Codificada por: Cleópatra
Finalizada em: 31/10/2024As gotículas se acumulavam em sua testa e escorriam pela lateral de seu rosto, enquanto a camiseta que ele vestia grudava em seu corpo, o que lhe trazia uma sensação de tremendo desconforto. Por que ele insistia mesmo em vestir aquilo para dormir? Dadas as circunstâncias, o melhor seria dormir apenas de boxer, ou até mesmo nu, já que morava sozinho e não tinha que se preocupar com possíveis constrangimentos, porém não conseguia, não com a temperatura fria proveniente do inverno de Boston. Sua casa era aquecida, como a maioria das residências da cidade, porém não a ponto de lhe proporcionar noites de sono onde poderia ficar da mesma forma que veio ao mundo.
Bufou de forma irritada, se sentou na cama e arrancou a peça para então atirá-la em um canto qualquer de seu quarto. Em seguida, suas mãos se direcionaram ao seu rosto e ele esfregou os olhos, levando o que lhe restara de seu sono. Bufou novamente, enquanto uma onda de palavrões era proferida em sua mente.
Aquela era a quarta vez que aquilo acontecia naquela semana. A quarta vez que seu corpo o despertou em estado de alerta, como se o perigo estivesse a um palmo de distância. E enquanto ele estava ali, vulnerável, porém certo de que nada lhe atingiria como em seus pesadelos, a adrenalina voltou a acelerar seus batimentos cardíacos.
Ergueu a cabeça de súbito e olhou ao seu redor de maneira assustada, enquanto uma sensação terrível de que estava sendo observado dominou cada partícula de seu corpo.
Um nó se formou em sua garganta e o impediu de proferir uma palavra que fosse, suas mãos voltaram a tremer, enquanto ele as travava ao lado do corpo, a impotência o dominando de uma maneira que nunca sentida antes.
A falta de oxigênio gritou, porque ele prendia a própria respiração, e durante aqueles terríveis e incontáveis segundos era como se tivesse esquecido como se fazia aquilo.
Apavorado, focou seu olhar em um ponto fixo e lutou contra o impulso de gritar, porém, novamente, parecia estar sozinho. No entanto, quando a normalidade aparente do ambiente lhe deu um vestígio de esperança de que estivesse apenas sendo paranoico, ouviu, de forma clara e muito vívida, o ranger sonoro da porta de seu quarto.
Não costumava fechá-la por completo, afinal, morava sozinho há cerca de dois anos, quando havia se mudado para a cidade a trabalho, e o bairro onde residia era conhecido justamente como um dos mais seguros da região. Sendo assim, ele não se preocupava mesmo em dormir daquela forma, não havia necessidade. Pelo menos não até aquele momento.
Seus olhos foram de imediato em direção à porta e, por breves segundos, seus batimentos aceleraram ainda mais, porque ele podia jurar que havia visto um vulto se esconder na soleira da porta.
— Porra! — Sua voz soou rouca e perturbada, enquanto novamente ele permaneceu congelado em seu lugar, paralisado pelo susto.
Balançou a cabeça em negação, se sentindo extremamente patético. Um homem daquele tamanho, agindo como uma criança com medo do bicho papão… era sério aquilo?
bufou novamente e desviou o olhar, esfregando os olhos outra vez ao se recuperar da paralisia. Virou-se para pegar o copo com água que costumava deixar no bidê ao lado da cama e, antes que pudesse tocar o objeto, dessa vez, viu claramente a porta de seu quarto se mover, enquanto mais um rangido ecoava pelo ambiente.
Num movimento rápido e corajoso, colocou os pés para fora da cama e se levantou. Caminhou em direção àquela porta, que quase havia se fechado, e, quando a alcançou, suas pernas ficaram bambas ao perceber que algo havia se afastado rapidamente, era o mesmo vulto de antes, e dessa vez se moveu tão subitamente que a única coisa que pôde registrar foram os fios ruivos.
Ele os reconheceu de imediato. Nem se mil anos passassem, esqueceria do tom natural e vívido, muito próximo ao tom escarlate do sangue humano, muito menos de como aqueles cabelos caíam em cascata, num ondular perfeito, balançando de forma quase delicada com os movimentos.
Apressou seus passos a fim de identificar quem quer que fosse, porque ele não podia acreditar no que seus olhos haviam o mostrado. Não era possível que fosse ela. Só podia estar ficando maluco.
Seu coração batia num ritmo tão desenfreado que era possível ouvir cada um de seus batimentos. O peito subia e descia de forma desesperada, enquanto seguia pelo corredor e buscava dentro de si a certeza quase inexistente de que ele estava sozinho e tudo não passava de uma ilusão de sua mente traiçoeira.
então fraquejou, seu corpo desfaleceu e, em questão de segundos, estava estirado no meio da sala.
Parada diante dele, com um belo sorriso e as maçãs do rosto avermelhadas pela pequena correria, estava .
A doce e pequena .
Ela não havia mudado nada desde a última vez em que havia lhe visto. Seja cabelos estavam divididos ao meio e caídos por seus ombros, os olhos sem maquiagem alguma, destacando o tom amendoado, enquanto os lábios, por sua vez, estavam preenchidos por um batom vinho escuro. A garota vestia um longo e transparente vestido branco, com um tecido tão fino que dava a impressão de que um simples movimento do vento lhe rasgaria, enquanto seus pés estavam descalços e sujos, como se tivesse corrido na lama, porém observou que a substância em seus pés parecia mais pegajosa, num tom ferroso que ele, com repulsa e espanto, concluiu que era o de sangue.
Sentiu uma dor excruciante no joelho direito. Com a queda, havia batido com toda força no chão e, na tentativa de amenizar o impacto, colocou suas mãos na frente do peito, resultando numa torção em um dos pulsos que ele não teve tempo, muito menos cabeça, para identificar qual era, pois a voz de soou melodiosa, como há tempos não tinha o prazer de ouvir.
— Por que o espanto, ? Achei que ficaria feliz em me ver novamente. — O tom era manhoso e deixou um biquinho moldar seus lábios.
hesitou. Não sabia o quanto aquilo era real, e, no mais profundo de seu ser, desejava que não fosse, mas algo na risada infantil que ecoou dos lábios dela lhe deu a certeza de que era ainda mais real do que ele imaginava.
— Não pode ser — gaguejou com teimosia.
— Ah, mas é claro que pode, meu amor! O que haveria de errado em uma garota apaixonada querer ficar perto de seu amor? — sorriu para ele de forma doce e misteriosa ao mesmo tempo.
— Eu... Você não é real, ! Não pode ser! Você... Eu só posso estar tendo um pesadelo. É a única explicação!
continuou rindo, enquanto rodeava o rapaz caído no chão e saltitava como se fosse uma menininha de cinco anos. Os pés ensanguentados quase tocavam o rosto de e ele franziu o nariz, ao tentar se forçar a fechar os olhos para que todo aquele pesadelo fosse embora, mas não ia, e a perspectiva da realidade socava seu estômago com violência, forçava o odor metálico contra suas narinas e sapateava em seu pavor.
— Pare com isso! Saia da minha cabeça, você não é real! — gritou, enquanto forçava suas pálpebras a se fecharem, prendendo a respiração.
O quão ridículo ele pareceria se começasse a entoar alguma oração? Bem, não importava, era de sua sanidade e — por que não — de sua vida que estávamos falando.
Deixou de lado tudo que um dia jurou não acreditar e começou a entoar, fazendo coro à risada melodiosa de .
— Santo anjo do Senhor...
o olhou com curiosidade, então passou a cantar no mesmo ritmo de sua risada.
— La lala lala lala...
— Meu zeloso e guardador...
— La lala lala lala...
— Se a ti me confiou a piedade divina...
gargalhou novamente, então se retesou quando sentiu a respiração quente da garota em seu pescoço.
— Sempre me rege... Me guarde... Me... Me ilumine...
Ele sentiu os dentes envolverem sua orelha esquerda e, antes que pudesse entoar mais alguma coisa, sentiu sua carne ser rasgada quando esta foi puxada com violência. A dor absurda o deixou quase tonto.
não conseguiu gritar, porém arregalou os olhos de forma chocada e encontrou a expressão maníaca no rosto de quando ela cuspiu a orelha dele no chão à sua frente e voltou a lhe encarar com os olhos escurecidos e a boca ensanguentada.
— Ainda acha que não é real, meu amor? — Ela soou doce.
— ... Não. — A voz do rapaz estava enfraquecida, enquanto os olhos do rapaz marejavam.
— Me diga, , por que isso não seria real?
— Não...
— Diga, ! — ela gritou, agora com a fúria transbordando em seus olhos. — Por que isso não pode ser real?
engoliu a seco e admitiu a verdade, na esperança de que assim pudesse fazer com que aquele inferno, que mal havia começado, acabasse.
— Porque eu matei , .
ALGUNS ANOS ANTES
andava de um lado para o outro e encarava os tijolos amarelos de seu quarto, enquanto seus pensamentos estavam imersos em expectativa. A ansiedade dominava cada poro de seu corpo, e ele tinha a constante sensação de que estava suando, por isso passava as mãos com frequência em sua testa e respirava fundo, para depois soltar o ar com dificuldade e olhar rapidamente para seu reflexo no espelho diante da cama, voltando a encarar a parede, como se assim pudesse encontrar a calma que tanto almejava.
Aquele não era um dia qualquer para . Era o dia em que ele colocaria tudo para fora e transformaria seu maior sonho em realidade. O dia em que ele tomaria em seus braços a garota que mais desejava.
Suas mãos suavam frio, enquanto seu corpo inteiro parecia tremer de expectativa. Mordia a parte interna da bochecha com uma sensação de que a qualquer momento acabaria arrancando um pedaço de si mesmo se não parasse com aquilo, mas não conseguia, o impulso era mais forte do que ele.
Seu bolso esquerdo parecia pesar ainda mais, devido à importância do objeto que este carregava. E pensar naquilo fazia estremecer ainda mais, engolir a seco e apertar a caixinha por cima do tecido da calça jeans que vestia, se limitando a apenas imaginar e planejar meticulosamente os acontecimentos daquela noite.
Ouviu a campainha ressoar pela casa e isso o fez erguer a cabeça num sobressalto. Seus batimentos cardíacos aceleraram de forma brusca, e o ar ao seu redor ficou escasso, deixando sua visão anuviada. olhou mais uma vez para seu reflexo no espelho e suspirou ao tomar a coragem necessária para atender sua convidada.
Ele se sentiu patético. Não era exatamente o tipo de cara que ia a muitos encontros, mas também não costumava ter tanto receio deles. No entanto, a sensação era a de passar por aquilo pela primeira vez, o que o fez revirar os olhos e reprovar a si mesmo por agir como um garoto de doze anos.
Pela última vez, limpou as mãos suadas na calça jeans, então abriu a porta e deu de cara com uma sorridente e radiante. Seus belos olhos brilhavam daquele jeito hipnotizante que mexia com o rapaz desde a primeira vez em que se viram.
Automaticamente, ele abriu um largo sorriso, embora ainda estivesse nervoso, e, no instante seguinte, sentiu os braços de envolvendo seu pescoço em um abraço apertado.
Suas mãos foram de imediato para a cintura da garota, dando apoio, e o ato o fez sentir sua pele quente, ainda que estivesse coberta pelo tecido da camiseta. lhe deu um beijo estalado na bochecha e passou as mãos pelos cabelos de , despenteando carinhosamente antes de se afastar e fixar seus olhos nos dele, sem desmanchar o sorriso.
— Desculpe pelo atraso, . Fiquei presa em casa, porque Rachel, de repente, resolveu que daria uma festa. Na verdade, se não fosse por Angel, eu nem estaria aqui. Aquela maluca não queria me deixar sair — tagarelou, enquanto apenas assentia, sem dar importância ao pequeno atraso da garota, já que, para ele, apenas a presença dela já bastava.
— Não se preocupe com isso, . Pelo menos você está aqui. — Foi sincero, o que fez abrir um sorrisinho de lado.
deu espaço para que caminhasse em direção à sala de jantar e fez um gesto que mostrava à garota que era ali que eles jantariam. Ela o atendeu sem hesitar, chegou rapidamente ao local e deixou uma expressão surpresa moldar seu rosto quase que instantaneamente.
A mesa de jantar estava perfeitamente arrumada, coberta por uma toalha branca decorada com rosas vermelhas. Dois pratos haviam sido posicionados, um de cada lado da mesa para que os dois se sentassem um de frente para o outro, e os talheres reluziam a prata verdadeira. Havia também duas taças cristalinas e guardanapos branquíssimos.
Ao levar seu olhar para o meio da mesa, encontrou um candelabro médio, onde havia três velas acesas, deixando a iluminação do local toda por conta destas, o que proporcionou ao local um clima diferente, que ela estranhou e lançou um olhar de canto para , enquanto o rapaz mantinha suas mãos nos bolsos e continha o nervosismo, que somente crescia a cada segundo.
Ao fundo, uma melodia tocava e embalava o que, na cabeça de , era apenas um jantar entre amigos.
havia proposto que ela jantasse em sua casa quando a garota lembrou que eles precisavam fazer um seminário para apresentar na faculdade dali a uma semana. Sem desconfiar do que o rapaz planejava, aceitou prontamente, e ali estava ela, vendo puxar uma das cadeiras e oferecê-la à moça com um sorriso singelo, que retribuiu incerta, assentiu em seguida e ocupou o lugar ao se sentar na cadeira.
rapidamente pegou a garrafa de vinho que estava em cima da mesa e encheu uma taça para cada um, então os olhos de bateram na travessa, também de prata, que deveria conter a comida. Observou também que estava extremamente bem arrumado, enquanto ela usava um vestido simples e fresco, sem nenhuma maquiagem especial para a ocasião. Mais uma vez, franziu o cenho discretamente, enquanto o perfume de invadia suas narinas. Era agradável, mas qual era o propósito daquilo?
Algo dentro dela repetia ininterruptamente que sabia muito bem o que aquilo tudo significava, mas se recusava a enxergar por hora. Não queria tirar conclusões precipitadas, e a garota sabia que lhe contaria em breve, por mais bizarra que a revelação pudesse ser.
— Está tudo lindo, . — Ela sorriu doce para o rapaz, um tanto tímida pela situação.
— Que bom que gostou, . Deu um trabalhão arrumar isso tudo a tempo — ele revelou, sem pensar muito bem, e se praguejou mentalmente por ter falado daquela forma.
E por que você se dispôs a esse trabalhão todo? Ela sentia vontade de perguntar, mas não queria soar indelicada, não com .
Bebeu um gole mínimo do vinho, e assentiu quando o rapaz lhe perguntou se ela queria começar a comer. Eles tinham muito trabalho pela frente, já que o seminário era um tanto complexo, e quanto mais cedo terminassem de comer, mais tempo teriam para o trabalho.
havia optado por uma macarronada que ele mesmo havia preparado e sabia que gostava, porque sempre elogiava bastante os dotes culinários do rapaz, admitindo que aquela era a melhor que já havia provado em sua vida inteira.
Os dois comeram quase que em completo silêncio, o quebrando algumas poucas vezes para comentar uma coisa ou outra sobre os acontecimentos daquela semana. Era quinta feira, e o dia de havia sido bem corrido em seu trabalho. Ela cuidava do laboratório de fisiologia da faculdade e, naquele dia, era dia de aulas práticas com as turmas do curso de biologia. Eles haviam dissecado sapos, então a bagunça havia tomado dela um bom tempo também, o que contou a da forma mais resumida que pôde.
Não soube o que estava acontecendo com ela naquele dia, mas não conseguia falar muito com o rapaz. Parecia que algo lhe travava e a vergonha que nunca havia sentido com ele havia vindo toda de uma vez, a deixando quase roxa toda vez que lhe dirigia a palavra.
Quando os pratos estavam limpos, os retirou da mesa e levou até a cozinha, recusando quando se ofereceu para ajudá-lo com a louça. Ela bebeu mais alguns goles de vinho, finalizou a taça e sentiu suas bochechas pegarem fogo devido ao efeito do álcool.
Então, quando largou o objeto sobre a mesa, foi surpreendida pela mão de , que surgiu em seu campo de visão e se estendeu diante de si, num convite.
— Dançar? — ela questionou e olhou com espanto para o rapaz.
— Sei como gosta, . Vamos lá, não vou mordê-la — ele disse risonho.
A jovem hesitou mais uma vez, mas acabou cedendo. Segurou a mão de e se deixou levar até o meio da sala de estar, que era conjugada à de jantar.
Ele parou por alguns segundos e encarou os traços da garota, achando extremamente atraente a forma como as bochechas dela estavam coradas.
O toque da mão dela na sua era quente e podia sentir que ela tremia, algo interpretado como algo bom, já que ele mesmo mal conseguia controlar os espasmos de nervosismo de seu corpo.
se sobressaltou quando tocou sua outra mão, entrelaçou seus dedos e trouxe as duas mãos para a altura do peito no exato momento em que a próxima melodia começou a tocar. A jovem não soube identificar qual era, por ser uma música clássica, e ela não tinha muito costume de ouvir aquele estilo musical.
Sutilmente, os corpos começaram a se mover no ritmo dela e, por alguma razão, não conseguia desviar seus olhos dos de , azuis brilhantes. Algo na forma que o rapaz a olhava havia lhe hipnotizado e a deixou completamente envolta numa atmosfera que ela descobriu a agradar mais do que imaginava.
O perfume do rapaz era delicioso, isso ela sempre havia achado, mas, naquele dia em especial, havia algo diferente nele. Parecia ainda mais acentuado, a atraía e dava uma vontade maluca de afundar seu rosto no pescoço dele para nunca mais sair de lá.
Os dois foram se aproximando aos poucos e as mãos entrelaçadas agora voltaram à altura dos quadris de ambos. soltou as suas sutilmente, envolveu a cintura fina da garota e sentiu a pele fria dela ao tocar a parte em que o tecido da blusa não cobria. se arrepiou, porque os dedos dele estavam quentes, e, trêmula, conduziu suas mãos para o pescoço do rapaz, o enlaçou, e a respiração de tocou seu rosto.
Sua cabeça estava em uma tremenda confusão. Ela estava perdida e tentava a todo custo entender o que era tudo aquilo que estava acontecendo.
Por que eles estavam dançando daquele jeito? Por que ela estava se sentindo estranha na presença dele?
Aquele era , seu melhor amigo. Aquele que ouvia suas lamentações, seus maiores segredos e sempre estava ali por ela. Dava todo o apoio que precisava, a defendia de quem lhe fizesse mal e cuidava dela quando estava para baixo. Ele era como um anjo em sua vida, alguém que ela sabia que faria qualquer coisa por ela, não importava o preço. era como um irmão.
Era isso. Era esse o motivo de seu conflito interno. Ela percebera desde o início, desde o momento em que havia colocado os pés na casa de , quais eram as intenções dele. Conseguia ver em seus olhos o quanto as expectativas estavam lhe deixando agoniado, e saber que ela não as corresponderia lhe doía, ao mesmo tempo em que surgia um receio terrível de lhe magoar. não merecia. Ele era maravilhoso e precisava de alguém que retribuísse os sentimentos dele.
hesitou. Precisava se afastar, precisava fazê-lo entender que seus sentimentos eram fraternais, o amava como a um irmão e nada além daquilo. Seu sentimento era puro e ela queria que ele fosse o cara a lhe acompanhar na igreja até seu noivo, já que o pai da garota havia morrido há alguns anos. Ele sempre seria seu melhor amigo, e a ideia de ter algo mais do que isso lhe deixava tonta do tanto parecia insana.
Antes que pudesse afastar o rapaz para lhe dizer tudo aquilo, evitando assim que ele se precipitasse, os olhos dele voltaram a lhe chamar atenção, tão vibrantes, tão imersos em sentimentos e tão sinceros que ela se perdeu mais uma vez.
Quando se deu conta daquilo, as coisas já haviam saído do controle.
havia se aproximado mais dela, apertado um pouco sua cintura contra ele, e, no instante seguinte, seus lábios estavam unidos e um beijo era iniciado.
No primeiro momento, arregalou os olhos em completa surpresa, sem conseguir acreditar que seu melhor amigo havia mesmo lhe beijado, porém a textura dos lábios dele era tão gostosa que acabou não resistindo. Era humana e jovem, afinal, e seu corpo uma mistura insana de hormônios e desejos em ebulição.
Ela beijou o rapaz de volta, correspondeu quando sentiu a língua dele tocar a sua, se enroscando com uma súbita vontade. Os corpos se apertaram mais um contra o outro, as respirações ficaram ofegantes e ela gemeu baixinho, mordiscou o lábio inferior do rapaz e retomou o beijo, ouvindo ao fundo a melodia da música, que parecia atiçar ainda mais a vontade que passou a sentir de ter cada vez mais dele.
Por dentro, sentia quase uma necessidade de gargalhar do tanto que estava feliz por finalmente tê-la em seus braços, mas não o fez. Não quando estava cada mais envolvido pelos toques dela, inebriado pela maciez de sua pele e pelo jeito que ela retribuía cada carícia que ele fazia.
Quanto mais tinham um do outro, mais queriam um do outro, e a intensidade do beijo aumentava, arrancando todo o oxigênio de seus pulmões, refletindo o desejo insano que surgia e reverberava em cada célula de seus corpos.
— ... — ele gemeu entre o beijo, puxou os cabelos dela pela nuca e expôs seu pescoço para descer os beijos pela região, ouvindo a moça suspirar em resposta.
Ela se deixou ser guiada até a mesa de jantar, onde não hesitou em sentar e entrelaçar as pernas na cintura do rapaz. pressionou seu quadril contra o dela, sentiu sua ereção tocar a intimidade da moça por cima da calcinha, suas mãos se fartaram nas coxas dela e a apertaram com vontade. Um grunhindo rouco escapou de seus lábios ao ouvir gemer mais uma vez.
As mãos dela subiram pelas costas dele por dentro da camiseta e suas unhas se cravaram com violência, rasgavam e deslizavam pela carne dele, o que lhe arrancou uma exclamação de prazer e aprovação ao gesto, enquanto ele subia uma das mãos até a alça do vestido dela. A puxou para baixo, com o intuito de se livrar da peça, e sorriu com malícia para ela, que retribuiu, enquanto afundava seus dedos nos cabelos dele e puxava com vontade. se inclinou e seus lábios se deliciaram com os seios dela, já que a moça não vestia sutiã, envolveu um deles com a boca e chupou com vontade, a ouvindo gemer novamente em aprovação.
Ele voltou a descer suas mãos pelo corpo da garota, enquanto sua boca a explorava, e quando estava prestes a adentrar por entre as pernas dela e roçar seus dedos na intimidade encharcada da moça, ouviu sua própria consciência gritar. Aquele era o cara que, momentos antes, ela jurara para si mesma considerar um irmão.
Nada mudaria aquilo, nem mesmo os hormônios descontrolados de seu corpo. Não era justo agir assim.
se sentiu péssima. Um nojo de ser humano, porque ele claramente tinha sentimentos por ela, mas nunca o corresponderia daquela forma.
Então empurrou pelo peito, o afastou dela e arregalou os olhos, como se acabasse de cometer um crime.
— , eu... Nós não podemos fazer isso — ela balbuciou perdida.
Ele franziu o cenho e respondeu automaticamente:
— Podemos, sim, .
Ela negou veementemente com a cabeça.
— Não, . Nós não podemos! Você é meu melhor amigo, você...
— Eu amo você, — a interrompeu e despejou as palavras de uma vez.
Não era assim que ele havia planejado, mas não tinha outra opção, precisava mostrar a ela o que sentia, não poderia perdê-la daquela forma.
Ela ficou sem palavras. Não esperava ouvir aquilo, não assim, não tão diretamente.
— Eu sei que somos amigos desde sempre. Sei que não sou o melhor cara para demonstrar sentimentos, mas essa é a verdade, . Eu amo você. Eu sempre te amei.
Ela engoliu em seco, procurando a melhor forma de responder aquilo sem magoá-lo, mas, no fundo, sabia que não havia.
— Você é meu melhor amigo, , e eu também amo você, mas como o irmão que eu nunca tive. Você é especial para mim, e acho que nunca gostarei de alguém como gosto de você, porém como amigo e... Me perdoe, . Não quero magoá-lo, mas... — Ele sentiu como se tivesse levado um soco no estômago e se afastou mais da garota, puxou a caixinha do bolso e estendeu em sua direção.
— Não, eu... Tudo bem, . Eu não sei por que imaginei que você poderia corresponder e aceitar algo como o que eu ia te pedir. — Indicou a caixinha. — De qualquer forma, aceite meu presente. Eu não poderia dar a nenhuma outra pessoa. — olhou espantada para a caixinha. Tinha uma ideia do que havia ali dentro.
— Eu não posso aceitar, . Você precisa dar isso para alguém que seja mais especial do que eu em sua vida. E eu te ajudarei com isso, não se preocupe. — Tentou amenizar as coisas com aquele comentário.
coçou a nuca, parecendo ainda mais atordoado, então caminhou na direção da cozinha e murmurou que já voltava, deixando sozinha.
Ela sentiu o remorso lhe corroer, mas não havia muito que pudesse fazer. era seu amigo e ela jamais sentiria algo a mais por ele, então do que adiantava iludi-lo?
A moça enterrou o rosto nas mãos e suspirou chateada consigo mesma. Seus olhos se inundaram com lágrimas.
Depois de alguns minutos em que o peito da garota se sacudia em soluços silenciosos, ela decidiu que o melhor era sair dali, se manter um pouco longe e dar a distância que provavelmente precisava. No entanto, não teve tempo para sequer pular de cima da mesa, onde ainda estava sentada.
Quando ergueu a cabeça para respirar fundo e ir até a cozinha anunciar que estava de saída, encontrou um com a expressão completamente transtornada. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, as bochechas esticadas em um sorriso macabro e, em uma de suas mãos, havia uma faca de cortar carne.
Ela arregalou os olhos, chocada, e, antes que pudesse ter qualquer outra reação, sentiu o primeiro golpe.
A faca se cravou em seu peito e a dor era excruciante, lhe deixou tonta e sem ar, mas não parou por aí.
puxou a arma do ferimento recém feito e voltou a golpeá-la. Soltou uma risada demoníaca quando sentiu o sangue de respingar em seu rosto, o que lhe incentivou a tirar a faca e a cravar no peito da garota mais uma vez.
Ela não tinha força alguma para gritar, somente soltava gemidos baixos, quase da mesma forma que havia feito quando estava com a boca em seus seios, o que excitou o rapaz e o fez continuar golpeando até que, em um talho mais profundo, rasgou a carne e fixou seus olhos no coração da garota.
Naquela noite, havia prometido a si mesmo, em seu quarto, diante daqueles velhos tijolos amarelos, que só se contentaria quando tivesse o coração de .
Envolvendo o órgão com uma das mãos, ele o puxou para fora e deixou o corpo de tombar flácido sobre a mesa. Ergueu o coração para cima, o deixou ser iluminado pela luz das velas e abriu um sorriso satisfeito ao sentir o sangue escorrer por seu braço.
Aproximou-o dos lábios ao sentir a necessidade de mais do que aquilo e passou a língua devagar. O gosto do sangue invadiu seu paladar, e fechou seus olhos em completo deleite.
— Oh, minha doce ! Como eu amo você! — E abocanhou um bom pedaço sangrento, mastigou a carne e deixou que todas aquelas sensações tomassem conta de si.
Ele havia prometido que teria o coração de e agora cumprira sua promessa. O coração de era seu.
ATUALMENTE
abriu um sorriso sarcástico quando admitiu o que havia feito. Aproximou novamente o rosto do rapaz e cheirou seu pescoço, o que o arrepiou de uma maneira nada agradável.
— Me perdoe, ! Eu estava fora de mim. Não sei como fui capaz, mas me perdoe, por favor! Eu amo você — disparou a falar. Lágrimas preencheram seus olhos e ele engoliu em seco quando começou a acariciar os cabelos dele com uma das mãos, as unhas compridas roçando seu rosto.
— Você me ama, ? — Sua voz soou manhosa.
— Sim, eu te amo, — ele respondeu de prontidão e assentiu com a cabeça como se fosse uma criança.
— Mesmo? — insistiu com o mesmo tom de antes.
— Você foi a única mulher que amei em minha vida, . Eu não brincaria com uma coisa dessas.
— Tem razão, meu amor, não brincaria mesmo. — Ela soltou uma risadinha infantil.
— Me perdoa, , por favor. — Praticamente se ajoelhou, o que fez a ruiva sorrir enviesado e virar o corpo de com sutileza, deslizando suas unhas displicentemente pelo peitoral do rapaz.
— É claro que eu perdoo você, meu amor. Na verdade, eu já lhe perdoei desde o início.
— Não estou entendendo — tentou falar, mas o interrompeu com a mesma expressão maníaca e a voz infantil.
— Eu não vim aqui para te perdoar ou julgar alguma coisa, . Eu vim, porque naquela noite você levou consigo o meu coração. Eu perdi meu controle, e, nesta noite, chegou a hora de tomar o seu.
Como havia feito no dia da morte de , não houve tempo para que protestos surgissem. Na verdade, não houve tempo nem para um último suspiro da parte dele.
Quanto mais a forma da moça permanecia ali e se alimentava do pavor de , mais forte se tornava.
estava sedenta por todo o fôlego de vida dele.
As unhas de então se cravaram no peito do rapaz e um grunhido alto pôde ser ouvido, ecoando na calada da noite, enquanto mais uma alma se deleitava com o doce sabor da vingança. lhe lançou um olhar que se dividia entre pavor e surpresa, então seu coração foi literalmente arrancado para fora do peito.
No entanto, ao contrário dos atos dele, a garota pressionou o órgão com firmeza em sua mão, esmagou a carne entre seus dedos e soltou um urro de ódio que se transformou em gargalhadas satisfeitas quando o corpo dele tombou sem vida no chão da sala e espalhou sangue por todo o lado.
— Não vou comer seu coração, . Ele é tão podre quanto a sua alma.
Enfim vingado, o espírito de caminhou em direção à saída do apartamento do homem, ainda gargalhando de satisfação, completamente coberta de sangue e finalmente encontrando a paz que precisava para seguir pela eternidade.