Revisada por vênus. 🛰️
Atualizada em: 24.11.2024
Quem mandou, Choi ? Quem mandou você oferecer, seis anos atrás, os seus serviços como pediatra de plantão para os vizinhos? Recém-formada e louca para ajudar o máximo de mini-pessoas possíveis?
Não estou amargurada ou cansada, e muito menos desiludida com minha profissão, afinal, pego bebês adoráveis no colo todos os dias, receito anti-inflamatórios para criancinhas gordinhas com dor na garganta e dou o papo sobre sexo seguro e alimentação saudável para adolescentes. E, céus, eu amo o que faço mais do que tudo neste mundo; amo os bebês chorões, as criancinhas que correm para o consultório para me entregar adesivos de joaninhas e os adolescentes que ficam de cara fechada até que eu mencione Sex Education ou qualquer outro tema da cultura pop.
Agora os pais? Jesus, eu odeio os pais. As mães que leem blogs de lifestyle sobre gestação e acreditam saber mais do que quem ficou oito anos estudando e se especializando em como colocar os miudinhos no mundo da forma mais segura. Odeio os pais engravatados que ficam no celular durante toda a consulta e ainda pedem por atestados, pois perderam o trabalho para trazer o filho. Quero pular na garganta das mães que ameaçam me processar no instante em que ofereço uma camisinha para uma adolescente de dezessete anos que claramente já teve mais relações sexuais que um terço da população. Mas é necessário que, para as minhas pestinhas estarem ali, os pais também estejam, mesmo que deem nos meus nervos.
Logo, não posso negar auxílio para quem quer que seja. Posso segurar o bebê, fazer arrotar, passar uma das infinitas pomadas de assadura que ganhei de brinde dos congressos que fui e massagear as barriguinhas gorduchas para livrá-los da cólica. Foi isso o que nasci para fazer e não posso dar as costas assim (mesmo que tenha tido apenas duas horas de sono e esteja vendo duas de mim no espelho do banheiro). Apanho o robe azul claro no gancho perto da porta, demorando para acertar o buraco para passar meu braço e acendo a luz do corredor antes de deixar o cômodo, ainda tendo o raciocínio de uma criança no caso de espíritos mal-intencionados assombrarem minha sala.
Ainda descalça e na ponta dos meus pés, me aproximo do espelho ao lado da porta, quase saltando quando um choro alto escapa por baixo da fresta da madeira. Empurro uns fios rebeldes de volta para o rabo de cavalo antes de girar a tranca e abrir a porta, tentando suprimir um bocejo horrendo.
— Boa noite, Sra. Lee, como está o Ming... — corto minha fala costumeira pela metade quando me toco de quem está na minha porta e, surpresa! Não é uma velhinha com camisola florida e um bebê narigudo.
Um homem um pouco abaixo dos trinta anos segura um bebê, cuja mantinha azul de dinossauros verdes entrega de imediato seu gênero definido pelo pai. Minha principal observação é que, quem imagino ser o pai do bebê, está balançando-o em uma tentativa frustrada de acalmar a criança, que remexia os pequenos dedinhos para fora do tecido. Antes de querer esticar a mão e pegar a criança em meu colo, dou uma boa olhada para o homem que o segura e, mesmo que seu aparente cansaço o traia, meu intuito é imaginar que ele ainda é jovem demais para ser pai.
Contudo, meus olhos se assentam na expressão de puro desespero dele, podendo me fazer ignorar a estrutura óssea e as feições divinas em razão de seus olhos fundos e avermelhados. Posso ver rastros secos de algumas lágrimas em sua face, indicando que o filho não foi o único a entrar em desespero. Uma fralda de pano descansa em seus ombros largos, manchada de laranja, e eu preciso de alguns segundos para entender que o homem alto, belíssimo e provavelmente o dobro de meu tamanho, precisa de ajuda com a trouxinha barulhenta em seu colo.
— Você é a pediatra? — sua voz está rouca, competindo com o som alto e agudo que escapa de seu filho, e eu me afasto da porta ao concordar com a cabeça, permitindo que adentre meu apartamento antes que algum outro vizinho venha gritar comigo pela janelinha da cozinha. O rapaz fica parado no meio da sala, ainda balançando a pobre criança nos braços, e eu tranco a porta, dando uma rápida olhadinha para a chave extra que escondi debaixo de uma samambaia. — Me desculpe por vir assim tão tarde, mas eu não sei o que fazer com ele. — soltou as palavras assim que me aproximei, e eu apenas apertei a boca em um sorriso fechado.
É pai de primeira viagem. A mãe deve estar fora ou algo do tipo.
— Sem problemas. — indico o sofá, e não preciso insistir para que se sente, o que me leva a imaginar que já deveria estar há horas andando de um lado para o outro para ninar o bebê. Me sento na mesa de centro diante dos dois, enquanto a montanha de homem domina meu sofá minúsculo. Seria cômico se eu não estivesse com tanto sono. — Melhor não o balançar assim. — levo minha mão até o braço dele e, obedientemente, ele para os movimentos no mesmo instante. — É legal balançar bem devagar, não como se estivesse tentando tirar as moedas dos bolsos dele. — alertei com o melhor humor que pude, esticando minha mão para apoiar a cabeça macia da criança. — Qual seu nome e o nome dessa criaturinha? — com o dedão, acariciei os ínfimos fios do bebê.
Seria este mais um pai engravatado que nem mesmo sabe o nome do filho? Vagueio com os olhos para a mão esquerda e, então, a direita, percebendo então a ausência de aliança.
— Jeon JeongGuk. — flagrei a sombra de um sorriso educado em seus lábios antes deste se tornar um dos beicinhos mais apertados e cansados do mundo, quando o bebê chorou, ainda balançando as mãozinhas. Me indago outra vez como ainda não os vi no prédio. Céus, já moro aqui há quase dez anos. Isso é impossível. — Sou o seu novo vizinho no fim do corredor. Nos mudamos ontem. — passando a língua pelos lábios rosados, lançou um olhar para baixo como se pedisse piedade para o barulhento bebê em seu colo. Concordo com a cabeça. Certo, passei o dia inteiro fora. Por isso é desconhecido. — Esse aqui é o SeoJun. — ao ouvir seu nome, os prantos agoniados se acomodam, e eu me seguro para não sorrir maravilhada. — Dê "olá" para a doutora, Junnie! — segurou a mão do filho e a balançou em minha direção.
Acabo sorrindo, mesmo com esforço para não o fazer.
— É um belo nome este seu, hein, SeoJun? E bem-vindo, Sr. Jeon. — evitei reparar o olhar maravilhado direcionado a mim quando voltei a acariciar a cabeça do bebê com meu dedo. Pelo seu tamanho, arrisco seis a sete meses. — O que você já tentou fazer para que ele parasse de chorar? — pergunto novamente, mas, desta vez, para o adulto, pois preciso excluir algumas coisas da lista de possíveis causas.
Depois de um longo momento, a resposta vem:
— Fraldas, água, tentei até mesmo aquela massagem que falam ser para gases... — ouço atentamente, mordendo a parte interna de minha bochecha. — Tentei dar purê de abóbora, batatas amassadas e maçã, mas ele não quer comer nada disso nos últimos dias, então... — ele deu de ombros, os olhos vidrados no filho que parece ter se acalmado repentinamente. Nesta fração de segundos, enquanto o silêncio toma conta do ambiente e um pai olha com tanto amor, carinho e preocupação para o filho, tenho certeza de que fiz bem em deixar minha confortável cama. Segundos rápidos se passam até que JeongGuk olhe para mim, a face rosada. — Eu sei o que você deve estar pensando, mas eu não sou um idiota, ok? — abro minha boca para argumentar, para dizer que ter de pedir ajuda não o faz um idiota, mas deixo que continue. — O Jun já tem mais de seis meses, então já pode comer comida sólida, não é?
Eu entorto os lábios contra a minha própria vontade.
— Na verdade, não. — vacilo e apoio as mãos em meus joelhos, tomando cuidado para cobrir minhas pernas com o robe. — Ele já pode, sim, comer comida sólida, Sr. Jeon, mas ainda precisa do suplemento materno. A marca dos seis meses é apenas um ponto de partida para que a família introduza uma alimentação sólida de forma muito, muito gradativa. O ideal mesmo é intercalar os dois, entende?
O pai mantém os lábios entreabertos, não parecendo acreditar que havia deixado escapar este pedaço de informação. Abaixo meus olhos quando uma nuvem de arrependimento paira sobre ele, e engulo em seco, entendendo bem como algo assim pode afetar um familiar, principalmente quando parece estar tão preocupado e demonstrando esforço como ele.
— O SeoJun precisa de imunização e nutrientes que somente o leite materno ou uma fórmula pode oferecer. Aquela comida que estava dando a ele estava correta, porém em condições equivocadas, e por isso ele não comia e agora está com fome. — lentamente, o maior concorda com a cabeça. — Se tiver leite materno guardado em casa, mesmo que congelado há algumas semanas, é exatamente o que ele vai precisar para dormir direitinho e ficar saudável.
Os lábios de JeongGuk se contraem.
— A mãe dele e eu não estamos nos melhores termos. — assinto com ressalvas, a sua confissão me levando a entender melhor como ajudar o pequeno SeoJun. Não menciono sobre como isso não deve afetar o bebê ou algo do tipo, apenas dou o meu melhor para poder auxiliá-los. — Ela nos deixou há alguns dias e não tenho estoque algum de leite materno. — explica-se em um murmúrio que é mais para o filho do que para mim. SeoJun está fungando, parecendo mais calmo, e isso dá mais forças para seu pai.
— Sinto muito por isso. É uma pena. — tento ser sincera, mesmo que a condição me dê vontade de gritar. Mães que abandonam os filhos são raras, mas não inexistentes. Mas como alguém deixaria uma coisinha assim? — Já que não tem leite materno e este rapazinho já está ficando grande, pode comprar leite de soja, que substitui fácil, pelo menos por hoje, nessa hora da noite. Acho que a mercearia do outro lado da rua fica aberta a noite toda. — explico, fazendo questão de indicar que o leite de soja deve ser mera resposta temporária. — Se for lá agora, posso ajudar a alimentá-lo.
JeongGuk virou-se para mim com os olhos arregalados, como se não acreditasse no que eu tinha dito a ele e realmente fosse ajudá-lo. Evito pensar nas portas que devem ter sido batidas na sua cara para que ele se surpreendesse tanto. O homem alto se levantou rapidamente, colocando a mão livre no bolso à procura de dinheiro, e o outro braço parecia ter o tamanho ideal para acomodar o bebê de maneira confortável. Apressada, me levantei junto a ele, esticando meus braços para segurar o resto de SeoJun, mesmo que ele estivesse bem apoiado.
Então, algo que eu não esperava acontece em seguida: o homem olha para o filho, como se pedisse permissão para soltá-lo, mesmo que por poucos minutos. Ergo o rosto para encarar sua face, que pairava generosos centímetros acima do meu. O desconforto se instala em minhas bochechas, já aquecidas e certamente avermelhadas. Sustentei seu olhar por alguns segundos, apertando meus lábios em um sorriso gentil, tentando garantir a ele que a criança ficaria segura em meus braços e sob minha vigia.
— Confia em mim. — dei uma boa olhada no rostinho rosado e confuso que me encarava por baixo de inúmeras camadas de tecido. — Não vou machucar ele. — garanto novamente, arrastando as costas de minha mão pelo firme braço de Jeon até segurar a pequena cabeça do bebê e, então, usando a outra mão para erguê-lo e puxá-lo para encostar-se de imediato ao meu peito. — Pode colocar a fralda no meu ombro?
Na maioria das vezes, as crianças choram nos braços de desconhecidos por causa da diferença de temperatura e de cheiros, então espero que o tecido o ajude. JeongGuk coloca a fraldinha em meu ombro com cuidado para não encostar no rosto do bebê e também para tocar-me com o máximo de respeito que pode. Porém, mesmo assim, sinto uma onda de arrepios em meu braço.
— Leite de soja, certo? — pergunta, coçando a cabeça e atraindo minha atenção de novo. Por uma fração de segundo, me deixo surpreender pelo envoltório negro que flagro por baixo da manga longa de sua camisa assim que ele estica os braços, que devem estar cansados de tanto segurar o bebê. Já tinha reparado nas ondulações de tinta no seu colarinho, que brilham com um reflexo azulado na luz de meu apartamento. Acabo me questionando sobre a quantidade que ele deve ter, antes de sentir que os dedinhos de SeoJun se enroscam nos fios que caem de meu penteado.
— Isso. — movi a cabeça de cima para baixo, percebendo o quanto firme era o aperto em meu cabelo, não segurando um sorriso ao observar os olhos cintilantes e curiosos de SeoJun. — Em pó e orgânico. — meus dedos escapolem até suas orelhinhas macias e eu seguro um sorriso quando direciono os olhos para JeongGuk, que agora me observa como se eu fosse digna de um pedestal. É. Fazer bebês se acalmarem normalmente gera reações assim. Contudo, não costumam ser reações que também fazem meu coração parecer que triplicou de tamanho no peito.
— Certo... — sussurra, com as mãos nos bolsos de trás da calça. — Volto em cinco.
Por um instante, esqueço que estou segurando seu filho e quase dou para trás quando ele se aproxima de maneira abrupta, pressionando um rápido beijo na testa do pequeno. Desvio meu olhar para o abajur na mesinha de centro, ainda que o cheiro mentolado do que imagino ser o seu shampoo se infiltre em meu nariz. Quando ele se afasta, faço o favor de segui-lo até a porta e fechá-la antes de direcionar toda a minha atenção para o miúdo pacotinho de felicidade em meu colo. Infelizmente, é claro para mim que ele está abaixo do peso e faço questão de fazer uma nota mental para lhe oferecer uma consulta quando estiver em meus dias de clínica.
Me sento no sofá e ligo a televisão, deixando-a no mudo para admirar o pequeno que carrego nos braços. Nesta idade, algumas crianças são difíceis de serem reconhecidas quando estão junto a outras, mas SeoJun é adorável demais para se perder na multidão de bebês em minha cabeça: com grandes olhinhos brilhantes e bochechas gorduchas e rosadas pelo chororô.
E que chova no Saara se o pai dele não for o homem mais bonito que eu já vi em minha vida.
Bem, não o mais gato, mas está na lista, ainda que abaixo do pai da pequena Jieun Shin, um compositor famoso que está sempre com um sorriso gentil no rosto e até se atreveu a tomar uma vacina antes dela para “provar que não dói nadinha”. Entretanto, sim. Jeon JeongGuk é uma tremenda visão. Desde os piercings na orelha, quase imperceptíveis pelo cabelo, até as tatuagens. É necessário me segurar para não mandar uma mensagem para SeoHyun e anunciar que meu novo vizinho é um gato e tem o bebê mais fofinho do mundo. Porém, já imaginando que ela deve estar muito ocupada com SeokJin, escolho não fazê-lo.
Para ser bem sincera, admiro muito o setor de recursos humanos daquele hospital.
— Olá, como você está? — faço a voz que Jin apelidou de “voz de titia”, afastando um pouquinho do tecido que cobre o rosto da criaturinha que me olha, correndo meu dedo do vale de seu narizinho até a ponta. Estou agradavelmente surpresa por ele ainda não ter aberto outro berreiro e estar distraído com minha presença. — Jeon SeoJun, hmm? — engulo em seco quando ele pega o meu dedo e o puxa até tocar seus lábios, antes que eu o retraia. Isso foi o suficiente para que lágrimas inundassem seus olhinhos e um som espremido lhe escapasse. — Shh, shh... — sequei as lágrimas que corriam por seu rosto, balançando-o só um pouco para que voltasse a se acomodar. — Você não pode colocar qualquer coisa na boca, neném…
Começo a tentar desembrulhá-lo do enorme bolo de tecidos em que o pai o havia enfiado, deitando-o no sofá. Quando ele fica apenas com um pequeno macacão branco e amarelo, começo a caminhar pela sala, embalando-o distante do meu corpo, não querendo que ele ficasse com calor novamente. E é apoiado em minhas mãos e com os pezinhos próximos ao meu peito, que uma pequena contração lhe escapa; erguendo as pontas de seus lábios e me mostrando as gengivas rosadas.
— Sabe de uma coisa? — questiono, alisando suas orelhinhas tão macias que se assemelham aos pelinhos de um pêssego. Ele tem outra contração muscular e sua língua se move, alargando o sorrisinho e as bochechas se erguendo. Balanço a cabeça com um suspiro, disfarçando o calor em meu peito. — Qualquer um que te visse agora iria dizer que isso aí... — mordo os lábios ao ouvir um sonzinho lhe escapar, revirando os olhos para me manter sob controle. — Isso aí mesmo, mocinho. — indico sua face com meu queixo. — Um bobo diria que foi um sorriso, sabia? Mas como eu sou uma mulher da ciência, sei que foi apenas uma contração muscular involuntária desse seu cérebrozinho. E você não me engana.
A campainha toca duas vezes seguidas, indicando que JeongGuk havia retornado. Mordo a língua para não soltar um comentário sarcástico por ele, enfim, ter encontrado a campainha.

Aqueci o leite em uma panela, misturando com um pouco de água filtrada, sem deixar que engrossasse e o pobrezinho tivesse dificuldade de engolir. JeongGuk levou SeoJun quando foi correndo à sua casa para pegar uma mamadeira e a colocou no balcão da minha cozinha. Deixando a mistura de lado para esfriar, cruzo os braços, dando uma boa olhada em como ele observa os adesivos e algumas fotos coladas na minha geladeira. Já havia ouvido de Jimin, um amigo que tive a sorte de manter desde os tempos da faculdade, que nunca poderia usar essa geladeira. Disse que os “cacarecos” coloridos o irritavam demais, mas eu não consigo evitar me orgulhar. Tenho uma foto de uma menininha com uma cicatriz de lábio leporino que tive a honra de consertar, uma foto na celebração do transplante de um garoto de doze anos viciado em Overwatch, e tantas outras.
— Com o que trabalha, Sr. Jeon?
Virando-se para mim, JeongGuk continua acalentando as costas do filho.
— Sou o dono de um estúdio de tatuagem. DaredEvil Tattoo, no sul da cidade. — quero me socar no instante em que ele adiciona um sorriso presunçoso, acomodando o bumbum de SeoJun em apenas uma mão. O cara é lindo, mas o nome é familiar. DaredEvil? Certo, eu já ouvi esse nome em algum lugar. Acho que minha expressão não demonstra muita admiração, pois logo uma risada soa vinda dele. — Pensei que você ia falar alguma coisa depois disso. — Jun dá outro gorgolejo, e Jeon mantém o carinho em suas costas. — Ou chamar a Secretaria da Infância e da Juventude.
Meus lábios se curvam em um sorrisinho.
— Eu chamaria a Secretaria da Infância se você tivesse tatuado um cupcake no seu filho. Ademais... — dou de ombros, ainda tentando buscar em minha mente de onde o nome do seu estúdio me é familiar. Talvez tenha atendido algum paciente com muitas tatuagens nos meus anos como interna ou... Bingo! — Conhece Kim NamJoon? — o olho por baixo dos fios caídos em meu rosto e sorrio quando ele parece se iluminar, distraindo-se novamente da minha geladeira colorida. A mão do bebê agarra a sua gola, e eu evito encarar a tatuagem vermelha escura em seu pescoço e tentar descobrir a imagem que forma. — Eu o atendi há uns cinco anos... Descobri um aneurisma quando ele me mostrou seus desenhos na sala de espera. — a memória me deixa orgulhosa. Foi o meu primeiro caso e que abriu os olhos do antigo Chefe para mim.
E o sorriso de JeongGuk é ofuscante.
— Você é a Doutora Gatinha do NamJoon? — abaixo minha cabeça, uma risada tímida borbulhando em minha barriga e que também faz a dele ressoar pelo cômodo. Kim NamJoon havia me chamado de Doutora Gatinha umas duas vezes enquanto estava zonzo pela anestesia e me pediu em casamento outras duas vezes. — Ele diz que deve a carreira dele a você. Que estava tão atenta que notou como a qualidade dos desenhos estava decaindo.
— Pelo que vi nas primeiras páginas, ele é um artista muito talentoso. — explico para ele o episódio enquanto abro algumas gavetas atrás de um funil e começo a lavá-lo. RM tinha desenhos muito bonitos e senti uma vontade extrema de marcar minha pele com alguns, mas não lhe contei isso. Posiciono o funil em cima da mamadeira do Batman e começo a despejar o leite já morno ali dentro. — Aí, conforme ia passando as páginas, as linhas ficaram mais desleixadas e eu fiquei com medo de perguntar. Mas quando pedi para ele assinar o nome em um papel e eu mal entendi? — maneio a cabeça, convencida. — Estava na cara.
Fecho a mamadeira, já tendo a lavado com água quente e tudo mais.
Estendo-a em sua direção, mordendo a parte interna do meu lábio quando nossos dedos se encostam ao tomá-la da minha mão. Enfio as minhas no bolso do robe quando me dirijo à sala, ouvindo seus passos ecoarem atrás de mim. Indico o sofá novamente, e JeongGuk se senta sem muita cerimônia, apoiando o filho nas coxas ao manusear a mamadeira. Sua experiência com isso é uma imagem agradável e torna mais fácil afastar da minha cabeça o clichê que imaginava lhe servir: transou com alguém no primeiro encontro, nunca mais se falaram, e nove meses ou quase um ano depois surgiu com um bebê à sua porta. Mas, ao analisar seu conhecimento sobre crianças, até mesmo entendendo o básico sobre a alimentação e como segurá-lo de forma correta... JeongGuk demonstra ter tido tempo para se preparar.
— Toda essa confusão porque você estava com fome, hein? — questiona com um sorriso torto ao colocar a mamadeira delicadamente na boca de SeoJun. Volto a me sentar na mesinha, pegando uma almofada e ajudando a colocá-la debaixo do bebê que agarra o recipiente morno com as mãozinhas. — E nós tivemos de perturbar a Doutora Gatinha do tio RM, sabia? — engulo em seco com o apelido, minhas bochechas queimando. — Você não me disse seu nome a noite inteira. Fiquei preocupado com como iria explicar para a polícia que deixei meu filho com uma estranha. Acho que iria preso.
— Poderia perguntar para praticamente todos os nossos vizinhos. — murmuro, impressionada com as goladas ávidas de SeoJun. Já cuidei de muitos bebês em minha vida, ajudei-os a se alimentarem e tudo. Mas SeoJun é adorável demais e seu pai, que me olha em busca de mais informações, também é. — Cuidei da maioria dos bebês deste prédio. — corrijo minha postura ao me afastar, sorrindo quando Jun vira o rosto para mim e quase deixa a mamadeira cair, sendo seu pai que a segura e encaixa em seus lábios de novo. — Me chamo Choi . É um prazer, Sr. Jeon. — não lhe estendo a mão por razões óbvias.
— JeongGuk. — ele me corrige. — Jeon soa como se você falasse com o meu pai. — confirmo com a cabeça, ainda que reservada pela proximidade entre nós. Recolho as mãos para meu colo a fim de não tocar mais no filho dele ou acabar deslizando meus toques para as tatuagens em seus dedos e mãos. — Obrigado pela ajuda. — não respondo, afinal é meu dever. Dentro de um hospital, uma sala de cirurgia ou em meu apartamento no meio da noite. — Acho que o que ele realmente tinha era fome. — ele suspira, extremamente cansado. — Não sei como não lembrei desse detalhe sobre os dois tipos de alimentação terem de ir juntos.
— É normal. — lhe garanto, ainda atenta ao bebê e ao quão rápido SeoJun finalizou a mamadeira. — Deixe-me encher de novo. — com um “pop” baixo, JeongGuk a remove da boca do garotinho que já está inclinado a cair no sono. Imagino que a próxima o faça dormir direto. — As pessoas esquecem os detalhes quando têm filhos ou responsabilidades muito grandes assim. — o conforto enquanto me dirijo à cozinha e agito o líquido na panela, tendo de lavar o funil de novo e só assim repetir o processo. Ouço daqui os sons baixinhos que SeoJun solta. — Não imagino o quão estressante é ter alguém que depende de você 100%. Ou 200% no seu caso, já que está lidando com isso sozinho. — as palavras são verdadeiras e eu realmente não consigo imaginar.
— Tive de ler umas coisas que nunca pensei que leria. Ir a aulas, até.
Sinto a pitada de humor em sua voz, mas não arrependimento. Ergo a sobrancelha em sua direção ao fechar o bico da mamadeira. Jeon está me olhando por baixo dos fios negros de seu cabelo, um meio sorriso puxando a extremidade de sua boca. Esse cara está fazendo isso de propósito? Sorrindo assim de propósito?
— Sobre como fazê-lo dormir, os carrinhos de bebê mais confortáveis do mundo, como trocar fraldas mais rápido e evitar assaduras e tantas outras coisas que eu acabo esquecendo no momento que mais preciso... — lhe devolvo a mamadeira, meus braços se cruzando sobre o peito e um sorriso sacana em meu rosto, pois isso era a última coisa que eu esperava do cara que chegou na porta da minha casa com cara de choro e um bebê chorando. Correndo a mão pelo cabelo, Jeon o empurra para trás da orelha e faz uma bela análise em seu filho. — Mas valeu a pena, hmm?
— Sempre vale... Bom, se precisar de ajuda de novo, não hesite em me chamar.
Me adianto a uma estante próxima à televisão, ficando na ponta dos pés para alcançar a caixa em que guardo os cartões de visita da clínica pediátrica do hospital e escolho um com o meu nome. Lhe entrego o cartão, vendo que SeoJun havia caído no sono ainda com metade de sua mamadeira cheia. Jeon a segurava entre os joelhos quando me aproximei e peguei, auxiliando para que pusesse o filho no colo e iniciasse batidinhas leves em suas costas.
— O SeoJun está um pouco abaixo do peso ideal e, nessa idade, é algo que deve considerar importante. Então, assim que puder, agende uma consulta para ele, por favor. — os olhos de Jeon estão cravados em mim e ele assente. Parece ter se tornado o seu mais novo foco. — Eu estarei na clínica provavelmente na quinta-feira, então, se quiser, pode marcar comigo ou com qualquer outro médico da sua preferência. — dou uma boa olhadinha no pequeno, cujo dedão já voou para a boca, os outros dedinhos se curvando enquanto agarra a camisa do pai. — Nossa... Ele vai dormir direto. — estou rindo quando JeongGuk suspira, a cabeça pendendo para trás e seus olhos fechados em alívio. — Acho que você vai descansar agora, não é?
Jeon abriu os olhos para mim, aconchegando o pequeno em seus braços.
— Essas foram as duas semanas mais difíceis da minha vida. — minha mão pousa sobre o seu joelho em solidariedade e compaixão. O homem ri baixinho quando o filho solta um arroto quase inaudível, mas ainda me olha, agora que também estou rindo. — Valeu mesmo, doutora. Eu não sei o que ia fazer sem a ajuda. — levanto minhas mãos dispensando o seu agradecimento, em princípio por ser o mínimo, e também por ter sentido a firmeza de seus músculos com minha mão em sua perna. — Vou levar o Jun na clínica, sim. E também te deixar descansar, ok? Foi mal, por qualquer coisa. Por tudo, na verdade.
Me ponho de pé com um suspiro, nem querendo ver o horário no relógio que descansa em meu pulso enquanto sigo para a cozinha, falando por cima do ombro para JeongGuk que ele não precisava se desculpar, e os bebês podem ser difíceis. Junto a embalagem de leite de soja com a mamadeira após limpá-la bem, colocando tudo em uma sacola plástica enquanto o vejo levantar-se com todo o cuidado do mundo, ambas as mãos ocupadas em manter SeoJun o mais confortável possível. Opto por outra sacola ao voltar para a sala, recolhendo a mantinha de dinossauros e a enfiando dentro. Sinto uma pequena chama de felicidade em meu peito, semelhante à que arde em mim após longas cirurgias com êxito e consultas produtivas.
— Aqui está! — cantarolo ao voltar, estendendo as sacolas em sua direção. JeongGuk está escorado na parede ao lado da minha porta, lutando para enfiar os pés no tênis e não se mover muito e acordar o filho. Ele se assemelha mais a um adolescente confuso e não a um pai. Finalmente calçado, moveu a cabeça de cima para baixo várias vezes e então me olhou com o que pude identificar como vergonha e humor deprimido antes de apontar com o queixo para a sacola em minha mão.
— Pode colocar isso na minha boca, por favor? E fingir que é algo normal pelo bem da minha sanidade de pai solo?
Mordo meu lábio para segurar uma risada e algo mais quando ele abre a boca.
JeongGuk quase morde meu dedo ao fechar a boca e cerrar os dentes, mantendo a alça plástica bem segura e a cabeça erguida para que ela não encoste em seu menininho. Tento abrir a porta da forma mais silenciosa que posso, apertando o bolo de chaves em minha mão ao sair do caminho e permitir que ele saia, nem perto de não notar a piscadela lançada em minha direção antes de sumir pelo corredor mal iluminado com um grunhido que deveria soar como “Noite”, mas acabou mais como algo semelhante a “Oiti”. Tranco a porta atrás de mim, ainda sem entender a pequena chama quentinha em meu peito quando me enrosco na colcha de meu sofá e decido encerrar a noite por ali.

— Bom dia, amorzinho.
O croissant gelado quase cai da minha mão no instante em que um beijo sonoro é pressionado contra minha bochecha, me fazendo pular e algumas gotas de café quente molharem meu jaleco. Minha reação é imediata, e se não estivesse tão ocupada já teria pulado no pescoço do aproveitador que dá uma risadinha, as mãos deslizando da minha cintura para o quadril até se afastar o suficiente para pegar um dos iPads disponíveis para os médicos. Estou xingando a temperatura da bebida que ensopa minha roupa quando largo tudo sobre o balcão e dou um tapa no braço magricela de Jung Hoseok. O bastardo nem se move e me dá uma piscadela antes de pegar meu café da manhã e arrancar uma mordida enorme.
— Você é um porco, Hoseok. — reclamo, batendo o pé no chão e enfiando minha mão por baixo do braço dele, dando um belo beliscão em seu mamilo. Ele solta um gemido de dor. — Bem feito. — dou uma última mordida furiosa no pastelzinho antes de jogar o papel no lixo. Não estou nem um pouco interessada em alimentar o buraco negro que é o estômago dele. — Você me deve um croissant e um jaleco.
— E você está perdendo a noção... — ele está usando a caneta digital para assinar alguns formulários de alta hospitalar, um sorrisinho lindo em seus lábios rechonchudos. — Joga uma água sanitária nisso, mulher. — me esforço para não revirar os olhos enquanto removo o jaleco, meu pijama hospitalar com inúmeros desenhos de planetas e estrelinhas chamando a sua atenção por um instante. Balanço o jaleco branco na frente dele, e ele bufa com irritação claramente falsa, mas ao puxar o tecido pálido da minha mão, Hobi se vira, e eu ouço o som de alguns suspiros e engasgos. Quando eles chegaram aqui? — Você do topete, o nerd e a bonitinha. Venham cá.
Apoiada no balcão, observo enquanto três dos quinze internos se aproximam. Todos estão bem vestidos, com seus adoráveis pijamas rosados e bloquinhos nas mãos nervosas. Metade das mulheres mantém uma imagem impecável, devo admitir; a maquiagem bem feita, que tenho certeza de que não irá durar duas horas em um centro cirúrgico. Já os homens estão com os cabelos bem arrumados, com camadas de gel, barba bem feita e lentes de óculos cristalinas.
— Novos nomes: Engraçadinho, Tédio e Miss Ivy League. — decide. — O que acha, meu bem? — dou de ombros para os novos apelidos de seus internos da semana, levando o copo de papel aos lábios. Os jovens médicos se entreolham e decidem ficar mudos. Hoseok joga meu jaleco no peito de um deles. — Os três vão até a sala de descanso dos residentes e vão pegar o outro jaleco da doutora aqui. Conseguem fazer isso? — Tédio engole em seco antes de concordar com a cabeça, dando uma boa olhada na direção aleatória que meu amigo aponta. — Bom menino, Ted! Ivy e Engraçadinho, acompanhem o Tédio. Sinto que ele vai se perder.
Os três recém-formados zarpam pelos corredores sem mais perguntas.
— Hoseok? — me aproximo dele de novo, evitando os olhares esperançosos que os outros internos lançam para nós. — Você notou que eles foram pelo caminho errado, não notou? — com um sorriso na minha direção, ele assente. — Acha que eu devo mandar os meus acharem um bisturi de plástico para mim? — rindo, ele assente. A caçada por materiais e remédios inexistentes é uma velha tradição do hospital. Aprendemos bem cedo a decorar os medicamentos disponíveis na farmácia e todo o aparato do hospital e das salas cirúrgicas para não sermos motivo de piada.
— Que tal vocês pararem de azarar os internos e virem dar uma olhada em algo, hein? — com um tapinha no meu ombro, SeokJin se aproxima e nos chama para seu lado no balcão das enfermeiras. — Tenho um presentinho para você, .
Os prontuários em suas mãos são uma breve indicação do quão divertido o resto do nosso dia será. Ergo meu dedo, impedindo de imediato que os internos curiosos se aproximem após a breve oportunidade. O médico mais velho puxa uma tomografia de um dos prontuários, segurando-a na direção da luz para que tenhamos uma boa olhada.
— Sobrecarga arterial esquerda. — indica com uma caneta, mesmo que o exame seja óbvio. Também é óbvio que é um exame de péssima qualidade visual e de uma criança muito, muito pequena. — Bloqueio do ramo. — desliza a caneta mais para cima. — E gradiente de pressão do VE elevado. — pego o exame de sua mão, dando uma melhor olhada. Hoseok me acompanha, e só noto que SeoHyun está atrás de mim quando sua mão delicada se prostra em meu braço. Posso sentir o buzz de animação ao poder tratar algo assim. — O JaeBum vai chegar com ela em vinte minutos.
O croissant se remexe em meu estômago, e eu engulo o meu coração que havia ido parar na minha garganta.
— Perdão? — é SeoHyun quem exige uma explicação da notícia inesperada.
— Doutor Im JaeBum. — SeokJin nos informa devagar, sem demonstrar envolvimento ou importância. Mas, ainda assim, sinto minha boca ficar seca. — Ele é cardiologista.
Hoseok olha para o amigo como se ele tivesse criado uma segunda cabeça no ombro. SeoHyun solta o ar com um resquício de chacota, me envolvendo em um abraço lateral. Eba! Me sinto uma criança!
— Doutor Im JaeBum. Cardiologista. — o desgosto na voz de Hobi é nítido. — Ex-noivo da Hyo. Um tremendo de um filho da pu...
Jin tapa a boca do amigo, os olhos gigantescos e alarmados:
— Meu hospital virou frevo agora?
É a minha vez de dizer algo:
— Aparentemente virou um puteiro, agora que o JaeBum está vindo. — dou de ombros, o gesto sendo suficiente para Seo me soltar. Ela o faz ainda relutante. Volto a ler alguns dados insuficientes sobre a paciente, que parece jovem demais para ter o coração tão comprometido assim, como o meu está agora com a notícia do retorno de JaeBum. — Por que diabos o quadro diretor o chamou, Jin? Temos outros cardiologistas.
— Você não vai acreditar! — Jin ousa. — Vamos fazer um banho de lua mais tarde no heliporto. Nós dois, peladinhos, na luz do luar e bebendo Mai Tai’s.
Hoseok torce o nariz e força um som de vômito.
— Espero que ele esteja vindo para uma vasectomia. — arrisco sem muito humor agora que realmente tenho de pensar. — Ou qualquer procedimento em que estejam enfiando alguma coisa nele ou cortando algo fora. E se for a segunda opção, posso auxiliar, Jinnie? — provoco, usando o apelido que minha amiga costuma usar com ele.
— Ele está coordenando uma missão humanitária. — o “Doutor Kim” informa, e eu quero bater a cabeça na parede de tanta raiva.
Como devo odiar meu ex-noivo? Como devo sequer sentir alguma aversão ao homem quando ele faz esse tipo de coisa? Quando gastou o dinheiro que tinha guardado para nossa lua de mel em doações para os Médicos Sem Fronteiras e passou um mês no Afeganistão? Ah, certo! Quem sabe seja motivo suficiente para odiá-lo, o mero fato de que ele decidiu arruinar tudo em um piscar de olhos, desfalecendo no fundo do poço e me levando junto.
— E está ajudando no tratamento de uma menininha com estenose da válvula aórtica.
— Que foda… — é a minha vez de comemorar um pouco, logo recebendo olhares horrorizados dos outros. Fecho a cara de imediato. — O que é foda, no caso, é salvar a vida deste anjinho aqui. — aponto para o minúsculo coração na imagem do exame, certa de que meus amigos não acreditam que esta é a minha única intenção. É claro que quero ajudar uma criança, mas este é um feito médico: remendar um órgão tão pequeno e frágil é algo mágico. — Tá, desculpa…
Viro-me para os internos curiosos, alguns nas pontas dos pés para dar uma olhadinha nos exames e outros fingindo estarem relaxados e não se importarem muito.
— Alguém me diz o que é estenose e um método de tratamento. — peço a eles em alto e bom som. Os murmurinhos e discussões começam, e eu sei de onde vieram. — Você aí, do esparadrapo no óculos, — aponto com o queixo para um rapaz, o mais alto de todos. — Você foi o primeiro a falar. O que é? — dizer que ele é bonito é um entendimento, assim como dizer que é adorável. Hoseok me dá uma cotoveladinha, pedindo preferência com o jovem. Quando ele vai parar de dormir com os meus internos?
— Estreitamento da válvula que bloqueia o fluxo de sangue para a aorta. — sua voz é grave e trêmula, mas não gagueja, o claro nervosismo não o impede de ser ouvido, compreendido, ou sequer atrapalha sua habilidade de comunicar seus conhecimentos. — Podem basear o diagnóstico no sopro cardíaco e em resultados de ecocardiogramas. — concordo com a cabeça, surpresa por sua atenção ao que falávamos, e aponto para o outro exame em minha mão. — Recomendam um balão e substituição da válvula.
— Como você explicaria isso para a mãe da paciente? Alguém que pode não ter um ensino superior direcionado à saúde como nós e não vai entender grande parte do que você fala? — questiono. Isso parece tirá-lo dos trilhos por um momento, e os outros internos também demonstram a mesma expressão. — Se passaram a faculdade inteira decorando conceitos médicos, excluíram o atendimento ao paciente da formação de vocês. Recomendo que aprendam a falar com leigos da forma mais completa possível.
Estou erguendo a mão para dar a chance a outro aluno quando ele fala de novo.
— Eu… Eu diria que um dos canais, um dos tubos em que o sangue passa, estava diminuindo de tamanho. E o sangue demora para chegar. — é a minha vez de dar uma cotovelada em Hoseok. Ele havia me dito há alguns anos que depois de '95 não nasceu um hétero sequer, e eu me esforço para imaginar que o rapaz não se encaixa nisso. Ele é um colírio para olhos cansados e o que preciso se vou passar a manhã com JaeBum. — É um defeito de nascença, então a cirurgia é uma tentativa de remediar danos futuros.
— Esse é Jung JaeHyun, Dra. Choi. É de Harvard e fez o programa com o MIT. — SeolHyun me apresenta o rapaz. Ah, este é o JaeHyun... Não poderia esperar menos preparo de quem fez o Health Program das duas melhores faculdades americanas. — O da sutura em barra grega. — ergo a sobrancelha, concordando com a cabeça. Na semana anterior, ela havia me contado sobre sua técnica impecável de sutura quando lhe deixou fechar uma correção de calcificação óssea.
— Muito bem, bonitão. Você está no meu serviço. — o chamo para frente do grupo, SeokJin suspirando atrás de nós. Bem, ele não é a pessoa certa para falar sobre comportamento impróprio no trabalho, é?
JaeHyun está extasiado, mas controla bem a ansiedade ao se aproximar de nós.
— A senhora vai fazer uma valvotomia por balão?
Hoseok se esforça para segurar uma risada, virando-se para longe de mim e cobrindo a boca, afinal, sabe muito bem como detesto ser chamada de “senhora” em qualquer situação da minha vida. Seo assobia, e eu ouço quando Jin se despede, tendo de ir procurar o chefe de cirurgia para decidir alguns pontos do nosso pro bono. Fecho o prontuário e o empurro no peito do rapaz.
— Quantos anos você tem?
Ele engole em seco, e eu ouço mínimas risadas dos outros internos.
— Vinte e quatro, Dra. Choi.
Assinto.
— Eu tenho vinte e nove. Me formei dois anos mais cedo no ensino médio. Nós dois poderíamos ser colegas, não é? — dou um tapinha em seu ombro, satisfeita com o rubor insano que havia pintado suas orelhas. Hoseok assobia, provocando-o. Olho para os seus colegas com uma expressão severa. — Eu passei os últimos doze anos da minha vida com a cara enfiada em livros ou em salas de cirurgia. Quem me chamar de “senhora” outra vez e não de “doutora” está fora do meu serviço pelos próximos dois meses. E eu tenho certeza de que todos vocês estão ansiosos para passar pela Pediatria sem problemas, certo? — todos assentem veementemente. — Muito bem. — bato as mãos, recebendo meu jaleco de Tédio, Engraçadinho e Ivy, que acabavam de voltar. — MIT, pegue um café para mim. Temos uma manhã bem longa pela frente.
No caminho para o elevador, dou um sorrisinho para Hoseok.

O nome da criança que trataremos é Nahal.
Nahal é uma garotinha afegã, anêmica e desnutrida e que, segundo a irmã mais velha, chorou o voo todo, pois tem pavor de aviões e sons altos. Ela tem três anos e os olhos verdes mais expressivos que já vi em minha vida. Enquanto discutimos a cirurgia, esses mesmos olhinhos se focaram em mim, mesmo que ela não entendesse bulhufas do que eu falava ou do que me esforcei para dizer — a presença de JaeBum sendo incômoda em diversos níveis. No caminho para a sala de cirurgia, seus minúsculos e magros dedinhos se fecharam em meu pulso, os olhos fechados com força enquanto eu a empurrava na maca da maneira mais cuidadosa que pude.
Residentes não se dão ao trabalho de levar os pacientes, mas tento fazer isso o máximo que posso a fim de mostrar para os pequenos que realmente estou ali — que minhas intenções são verdadeiras e, no caso da pequena Nahal, parece funcionar. Permito que JaeHyun e Maggie, uma das minhas enfermeiras favoritas, sigam com ela quando tenho de fazer a escovação cirúrgica, um vidro enorme nos separando, e eu estico o meu pescoço para dar uma boa olhada em seus sinais vitais enquanto a anestesiam. Abaixo minha cabeça para a esponja que tiro da embalagem, acenando para a pia que começa a dispersar água de imediato. Estou me dirigindo ao sabão quando a porta atrás de mim se abre e reconheço o som insuportável dos sapatos de borracha obrigatórios no chão úmido.
— Então o Jin e a Seo, hein? — JaeBum inicia, me imitando mas mantendo duas pias de distância entre nós. Engulo em seco antes de apenas concordar, apertando meus lábios em um sorriso duro. Uso a esponja para molhar meus braços, a água fria sendo um alívio para minha pele que queima na sua presença. — Eu nunca teria imaginado, sabia? O Jin sempre tão certinho, com a SeoHyun... É loucura.
A primeira esfregada em meu braço é bruta, a pele ardendo logo depois. Repito por todo o contorno, o sabão apenas auxiliando no pinicar desconfortável.
— Foi ele que me contou sobre o seu programa pro bono. Recebeu a cesta de muffins que eu mandei para você? Tinha chocolate com amendoim, os seus favoritos. — ele adiciona em uma tentativa falha de me fazer falar, mas volto a mexer a cabeça sem ousar lhe olhar vez alguma. — É incrível. Incrível mesmo. Sempre soube que você era uma médica brilhante, mas filantropia é novidade. — uma pausa me permite respirar e passar para o outro braço. Im JaeBum fecha a sua torneira, cessando a risadinha sem graça. Ouço quando se aproxima. — Só que seria ainda mais incrível se você ousasse responder às minhas mensagens, e-mails ou até mesmo falar comigo agora.
O pedido é tão revoltante que sinto uma vontade súbita de rir, incrédula de que ele não tenha entendido o recado depois de quase dois anos. Repuxo meu lábio entre os dentes, me esforçando para manter o borbulhar feroz em meu peito o mais calmo possível. Esta não é a primeira vez que trabalhamos juntos desde o término, mas nas outras vezes tínhamos ora Hoseok ora SeokJin aqui para preencherem o silêncio desconfortável. Infelizmente, mesmo que vá operar Nahal, Jin está ocupado e apenas irá dar o ar da graça quando sua chance de atuar chegar. Jogo a esponja de uma mão para a outra antes de fechar minha torneira, olhando de soslaio para a figura de meu ex-noivo. JaeBum está curvado sobre sua pia da mesma maneira que estava um ano atrás, quando soluçou o seu erro minutos antes da cirurgia que mudaria a minha vida.
Mesmo depois de tanto tempo, me forço a admitir que JaeBum é um homem lindo. Com fios negros grossos e sempre assentados. Mandíbula proeminente e lábios bem desenhados. É com pesar que me lembro das noites que passei em claro quando decorei cada parte de seu corpo, memorizando cada curva e sinal com a ponta de meus dedos. Quando conhecia cada ponto de sua forma, cada músculo e nossas mãos se entrelaçavam acima de minha cabeça e eu permitia que ele se perdesse em mim. Aperto meus olhos com força, um suspiro pesado escapando meus lábios, pois vinte e quatro meses se assemelham a meras vinte e quatro horas e não consigo olhá-lo. Não consigo ver a pessoa que costumava amar.
JaeBum se tornou um estranho.
— Conversemos, então. — é um alívio quando minha voz não falha, agora que deixo a água voltar a escorrer e dou alguns pumps de sabão na esponja amarela e me dedico ao meu outro braço. Não tenho necessidade de lhe dar atenção para perceber o curvar de suas sobrancelhas. As mesmas sobrancelhas esperançosas que pingavam naquela noite. — A HeeJin gostou de Tóquio? — questiono da forma mais casual que consigo. Um grunhido estrangulado deixa a boca de meu ex-noivo, um arfar descrente e amargurado. O choque molhado e grudento de sua esponja caindo no chão reverbera pela salinha. — O que ela achou do hospital? O que achou da minha bolsa de pesquisa? — uma risada sôfrega me escapa, meus olhos se apertando para conter a raiva e punhos cerrando. — Ela está gostando de viver a minha vida?
— Meu bem, por favor... — JaeBum me pede, segurando meu braço.
Esfrego meus dedos e punhos, mesmo com ele me segurando.
— Ela está gostando de transar com você sem a sua noiva para atrapalhar?
Lanço a minha esponja na sua direção e JaeBum não se preocupa em manter a distância, sendo atingido em cheio no peito e, com sorte, encharcando o seu pijama cirúrgico. Fecho minha torneira, a água ficando quente para me avisar que já havia higienizado as mãos por tempo suficiente e assopro os fios rebeldes de cabelo que caem acima dos meus olhos e podem acabar sujando as lentes dos meus óculos. Quando o olho, suas pálpebras estão fechadas com força, como se a ideia de me olhar depois de tudo fosse impossível para ele e demais para a sua cabeça. Estou sorrindo agora, afinal, a sua cara de pau é inacreditável e eu faço o favor de lhe empurrar com o ombro ao me adiantar para o dispenser de papel-toalha.
— Sei que não vai acreditar, mas eu vou dizer do mesmo jeito: não importa como ou por que eu fiz, todo o amor no meu coração sempre foi seu.
O acesso de riso que solto corta o ar como uma tesoura afiada, tão alta que preciso jogar a cabeça para trás e controlar o volume, com medo de atrapalhar os outros na sala ao lado. Assinto ainda sorrindo, buscando seu rosto e as maçãs do rosto vermelhas, seus olhos brilhando com as mesmas lágrimas de crocodilo de dois anos atrás. Im JaeBum é patético, e eu me arrependo de não ter percebido isso antes. Como pude amar alguém tão idiota é uma pergunta fora de cogitação.
— Tudo bem, . Pode rir. Eu sei que isso vai soar estúpido, mas eu juro que não sabia o que estava fazendo. Por favor... — seus lábios tremulam. — Eu te amo, e estou arrependido pelo que fiz. Eu te amo, meu bem. — fecho os meus olhos, as palavras soando como zumbidos infelizes em meus ouvidos quando segura em meus ombros. Seu toque me enoja. — Não importa o que eu fizer, nada no mundo vai mudar isso. Dei para a HeeJin meu tempo e energia, mas não o meu amor. Eu sei que deve ser difícil acreditar que alguém que te ama faria isso, mas foi um erro. — assinto, cruzando meus braços, um sorriso mínimo em meu rosto quando seca uma lágrima traiçoeira.
É sádico, mas vê-lo tão triste me conforta.
— Eu estava atrás de uma aventura que vou pagar pelo resto da vida por ter embarcado e me arrependo de ter arrastado você comigo nisso, amor. As coisas podem ter mudado, mas eu vou fazer o que quiser por uma segunda chance.
— Eu não mereço alguém como você, Jae. — sussurro num som manhoso e forçado, atraindo a sua atenção, pois ele buscava desesperadamente uma resposta emotiva.
Sustento o seu olhar cheio de esperança e até imito o suspirar fundo e aliviado que o bastardo solta, mas acabo substituindo o meu por uma gargalhada explosiva. Cubro a minha boca, olhos apertados de tanto rir quando reparo no rubor violento em sua face e as mãos em punhos. Ele está puto pela minha atuação.
— Não mereço alguém que não sabe consertar o que fez. Não mereço alguém que só é bom em pedir desculpas, Jae. — jogo o papel no lixo, decidida a não o atingir com ele para não me pôr em problemas com o RH. — Queria poder te machucar tanto quanto você me machucou. Queria poder te atrasar tanto quanto você me atrasou. Não para te ferir, mas mostrar o quanto estou certa em te negar. — JaeBum corre as mãos molhadas pelo rosto, ignorando toda a higienização que fez.
— Amor, por favor...
— Cale a boca! — ordeno e interrompo sua nova tentativa, apontando meu dedo em sua cara. É impossível controlar a minha irritação. — Eu era a mulher que faria tudo por você. A única que escolheria você em vez de todos os caras do mundo. Mas você desistiu de mim, JaeBum. — assumir isso é doloroso, mas é minha única oportunidade e não posso me desfazer dela tão fácil. — E eu tenho todo o direito de desistir de você em troca. Um traidor nojento e irresponsável.
Quando abre a boca para dizer algo, faço o favor de elevar a minha voz.
— Foda-se a situação, foda-se o momento, foda-se o tesão! Isso não me importa! — ralho. — Ninguém merece botar a cabeça no travesseiro e se questionar se não foi o suficiente. Eu não mereci! — controlo meu tom quando me torno ciente de que curiosos podem estar nos ouvindo no corredor e que não deixarei minha voz falhar. Engulo em seco, sustentando a sua expressão igualmente irritada. — Eu sou genial, JaeBum. Fui a primeira da minha turma na faculdade. Bolsa integral por seis anos. Uma médica incrível e uma mulher melhor ainda. Tenho um pai maravilhoso que me ama e amigos incríveis. — sustento o meu ego no máximo. — E eu mereço muito mais do que um lixo de homem como você ao meu lado.
Sei que atingi um nervo quando meu ex-namorado chuta um cesto de lixo como nos velhos tempos. Paguei quase seis mil para o senhorio do nosso antigo apartamento pelos danos que ele causou chutando portas, quebrando janelas e quebrando o piso em seus acessos de raiva.
— Eu sou o lixo? — anos atrás o seu rugido me faria recuar, mas agora apenas me faz inflar o peito em desafio. — Eu sou o lixo porque você não tem o senso de me dar uma segunda chance? De entender que tudo o que eu fiz foi um erro? Que, se pudesse voltar no tempo, mudaria aquilo?
A cada passo ele se aproxima e eu avanço, pronta para revidar se ao menos pensar em erguer a mão para mim de novo.
— Você não tem coração, . — seus olhos se enchem de lágrimas forçadas. — Sabe para quantos hospitais eu poderia ter me inscrito? Quantas chances incríveis teria? Mas não: eu escolhi Tóquio por você! Escolhi conciliar o estudo de uma língua incrivelmente difícil por você; porque era o seu sonho, sua ingrata! — é a sua voz que falha e me satisfaz. — E você não pode me oferecer a porra de um cartão amarelo? Antes de me chamar de lixo e me xingar na frente dos seus amigos, mencione tudo o que fiz por você por cinco anos. Diga o quanto eu elogiava você. O apoio que te dava. Como lembrava de cada aniversário. De como recusei metade deste hospital por você!
— JaeBum, você fez o mínimo que qualquer namorado decente deveria fazer e não pode pensar que é um príncipe encantado por isso. — meu sorriso é a arma que uso, percebendo que isso o irrita ainda mais, sua orelha brilhando em um tom rosado por baixo da touca vermelha do Deadpool. — E isso não é sobre amor, Im. Nunca foi. É sobre você ser imaturo e infantil e não ter o mínimo de responsabilidade para manter um namoro. Eu não sou a sua mãe. Não é dever meu te moldar para ser um homem de verdade. E quer ouvir mais? — provoco. — Im JaeBum, eu desisti de você.
Eu esperei tanto para ter forças e poder fazer isso.
— Ninguém trai e diz que ama, pois consideraria o que ia fazer. Se pode trair, não é amor. — me recomponho da melhor forma que posso quando ouço o som alto e alarmado da voz de SeokJin no corredor, passos apressados de outros médicos e enfermeiros que deveriam estar na porta. JaeBum parece perceber o que acabou de acontecer. — E se você foi canalha para fazer isso uma vez, é porco o suficiente para fazer de novo. E eu vou estar aqui neste mesmo hospital, com o título de Chefe da Pediatria, com o melhor programa de tratamento pro bono do país e rindo de mais um relacionamento desastroso seu.
— Você nunca vai encontrar alguém como eu. — ele rosna ríspido para mim.
A porta se abre atrás de JaeBum e eu olho para o chão.
— É essa a ideia de um término, se me lembro bem. — Kim SeokJin diz ao adentrar a sala de higienização, a irritação suprimida em sua voz dura e muito distante do médico risonho que se senta em um barzinho comigo todo fim de plantão.
A sua presença e resposta ao ego de JaeBum o pega de surpresa e imediatamente a sua atenção é direcionada ao cirurgião mais velho. Jin o ignora e lança um olhar sério e ameaçador para mim, acenando para que o encontre do lado de fora. Solto um suspiro ao passar por JaeBum, ouvindo quando força alguma desculpa desconexa e Kim imediatamente pede que se cale.
— Se recomponha, Dr. Im. — abro a porta, ouvindo ainda mais agitação da staff que me aguarda do lado de fora. — Lave as mãos e comece o procedimento. Irei me juntar em breve.
Bato a porta com força atrás de mim, passando as mãos pelo rosto de forma exasperada e jogando minha touca no chão em seguida, consumida pela raiva do resultado de nossa briga. Como JaeBum, sucumbo ao ódio e dou um chute com força em um carrinho de emergência, o metal se chocando com os medicamentos e instrumentos dentro dele. Ser expulsa de uma sala de cirurgia é a coisa mais humilhante do mundo neste ponto da minha carreira. E então vem a vergonha, não de Jin ou do idiota do JaeBum, mas da pequena Nahal. Céus, como devo ir falar com ela agora? SeokJin provavelmente vai me expulsar do caso. Minha respiração se torna irregular e eu estou quase dando um tapa em uma das estantes com soro quando uma mão maior e mais forte me para.
— Já não acha que deu show o suficiente por hoje, Dra. Choi? — suspiro alto e puxo a minha mão devagar do aperto de Jin, mordendo a minha língua para não lhe dizer algo de que possa me arrepender mais tarde. Ele não está olhando para mim e sim para os funcionários que esvaziam o corredor com rapidez. Ótimo, agora preciso ouvir uma bronca. — O que diabos aconteceu contigo, ? — fico calada quando Jin cutuca meu braço sem carinho algum. Onde está o maldito RH? Meu chefe está me cutucando, isso deve ser ilegal em algum nível. — Você tem noção do papelão que pagou? Com todas aquelas enfermeiras te olhando através do vidro? Sabia que eu tive de ir verificar se a criança já estava apagada?
— O nome dela é Nahal.
— Nahal! — SeokJin ergue as mãos para o céu, ainda enfezado com minhas ações e displicência. — A pobre Nahal que não vai ter a assistência da pediatra dela durante a cirurgia porque os seus problemas com o seu ex não podem ser deixados de lado! — eu engulo em seco, entendendo que cada palavra sua é algo vindo do Chefe de Cirurgia, e não do meu amigo. — Sabe que tipo de médico discute na Esterilização? Médicos desleixados e que não dão a mínima para o paciente do outro lado do vidro. — Nahal se torna um peso absurdo em minha consciência e eu concordo com a cabeça. — Quando eu te conheci, você batia portas e discutia porque o JaeBum te deixava doida. E é terrível ver que ele ainda te deixa assim mesmo quando você deveria ser o pilar de calmaria em um centro cirúrgico.
Mantenho a cabeça baixa, meu peito apertado.
— Dentro deste hospital, a sua vida pessoal não é um problema meu, da minha equipe ou dos pacientes, Dra. Choi! Lá fora, a gente pode se sentar em um bar e eu juro que te pago quantas rodadas quiser. Mas aqui, no hospital, eu preciso que seja o mais profissional possível. — seu desapontamento soma-se à questão de Nahal. — Estou sendo claro?
— Sim, chefe. — minha voz é mínima quando Jin aponta para a minha touca no chão.
Apanho-a com cuidado e enfio no bolso do meu scrub.
— Por essa sua gracinha, você está suspensa do Quadro Cirúrgico por uma semana ou até quando eu estiver irritado pelo descuido que mostrou ao discutir tão perto de uma paciente.
Mordo minha língua, decidida a não piorar a situação. A primeira coisa que surge em minha mente são as cirurgias e outros procedimentos agendados para os próximos dias. Posso muito bem pedir a SeoHyun para amaciar SeokJin e conseguir que diminua minha pena, mas sei que estive errada desde o começo e decido deixar minha amiga fora dessa.
— E agora está de plantão na clínica começando por, deixe-me ver... — Jin ergue a manga do jaleco e finge olhar em um relógio imaginário. Bufo e aperto os olhos por sua expressão pensativa, tentando não acabar rindo, pois ele quebrou o personagem apenas para me fazer rir. — Olhe só! A partir de agora, você manda na clínica! — dois tapinhas em meu braço me fazem assentir derrotada. — As suas cirurgias vão ser transferidas para o Hoseok e o Jimin.
— Sim, Dr. Kim. — bato minhas palmas juntas de forma desanimada, dando um passo à frente e amaciando a ruga ligeira que surge entre suas sobrancelhas. — Me desculpe por causar problemas para o hospital. E lhe prometo que isso não vai se repetir. — dou de ombros, nem um pouco surpresa com a habilidade que JaeBum tem para me exaurir.
Lhe dou um joinha antes de sair de sua frente.

— Prontinho! — dou um sorriso ao massagear as bochechas do bebê. — Muito bem, bom menino!
Kang YoonSon estava aos prantos quando chegou à clínica e teve de cortar alguns pacientes pela necessidade de agilizar o seu atendimento. Os grandes olhinhos que agora piscam em deleite com minha massagem antes tinham um contorno avermelhado, os lábios tremendo, pois lhe falta um dentinho de leite (que está em um pacotinho que sua mãe segura). A história não foi tão inusitada assim: ele estava brincando com os amiguinhos em um pula-pula. Daí para frente, o resto do conto já estava óbvio no instante em que vi o desespero de sua mãe e o seu braço enfaixado de maneira desleixada, mas completamente compreensível por uma mãe em momento de desespero.
A risada de sua mãe e da Srta. Bae Irene ecoa no consultório, principalmente quando o garotinho estende o seu braço bom em minha direção, na intenção de que eu o pegue em meu colo. Nego seu pedido, assentando o cabelo no topo de sua cabecinha ao me abaixar à sua altura e explicar que não posso carregá-lo para não machucar ainda mais o seu bracinho, mas deixo claro que isso me dói o coração. Irene, uma das enfermeiras da pediatria, me entrega as requisições enquanto a mãe de YoonSon o ajuda a descer da maca e o coloca no colo ao se sentar diante de mim. O choque inicial parece ter passado; agora o garotinho apenas está fungando e com o nariz escorrendo ao esconder o rosto no pescoço da mãe.
— Bom, senhora Lee, o YoonSon parece ter fraturado o rádio, que é um dos ossos do braço. — explico devagar e com total atenção direcionada à mãe, que também já tinha permitido que algumas lágrimas caíssem durante o exame. — Por sorte, como a senhora disse que a altura foi curta, a fratura não foi exposta e não houve deslocamento. Então, o que imagino ter acontecido foi uma “rachadura”. Mas vou encaminhar vocês para um raio-x só para garantir.
Entrego minha requisição para a Srta. Irene, que já estava trocando a bolsa de gelo do paciente, que estava entretido demais com a beleza dela. Seguro um sorriso conhecedor ao me direcionar à mãe, que ainda mantém uma expressão arrependida e os lábios estão apertados com a culpa.
— Senhora Lee, crianças se machucam. — ponho minha mão sobre a sua, que estava na mesa, quando ela ergue os olhos para o teto a fim de conter as lágrimas. — Meninos ainda mais, e está tudo bem. É natural e eu ficaria surpresa se encontrasse uma criança que nunca quebrou osso algum. O YoonSon vai ficar bem e a senhora também, ok?
Lhe dou alguns segundos para se recompor e me levanto, agradecendo a Irene por ajudá-la. Meus saltos fazem barulho no assoalho de madeira quando me aproximo dos dois, minha mão sobre o ombro da mãe e a outra segurando o ursinho de pelúcia que havia caído da bolsa dela. Abro a porta e deixo que saiam primeiro, ouvindo o som baixo da conversa de outros pais de pacientes e as atendentes dos planos de saúde, assim como enfermeiras e médicos que entram e saem da clínica. YoonSon ainda me olha abismado quando o deixo sair e lhe entrego o seu ursinho, aninhando-o no braço bom.
A mãe também consegue exibir uma expressão mais calma para mim.
— YoonSon, agora essa enfermeira superbonita... — uma risada tímida escapa de Bae, ridicularizando meu elogio, e eu finjo estar ofendida apenas para arrancar uma risadinha do menino. — Essa enfermeira linda vai te acompanhar para tirarem uma foto do seu braço com uma câmera super grandona, tá? — seguro uma patinha do ursinho para lhe explicar. — Enquanto isso, quero que você pense em uma cor para o seu gesso. — percebo de imediato a animação em sua expressão. — Azul, verde como o Hulk, oh, tem também duas cores e você pode colocar vermelho e dourado como o Homem de Ferro... — exemplifico suas opções e ele concorda com a cabeça, um sorriso banguela pelo dente de leite que caiu. — Muito bem! Na volta, eu vou colocar um adesivo maneiro no seu gesso, prometo.
Após mais algumas especificações para a mãe e Irene, deixo que partam.
— Você quer que eu corte o pau do SeokJin fora? Eu corto por você.
Quase salto quando SeoHyun sussurra em meu ouvido e ergo minha mão para desferir-lhe um tapa por sua linguagem chula perto das crianças, mas ela desvia a tempo e se enfia detrás do balcão com um sorrisinho ladino e ironicamente compreensivo. Suspiro ao balançar a cabeça, não querendo arriscar que ela acabe destruindo o seu brinquedinho favorito. Seo abre uma garrafinha de café gelado e enfia outra no bolso de meu jaleco ao se sentar na cadeira de uma das atendentes. Não é surpresa alguma que ela já saiba sobre o incidente e que Jin tenha me botado para fora do caso, afinal, o hospital inteiro já deve saber.
Apanho uma das fichas de pacientes e me debruço sobre o balcão.
— Deixa o do Jin, sei que você gosta. — lhe mando língua e ela assente, descarada, bebendo um gole de café. — Agora, se você quiser fazer isso com o JaeBum...
SeoHyun solta um ronquinho, dando uma olhada no seu relógio. Lhe dou um sorriso ao passar a ficha para o próximo paciente.
— Jeon SeoJun? — leio o nome no automático, levando alguns segundos para registrar o nome e ligá-lo ao paciente em si.
Ergo a cabeça então, escaneando a sala de espera com rigidez até encontrar as figuras conhecidas em um canto distante, e não consigo suprimir um sorriso ao observar a plateia que observava meus vizinhos. Até mesmo Seo ergue a cabeça, dando uma bela olhada até encontrar o ponto da atenção coletiva. Praticamente todas as mulheres da sala estão focadas nos dois e não há motivações suficientes para fazer o contrário, devo admitir. Jeon JeongGuk, meu vizinho que há alguns dias atrás havia me acordado no meio da noite com seu filho no colo e o desespero evidente, aposentou a calça surrada e a camisa com mancha de leite, sua aparência nova sendo o suficiente para atrair a atenção de todos aqui. Bom, todos menos o único homem que acompanha a esposa e o filho, que apenas revira os olhos para Jeon.
JeongGuk segura o filho com o braço que está livre, o outro acomodando uma bolsa-maternidade (ou paternidade) e passa uma tira longa da mochila por seu ombro, uma mamadeira colorida que se distingue da cor principal do couro negro da bolsa me chamando a atenção. É uma cena cômica e destoante de todos os outros pais e pacientes no local, as roupas escuras e em camadas com um toque final de um casaco enorme de JeongGuk não combinando com as paredes creme e amarelas, ou as mães com vestidos floridos e criancinhas com roupas coloridas. Até mesmo a estatura e os ombros largos o destoam, pairando como uma montanha em meio a castelinhos, carrinhos e blocos de letras. Ele passa a mão pelos longos fios negros antes de colocar um boné e caminhar até mim no balcão, tudo isso com uma criaturinha animada em seus braços.
Até mesmo o pequeno SeoJun se difere das outras crianças que já atendi hoje, os fios negros apontando em todas as direções, pois o cabelo não parece ser tão comportado como o de seu pai e esse detalhe o torna ainda mais adorável. Com um hoodie branco, calças pretas folgadas para acomodar o bumbum rechonchudo da fralda e meinhas pretas, ele se assemelha a um mini-me de seu pai. A criança parece me reconhecer, os enormes olhos se alargando ainda mais e as bochechinhas se erguendo e assumindo um tom rosado. Seu pai até mesmo precisa firmar o braço ao seu redor quando as mãozinhas se esticam para mim como todas as outras crianças do mundo, mas meu desejo de segurar as suas é ainda mais forte.
— Ei, lindinho! — aceno com ambas as mãos para o bebê, percebendo quando JeongGuk ergue a sobrancelha e balança SeoJun, atiçando ainda mais a animação do filho que surpreendentemente não se esqueceu de mim após alguns dias. Quando estão perto o suficiente, ouço um assobio que SeoHyun solta e me controlo para não revirar os olhos. — Que bom que você veio, SeoJun! — quando estão perto, JeongGuk maneia a cabeça para mim em um sinal de respeito, lábios rosados curvados em um sorriso e o piercing em sua boca brilhando com a iluminação hospitalar. É a minha vez de cumprimentá-lo e retribuo o sorriso, mantendo meus olhos nos seus. — Sr. Jeon, é um prazer vê-lo quando não está batendo na minha porta às duas da manhã.
Recolho a ficha sob o balcão quando ouço o risinho de Seo e entro na sala.
— Boa tarde para você também, doutora. E eu me lembro de dizer que pode me chamar de JeongGuk. — sua voz não se assemelha à que ouvi quando nos conhecemos, algumas possíveis noites de sono fazendo maravilhas para suas cordas vocais que revelam um timbre harmonioso. Seguro a porta para auxiliar o tatuador, a mochila grandona e com dois bolsos para mamadeiras e copinhos de água parecendo pesada demais para mim, mesmo que ele consiga carregar sem muita dificuldade. — Eu até pensei em marcar para outro dia, mas... Bem, achei que era melhor esperar até que estivesse na clínica. — estreito meus olhos ao fechar a porta atrás de mim. — Ia agendar, mas a moça disse que você estava aqui hoje, então...
Aponto para a cadeira na sua frente, ansiosa para ver a sua figura massiva na cadeira delicada.
— Então ligou, soube que eu estava aqui, e decidiu vir na mesma hora? Que lisonjeiro, JeongGuk. — provoco com uma coragem desconhecida, me dirigindo à cadeira confortável de meu consultório e um sorriso surgindo em meu rosto quando SeoJun solta um gritinho agudo e balbucia algo para nós, o rosto torcido em animação.
Suas emoções são cômicas quando comparadas às que mantinha na última vez que o vi. Ele está balançando as mãos quando seu pai me olha de maneira instigante, a sobrancelha erguida até se esconder na sombra do boné, os lábios se curvando em um sorrisinho que repuxa algo em meu estômago, ainda que suas bochechas brilhem com o sangue debaixo da pele pela vergonha. Acredito ser melhor me atentar ao bebê.
— SeoJun, você ficou muito mais animado depois de uma refeição, não foi? — o som da minha voz atiça outra reação igualmente animada. Ele é adorável! — Bom, como ele está? Está comendo bem? Você tem regulado a rotina de substituições? — me mantenho o mais profissional possível.
JeongGuk acena com a cabeça de imediato, parecendo ter despertado e entrado na sua persona de pai.
— Sim, sim. — confirma ao se arrumar na poltrona clarinha e deixar a mochila ao seu lado, corpo curvando-se sobre o do filho de maneira desengonçada e o pobrezinho aperta os olhos até que possa se esticar de novo. JeongGuk afasta o cabelo do rosto do bebê ao se concentrar em mim. — Eu fiz até esse purê. De carne com abobrinha. — é com certo esforço que mantenho minha expressão neutra, sendo quase impossível para mim relacionar uma receita assim a um homem todo de preto e com tatuagens ao redor de seu pescoço. — E ele comeu. Depois, à noite, eu dei o leite e ele ficou na paz também.
— Isso é bom. A ideia mesmo é intercalar para ele se acostumar. — autorizei a entrada de uma técnica de enfermagem quando bateu na minha porta e me pus de pé, acenando para que JeongGuk me imite. É Yeri quem entra e traz a nova balança consigo, a deixando no meio do consultório. — Você pode trazê-lo aqui? Eu tenho que fazer o gráfico de crescimento com altura e peso. Aí vai poder ver em que nível de desenvolvimento ele está.
Jeon traz o filho consigo ao se aproximar da balança que também mede a altura do bebê. Ele estica as perninhas curvadas e mecânicas do pequeno para que fique de pé, ainda que parcialmente auxiliado por ele. Enquanto dou risada dos pezinhos minúsculos e que não param de sapatear no metal, o cheiro do perfume dos dois se mistura, a lavanda da colônia de SeoJun e o cheiro forte e reconhecível do perfume que o pai usa. Uma tala alta pousa na cabecinha de SeoJun enquanto me abaixo para estar próxima à sua altura e toco em seu queixo para o alinhar corretamente. Dou um pulinho para o lado quando o maior me imita e seu joelho quente toca na pele nua de minha perna, logo abaixo de minha saia. Após algumas idas e vindas com o bebê mais alegre do mundo, o resultado surge.
— Olha só... — divago ao reler sua altura, ainda um pouco surpresa.
A criança imediatamente está em seus braços quando Jeon se levanta.
— Ruim? — sua voz soa quebrada e eu me apresso em recompor-me, ficando de pé com a mesma agilidade dele. Quando busco seu rosto, me surpreendo pelo curvar frustrado de suas sobrancelhas e as singelas rugas entre elas, assim como a expressão dura. — Disse na semana passada que ele estava abaixo do peso, mas não esperava que fosse tanto…
— Não, não! — solto uma risada nervosa, pela primeira vez me sentindo uma tonta por reagir mal às informações da balança. Não parece nada com a médica que acalmou uma mãe cinco minutos atrás, minha mente informa. De imediato, a face de JeongGuk relaxa e o pressionar insistente do garotinho em seu peito também. — É bom!
Sento na cadeira, puxando o livro onde há um gráfico de desenvolvimento infantil.
— Regular na questão do peso, porém bom e saudável. — a poltrona range quando o pai se senta nela ainda esbaforido, o móvel protestando contra o tamanho alheio. Dou uma boa análise nos dados e projeto a escala de SeoJun em uma ficha em branco, esta que irá conter todo o seu histórico médico. Fico satisfeita com os resultados. — Aqui está. — o artista se aproxima da mesa com desenhos debaixo do vidro do tampo, ainda extremamente concentrado. Aponto para o resultado. — O SeoJun está na escala dos 89% populacional no peso, 92% na circunferência da cabeça que vocês mediram lá fora e na 64% da altura.
— Ele espichou, não é? — questiona retoricamente após um tempo, os olhos também grandes como os do bebê buscando minha confirmação. Assinto, agora olhando para o menor e suas mãozinhas agitadas que se fecham e abrem contra minha mesa, tentando pegar os desenhos coloridos. — Mas e o peso? Tem algo relacionado? — me forço a lembrar de dar um adesivo de arco-íris para o garotinho depois.
— Sim, e isso é ótimo: significa que ele vai ficar alto, talvez até mais alto que você. — Jeon encosta a coluna na cadeira, lançando um olhar cúmplice para o filho que não entende bulhufas do que falamos, mas dá um sorrisinho assim que o pai começa a tremer sua perna e ele se balança na coxa alheia. — E como ele está crescendo rápido, o corpo está gastando energia na mesma proporção, então por isso queima calorias mais rápido e o peso decai. — explico ao remover o esteto do pescoço e me pôr de pé mais uma vez, sendo acompanhada por Jeon até a maca. — Vou receitar uma fórmula de leite artificial reforçada, e você pode continuar com a alimentação sólida. Mas vou te encaminhar para uma nutricionista para guiar as quantidades.
Quando dou o diafragma do aparelho para SeoJun, seus dedinhos se fecham ao redor do objeto.
— Viu isso?
Questiono quando SeoJun balança o objeto, ainda que eu o segure na outra ponta. JeongGuk se curva mais para perto, ainda sem entender do que estou falando, e eu solto uma risada, chamando a atenção dos dois para mim, e eu quero bater com o dedo mindinho na quina de um móvel para ver se meu coração se acomoda novamente. Ainda assim, estou olhando para seus olhos escuros quando continuo.
— O aperto é seguro e ele demonstra interesse em um objeto desconhecido. Um bebê que está se desenvolvendo devagar não faz esse tipo de coisa. — conforto-o, agora acendendo a mini-lanterna de minha caneta. — Vou testar a visão, ok?
Enquanto balanço a luz de um lado para o outro em frente a seus olhos, sinto quando SeoJun larga meu esteto e logo a mão do bebê se fecha ao redor dos meus dedos.
— Ei, SeoJun, você está ficando bem forte também, não é? — indago ao passar essa mão ao redor de seu corpo e o manter apoiado, aproveitando sua distração. — JeongGuk, vou erguer a roupinha dele, tudo bem? — questiono a pergunta obrigatória, recebendo a confirmação imediata.
A presença dele ao meu lado é intensa enquanto serpenteia o braço por baixo do meu, puxando as mangas do bebê para baixo a fim de facilitar a tarefa. Removo o capuz, sorrindo com o som agradável que SeoJun emite e os tufos de cabelo desgrenhado que surgem. Estou apoiando SeoJun quando JeongGuk tira o hoodie do filho, ainda se atrapalhando na cabeça do bebê que começa a choramingar quando o tecido fica preso em suas orelhas, e eu preciso desviar o rosto para que ambos não percebam o sorriso enorme que toma conta de mim. Só percebo que meu vizinho também está rindo quando pede que o filho se acalme e sua voz ondula com uma risada.
— Te juro que isso sempre acontece... — JeongGuk inclina a cabeça como uma criancinha cansada de rir tanto, o som soando agradável e verdadeiro mesmo que o garotinho esteja com o lábio inferior tremendo assim que a peça de roupa sai. — Ele é muito cabeçudinho, eu não sei o que fazer. — já estou gargalhando e abaixo minha cabeça na maca quando ele adiciona: — Meu melhor amigo chama ele de Cabeça de BigBig.
— Desculpa, eu não devia estar rindo... — confesso ao colocar o esteto em meu ouvido e respirar fundo, apenas para rir ainda mais do olhar perdido do bebezinho que batuca sua barriguinha com as mãos gorduchas. — BigBig é cruel. — abano meu rosto a tempo de ver o sorriso branquíssimo e radiante de JeongGuk quando ele morde o lábio e bagunça o cabelo do filho, que lança um beicinho pidão. — Oh, céus...
Quando as risadas param e o calor tímido em minhas bochechas some, consigo iniciar e finalizar o exame, satisfeita por eles estarem perfeitos e SeoJun estar saudável. Me desconcentro e preciso repetir algumas vezes, minha mente indo para Nahal em uma mesa de cirurgia com JaeBum e Jin, a possibilidade de algo dar errado me deixando preocupada. Empurro esse pensamento para longe ao ajudar JeongGuk a vestir SeoJun de novo e só então percebo que sua mão ainda agarra meus dedos com força e a outra, com patinhas do casaco, se estica em minha direção. Troco um olhar rápido e confuso com seu pai, que mantém um meio-sorriso estampado no rosto com a interação e me olha antes de se voltar ao filho.
— Junnie, se você quer que alguém te carregue, tem que pedir “por favor”.
Estou decidida a não soltá-lo jamais quando o bebê, apoiando-se no pai, coloca uma mãozinha sobre a outra e solta outro “bababada” para mim, os olhinhos piscando como se não houvesse amanhã. Suspiro alto para tentar disfarçar minha cara de abobada, mas falho miseravelmente, o tomando em meu colo, pois não poderia dizer não, ainda que isso seja explícito no manual da minha profissão como “não profissional”. Com um sopro baixo, o rosto de SeoJun se encaixa em meu ombro, e eu dou uma risadinha ao acariciar suas costas. É bem diferente segurá-lo em meus braços com seu pai presente, mas confortante quando parece reconhecer o calor do meu corpo. Seus dedos cutucam o broche do Capitão América em meu jaleco.
— Hum... — aperto os lábios quando JeongGuk também desvia o rosto, o brilho nos pontos altos de sua face evidenciando o entretenimento com a situação. Penso por meio segundo no que deveria estar fazendo. — Ok, bem, o SeoJun está com o coração ótimo e os pulmões também, mas como estamos na primavera, precisa ficar atento aos sinais de alergia a pólen. É bom que mantenha um nebulizador em casa também, aí é só colocar uns quinze mililitros de soro e deixá-lo usar até que termine, Jeon.
— Jeon? — o homem indaga em falsa afronta, a diversão clara em sua voz.
— Disse que “senhor” era proibido, não o seu sobrenome em si. — retruco ao manter o carinho nas costas de seu filho ao voltarmos para minha mesa, logo me sentando devagar para não assustar o bebê cujo braço está em meu pescoço. — De volta a você, mocinho. — cutuco a lateral do corpo do neném, franzindo meu nariz quando ele se remexe em meu colo. — Você está muito, muito bem. — olho para Jeon como uma garantia da veracidade de minhas palavras, jamais inclinada a mentir para pai algum sobre o estado de saúde de seu filho.
Mesmo quando quero agradar um pai cujos olhos me observam como uma divindade encarnada e um filho que gira os cachos do meu cabelo nos dedinhos.
— Ele está ótimo, de verdade. O crescimento acelerado, mas saudável. E pela fralda que troquei na semana anterior, o cocô também está ó! — faço um sinal de joinha para o homem, que abaixa a cabeça para rir. Claro. Todos amam falar sobre o cocô dos filhos.
— Qual é a do cocô e por que todo mundo me diz para me atentar nisso?
Encosto minha cabeça na de SeoJun quando ele tateia meu ombro.
— É um assunto muito importante, tá? — dou um tapinha no bumbum do bebê, sentindo a fralda macia por baixo. JeongGuk presta atenção, mesmo sorrindo. — Se ele tiver uma diarreia, por exemplo, você tem que entrar com líquidos, sabe? Dar bastante água para ele e frutas como melancia, mas nada de suco. Pode ser uma infecção, uma alergia e, se ele ficar com febre, tem que correr para o hospital. — seu sorriso diminui e se torna a mesma careta de concentração de antes, lábios apertados e olhos cerrados. Que calor é esse? Eu estou falando de cocô, pelo amor de Deus... — Verde é infecção, branco também, mucosa também... São muitas variáveis. Mas o ideal é sempre prestar atenção e ir com o instinto, entende? Dois dias de cocô verde não é legal.
Ainda com seu filho calminho em meus braços, termino a ficha e envio para o sistema do hospital, requisitando exames de sangue, fezes e urina, que faço questão de explicar nos detalhes para o vizinho curioso, assim como faço a receita da fórmula fortificada com ferro e vitaminas, ainda mais necessária quando me lembro da questão de sua mãe. Meu celular toca no meio de minhas explicações, porém o ignoro, ainda dedicada ao meu paciente que não parece nem pronto para me soltar. Quando está tudo feito, me encosto na cadeira, observando o jovem pai puxar uma pasta desorganizada e cheia de papéis para enfiar tudo que lhe entreguei. Acomodo o pequeno em meu colo quando ele termina e observo seu entretenimento direcionado ao meu broche.
— Bom, se vocês não tiverem mais pergunta nenhuma, estamos terminados por hoje.
Estou afastando o cabelo da testa do bebê quando ele se pronuncia:
— Só mais uma pergunta. — lhe ofereço minha atenção, nem ligando quando um dedinho delicado replica o formato do meu cabelo em retorno. Jeon pressiona a língua contra a bochecha, mãos tatuadas cruzadas no espaço entre seus joelhos separados. — Seria muito antiprofissional se eu te chamasse para ir jantar comigo?
Afasto meus lábios, surpresa pela franqueza de sua pergunta, sentindo um aquecer se iniciar em meu peito e escalar para minhas maçãs do rosto e orelhas. Kim SeokJin surge em minha mente, junto com o carinha chato do RH do seu lado. Minha reação “sem ação” parece apenas intensificar a coragem de JeongGuk, que aperta os lábios em um sorrisinho pretensioso.
— Conosco, na verdade. — adiciona ao acenar com o queixo para o filho e a mochila ao seu lado. — Tem uma mamadeira pronta só esperando por ele.
Abaixo o rosto e dou outro tapinha gentil no bumbum de seu filho.
— Sinto muito, Sr. Jeon; seria extremamente antiprofissional ir jantar com o pai de um paciente. — mesmo que sinta um desconforto ao lhe negar algo que parece também tão convidativo para mim, sou obrigada a dizer não. — E o RH, mais conhecido como Namorado da Minha Amiga, vai me comer viva se descobrir.
Estou ainda mais surpresa quando sua expressão não se altera.
— Isso significa que eu não posso chamar a Dra. Choi para um jantar inocente com o meu filho; mas posso chamar a minha vizinha, uma mulher bonita do meu andar, para comer comida chinesa? — o seu senso de humor é inesperado e eu troco um olhar com o inocente bebê, tentando amenizar o calor e o embaraço que acompanha sua esperteza e o elogio. SeoJun encosta a cabeça em meu ombro enquanto me ponho de pé, balançando a cabeça, ainda que um sorriso sem graça e quase tão sacana quanto o de seu pai ilumine minha face. — Juro que sem compromisso nenhum e ainda dou dois biscoitinhos da sorte pra você.
— Uau, dois?
Finjo estar maravilhada com um quê explícito de ironia e isso lhe arranca uma risada gostosa, substituindo toda a sua expressão de pretensão e patifaria até que seus olhos estivessem sumindo pela largura de seu sorriso. Jeon se põe de pé e isso chama a atenção de SeoJun, que aperta os bracinhos em meu pescoço, o rosto voltando para a curva do meu ombro.
— Falando sério, você salvou a minha vida no outro dia. — seu tom está agradável e gentil de novo quando coloca a mochila do filho nos ombros. Evito me atentar muito para as formas e curvaturas extensas das tatuagens em seus braços quando ele ergue as mangas do casaco. — Pagar um jantar pra você é o mínimo que eu posso fazer. — afirma com seriedade, sem muita brincadeira em sua voz. — Sem compromisso, de verdade. Eu compro um jantar decente pra você e tento te convencer a ir a um encontro comigo no meio tempo, que tal?
— Jesus… — balanço a cabeça quando ele ondula as sobrancelhas com humor no final do pedido, sua personalidade saltando ainda mais agora quando não está desesperado no meio da noite.
Aperto o bebê em meus braços, passando a mão em seu cabelo de novo.
— Um jantar. E é só! Você não precisa me agradecer por ajudar alguém em claro desespero e o bebê mais adorável do mundo. — ergo um dedo para apontar em seu rosto, meus olhos apertados quando ele ergue as mãos em rendição, disposto a aceitar minhas condições. — E eu não vou comer um yakisoba vegetariano ou qualquer coisa sem gordura que não vá entupir as minhas artérias; eu estava tendo um sonho muito bom quando você me acordou semana passada, Jeon.
Seu sorriso é amigável, agradecido e também com um pingo de malícia saudável.
— Sim, doutora. Felizmente você trabalha em um hospital que deve ter cardiologistas à disposição. — ele aceita sem mais delongas e eu aponto para a porta, me adiantando, assim como ele, e com o seu filho agarrado a mim como um bebê coala por todo o percurso.
Jeon espera até que eu abra a porta para poder pegar SeoJun, suas mãos debaixo das axilas do neném, que me segura com mais força, mesmo que eu esteja apenas lhe apoiando. A expressão de JeongGuk se transforma em muitas no meio tempo antes de virar em um sorrisinho tímido que combina tão bem quanto a careta pretensiosa que ele sustentava ao me convidar para jantar. “Ah, Jun…” sussurra ao dar uma bela olhada ao nosso redor e às pessoas que nos olham do lado de fora.
— Jun? — chamo e sinto quando a cabeça do bebê se ergue, sempre atento quando seu nome é chamado. Me inclino um pouco para frente e ele solta minha nuca, os olhos brilhando com lágrimas debaixo do cabelo longo e um beicinho formado, aparentemente já entendendo o que está acontecendo. — Ei, bonitinho...
Faço o favor de sorrir ao lhe erguer por baixo dos braços, o afastando de mim o mais devagar que posso até seu pai entender o que faço e nossas mãos esbarrarem quando as suas substituem as minhas. A temperatura elevada e seus dedos longos me distraem por meio segundo, e eu não estou preparada quando um pranto alto escapa de um SeoJun contrariado. JeongGuk aperta os olhos e faz uma careta pela reação do filho, o segurando sentadinho na minha direção quando o pequeno joga a cabeça para trás e chora um pouco mais.
Já segurei muitos bebês nesta vida e dúzias já choraram quando os entreguei para outras pessoas, mas não para os pais e nem com tanta intensidade. Um breve olhar assustado para seu pai me garante que isso também é novidade para ele. Estou a cem por hora tentando imaginar o que fazer quando percebo os seus dedinhos distraidamente tentando alcançar algo especial no meu jaleco, e eu nem penso duas vezes antes de correr para remover o broche de escudo, mesmo com a negação de JeongGuk, que tenta acalmar o filho com os mesmos pulinhos de sempre.
— Você pode me devolver depois, Jeon! — repreendo, as lágrimas grossas que escorrem pelas bochechas redondas de SeoJun me afetando de forma inesperada e apertando meu peito. — Jun! Olhe só! — chamo a atenção do menor de novo, sorrindo para disfarçar quando seu pai pressiona um beijo em sua cabeça e eu me aproximo ainda mais dos dois, trocando um pedido e confirmação silenciosa com o maior ao puxar uma das alças da mochila de fraldas e enfiar o broche ali, segurando-o com a borrachinha atrás. — Viu? O seu papai também tem um broche do Capitão América! — aponto, segurando sua mão gordinha que agarra meu dedão e a levando para o pin que tanto tinha gostado.
— Desculpa por isso. — é o tatuador que pede baixinho quando o acesso de choro se resume a fungadas profundas e um bico enorme vindo de SeoJun, este ocupado demais em traçar a textura do metal com a ponta do dedo indicador. A imediata calmaria após a tempestade me faz rir, e eu me permito esquecer da plateia que nos observa. — Mas, sabe o que isso significa? — uma ruga se forma em minha testa quando Jeon sorri com carisma, acomodando a criaturinha melhor em seus braços. — Outro jantar! Sushi, o que acha?
Seu senso de humor é revoltante.
— Até breve, Sr. Jeon. — resmungo com um revirar de olhos dramático, o tipo de coisa que jamais faria para outro pai de paciente, mas que agora parece adequado para meu vizinho insistente e engraçado e, santo Deus, atraente demais para o bem de minha sanidade. Jeon está sorrindo ladino quando se curva em respeito outra vez e, ignorando sua patifaria, aceno com um sorriso enorme para SeoJun, que encostou a cabeça no ombro do maior, agarrando o casaco do pai com uma mão e meu broche com a outra. — Tchau, tchau, SeoJun! — ainda fungando, ele sorri para mim, um dentinho minúsculo à beira de seu lábio inferior. Como se estivesse envergonhado, o garotinho esconde o rosto nas roupas de JeongGuk, que caminha de costas para manter os olhos cintilantes em mim no caminho para fora da clínica.
— Tchauzinho, Doutora Gatinha!
Me esforço para manter a seriedade, mas falho antes mesmo que eles entrem no elevador.
Continua...
Nota da autora: DEPOIS DE QUATRO ANOS, ALL I WANT VOLTA PRO MUNDO!
Oiê, tudo bom? Sou a autora dramática KKKKKK
All I Want é uma fic relativamente antiga e eu estou lentamente revisando e readequando ela, mas estou muito feliz em compartilhá-la novamente. Espero que tenham curtido a leitura. Obrigada por escolhê-la.
Não esqueçam de comentar e me procurar no meu inta (@autoraelis) <3
Oiê, tudo bom? Sou a autora dramática KKKKKK
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