Finalizada em: 12/06/2025
[Carta da ]
“Hoje é Dia dos Namorados… E, ironicamente, foi o dia que escolhi para dizer adeus de verdade.
Eu pensei em mil formas de fazer isso — gritando, chorando, culpando você, me culpando. Mas no fim, escolhi o silêncio dessas palavras. Porque, apesar de tudo, eu te amei. E acho que merecemos um fim com dignidade.
Aqui estão suas coisas. Cada objeto que você deixou aqui parecia carregar um peso que me impedia de seguir em frente. Então hoje, eu os devolvo. Devolvo suas camisetas, seus livros preferidos, aquela caneca que você insistia em chamar de “nossa”. Não é mais.
Mas não pense que isso é amargura. Pelo contrário. Eu te devolvo tudo porque, finalmente, eu me devolvi a mim mesma.
Você me ensinou muitas coisas, mesmo nas dores. Aprendi que amor não sobrevive só de lembrança. Que saudade não é motivo pra ficar. E que, por mais que o coração grite, ele também precisa aprender a calar.
Eu amei você. Intensamente. E por isso mesmo, eu escolho deixar você ir.
Hoje é Dia dos Namorados.
E eu me escolhi como companhia de uma vez por todas.
Espero que você entenda.
— ”
Percorreu os olhos umedecidos pela carta, por cada linha, por cada palavra. Precisava ser livre, precisava aceitar de vez que os dois não eram mais um casal. Havia escolhido o Dia dos Namorados de forma proposital? Poderia dizer que parte dela havia escolhido aquela data propositalmente, por toda a simbologia que ela trazia aos casais — flores, jantares, declarações. Para muitos, era um dia de promessas; para ela, era o momento de soltar o que já não era mais.
Escolher o Dia dos Namorados foi, sim, intencional. Porque durante muito tempo ela esperou essa data com o coração apertado, imaginando se ele lembraria, se mandaria uma mensagem, se ainda pensava nela. Agora, era diferente. Ela não queria mais ser lembrada por obrigação ou saudade — queria ser lembrada por coragem.
Era como se, ao devolver tudo naquele dia específico, ela estivesse devolvendo também o lugar que ele ocupava em seu peito. Um ato simbólico de libertação. Em meio a corações vermelhos nas vitrines e casais de mãos dadas pelas ruas, escolheu dizer adeus. E, mais do que isso, escolheu dizer basta.
Era o fim de uma história que ela passou tempo demais tentando reescrever sozinha. E talvez fosse cruel fazer isso justo no Dia dos Namorados… mas também era poético. Porque ela merecia se amar mais do que continuar esperando por alguém que já não estava ali.
Talvez não houvesse data melhor para recomeçar.
A dureza das palavras de certamente adentraram muito dentro de , eles decidiram terminar tudo ali mesmo, sem nem uma conversa com as cabeças já frias depois da tempestade. Dias haviam se passado, depois semanas e então aquela carta.
E agora ele estava ali. Sentado no chão da própria sala, com as coisas dele espalhadas ao redor como cacos de uma vida que ele não soube cuidar.
Ele tentou engolir o nó na garganta, mas era inútil. A carta o quebrava. Cada linha trazia a imagem dela: o sorriso tímido, os olhos firmes, a forma como ela falava o nome dele quando estava brava… e agora ela estava indo embora de vez. Não com raiva, não com mágoa — mas com a paz que ele não conseguiu lhe dar.
Era isso que doía mais. Ela havia encontrado a coragem que ele não teve. Ela havia fechado a porta com leveza, enquanto ele continuava ali, trancado por dentro com tudo o que não foi dito.
passou a mão pelos cabelos, puxando-os com força, numa tentativa tola de aliviar a dor que explodia em sua mente. Ele leu a carta mais uma vez. E depois outra. E outra.
Não conseguia aceitar que aquilo era o fim.
Porque, ao contrário de … Ele ainda não sabia como seguir em frente.
Se o dia era dos namorados, então a noite era dos solteiros, certo? Combinou com duas amigas de se encontrarem no pub às 21h, ela estava adiantada, como sempre.
Vestida com uma camiseta oversized lilás que mais parecia um vestido curto, estampada com uma borboleta e um toque de rebeldia artística no centro, exalava atitude. A peça solta contrastava com as meias arrastão que cobriam suas pernas, criando um equilíbrio perfeito entre o desleixo estiloso e a ousadia bem pensada.
Nos pés, botas pretas tratoradas e de amarração davam o toque final à composição: forte, firme, pronta para encarar qualquer coisa.
No pescoço, dois colares de correntes se destacavam, um com pingente, outro com brilho metálico. Era sutil, mas eficaz: sabia que presença se fazia com mais do que palavras.
Quando ajeitou o brinco na orelha e deu um passo para trás, encarando o próprio reflexo, sorriu de leve.
— Hoje não é sobre ele. Nem sobre o que passou. É sobre mim.
Conferiu os documentos na bolsa, jogou o celular lá dentro e antes de sair, passou pela cozinha e pegou um energético, ela queria estar realmente pronta para o que viesse. E para isso precisava de energia extra.
Escolheu qualquer um, já que havia três na geladeira e inevitavelmente, pensou em … energéticos eram coisas dele.
Era uma das coisas que ela havia aprendido a gostar por causa dele. Olhou para a latinha em suas mãos e engoliu seco. Depois balançou a cabeça: “Não, não! Eu enterrei o hoje, que nem ele fez comigo. Não vai ser um simples energético que vai me abalar. Né?”
Apagou as luzes da cozinha e da sala e retirou as chaves da casa da porta de vidro temperado dela, abrindo-a, pronta para sentir o vento gelado de Los Angeles no rosto. Quem sabe a sensação do vento lhe cortando a pele não lhe devolvesse a sensação de estar viva de novo e não apenas de pé.
Assim que fechou a porta e a trancou, procurou rapidamente pelas chaves do portão de grade que a separava da rua. O vento lhe soprou os cabelos, fazendo-a fechar os olhos, permitindo-se sentir aquilo — a primeira lufada real de ar fresco desde que acordara naquela manhã.
Foi libertador. Mas também cortante.
Havia algo naquela brisa gelada que doía. Como se o próprio ar carregasse lembranças. O vento arranhava sua pele exposta com dedos frios e invisíveis, quase como se tentasse acordar partes adormecidas de dentro dela. Era um lembrete incômodo de que ela ainda sentia. De que estava viva, sim, mas não inteira.
O ar gelado invadia seus pulmões e doía na respiração, ao mesmo tempo que clareava seus pensamentos, limpava a mente — como se dissesse: você saiu do lugar.
Era bom. E era ruim.
Era liberdade com gosto de ausência. Era alívio, mas também vazio.
inspirou mais uma vez e abriu os olhos. Não haveria mais lágrimas hoje. O vento podia cortá-la, mas não ia derrubá-la.
Girou a chave no portão com firmeza. E saiu.
Para a rua, para a noite, para o mundo — como quem não sabia exatamente para onde ia, mas sabia que não podia mais voltar.
— ?! — Ela ouviu ao fundo, a voz de cortando sua pele assim como o vento e lhe adentrando os ouvidos.
piscou os olhos. Duas. Três vezes. Aquilo certamente seria alguma alucinação criada por sua mente ainda ligada a ele e um tanto quanto perturbada por aquela ser a primeira data que ela passaria sem ele em dois anos.
Não é? Era só coisa da sua cabeça, eram vozes… vozes da sua cabeça, tentando atrai-la. Tentando fazer com que ela caísse em tentação e ficasse em casa sofrendo por estar longe dele.
— Pode olhar para mim pelo menos?
— Claro que não! Você nem está aqui de verdade. É tudo uma alucinação da minha cabeça perturbada pelo momento.
Ela abriu a latinha de energético, o tsshhh metálico se espalhando no ar como um estalo ácido que cortava o silêncio entre eles. O som foi mais real do que qualquer alucinação deveria ser.
congelou por um segundo.
O som da lata. O som da voz dele.
As duas coisas soaram reais demais.
Ela ainda não tinha coragem de olhar. O coração batia forte no peito, como se quisesse fugir antes do corpo perceber o que estava prestes a encarar.
Mas então veio de novo, a voz.
Mais baixa, mais próxima.
— Eu tô aqui de verdade, .
E ela soube.
Não era imaginação.
Era . Em carne, osso…
Mas ela ignorou, tomou um gole da bebida sentindo gosto ácido dela queimar a garganta. Fez uma breve careta enquanto o organismo se acostumava com o gosto que descia e invadia seu estômago, e pôs-se a andar.
Não com pressa, não correndo, nem fugindo. Andava tranquilamente em direção ao metrô. O coração ainda batia descompassado, o vento ainda cortava sua pele, passeando por todo seu corpo, que arrepiava hora ou outra. já não sabia exatamente onde os arrepios de frio começavam e onde os de ansiedade e desespero latente terminavam.
A cabeça dela rodava um pouco e ela sentiu que poderia desmaiar, mas seguiu seu caminho. Ela sabia, sabia que caminhava atrás dela, em silêncio.
— Você não pode me seguir! — Levou a latinha até os lábios, tomando mais um gole.
— Não estou seguindo você, estou indo para o metrô. Lá é público ainda, sabia?
não parou de andar, seguiu em frente. Assim que parou em um sinaleiro, ela sentiu os ombros dele se encostarem aos seus, ele havia parado ao lado dela. O toque foi leve, quase imperceptível, mas em causou um estrago silencioso.
Seu corpo reagiu antes que sua mente pudesse controlar: a pele arrepiou, o coração falhou uma batida, e o estômago revirou como se tivesse acabado de descer de uma montanha-russa. Era absurdo como um gesto tão simples podia ser tão familiar… tão perigoso.
— Não sei exatamente onde está indo, mas deveria chamar um carro… é mais seguro.
não desviou os olhos do semáforo, nem por um segundo.
— Você não precisa mais se preocupar com a minha segurança, . Nós terminamos.
— Nós realmente terminamos, ? — Ela o ouviu suspirar e então o semáforo abriu, eles estavam livres para atravessar.
E assim o fizeram, agora lado a lado.
— Você não leu a minha carta? Aliás, nós terminamos há semanas, na porta da minha casa, com você fazendo questão de deixar claro o quão horrível eu fui como namorada nos últimos tempos.
suspirou outra vez, e pela visão periférica que só as mulheres tinham o privilégio de ter, ela o viu passar as mãos pelo rosto.
— Para onde você está indo? Por que não paramos para conversar?
— Conversar o quê? — E ela parou abruptamente de andar, fazendo com que ele se assustasse, mas parasse também.
— … — Ele segurou o pulso dela, com delicadeza. Não queria que ela se afastasse dele.
Silêncio.
Os dois ficaram se encarando por um longo momento. não disse nada, acabou recuando do toque dele. Não com raiva no gesto, havia autopreservação. Ela recuou como quem ergue um escudo invisível, tentando proteger o que ainda restava inteiro dentro de si. Seus olhos ainda brilhavam, firmes, mas havia ali um pedido silencioso: não me machuca de novo.
E aquilo doeu em .
Doeu como uma flecha certeira no peito. Porque ele percebeu, naquele instante, o quanto a tinha ferido. O quanto o amor deles — que ele sempre pensou ser forte o suficiente para resistir a tudo — havia se tornado um campo de batalha para ela. Um lugar onde agora ela se encolhia por instinto.
Ele soltou o pulso dela, devagar, como se ao apertá-lo mais fosse quebrar o pouco que ainda restava entre eles.
— Eu não quis... — ele começou, mas a voz falhou. E ele engoliu o restante da frase.
Ela cruzou os braços, não por frieza, mas como quem se abraça quando sente frio. Não queria deixá-lo ver o quanto ainda tremia por dentro.
Silêncio de novo.
— Eu só escuto o silêncio agora e tudo que eu queria era o som da sua voz.
— Eu não tenho mais nada para falar, . O que você quer que eu diga?
Quando ele abriu a boca para falar, ela o interrompeu, a mão em riste, dizendo “pare”.
— Eu estou indo encontrar a Skylar e a Violet. Não ouse atrapalhar a minha noite.
fechou os olhos com força, como se aquilo pudesse conter o impacto das palavras dela — mas era tarde demais. A voz firme de ecoava dentro dele como um trovão abafado, e a mão estendida pedindo que ele parasse foi como uma barreira invisível que ele não tinha mais permissão para atravessar.
Era definitivo.
Aquilo não era uma briga passageira, nem um daqueles momentos em que um dos dois saía pela porta esperando ser seguido. Não. Era ela traçando um limite. E ele do lado de fora dele.
O peito de pesou, como se todo o ar da cidade tivesse sido arrancado dos pulmões dele. Uma parte dele queria gritar, implorar, dizer que ainda havia tanto para consertar, tanto para sentir, tanto para viver ao lado dela. Mas havia algo no olhar de que o silenciava: a firmeza de quem aprendeu, mesmo machucada, a se priorizar.
Ele sentiu vergonha. De si mesmo. Das palavras que disse no dia em que tudo acabou. Da demora em procurá-la. Da covardia de só entender a falta quando ela se tornava distância.
abriu os olhos devagar, os cílios pesados de uma emoção que ele mal conseguia nomear. Era saudade, era arrependimento, era amor ainda vivo — e totalmente fora do alcance.
Mesmo assim, ele a encarou. Porque mesmo perdendo, ele precisava olhar para ela uma última vez como se dissesse, mesmo em silêncio:
“Eu ainda te amo.”
— E pode ficar com essa droga aqui, eu não quero mais nada que me lembre você. — Ela encostou a lata de energético no peito dele, com força, empurrando-o levemente para trás.
Quando a soltou, ouviu o barulho dela caindo ao solo, derramando boa parte do líquido que ainda tinha ali dentro.
Com os olhos marejados ela saiu, andando apressada, agora sim, como se fugisse dele. Fugindo dele. Dele e de tudo que ele ainda causava nela: dor, frustração, saudade, e aquela maldita vontade de voltar correndo para os braços que, um dia, foram abrigo — mas agora pareciam só mais um risco para o que ela vinha tentando reconstruir em silêncio.
As botas batiam contra o asfalto com pressa, e os olhos marejados dificultavam sua visão, mas ela não olhou para trás. Não podia. Se olhasse, talvez parasse. Se parasse, talvez perdoasse. E ela já havia se perdoado demais por tentar sozinha durante tempo demais.
Atrás dela, o som da lata rolando no chão foi engolido pelo barulho distante da cidade, mas dentro de , aquilo soou como um estouro. Ele ainda segurava o peito onde ela o empurrou, como se tentasse segurar também os cacos do que restava entre eles.
Lágrimas encheram os olhos dele, mas não caíram. Ficaram ali, travadas, assim como tudo o que ele nunca teve coragem de dizer a tempo.
sumia entre os passos rápidos, as luzes da rua refletindo nos fios do cabelo soltos, e tudo nele gritava para correr atrás. Mas ele não se mexeu.
Porque às vezes, amar também era saber a hora de deixar ir.
E talvez — só talvez — esse fosse o verdadeiro fim.
Ele andava apressado pelas pessoas nas estações, os olhos ainda vidrados em . A mente parecia querer entrar em parafuso, e ele só pensava que não podia perdê-la… precisava e iria reconquistá-la. Naquela noite ainda.
Assim que ela entrou no trem ele entrou atrás, mas manteve uma distância segura. Não queria que ela o visse. Não ainda.
Com as mãos trêmulas, o coração batendo apressado por dentro da roupa e da camada de pele e epiderme ele fechou os olhos ao segurar-se na barra fria de metal do trem, para que o corpo não pendesse para frente.
“Mas como? O que posso fazer para ela enxergar que eu ainda a amo?”
Ele respirou fundo, deixando que o ar entrasse por seus pulmões e saísse por sua boca. Uma crise de ansiedade era tudo o que ele não precisava naquele momento.
Abriu os olhos, encarando sentada no fundo do vagão, os olhos grudados na janela. Os braços cruzados em volta de si mesma, na defensiva.
Ele odiava vê-la daquele jeito, e saber que ele e sua estupidez eram a causa daquela reação e de toda a dor aparente no rosto dela, fazia seu estômago revirar.
Quando os olhos dela desviaram minimamente da janela para o vagão, ele se esgueirou entre dois passageiros, impedindo que ela o visse.
Quanto mais o trem avançava, mais ele sentia o peito acelerar e as mãos ficarem trêmulas.
“O que eu vou fazer?”
Quando ele a viu levantar, se preparou para fazer o mesmo e segui-la, sem que ela percebesse.
“Será que isso está sendo uma boa ideia?” ele pensou quando saiu atrás dela, passos apressados, muita gente para desviar.
“Não posso perdê-la de vista, não posso!”
E então, eles andaram. Ela na frente, bem na frente. Os passos decididos, nem parecia estar ferida. Rápida, segurando a bolsa com firmeza entre os dedos, mantendo-a nos ombros.
E ele, mais atrás, passos tranquilos, não podia ser pego, ou estragaria tudo. As mãos nos bolsos, tentando disfarçar e diminuir a tremedeira que sentia por lá. As mãos começaram a suar quando ele percebeu que eles se aproximavam de um pub que misturava, jogos de aposta com serviços para maiores de idade…
Os lábios de se entreabriram, surpresos demais com a escolha do local. O letreiro em néon piscava em tons arroxeados sobre a entrada estreita, onde algumas pessoas já riam alto, segurando copos coloridos e cigarros pela metade. O som abafado de música eletrônica vazava pelas frestas da porta, misturado a vozes eufóricas, apostas gritadas, sinos de máquinas caça-níqueis e o tilintar de garrafas.
Ele parou por um instante, como se seus pés tivessem afundado no asfalto. A ideia de entrar ali, tão linda, tão ferida — tentando preencher um vazio que ele mesmo ajudou a cavar — o deixou zonzo.
“Aqui? É aqui que ela veio buscar distração… se esquecer de mim?”
O peito dele apertou. O estômago revirou mais uma vez. Era ciúme, claro. Mas era mais do que isso. Era desespero. Era medo de estar tarde demais. De que ela estivesse tentando se anestesiar de um jeito que ele nunca seria capaz de alcançar.
engoliu seco e passou a mão pelos cabelos, respirando fundo pela terceira vez naquela noite. Ele sabia o tipo de lugar que era aquele. Já tinha estado ali antes com amigos — em noites que preferia esquecer. O ambiente era pesado, carregado, uma mistura de adrenalina com decadência, onde o riso fácil vinha acompanhado de ressaca moral no dia seguinte.
“Ela não pertence a esse lugar…”, ele pensou, o coração apertado. “Ela não precisa estar aqui.”
Mas o pior de tudo era saber que ela estava ali por causa dele. Que ele a empurrou, mesmo sem perceber, para aquele tipo de noite.
E então, pela primeira vez, ele se perguntou se ainda tinha o direito de segui-la.
Se ainda tinha o direito de querer salvá-la de algo…
Quando foi ele quem a quebrou.
Ela mexia no celular com rapidez, os dedos deslizando pela tela até que, com um sorriso contido no canto dos lábios, levantou o aparelho e tirou uma foto do letreiro do pub. A imagem brilhante do neon refletiu em seu rosto por um instante, como um selo da nova fase que ela estava tentando começar. Um jeito de marcar aquele momento. Um recomeço, talvez.
Mas para , aquilo foi o estopim.
Ela estava mesmo prestes a entrar. Ela ia passar pelo segurança. Ela ia mergulhar naquele mundo barulhento, esfumaçado e cheio de promessas vazias, tentando esquecer tudo o que eles foram — tudo o que ele ainda era por dentro.
“Eu não posso deixá-la entrar, nem pensar!”
Balançou a cabeça com veemência e cerrou os punhos ao lado do corpo.
E então, sem pensar, sem calcular, ele avançou dois passos.
A frase cortou o ar como uma lâmina. Alta, firme, irreversível.
congelou.
Virou-se devagar, os olhos arregalados primeiro em choque… depois em indignação. O corpo inteiro ficou rígido, como se tivesse levado um tapa sem aviso.
— Você me seguiu?! — a voz dela saiu entrecortada, misturada a raiva e incredulidade. — Você tá brincando comigo, ?!
Ela deu um passo para trás, como se a simples presença dele fosse uma ameaça à liberdade que estava tentando conquistar. Os olhos brilhavam, mas não era brilho de emoção — era de fúria contida.
— Quem você pensa que é pra me dizer onde eu posso ou não entrar?
— Eu sou o cara que ainda te ama, porra! — ele explodiu. — E que tá desesperado por uma segunda chance!
Silêncio.
O tipo de silêncio que pesa mais do que qualquer barulho.
Os olhos dela se arregalaram ainda mais, mas não por surpresa — e sim por raiva. Pela audácia. Pela dor acumulada.
— Agora você me ama, né? Agora que me perdeu, agora que achou que eu ia me divertir, rir, dançar, beber, me esquecer de você… agora você ama.
Ela soltou uma risada amarga, jogando a cabeça levemente para trás.
— Tarde demais, .
E virou-se, pronta para atravessar o segurança e sumir na fumaça e no som alto do lugar — ainda que o coração, lá no fundo, batesse completamente em conflito.
Porque no segundo seguinte, ele a seguiu.
Empurrou a carteira de identidade para o segurança sem dizer uma palavra e entrou logo atrás dela, os olhos grudados nas costas de , que agora se misturava à penumbra de luzes coloridas, cheiros misturados de álcool, suor e um som grave que vibrava o chão.
Ela ainda não tinha se virado. Ainda não sabia que ele havia passado por aquela porta também.
Mas não ia deixar que ela se perdesse dele de novo. Não naquela noite. Não antes dele falar tudo o que precisava.
Avançou. Com cuidado, mas determinado.
E então, no momento exato em que ela virava para entrar mais fundo no salão, ele a alcançou.
— .
A voz dele soou firme, próxima, e antes que ela pudesse reagir, segurou com delicadeza, mas com força suficiente para impedir que ela escapasse. A mão em seu pulso, o toque quente contrastando com o ambiente frio e impessoal.
— O quê…? — ela começou, girando o corpo para encará-lo, surpresa e furiosa. Mas ele não deixou que terminasse.
Com um movimento ágil, mas sem brutalidade, ele a guiou rapidamente por um corredor lateral, onde as luzes piscavam com menos intensidade e as portas do banheiro ficavam alinhadas. Empurrou a porta do banheiro unissex mais próximo e entrou com ela.
tentou se soltar, mas ele foi mais rápido. Trancou a porta atrás de si com um estalo seco — clac — e encostou-se nela, barrando qualquer saída.
— Você perdeu o juízo?! — ela sussurrou com raiva, os olhos faiscando, a respiração acelerada.
— Talvez eu tenha perdido, sim. Desde o dia em que eu saí por aquela maldita porta. — A voz dele saiu carregada, tensa, crua. — Mas se eu tiver que enlouquecer mais um pouco pra te dizer tudo que eu guardei esse tempo todo… então que seja agora.
O som abafado da música do lado de fora vibrava nas paredes, mas ali dentro, havia um silêncio pesado entre eles — cortado apenas pela respiração ofegante de ambos.
se aproximou um passo.
— Eu não vim aqui pra te impedir de viver, . Eu vim aqui porque percebi que… viver sem você não faz sentido.
Ela engoliu seco. Os olhos ainda estavam armados, mas havia uma rachadura no escudo. Pequena. Quase invisível. Mas estava lá.
— Então fala, . — ela disse, a voz mais baixa agora. — Me convence. Mas se disser uma palavra errada… eu juro que vou embora e nunca mais olho pra trás.
Ele assentiu. Uma vez. Sem desviar os olhos dela.
— Eu não vou errar.
Engoliu seco, e deu alguns passos para frente. Colando o corpo no dela, sem aviso:
— Os dias parecem mais longos sem você, as horas se arrastam como se fossem uma punição. Mas sei que não são…São apenas horas, de um dia comum. Sinto sua falta, como sinto falta do meu coração! É talvez um pouco de drama me caia bem… — a encarou nos olhos, os dele refletiam tudo: o desespero de quem sabia que estava por um fio, a saudade acumulada nos cantos mais silenciosos da alma, o arrependimento pesado demais para esconder, e um amor tão escancarado, tão nu, que doía de olhar.
Refletiam a luta interna de alguém que demorou a entender o valor do que tinha — e agora estava disposto a fazer qualquer coisa para não perder de vez.
Havia urgência, havia ternura… E havia medo. Um medo tão cru que fazia cada piscada parecer um pedido silencioso: fica.
— Lembro da época em que eu tinha coração e que meus sentimentos me inundavam a cavidade torácica, me afogando dias a fio enquanto eu sofria uma morte lenta e dolorosa, quando você me enviou aquela carta, , me lembro de orar a Deus por salvação, mas ele jamais respondeu. Meu coração apodreceu dentro de mim como o cadáver de um sacrifício. Sangrento e terrivelmente só. Sozinho neste mundo desleal. Sozinho para sempre e desde sempre. O mundo nunca me deu uma chance.
Ele encostou a testa na dela, fechando os olhos.
— Mas você me deu, . Você sempre foi a única do meu lado, conhecendo os monstros dentro de mim, sem soltar a minha mão, e maldita a hora em que eu soltei a sua por um impulso desleal, desmedido.
A respiração dele agora tocava a dela, quente e trêmula, como se as palavras tivessem escorrido direto do peito partido para a boca. Ele manteve a testa encostada na dela, como se aquele contato fosse a única coisa capaz de impedi-lo de desmoronar por completo.
— Eu soltei a sua mão, , e tudo desabou comigo. O mundo ficou mais frio, mais sujo, mais hostil. E não importa o que eu tente fazer desde então, tudo me leva de volta a você. À sua voz. Ao seu silêncio. Ao espaço que você deixou dentro de mim e que ninguém vai conseguir preencher.
Ele abriu os olhos devagar, os cílios úmidos, a voz quase falhando.
— Me desculpa por não ter te protegido nem de mim mesmo. Por ter feito você duvidar do amor que eu sentia. Eu me perdi. Me afoguei em orgulho, em mágoas pequenas demais pra justificar tanto estrago.
Os dedos dele roçaram os dela, com suavidade, como quem pede permissão para tocar um altar.
— Mas se você ainda tiver um fio de sentimento… se tiver sobrado um só pedaço do que a gente foi… me deixa tentar. Nem que seja só por hoje. Nem que seja só pra te fazer sorrir uma última vez.
Silêncio.
Um daqueles que apertam o peito.
Tudo nele tremia — o olhar, as mãos, a esperança.
Porque agora, estava nu por dentro.
E só podia decidir se vestia aquele amor de novo…
Ou deixava que ele se despedaçasse ali mesmo.
O olhar de se aprofundou, e ela tocou o peito dele com as mãos, mas não para afastá-lo… era como se ela quisesse sentir que ele ainda estava vivo e pulsante, que ali ainda batia um coração. E ela sentiu… o peito dele subia e descia, o coração batia tão rápido que temeu que ele rasgasse a pele e pulsasse ali, vivo em suas mãos.
Aquilo a pegou muito desprevenida. Não podia estar acontecendo, não depois daquela decisão tão difícil que ela havia tomado de manhã, não depois de ter o peito totalmente dilacerado por optar por seguir em frente…
Ele estava mudando a rota do coração dela, entrando por seus poros e veias e aquilo estava começando a intoxicá-la de novo.
— Algo deve ter dado errado no meu cérebro…estou com toda a sua química nas minhas veias, . Sentindo toda a alegria, sentindo toda a dor… solte o volante, estamos na faixa de alta velocidade. Mas você não vai soltar, não é?
— Não enquanto eu sentir que ainda existe algo entre nós, … não enquanto seus olhos faiscarem desse jeito quando encontram os meus…
— Agora estou nervosa, não estou pensando direito… — Quando ela sentiu o cheiro dele invadir suas narinas, as mãos dela brincaram com um dos alfinetes de segurança presos à jaqueta azul vibrante dele, os dedos deslizando com hesitação, girando-o levemente entre as pontas dos dedos. — Ultrapassando todos os limites, você me intoxica assim como nicotina, heroína, morfina, sei lá!
levou as mãos até a cintura fina dela, apertando o local com posse, como se aquele lugar sempre fora seu, como se o tempo nunca houvesse passado entre eles, destruindo tudo.
— De repente, estou viciada e você é tudo que preciso, tudo que preciso. É você, amor… e eu sou uma idiota apaixonada por você, amor. E eu poderia tentar fugir, mas seria inútil. A culpa é sua!
As palavras saíram como um desabafo envenenado de emoção. E, no segundo seguinte, os punhos cerrados de começaram a bater contra o peito dele — não com força para machucá-lo, mas com força suficiente para tentar descarregar o caos dentro dela.
— A culpa é sua! — ela repetiu entre os golpes, as lágrimas finalmente queimando seus olhos. — Você me destruiu, me deixou no chão, me obrigou a me reconstruir sozinha! E agora volta assim, me desarmando, me confundindo... você é um desastre na minha vida, !
Ele não recuou. Não se encolheu. Sentiu cada golpe como uma confissão disfarçada.
Mas quando os movimentos dela começaram a perder força, quando os punhos já batiam mais pelo impulso do que pela raiva, ele segurou os pulsos dela com firmeza. A respiração dele era pesada, o olhar cravado no dela com uma intensidade crua e inegociável.
— Acabou, . — ele sussurrou, puxando-a para mais perto.
Ela arfou quando sentiu as costas encostarem na pia fria atrás de si. O contraste do azulejo gelado com o corpo quente dele a fez estremecer. Os rostos agora tão próximos que o ar entre eles parecia pulsar. O hálito dele se misturava ao dela, os lábios separados por milímetros — e memórias.
fechou os olhos por um segundo, os pulsos ainda presos nas mãos dele, o corpo imobilizado, mas não em submissão — em rendição.
— Apenas uma dose de você… — ela murmurou, os olhos voltando a se abrir devagar, a voz falhando entre o choro e o desejo — …e eu soube que eu nunca mais seria a mesma.
E então ele a beijou.
Com urgência. Com fome. Com desespero e entrega.
Um beijo de quem esteve à beira do abismo e decidiu pular junto. Um beijo de dois corações machucados que, mesmo entre ruínas, ainda batiam um pelo outro.
O beijo não foi gentil.
Foi um rompimento.
Como se tudo o que estivesse preso — por semanas, meses, talvez anos — tivesse encontrado uma brecha para explodir.
Os lábios de encontraram os dela com uma pressa desesperada, como se temesse que ela desaparecesse a qualquer momento. As mãos, ainda segurando os pulsos de , desceram lentamente por seus braços até encontrarem sua cintura novamente. Dessa vez, ele a puxou com força, colando seus corpos sem espaço para ar ou dúvida.
gemeu baixinho contra a boca dele, sentindo o calor subir violentamente por suas veias. As mãos agora livres escorregaram pelo peito dele, apertando o tecido da jaqueta com os dedos trêmulos até alcançar o zíper e puxá-lo sem pensar, abrindo espaço, sentindo mais dele.
A língua dele invadiu sua boca com fome, encontrando a dela em um embate molhado e profundo, em movimentos que pareciam alternar entre desejo e necessidade. Ela se entregou. As pernas fraquejaram, e a sustentou, pressionando-a contra a pia, os quadris colados, as respirações entrecortadas.
As mãos dele subiram pelas costas dela, explorando com firmeza, percorrendo a curva da cintura até o espaço entre as omoplatas, onde ele a segurou com as palmas abertas, mantendo-a perto, tão perto que os corações pareciam se misturar.
levou as mãos à nuca dele, puxando os cabelos com intensidade, fazendo-o soltar um som rouco, quase animalesco, contra os lábios dela. Aquilo a acendeu ainda mais. A raiva, o amor, o ressentimento e o desejo se misturavam num coquetel perigoso e viciante.
Os beijos desceram pela mandíbula, pelo queixo, pelo pescoço, e ela jogou a cabeça para trás, arfando, os olhos semicerrados, a boca entreaberta. Sentia-se inflamada, viva, e ao mesmo tempo em pedaços — mas pedaços que só ele parecia saber como colar.
voltou à boca dela, beijando com mais calma agora, os lábios mais suaves, mas ainda assim intensos. Um beijo de saudade. De reencontro. De tudo que ficou preso por tempo demais.
Eles estavam à beira. De novo. Mas juntos.
E naquele banheiro pequeno, abafado, com o som da música vibrando do lado de fora, não pensava em cartas, em mágoas ou em finais.
Só pensava nele.
No agora.
No queimar do toque.
No gosto dele em sua boca.
No perigo delicioso de amar alguém que se carrega na pele.
E pela primeira vez em muito tempo… ela não quis fugir.
encostou a testa na dela, as mãos repousando nas laterais do rosto de , o polegar acariciando sua bochecha com delicadeza, como se não fosse o mesmo homem que há instantes a beijava como se fosse a última vez.
— Você não faz ideia do quanto eu esperei por isso — ele sussurrou, ofegante, os olhos fechados. — Por você.
ainda sentia o coração fora de ritmo. As pernas bambas. O gosto dele em sua boca. O cheiro da pele dele, da roupa, da saudade… tudo grudado nela de novo. Como uma tatuagem que voltou a queimar sob a pele.
Ela respirou fundo, tentando puxar algum controle para si.
— Isso não apaga tudo que aconteceu, … — a voz dela soou baixa, mas firme, como quem ainda luta para manter a razão no meio do furacão. — Isso não resolve tudo.
— Eu sei. — Ele assentiu, os olhos abertos agora, cravados nos dela. — Mas me deixa tentar. Eu não quero mais viver na lembrança do que a gente foi. Quero consertar o agora. Quero lutar por você.
Os olhos de marejaram de novo, mas ela não chorou. Porque mesmo ferida, ainda era forte.
— Eu não sei se consigo confiar em você de novo. Não sei se o meu coração aguenta mais uma queda.
— Então me deixa construir uma ponte, passo por passo, até você. Sem pressa. Sem promessas vazias. Mas com verdade.
Ela olhou para ele por um longo tempo, como se procurasse algo que confirmasse se aquilo era real ou mais uma recaída perigosa.
Então, soltou um suspiro e, com os dedos ainda entrelaçados aos dele, murmurou:
— Não me decepciona de novo, . Porque, da próxima… eu não volto.
Ele fechou os olhos devagar, como quem absorvia cada palavra com reverência.
— Eu não vou deixar você ir de novo. Eu juro.
E ficaram ali por mais alguns instantes. No mesmo banheiro onde se enfrentaram e se reencontraram. No meio do caos, construindo — bem devagar — um espaço onde o amor pudesse renascer com mais cuidado.
Porque às vezes, o recomeço não vem com fogos de artifício.
Vem com dois corpos ainda trêmulos, tentando ficar de pé… juntos.
Quando saiu do banheiro, sentiu o contraste entre a calmaria abafada de antes e o barulho do pub lhe atingir em cheio. As luzes ainda piscavam, as pessoas ainda riam, e tudo parecia continuar igual… exceto ela.
Ela ajeitou os cabelos com os dedos, ainda tentando colocar ordem no corpo e na alma. saiu atrás, um pouco mais atrás, respeitando o espaço dela agora. Havia algo diferente no olhar dele: menos desespero, mais reverência. Ele a observava como quem sabia que carregava nas mãos algo frágil demais para ser apertado.
o olhou de relance por cima do ombro e, dessa vez, não fugiu do olhar. Apenas assentiu. Um pequeno gesto. Mas foi o suficiente para entender que, por hoje, ele podia ficar.
No fundo do salão, Skylar acenava com os braços, uma taça em uma mão e o celular na outra. Violet estava sentada no sofá de veludo preto, rindo de algo no telefone e beliscando batatas fritas. Quando viram se aproximar, as duas arregalaram os olhos ao notar a presença de logo atrás.
— Ah, não… — Violet sussurrou. — Isso é real?
— Ai, pelo amor de Deus, , me diga que você só foi buscar o casaco que ele esqueceu na sua casa. Ou que é um clone. — Skylar já se adiantava com uma expressão teatral, meio preocupada, meio curiosa.
apenas sorriu de lado, cansada, mas serena, pegando a taça da mão de Skylar com um gesto tranquilo.
— É real. Mas não é o que vocês estão pensando.
— Então o que é? — Violet perguntou, arqueando uma sobrancelha.
olhou para o copo por um segundo antes de responder:
— É só alguém tentando consertar o que quebrou. E eu… estou só tentando ver se ainda vale a pena.
As amigas se entreolharam em silêncio por um segundo, depois Skylar deu de ombros e estendeu a mão em direção a .
— Bem, se vai ficar por aqui, espero que pelo menos esteja pagando as próximas rodadas.
Ele riu, aliviado, e apertou a mão dela.
— Com certeza.
Violet sorriu, finalmente, e se sentou entre as duas, sentindo o peso do mundo aliviar nas costas. ficou de pé por alguns minutos, mas depois se aproximou, e ela não o afastou.
Pela primeira vez em muito tempo, não sabia o que ia acontecer amanhã. Mas pela primeira vez em muito tempo… isso não a apavorava.
O hoje já era o bastante.
E naquela noite dos solteiros, no Dia dos Namorados, entre bebidas, neon e música alta, ela não celebrou um final.
Ela celebrou um possível recomeço.