Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 24/11/2024.As mãos trêmulas de a seguraram por longos minutos, e o homem encarava o papel enquanto ponderava se deveria abri-lo ou não. Há tanto tempo não recebia nenhuma correspondência, porém algo naquele selo, um emblema familiar que parecia uma rosa estilizada, chamou sua atenção. cedeu.
Uma última sinfonia para ela.
Não havia remetente, apenas aquela frase gravada com uma data e um endereço de um baile de máscaras em um salão antigo que conhecia muito bem.
Engoliu em seco, seu coração doeu e acelerou.
Aquele havia sido o lugar onde tocou sua última música com . A última melodia entoada com perfeição antes de tudo escapar por seus dedos.
Como sentia falta de .
não deveria aceitar aquele convite. Anos haviam passado, era verdade, porém o isolamento e o silêncio serviram para enterrar um passado trágico e doloroso, e aquele convite ameaçava desenterrar tudo. No entanto, ele também era um ultimato, um chamado irresistível que sabia que não podia ignorar.
Devia aquilo a ela. Uma última sinfonia.
Na noite do baile, ele se vestiu todo de preto, calça social, camisa e sapatos. Carregava apenas seu violino e o convite em mãos.
Durante toda a semana, algo lhe dizia para desistir daquela ideia de ir ao baile. No entanto, sabia que precisava e se arrependeria caso não fosse.
O salão era exatamente como ele se lembrava, grandioso, com lustres elegantes e espelhos que davam a impressão de que o lugar era ainda maior. Velas tremulavam como sombras vivas, a música clássica ecoava e garçons se esgueiravam entre as pessoas ao carregarem bandejas com bebidas e petiscos. Alguns convidados mascarados dançavam de forma graciosa, enquanto outros permaneciam em volta das mesas, conversando ou apenas apreciando a música.
caminhou até o pequeno palco, onde havia um piano e um músico reproduzindo o noturno Op. 9 nº 2 de Chopin. Um pequeno sorriso se abriu nos lábios dele, a familiaridade e a saudade dos palcos tomaram conta de si e, antes que pudesse se refrear, o homem tirou o violino de sua capa e o ajustou no ombro para começar a tocar.
Seus dedos criaram vida própria. Era como se nunca tivesse parado. Um alívio grande tomou conta de si e trocou um olhar significativo com o pianista.
Era isso. Ele estava entregue.
Ironicamente, aquela era a mesma música da noite em que tudo mudou. Seu corpo estava trêmulo e as memórias vieram como em um turbilhão.
Dessa vez, no entanto, não tentou afastá-las. De certa forma, sabia que precisava daquilo. Era sua despedida. Finalmente deixaria partir.
Foi então que ele a viu.
Em meio aos convidados, havia uma mulher mascarada. Ela dançava sozinha, seu vestido branco fluía como um rio sob a luz de velas e, embora não conseguisse identificar o rosto por debaixo da máscara, seus movimentos eram familiares a .
Familiares demais.
— ? — O nome escapou de seus lábios antes que pudesse se refrear e ele sequer se deu conta de ter parado de tocar.
A mulher parou de dançar e se virou lentamente para encará-lo. Seu rosto ainda estava encoberto por uma máscara prateada, os cabelos bem presos em um penteado elegante e cravejado por cristais. Ainda assim, algo dizia no fundo da alma de que era ela.
Sua .
— Você voltou. — Deu um passo à frente, enquanto o sussurro ecoava pelo salão e se misturava à música.
Ela não o respondeu. Em vez disso, se virou e correu em direção à porta.
Com o coração disparado e prestes a saltar de sua boca, não hesitou em segui-la.
— , espere!
Aquilo era loucura demais, ele deveria saber, porém não se importava com mais nada além dela. Precisava alcançá-la. Precisava sentir sua mão na dela uma última vez que fosse.
Precisava se despedir.
— !
No final de um corredor, ela parou, se virou para o homem e lentamente inclinou a cabeça, como se o estudasse.
venceu a distância entre os dois e estendeu a mão para segurar os dedos dela, temeroso e ao mesmo tempo ansioso. não recuou.
No entanto, quando suas peles se tocaram, uma onda de frio percorreu o corpo dele. Uma onda de arrepios que o gelou até os ossos e de repente ele se sentiu sufocar.
A música cessou. Uma a uma, as velas foram se apagando e, de repente, as cortinas ao seu redor estavam enegrecidas e deterioradas pelo tempo, como se o salão estivesse abandonado há muito tempo.
— Você sabe por que eu estou aqui — a voz de ecoou suave e cortante, como um sussurro em sua mente.
— … — engoliu em seco e tentou se afastar, as batidas de seu coração de repente eram o único som a ser ouvido.
Ela não permitiu que ele se afastasse e seus dedos apertaram o pulso de , firmes como aço.
— Você nunca contou a ninguém o que realmente aconteceu naquela noite, não é?
O coração de acelerou ainda mais. Ele tentou negar, enquanto lágrimas se formavam em seus olhos, e, de repente, o homem se deu conta do ambiente onde estavam.
Aquele era o mesmo corredor onde ele havia discutido com pela última vez.
— Eu não queria ter feito aquilo, . Não queria! — Sua voz saiu estrangulada. A memória era implacável.
O rosto de estava tomado pelas lágrimas, sua expressão decidida quando se virou para ele.
— Eu vou embora, . Não posso mais fazer isso. — Sua voz carregava pesar. Não queria magoá-lo, porém não aguentava mais viver daquela forma, controlada pelo maestro Kang, que exigia deles nada além da perfeição, e por e seu ciúme doentio.
Se envolver com seu parceiro havia sido um grave erro e a musicista enfrentaria as consequências ao ter que abandonar sua carreira.
— Não, . Você não vai a lugar algum. — O rosto de se contorceu de raiva e, num rompante, ele tentou segurá-la no pulso.
— Me solte! — A mulher tentou se livrar do aperto.
— , estou falando sério. Você não vai a lugar algum! — A apertou mais firme e quando ela tentou se soltar mais uma vez, acabou tropeçando nos degraus da escada.
Um grito se seguiu e então o som nauseante do impacto quando ela caiu.
Passos desesperados, uma mancha de sangue, os olhos ainda abertos de .
Ele não queria machucá-la.
— Eu não queria machucá-la! — gritou. — Foi um acidente! Eu perdi o controle, eu…
— Você me matou, . — Então tirou sua máscara e o rosto que era tão belo estava distorcido e marcado pelo horror de sua morte.
— , por favor, me perdoe. Por favor, foi um acidente! Eu a amo, sempre amei…
Uma risada amarga ecoou pelo corredor vazio.
— Perdoá-lo? Eu estou morta, . Acha que suas palavras adiantarão alguma coisa agora?
De repente, as paredes do salão começaram a desmoronar e um abismo negro se formou diante de . Ele tentou recuar, porém o aperto de se intensificou e ela o puxou para mais perto da borda.
— Você viveu por todos esses anos com a minha morte nos ombros, porém não é o suficiente. Você precisa sentir o que eu senti, . O medo. A dor. O vazio.
O homem tentou lutar mais, mas era inútil.
— Por favor! Eu a amo, . E saber que eu a matei me assola todos os dias. Nunca fui e nunca serei o mesmo. Minha música não existe sem você, eu não existo sem você.
A expressão de de repente suavizou, como se a antiga musicista ainda estivesse ali, pronta para abrir um sorriso caloroso e dizer a ele que tudo ficaria bem. Mas então, ela o empurrou.
caiu no abismo. E caiu. E caiu. E caiu.
Uma eternidade havia se passado quando ele atingiu o chão.
Então estava sozinho, no meio do salão vazio e abandonado.
Seu violino estava em pedaços, o silêncio era ensurdecedor.
olhou ao redor, mas não havia ninguém, apenas as ruínas do que um dia aquele lugar havia sido.
O convite preto ainda estava em suas mãos e, quando tornou a lê-lo, novas palavras douradas estavam gravadas.
Até que nos encontremos novamente.