Revisada por: Calisto
Última Atualização: 02/06/2025Não havia nada mais belo. Não havia nada mais puro.
Aquela era mais uma típica noite de verão, onde o mesmo espetáculo se repetia incessantemente.
buscava a lua. A lua buscava , mas ambas sabiam que o rio era seu verdadeiro dono. O guardião, o retentor.
Se ao menos pudesse estender suas mãos, quem sabe conseguisse tocar aquele ser iluminado.
Todas as noites, teimosa como era, ela tentava tomar o impulso, mesmo sabendo que falhar era inevitável.
Quão surpresa esteve quando, subitamente, conseguiu enxergar os próprios dedos.
Nos primeiros segundos, o choque a paralisou. Nos seguintes, a consciência do próprio respirar entrou em evidência e, de repente, se viu sufocada.
O rio tentou tragá-la, a água entrou por suas narinas, buscou roubar seu oxigênio, traçou um caminho mortal por sua garganta, porém ela não se deixaria vencer nunca mais.
Tossiu. Se agitou. Sacudiu o corpo.
A água voltou para sua boca e foi expelida. Seus pulmões quase saltaram junto.
riu daquele pensamento, mas logo se calou ao se assustar com o próprio som rouco a ecoar.
Suas mãos lhe chamaram a atenção novamente. Ela observou seus dedos levemente enrugados e, sem se dar conta ainda de não estar mais deitada, seus olhos se encheram de lágrimas.
— Que isso não seja mais um sonho. Eu te suplico, Iemanjá.
Era estranho ouvir sua voz depois de tanto tempo calada.
Mas o que era mesmo o tempo?
Talvez apenas uma medida.
Precisava descobrir, mas não queria.
Ela estava de volta!
Mais consciente de seus braços e pernas, nadou até a beira do rio e se levantou. Tremeu, incerta, porém não desistiu até se ver caminhando.
A sensação gelada das águas foi substituída pelo clima abafado que ela tanto amava.
Gargalhou alto. Chorou mais ainda.
Ela estava de volta!
Começou a correr sem se importar se parecia louca, ou com a ausência de suas roupas.
correu, ignorando o protesto de seus pulmões e o ardor em seus olhos com a claridade dos postes que surgiram.
Só devia se atentar, no entanto, à modernidade ao seu redor, ao asfalto onde seus pés passaram a pisar e ao som da buzina antes de sentir algo atingi-la, lançando seu corpo à estrada com um baque surdo.
Uma exclamação de dor escapou de seus lábios e ela pôde jurar ter ouvido xingamentos antes de fechar os olhos e suplicar, uma última vez, seu desejo de que aquilo não fosse mais um sonho.
Como as pessoas conseguiam se entender no meio daquilo?
Sim, se entender, porque conversar elas conversavam.
Aos berros.
Qual idiota mesmo o convenceu de que ir àquela festa era uma boa ideia?
Primeiro, era velho demais.
Segundo, odiava aquele tipo de tumulto.
E terceiro, como poderia ser bom estar no mesmo lugar que sua ex-namorada acompanhada?
Não. Ele não tinha sentimentos por Manuela, ao menos não sentimentos românticos, porém a cidade era pequena demais e todo mundo, todo mundo mesmo, perguntava a se estava tudo bem.
O pior nem era isso, mas, sim, o olhar de pena.
Porra, dá um tempo! As pessoas superam términos! E ele e Manu mantinham uma amizade legal que era muito melhor do que o namoro. Os dois não eram um encaixe e estava tudo bem.
É sério. Estava tudo bem mesmo.
— Égua, Thiago, eu tô indo pra casa! — O resmungo veio seguido de um olhar fuzilador porque estava ali o autor da ótima ideia.
— Ahn? — Mais para lá do que para cá, o primo e melhor amigo de não entenderia suas palavras nem se conseguisse, de fato, o ouvir.
— Tô-indo-pra-casa — o mal humorado repetiu pausadamente e a resposta de Thiago foi um arquear de sobrancelha.
— Oxe, mas por quê? Você não tá bebendo, cara? — A mera ideia parecia deixá-lo indignado.
bufou.
— Meio litro de cachaça não vai melhorar essa festa em nada.
— E a Cibelle? Já viu que tá te secando? Espia só! — Thiago passou a língua pelos lábios e indicou a moça a apenas alguns metros dos dois.
Sem se dar ao trabalho de olhar, o outro apenas começou a caminhar em direção à saída.
— Bora logo?
Os dois vieram juntos à festa, então, ou o primo aceitava o final precoce da festinha, ou arrumava outra carona.
— Nah, eu dou meus pulos.
rolou os olhos.
— Tem certeza? Não quero tua mãe me ligando depois pra me dar mijada porque te abandonei na sarjeta.
— Se a sarjeta for aquela loirinha ali, é verdade.
Os dois riram alto e o apenas alguns meses mais velho negou com a cabeça.
— Tu és podre, rapaz.
— Podre és tu, só se faz de bom moço.
— Te orienta aí, Thiago.
— Oxe, te sai logo, !
Ainda rindo, seguiu a direção desejada desde que colocou os pés na festa. Precisava acordar cedo no dia seguinte e, de fato, ter aceitado a proposta descabida de Thiago havia sido burrice dele também. Ainda mais uma festa na vila vizinha.
De qualquer forma, finalmente ele pôde respirar aliviado quando seguiu até a estrada principal.
Ligou o rádio e sorriu satisfeito ao ouvir a voz de Ney Matogrosso entoar Sangue Latino. Aquilo sim era música. Sentiu até a tensão em seus ombros se dissipar.
entendia bem como as coisas eram. As canções que gostava não costumavam animar o povo a ponto de dançar e, por esse motivo, apreciava tantos os momentos de solidão.
Não que ele fosse antissocial, não era, porém, curtia demais a própria companhia. E, como seu psicólogo havia dito uma vez: quem não gosta de ficar sozinho, teme demais olhar para dentro de si.
— Imagina só se eu tivesse dado uma de Thiago? — Riu, ao se dar conta do rumo de seus pensamentos, então negou com a cabeça.
Quem sabe não fizesse uma cara tão azeda quando Manu chegou à festa com Pedro, o novo namorado.
Não era ciúmes, embora pudesse parecer, só era… estranho.
sabia das vezes que a ex ficava com outras pessoas, afinal, de fato permaneceram amigos, porém nunca tinha visto nada e vice-versa. Não era um santo, vira e mexe trocava uns amassos por aí, mas sabia que namoro não era algo para ele, e esse havia sido um dos motivos de seu término com Manuela.
Pedro era um cara gente boa. Um tanto afrescalhado demais, mas gente boa. Ele fazia Manu feliz e era o que importava. Desde sua chegada à festa, os dois não se desgrudaram, e não se lembrava de ter sido assim quando namoraram. Na verdade, em festas ou outros eventos públicos, interagiam mais com os amigos e brincavam bastante entre si.
De fato, os dois tentaram se enganar por vários meses. Eram amigos desde o início e se envolverem romanticamente havia sido um grande erro.
Pelo menos o término não estragou tudo. não era antissocial, mas eram poucas as pessoas nas quais podia confiar.
Qual seria o motivo então daquela sensação estranha?
Talvez cuidado com Manu? Receio que Pedro, por mais gente boa que fosse, acabasse a machucando?
Ele não sabia e também não importava mais. Estranho ou não, teria de lidar com aquilo.
A princípio, sua careta trouxe um certo desconforto e a interação com Manuela foi um tanto engraçada. Era como se os dois pisassem em ovos e só melhorou quando a mulher fez uma brincadeira, perguntando que tipo de mandinga Thiago teria feito para tirar de casa bem na época de aplicar provas.
Depois as coisas melhoraram um pouco, até conversou com Pedro e eles tinham alguns hobbies em comum, só que o grude dele com sua ex não era bem o que desejava ver pelo resto da noite, ficar segurando vela para qualquer casal sempre seria desconfortável, então logo arrumou uma desculpa para ir atrás de Thiago.
espantou os pensamentos e aumentou o volume do rádio. Cantou alguns trechos da música enquanto seus dedos batucavam o volante e quando seu olhar bateu no horário mostrado em seu relógio de pulso, acabou rindo.
Ele tinha durado quase duas horas na festa.
Voltou sua atenção para o rádio quando a canção chegou ao fim e, decidido sobre qual gostaria de ouvir a seguir, deu uma conferida de esguelha na estrada.
Seu estômago subiu à boca quando notou uma moça a atravessando sem nem olhar para os dois lados. Num ato reflexo, apertou a buzina, seria muito mais fácil se ela recuasse. O barulho estridente machucou seus ouvidos, porém a mulher parecia em outra dimensão, porque não ouviu. E mesmo que tivesse escutado, não seria o suficiente.
O veículo estava perto demais.
— Égua! — Pisou o freio, tentando evitar o inevitável.
achava que o pior da sua noite seria uma festa universitária, cheia de alunos bêbados e gente se agarrando e o aporrinhando para todo o lado.
Como dizia o ditado, tudo que está ruim sempre pode ficar péssimo.
Ele aceitaria qualquer música moderna no lugar daquele som nauseante do corpo da moça se chocando contra o seu carro.
Imediatamente desligou o veículo.
O nervosismo o fez tremer por inteiro. Nunca na vida tinha atropelado alguém. Detestava a ideia de fazer mal a um mosquito sequer. Sempre foi muito cuidadoso no trânsito, como podia dar uma daquelas?
Por que, diabo, o universo estava sendo tão cruel com ele?
Passou a mão pelos cabelos e suspirou fundo enquanto encarava o próprio reflexo no retrovisor. Precisava prestar socorro.
— Ai papai — resmungou consigo mesmo e tratou de sair logo do carro.
O trajeto da porta até a frente do veículo pareceu durar uma eternidade. O receio de como encontraria a moça pressionava sua cabeça e ele sentia vontade de vomitar.
Nada o preparou para a cena que viu.
Não havia feridas graves expostas, nem uma quantidade exagerada de sangue por todo o lado, só que a mulher jogada a poucos metros de seu carro, além de desacordada, estava nua.
Isso mesmo. Nua.
Como veio ao mundo.
Os olhos do homem se arregalaram de surpresa e ele sentiu suas bochechas esquentarem imediatamente.
Sua primeira reação foi desviar o olhar, como se acabasse de flagrar algum momento íntimo da moça e qualquer menção de se aproximar dela a desrespeitasse.
Tudo aquilo parecia muito surreal.
Ele tinha mesmo atropelado uma mulher pelada?
Balançou a cabeça e voltou a encarar a cena. Secretamente, desejou ter imaginado, ou até mesmo sonhado, porém era tudo muito real.
O que faria?
— Como é que você se meteu nessa, ? — Ficou ali parado, constrangido e confuso. — Aposto que é praga do Thiago. Da próxima vez, ele que vá a pé e dê seus pulos! Não ligo. Olha só para essa enrascada? Eu podia estar em casa dormindo, mas não…
Puxou o celular do bolso e encarou o visor. Eram quase duas da manhã.
Se ligasse para a ambulância, sabe-se lá até que horas ficaria ali esperando.
Será que ela estava muito machucada?
Com suas bochechas queimando mais do que nunca, ele deu alguns passos e ficou mais perto da mulher para tentar procurar algum ferimento mais grave.
— Certo, só tô vendo uns arranhões, mas vai que ela quebrou alguma coisa?
Deixá-la nua daquele jeito era o que mais estava lhe incomodando.
Tirou a camisa xadrez que vestia por cima da camiseta preta e se adiantou para colocá-la sobre o corpo da moça. Agachado diante dela, tentou fazer mais uma análise à procura de machucados.
— Moça? — Arriscou chamá-la e se assustou quando a mulher abriu os olhos subitamente. — Axí, credo! — Ela ficou o encarando sem dizer nada, ainda deitada, e respirou fundo. — Err… Oi. Me chamo e…
Interrompendo sua fala, ela se sentou no asfalto e se afastou num sobressalto. A camisa escapou do corpo dela no ato e, tomando consciência da própria nudez, a moça abraçou seus joelhos, tentando se proteger.
— Por favor, não me machuque! — Seus lábios tremeram e ela baixou o olhar, com medo do que encontraria nas íris dele.
— Ei, não vou te machucar, eu… — fez uma careta, o constrangimento e a culpa o faziam evitar tentar uma aproximação.
— Por favor, eu não fiz nada. Te arreda! — O grito apavorado dela o surpreendeu e ergueu as duas mãos em sinal de rendição.
— Oxe, eu não vou te machucar, moça! — reforçou, usando um tom mais firme e ela se calou.
Seus olhares se encontraram por alguns segundos e ele percebeu o quanto a mulher estava atordoada.
Quando ela pareceu menos assustada, arriscou pegar sua camisa atirada no chão e estendeu a peça até a moça. Após dois segundos de hesitação, ela concluiu que era seguro e aceitou, a vestindo e deixando uma exclamação de dor escapar.
— Preciso levá-la ao hospital. Acha que consegue levantar sozinha? — O homem se pôs de pé e a observou mais uma vez.
Assentindo, a moça conseguiu se erguer, porém, ao tentar colocar um dos pés no chão, gemeu baixinho.
— Vou te ajudar. Posso? — Estava temeroso em tocá-la e só o fez quando a viu afirmar mais uma vez.
se aproximou e a fez passar um dos braços nos ombros dele para ganhar apoio. Um suspiro dolorido dela sugeriu que poderia ter machucado uma de suas costelas e ele suspirou.
— Vou te pegar no colo pra te colocar no meu carro. É mais rápido irmos nele do que chamar uma ambulância.
— Tudo bem. — A mulher percebeu que estava dolorida demais para protestar.
Um dos braços fortes dele envolveu suas pernas, enquanto o outro a apoiou por baixo da axila, então ele a ergueu como se fosse leve feito uma pena.
Seu cheiro era bom, embora misturado ao de… cigarro, fumaça? Não conseguiu distinguir.
seguiu com ela até o carro e deu um jeito de abrir a porta do carona para colocá-la ali. Ele o fez com cuidado e voltou a se aproximar para passar seu cinto.
— O que… — Ela perdeu o fôlego ao encará-lo tão de perto. A estrada escura estava iluminada pelos postes e pelos faróis do carro de e talvez fosse aquilo que o deixava um tanto… charmoso. — O que aconteceu? — Piscou os olhos lentamente, em busca de foco.
Devia estar apavorada com aquele negócio estranho onde o homem a havia colocado, mas não. Era tudo muito confuso.
— Você foi atropelada. — fez uma careta culpada e fechou a porta para dar a volta e ocupar logo o assento do motorista.
Quanto antes chegassem ao hospital, melhor. Talvez ela tivesse batido a cabeça.
— Égua! Como assim, atropelada? — a mulher o indagou, assustada, assim que o viu entrar no carro.
— Olha, moça, você apareceu do nada no meio da estrada. E sabe como é a iluminação daqui, né? O que você estava fazendo, que mal lhe pergunte? — deu partida e pisou o acelerador.
— Pera aí… Foi você quem me atropelou? — Os lábios dela se abriram de surpresa.
— Foi, mas não deu nem tempo de desviar ou frear. Como falei, você apareceu do nada e…
— Êêê… Sua mãe não te ensinou a não sair atropelando as pessoas assim? E que tipo de carroça é essa aqui?
— É o quê? Carroça?
Definitivamente, ela tinha batido a cabeça. Estava estampado na forma como ela o olhava.
— Olha só, por que você não fica quietinha? O hospital é logo ali e se você tiver alguma concussão, não é bom ficar tagarelando. — Tentou focar na estrada, mas pelo canto do olho a notou encará-lo indignada.
— Como é que é? Pois se aquiete você, rapaz! Vou tagarelar o quanto eu quiser, oxe. Já não basta passar por cima de mim, quer que eu feche a boca?
respirou fundo.
Era só o que faltava.
— Que seja. Fale pelos cotovelos então. Só estou tentando te ajudar. — Deu de ombros.
— Fale você pelos cotovelos. Não te pedi ajuda nenhuma — retrucou, birrenta, e ele acabou rindo.
— Preferia que eu te deixasse atirada na estrada então? — Ergueu uma sobrancelha e a ouviu bufar.
— Preferia que não tivesse me atropelado, obrigada.
— Facilitaria muito se você não resolvesse sair caminhando pela estrada a essas horas, não sabe? — A viu revirar os olhos e negou com a cabeça.
Alguns minutos de silêncio passaram e o olhar da moça parecia distante na estrada.
Ainda assim, não conseguiu conter sua curiosidade.
— Era algum tipo de aposta? — A encarou de soslaio e recebeu uma careta confusa.
— Aposta? — indicou as pernas descobertas dela, demonstrando que falava de sua nudez. — Não. Não era.
Ele processou a resposta por alguns segundos antes de tentar de novo.
— Era o que então?
A mulher respirou fundo.
— Não é da sua conta.
se irritou. Antes tivesse realmente a deixado atirada no asfalto, porém não era da índole dele, jamais faria algo do tipo.
Quis retrucar, contudo, antes que o fizesse, a iluminação da cidade atraiu sua atenção e ele desistiu de tentar qualquer outra conversa até enxergar a fachada do hospital.
percebeu os olhares das pessoas os acompanharem enquanto caminhavam até o balcão da emergência. Tudo bem, ele apoiava em seus braços uma mulher seminua, mas bem que o povo poderia ser um pouco mais discreto, não?
Afinal, não era como se nunca tivessem visto uma daquelas.
Estreitou os olhos para um rapaz que quase comeu a moça com um olhar. Era muita cara de pau mesmo.
— Afrescalhado — resmungou para si mesmo.
— Boa noite, em que posso ajudar? — A recepcionista chamou sua atenção e, antes que pudesse falar, a mulher em seus braços se atravessou.
— Fui atropelada por esse mocorongo. — Indicou .
— Égua! — protestou e a outra imediatamente o encarou feio, enquanto pegava o telefone para chamar uma enfermeira.
Ele suspirou.
— Oi. Sim, eu a atropelei. Ela apareceu do nada no meio da estrada, não parece estar com ferimentos graves, mas acho que teve uma torção no tornozelo e…
— Não tive ferimentos graves? Tu és doido! E como é que sabe? Por um acaso é médico?
estreitou os olhos e pediu a todos os seres divinos por um pouco mais de paciência.
— Não. Não sou médico, sou biólogo.
— E o que diabo é um biólogo?
Ela estava de brincadeira, não estava?
— Você só pode estar brincando.
— Moça, você tem algum documento com você? — A recepcionista interrompeu a discussão, sem acreditar que as pessoas tinham disposição para discutir em uma hora daquelas.
A mulher imediatamente a olhou e pareceu ainda mais confusa.
— Documento?
— É. Identidade, carteira de motorista, qualquer documento com foto, para eu puxar seu registro no sistema. — Indicou a tela à sua frente.
percebeu como a moça perdeu totalmente o rumo e ficou nervosa. Sua confusão era muito genuína.
Se ele fosse o culpado por sua confusão mental, nunca se perdoaria, mesmo que a mulher fosse irritante daquele jeito.
— Eu… Eu não tenho nada disso daí. E se algum dia eu tive, não me lembro. — Seus olhos marejaram. Será que deixariam de ajudá-la?
A recepcionista assentiu devagar e abriu um sorriso fraco.
— Tudo bem. Uma coisa de cada vez então. Me diz o seu nome.
— .
— E o sobrenome?
— .
— ? — Quis confirmar.
— Peraí, o quê? — se intrometeu, incrédulo com o que ouviu.
Ou aquilo era piada, ou a mulher era doida de pedra.
— . Você tem problemas de audição? — o olhou irritada.
— Você sabe o seu RG, ? — Mais uma vez, a recepcionista os interrompeu.
— Eu não sei nada, moça. A única coisa que consigo lembrar é o meu nome. Você consegue me ajudar?
— Consigo. A enfermeira já vai chegar aqui para te atender. Só aguardar.
e se entreolharam, então o homem a levou até um dos bancos da sala de espera e a ajudou a se sentar.
— Êêêê… seu nome é mesmo ? — Ela ia xingá-lo, ele sabia, mas não ligava. Ainda não conseguia acreditar naquilo.
Só conhecia uma . Aquela das lendas que sua avó contava e que ele estudou como uma planta na faculdade.
— Oxe, é. Por que eu mentiria sobre o meu nome? — Ergueu uma sobrancelha para ele. — E por que tanta surpresa?
— Nada. É um nome de planta. — Deu de ombros e abriu a boca incrédula.
— É não! Você é ridículo.
— É sim. Nunca viu uma ?
Aquilo já estava virando papo de maluco.
— Vi sim. Eu mesma no reflexo do rio. — Deu risada. Ela que batia a cabeça e ele que ficava doido.
— Ahn? — franziu o cenho.
Ok, ele estava começando a achar que dormiu no volante, ou até mesmo em um dos sofás daquela festa de maluco. Era a única explicação plausível.
— Olha, você gostando ou não, esse é o meu nome. É a única coisa da qual eu me lembro, mas tenho certeza. — suspirou.
— Então você também não sabe como foi parar nua no meio da estrada, né?
Ela o olhou aflita e não soube se era reflexo da luz ou se os olhos dela eram bonitos daquele jeito mesmo.
— Não. Não sei. Daria tudo para saber.
Os dois ficaram mais uns minutos em silêncio.
— E o seu, qual é? — ela indagou, de repente.
— O meu o quê? — , que acabou se perdendo em pensamentos, a olhou confuso.
— Seu nome, égua. — sorriu.
— Ah… É . .
— Prazer em conhecê-lo, . — Estendeu uma mão para ele e o gesto a fez ficar absurdamente charmosa. — Obrigada por me trazer até aqui, mesmo tendo me atropelado antes.
Ele não resistiu e acabou sorrindo de volta.
— Você vai ficar bem, . E não tem de quê.
Alguma coisa no olhar dela o prendeu, mas não gostou daquilo. Preferia ter controle sobre os próprios olhos, obrigado.
— … ? — A voz hesitante da enfermeira os interrompeu. Ela trazia uma cadeira de rodas e imediatamente ajudou a ir até ela.
— Obrigada mesmo. Que Deus lhe pague.
apenas assentiu e acenou em despedida quando elas se afastaram.
Havia feito sua parte e tinha certeza de que o pessoal do hospital ajudaria a se encontrar novamente. Estava livre para voltar para sua vida.
No entanto, quando as portas se fecharam atrás da mulher, ir embora lhe pareceu extremamente errado.
Mas por quê? Ele não sabia.
Ela não era responsabilidade sua.
E mesmo não entendendo o motivo, ficou.
Era até ridículo. Ele mal a conhecia e os poucos minutos em que esteve em sua companhia foram o suficiente para deixá-lo quase maluco.
Qual é? Ainda não havia comprado aquela história de . No mínimo, era algum tipo de piada extremamente sem graça, ou aquela mulher realmente era doida de pedra.
Ou talvez ela tivesse sofrido algum tipo de trauma e, por aquele motivo, acreditava ser uma lenda do folclore brasileiro.
O pensamento fez uma careta se formar nas feições de . De fato, todo o comportamento hostil dela faria sentido como uma forma de se proteger, e isso fez com que um sentimento de culpa tomasse conta do homem.
As coisas só pioraram quando seus pensamentos foram interrompidos por duas vozes femininas vindas do balcão não muito distante de onde estava.
— Uma moça tão bonita. Que judiaria!
— Será que ela bateu a cabeça?
— Não sei. Pelo que ouvi, nos exames não apareceu nada. Se não fosse pelos arranhões, nem dava pra dizer que ela foi atropelada, visse.
— É, Martha, mas nunca se sabe. Vai que a pobrezinha tava presa em algum lugar e conseguiu fugir? Eu já vi tanto caso de gente que passou por esse tipo de coisa e esqueceu até do próprio nome…
— Isso é verdade. Mas não tem muito o que fazer, sabe? A bichinha não tem sequer um documento. Tá difícil lidar com esse caso dela.
— Oxe, é? E o que vão fazer? Chamar a polícia?
— O serviço social tá vindo aí. Vão levar ela para o abrigo, e eu acho até bom, não sabe? Lá tem de um tudo.
— Tem mesmo. Um psicólogo vai conseguir ajudar.
deveria concordar com elas e até se sentir aliviado, porque a mulher ao menos teria um lugar para ficar até colocar a cabeça em ordem, porém, de repente, o homem se viu até mesmo irritado.
Conhecia muito bem o serviço social de Alter do Chão e sabia que ela estaria tudo menos segura naquele lugar.
— Ai, papai! — Bufou baixo e fechou as mãos em punho, enquanto se levantava e caminhava em direção ao balcão, onde as duas recepcionistas conversavam.
Para sua sorte, a que havia o atendido anteriormente não estava entre elas.
— Com licença. Desculpa interromper. Eu estive há pouco deixando minha amiga aqui porque foi atropelada. Sabem me dizer como ela está? — Suas feições preocupadas eram parcialmente verdadeiras.
A que ele logo identificou como Martha o encarou de forma nada discreta e franziu levemente o cenho.
— Humm, tá… Qual é o nome da sua amiga?
Merda. Ela estava desconfiada, porém prosseguiu com a encenação.
— .
— Té doidé! Esse é mesmo o nome dela? — A moça ao lado se intrometeu, e o homem desceu o olhar até seu crachá, onde leu o nome Antonella.
— Oxe, é sim. A mãe dela curtia lendas folclóricas. — Deu de ombros, da forma mais displicente que pôde.
— Como pode? Eu achava que tinha algum tipo de restrição para colocar nomes assim, mas cada doido com a sua mania, né isso? — Ela riu.
— Antonella. — Martha a cutucou com uma certa urgência e a indicou para que se aproximasse.
— O que foi, mulher?
— E se esse cara aí era o sequestrador dela? — O tom sussurrado não passou despercebido por , que conteve a vontade de revirar os olhos para aquela situação.
— Égua! Ele não tem cara de sequestrador, não, Martha. Te orienta! — Antonella sussurrou de volta e lançou um olhar furtivo ao homem.
— Isso é só porque ele é bonitão, né? Tu não toma jeito, mesmo! — As duas quase riram, porém foram interrompidas por .
— Desculpa por atrapalhar, mas a não é muito fã de hospitais, e eu realmente estou preocupado com ela.
Martha estreitou os olhos.
— Ela está no quarto em observação, mas pode receber visitas.
— Ótimo, e qual…
— O senhor tem algum documento para eu registrar a sua entrada? — O corte no meio de sua fala o irritou profundamente, porém fingiu que aquilo não o afetou, afinal, dependia dela para ir até .
— Claro. Um segundo. — Então ele puxou o objeto de dentro de sua carteira e, sem hesitar, esticou a mão em sua direção.
Dar a cara a tapa assim talvez fosse um pouco demais por uma desconhecida, mas, por hora, decidiu parar de tentar entender seus motivos.
— Peraí, agora entendi por que tu não me és estranho. És aquele do protesto contra o shopping, não é? — Antonella voltou a se pronunciar, dessa vez um tanto empolgada.
Uma careta se formou nas feições do homem. Sim, era ele, mas seu foco era outro no momento.
— Êêêê… Quem? — Martha franziu o cenho e oscilou seu olhar entre e a colega.
— Não importa agora. Eu realmente preciso ver a minha amiga — insistiu, com o intuito de cortar a fala de Antonella assim que a viu abrir a boca.
— Claro, desculpe. Mas quero que saiba que achei muito bonito o gesto. Alter do Chão não pode virar outra selva de pedra.
não pôde evitar sorrir com aquilo. Sua paciência estava quase esgotada, era verdade, porém encontrar pessoas que apoiavam sua causa o fazia ter um pouco mais de esperança na humanidade.
— O quarto dela é o 103. Só seguir pelo corredor… — Martha interrompeu sua própria fala quando o viu sair correndo.
— Sim? — parou em uma encruzilhada, porque não conhecia tão bem assim aquele hospital.
— À direita. — A mulher ainda estranhava o comportamento dele, porém tentou se convencer de que tudo aquilo não passava de ansiedade e preocupação com a tal .
Viu então o homem sumir após virar para a direita e trocou um olhar com Antonella.
— Eras, esse hospital ainda vai me enlouquecer. Só espero que nosso próximo paciente não seja o Saci Pererê.
Aquele comentário fez as duas colegas caírem na risada.
A poucos metros dali, diminuiu a corrida para passos rápidos, a fim de conseguir ler as placas com a numeração dos quartos. Notou que iam em ordem decrescente e as numerações ímpares ficavam do lado esquerdo do corredor, isso significava que estaria no final dele.
Será que ela já teria enlouquecido as enfermeiras do mesmo jeito que havia feito com ele em questão de minutos?
Balançou a cabeça em negação e parou na frente do quarto 103 assim que o identificou. Respirou fundo, então adentrou o cômodo.
Ao contrário do que imaginava, não tagarelava incessantemente. Calada, a mulher estava sentada na cama e encarava a janela do quarto, perdida em pensamentos. Ao lado dela, em uma segunda cama, uma senhora dormia, enquanto a veia de seu braço direito estava conectada a uma bolsa com um líquido transparente.
— Oi. — Sua voz ecoou baixa para não incomodar a outra paciente, porém com volume o suficiente para atrair a atenção de .
Ela virou a cabeça na direção dele devagar e franziu o cenho ao reconhecê-lo.
— Você? — Seu tom misturava descrença e uma certa inquietação que quase o fez revirar os olhos.
— Sim, eu. Como você está? — Engoliu a vontade de dar uma resposta irritada e focou naquele seu lado que estava genuinamente preocupado com ela.
— Bem. O médico disse que não quebrei nada, só tive uns arranhões. — Os olhos da mulher o analisaram com uma certa desconfiança.
— Que bom. Isso é muito bom. — Égua. Por que de repente ele se sentia um tanto… nervoso?
Alguns segundos de silêncio reinaram entre os dois, e tudo o que se podia ouvir dentro do quarto era o gotejar do remédio adentrando as veias da senhorinha ao lado.
— É só isso? — se pronunciou, de repente incomodada.
— Como é? — a olhou confuso.
— Veio aqui só pra perguntar isso?
— E se foi? Algum problema?
— Se foi, já falei que estou bem. Pode te sair. — desviou o olhar dele de volta para a janela.
respirou fundo para conter a vontade de revirar os olhos.
— Vão te encaminhar para o serviço social. — Sua fala atraiu a atenção da mulher mais uma vez para ele.
— É o quê?
— Isso que você ouviu. Você não tem nenhum documento e não lembra de nada, não é? Vão te encaminhar para o serviço social.
— E o que diabo é isso?
franziu o cenho. Ela não saber o que era o serviço social era completamente absurdo.
— Tá falando sério que você não sabe?
— Por que eu perguntaria se não soubesse, égua? — O tom dela se tornou impaciente.
— Tu é lesa, é? É um órgão do governo. Eles têm um abrigo lá e supostamente algumas pessoas que podem te ajudar.
— Leso és tu! E por que você tá com essa cara de enterro? É uma coisa boa isso, não? — parecia confusa e ao mesmo tempo apreensiva. Como poderia ter certeza de suas próprias palavras?
A próxima careta de não ajudou em nada.
— Sinceramente? Não. O serviço social daqui é uma vergonha. Não acho que seja um lugar seguro para ninguém.
engoliu a seco e assentiu, sem saber exatamente o que dizer ou como agir.
De repente, ajeitou os cabelos e tentou puxar a agulha com o acesso que trazia soro para suas próprias veias.
— Oxe, o que tá fazendo? — a acompanhou com o olhar.
— Égua, o que você acha? Não vou deixar me levarem pra esse negócio social aí! Vou me arredar daqui.
— E vai para onde? — A pergunta a fez parar o que fazia e o encarar por alguns segundos, enquanto analisava suas possibilidades.
Certo, ela não tinha nenhuma.
Deu de ombros.
— Depois eu penso nisso, só preciso dar o fora daqui.
Ai, papai. Alguma coisa o alertava que se arrependeria daquilo uma hora ou outra, porém, ao mesmo tempo, tinha a impressão de que não conseguiria evitar. Por algum motivo, havia nele uma necessidade de ajudá-la.
— Vem comigo então. Eu vou te ajudar.
Mais uma vez, os olhos de o analisaram com desconfiança, porém ela não tinha tempo a perder e, tirando o fato de que aquele homem a havia atropelado, aceitar sua ajuda parecia uma opção melhor do que o treco lá do governo.
— Tá bem. Mas se tentar alguma gracinha, eu arrebento você.
revirou os olhos pelo que pareceu ser a milésima vez, então se aproximou para ajudá-la.
Se esgueirar para fora do hospital não havia sido uma tarefa muito fácil, principalmente porque ainda usava aquelas camisolas feitas para pacientes e estava um calor desgraçado, então não tinha nenhuma jaqueta à mão para tentar disfarçar.
De qualquer forma, ele aproveitou o fato de que uma das recepcionistas aparentemente era uma fã de seu trabalho e parou no balcão para distraí-las, enquanto passava correndo.
O plano quase deu certo. só havia esquecido de Martha.
— Segurança! — O grito dela foi a deixa para arregalar os olhos e disparar para a porta.
— Tá embaçado! Não vou conseguir! Nem sei para onde ir — ofegou e quase tropeçou nos próprios pés quando segurou em sua mão e a puxou para o estacionamento.
— Consegue, sim. Só vem comigo.
Os dois ainda ouviam gritos e passos apressados em suas direções, porém o barulho se distanciou, logo abafado por suas respirações descompassadas e o som do alarme do carro de sendo desativado.
— Entra aí. — Indicou a porta do carona e correu para o lado do motorista. Eles não tinham tempo para cavalheirismos.
se atrapalhou e a camisola quase subiu até a cintura quando pulou para dentro do veículo e bateu a porta com tanta força que jurava que o homem reclamaria, porém ele nada disse.
Ainda sem pensar na loucura que estava fazendo, ligou o carro e seguiu para fora do hospital. Mal acreditou quando passou pela fachada e conseguiu pegar a estrada em direção à sua casa.
Enquanto tentava recuperar o fôlego, seu olhar se encontrou com o de e, sem dizer uma palavra sequer, os dois caíram na gargalhada.
Os segundos em que permaneceram daquela forma pareceram quase durar uma eternidade, e era estranha para aquela sensação de conforto ao lado de alguém que mal conhecia. não estava diferente, porém havia muitas outras coisas estranhas aos seus olhos.
Após a sessão de gargalhadas, o silêncio reinou entre os dois, e os olhos de se voltaram para a janela, enquanto observava como tudo estava diferente. Não que tivesse se lembrado de como era antes, mas ela podia sentir, se é que aquilo fazia sentido.
batucou os dedos no volante no ritmo de alguma música, perdido em suas próprias reflexões.
Havia agido por impulso ao tirar a mulher do hospital e agora levava para a sua casa, mas e depois? O que faria? O serviço social era uma merda e ela mal lembrava quem era, como poderia ajudá-la? Ele estava lascado, essa era a verdade.
— Para onde nós estamos indo? — A voz de o tirou de seus pensamentos e ele tornou a encará-la, mesmo que ainda parecesse um tanto perdido.
— Para a minha casa. Acho que depois de um banho quente, algo para forrar o estômago brocado e roupas decentes, vamos conseguir achar uma solução para te ajudar.
Pelo menos era o que ele esperava.
jurava que ela o retrucaria, como havia feito nas outras vezes, porém apenas assentiu e abriu um singelo sorriso.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. É o mínimo que eu posso fazer depois de ter te atropelado, né não? — Fez uma careta.
— Di rocha. Mas que fique claro que ainda te acho um brutamontes.
O comentário o fez revirar os olhos e balançar a cabeça em negação, antes de tornar a prestar toda a atenção na estrada.
Não demoraram muito mais para chegarem até a casa de . Era um lugar simples, feito de madeira e com algumas árvores ao redor, porém o que realmente surpreendeu foi notar que se caminhassem apenas alguns metros estariam na praia.
O dia estava quase amanhecendo, mas ainda dava para ver a lua e seu reflexo no oceano.
— É lindo — sussurrou encantada, e sorriu, enquanto destrancava a porta.
— Depois de você. — Indicou para que ela entrasse.
Mesmo receosa, a moça tomou a frente e adentrou a casa, então o ouviu fazer o mesmo e trancar a porta atrás de si.
Os olhos de tentavam absorver ao máximo o que captavam, enquanto analisava tudo ao seu redor. O sofá coberto por uma capa de crochê verde escuro, a mesinha de centro entalhada em madeira rústica e a… tela preta esquisita que ela não fazia ideia do que se tratava.
Junto à sala, vinha uma cozinha pequena, com uma mesa redonda e quatro cadeiras também entalhadas em madeira, a pia com um escorredor de louça, onde havia um prato, dois talheres e um copo, e… um treco esquisito de metal em um armário logo em cima. Mas não tinha só aquilo. Logo ao lado da pia havia mais um trambolho daqueles e logo adiante um ainda maior, que emitia um ruído.
— Esse negócio ali não vai explodir, não? — Apontou o objeto, enquanto fazia uma careta receosa.
a observava com curiosidade e uma certa desconfiança. A pergunta genuína, no entanto, o pegou completamente de surpresa.
— O quê? A geladeira? Oxe. Vai não? — Olhou dela para o objeto.
— Tem certeza? Tá vindo um barulho esquisito e… gela o quê?
quase riu.
— Geladeira, nunca viu uma, não? E duvido que vai explodir, ela faz esse barulho mesmo. É o motor.
— Oxe, claro que já vi — mentiu. — Mas nunca uma barulhenta desse jeito.
— Eu vou fingir que acredito em você. Quer tomar um banho? Te mostro o banheiro e depois preparo alguma coisa pra comer enquanto isso.
— É… banhar me parece uma boa ideia. — Ela assentiu e o acompanhou até o local, então tentou não parecer tão chocada quando não encontrou nenhuma banheira lá dentro e sim mais um treco esquisito.
— Aqui tem toalhas limpas e… espera um segundo. — saiu para outro cômodo após abrir um armário e indicar as peças, então retornou com uma camiseta verde escuro e uma calça de moletom preta. — Não tenho roupas femininas aqui, mas acho que isso vai servir por enquanto.
engoliu em seco e aceitou quando o homem a entregou as roupas. se virou para deixá-la à vontade, porém, antes que saísse, ela o tocou de leve no braço.
— C-como… como isso funciona? — Estava odiando ter que admitir não conhecer nada daquilo.
— Isso o quê? O chuveiro? — continuou a tentar não demonstrar tanta surpresa, e quando ela assentiu, pacientemente seguiu até o chuveiro e o ligou. — Eras… é só girar a torneira. Quanto mais abrir, mais gelada a água vai ficar. Você prefere quente ou frio?
— E-eu… — De repente, a sensação da água gelada do lago a fez estremecer. — Pode ser quente.
— Certo. — O homem ajustou a temperatura da água. — Vê se assim tá bom.
Ela deu alguns passos até ele e estendeu a mão para se permitir experimentar.
— Uhum, está ótimo. Obrigada. — Abriu um pequeno sorriso, que retribuiu, enquanto tentava não ficar a encarando tanto assim. Era muito doido que ela tivesse esquecido de coisas simples como um chuveiro. O que teria acontecido com ?
— Vou deixar a porta encostada, mas você pode gritar se precisar de mais alguma coisa.
— Tá certo. — assentiu e o viu engolir em seco antes de se afastar e sair do banheiro.
Enquanto se despia e iniciava o que talvez fosse o melhor banho de sua vida, se sentou no sofá e bufou alto. Precisava de alguns minutos para processar tudo o que havia acontecido antes de pensar no que poderia fazer para o jantar.
Tinha alguma coisa muito estranha naquela mulher, algo que uma parte sua nem queria saber, porque cheirava a problema. Ainda assim, lá estava ela, depois de ele a ter ajudado a fugir do hospital, sem identidade e sem memórias, parecendo nem ser daquele tempo.
Era tudo uma grande loucura.
E ele tinha certeza de que, desde o momento em que topou sair de casa naquela noite, havia feito todas as escolhas erradas.