Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 31/10/2024.O silêncio que pairava em minha própria cabeça era estranho, quase opressor. e conversavam sobre alguma música que tocava no rádio; uma conversa da qual eu com certeza participaria em uma situação normal. Eu não costumava ficar tanto tempo calada entre meus amigos, essa era a verdade. Por isso mesmo, não foi nenhuma surpresa quando me cutucou.
— O que, afinal, é complicado? — perguntou em tom baixo e eu arqueei a sobrancelha para ela. — Quando disse que podia ir no banco da frente, ele te perguntou sobre e você. Eu ouvi quando respondeu que “é complicado”. Então quero saber o que aconteceu, ora essa.
— e eu estamos brigados — cochichei, aproximando-me mais dela. — Ele agiu como um idiota comigo na frente dos parentes dele, viu. E bem, ele falou algumas coisas que eu não gostei nem um pouco.
— Sabia! — exclamou um tanto alto, chamando atenção dos garotos, e eu bati de leve em seu braço. A garota se deu conta e abaixou o tom de voz novamente. — Você dois estão agindo de modo estranho aqui com a gente.
— E acredite — disse a ela —, não é só quando estamos com vocês.
— Cochichos, cochichos e mais cochichos — comentou , antes de olhar para . — Não estão a fim compartilhar esse assunto aí, não?
— Não — falei prontamente.
— É um assunto de mulheres — explicou, sua voz se transformando em puro desafio. — Caso você seja uma mulher…
— Eu posso te mostrar que não sou uma — provocou-a, fazendo o queixo dela cair. — Você quer, por acaso?
— Ah, meu deus. — , o meu noivo, sacudiu a cabeça. — Vai começar tudo de novo.
— Eles nunca param, né!? — Mal comecei a rir e um tapa dolorido atingiu o meu ombro. — Ai, mas que merda!
— Você mereceu, bobinha — disse, olhando pela janela do carro. — Aquela maldita tempestade está começando de novo.
— Que saco! — resmungou . — Ei, espera, tem um cara na beira da estrada.
— Está pedindo carona — explanou. — Deveríamos parar?
— Acho que sim, né? Não somos tão malvados assim. — Diverti-me com meu próprio comentário. — Além do mais, está chovendo. Não vamos deixar o cara vagar por essa estrada deserta na chuva.
diminuiu a velocidade e parou o carro. Desci do veículo para abrir espaço para o cara entrar e se assentar entre e eu. O cara era alto, bonito e seus olhos pareciam brilhar em um incrível verde. Entrei de volta e assenti para , aquele era o sinal para que voltasse a dirigir.
— Obrigado por terem parado — o cara agradeceu, simpático.
— Jamais te deixaríamos na tempestade lá fora. — Sorri para ele. — Como você se chama?
— Conrad — disse ele. — E vocês?
— Eu sou a , ela é a — expliquei, apontando para cada um. — Aquele ali é o e o motorista é o , meu noivo.
— Estamos indo para a festa de Halloween que Cody, , Michael e Adam organizaram, você deve conhecer pelo menos algum deles. — riu, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Para onde está indo?
— Para lá também — revelou-nos.
— Ah, é? — olhou pelo retrovisor para o cara entre nós. — Cadê sua fantasia?
— O quê? — Ele olhou para seu terno. — Ah, sim, eu decidi ir em cima da hora. Não deu tempo de conseguir uma. — Retorceu os lábios e olhou para as nossas roupas. — Por que estão vestidos assim?
— Tem um concurso de fantasia na festa — esclareci —, mas é em grupo.
— Decidimos nos vestir de personagens da franquia de jogos Resident Evil. — virou-se para trás, empolgado. — e , nosso casal oficial, estão vestidos de Chris Redfield e Jill Valentine. e eu, por outro lado, nos vestimos de Rebecca Chambers e Billy Coen. Uma fantasia para combinar assim como eu e ela combinamos, né, gata!? — Ele piscou para ela, que mostrou o dedo para ele.
— Tem mais quatro amigos nossos que vão fazer parte disso também — comentou.
— Ei, calem a boca e escutem! — falei ao ouvir o refrão da música Jeepers Creepers tocar no rádio.
Jeepers Creepers, where'd ya get those eyes?
— A festa de Halloween temática da cidade acabou de começar, e o tema deste ano é o filme Olhos Famintos. Venham conferir! — disse a voz animada do locutor da rádio local. — A festa é naquele casarão antigo da Craven Road. Isso mesmo, a estrada da lenda dos irmãos Craven. Não esqueçam de vestir suas fantasias para o concurso.
— Eu adorei esse comercial, sabe? Tocar “Jeepers Creepers” me dá arrepios porque eu me lembro que a música sempre começava a tocar no rádio quando o Creeper se aproximava. — estremeceu. — E mencionar a lenda foi uma boa, viu? Uma ótima ideia.
ergueu a mão para trás e eu bati minha palma contra a dele em comemoração.
— Vocês dois que escreveram? — Conrad perguntou e eu confirmei com a cabeça com entusiasmo.
— É bom ver que vocês trabalham juntos mesmo quando ficam agindo estranho na nossa frente — comentou e socou seu braço. — Ai, mas que droga! Só estou falando a verdade.
— Não importa! — ela o repreendeu. — Tem coisas que não pode ficar falando em voz alta.
— É, tanto faz, gata — disse ele. — Vocês podem fazer o favor de me dizer por que diabos eu pareço ser o único que não sabe dessa tal lenda?
— Deve ser porque você mora aqui há menos de cinco anos. — deu de ombros.
— Pensa só, : o que seria de uma cidade interiorana sem uma lenda urbana para chamar de sua? — Ri um pouco. Eu adorava essas coisas. — Parece que a cada duzentos anos de aniversário da morte dos irmãos Craven, algum desastre acontece na Craven Road.
focou seus olhos na estrada à sua frente e franziu o cenho.
— Os irmãos morreram nessa estrada, por isso ela tem esse nome — complementou minha explicação como costumava complementar tudo o que dizia respeito a mim. — Dizem que o tempo passa e as pessoas se esquecem… Até que acontece outra vez.
— E a morte deles foi bem na noite de 31 de outubro — adicionou. — Por isso e mencionaram isso no texto do comercial. Dá muito mais impacto na chamada para a festa.
— Que doideira. — coçou a cabeça, mas seu interesse na história se mantinha. — Como foi que eles morreram?
— Foram assassinados — Conrad tornou a falar depois de muito tempo.
— Um massacre, eles dizem. — demonstrava dúvida. Tudo sobre aquela história causava incerteza, afinal, lendas eram assim. — Já ouvi muitas outras versões.
— Já ouvi dizer que foi um acidente — falou. — Mas minha avó sempre falava que acreditava mais na versão do massacre.
— Teve um sobrevivente — acrescentei.
— Como apenas uma pessoa sobreviveu a um massacre? — refletiu . — Seria sorte até demais.
— Não se ele fosse o assassino — sugeri e me olhou de olhos arregalados.
— Pior que faz sentido. — Começou a assentir com a cabeça devagar, como se estivesse deixando aquela ideia preencher sua mente aos poucos.
— Não cai nessa — disse. — é fanfiqueira das boas. Ela adora criar teorias sombrias.
— Ah, qual é! Seria possível, aceitem — rebati. — Mas, sim, eu admito que a versão do acidente é mais provável.
— Sabe, eu ouvi uma versão mais completa dessa lenda — pronunciou-se o cara ao meu lado. — Não foi um acidente e nem um ataque qualquer. Foi mesmo um massacre.
— Sério? Quero detalhes! — exclamei. me fuzilou com um olhar de questionamento pelo retrovisor, o qual apenas ignorei.
— Os irmãos Craven estavam a caminho de um baile da alta sociedade no casarão quando foram surpreendidos na estrada — Conrad narrou. — Era um homem, e não demorou muito para que ele assassinasse o primeiro irmão. Os outros dois, por outro lado, passaram a noite fugindo pela estrada e tentando se esconder, mas nada fora o suficiente. Eles também acabaram sendo brutalmente assassinados. — Sua feição triste mexeu comigo de maneira estranha. — Quando amanheceu e o terror acabou, o cara provavelmente fingira ser o único sobrevivente. No entanto, ele nem sequer estava com eles no começo de tudo. Fora lá apenas para os massacrar sem nenhuma piedade.
— Isso é muito triste. — Foi tudo o que consegui comentar.
— Faz mais sentido do que as outras versões que ouvi — forçou-se a reconhecer.
— E combina com o que eu disse antes — trouxe à tona. — Faz sentido ser um massacre se o suposto “sobrevivente” na verdade tenha sido o assassino.
— Você sempre está certa, de um jeito ou de outro — disse , mas seu tom não foi amargo como eu esperava.
Meu noivo me olhou através do retrovisor, seus olhos amistosos e sorridentes. Por mais que estivéssemos nos estranhando, ainda éramos e , e nada jamais poderia mudar isso. Iríamos nos casar, ter nossos filhos e sempre continuaríamos a superar as desavenças, porque era isso que casais saudáveis faziam.
— Ei, alguém…? — limpou a garganta antes de continuar: — Alguém sabe quando completa outros duzentos anos?
— Por quê? Está com medo, gata? — a provocou.
— Ai, meu deus! — Ela revirou os olhos e bufou.
— Porque eu posso te proteger — disse naquele tom de flerte que beirava à provocação.
— Cala a porra da boca — respondeu pausamente.
e eu apenas balançamos a cabeça em negativa em um movimento quase sincronizado e nos mantivemos calados. Não demorou muito para que chegássemos à festa. Assim que entramos no casarão antigo, e partiram para procurar nossos outros amigos, Conrad seguiu seu próprio caminho, e e eu ficamos para trás. O silêncio de nossas bocas se tornaria ensurdecedor se não iniciássemos a conversa sobre como estávamos, ou então sobre outro assunto, seja lá qual fosse. Abri minha boca para falar alguma coisa qualquer quando um vulto apressado cruzou o nosso caminho.
— Olá, irmãozinho! — cutucou com petulância.
— E aí, pirralha — respondeu ele. Pirralha. não era muitos anos mais nova que ele. Eu e ela tínhamos praticamente a mesma idade. Entretanto ele sempre a provocava desse jeito. Coisa de irmãos.
— , minha cunhadinha! — A garota me abraçou e me fez girar com ela. — Demoraram para chegar, hein.
— Às vezes eu me esqueço que você não bebe, sabia? Está parecendo uma bêbada. — Ri daquilo e mostrei-lhe meu novo corte de cabelo. — Viu só? Eu até cortei o cabelo para combinar com a minha fantasia de Jill do Resident 3, por isso nos atrasamos.
— E também porque paramos para dar carona para um cara na vinda para cá — pontuou. Já tinha entendido que ele não ficara contente por eu ter dado tanta atenção ao novato. Quase sorri ao constatar seu ciúme.
— Não se preocupe, — sussurrei para eles. — Eu só tenho olhos para vocês, mesmo quando não estamos tão bem um com o outro.
— Nós também demos carona hoje — contou. — Estamos sendo almas muito boazinhas para um Halloween.
O comentário me fez rir. tinha tirado tanto a minha atenção com sua chegada espalhafatosa que eu nem havia percebido que o namorado dela estava ali também. estava vestido de Leon S. Kennedy, com a roupa de policial do segundo jogo de Resident Evil. Combinava muito bem com , que vestira-se de Claire Redfield, com um rabo de cavalo e tudo. Ela havia até mesmo cortado as franjinhas. Estavam perfeitos.
— Você viu? — Ela segurou a barra do colete rosa e deu uma voltinha para que eu pudesse observar a estampa das costas com a frase “Made in Heaven”. Era a cara dela, e exatamente igual a Claire. — Entregaram hoje à tarde. Pensei que não fosse chegar a tempo.
— E aí, pessoal! Como estão? — apareceu entre nós vestido de Carlos Olivera e tão bonito quanto. Sua animação era palpável e, mais do que isso, contagiante. — Espero que bem, porque eu vou pedir a em casamento hoje e não quero que nada estrague isso. Só não contem para ela, certo?
— Talvez fosse melhor se você começasse falando mais baixo — aconselhou. — Senão a cidade inteira vai saber, inclusive ela.
— Desculpa, estou empolgado. — Riu um pouco, coçando a cabeça.
A conversa sobre aquele assunto se prolongou, mas nossos amigos foram se afastando um pouco e e eu nos vimos sozinhos outra vez.
— , precisamos conversar — suspirou. — Você sabe disso tanto quanto eu.
— Sim, eu sei. E vou ficar na sua casa após a festa — garanti a ele. — Quando acordarmos no dia seguinte, conversaremos sobre isso e diremos tudo o que precisar ser dito.
— Tudo bem. — Ele segurou ambas as minhas mãos, parando na minha frente. — Eu não quero que isso termine.
— Eu ainda estou com a aliança, não estou? — Aproximei meu rosto do dele e selei nossos lábios. Uma ânsia de aprofundar o beijo me tomou por inteira, mas contive meus instintos. — Vamos tentar acertar as coisas, , é o que fazemos, não é? Agora, porém, não é o momento certo para isso.
Ele hesitou um pouco e acabou assentindo. E também não era como se eu tivesse dado outra opção a ele. Segui na direção dos nossos amigos, puxando pela mão para que me acompanhasse.
— E aí, Adam — cumprimentei o irmão mais velho de . — Até pintou o cabelo para parecer mais com o Nicholai Ginovaef. Está de parabéns.
— Eu levo essa competição a sério — confessou, rindo. — E parece que vocês também. Temos que cuidar para não perder para os outros três donos da festa.
— Eles se fantasiaram dos personagens de Olhos Famintosmesmo? — investigou .
— Pode apostar que sim — disse ele. — Sabe como eles queriam fazer jus ao tema da festa.
— Gente, vocês já podem aparecer — gritei com as mãos dos lados da boca. — Sabemos que estão só esperando para fazer uma entrada triunfal.
E foi o que eles fizeram. e Michael saíram na frente, como se estivessem assustados. Aquilo tudo combinava com o tema da festa e, veja só, os dois irmãos estavam vestidos como os irmãos do filme. estava de calça jeans, uma regata vermelha, brincos de argola e um colar com um crucifixo — exatamente como Trish Jenner no filme. Michael se vestia exatamente como Darry Jenner. A camiseta amarela estava toda suja e rasgada na frente e, obviamente, ele tinha colado uma tatuagem falsa de rosa em volta umbigo. Estava ótimo, perfeito. E tudo ficou ainda mais incrível quando o meu irmão mais velho saiu de trás das cortinas. Gritamos em apoio. Cody era o Creeper, o supervilão de Olhos Famintos. E Cody não estava apenas vestido como aquele monstro, ele tinha feito toda a maquiagem para ficar praticamente idêntico ao personagem.
— Arrasou, Cody! — Berrei, voltando ao meu tom normal quando ele se aproximou de nós. — Assim nenhuma mulher vai querer te beijar hoje à noite. Você está assustador.
— Como se eu quisesse beijar alguém, maninha. — Revirou os olhos. — Estou aqui para fazer jus à festa e ganhar esse concurso.
— Pode tirar o cavalinho da chuva! — foi firme. — Não ganharão de nós.
— Isso é o que nós vamos ver — rebateu .
— Competições à parte — disse Adam. — Queríamos apresentar um cara para vocês. Demos carona a ele hoje à tarde.
— É mesmo, ele disse que viria à festa — contou Michael. — Mas ainda não o vimos por aí.
— Parece que todo mundo está dando carona para todo mundo hoje — notou.
— Também queríamos que conhecessem o Conrad. — Eles me encararam, confusos. — O cara para quem a gente deu carona — expliquei. — Ele veio até a festa com a gente.
— Ali está ele, olha — apontou.
— Não, não, não. Ele não podia estar ali. — Cody foi naquela direção, acompanhado de perto por todos nós. — Ninguém pode ficar aqui atrás do palco do DJ.
— Para tudo! — exclamei, boquiaberta, puxando comigo. — Olha isso!
Indiquei a réplica do velho caminhão do Creeper. Certo, não era exatamente uma réplica, afinal, era feito de papelão. No entanto, o trabalho era tão bom que parecia incrivelmente real. Um arrepio percorreu minha espinha.
— Parece de verdade, não é? — também estava boquiaberto.
Ouvimos nossos amigos nos chamarem e nos apressamos em alcançá-los.
— Olha como os olhos deles são foda! — um dos garotos disse, não consegui identificar qual.
— Ei, esse é o… — comecei a dizer, mas fui interrompida.
— São os três caras que nós todos demos carona — explicou Michael. — Eles acabaram de se encontrar.
— Estávamos esperando por vocês — um deles disse em um quê sombrio, olhando para e eu, e foi nesse momento que eu soube que havia algo de errado.
Apertei a mão de como se a minha vida dependesse daquilo e, logo em seguida, os três estavam nos cercando.
— Quem…? — hesitei, voltando o meu olhar aos três homens de terno. — Quem são vocês?
Um instinto maluco tomou conta de mim e eu tentei me mover, correr, sair dali. Porém, de um modo bizarro, eu não era capaz de mover nem sequer um músculo. E, ao que parecia, nenhum de nós era. Em um piscar de olhos, pude ver a verdadeira aparência dos três caras bonitos. Os olhos incrivelmente verdes ainda estavam lá, em todos eles. Mas seus rostos e corpos estavam retalhados. Tinha sangue por todo o lado.
— Somos os irmãos Craven — disse Conrad, seu semblante expunha uma tristeza que não combinava com o momento.
— Além de termos sido brutalmente assassinados — continuou o segundo homem. — Estamos presos a essa cidade para todo o sempre.
— Destinados a vagar sem rumo e perdidos por esse mundo, nessa cidade, a cada duzentos anos — expôs o último. — Só podemos voltar ao nosso descanso se amaldiçoarmos um outro grupo de pessoas a viver uma noite de terror.
— É como um sacrifício — suspirou Conrad com seu ar melancólico.
— E vocês foram os escolhidos.
O medo me preencheu por inteira ao som daquelas palavras. Que merda estava acontecendo aqui? Nós iríamos morrer. Só podia ser isso. Quis gritar em desespero, mas a voz não deixava a minha garganta assim como em um sonho ruim do qual não conseguia escapar. Cada pelo do meu corpo se eriçou ao escutar o coro de três vozes profundas recitar a maldição:
A tempestade maligna
Que nos atormentou
O assassino na estrada
Que nos tirou a liberdade
Nesta casa nascemos
Neste mundo fomos jogados
Aqui vivemos
E aqui morremos
Assim como vós ireis
Com o primeiro raio de sol da manhã
O sacrifício termina
E assim, voltaremos a descansar
Pelos próximos duzentos anos
Amém
O sol. Foi o meu último pensamento antes de perder a consciência. Eu precisava buscar o sol.
Acordei com uma terrível dor de cabeça e recordei-me de algumas coisas bem estranhas. Venha a nós a noite? Tive vontade de rir. Que pesadelo ridículo para se ter, não é mesmo? Só poderia mesmo ter saído dessa minha mente levemente psicopata.
— Mas que merda é essa, hein? — praguejou , meu namorado.
Abri os olhos e ele estava ali, ao meu lado como sempre. No entanto, não estávamos em casa. Nem na minha e nem na dele. Nada de cama quentinha para nos aquecer depois de um pesadelo terrível como aquele. O piso abaixo de nós era de pedra. Olhei ao redor, esfregando os olhos. Todos os meus mais estimados amigos jaziam ali, estirados no chão frio como nós. A maior parte deles agora despertava. Que inferno! Será que aquela merda de fato acontecera?
— Pregaram uma peça na gente, só pode ser! — bufou, levantando-se e passando a mão em suas roupas para afastar a poeira. — Não acredito nisso.
— Olha, eu costumo ser a mais cética da situação, como vocês sabem — falei devagar. — Mas se isso tudo foi apenas uma peça pregada, como foi que fizeram com que todos nós desmaiássemos ao mesmo tempo?
— Colocaram coisa na nossa bebida, ué — sugeriu, como se aquela fosse não apenas a única opção, mas também a mais óbvia.
— Eu nem bebo, sua tapada! — Revirei os olhos.
— E eu nem bebi — disse , me fazendo soltar uma gargalhada inesperada.
— É isso que você sempre diz. — Michael juntou-se a mim nas risadas. — E geralmente já está bêbada quando afirma isso.
— Vai se ferrar, idiota. Eu não bebi uma gota desde que cheguei — insistiu ela. — Pergunte ao , se quiser. Estávamos meio que discutindo.
— Caramba, ainda estão nessa? — zombou em um tom alto.
— Cale a boca — pedi baixinho. — E cadê a música da festa, afinal?
O silêncio dominador ao nosso redor me incomodava. Se era uma festa, por que diabos não tinha música? Levantei-me e bati a mão nas roupas para afastar a poeira que poderia ter ficado impregnada ali. Saí de trás do palco do DJ e as garotas se apressaram em me acompanhar. Observei o entorno, constatando que estávamos, de fato, no casarão. No mesmo exato lugar em que apagamos depois daquele cântico poético bizarro. Uma música triste deixaria aquele casarão mais feliz do que aquele silêncio aterrador. Por que tudo estava tão diferente?
— Ei, desde quando tem um caminhão de verdade aqui dentro? — encostou na réplica de papelão do caminhão velho do Creeper.
— É só papelão — disse . — e eu vimos antes. Parece muito real, eu sei…
— Não, — reiterou . — Sei que é impossível, mas esse é de verdade mesmo.
— Não pode ser, cara. — Adam aproximou-se e encostou a mão no veículo, afastando-a com afinco. — Puta merda, não pode ser — repetiu. — Como uma porra de uma réplica feita de papelão se transformou nisso?
— Alguém deve ter trocado enquanto estávamos apagados — propôs.
— Caramba, cunhadinha — resmunguei. — Eu que sou a cética do nosso grupo não consigo acreditar nisso, por que você, logo você, acreditaria?
selou os lábios e deu de ombros. Estava tão perdida quanto eu e, provavelmente, todos os outros.
— O que me choca mais é que todo mundo sumiu — revelou , consternado. — O que diabos aconteceu?
— Se acalma, está bem? Estamos todos nos perguntando a mesma coisa — articulou Michael. — Os supostos irmãos Craven também sumiram junto com todo o resto.
— Espera aí — , o meu irmão, se pronunciou pela primeira vez desde que acordamos. — Cadê o Cody?
— Estou aqui — respondeu ele, acenando do outro lado do enorme salão. — Não, não se aproximem. — Deu um passo ainda mais para longe ao ver alguns de nós começarmos a nos mover para cruzar o recinto.
— O que aconteceu? — indagou, estancando imediatamente no lugar. Cody curvou-se para baixo e levou as mãos até a região do estômago.
— Estão sentindo esse cheiro? — Ele farejou o ar de uma maneira assustadora. A fantasia do Creeper amplificava esse efeito de um jeito terrível. — Eu preciso… — Olhou bem para nós e lambeu os lábios como uma maldita criatura. Então parou e balançou a cabeça em negação. — Ah, não. Droga! Isso é ruim. Muito ruim.
Meu coração disparou. Algo estava tremendamente errado e não havia ceticismo nesse mundo que me fizesse ignorar o que estava se passando diante dos meus olhos, por mais que eu desejasse.
— Cody? — chamei-o, minha voz falhando. Eu queria ser útil, mas não sabia mais o que poderia fazer.
— Estou faminto, — replicou. — E não é do jeito que estão pensando. Eu só… Eu não consigo mais aguentar — queixou-se. — Vocês precisam deixar esse lugar o quanto antes.
— Cody, o que está acontecendo, amigo? — caminhou até o meio do salão, com ao seu encalço.
— Você sabe o quê — insistiu, afoito. — Acho que já percebeu, . É a fantasia. Ela está me afetando.
— Você é meu irmão, porra! — gritou, nervosa. — Eu não vou te deixar aqui. Não posso simplesmente fazer isso.
— Tire ela daqui, . Tire todos — implorou. — Fujam, por favor! Eu não quero machucar nenhum de vocês.
Eu pude ver a relutância preencher meu irmão e minha cunhada por inteiro. e não queriam deixá-lo para trás. E eu também fora envolvida pelo mesmo sentimento. e eu éramos melhores amigas desde a infância, nós crescemos juntas. E era Cody quem estava ali, vestido de Creeper, o irmão mais velho de , o melhor amigo de . O nosso amigo. Aquilo não combinava com ninguém do nosso grupo. Não éramos de deixar amigos para trás. Não podíamos.
Ainda assim, nós fomos. Após muita hesitação, obviamente, e mais alguns gritos de Cody, enfim saímos correndo lá de dentro. Encontramos alguns carros velhos ali fora e, veja só… Tinha, também, uma van — o que seria perfeito para nós.
— Vamos pegar a van — ordenei, tomando a frente. — Estamos em dez pessoas, certo? E a gente não tem ideia de que merda aconteceu, então é melhor que não nos separemos.
— Permanecer juntos — meu namorado concluiu. — É a melhor ideia.
— É isso aí — disse . — Se lembram dos filmes de terror, né?
— Se separar é sempre uma péssima ideia — complementou a questão de e eu me dei conta que, pela primeira vez na noite, eles não ficaram se provocando. A coisa estava mesmo séria.
— Eu dirijo — meu namorado anunciou ao entrar do lado do motorista.
Todos nos apressamos para entrar no veículo e darmos o fora dali. como motorista era uma ótima pedida. Ele estava acostumado a dirigir vans, pois passara quase um ano trabalhando para uma empresa de entregas. Liguei o rádio para amenizar o clima de nosso grupo de amigos e deixei na estação já sintonizada. Felizmente, a música que tocava era conhecida e tinha um ritmo legal.
— Jeepers creepers, where'd ya get those peepers?— cantarolou junto com a música. — Jeepers creepers, where'd ya get those eyes?
— Está louca, ? Para de cantar isso! — mandou em um rompante de desespero. — E, , pelo amor de deus, desliga esse rádio.
— Por quê? — perguntei ao desligar e então minha ficha caiu. — Puta merda!
— Ah, que merda. Isso é ruim — comentou Adam. — Se Cody está mesmo sentindo os impulsos do Creeper, ele pode muito bem acabar vindo atrás de nós.
— Do que vocês estão falando? — indagou, perdido.
— Não se lembra do filme? — Meu queixo caiu.
— Ah, , faz tempo que assisti — respondeu em tom de desculpas. — Não me lembro direito.
— Isso é inaceitável — reclamei. Meu namorado tinha que saber mais sobre os filmes de terror que eu gostava.
— A mulher fala sobre isso no filme — explicou a ele e a todos mais que ainda estivessem perdidos.
— “Quando ouvir essa música tocar, corra” — citei.
— E como quer que eu corra? — retrucou, agitado. — Estamos no meio do nada.
Sua exasperação foi interrompida quando aquela buzina terrível e superalta ecoou em nossos ouvidos. Coloquei a cabeça para fora da janela e olhei para trás. Era o caminhão velho do Creeper. Meu coração quase saiu pela boca. Droga, Cody.
— Merda. Merda. Merda. Merda. Merda! — exclamava sem parar.
— O que foi agora? — perguntou.
— Mas não é possível que você não consiga nem se lembrar dessa buzina! — berrou, ríspida.
— Pisa no acelerador! — gritei também, aturdida.
Então o velho caminhão bateu atrás da nossa van com violência. Todos gritaram, alguns de medo, outros xingando, amaldiçoando toda essa merda que estava acontecendo com a gente. Cody indubitavelmente estava agindo como o Creeper. E isso era terrível. Terrível para ele, por ter sua consciência deixada de lado e ser obrigado a ceder aos impulsos daquele supervilão horrendo. E terrível para nós, que estávamos sendo caçados pelo nosso querido amigo.
— Tira a van da estrada — meu irmão gritou.
Ele era mesmo o mais inteligente de nós. Fiz o que ele ordenara o mais rápido possível. Levei minha mão ao volante e o girei para a direita, fazendo com que o veículo saísse da estrada. demorou para reagir e pisar no freio. Mas logo tudo havia acabado. Desci da van e corri até a beira da estrada. As três garotas correram para me acompanhar. Olhamos para o caminhão antigo seguindo o seu caminho estrada à frente.
— Ele não está voltando — observou.
— Ainda bem — comemorou, aliviada. — Aquele monstro poderia nos matar em dois tempos.
— Olha, ele pode até ser um monstro agora ou estar agindo como um… — Passei a mão nos cabelos. — Mas aquele é o Cody, o nosso Cody. Não podemos nos esquecer disso.
— Existe apenas uma situação em que a gente deve se esquecer de que ele é o Cody, o meu irmão — disse, lamentosa. — Se chegarmos a um ponto de vida ou morte, em que for nós ou ele, precisamos deixar isso de lado e escolhermos a nós mesmos.
— Espero que não precisemos chegar a esse ponto — suspirou.
— Cara, de onde saiu tantos corvos? — Adam chegou perguntando.
— Os corvos acompanham o Creeper — expliquei, sem desgrudar os olhos da estrada por onde o velho caminhão tinha seguido. Ele podia retornar a qualquer momento e, se fôssemos pegos desprevenidos, seria o nosso fim.
— , fica parada — alertou. — Tem um em volta de você.
Olhei de canto e avistei um corvo pousando no meu ombro. Babaca maldito! Revirei os olhos, já pegando a faca que estava no meu coldre para espantá-lo.
— Ai, que inferno! — amaldiçoou. — Um filho da puta de um corvo me bicou.
O corvo em meu ombro se mexeu e eu agi em um reflexo rápido. Cravei a faca nele e o joguei longe. trouxe a van de volta para a estrada e gritou para que entrássemos, afinal, não podíamos ficar ali com todos aqueles corvos nos bicando, aparentemente ávidos a nos devorar.
— Ei, eu estou doido ou essa não é a nossa estrada? — reparou, incerto. — Não é a Craven Road, né?
— Você está certo, viu? — respondeu-lhe. — Só que não trocamos de estrada em nenhum momento.
— A maldição ridícula dos irmãos Craven deve ter mesmo funcionado — compreendi, por fim. Eu, a cética do grupo. Só podíamos estar muito ferrados mesmo.
— Não acredito — choramingou para . — Eu realmente ainda estava pensando que tinham feito uma pegadinha muito bem elaborada com a gente.
— E você acha que pensei o quê, mulher? Apesar de a ser mais cética que todo mundo, eu também não acredito muito nessas coisas, mas olha o que está acontecendo. — Bufou, apontando ao redor. — Meu irmão nos perseguindo na estrada e querendo nos devorar. Corvos nos bicando como se fôssemos sua fonte número um de alimentação. E agora uma estrada desconhecida que nunca pegamos.
As conversas pararam por um instante e minha mente começou a repassar os momentos de terror. Foi aí que uma coisa me ocorreu. Aquela faca de brinquedo da minha fantasia tinha perfurado o corvo. Eu havia comprado o objeto junto com o colete rosa para cosplay, já que eu ia me fantasiar de Claire Redfield e combinar com o meu namorado e o meu irmão — que se fantasiaram, respectivamente, de Leon S. Kennedy e de Chris Redfield. Peguei um pano qualquer no porta-luvas para limpar a lâmina ensanguentada. Que inferno! Passei o dedo em cima da insígnia do S.T.A.R.S que estava entalhada na parte de cima da lâmina reluzente, perto do cabo. A faca era realmente de verdade. Mas como…?
— Olha lá as luzes! Estamos chegando na cidade — a voz de Michael interrompeu meus devaneios. — Seja lá para qual cidade essa estrada esteja nos levando.
— Tem luzes demais — notou. — Essa cidade é muito maior do que a nossa.
— Ah, não — lamentou. — Vejam aquela maldita placa.
Eu olhei imediatamente e li o que estava escrito. Eram palavras que eu jamais desejaria ver fora da tela de uma televisão ou de um computador.
Lar da Umbrella”
— Ah. Meu. Deus. — socou o banco em que eu estava, me fazendo tremer. — Por que escolhemos justamente essas fantasias?
Todos sabiam que a escolha havia nascido da cabeça dela, e todos nós concordamos com a ideia. Ninguém falou nada a respeito daquilo. Não era como se fosse culpa dela.
— Estamos tão ferrados — falei o óbvio. — Tão, mas tão ferrados.
A noite, de fato, tinha vindo a nós.
Após mais algum tempo dirigindo, enfim chegamos na entrada da cidade. As barricadas já estavam violadas. Corpos jaziam no chão, com sangue e pedaços para todos os lados. Não ousamos descer, apenas passamos reto. Já dentro da cidade, diminuiu a velocidade da van e eu soltei um suspiro tão pesado que quase me choquei. Apenas quase, afinal um suspiro estava longe de ser um verdadeiro problema na “noite de terror” que um dos supostos irmãos Craven havia prometido. Retorci os lábios. Já estava mais do que na hora de deixar de lado a palavra “suposto” para qualquer coisa daquela noite. Estávamos mesmo fodidos.
Esgueirei-me meio que por cima de para espiar pela janela. Aterrorizante demais aquele cenário com ar fúnebre. Estremeci e me afastei da janela. ficou me observando, mas não fez nenhum comentário — o que era um milagre. Levei a mão à boca e mordi minha unha de leve. Estávamos mesmo em Raccoon City. Não uma réplica nem um cenário de uma festa temática; a Raccoon City dos anos 1990. Eu sempre fora uma fã assídua de Resident Evil desde o primeiro jogo na mansão Spencer, lia os papéis e tudo o mais que eu encontrasse pela frente, tentava zerar sem salvar ou salvando apenas uma vez. Era uma diversão e tanto.
Mas, cara… Jamais sequer cogitara a possibilidade de um dia vir parar nessa cidade, e nem sei se desejava isso. No jogo era legal, óbvio, mas lá quando você morria tudo o que recebia era uma tela com letras ensanguentadas dizendo “você está morto” e então tinha a chance de continuar jogando a partir da máquina de escrever em que salvara o seu progresso pela última vez. E isso aqui não era um videogame, era a vida real com uma maldição de merda fodendo com a gente. Espiei de novo por cima de . O estado deplorável em que Raccoon se encontrava só podia indicar uma coisa…
— O vírus já se espalhou — ecoou meus pensamentos.
— Ou seja… — Meu irmão falou. — Essa é a confirmação de que realmente estamos fod…
Adam foi interrompido por um barulho de motor, seguido de um baque. Alguém havia acabado de bater em nós. E não parecia que iria tirar o pé do acelerador tão cedo.
— Temos que sair da van agora — advertiu, sua voz soava um pouco distante. — Cheiro de gasolina. Rápido!
Uma movimentação célere começou ao meu redor. Tentei acompanhar meus amigos e grunhi, levando a mão ao ombro esquerdo, que latejava de dor. Uma vertigem me abatia. Não conseguia raciocinar direito. Um dos garotos envolveu seus braços ao meu redor e me ajudou a sair do veículo. Do lado de fora, percebi as tatuagens em seu braço esquerdo e a algema quebrada em seu pulso direito. A fantasia de Billy Coen significava . Claro que havia sido ele.
— Você está bem? — repetiu pela milésima vez e eu assenti com um aceno de cabeça meio tonto.
— Venham, temos que sair de perto! — berrava, puxando Michael com ele enquanto fazia sinal para nós.
Demos alguns passos apressados e, então, fui jogada para frente junto com os outros três, sendo afastada do toque de . O calor me atingiu em uma onda explosiva, mas não me queimou. O barulho da explosão, porém, deixou meus ouvidos zunindo. Nossos amigos se abaixaram perto da gente, por certo para ver se estávamos bem. Pressionei as mãos contra as orelhas e tirei-as algumas vezes, tentando desentupi-los até que, por fim, voltei a escutá-los. Ao que me parecia ao olhar ao redor, agora eu não era mais a única machucada. , Michael e também sentiam dores, dava para ver em suas expressões, e os três exibiam alguns machucados em suas peles. Michael tinha um corte leve na perna que, pelo que havia comentado há pouco, acontecera na hora da batida. tinha alguns arranhões na barriga, eu não sabia de quando. E … Bem, eu não conseguia enxergar daqui.
— , você está bem? — ele perguntou outra vez, aproximando-se de mim.
— Ombro machucado — disse ao me levantar, sendo amparada por ele de novo. Um filete de sangue escorria no canto de seu rosto. — Você está?
— É, está doendo um pouco. — Levou a mão à cabeça. — Mas vou sobreviver.
— , cuidado! — Ouvi gritar e me virei, tentando acompanhar seja lá o que fosse que estivesse acontecendo agora nesse inferno.
andou apressada, dando uma leve corridinha. Então sacou a Beretta nove milímetros do coldre e atirou sem nenhuma hesitação. A bala atravessou a cabeça de um zumbi macabro que se encontrava bem atrás de um desatento . O zumbi caiu no chão com um som nojento e fiquei boquiaberta. Fora um headshot perfeito. Era como se tivesse feito aquilo a sua vida inteira. No entanto, eu sabia que ela jamais havia pegado em uma pistola antes.
— De onde você tirou essa arma? — perguntou , chocada.
— Gente, acho que todos vocês deveriam dar uma checadinha em suas armas e facas de brinquedo — comentou em um tom misterioso.
Fiz o que ela pediu e arfei de surpresa. Eu tinha certeza que todos os adereços de nossas fantasias eram réplicas, todos de brinquedo para completar o fingimento que a noite de Halloween exigia. Só que agora… Meu deus do céu, eu não podia acreditar naquela maluquice. Tudo agora era de verdade.
— Como…? — Foi tudo o que a minha mente não tão genial assim deixou escapar.
— Não faço ideia. Eu percebi isso dentro da van, quando vimos a maldita placa. — Ela deu de ombros. — Demorei para me dar conta que eu tinha esfaqueado aquele corvo e que não poderia ter feito aquilo se a minha faca do S.T.A.R.S. fosse de brinquedo.
— Por que você tem uma faca do S.T.A.R.S. se você não...? — Michael começou, mas foi interrompido por um tapa da sua irmã. — Ai, para com isso, sua doida!
— É porque ela é a Claire Redfield, seu burro! — revirou os olhos, impaciente. — Irmã do Chris Redfield. Ele deu a faca para ela.
— Ah, é verdade! Me desculpa, está bem? — resmungou. — Eu tinha me esquecido. Não preciso me lembrar dessas coisas quando me fantasiei igual ao personagem de Olhos Famintos.
— Hello — chamei. — Temos que chamar ajuda para conseguirmos sair daqui.
— Já pensei nisso — disse Adam, batendo o smartphone em sua mão. — Meu celular não está funcionando.
— Nem o meu. — ergueu o celular para nos mostrar e depositou-o de volta em seu bolso.
— Óbvio que não, né!? — bufou. — O que mais vocês esperavam?
— Como assim? — se afastou do zumbi e apertou a mão de sua namorada em um gesto de claro afeto e também agradecimento.
— Raccoon City ainda existe — refleti. — E o vírus já tomou conta da cidade, o que nos deixa em…
— É, estamos em 1998 — completou o pensamento. — E isso significa: sem nossos smartphones da segunda e terceira década do século XXI.
— Pois é. — fez careta. — Temos que descobrir em qual dia viemos parar.
— Não precisa, olha aqui. — apontou para alguma coisa que eu acabei não prestando atenção por estar preocupada demais com meu ombro dolorido. — É 30 de setembro.
A dor pareceu se alastrar até a ponta dos meus dedos quando ouvi a data. Que merda! Estávamos mesmo cada vez mais fodidos.
— Madrugada do dia 30 de setembro para primeiro de outubro — reforçou.
— A última noite da cidade — falou o que a maioria de nós evitava.
— Beleza, é só sobrevivermos a uma noite em Raccoon City. — esfregou as duas mãos em um gesto que fazia parecer que aquilo era coisa fácil. Ele esforçou-se para ser positivo ao nos lembrar: — A maldição dos Craven dizia que tudo acabava com o primeiro raio de sol, não foi?
— Sim, precisamos buscar o sol, me recordo bem disso porque soou poético, ainda mais do jeito que aquele cara recitou — disse , soando mais escritora do que nunca. — É só que… Bem, temos um problema, é óbvio.
— Um, você diz? — A voz de saiu carregada de sarcasmo. — Nós temos vários. Eu não consigo nem contar nos dedos.
— Olha, , estamos praticamente dentro de um jogo de Resident Evil e nós praticamente somos os personagens que tanto amamos — Adam desandou a falar. — Você terá que ser mais específica. Muito mais.
— Ai, deus! Certo. Temos mais um problema — enfatizou, rabugenta. — E ele é bem grande… e destrutivo.
— O míssil — constatei.
— Míssil? — ecoou.
— Sim, porra! — respondi, aflita. — Ao amanhecer do dia primeiro de outubro de 1998, um míssil enviado pelo governo varre a cidade do mapa.
— Ou seja, não precisamos apenas sobreviver a esta noite — explicou para quem ainda não tivesse entendido a minha preocupação. — Temos que dar um jeito de sair da cidade antes do amanhecer.
— Pessoal! — gritou ao longe. — A gente estava checando as redondezas, e é o seguinte: temos um problema enorme vindo nos pegar.
— É o Nemesis! — Michael encerrou o mistério, correndo em nossa direção.
— S.T.A.R.S.! — Aquele grito monstruoso fez o meu corpo inteiro se arrepiar, o medo tomando conta de cada célula do meu ser.
— Por que ele está atrás de nós? — arregalou os olhos. — Ele não deveria perseguir e matar apenas os membros do S.T.A.R.S.?
— É exatamente o que ele está fazendo, caramba! — exasperou-se. — Olhe para as nossas roupas! é a Jill, é o Chris e é a Rebecca.
— Dois do Alpha Team, e eu, do Bravo — acrescentei devagar como se aquela informação fosse relevante de algum modo. Não era, eu sabia. Mas meu amor pelos jogos fazia isso comigo.
— Nós somos os S.T.A.R.S.!? — repetiu o óbvio, perturbada.
— Corram! — gritou.
— Precisamos tentar enganar ele — declarei.
Jamais pensara que ser do Esquadrão de Táticas Especiais e Resgate da RPD poderia se tornar algo ruim. E olha isso, eu nem mesmo fazia parte do S.T.A.R.S., não de verdade. Era apenas a minha fantasia de Halloween! Droga, Nemesis! Por que aquele monstro não podia diferenciar?
, e eu nos juntamos. Sabíamos que era nós três quem o Nemesis realmente queria. Éramos do S.T.A.R.S., afinal. Juntos, bolamos um plano rápido para tentarmos enganar o Nemesis e, assim, fugir com nossos amigos e nos distanciarmos dele. Não tivemos muito tempo para pensar nas consequências e nas milhares de possibilidades que aquilo tinha de dar errado. Corremos na direção indicada e, quando parecia ter uma chance de dar certo, aquele monstro apareceu bem ali, nos encurralando.
— ! — gritou , em desespero.
O som de algo sendo atravessado me atingiu em cheio. Algo não, alguém. Aquilo era som de carne sendo arrebentada.
— Não! — berrei a plenos pulmões ao perceber o que se passava.
Meu irmão Adam… Ele havia se interposto entre Nemesis e eu. Adam levara em cheio o golpe de Nemesis. Um golpe que era para mim. Só para mim. Não! Pelo amor de deus, não. Essa porra não podia acontecer. Encarei o estrago, imóvel, as lágrimas incessantes banhando o meu rosto. pôs seus braços em volta de mim e me arrastou para longe com ele até que eu caí em mim e comecei a correr também. Ainda assim, ele não ousou soltar meu braço. Conhecia-me, afinal. Sabia que, apesar de eu ter noção de que minha vida dependia de nossa fuga do Nemesis, eu provavelmente me viraria e iria de encontro a morte para ter mais uma chance de ver o meu irmão. Não tivera tempo nem de me despedir. Isso só fazia aquilo doer ainda mais.
Tudo o que se seguiu ocorreu como um filme em que eu apenas assistia, não interagia e não absorvia nada do que se passava na tela. De tão atordoada que eu estava com o acontecido, tudo o que eu conseguia fazer era correr para onde quer que me puxasse. Quando, enfim, conseguimos nos esconder, respirei fundo e voltei a pensar direito. Olhei para os meus amigos, para ver se estavam inteiros.
— S.T.A.R.S.! — Nemesis gritou de novo.
Estremeci, mas espiei para ver se ele ainda se mantinha nos arredores, nos procurando. O monstro ridículo agora caminhava para longe de nós.
— Ele está indo para outro lado — observou.
— Sabe, ele pode ter visto a Jill de verdade — comentou.
— É, ou algum outro membro do S.T.A.R.S. — adicionou.
— Isso é muito doido. — passou a mão no rosto para afastar o suor da corrida. — Tipo, em nível que sou incapaz de mensurar.
— Temos que voltar para Adam — lembrou-os, mas foi para mim que olhou. Estendeu a mão para me ajudar a levantar. — Vamos.
Aceitei sua ajuda para me pôr de pé e tomei a frente da tropa. Corremos até o lugar onde havíamos deixado Adam para trás, e lá estava ele, estirado no chão com toda aquela poça de sangue ao seu redor. Ajoelhei-me ao lado dele, sem me importar com o sangue.
— Por quê, Adam? Por quê? — implorei, incapaz de controlar as lágrimas outra vez. — Por que fez essa idiotice?
— Eu precisava te proteger, irmãzinha. — Adam segurou minha mão com o pouco de força que ainda o restava.
— Mas, Adam… — solucei. — Inferno, não havia outro jeito? Tinha de haver.
— Talvez, … Talvez eu poderia ter te tirado de lá a tempo. — Ele cuspiu um pouco de sangue. — Eu… eu me apressei. Não pensei… em nada. E-eu só… precisava te salvar — esforçava-se para dizer, lutando contra a morte o máximo que conseguia. — Eu tomei o golpe no seu lugar. Eu… precisava.
— Não! Adam, fica comigo! — Abracei-o ao assistir a vida de Adam se esvair. — Eu te amo, meu irmão. Não posso te perder. Eu…
Entreguei-me ao choro e aos soluços ao segurar seu corpo sem vida. Não sei quanto tempo depois, alguém tocou o meu ombro e eu o soltei. Levantando-me e jogando os meus braços em volta do primeiro corajoso a tocar em mim. Era . Chorei em seu ombro como nunca antes fizera.
Andamos pela cidade, fugindo dos zumbis. Uma coisa feliz que podíamos tirar disso era que, diferente de algumas outras histórias de zumbis, os de Raccoon City eram meio lentos, do mesmo jeito que nos três primeiros jogos, lá do primeiro Playstation. Portanto, não era tão difícil de fugir sem precisar gastar nem sequer uma bala.
Todo mundo do grupo permanecia em silêncio na maior parte do tempo, focado em sobreviver e em tentar processar toda aquela situação de merda. Meu irmão mais velho tinha sido assassinado pelo Nemesis. Por deus, quando foi que imaginei que sequer pensaria em uma coisa dessas? Parecia irreal, ou então surreal. Eu nem sequer sabia mais que palavra melhor se encaixaria aqui. A morte de Adam era o elefante na sala, ninguém queria comentar sobre o acontecido. Eu os entendia. Entendia mesmo. Mas na minha cabeça isso era tudo o que continuava se repetindo sem cessar. Adam não podia ter morrido. Não podia. Ainda era jovem demais. Todos nós éramos.
Para ser justa com os meus amigos, quando eles se cansavam de ficar naquele silêncio aterrador intervalado apenas por murmúrios lastimantes de zumbis, tendiam a falar comigo, despejar algumas palavras de consolo. Eu estava acabada, sem chão, porém sabia que a morte dele tinha afetado todo mundo. Éramos como uma família, todos nós — era impossível negar esse fato.
— Vamos entrar aqui para nos esconder por um tempo — anunciou . — O prédio é grande, eu sei, mas só tem dois andares.
— Podemos ter menos complicações aqui, já que os outros são maiores — concordou , balançando a cabeça. — Prédios maiores significam mais pessoas.
— Mais zumbis, no caso — o corrigiu.
e fizeram a frente, sendo seguidas de perto por , que agora empunhava o armamento que surgira da fantasia de Nicholai Ginovaef do meu falecido irmão. Eu teria ido junto se não estivesse tão para baixo.
— O hall de entrada está livre. — apareceu na porta um minuto depois de elas entrarem. — Podem entrar.
Assentimos e a acompanhamos para dentro.
— Ei, olha isso! — indicou um canto do recinto.
— É exatamente igual ao jogo mesmo. — O queixo de estava caído.
Minha atenção — assim como a de todos os outros — se voltou para onde as garotas apontavam. Para o meu choque, haviam dois vasos de planta próximos à parede, um bem do ladinho do outro. As plantas verdes. Iguaizinhas ao jogo.
— Será que funciona como no jogo também? — perguntou . — Temos que descobrir como usar para nos curarmos.
— Aposto que deveríamos fumá-las — Michael falou como se fosse óbvio. — Olha bem para elas, parece muito Cannabis.
— Meu deus, você só pensa em maconha! — estapeou o ombro de seu irmão. — Seu pirralho drogado.
— Ai, merda! — reclamou, esfregando o local em que ela batera. — Por que você sempre fica me batendo? Não é como se você nunca tivesse fumado, né!
— Será que os desenvolvedores curtiam uma ervinha e aí decidiram criar esse item? — sugeriu, debochada.
— Sim! Já pensou!? — riu, divertida. — Pode ter sido tipo: por que não criamos uma erva verde que recupera a energia vital do personagem?
— Meninas, vocês estão perdendo o foco — se pronunciou. — Temos que descobrir como usá-las. , Michael, e se machucaram quando chegamos e, bem, é possível que precisemos disso logo, afinal, estamos em Raccoon City.
— Ele está certo — concordou .
— Parem de falar por pelo menos um segundo, porra! — estressei-me. — Eu preciso pensar.
— Pensar no quê, exatamente? — olhou para mim.
— Em como fazer essa coisa — murmurei.
— Espera, é isso! — empolgou-se. — está fantasiada de Rebecca. Ela é médica do S.T.A.R.S., ou enfermeira, sei lá. Não importa.
— E daí? — não conseguiu processar a relevância da informação.
— Rebecca Chambers — apresentou. — Especialista em produção, preparação e administração de medicamentos.
— Mas ela é a , não a Rebecca — observou . — No que isso ajudaria?
— Pensem um pouco — começou uma explicação, mas o interrompi, um tanto afobada.
— nunca tinha pegado em uma arma antes e acertou um tiro, de primeira, bem na cabeça de um zumbi! — elucidei. — Isso foi 100% Jill Valentine. Ela claramente tem algumas das habilidades da nossa querida Jill.
— Pois é, eu também notei isso! — balançou a cabeça para cima e para baixo algumas vezes e ergueu sua faca do S.T.A.R.S. na minha direção. — Percebeu como minhas habilidades com essa faca estão boas?
— Tá, espera. — coçou a cabeça. — Isso quer dizer que temos algumas das habilidades dos personagens das nossas fantasias?
— Provavelmente — concordou . — E é nesse momento que eu gostaria de estar vestida de alguém com habilidades bem incríveis.
— Pelo menos a Trish sobrevive no fim do filme. Pior é eu que estou vestido justamente como o personagem que é levado e, depois, morto — Michael reclamou e então arregalou os olhos. — Merda! Espero que Cody não saia voando.
— Não desviem do assunto — pediu ao ver como eu continua pensando, tentando alcançar uma informação que estava logo ali, quase na ponta da língua.
— É só ingerir a planta — falei o que veio na minha cabeça.
— Tipo morder a folha e engolir? — fez careta.
— Não. Triturar, criar uma espécie de pasta e, só então, ingerir — esclareci, apenas deixando as informações saírem. Não sabia de onde elas vinham, mas tinha certeza que era assim que funcionava. — Isso ajuda a curar os ferimentos mais rápido. Dá aqui que eu mesma faço.
— Eu te ajudo — dispôs-se, já tomando a frente e indo colher as plantas.
— E, enquanto isso, precisamos encontrar munição — alertou aos outros.
— Se encontramos essas plantas e esse mundo maluco funciona como o jogo… — andava de um lado para o outro, concentrada em seu raciocínio. — É bem provável que encontraremos munição jogada em algum lugar por aí.
— Certo — assentiu e sacou sua arma da roupa de policial de Leon S. Kennedy. — Vamos checar o perímetro.
Meus amigos estavam bem na minha frente, mas eu os escutava como se estivessem distantes, tamanha era a minha concentração na atual tarefa. Sem contar, obviamente, que eu não conseguia tirar Adam da minha cabeça. Sentei-me no chão, escorada na parede, e comecei a mexer naquelas plantas. Eu ainda estava meio desligada por causa do que havia acontecido. Eu podia ser meio Rebecca Chambers, porém ainda era apenas , a garota que perdeu o irmão mais velho para um personagem de videogame que não deveria existir.
— Tenta não pensar tanto no que aconteceu — murmurou ao se sentar na minha frente.
— E como eu não vou pensar? — descontei tudo nele, mesmo sabendo que ele não merecia. Ninguém merecia, exceto, talvez, eu mesma. — Meu irmão morreu, ! Me deixe em paz.
— Ei, ei, . Eu vim em paz. — Ergueu as mãos em um claro sinal de rendição. — Não estou tentando te deixar para baixo. Só quero tentar te ajudar de qualquer jeito que for possível.
— Pois saiba que não é possível — retruquei, meus olhos lacrimejando. — Ou será que você só quer se aproveitar que estou vulnerável para ser um babaca e dar em cima de mim como sempre?
— Eu jamais faria isso. Não em um momento desses — garantiu. — E eu me segurei tanto para não te chamar de “gata” nenhuma vez.
— Você o quê? — Franzi o cenho, mas, de algum modo, aquilo fez uma risada escapar da minha boca.
— Isso! Gostei disso. Continue assim e não me bata quando eu disser as próximas palavras — pediu, sério, e eu o fuzilei com os olhos. — Tudo bem, vou falar de qualquer jeito porque acho que você precisa escutar isso: não foi culpa sua.
— Porra, , é claro que foi. — Remexi-me, incomodada.
— Não, não foi — enfatizou e esperou em silêncio até que minha expressão se suavizasse antes de falar novamente: — Já posso voltar a te chamar de “gata”?
— Garoto chato da porra — resmunguei, rindo. — Pode, está bem? Agora me ajuda aqui.
— É só me mostrar como fazer, gata.
sorriu para mim e eu revirei os olhos em resposta. Peguei uma das plantas que ele trouxera e mostrei o modo como ele deveria manejá-las para termos nossa pasta curativa pronta o mais rápido possível.
— Posso ajudar vocês? — Michael se aproximou devagar.
— Com certeza. — Fiz sinal para ele se sentar junto com a gente.
— A gente te mostra como faz. — passou algumas folhas para ele.
— Valeu mesmo. Eu ia com o resto do povo, mas sei lá, eles estão todos em casais. — Seu rosto se franziu em uma careta desconfortável. — Então vim até vocês, que ainda não são um casal.
— Ah, que interessante! — levou um dedo até seu queixo, em uma clássica pose pensativa. — Gostei do “ainda” nessa frase. Logo a gente muda o status, não é, gata?
— Ah, meu deus! Cale essa maldita boca — xinguei, mas não pude evitar uma risadinha. — Só nos seus sonhos.
Saímos andando pelo prédio para checar o perímetro juntos, porém e se separaram de nós quando encontramos uma escada que dava para o segundo andar. Os dois subiram enquanto , , e eu continuamos pelo corredor escuro.
— Ah, cara… — suspirei. — Como seria ótimo estar naquela festa de Halloween.
Adam, Cody, Michael e eu havíamos passado o mês inteiro preparando as coisas para fazer daquela a melhor festa. Era para ser a festa do ano. Era a melhor todos os anos, para falar a verdade. Dessa vez, entretanto, os organizadores éramos nós. E agora, Cody estava desaparecido, andando por aí agindo como o Creeper e se alimentando sabe-se lá com a carne de quem. Sacudi a cabeça. Eu não gostava nem de pensar nisso. Cody sempre fora uma boa pessoa, não deveria jamais ter de passar por algo assim. E o Adam, então… Cara, aquilo não podia ter acontecido. Puta merda, sabe! Adam estava morto e eu agora empunhava as armas da fantasia dele de Nicholai Ginovaef. O nosso amigo tinha sido levado desse mundo pelas mãos do Nemesis. E eu que sempre fiz piadinha dizendo que, se um dia encontrasse o Nemesis, ia querer tirar uma foto. Idiota! No momento, tudo o que eu desejava para aquela criatura era a mais dolorosa morte.
— Nem me fale! Estamos perdendo a festa do ano — lamentou. — Queria tanto estar bêbada dançando com a , a e você.
— Ei, mas e a gente? — reclamou.
— Iam ficar só assistindo, ora essa — respondeu o óbvio.
— Ou podíamos dançar junto — sugeriu e arqueou as sobrancelhas.
— Você só dança comigo, meu bem. — Ela piscou para ele e eu ri um pouco.
— A verdade é que vocês não conseguiriam nos acompanhar — apontei.
Como era bom tirar um momento para rir e descontrair em tempos como aquele. Pena que só durava alguns míseros segundos.
— Nossa! — exclamou . — Esse lugar é maior do que eu pensei.
— Claro que é. — Revirei os olhos, bufando ao constatar o que aquele lugar me lembrava. — Por que parece que estamos indo diretamente para uma porta que vai dar em um laboratório secreto da Umbrella?
— Porque estamos em Raccoon City — suspirou em puro desânimo. — Ah, que ótimo. Ainda teremos que nos dividir outra vez.
Paramos na frente de uma bifurcação e eu deixei meus ombros cair. Cada vez as coisas se tornavam mais sinistras. apontou ele e com a cabeça e fez sinal para um dos lados, depois foi a vez de apontar e eu para que seguíssemos para o outro lado.
— Nos encontramos de volta no hall de entrada — ordenou , soando cada vez mais confiante, quase como eu imaginava que Chris Redfield soaria na situação.
Os dois seguiram lado a lado pelo corredor da direita. Jill e Chris, quase como se um shipp tivesse se tornado realidade. Balancei a cabeça e suspirei. Aquele também fora o combinado com e . Como , Michael e tinham ficado lá, era o lugar mais prático para ser o nosso ponto de encontro. Segurei firme na minha pistola e, então, e eu pegamos o caminho da esquerda. Não muitos passos depois, um som de algo caindo alertou meus ouvidos. O barulho foi seguido de uma espécie de gemido de dor.
— Você ouviu isso, né? — Olhei para o meu namorado, atenta. Ele anuiu. — Certo, então vamos lá ajudar.
— Ajudar? — me fitou, incrédulo. — Não é uma pessoa, . É um zumbi! Um não. Pode ser até vários.
— Acha que eu não sei a diferença? — retorqui, chateada.
— Sinceramente? — Ele respirou fundo. — No momento, eu acho mesmo que você não sabe. De outro modo, não ia querer ir lá.
— Você que não sabe a diferença! — irritei-me. — Alguém pode morrer por causa do seu egoísmo.
— Ah, agora eu sou egoísta? — Levantou o tom. — Você pode morrer se eu não for o que você chama de egoísta, . Só estou tentando não ser burro.
— Ah, certo. Então eu sou a burra, né? — gritei de volta, usando meu braço para empurrá-lo para o lado.
— Pelo amor de deus, será que você não consegue enxergar? — Ergueu as mãos para o céu. — Já nos separamos duas vezes. Erros e mais erros.
— E fui em quem sugeri isso, por acaso? — Cerrei o punho livre.
— Não, mas agora está querendo fazer exatamente como nos filmes! — grunhiu. — Quer ir bem para o lado em que a gente acaba morrendo.
— Estou tentando salvar uma vida, ! — Revirei os olhos com tanta força que não me surpreenderia se eles saíssem de órbita. — Pelo menos não fico parada, sem fazer nada, sem ajudar ninguém.
— Eu pareço parado para você, ? — rebateu. — Eu não quero te ver morrer, porra! O que diabos você quer que eu faça?
— Eu quero que pare de ser um babaca! — explodi de vez.
— Agora eu também não sou bom o suficiente para você — soou cansado. — E o que vem em seguida, ? Vai desistir de mim?
— Quer saber? — berrei. — Vou, sim. Acabou, !
— … — Ele estreitou os olhos, então suspirou. — Então, é isso.
— E eu estou indo.
Dei-lhe as costas e segui na direção que eu havia indicado, batendo o pé. Eu estava com raiva, extremamente irritada. Por que ele tinha que agir daquele jeito? Meus olhos estavam marejados e eu não queria mais saber daquilo. Iria salvar aquela pessoa.
— , pelo amor de deus, não vai aí — implorou. — Puta merda! Volta aqui!
Ouvi seus passos correndo na mesma direção que eu assim que entrei na sala de onde o barulho provavelmente tinha vindo. Olhei ao redor e fui até a parte de trás de uma mesa. Havia alguém no chão. Eu não era burra. Sabia que podia ser um zumbi estirado ali. Por isso, eu tinha cuidado. No fim das contas, era uma mulher. Outro gemido de dor perpassou o ar. A mulher estava mesmo viva. E ela não era um zumbi.
— Não — clamou ela. O pavor transparecia em seus olhos.
— Ei, calma — pedi com o tom de voz mais sereno que fui capaz de adotar. — Nós não somos zumbis.
— Somos humanos — disse , já perto de mim outra vez. — E você estava certa. Tinha mesmo alguém aqui.
— Está machucada? — interroguei, abaixando-me ao lado da mulher. — Foi mordida?
— Não — respondeu em um gemido de dor. — Machuquei a perna fugindo daquelas coisas, mas não conseguiram me morder.
— Certo. — Levantei-me e comecei a mexer na mesa para ver se encontrava algo útil para a nossa jornada indesejada. — Qual o seu nome?
— Dra. White — respondeu imediatamente.
— Doutora? — ecoou enquanto eu analisava um cartão que encontrara sobre a mesa.
— Tammy White. Doutorado em bioquímica. — Ela olhou bem para . — Como você se chama, rapaz?
— Carlos Olivera — respondi antes que ele pudesse dizer seu verdadeiro nome, afinal, ela observava a roupa que ele vestia.
— Sr. Olivera, você é U.B.C.S., não é? É da Umbrella! — observou apressada. — Eles te mandaram para me buscar?
— Não — respondeu simplesmente —, mas vamos te ajudar.
— Sinto lhe informar, Dra. White, mas a Umbrella não está nem aí para nenhum de seus empregados, a não ser que estes tenham algo do interesse deles. — Guardei aquele keycard no meu bolso; poderia vir a ser valioso mais tarde. — Se quer mesmo saber, eles abandonaram os caras da U.B.C.S. que estavam com ele para a morte.
— Cuidado! — a doutora gritou de repente, olhando na direção de .
Virei-me e vi quando o zumbi chegou nele. se virou, mas a criatura já estava com suas mãos fétidas o tocando. De maneira automática, ele jogou os braços para frente, entre seu rosto e o maldito zumbi. Fiquei assistindo, atônita, o pânico percorrendo minhas veias. Saquei a arma outra vez, mas de que adiantava? O zumbi estava muito perto de e eu não sabia atirar. Droga de momento em que escolhi me fantasiar de uma sobrevivente de filme e não de uma atiradora de elite.
Para meu alívio momentâneo, conseguiu, enfim, afastar a criatura o suficiente para que fosse capaz de se mover. Ele ergueu a perna e chutou a criatura para afastá-la um pouco mais. Apenas então, mirou e deu um tiro no meio da testa do zumbi, que caiu no chão. A cena caótica passou-se em alguns segundos que pareceram longos demais, e então voltei a mim. A doutora! Precisava ajudá-la. Assim que virei-me, no entanto, ela berrou em agonia. Dois zumbis mastigavam sua carne.
— , vem — me chamou. — É um caso perdido.
Ele estava certo. Virei-me e dei de cara com seu antebraço ensanguentado. Sangue novo. Ah, merda!
— Ele te mordeu? — perguntei, aterrorizada.
— Vamos dar o fora daqui… — reforçou ele. — Agora!
Dei alguns passos para trás bem devagarinho, temendo um mero deslize meu. Continuei com a arma apontada para aquele dobermann infectado que me observava, faminto por minha carne. Eu não podia fazer movimentos bruscos. Senti atrás de mim e parei, minhas costas coladas nas dele.
— Só sobraram dois — murmurei.
— O que faremos agora? — usou o mesmo tom de voz baixo e suave que eu usara.
— Não temos muita munição — observei. — Precisamos fugir.
— E como faremos? — questionou-me.
— Instinto de sobrevivência — respondi de imediato. — Não se esqueça de que você tem algumas das habilidades do Chris. Vamos saber o que fazer, somos estratégicos.
— Certo — concordou. — Esperamos eles pularem para nos atacar e, então, nos abaixamos, rolamos para longe e corremos até a entrada principal do prédio.
— Confirmado. Se meu senso de localização ainda está impecável, devemos ir para a minha direita — instruí. — São trinta metros até a esquina, então, viramos à direita e corremos…
— Cerca de cinquenta metros até a porta — ele completou.
Os cachorros infectados estavam cada vez mais próximos. O dobermann na minha frente se preparava para atacar. Para a nossa sorte momentânea, havíamos dado um jeito de prender dois deles em uma sala com alguns zumbis. Assim, só sobraram dois para lidarmos agora — um em minha frente e um na de . Eles não tinham como nos cercar, pelo menos não de um modo que fosse impossível de sairmos. Seguindo a estratégia que meu noivo e eu montamos, eles iriam chocar-se um contra o outro. Isso os atrasaria alguns míseros segundos, o que já era mais do que o suficiente para tornar o instante útil para fugirmos.
E foi exatamente assim que aconteceu. Os cachorros pularam, partindo para o ataque. e eu seguimos o plano, rolando juntos para a minha direita. Pude ouvir o barulho e os gemidos de quando um cachorro se chocou com o outro no ar. Corremos. Corremos aqueles trinta metros como se nossa vida dependesse disso. E dependia. Quando dobrei a esquina, o que vi me fez estancar no lugar como se alguém tivesse posto cola nas solas das minhas botas.
— — chamei-o, aflita.
— Não pare! — berrou .
Ele também deu uma leve hesitada ao dobrar a esquina. Nemesis estava lá, cerca de meia milha de distância de nós.
— Não podemos simplesmente correr na direção do Nemesis! — O medo me tomava de um jeito que nunca faria com a verdadeira Jill Valentine.
— Não somos os únicos S.T.A.R.S., . Lembre-se de . — apertou o meu braço de um jeito reconfortante. — Ele vai pegar nossos amigos de surpresa se dermos meia volta. Agora vai!
Com seu último grito, desandei a correr, sendo seguida de perto por ele. Quanto mais rápido corrêssemos, mais cedo pegaríamos nossos amigos e fugiríamos dali. Isso, sim, era algo que Jill e Chris fariam. Entramos pela entrada principal sem nenhuma cerimônia. Michael e se assustaram, mas estava tão alerta que apontou a arma para mim no mesmo instante. Ao ver quem éramos, relaxou.
— Onde subimos estava limpo, sem ninguém. — retornou também, nos mostrando a mochila que carregava em suas costas. — Encontramos munições e mais algumas coisas.
— O que está acontecendo? — colocou as mãos na cintura enquanto observava nós dois; eu com as mãos apoiadas sobre os joelhos, arfando, e colocando coisas para manter a porta trancada.
— Precisamos fugir. Nemesis está vindo — avisei, ainda ofegante. — E dois cachorros infectados, também. Mas isso é o de menos perto do Nemesis.
— Acabei aqui — indicou as pastas verdes que os três haviam feito enquanto estivemos fora.
— Pode deixar que eu levo — Michael se ofereceu e ela as entregou para ele.
— Certo, é melhor levá-las mesmo, porque não podemos usá-las agora — refletiu . — Precisamos encontrar e e dar um jeito de sair daqui.
— Então vamos seguir na direção em que fomos mais cedo — comuniquei e todos aceitaram.
— É o seguinte: encontramos pouca munição — contou enquanto caminhávamos pelo corredor. — E um mapa velho da cidade.
— É isso! — se animou. — Também achamos um mapa! Era bem estranho, mas eu vi algo lá. Acho que pode nos ajudar.
— É bom que ajude mesmo — disse antes de e ele surgirem de outro corredor mais a nossa frente. Ele caminhava vagarosamente ao lado de sua namorada.
— Onde estávamos está infestado de zumbis, sem chance de acharmos qualquer coisa por lá — relatou. — A propósito, havia uma doutora da Umbrella lá e…
— Ela morreu — terminou o relato por ela.
o encarou de um modo estranho, abriu a boca para acrescentar mais algumas coisas, porém acabou não falando nada. Um alerta soou na minha cabeça. Tinha algo de muito errado entre aqueles dois. Respirei fundo e optei por não mencionar.
— Aqui, olha só. — apontou o dedo no outro mapa, que segurava aberto para ela. — Tem um túnel subterrâneo que nos leva desse prédio ao outro.
— Ah, que merda. — Revirei os olhos, bufando. — Isso é tão a cara da porcaria da Umbrella.
— É, mas não temos tempo para ficar enrolando — nos lembrou. — Vamos logo antes que o Nemesis nos descubra aqui.
Assenti e nós fomos pelo caminho indicado pela minha cunhada. Não demorou para encontrar a entrada secreta que descia para o subsolo onde o túnel deveria estar. Não me surpreendi nem um pouco ao darmos de cara com uma porta trancada — uma daquelas que nem as habilidades magníficas da Jill me permitiriam arrombar.
— Maldita Umbrella — praguejei. — Precisamos de um keycard deles.
— Ótimo, então — comentou com uma calma que me fazia querer estapeá-la. — Porque eu tenho um bem aqui.
Minha amiga enfiou a mão no bolso, tirou um cartão com o logo do guarda-chuva vermelho e branco da Umbrella Corporation e passou no leitor. O sorriso vitorioso em seus lábios não fora capaz de esconder o desgosto da situação.
— É isso aí, garota! — animei-me, ao menos um pouco, seguindo os meu amigos para dentro da sala agora aberta. — Onde foi que você achou?
— Tammy White — disse assim que fechamos a porta atrás de nós. — Doutora em bioquímica.
— Encontramos uma sobrevivente ferida — acrescentou . — Os zumbis a devoraram logo depois.
— E não somente a ela, não é? — despejou sua frustração para todos nós ouvirmos. — Esse babaca também foi mordido por um zumbi.
Meu queixo caiu. Fiquei imóvel, perplexa. Então era isso. As palavras dela indicavam que os dois haviam brigado, mas o modo como estava trêmula e furiosa demonstrava o quanto ainda o amava. E que não queria perdê-lo. estava com o vírus no corpo. Isso era ruim. Muito ruim.
— Precisamos encontrar o antivírus — disse , como se aquela fosse a coisa mais simples do mundo, e eu a amei por isso.
Queria ser a forte da situação e dizer que tudo ficaria bem, mentir… Mas não dava. Fechei os olhos e foquei na minha respiração. Não queria que meus amigos vissem meus olhos sequer lacrimejarem. Nosso bom e velho amigo Adam já havia partido. E seria o próximo. Quantos mais teríamos que perder até a porra do primeiro raio de sol tomar forma?
arrancou-me dos meus pensamentos ruins com o toque gentil de sua mão em meu pulso. Ele deu uma puxadinha de leve para que o acompanhasse, ficando para trás enquanto nossos amigos continuavam pelo caminho. Entrelacei nossas mãos e caminhamos devagar.
— Eu também não estou conseguindo lidar direito com essa coisa do — confessou, deixando um suspiro pesado escapar. Ele realmente me conhecia bem. — Como a nossa vida é louca.
— Nem me fale. Estávamos indo a uma festa e decidindo deixar nossos problemas para depois — recordei em tom choroso. — E agora, talvez não teremos um depois para resolver todas essas coisas.
— Nemesis, Adam, o ataque dos cachorros e, agora, sendo mordido — ele enumerou as desgraças da tempestade maligna que nos atormentava, e ambos paramos de caminhar. — Toda essa loucura que está acontecendo só me fez pensar em… Eu só consigo pensar em como eu podia ter perdido você em qualquer uma dessas situações.
— Mas não me perdeu. — Trouxe suas mãos até o meu rosto. — Eu estou bem aqui.
— Eu sei, e eu também, . — Ele mordeu o lábio de leve, como costumava fazer quando estava nervoso. — Mas por quanto tempo?
— Não ouse falar algo desse tipo — pedi, permitindo, enfim, que uma lágrima escapasse.
— Só quero me desculpar, meu amor, eu sei que te desapontei. — Olhou no fundo de meus olhos e limpou minhas lágrimas com seus polegares. — Eu ferrei com tudo, sei que ferrei. Mas eu prometo que nunca mais vou fazer isso.
— Eu sei que você não vai. — Sorri, abarcando seu rosto com ambas as mãos.
— Isso significa que você me perdoa? — Seus olhos se abriram mais, demonstrando surpresa por ter sido tão fácil.
— Claro que sim, era tudo momentâneo — confidenciei. — Só estava te dando uma dura para fazer você sofrer um pouco.
— Meu deus, não acredito! — Ele riu um pouco e então selou os nossos lábios de maneira afoita. — Eu estava mesmo morrendo de medo de você acabar com o nosso noivado amanhã.
— Se sairmos vivos disso, , pode ter a porra da certeza de que vamos adiantar esse casamento o máximo que pudermos.
— Só vejo vantagens.
Ele não parava de sorrir quando voltamos a seguir o caminho que nossos amigos fizeram.
— Aqui, pegue isso — disse . — Vai te ajudar a se curar.
Agradeci com um aceno e verifiquei aquela pasta verde estranha com uma careta de nojo. Parecia nojento. Muito nojento. Ainda assim, o machucado no meu braço não me dava escolhas. Ingeri o remédio, torcendo para que a dor se dissipasse em um passe de mágica. Infelizmente, porém, essa era uma maldição bizarra na vida real, e aqui, esse tipo de coisa não acontecia de uma hora para a outra. Ao menos nesse momento já tínhamos a confirmação de que as plantas verdes funcionavam mesmo como um remédio para os machucados aqui também, ainda que não fossem instantâneas. Meus amigos já haviam a ingerido antes e dera certo. Depois disso, passamos a coletar as plantas e fazer mais daquele tipo estranho de pasta. era a única que tinha a habilidade de transformá-las naquilo, mas e Michael sempre a ajudavam, já que foram ensinados por ela.
Meus amigos e eu andamos por tantos lugares que o keycard da Dra. White já se tornara inútil. Queria apenas jogar tudo para o alto e sair daquela cidade infernal o quanto antes. No entanto, não podíamos. Se saíssemos de Raccoon City, condenaríamos à morte. Havíamos terminado o relacionamento em uma briga idiota, sim, mas eu o amava e obviamente não queria o ver morto. Na verdade, só queria que as coisas se resolvessem.
Ah, inferno! Sem contar que, de qualquer modo, não tínhamos como sair da cidade. E esse era mais um probleminha para acrescentar à lista. Se não descobríssemos uma maneira de sair dali, todos nós morreríamos ao amanhecer com aquele maldito míssil desgraçado.
— , tenta se acalmar — pediu, em tom baixo.
— Estou calma — menti, com toda a minha linguagem corporal denunciando o contrário. Eu não estava. Nem um pouco. Como poderia estar?
— Claro que está — ironizou, bufando. — Você não para de andar de um lado para o outro.
Era óbvio que eu estava andando de um lado para o outro, afinal, estava me martirizando. O que me matava por dentro cada vez mais era o fato de que, mesmo depois de todo esse tempo andando por aí e de todos os lugares que passamos, não tínhamos conseguido encontrar nada e nem ninguém que pudesse ajudar . E, a cada segundo, ele piorava mais e mais. Depois de começar a suar muito e a arder em febre, não demorou para que ele desistisse também de caminhar. E quando essa hora chegou, checamos o perímetro, constatando que o local parecia seguro. E agora estávamos aqui. Era um tanto quanto tranquilizante saber que estávamos em um lugar fechado, em uma sala grande, livre de zumbis e armas biológicas da Umbrella Corporation. Aqueles filhos da puta malditos! Estavam tirando o de mim e eu não podia fazer nada para mudar isso. Tudo porque eu quis ajudar uma mulher qualquer.
— . — colocou a mão em meu ombro, e eu dei um pulo com o susto. — Me desculpa — lamentou ela. — pediu para te chamar.
— Eu não… — comecei, mas ela sacudiu a cabeça, impedindo que eu continuasse.
— É claro que você consegue. — Forçou-se a sorrir, tentando ao máximo me apoiar. — Ele é o amor da sua vida, . É o cara que você ama e nós fomos incapazes de salvá-lo — sua voz vacilou, mas ela se manteve firme e forte por mim. — Você precisa ir lá.
— Antes que seja tarde demais — completei devagar com as palavras que ela evitara dizer. — Você está certa.
Balancei a cabeça para cima e para baixo algumas vezes enquanto criava coragem. Então passei por ela e fui até onde estava. Sentei-me no chão ao seu lado e virei-me de frente para ele. Envolvi minhas mãos na sua.
— Me desculpa por termos brigado daquele jeito — disse , olhando para mim de um jeito que fazia o fundo do meu peito latejar de dor. — Eu sinto muito, . Jamais pensei que as coisas acabariam assim.
— Não, pare com isso — implorei, os olhos marejados. — Encontraremos o maldito antivírus. Nós vamos te salvar, , vamos, sim.
— Não, . Você tem que parar com isso — pediu. — Sabe que não temos mais tempo.
Beijei em meio às lágrimas. Isso não podia estar acontecendo. Não podia. Não com ele. Era injusto. Injusto demais.
— Você não pode se ir — choraminguei.
Ele acariciou o meu rosto com o pouco de força que ainda lhe restava, e então buscou nossos amigos com o olhar.
— Pessoal, foi ótimo conhecer todos vocês e fazer parte dessa família. — Ele sorriu de maneira breve. — Se conseguirem tirar o Cody dessa, digam a ele que foi incrível ser amigo dele.
— Nós todos te amamos, cara — forçou-se a dizer. — Você sabe. Sempre soube.
assentiu de leve e apertou a minha mão. A cada segundo ele parecia pior. E eu nunca mais queria soltá-lo. Nunca.
— , querida, eu preciso te contar uma coisa — informou. — Sei como ama o Halloween e que foi em uma festa desta data que nos beijamos pela primeira vez. — Um tosse grossa interrompeu seu pequeno discurso, mas logo ele se recuperou o suficiente para continuar. — Sabe, quando eu te conheci, jamais pensei que um dia você significaria tanto para mim, mas olha a gente aqui. No fim das contas, eu fiquei louco por você. — Abri um sorriso enorme em resposta. Como ele podia ser capaz de fazer com que eu me sentisse tão feliz enquanto ele estava tão mal? — A gente começou a sair e, sabe, naquele tempo minha vida estava terrível para caralho, mas você simplesmente melhorou tudo. Fez tudo parecer bem. E tudo ficou, de fato, melhor. Você mudou minha vida, . Mudou mesmo. — Ele levou sua mão ao meu rosto mais uma vez para enxugar a lágrima teimosa que insistira em descer. — Eu tenho uma coisa para você.
— , eu…
— Não precisa falar nada, . Eu só quero que fique com isso. — Ele tirou uma caixinha preta do bolso e me entregou. — É um anel de noivado. Sei como as noites de Halloween são importantes para nós dois. Eu ia te pedir em casamento hoje à noite. Todo mundo aqui já sabia. Sabe como eu sou péssimo com segredos. — Ele olhou brevemente para os outros e riu enquanto eu chorava igual uma criancinha. — Sei que não vai poder ser comigo, mas eu amo você, , e só quero que você seja feliz, seja lá com quem for.
— Você é incrível, . É o melhor cara que eu já conheci na vida. — Abarquei seu rosto com as minhas mãos e o beijei, de novo entre lágrimas. Afastei-me e, então, coloquei o anel no dedo anular da mão direita. — Eu nunca, jamais, vou tirar esse anel. Isso eu posso te prometer.
— Eu te amo, . Seja feliz, por favor — implorou ele, então virou seu rosto para os nossos amigos, ainda que seu olhar estivesse um tanto perdido. — Preciso pedir uma coisa difícil a vocês. Eu vou me transformar e a gente não sabe se é perto da hora da morte ou depois que ela vier. Vocês têm que me matar antes disso. Preciso que vocês façam isso. Eu não vou me tornar um monstro.
Houve aquele momento de um longo e opressivo silêncio. No entanto, sabíamos que não havia outra opção. Todos concordaram, até mesmo eu. Fiquei abraçada em até o último momento possível, quando ele começou a insistir para que eu me afastasse dele. sentia que era o fim. Meu irmão fez menção de se oferecer para dar o golpe de misericórdia, mas eu sabia o que precisava ser feito. Sabia quem precisava fazer aquilo. Beijei os lábios do homem que eu mais amava pela última vez, peguei a pistola dele e me levantei. Afastei-me e fechei os olhos. Aquilo era uma droga, um maldito inferno! Respirei fundo, mas não importava quantas vezes eu repetisse o ato, era impossível obter qualquer alívio em uma situação daquelas. Abri os olhos e olhei no fundo dos seus.
— Eu amo você, — declarei. — Sempre amei, e sempre amarei.
As lágrimas cobriam meu rosto por inteiro. Um aperto enorme no coração me tirava o ar, mas não podia me impedir. Eu tinha que fazer aquilo.
Por .
Apontei a nove milímetros para a cabeça do cara que eu mais amava no mundo e apertei o gatilho. Joguei a arma no chão, abracei com força e chorei até que meus olhos secassem.
O corpo de jazia estirado no chão com um buraco na cabeça enquanto pegávamos as armas e munições dele. Isso nos fazia parecer cruéis e sem coração, porém não tínhamos escolha. Precisávamos daquelas coisas para sobreviver.
tentava conter suas emoções o máximo possível, mas se aquilo já era difícil para todos nós, imagina como estava sendo para ela. Essa noite com certeza era a mais terrível da vida de cada um de nós. Saímos felizes para uma festa de Halloween e, como os irmãos Craven entoaram naquela maldição, “neste mundo fomos jogados”. E que mundinho cruel. Cody continuava desaparecido e agindo como um supervilão psicopata de um filme. Adam morrera para me salvar do Nemesis. fora morto pela mão da mulher da vida dele, a qual ele planejava pedir em casamento essa noite.
Todas aquelas dores me atingiam como uma só. Era terrivelmente excruciante. Éramos todos uma família, sempre seríamos. Jamais abandonamos um ao outro. As noites de Halloween costumavam ser especiais para o nosso grupo de amigos por diversas razões. E agora tudo de ruim que poderia acontecer estava acontecendo. Na verdade, até mesmo o que não era possível de acontecer, afinal, estávamos em uma cidade fictícia criada para uma franquia de jogos de videogame.
Ah, como eu desejava acordar e perceber que tudo isso tinha sido um pesadelo idiota da minha cabeça. Mas não era. Eu sabia que não. Todos sabíamos. Não havia beliscões o suficiente nesse mundo que fossem capazes de nos acordar desse pesadelo compartilhado.
Olhei de soslaio para o amigo que seguia ao meu lado, sempre próximo. tentava ao máximo não agir como um babaca perto de mim desde que Adam havia sido morto. De um modo estranho, isso me deixava um tanto desconfortável. Não deveria estar me incomodando, mas estava. Para falar a verdade, eu gostava daquele cara. Quer dizer, era um idiota e eu o ignorava justamente por causa desse jeito que ele agia comigo. Mas agora, tudo o que eu mais queria no mundo era que ele fizesse uma piadinha besta para eu poder fingir que detestava aquilo e rir. Eu queria aquilo, ansiava por aquela descontração. estava tentando ser um cara legal e adorável exatamente no momento em que eu não queria isso. Mas eu entendia. Era difícil ter humor no meio de todo aquele terror.
— Cachorros — gritou, arrancando-me com violência dos meus pensamentos sobre . — Cachorros maus.
— Precisamos seguir em frente — soou decidida.
Era isso. Por mais doloroso que fosse, não tínhamos muito tempo para descontrair ou ficarmos de luto. Só poderíamos fazer isso se nos mantivéssemos vivos e, para isso, precisávamos andar. Andar até cansar e continuar respirando. Esse era o meu novo mantra.
Quando abrimos a porta para seguir em frente, porém, fomos surpreendidos por alguns lickers. Como se a nossa noite não pudesse piorar, né! Não havia a opção de voltar, pois alguns cachorros infectados vinham na nossa direção. Bufei ao fechar a porta atrás de mim, deixando os cachorros para trás e enfrentando os malditos lickers. Demos alguns tiros, mas aqueles não eram monstros simples como os zumbis ou até mesmo os cachorros. Lickers eram um pouco mais difíceis de matar.
— Temos que atravessar — indicou em um grito para que todos escutassem.
Então corremos. Sim, nós corremos o mais rápido possível. Era a melhor coisa a se fazer, a melhor opção. Apenas atirávamos quando algum licker chegava muito perto da gente, pois as balas os atrasavam. Bem, ao menos era isso o que eu estava fazendo. Não tinha tempo para ver como meus amigos estavam lidando com a situação de sobreviver ou morrer tentando.
A língua comprida de um dos lickers bateu em mim como um chicote. Berrei. Na verdade, foi mais um grunhido de dor misturado com um grito. Aquela porra ardia demais. Era como se estivesse queimando a minha pele. Será que a saliva da criatura era ácida? Antes que eu pudesse concluir qualquer coisa ou reagir, me deu uma ombrada que me fez perder o equilíbrio e ir de encontro à parede. Fiquei imóvel, assistindo ao meu amigo, agora parado no mesmo local em que eu estava a um segundo atrás. Então ele apertou o gatilho e atirou, atirou e atirou até que o licker pareceu perder sua maldita vida. Ele correu até mim para checar se eu estava viva.
— Venham! — e gritavam, paradas na porta. — Rápido!
agarrou o meu braço e me levou até lá. Assim que atravessamos a porta, e a fecharam, trancando-a logo em seguida.
— Lickers estúpidos! — resmungou. — Sempre detestei esses bichos.
— É impossível suportar esses monstros — se juntou a ela nas reclamações.
— Você está bem? — segurou meus ombros, preocupado. — Está machucada?
— Não. Não faça isso — pedi enquanto ele me olhava com toda a atenção do mundo. — Não quero que você me salve.
— Foi puro instinto — falou. — Eu não podia simplesmente deixar que ele te pegasse.
— Eu não ligo, está bem? Não quero ver você tentando me salvar outra vez. — Soquei seu peito de leve. — Adam fez isso e não está mais aqui. Eu não quero perder outra pessoa com quem me importo.
— Isso quer dizer que se importa comigo, é? — Deixou uma risadinha escapar e o som me preencheu com uma onda de alívio.
— Cale a boca. — Sorri, revirando os olhos.
— Só se você calar primeiro, gata.
subiu suas mãos até o meu rosto e me puxou para um beijo, o qual não hesitei em corresponder, afinal, eu queria aquilo. Meu deus, como eu queria! A adrenalina do momento deixou isso transparecer tanto que, pelo breve instante em que nossos lábios estavam colados, até me esqueci que tinha mais pessoas no recinto.
— Estava cansado de fingir — disse ele ao afastar seu rosto. — Tenho pensando em você o tempo todo.
— Pois é… — Sorri, meio sem jeito. — Também tenho pensado em você.
— Finalmente! — tirou sarro. — Pensei que não fosse acontecer nunca.
— Não é mesmo?! — concordou. — Ah, cara, eu sempre shippei esses dois.
Não pude evitar sorrir. Era bom ver um sorriso no rosto de depois do que ela havia acabado de passar, mesmo que essa não fosse uma situação muito adequada.
— Rebecca Chambers e Billy Coen era tudo o que eu queria — comemorou .
— É como ver uma fanfic se tornar realidade, né? — bateu um high-five com .
— Vocês podem, por favor, calar a boca? — pediu, meio incomodado. Eu ri junto com os outros. Era engraçado vê-lo assim. Ele ficava ainda mais fofo.
— Está brincando? — rebateu . — Jamais!
— É, cara — disse Michael. — Todo mundo shippava vocês dois.
— Vocês são detestáveis — xinguei-os, revirando os olhos, por mais que ainda tivesse vontade de rir.
— É por isso que você nos ama. — deu uma piscadinha divertida.
Nossa conversa boba foi interrompida por um chiado, seguido de uma voz desconhecida. O som vinha de um walkie-talkie. E foi só então que percebemos que havia um corpo estirado naquela sala. Nos aproximamos devagar para checarmos se o cara estava mesmo morto e também para ouvirmos melhor o que a voz dizia. O cara morto fazia parte da Umbrella. Ele deveria ser alguém importante, com certeza. De outro modo, não estaria recebendo aquele tipo de informação.
Um helicóptero um pouco antes do amanhecer. Uma informação que nos tiraria desse inferno de cidade.
— Anotem a localização! — berrei.
Caminhávamos sem parar há quase duas horas, atravessando a maldita cidade de Raccoon City para chegar ao local anotado. Não ficara nem um pouco surpresa pela localização do resgate ser praticamente do lado oposto da cidade. Tudo estava sendo mais do que difícil essa noite. A parte boa era que, ao que tudo indicava, chegaríamos a tempo. Se eu bem me lembrava do que vira no mapa, já estávamos bem perto.
Durante nossa caminhada sem fim, coletamos munição e preparamos mais daquela pasta com as plantas verdes. Era só por precaução, afinal, aquela cidade era infestada de monstros. Sem contar que, quando chegássemos no bendito helicóptero — se houvesse mesmo um —, precisaríamos matar os caras da Umbrella para o tomarmos para nós e darmos o fora desse lugar amaldiçoado.
Por algum milagre, talvez, Nemesis não nos encontrara mais nenhuma vez. Quem sabe estivesse ocupado atrás de outros membros do S.T.A.R.S. — era isso o que esperávamos, pelo menos. O maior problema aqui era que estava tudo muito calmo. E quando tudo ficava calmo por um longo período de tempo, havia duas possibilidades: ou as coisas voltavam para o meio termo ou a balança girava de cabeça para baixo, invertendo a situação. Ou seja, não demoraria muito tempo para as coisas voltarem ao normal ou piorarem incrivelmente. Eu desejava a primeira opção, que era a menos pior, e temia com todo o meu ser a segunda.
Girei o anel de noivado no meu dedo. A morte de ainda me afetava, e como poderia não afetar? Ele morrera bem na minha frente e, mais do que isso, eu tivera que matá-lo para que não se transformasse em uma daquelas criaturas nojentas. Eu não conseguia acreditar que um dia isso pararia de me afetar. Ele sempre fora importante para mim. Porra, eu o amava. Não era uma coisa que sairia da minha cabeça em pouco tempo e, talvez, nem mesmo em anos e mais anos. Eu não tiraria aquele anel do meu dedo. Nunca mais.
— Cuidado! — gritou enquanto eu era derrubada ao chão.
Olhei ao redor para ver quem tinha me jogado longe com tamanha violência e avistei meu irmão Michael. Um vulto cruzou minha visão periférica. Aí estava: sem nenhuma regressão à média, a balança só havia girado, capotado ou até mesmo quebrado. As coisas horríveis haviam voltado em um piscar de meus olhos desatentos. Cody havia voltado. Nosso amigo Cody. Mas sim, ele estava usando suas asas de Creeper, o que nos colocava em um abominável impasse. E como se a situação não pudesse piorar nem um pouquinho, estávamos a céu aberto.
não hesitou em atirar na direção dele.
— Ei, cuidado, porra! É o Cody! — o lembrei. — Não queremos matá-lo.
— Ele está tentando nos matar — retorquiu .
— Mas é o Cody! — objetou, insistindo naquilo.
— E o que faremos, então? — gritou de volta, estarrecido.
— As asas! — gritou, empunhando sua própria arma. — Tentem atirar nas asas.
— Façam o que ela disse — ecoou a ordem de sua noiva. — As asas são parte do Creeper, não do Cody.
E foi exatamente o que tentamos fazer. Sem sucesso. Aquele monstro que era o nosso amigo desceu e, mais rápido do que eu podia acompanhar, ele já estava ali, bem na minha frente. Meus reflexos não foram páreos para o meu temor. Cody estava tremendamente assustador daquele jeito. Não fui capaz de reagir.
Cody — se é que ainda restava algo dele ali dentro — me pegou pela mandíbula e me virou quase como se eu fosse de papel. Ele era forte demais. Estremeci da cabeça aos pés. , , , , Michael, e — todos os meus amigos, sem exceção — olhavam para aquela cena de olhos arregalados. Eles não sabiam o que fazer. Eu também não sabia. Quis chorar, mas nenhuma lágrima desceu; eu já havia gastado todas. O medo era a única coisa que inundava o meu corpo em uma enxurrada de calafrios.
O monstro me farejou com vontade. Igualzinho a Olhos Famintos. O Creeper costumava pegar apenas as vítimas que possuíssem algo que fosse bom para ele comer. Algo que ele precisasse recuperar em seu corpo. Se a pessoa não tivesse aquilo, ele provavelmente a deixaria. No entanto, quando ele sentia que alguém tinha o que ele precisava, o monstro não deixaria a pessoa em paz até conseguir o que queria, ele não parava de a seguir. Pensando de maneira lógica, o fato de ele ter nos encontrado de novo depois de toda aquela loucura com o velho caminhão na estrada significava que ao menos algum de nós tinha algo do qual ele precisava. E seu modo de descobrir quem era essa pessoa? Pelo cheiro, óbvio.
Eu não queria ser egoísta, mas torcia para que não fosse eu. Rezava para qualquer divindade que talvez existisse para poupar a minha vida. Eu não queria morrer. Era nova demais para isso. E já havia partido. Eu precisava sair dessa e viver uma vida feliz. Eu devia isso a ele.
Um movimento brusco confundiu meus pensamentos enquanto eu era jogada para longe e grunhia de dor. Uma dor que só piorou quando bati no chão. Uma dor que se intensificou ao extremo quando vi o pescoço de quem o Creeper farejava agora.
— Não! — gritei em desespero. — Meu irmão, não! Cody, não faça isso! — As lágrimas que pensei que jamais retornariam banhavam o meu rosto inteiro. — Porra, Cody! Por favor! Por que não me leva? — Levantei-me e bati no meu peito. — Cody! Largue o Michael e me leve!
Ele me fitou por um breve segundo, mas então voltou a farejar Michael.
Berrei, desconsolada, enquanto ele batia suas asas grotescas e levantava voo, carregando Michael para longe. Meu irmão gritava por nós e eu gritava por ele. Isso não podia estar acontecendo. Eu havia perdido para sempre e, agora, Cody — ou melhor, o maldito Creeper — tinha tirado meu irmão mais novo de mim. O Michael. Logo ele. Meu pequeno Michael.
— Sinto muito, . — me abraçou forte, chorando também.
Eu sabia que meus amigos — minha família — estavam ali para mim, mas era difícil encontrar um sentido. Como eu poderia suportar algo assim? Era demais para mim. Doía demais. Não fazia sentido. Era como se tudo tivesse perdido importância. Eu ainda sabia que precisava sair daquela cidade, mas era algo difícil de se fazer.
— Nada mais faz sentido — choraminguei.
— Eu sei, amiga, eu sei — cochichava enquanto afagava as minhas costas.
— Temos que ir mesmo assim, não é? — Olhei para ela, chorosa, perdida, soluçando. assentiu, relutante, e eu me forcei a prometer: — Vou me esforçar.
Havíamos continuado nossa caminhada logo depois de Cody ter levado Michael para longe. Ninguém falou sobre o que aconteceria com ele após aquilo. Todos sabiam o seu destino. Conhecíamos o vilão, conhecíamos o filme. Inferno, havíamos planejado uma festa de Halloween com aquele tema e agora estávamos metidos nessa merda.
Olhei para a minha amiga que havia sofrido mais com a última de nossas perdas. estava, de fato, devastada. Por mais que tentássemos, não sabíamos como consolá-la. Ela não queria falar sobre aquilo e também não queria que falássemos. E depois de deixar isso bem claro, não abriu mais a boca para dizer nem sequer uma palavra e se fechou dentro de paredes que chumbo, tão pesadas que não éramos capazes de derrubá-las.
Ao menos agora estávamos um pouco melhor de armas. No caminho para cá, havíamos encontrado uma metralhadora e uma espingarda em mortos que pareciam terem sido importantes para a Umbrella em algum momento de suas breves vidas. Isso, de fato, nos ajudaria a tomar aquele helicóptero, do qual estávamos bem próximos agora — ou ao menos era o que o mapa indicava.
— Ouviram isso? — quebrou seu silêncio de repente, espiando ao redor com ar de preocupação e suspeita.
— O quê? Os zumbis gemendo? — franziu o cenho. — É claro que ouvi. Todo mundo está ouvindo.
— Não, seu idiota — xingou o meu irmão. Parece que ela havia escutado seja lá o que escutara. Ela levantou o dedo indicador. — Prestem bem atenção e escutarão também.
Concentrei-me nos sons ao nosso redor. Foquei em ignorar aqueles vindos dos zumbis que tomaram a cidade e escutei barulhos estranhos, com certeza diferentes. E os sons ficavam mais e mais altos, se aproximando de maneira estratégica.
— Estão nos cercando — alertei.
— O quê, exatamente, está nos cercando? — soltou, atento aos barulhos.
— Parece que vamos ter que esperar para ver — comentou , cauteloso.
— Estão vindo por cima — apontou.
Então, pude ver mais uma das armas biológicas da Umbrella. Um maldito hunter. E não era só um, pelo jeito. Segundos depois, outros apareceram. Ah, mas que merda!
— Que sorte eu ter encontrado isso naquele cara da Umbrella. — Empunhei minha nova metralhadora.
— E essa doze aqui!
mal teve tempo de mostrar a espingarda calibre doze em suas mãos e já teve que mirar para apertar o gatilho. Um hunter pulou nela, que atirou com um reflexo perfeito que só poderia ter vindo de Jill Valentine. O monstro caiu no chão, mas obviamente não estava morto. Hunters não morriam facilmente. Inferno, eu sempre detestei lutar contra eles nos jogos.
— Eu já sei como essa merda vai acabar — resmungou de um jeito que não combinava com sua pose de Leon S. Kennedy. — Vamos todos morrer exatamente como os irmãos Craven.
— Dá para você calar essa boca? — gritei enquanto disparava tiros da minha metralhadora contra o outro hunter.
— Apoiada! — gritou. Pessimismo era tudo o que não precisávamos em uma bela noite infernal como aquela.
Por sorte — ou reflexos muito precisos — consegui desviar de um ataque de outro hunter. Bem, talvez não totalmente. Meu braço ardia como o inferno, o sangue escorrendo quente. Grunhi com a dor, porém não seria aquilo que me mataria. Não depois de tudo o que eu havia sobrevivido até agora. Eu não podia simplesmente largar tudo. Precisava lutar contra eles. Sem contar a adrenalina que bombeava em minhas veias. Matei mais um. E outro.
Um hunter correu na direção do meu namorado e eu berrei um aviso:
— , cuidado!
Então voltei-me para o outro lado, de onde vinha mais um maldito hunter e apertei o gatilho. A maior parte daqueles monstros já estavam mortos. Alguns dos meus amigos haviam se ferido, assim como eu, mas não era possível saber se era grave ou não. Só poderia checar isso quando aquele terror cessasse. O hunter em minha frente foi de encontro ao chão, enfim morto. Soltei um suspiro longo, aliviada, e então percebi que nem mais um tiro fora disparado. Era isso! O terror finalmente encontrara o seu fim. Estávamos seguros!
Virei-me, já com um sorriso no rosto por termos sobrevivido àquela maldita provação, e dei de cara com a cena mais terrível. Meu namorado era perfurado por um último hunter, o único que restara. Aquele do qual eu havia o alertado.
— Não!
Gritei em desespero e disparei minha metralhadora. Segurei o gatilho até ouvir o clique que indicava que o pente havia acabado. O monstro sucumbiu, mas o acompanhara. Joguei a metralhadora no chão e corri até ele sem me importar com nada que acontecia ou deixava de acontecer ao meu redor. Caí de joelhos ao seu lado e permiti que minhas lágrimas nos banhassem.
— … — Ele sorriu do modo que sorria quando queria me garantir que tudo ficaria bem. — Parece que não sou tão bom nessa coisa quanto você.
— Isso tudo é minha culpa — lamuriei, sacudindo a cabeça. — Vi o hunter vindo e pensei que você desse conta. Eu devia ter atirado nele, . Eu deveria ter feito isso!
— Não seja boba. Isso não é sua culpa — esforçou-se a dizer. — A minha arma falhou quando apertei o gatilho. Foi só isso. , olha para mim — pediu e eu o olhei nos olhos. — Não foi sua culpa.
Ele tossiu, cuspindo um pouco de sangue. Eu não podia acreditar. Estava mesmo perdendo ele.
— Você não pode me deixar, — choraminguei. — Eu te amo.
— Eu também amo você, — declarou com uma dificuldade enorme. — Para sempre.
E aquelas foram suas últimas palavras. Para sempre. Ele me amava para sempre. Eu também o amaria para sempre. Cerrei o punho com força. Podia até não ser minha culpa, mas tinha que ser de alguém. A Umbrella Corporation havia criado aqueles monstros, no fim das contas. Como eu queria ir atrás de todos aqueles filhos da puta e matar um a um. Infelizmente, porém, essa não era uma opção viável. A única coisa que podíamos fazer agora era sobreviver.
Acariciei o rosto de pela última vez e levantei-me, determinada, evitando olhar outra vez para o meu namorado morto.
— Precisamos sair da cidade — anunciei, ignorando todos aqueles olhares tristes e questionadores. — Não, eu não quero falar sobre isso. Teremos todo o tempo do mundo para o luto quando sairmos desta cidade e nos livrarmos dessa maldição.
Todos assentiram e, assim, seguimos o caminho outra vez, com o amor e o carinho enfiados bem no fundo dos nossos corações. Sobrevivência era tudo em que precisávamos pensar agora. Por nós, e por aqueles que se foram. Eles só poderiam sobreviver através de nós se nos mantivéssemos vivos.
Em pouco mais de cinco minutos, chegamos ao local que havíamos anotado. Nosso alívio ao perceber que existia mesmo um helicóptero foi quase palpável. Todas essas horas de caminhadas e as mortes de Adam, , Michael e não haviam sido por nada. Isso de fato atenuava o nosso sofrimento, ao menos um pouquinho.
— Não temos muito o que planejar — disse . — Precisamos ir até lá em silêncio e matá-los para pegar o helicóptero.
— São só três — acrescentou . — Não vai ser tão difícil.
Aquela conversa foi como um burburinho para mim. Eu não queria saber de plano. Queria punir alguém pela minha perda. Pelas nossas perdas. Saquei as duas nove milímetros que carregava comigo e apontei, caminhando diretamente na direção daqueles três caras.
— É. Tudo. Culpa. De. Vocês.
Cada palavra carregada de ressentimento vinha com apertos nos gatilhos.
— Esse é um bom plano também — disse, correndo atrás de mim enquanto os caras caíam, inertes. Não tiveram tempo sequer de sacar suas armas, tamanha era a minha raiva.
— O barulho vai atrair zumbis e outras coisas — lembrou-me . — Precisamos sair daqui o mais rápido possível.
Entrei no helicóptero, dando de cara com uma mulher. Ela estava toda equipada e tinha o símbolo da Umbrella em seu peito. Chutei a arma para longe de suas mãos antes que ela pudesse apertar o gatilho, e dei uma facada em seu coração.
— Ela era o piloto — observou, atônita com meus comportamentos. — Quem vai pilotar o helicóptero agora?
— Eu posso fazer isso — se prontificou.
— Era o que eu ia dizer. — Olhei para o meu irmão mais velho. — Afinal de contas, você tem algumas das habilidades do Chris.
Pousamos um tanto longe da cidade, porém, como o terreno era alto, ainda podíamos ver Raccoon City ao fundo. Uma ótima cidade para passear em um videogame. Na vida real, no entanto… Não, obrigada. Caminhamos na direção da estrada principal. Não podíamos seguir com o helicóptero, afinal, estávamos em um mundo fictício. Eu havia passado metade da noite pensando em buscar o sol, mas não tínhamos como buscá-lo, em vez disso, tínhamos que sobreviver e esperar. No fim das costas, buscar o sol nesse exato momento era nos afastarmos e esperarmos que tudo aquilo acabasse.
Chegamos, enfim, a um posto de gasolina. O local cheirava mal e estava completamente abandonado, assim como os dois carros estacionados ali. Apesar de ambos estarem amassados, um deles tinha pneus furados. Não, essa era a palavra errada. Estavam rasgados, estourados. Não parecia de modo algum um acidente. Era, com certeza, intencional. Mas quem quer que estivesse dirigindo aquele carro não estava mais ali para nos contar a verdadeira história.
O barulho forte e alto nos alcançou e eu pude sentir o chão tremer abaixo dos meus pés. Assistimos juntos à explosão de Raccoon City. Para falar a verdade, os sentimentos que me preenchiam eram um tanto contraditórios e estranhos. Apesar das baixas e de toda aquela merda que havíamos passado lá, o acontecimento era meio triste. Uma cidade inteira sendo varrida do mapa por culpa de uma única companhia farmacêutica.
Um som agudo de metal me arrancou de meus pensamentos melancólicos em um espasmo.
— O que diabos foi isso? — Saquei minha arma, assustada, e acompanhei o olhar de todos os outros até , que tinha arranjado, seja lá como, um grande pedaço de ferro.
— Que foi? Não sobrou muitas balas, né? — Ele deu de ombros. — É só para garantir. Ainda não estamos livres.
— Tem razão. O sol ainda não nasceu. — Olhei ao redor, analisando a situação. — Vamos pegar aquele carro.
Eu já ia na direção do veículo quando meu noivo me parou.
— Não temos para onde ir — lembrou-me.
— É, eu sei, mas… — Tentei pensar em uma opção melhor e soltei um longo e duro suspiro.
— Mas é melhor nos afastarmos dos restos mortais dessa cidade — completou por mim. — Ao menos um pouco.
— Faz sentido — disse . — E não deve faltar muito para a maldição dos Craven terminar.
Todos concordaram, e eu fiz a frente. Aquela lata velha era um carro antigo e pesado. Meu tipo favorito para dirigir. Enfiei-me na frente do volante e me acompanhou, sentando-se no banco do carona. , , e se espremeram no banco de trás e eu dei partida.
Nossa breve paz não durou nem cinco minutos. O Creeper estava parado na estrada, bem na nossa frente. Com certeza havia sido ele que estourara os pneus daquele carro. Fazia todo o sentido. Por isso não sobrara sequer a vítima. Aquele maldito! Eu poderia apostar que ele estava nos esperando todo esse tempo. Será que não podia se contentar com o Michael? Agarrei o volante com força.
— ! — alertou, prevendo o que eu estava pensando em fazer. — Lembre-se que aquele é o Cody.
— Aquela coisa não é mais o meu irmão — grunhi, de olhos marejados. — Ele levou Michael! Matou ele.
Pisei fundo no acelerador com raiva, repulsa, e não ousei mudar a direção do carro. Eu não iria desviar. Porém fechei os olhos no momento porque não quis ver o ato que estava praticando. Houve um baque e então eu freei.
— , o que está fazendo? — gritou, espantada.
— A mesma coisa que no primeiro Olhos Famintos? — sugeriu e eu concordei com um aceno de cabeça.
Engatei a marcha ré e passei por cima dele outra vez.
— Não é estranho que ele não tenha pulado por cima do carro na primeira vez? — levantou a questão enquanto eu acelerava e passava por cima do Creeper uma última vez.
— Talvez ele já estivesse machucado — comentou .
— Foi o que eu pensei — falei ao abrir a porta.
— ! — tentou me segurar, mas me desvencilhei de seu toque e desci do carro.
Sabia que esse não era um movimento inteligente, mas, cara, apesar de todos os pesares, ainda era o Cody. Aquela coisa tinha tomado conta do meu irmão, explorando cada resquício de força que ele tinha. Lá no fundo, aquele monstro ainda era o Cody. Eu precisava vê-lo. Respirei fundo e caminhei até ele. foi a primeira a me seguir, depois todos os outros se juntaram a nós.
O monstro que também era o meu irmão se mexeu. Não sabia se era um espasmo ou uma tentativa de se levantar, mas fiz questão de apontar a minha calibre doze para ele e gastar a última bala. Ele não parecia nada bem. Era apenas um espasmo, com certeza. De outro modo, teria se levantado e nos atacado. No entanto, eu não era a única que usara sua arma. berrou, deixando todo o seu sofrimento esvair-se com sua voz enquanto descarregava a pistola nele.
Abracei-me em e o apertei entre meus braços. Não queria ver aquilo. O meu irmão… Cody… Chorei no peito do meu noivo.
— Quer que eu faça ela parar? — murmurou a pergunta para que apenas eu a ouvisse.
— Não, ela merece isso — cochichei de volta. Todos havíamos perdido nossos amigos esta noite, mas era a única que perdera o namorado e o irmão. — E se ele levantar daquele chão… — Afastei meu rosto para olhar em seus olhos. — Estamos todos mortos.
Voltei a olhar para aquela cena macabra e dolorosa quando arrancou o pedaço de ferro das mãos de e, com o rosto banhado em lágrimas, cravou o objeto no peito do Creeper. Ele se contorceu por alguns segundos, fazendo todos nós darmos um passo para trás, e então parou de se mover.
Nós sabíamos que ele não estava morto, afinal, o Creeper não morria.
— , sinto muito mesmo — choramingou para mim. — Eu só…
— Eu sei, amiga, eu sei — garanti. — Não precisa se desculpar, eu juro que entendo.
Naquele exato instante, o sol brilhou no horizonte. Em um piscar de nossos olhos mortais, até o ar mudou. Era algo estranho. Só uma sensação. Olhei ao redor e vi a placa, indicando um nome familiar: Craven Road.
— Estamos de volta — anunciou com um alívio familiar que eu não ouvia em sua voz há muitas horas.
Uma tosse estranha fez-se ouvir, e automaticamente voltei-me para Cody. Ele permanecia estirado no chão, no mesmo lugar, vestindo aquela fantasia macabra que eu havia achado incrível no começo da noite.
— … — ele chamou, murmurando mais alguma coisa que fora impossível de ouvir.
Desvencilhei-me dos braços de , correndo para me ajoelhar no meio da estrada, ao lado do meu irmão. Sangue escorria pela sua boca.
— Cody — falei, sem conseguir segurar o choro.
— , eu me lembro de tudo o que aconteceu. Me lembro de tudo o que fiz… — Ele apertou minha mão, como se estivesse se agarrando aos últimos fragmentos de vida que ainda o restava. — Eu sinto muito, . Realmente sinto muito.
— Ah, Cody, eu é quem sinto muito. — parou, de pé, ao meu lado, também chorando. — Por favor, Cody, me desculpe.
— Vocês só fizeram o que tinham de fazer — esforçou-se para dizer em meio a tosses e sangue. — Depois do que fiz com Michael, eu merecia.
— Eu te amo, Cody — suspirei.
— Descanse em paz, meu amigo — disse .
A mão de Cody ficou leve demais. Apertei-a entre as minhas, como se pudesse puxá-lo de volta para esse mundo, mas ele já havia nos deixado. Eu tinha o perdido. Havia perdido o meu irmão mais velho. O bom e velho Cody. Respirei fundo com uma dificuldade nunca antes vista e fechei os seus olhos para sempre.
— Todos os corpos estão aqui! — gritou, fazendo com que um arrepio percorresse meu corpo. — Todos. Bem aqui na beira da estrada.
Levantei-me, trêmula, e fui observar, junto dos outros. Eles estavam mesmo. Adam, , Michael e . Cada um em um lugar e a uma distância diferente. Eles tinham as marcas de suas respectivas mortes. O que vivemos havia sido real, sim, mas…
— Chamei a polícia — nos avisou. — Estão vindo.
— Vocês sabem que eles não vão acreditar em tudo o que a gente passou, não é? — questionei o óbvio.
— Pois é — disse . — E o que iremos falar?
— O assassino na estrada — respondeu simplesmente.
— Passamos a noite tentando sobreviver — seguiu a linha de pensamento.
— E ele simplesmente foi embora quando amanheceu? — meu noivo perguntou o que os policiais nos perguntariam.
— Isso. — deu de ombros. — Não temos como entender a mente de um assassino cruel assim.
— E nós tivemos a sorte de conseguirmos sobreviver — completou , parecendo satisfeito com nossa meia-verdade.
— Mas assim vão pensar que nós os matamos — observou. — Não vão?
— Não — respondi, recordando-me da história que Conrad Craven nos contara no carro noite passada, antes de todo esse terror. — O assassino dos irmãos Craven fingiu ser o sobrevivente do massacre e, na época, ninguém suspeitou dele.
— Isso que ele nem sequer era amigo deles, né? — constatou. — Até que faz sentido. Pode funcionar.
— É, parece que acabamos nos tornando parte da lenda urbana dos irmãos Craven — verbalizou o que se passava na mente de todos nós.
— Éramos onze, agora só sobrou seis — lamentou , sua voz vacilando por um breve momento. — Não podemos deixar que os nossos descendentes se esqueçam que a lenda é verdadeira.
— Mas eles se esquecerão — falei a triste verdade. — Eles sempre se esquecem.