeliz?
— Não — respondeu, honesto. — Só pra quem parece corajosa por ter saído da cama mesmo assim.
Engoli a bolacha como se fosse o primeiro elogio sincero em meses.
Talvez fosse.
E foi nessa mesma semana que algo mudou.
Choveu forte numa quarta. Cheguei ensopada, sem guarda-chuva, com as calças grudadas nas pernas. me olhou e, sem dizer uma palavra, estendeu uma toalha e apontou para os fundos da cafeteria.
— Pode usar o banheiro. Tô lavando uns panos, tem um moletom seco pendurado. Pega emprestado.
Minha primeira reação foi desconfiar.
Homens geralmente não ofereciam abrigo sem segundas intenções.
Mas havia uma serenidade no rosto dele que me desmontou.
Entrei no banheiro e vesti o moletom. Era azul-escuro, largo, com cheiro de café e lavanda.
Quando saí, ele estava com dois chás fumegantes em canecas de vidro.
— Hoje não é dia de cappuccino — disse. — É dia de chá de hibisco e conversa de guarda-chuva esquecido.
Sentei. Encarei a caneca. Não falei nada por alguns minutos.
E então, soltei:
— Você sabe quem eu sou?
Ele me olhou. Sem ironia. Sem pena.
— Sei que você é . Gosta de chá, de silêncio e tem um riso contido. Só isso já vale mais do que qualquer manchete.
Meu coração deu um salto.
Não de paixão.
Mas de alívio.
Ele me via. Sem o peso da fama, sem os recortes de jornal.
Sem o “ex do ”, sem o “problema”, sem o “drama”.
Só .
Fiquei ali por horas. O moletom aquecendo meu corpo, o chá aquecendo minha alma.
E, no fim, antes de ir embora, ele me olhou com a mesma calma de sempre e disse:
— Volta amanhã. Vou tentar desenhar um coração mais bonito.
Sorri, tímida.
— Eu gosto deles tortos.
Ele assentiu, como se entendesse mais do que eu disse.
Talvez entendesse mesmo.
E eu fui embora sentindo, pela primeira vez, que talvez o mundo não fosse feito só de críticas.
Talvez existissem pessoas que não queriam me consertar, apenas me acolher — do jeito que sou, com todos os pedaços desalinhados.
“Não é fácil colar cacos quando até as mãos estão em pedaços.”
As noites continuam longas.
Não importa o quanto o dia tenha sido calmo, ainda acorda por volta das 3h27 — o mesmo horário em que, meses atrás, deixou o apartamento de com uma mochila nas costas e um corte no pulso que fingiu ter feito ao lavar a louça.
Essa dor não some. Ela apenas muda de forma.
E ultimamente, tem se manifestado em sonhos.
Pesadelos, na verdade.
No último, cantava num palco imenso. Mas ninguém ouvia.
A plateia gritava “exagerada”, “insuportável”, “coitada”, “ela mereceu”.
E , sentado na primeira fileira, sorria.
Ela acordou suando. Tremendo. Com a garganta fechada.
Foi até a cozinha. Bebeu água.
Encostou-se à pia e chorou em silêncio, como quem tenta não incomodar o mundo.
Na manhã seguinte, os olhos estavam inchados demais para maquiagem.
Mas mesmo assim, ela foi até o Grão e Verso.
a viu entrar e não perguntou nada. Apenas serviu um chá — camomila, hoje.
Sem açúcar. Com mel.
— Não dormiu bem — disse, simples, como quem constata a chuva pela janela.
assentiu, sem esconder.
Estava cansada de esconder.
— Às vezes acho que tô voltando — ela murmurou. — Que tô de novo naquele lugar. Naquela versão de mim.
sentou à sua frente. Não como garçom. Mas como alguém que sabia reconhecer o tremor invisível nos outros.
— Quando a gente quebra, as partes estilhaçadas continuam cortando por dentro por um tempo — disse. — Até encontrarem outro formato pra existir.
Ela riu sem som.
— E se eu nunca mais encontrar esse formato?
— Aí você inventa um novo.
Simples assim.
Mas naquela manhã, foi a frase que manteve em pé.
Na semana seguinte, ela recebeu uma ligação inesperada.
Era a assessora de .
“, querida. Tudo bem? Estou te ligando porque estamos produzindo um documentário sobre os bastidores da carreira do . Teremos vários depoimentos... familiares, amigos, ex-namoradas. Ele acha que sua participação seria simbólica. Pode mostrar como vocês superaram tudo. Uma mensagem bonita, de superação.”
não respondeu por alguns segundos.
“Vocês querem que eu diga o quê?” — perguntou, por fim.
“Que foi tudo difícil, mas valeu a pena? Que eu aprendi muito? Que ele sempre foi um bom homem no fundo?”
“Apenas algo sincero e inspirador. Pode ajudar na imagem de vocês dois.”
Ela desligou sem responder.
E naquele dia, chorou de raiva.
Mas dessa vez, não se calou.
Ela pegou seu caderno velho, aquele que evitava há meses.
Sentou-se no chão da sala e escreveu.
Escreveu com a fúria de quem engoliu palavras por tempo demais.
Com a clareza de quem viveu o apagamento.
Com a voz que tentaram silenciar.
O que saiu foi mais do que um desabafo.
Foi uma canção.
Sem melodia ainda. Mas com alma.
“Me chamaram de louca porque me ouviram gritar
Mas ninguém perguntou quantas vezes eu calei
Me chamaram de fria porque não voltei
Mas nunca viram o que eu precisei deixar pra trás…”
Naquele fim de tarde, levou o caderno até a cafeteria.
estava fechando. Ela esperou ele travar a porta, abaixar as luzes, e então entregou as páginas.
— Não sei se ficou bom. Mas é o mais honesto que consegui ser em muito tempo.
Ele leu em silêncio. Linha por linha.
E quando terminou, olhou pra ela como quem vê um quadro quebrado ainda assim belo.
— Isso é arte, . Não pelo que você sofreu. Mas porque, mesmo ferida, você ainda escolheu transformar dor em verdade.
Ela quis responder. Mas não conseguiu.
Então ele fez o que ninguém fizera antes.
Apenas a abraçou.
Sem pressa. Sem desejo. Sem pena.
Um abraço firme, silencioso, com cheiro de café e ternura.
E ali, naquele instante, um pedaço do mundo dela voltou ao lugar.
“A cura começou no exato instante em que parei de sussurrar minha dor.”
Gravar aquela música foi quase como atravessar uma ponte estreita entre dois mundos.
entrou no pequeno estúdio improvisado de um amigo antigo — alguém que permaneceu do seu lado mesmo depois da tempestade — e pediu que deixassem as luzes baixas. Só ela, o microfone e o som dos próprios passos ecoando na madeira.
O produtor, Matheus, sugeriu que fizessem uma guia rápida. Mas quando a base começou, fechou os olhos... e cantou.
Com a voz trêmula.
Com a garganta rasgando memórias.
Com o coração ainda costurado às pressas.
Ela não pensou nas críticas.
Não pensou em .
Não pensou nas manchetes, nos comentários, nas pessoas que disseram que ela "poderia ter lidado melhor".
Ela apenas deixou sair.
Quando terminou, o estúdio ficou em silêncio.
Matheus nem respirava.
— Isso não precisa de ajustes — ele disse. — Isso precisa ser ouvido.
A canção foi lançada discretamente, em um perfil independente, sem marketing, sem clipe, sem rosto.
Apenas a voz.
Apenas a verdade.
Nos primeiros dias, quase nada aconteceu.
Alguns compartilhamentos, mensagens de desconhecidos dizendo “senti isso também” ou “obrigada por dizer o que eu não sabia nomear”.
Mas algo mudou dentro de .
Não era fama.
Era leveza.
ouviu a música sozinho, numa noite em que a cafeteria estava vazia.
Quando ela entrou no dia seguinte, ele a olhou como se estivesse vendo uma nova versão dela.
— Agora eu entendo o som que você fazia em silêncio — disse, e ela sentiu a frase como uma carícia na alma.
Nos dias seguintes, os dois começaram a sair da rotina.
Foram a uma feira de livros usados, caminharam por uma rua cheia de luzes amareladas, dividiram um brigadeiro gourmet de um food truck que jurava ser o melhor da cidade.
E numa dessas noites, sentados no capô do carro dele, olhando o céu escondido pela poluição, perguntou:
— Por que você é tão calmo?
sorriu, sem pressa.
— Porque já fui o oposto.
Ela virou o rosto, curiosa.
Ele respirou fundo, e contou:
— Eu tinha uma banda. Nada muito grande, mas promissora. Eu era vocalista e compositor. O tipo de cara que achava que o mundo precisava ouvir tudo que eu sentia.
— E o que aconteceu?
— Um dia, uma das minhas músicas viralizou. Mas não pelo motivo certo. Um verso foi tirado de contexto e me acusaram de algo que eu não disse. Fui cancelado por uma frase que escrevi com dor e má interpretação. Perdi contrato, perdi amigos… e perdi a vontade de cantar.
engoliu seco.
— Você nunca mais escreveu?
— Não até conhecer você.
Ela sentiu um nó na garganta.
— Por quê?
— Porque você canta com a coragem que eu perdi.
Ele a olhou como se aquela fosse a confissão mais íntima de sua vida.
E era.
se aproximou, devagar.
Não para beijá-lo — ainda não.
Mas para encostar sua testa na dele, como quem agradece sem palavras.
Naquela noite, dois corações partidos encontraram uma batida comum.
Não uma história de amor pronta.
Mas o esboço de um recomeço.
“Talvez as pessoas tenham falado mal porque não conseguiram me ver de verdade. Agora eu vejo.”
As coisas mudaram rápido.
A música de , aquela lançada sem pretensão, começou a circular pelas redes como uma faísca silenciosa. Alguém editou um vídeo com imagens de mulheres sorrindo e chorando ao mesmo tempo, intercaladas com frases fortes da canção. A legenda era simples: “essa música me salvou.”
E então, outras pessoas começaram a contar suas histórias.
Mensagens chegaram em ondas:
“Essa letra sou eu.”
“Achei que só eu tinha vivido isso.”
“Obrigada por colocar sentimento onde só havia silêncio.”
O número de plays explodiu.
Jornais começaram a procurar por ela.
Portais feministas destacaram a coragem de escrever algo tão cru, tão real, tão sem maquiagem.
Mas foi só quando ela recebeu uma mensagem de voz de uma jovem chamada Milena que entendeu o alcance do que havia feito.
“Oi, . Eu tenho 19 anos e estava num relacionamento que me deixava doente, mas eu não percebia... até ouvir sua música. Eu saí de casa hoje. Tô tremendo, mas tô viva. Obrigada por me mostrar que eu também posso sair.”
chorou ouvindo. Não de tristeza. Mas de libertação.
A imprensa, antes ávida por pintá-la como "a ex instável do cantor Braga", agora queria entrevistar a compositora que virou símbolo de resiliência.
E como era de se esperar...
reapareceu.
Mandou flores.
Depois uma carta.
Depois uma tentativa de mensagem melosa, dizendo que “entendia tudo agora”, que “a música mexeu com ele”, que “talvez ainda pudessem conversar”.
Ela leu.
E pela primeira vez, não sentiu nada.
Não raiva. Não amor.
Apenas um alívio imenso.
Ela não devia mais nada a ele. Nem explicações, nem música, nem dor.
No mesmo dia, foi até o Grão e Verso. estava no balcão, organizando discos antigos.
— Você acha que a gente vira uma nova pessoa depois de sobreviver?
Ele a olhou com aquele jeito tranquilo que misturava céu e terra.
— Acho que a gente, no fundo, volta a ser quem era antes de aprender a ter medo.
Ela sorriu.
Um sorriso cheio. Verdadeiro. Sem esconder.
— Você quer cantar comigo?
Ele hesitou.
— No palco?
Ela assentiu.
— Eu tenho uma apresentação no festival da cidade. Aceitei sem pensar, porque senti que precisava fazer isso. Mas não quero subir sozinha. Eu quero dividir isso com alguém que entende.
Ele segurou as mãos dela, e viu nos olhos dele a resposta que já sabia.
Na noite do festival, o céu parecia limpo pela primeira vez em meses.
subiu ao palco vestindo algo leve, simples.
Sem maquiagem demais. Sem brilho.
Apenas ela.
pegou o violão e olhou para o público.
Ninguém ali sabia da história completa.
Mas todos sentiam que estavam diante de alguém que voltou do seu próprio fim.
Quando a primeira nota tocou, não cantou apenas a letra.
Ela contou sua história.
Com a voz firme.
Com o peito aberto.
Com os olhos cheios de uma verdade que ninguém mais poderia apagar.
Ao fim, o público ficou em silêncio por um segundo.
E então, aplaudiu de pé.
Não pela música.
Mas pela mulher que finalmente foi ouvida.
Mais tarde, enquanto caminhavam pela calçada vazia, e dividiram um sorvete de casquinha.
Ela encostou a cabeça no ombro dele.
— Eu ainda tenho medo às vezes — ela sussurrou.
— Tudo bem. Eu seguro sua mão quando tremer — ele respondeu, simples.
E ali, sob os postes amarelos, ela percebeu:
Não precisava mais provar que era digna de amor.
Não precisava mais tentar agradar quem só queria diminuí-la.
Ela era inteira.
Não perfeita, mas inteira.
E, pela primeira vez, vista com olhos que não a julgavam…
Mas a celebravam.
FIM!
Nota da autora: Sem nota.