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Codificada por: Cleópatra

Finalizada em: 31/10/2024

Nuvens carregadas se chuva se arrastavam no céu, deixando o fim de tarde pintado como a mais sombria noite. O sol que ainda caminhava para seu descanso não ousava ultrapassar a densa camada em sua frente, preferindo se esconder de todos os olhos. A cidade costeira tinha ventos silenciosos, frios, que corriam pelas ruas e avenidas mais distantes, revirando as folhas secas e soltas de outono.

— Essa merda de clima — o brado raivoso ecoou pelo estacionamento seguido de uma fungada de nariz rançosa. — Já não basta ter uma ocorrência no fim do turno, ainda parece que vai chover. Ei, ! Até quando pretende ficar no carro?

Batidas soaram no metal do veículo no mesmo momento em que a porta do motorista foi aberta.

— Detetive Chefe, foi apenas o tempo de eu tirar o cinto. — respondeu a jovem sem deixar se abalar pela rispidez do mais velho.

A jovem chamada ajeitou o casaco no corpo fechando os primeiros botões. De certa forma era compreensível a súbita mudança de humor, o departamento de crimes e homicídios estava quase trocando de turno quando um novo caso chegou em suas mãos. Agora, ao invés de passar o aniversário de casamento com sua esposa, o Detetive Chefe Song estava preso num galpão de pesca nos subúrbios da cidade com um aparente assassinato em mãos.

Com o longo suspiro, e palavras de baixo calão murmuradas para o vazio, o homem se virou colocando as mãos nos bolsos andando em direção à cena.

— Deveria ter mudado de profissão quando tive a chance. — murmurou quando passou por debaixo da fita de isolamento.

— Então teríamos muitos casos sem solução — agradeceu o policial com um aceno e também passou pelo isolamento.

— Ah, pare com isso, criança.

segurou o riso quando percebeu as orelhas do detetive ficando avermelhadas, ele poderia soar ríspido na maioria das vezes, porém, é apenas a tradução de uma inabilidade de se expressar. Ele ainda tinha uma foto da esposa e dos filhos sobre a mesa, e sempre que um dos detetives da equipe falava qualquer coisa sobre comida no escritório, ela magicamente aparecia em seguida.

As boas memórias no escritório, com seus colegas, logo sumiram, sendo subjugadas por um cheiro forte, nauseabundo de peixe, metal e sal. ergueu rapidamente a mão para o nariz, tentando bloquear aquela parede de odor repugnante. Até mesmo as feiras livres de frutos-do-mar pareciam agradáveis perto daquele local, tinha uma certa familiaridade com o cheiro, mas nada nem próximo desse nível.

— Tome — Detetive Song estendeu em sua direção uma máscara. — Não podemos fazer muito se estivermos passando mal.

— Obrigada — engoliu seco, só conseguindo em seguida prestar atenção no lado de dentro. Se tivesse que dizer, o cheiro era exatamente o que se esperava do cenário.

Haviam esteiras e mais esteiras de peixes, sobre eles voavam as moscas e poças de sangue se juntavam nos maquinários pela pesca parada. O gelo dos isopores já tinha derretido e criava no chão possas mistas de entranhas, escamas e sujeira. Do teto desciam fios escuros que seguravam em suas pontas uma única lâmpada amarela de aparência turva. Bolor e tinta descascada tomava toda a extensão das paredes, exibindo as imperfeições do balcão que claramente operava fora das regulamentações nacionais.

— Cuidado para não tocar em nada, de duas uma. Ou vocês pegam uma infecção, ou tétano — uma voz vinda do fundo do corredor criado entre as esteiras disse.

— Obrigado pelo aviso — Detetive Song olhou o recém-chegado da cabeça aos pés, vendo estar vestido nas familiares roupas de perito forense. — Não é tão comum ver você fora do instituto, nem mesmo da sua sala.

— Não tive muita escolha quando o diretor do meu departamento apareceu, tinha acabado de processar outro corpo. Era o único disponível.

Jeon Wonwoo era talvez uma das pessoas mais conhecidas pelo departamento de homicídios, era um dos legistas que apoiava a equipe em seus casos. Havia se formado com honras e tendo estagiado com o diretor do NFS, o Serviço Nacional de Medicina Forense, conseguiu um bom passe para entrar no mercado.

— Bom, antes você do que aquele velho cabeça dura — comentou o Detetive Chefe mencionando uma briga antiga com outro legista do departamento. — Onde está nossa vítima?

Wonwoo indicou o caminho por ele mesmo havia passado anteriormente — Nos fundos, se acham que aqui está ruim, não imaginam o que os aguarda lá.

— Ótimo, tudo que eu precisava — o mais velho saiu andando na frente pulando as poças de água.

— O que aconteceu com o velho Song? Geralmente ele é carrancudo, mas hoje está particularmente ácido.

desviou o olhar das costas do chefe para encarar o legista curioso — É aniversário de casamento dele, não imagina como foi o caminho até aqui.

— Ele não podia só mandar outro detetive no lugar dele? — questionou Wonwoo se inclinando levemente na direção da companhia.

A mulher ao seu lado tombou levemente a cabeça para o lado, seus olhos brilhavam de uma maneira gentil, porém afiada, com um toque de brincadeira que trouxe a sua resposta um tom de sarcasmo.

— Até parece, sabe como ele é. Reclama até o fim, mas ainda faz tudo que puder da melhor maneira que puder — e continuou. — Ficou tanto com a equipe de narcóticos que esqueceu como o departamento de crimes e homicídios funciona.

A detetive piscou um olho para ele e saiu andando, a rixa entre os dois departamentos é bem conhecida em toda instituição. Apesar de velado, ambos times competem para ter mais casos solucionados no fim do ano, mesmo na instituição tem aqueles que preferem atender apenas um time ou outro, procuradores, técnicos de coleta, fotógrafos forenses, legistas eram a exceção, logo é comum ver eles atendendo ambos departamentos e outros.

— Estranho, disse que não queria mais ver meu rosto depois do caso do assassino das trilhas de montanha. — rebateu.

— Não disse sentir sua falta e sim que faz tempo que não trabalha com o departamento — ela passou pelos oficiais da polícia guardando a porta. — Tem uma diferença muito grande no meio.

Wonwoo deixou que ela ganhasse essa, não fazia sentido discutir com a joia do departamento de detetives. Se ele era considerado um achado no meio, ela era muito mais. Ninguém da família tinha qualquer relação com a polícia, ela dizia que entrou no ramo influenciada pela literatura e ainda assim, era uma das mentes mais brilhantes que conheceu nas investigações. Não era como os detetives literários que viam detalhes que pareciam místicos para as pessoas comuns, mas sim tinha um pensamento voltado para o método científico que gerava hipóteses e então as testava logicamente para chegar a uma solução.

O fundo do galpão era mais escuro e úmido, e o forte cheiro de peixe agora ganhava uma nota mais metálica e identificável: o odor de sangue. A princípio não dava para ver o corpo, parecia escondido entre as caixas empilhadas, mas a poça vermelha e turva que se formou indicou sua posição. olhou com cuidado o local, não parecia nem de perto como o restante do local, ali havia grandes tanques — similares a aquários —, com as mais diversas espécies de criaturas marinhas vivas e aparentemente bem cuidadas.

As estruturas eram modernas, metal novo repletos de roldanas e estruturas para movimentar os tanques e o que quer que estivesse dentro deles com cuidado. Escadas laterais davam acesso a uma complexa trilha de metal próxima ao teto que permitia ver todo o local de cima. Ao contrário da iluminação amarela do lado de fora, tudo ali tinha uma luz fria, branca e suave. Se não fosse pelo cheiro e a má organização no chão, diria até ser similar a um santuário de vida marinha.

Detetive Song já estava próximo ao corpo, olhando a cena com olhos semicerrados, ele se abaixou um pouco para ter uma melhor da vítima olhando seus ferimentos. estava alguns passos mais atrás, mas não demorou para se colocar ao lado do superior e compartilhar da cena de horror.

Era uma garota, não tão mais nova do que ela mesma, pálida como uma folha de papel, nua como veio ao mundo com a feição trancada numa expressão de agonia. A carne na altura de sua cintura havia sido arrancada deixando a forma de uma meia-lua cavando sua cintura até a espinha. Suas outras extremidades também tinham marcas de mordidas, não tão agressivas, mas que deixaram lacerações.

— Não é muito minha expertise — Wonwoo chamou a atenção para si. — Mas a mordida é definitivamente de algum animal marinho. Dentição múltipla e entrelaçada, mas não saberia dizer se é de um tubarão ou qualquer coisa do tipo.

O legista ajeitou as luvas e se aproximou indicando o ombro dela — Não dá para ver porque não viramos o corpo ainda, mas provavelmente tem dilacerações nas costas dela. A hora da morte é estimada entre 48 a 72 horas, vamos precisar de uma análise mais profunda.

— Quer dizer que o galpão parou de funcionar a dias?

Um policial tomou a frente para responder à indagação do mais velho — Aparentemente o galpão era controlado por contrabandistas, os locais evitam andar por esse lado e também se mostraram relutantes em dar informações. Por medo de se envolverem e se prejudicarem.

A garota olhou com cuidado o lugar, diferente do outro lado não havia poças de gelo derretido ali, havia o sangue, já viscoso e escuro, fazendo uma marcação e apenas isso. Ainda escutando a conversa sobre os relatos, a mulher resolveu olhar um pouco melhor os arredores.

— Encontraram alguma identificação?

O policial virou algumas folhas de anotação — Kim JinHye, 22 anos. Mas também conhecida como Pérola, encontramos as roupas dela e a identificação cuidadosamente dobradas no sofá.

levantou a cabeça seguindo os olhos para onde o policial apontou, quem quer que fosse o dono do local devia gostar de sentar e observar a sua coleção, pois no canto havia sofás e poltronas luxuosas acompanhadas de uma mesa de centro e algo que lembrava um bar. A probabilidade da garota ter sido arrastada até o local a força parecia distante, Pérola, Coral, Crista, todos esses nomes eram comuns na área, eram principalmente mais falados no distrito vermelho onde essas garotas prestavam seus serviços.

— Então o quê? A jovem vem para atender um cliente e acaba num tanque de tubarão?

— É uma hipótese — respondeu em voz alta voltando a olhar para o outro lado. — Se é factual ou não é o que precisamos descobrir.

— A princípio não têm sinais de que ela foi submersa — Jeon comentou. — O que as evidências mostram é que… Bem, tudo aconteceu bem aqui.

Enquanto explorava o local a detetive reparou numa mesa repleta de botões, provavelmente era algum tipo de painel que controlava as instalações da sala. Tinham fitas indicando qual comando era de qual tanque, eram cinco deles. Três tinham criaturas neles, separadas entre águas vivas, pequenos tubarões e raias, o mais longe estava com água, mas vazio, e o do meio — o maior deles —, sem nada. Uma das etiquetas tinha um “garras” escrito, tirou um lenço do bolso e acionou o botão, dando um pouco mais de voz para a curiosidade do que o instinto.

Foi nesse momento que o tanque sem água começou a se mover, do seu chão saíram mecanismos similares a algemas presas a postes maciços de metal.

— O que você fez? — Detetive Song questionou.

— Apertei um botão — respondeu olhando de novo e reparando num outro escrito com a indicação de “porta”. — E vou apertar outro.

Um barulho de descompressão ecoou pelo local, assustando a maioria dos envolvidos na cena do crime, revelando naquele mesmo tanque uma abertura.

— Por que você sempre faz o que quer? — o mais velho desviou a atenção da vítima para o tanque agora aberto.

— Porque geralmente estou certa — rebateu, recebendo apenas um revirar de olhos em resposta. Ambos passaram pela borda porta, nem mesmo a máscara podia ajudar a tapar o cheiro de salgado, definitivamente ali estava cheio de água do mar. olhou para cima tentando colocar nome em seus sentimentos, era grande, mas nem tanto. Numa medida de olho supunha ter espaço para 5 adultos medianos se deitarem.

— A grade ainda está molhada, dá para ver o acúmulo de água do último escoamento — disse o mais velho.

olhou para debaixo dos seus pés para ver a grade fina e o brilho dela, reparando em seguida numa corrente presa na grade junto de um pingente. Enquanto Song olhava ao redor, ela sinalizou para um perito se aproximar e fazer o registro seguido da coleta.

No momento em que deu espaço para ele, sentiu o pé afundar, se desequilibrando e precisando apoiar na lateral de vidro para não cair.

, está bem? — o mais velho se aproximou rapidamente prestando um suporte.

— Sim — respondeu —, a grade é toda preta, não reparei que uma parte estava… Solta.

Sua voz falou no meio da fala quando reparou onde seu sapato havia enroscado. No metal trançado e escuro haviam cinco grandes talhos que rasgaram a estrutura como se fosse papel, era similar a representação em desenho de garras, mas diferente deles. Era real, bestial, do tipo que só poderia ser feito por um animal carregado de força e ódio.

— É melhor ligar para sua esposa e se desculpar Detetive Chefe — comentou e então se voltou para ele. — Essa será uma longa noite.



Os dias que seguiram, não foram gentis de nenhuma forma. Uma chuva devastadora se alinhou sobre a cidade escondendo o sol por mais de uma semana, de igual forma o caso da garota assassinada no galpão seguia da mesma forma. Sem informações claras. As provas colhidas naquela noite, eram inconclusivas e as respostas divergentes.

Pérola foi vista pelas câmeras do lado de fora na noite de sua morte, entrou sozinha no galpão e nunca saiu. Não havia câmeras do lado de dentro, as únicas testemunhas eram os próprios animais presos nos aquários. A corrente encontrada no fundo do tanque, era de fato da garota, depois de processar o corpo, Wonwoo pode afirmar isso e também dar mais detalhes.

Um especialista em vida aquática foi chamado para opinar e novamente apenas mais perguntas sem respostas. O homem disse que a mordida se aproximava mais da família serrasalmidae, as famosas piranhas da América do Sul, porém, ainda diferente. Duas mordidas subsequentes de dentes afiados que ao puxar pela segunda vez levou a carne.

Seria algo palpável se os investigadores tivessem encontrado algum indício de que Pérola esteve na água. Nos pesadelos mais insanos, o que teria tirado a vida dela, foi algo que saiu do tanque vazio por escolha e desapareceu na chuva em seguida.

Estava uma manhã preguiçosa, lenta e silenciosa de um jeito que detestava, daquele tipo que parece fim de tarde e não começo de dia. Um chuvisco constante acompanhava o dia desde o nascer do sol, deixando o ar úmido e frio. Na cozinha da casa compartilhada com seu primo e o amigo dele, a detetive observava a fumaça de água fervendo subindo em espiral apenas para desaparecer no ar em seguida, perdida demais em pensamentos para perceber uma figura sorrateira se aproximando.

tinha as costas viradas para o corredor quando alguém, ou algo rapidamente segurou seus ombros num movimento brusco. Podia estar de pijama, mas não significava estar indefesa, rapidamente segurou as mãos do seu atacante, o virando e o fazendo ficar preso de rosto colado no balcão a um movimento de ter o braço quebrado.

— Me desculpa, me desculpa, eu estava errado. ! Meu braço! — o desespero repentino e o timbre conhecido tirou o véu de seus olhos quando reconheceu os cabelos castanhos e o nariz arrebitado. Sem contar o escândalo.

— Seokmin quantas vezes eu já disse para não tentar me assustar? — a detetive soltou o garoto que se levantou esfregando os braços e tombando a cabeça para o lado.

— Wah, você pode matar alguém só com os punhos se quiser. De verdade. — anunciou dando um passo para trás colocando alguma distância entre eles.

— Porque vocês estão gritando logo de manhã? — o terceiro residente da casa, e dono original. Também passou pelo corredor que levava para os quartos arrastando os pés com um roupão azul-escuro jogado nos ombros.

— Seu amigo tentou me assustar e quase ganhou um braço quebrado — respondeu tirando a água fervente do suporte, colocando em seguida numa caneca com café instantâneo.

As palavras dela pareceram tirar de Kim Mingyu o sono restante, ele se virou para o outro morador. — trabalha na polícia com homicídios, não é para ela ser presa por cometer um.

Seokmin abriu levemente a boca, puxando o banco para se sentar — Em algum momento você considerou que eu estava em mais perigo do que ela?

e Mingyu trocaram olhares, e não responderam, causando uma reação negativa no atacante atrapalhado.

— Eu não sei porque continuo aqui, vocês se dizem meus amigos, mas me tratam dessa forma. O dia em que eu for embora, tenho certeza que vão sentir minha falta.

O mais alto se abaixou para pegar um frigideira num armário mais baixo, ignorando o drama dele por completo.

— Omelete ou ovo mexido?

— Omelete. — nem teve tempo para responder, e Seokmin já sentado no balcão, tinha o rosto apoiado em ambas mãos, apenas esperando que o café da manhã fosse servido.

A mulher passou atrás dele com a xícara de café, mas não antes de puxar de leve a sua orelha e esbravejar que ele não tinha um pingo de vergonha na cara. A resposta foi uma risada sem vergonha que fez ele até fechar os olhos por conta do sorriso que abriu.

Se tinha alguém naquela casa que era mimado, com certeza era ele, ainda que Mingyu fosse o mais novo.

Por um momento os pensamentos atribulados foram espantados por uma manhã barulhenta na companhia dos dois garotos e seus respectivos trabalhos. Mingyu trabalhava no museu da cidade e ajudava a organizar curadorias e eventos, já Seokmin era um funcionário do aquário e tinha orgulho em ser um dos melhores animadores de plateia que o local já teve. Apesar de não ter tanto contato com os animais, o homem fazia magia quando tinha qualquer meia dúzia de pessoas à sua frente.

— Não pule refeições — o primo anunciou escorado na porta enquanto colocava os sapatos. — Você tende a fazer com frequência quando o caso não está saindo do jeito que você quer.

Com um suspiro longo ela voltou a se levantar batendo a ponta do calçado no chão — Vou tentar, não é como se eu fizesse conscientemente.

Ele fez uma careta, mas deixou passar dessa vez, virando para o corredor e gritando para o amigo. — Seokmin, se não quiser andar na chuva, é melhor se aprontar de uma vez.

— Já vou! — o grito veio dos fundos e em seguida sua figura surgiu vestindo o macacão azul-escuro do aquário junto de uma mochila. Ele se sentou no mesmo degrau em que esteve antes.

— Ah, eu vou sair às 13h hoje, mas o pessoal do trabalho resolveu ir para o píer.

— Com essa chuva? — abriu a porta do pequeno hall de entrada da casa vendo que as nuvens não pareciam nem perto de clarear.

O homem se levantou — É modo de dizer, vamos ficar próximos. Tem um restaurante ótimo perto e o pessoal está com vontade de comer frango no almoço, é a festa de boas-vindas de um funcionário novo.

Com um resmungo, a mulher pegou o guarda-chuva o abrindo do lado de fora — Parece incomum um lugar de frango assim próximo à praia. O comum não é frutos-do-mar e peixe?

Seokmin também saiu da casa segurando enganchando o braço com o da detetive para se manter debaixo da proteção.

— Eles passam o dia inteiro cuidando de peixes. Como vão simplesmente comer eles?

— Fritos com limão — um sorriso levemente sombrio apareceu em seu rosto no momento em que abriu a porta do passageiro para ele entrar. — Fica uma delícia.

— Você é assustadora às vezes, sabia? — ele balançou os ombros, mantendo a cabeça para fora do carro e reclamando do humor quebrado da amiga. — Falar algo desse tipo, sem qualquer sentimento, é cruel.

riu — Vamos princesa, agora entre no maldito carro antes eu feche a porta com a sua cabeça para fora dela.

— Certo, certo! Estou entrando — rapidamente ele sumiu no veículo fechando a porta em sequência.

Mingyu ainda estava na porta da casa, sustentando um sorriso leve ao ver a interação dos dois na distância. Acompanhou a prima fazendo o caminho até o lugar do motorista e acenou para eles antes do carro realmente partir.

— Então… — Seokmin voltou a puxar assunto ao mesmo tempo, em que procurava algo, no fundo da mochila. — Esse seu caso novo, tem alguma coisa a ver com o aquário?

A pergunta causou certa surpresa, apesar de manter o rosto inexpressivo e apenas lançar para ele um olhar de canto de olho. — Não posso falar sobre. Mas o que te faz pensar isso?

— Ouvi dizer que tem alguns policiais visitando as instalações, algo sobre receber alguns espécimes de contrabando — ele finalmente tirou a mão do fundo da bolsa revelando um pacote colorido. — Quer bala?

— Não, obrigada — respondeu voltando o olhar para o trânsito. — Eu nunca fui no aquário da cidade, tem tubarões?

— Viu só? — Seokmin rebateu com a voz abafada por estar com uma bala na boca. — É isso que falo, vocês nunca foram me visitar no meu trabalho. Ou ver uma apresentação.

— Certo, eu vou te visitar um dia — comentou. — Algum dos funcionários já foi mordido por um tubarão?

— Por que essa obsessão repentina por tubarões? E eu acho que não — continuou —, não chego nem perto dos tanques dele, são assustadores e gigantescos.

A mulher tamborilou as mãos no volante retomando algumas informações do caso, ao mesmo tempo que não revelava nada para o amigo. — Hipoteticamente, se você pudesse chutar. Que tipo de animal marinho você acha que poderia matar uma pessoa com uma mordida.

— Uma baleia orca — ele nem pensou para responder.

— Não chega a ser uma mordida, te engole inteiro — reclamou. — Uma mordida do tamanho de uma bola de futebol.

Sua companhia fechou os olhos no banco do passageiro, colocando o indicador no meio da testa como se estivesse pensando e buscando nos confins de sua mente uma resposta.

— Porque você falou do tubarão, só consigo pensar nele. Mas dependendo do tamanho também é o mesmo princípio da baleia. Ah! Inclusive tem um tubarão-baleia, sabia?

— Já ouvi falar.

De repente a conversa virou o sentido e a dupla ficou conversando sobre espécies de animais estranhas que eles conheciam, ou achavam que existiam. deixou Seokmin no trabalho e seguiu para a delegacia. Uma latente dor de cabeça já estava no fundo de sua mente ao saber que iria se deparar com mais uma parede.

Deixou o carro no estacionamento, pegou a bolsa e correu até a entrada do prédio de departamentos, ignorando a chuva. Bateu a mão no casaco, acenou para o pessoal na recepção e então subiu as escadas para seu departamento.

No momento em que abriu a porta, sequer teve tempo de desejar bom dia para seus colegas, Detetive Song gritou por ela de sua sala a chamando. Segurou a respiração nos dentes junto com a careta, e então deixou a bolsa na mesa, seguindo até a sala dos fundos, onde mais um integrante da equipe já estava sofrendo com o mais velho.

Lee Chan era o membro mais novo da equipe, e também um apoio quando o assunto era aparelhos tecnológicos. Era um bom garoto, tinha a risada contagiosa, teve a oportunidade de trabalhar com ele em alguns casos no passado.

— Bom dia, Detetive Chefe Song, Chan também.

— Que seja — o mais velho balançou a mão, interrompendo também a chance do mais novo responder .

Após dispensar o comprimento dela abriu uma pasta de arquivo para que ambos pudessem observar. A princípio parecia ser Pérola, pela mordida na altura da cintura, mas a cena era diferente e a garota também tinha cabelos em tonalidades diferentes

— A equipe de narcóticos encontrou essa garota numa cena de apreensão deles. Não sabemos se tem alguma relação com o caso deles ou se apenas foram dois crimes separados que se cruzaram. — disse o velho se sentando na cadeira. — Vocês dois vão ficar responsáveis em cooperar com a equipe deles e descobrir.

puxou a pasta de arquivo, Chan também se inclinou para ver as informações — Devemos ir até essa cena agora Detetive Chefe?

— Sim, deve ter dois dos garotos deles esperando vocês. É na cidade vizinha, então suponho que vão precisar pegar estrada, a cena já foi processada, mas para uma visão deles. Levem uma câmera para caso encontrem algo relacionado ao nosso caso.

— Certo — fechou a pasta e se virou para o mais novo. — Separe o equipamento Chan, vou até os nossos vizinhos avisar que podemos partir.

— Sim, deixa comigo!

Ambos fizeram um cumprimento para o superior e se afastaram.

poderia elencar alguns nomes com quem odiaria compartilhar essa missão. A briga entre os departamentos era como uma disputa de cães e gatos, o pessoal que cuidava de narcóticos eram ágeis, sempre estavam em perseguições e se tivesse que chutar provavelmente era o departamento com maior número de disparos feitos em serviço. Sempre se vangloriavam quando acabavam com algum esquema milionário de tráfico de drogas ou faziam uma apreensão de carga. Comparado com eles, o departamento de crimes e homicídios levava os dias mais pacatos, muitos dos casos precisavam mais de um pensamento afiado e lógico, junto de uma interpretação precisa de dados do que ação.

Poderia dizer serem os valentões contra os considerados nerds da corporação.

— Olha só, a joia dos caça-fantasmas está aqui — disse um dos detetives que odiava. — Revolver vir ver o que é resolver um crime de verdade?

A mulher travou os dentes e sorriu antes de encher a boca com veneno — Não, tenho uma missão com o esquadrão de aspiradores. Vim avisar que estamos prontos para partir.

— Ah? Aspiradores? — o homem se levantou tentando usar o fato que era mais alto que ela para a intimidar.

— Sim, aspirador. Ou prefere quadrilha anti-pó? — ela não recuou, pelo contrário cerrou os olhos e encarou o cara mostrando que não estava para brincadeiras.

Uma risada ecoou do meio da sala fazendo com que ambos desviassem.

— Odeio admitir, mas foi boa. Seungcheol já deve estar na garagem, podemos descer assim que preferir.

quase suspirou ao perceber que os indicados para a colaboração eram Jihoon e Seungcheol. Os menos desprezíveis, ocasionalmente, entravam na brincadeira, mas não nutriam mais do que uma rivalidade amigável com o departamento ao lado. Diferente de outros idiotas.

Jihoon pegou o distintivo e colocou no pescoço, em seguida pegando o casaco e segurando no braço. — Podemos dar uma visão geral no caminho.

— Parece bom — ela concordou recebendo um grunhido do idiota em sua frente que fez uma careta e voltou a se sentar sem falar mais nada.

A dupla Woozi-S.Coups, apelidos recebidos durante os anos de treinamento na academia de polícia, era famosa e respeitada na corporação e mais ainda no departamento. Eram os mais cotados para assumir os cargos mais altos.

Não demorou muito para que os quatro em breve se encontrassem na garagem, por ser uma missão de reconhecimento iriam pegar apenas um carro. Seungcheol se ofereceu para dirigir e após se certificar que não tinham mais nada para aguardar partiram.

— O que vocês sabem do caso? — perguntou o motorista olhando brevemente pelo retrovisor.

— Não muito — respondeu folheando a pasta. — Acabamos de pegar as fotos.

Jihoon se ajeitou no banco do passageiro — Foi uma surpresa quando encontramos o corpo. Geralmente nossas mortes são acertos de contas, tiros seguidos de tortura no máximo, a garota que encontramos parecia totalmente deslocada.

— Como souberam que tem ligação com o nosso caso? — Chan se inclinou entre os bancos.

— Wonwoo — respondeu o motorista. — Ele estava no necrotério quando fomos buscar o resultado e disse ser similar ao que vocês encontraram. Continue.

O colega puxou uma outra pasta de documento do porta luva do veículo e estendeu para trás — Estávamos atrás de uma quadrilha de metanfetamina, eles possuem uma intensa relação com o Triângulo Dourado, Laos, Myanmar e Tailândia. Recebemos um pedido de cooperação de Xangai então estamos na trilha deles, desde então, demorou alguns meses e precisamos de um infiltrado para conseguir descobrir a sede deles.

— Parece uma grande operação, parabéns pela apreensão. — acompanhou com os olhos as informações no relatório.

— Foi apenas um braço da operação — interrompeu Seungcheol. — Ainda temos muito que fazer se quisermos extinguir esse mal, mas não é o caso. Muitos dos transportes eram feitos pelo mar, com submersíveis ou narcosubmarinos se preferir, disfarçaram o crime com uma marina de barcos. Durante o dia alugaram iates e à noite enviavam e recebiam drogas.

— Esse corpo estava na casa de máquinas e pareceu ser antes da nossa operação.

— Quer dizer que estava na água? — questionou a mulher recebendo uma confirmação e uma indicação para olhar nos anexos o restante das fotos. Novamente a relação com o mar estava ali, porém dessa vez realmente havia água envolvida.

— Não achamos nenhuma relação com drogas — comentou fechando os olhos por um momento jogando a cabeça para trás. — Mas talvez seja um grupo de lunáticos que gostam de dar pessoas para tubarões comerem.

— Mas ainda é estranho — Chan comentou chamando a atenção. — Se fosse realmente um tubarão, não teria apenas uma mordida como nas vítimas. Seria possível que por instinto o animal mudasse o foco depois de um ataque? Sem contar que o corte é muito limpo.

— Pensei que já tinham encontrado o animal — Jihoon virou a cabeça surpreso pela informação. — Wonwoo deu a entender que sim.

— Tivemos uma sugestão de família, mas nenhuma definição ainda — respondeu desviando o olhar para a janela. — Sem contar que o nosso tanque estava vazio, e nossa vítima seca. Que tipo de criatura ataca na água e fora dela da mesma maneira?

Foi um pensamento que escapou pela sua boca, e ainda assim, teve uma resposta.

— Uma sereia.

A palavra deixou o carro em silêncio, apenas para ter uma reclamação em seguida do motorista.

— Ei, foi uma brincadeira. — Seungcheol esbravejou. — Não precisam ficar tão sérios assim!

— Mas se for pensar bem, até que faz sentido — Chan concordou perdido nas próprias fantasias. — Para andar na terra e na água e morder assim, mas no caso acho que seria um tritão, já que as vítimas foram mulheres.

— Você não pode estar pensando seriamente nisso — Jihoon se virou. — Não tem sentido nenhum, esse tipo de coisa não existe Chan. Ah, fala sério, uma sereia? Ou tritão. É insano sequer considerar essa possibilidade.

— Ei e só quis entrar na brincadeira — tentou se defender balançando a mão envergonhado. — É claro que eu não acredito nisso.

Honestamente não o culpava, nos seus momentos de desespero também chegava a mesma conclusão, mas era simplesmente impossível. Em milhares de anos a maioria dos relatos eram inconclusivos e baseados em evidências falhas, não havia uma única prova factual que esse tipo de criatura existe. Se chegasse com uma hipótese como essa para Detetive Chefe Song, seria capaz dele a mandar direto para um sanatório.

— Por hora vamos focar em evidências, de nada adianta especular. O que podemos fazer é traçar ambos casos e tentar descobrir realmente o que aconteceu.

A fala dela colocou um fim nas brincadeiras, os três voltaram a conversar sobre casos e comentar particularidades dos departamentos. Cerca de uma hora e meia depois eles chegaram até o local da apreensão. Era uma propriedade privada, então ainda estava devidamente isolada pela polícia, facilitando a entrada assim que o grupo chegou.

— É uma bela casa — Chan comentou olhando do lado de fora a mansão deitada na costa com os fundos para o mar.

— Realmente é — Seungcheol concordou. — Tem duas câmeras na entrada, vamos mandar a imagem para vocês, mas não dá para ver muito porque sempre está chovendo. É um pouco de sorte que ela resolveu parar agora.

O homem estendeu a mão olhando para cima em seguida — Bom estamos com vocês nessa agora.

Se passaram algumas horas desde que o grupo entrou na casa para investigar, com a ajuda da dupla do departamento de narcóticos e Chan ganharam uma visão bem ampla de movimentação da quadrilha e como operam. Dentro e fora da casa, contudo, foi apenas quando chegaram na marina que se depararam com algumas provas.

— Vocês disseram que o local estava isolado — apontou —, mas tem algumas pegadas molhadas no caminho de cimento.

Os quatro estavam no que poderia ser chamado de casa de máquinas, onde eles consertavam os barcos legais que operavam no dia e construíam os submersíveis. O lugar lembrava uma mecânica, havia o lugar para suspender os barcos e onde podiam trabalhar debaixo deles apoiados por duas pistas de cimento nas laterais.

Seungcheol colocou a mão sobre a arma — Isso é estranho, não vimos nenhuma movimentação da casa. Jihoon e eu daremos uma olhada nos arredores, vocês dois podem continuar aqui.

você também está sentindo calafrios? — Chan se aproximou. — Essas correntes penduradas não ajudam muito também, viu as âncoras no teto?

— Vamos olhar e ver se achamos algo, confesso que também não é meu cenário favorito.

As ondas quebravam na rampa de entrada do galpão, algumas longe, mas outras chegavam bem perto da entrada onde estavam. puxou as fotos do corpo para tentar descobrir o local exato onde ela estava. Enquanto isso, Chan tirava fotos do que achava interessante.

encontrou a correspondência e então se abaixou fazendo um exercício de projeção, o corpo estava boiando na vala de barriga para baixo. O meio do local estava cheio de água, provavelmente para testar no caso de vazamentos sem precisar colocar os veículos em mar aberto. Apesar disso, tinha uma comporta que impedia que o movimento do mar interferisse.

Para cair naquela posição a garota precisaria ter sido empurrada, e também havia mais uma diferença. Essa estava vestida, na medida do possível tinha um biquíni no corpo e uma canga amarrada na cintura. não havia reparado na primeira vez, mas o tecido solto que boiada da saia solta da saída de praia tinha alguns rasgos separando a estampa, muito familiares com as que viu na grade do tanque do galpão.

Mais uma vez a racionalidade e as evidências entraram em conflito em sua mente tentando encontrar uma resposta para algo que simplesmente não encaixava na história. Qual a velocidade de nado de um tubarão? Poderia ter chegado até ali em tão pouco tempo? Se é que tinha escapado do tanque, e mesmo assim, o que explicava as garras, o animal não tem braços!

— Chan — chamou, mas sem ver que o rapaz estava abaixado tentando olhar algo a rampa de cimento — o que está fazendo?

— Tem algo brilhando, bem na divisão da água. Mas não consigo ver direito, me segura que eu vou tentar tirar uma foto. — chamou ela com a mão indicando a câmera.

— Segurar com o quê?

O mais novo olhou ao redor e o que não faltava no local eram cordas, em seguida ele tirou os sapatos, dobrou as calças e então amarrou a corda na cintura. — De verdade não solte!

— Eu não sei se é uma boa ideia! — gritou da borda, vendo que o mar não estava particularmente gentil para onde ele estava indo.

— Não vamos ter uma chance de voltar tão cedo — disse determinado andando com cuidado segurando a câmera na altura do peito para não correr o risco de molhar.

— Fala sério, com qual veterano você aprendeu a ser assim? — enrolou a corda na mão mais uma vez, firmando o aperto. — Comigo não foi!

Com cuidado ele andou sobre o cimento, por estar a maior parte do tempo debaixo da água, era de se esperar que o limo e tudo o mar trazia para as praias estava acumulado ali. Quando chegou no ponto em que queria, ele levantou a câmera no alto e tirou algumas fotos, calculando os momentos onde a água recuava para tentar capturar a evidência que queria.

— Consegui! — ele se virou comemorando, mas sem perceber que uma onda mais alta vinha atrás dele.

— Chan! — gritou avisando, mas não a tempo dele escapar. A onda bateu na metade de seu corpo fazendo com que ele caísse, a mão estava no alto tentando segurar a câmera longe do mar enquanto rolava na superfície escorregadia tentando escapar de uma segunda onda que o arrastava.

sequer pensou, no momento que viu seu parceiro afogando correu para a rampa a fim de o ajudar, isso não antes de amarrar a corda firmemente e sair em seu resgate. Se ela apenas o puxasse o teria esfolado na rampa irregular que também tinha pedaço de conchas espalhadas. A mulher sentiu a água fria bater em seus joelhos fazendo a calça se grudar em suas pernas, pegou primeiro a câmera e a segurou no alto dando a chance de Chan poder se equilibrar, o puxando em seguida pelo braço e levantando tal qual uma criança.

De pé, as ondas também não passavam de suas pernas, mas caído numa estrutura desnivelada ele poderia facilmente se afogar por não conseguir se levantar.

— Oe! Vocês estão bem? — olhou para a entrada onde Seungcheol e Jihoon olhavam para eles preocupados, eles pegaram a corda e enquanto um puxava, mesmo sem grande necessidade o outro estendeu a mão para puxar ambos na direção do chão reto.

— Por que de repente se jogaram no mar? Não sabem como é perigoso?

— Tinha uma evidência na rampa — Chan tossiu — parecia um pedaço de pele reluzente.

— Essa presa na sua calça? — Jihoon apontou fazendo com que todos eles olhassem para baixo onde um pedaço de pele furta-cor estava preso ao seu zíper.

— Pelo menos coletou a evidência — ajeitou a câmera na direção de Chan e bateu uma foto, conseguindo tirar algumas risadas do grupo e deixar o caçula envergonhado.

Se tem mais o que fazer naquela cena de crime, depois de tentar secar um pouco as vestes eles retornaram para sua cidade e a delegacia. Vendo a condição dos dois detetives, o Chefe Song os dispensou pelo restante da tarde com a promessa de os fazer trabalhar em dobro no dia seguinte, mas agradecendo depois em falas baixas pelo bom trabalho.

Os dois do departamento de narcóticos também se despediram, avisando que ia rever alguns detalhes do caso da metanfetamina e que avisavam se encontrassem alguma coisa. Jihoon ainda adiantou que ia pedir a análise da pele encontrada por Chan em nosso lugar e nos informava.

retornou para a casa bem mais cedo que o de costume e considerando estar vazia, imaginou que Mingyu fosse encontrar com Seokmin no píer para o almoço, uma vez que ele só trabalhava meio período. O cheiro de sal e roupa molhada envolvia seu carro, o tecido começava a secar a cada instante, sua pele se tornava mais sensível ao sal. A primeira coisa que fez foi tomar um banho, lavar todos os resquícios de mar do corpo.

Deixou a água morna cair no rosto, lavando os ombros e acariciando seus cabelos. Quais segredos poderia ela guardar nesses dois casos?

A toalha secou os respingos e a detetive apenas conseguiu respirar aliviada quando o tecido leve e solto do pijama favorito envolveu seu corpo. A luz do banheiro foi apagada, a toalha jogada em cima da cabeça molhada e os passos seguiram para o corredor.

Foi quando o cheiro que ela acabara de se livrar voltou com força total, como se tivesse batido de frente com ela. levantou os olhos, o que entrou em sua frente foi um desconhecido vestido apenas da cintura para baixo acompanhado de um torço definido. O rapaz desconhecido tinha uma feição elegante quase etérea emoldurada por fios de cabelo claros como a espuma do mar. Porém, o que realmente chamou sua atenção foram seus olhos, fixos em sua figura como um predador, com um brilho revolto e desconhecido.

segurou as mãos em punho na frente do corpo, ele não parecia querer atacá-la num primeiro momento e apesar de ter o coração batendo forte no peito tentou argumentar, a fim de ganhar algum tempo.

— Quem é você?

Pode ter sido sua imaginação, mas parece que as íris ganharam um tom azulado iridescente antes de voltar a sua cor original, acompanhando um sorriso em linha que se abriu quando suas mãos se levantaram no alto proferindo com confiança em um tom de voz cantado.

— Hoshi — respondeu —, me chamo Hoshi.

A mulher estava a um passo de voltar para o quarto e conseguir colocar as mãos em qualquer arma, quando Seokmin apareceu segurando uma camisa em mãos. Dando um grito de susto quando reparou que a amiga estava parada no fim do corredor.

— O que é isso? Por que está parada no corredor como uma assombração? Nem era para você estar aqui.

Ao ver que ele parecia confortável ao redor do desconhecido, soltou os ombros — Também é minha casa, posso aparecer quando quiser.

— Posso pegar a camisa? Estou ficando um pouco envergonhado — o homem que disse ser Hoshi cruzou os braços na frente do torso, recebendo um leve tom avermelhado nas orelhas.

— Ah certo, deve ficar boa — Seokmin entregou o tecido para ele que se virou de costas para vestir.

Na parte da cintura próxima à coluna havia um machucado profundo, como se ele tivesse sido arrastado e a pele daquele local arrancado.

— Você precisa de um curativo? — perguntou .

O loiro ajeitou o tecido no corpo colocando as mãos nas costas em seguida — Não, está cicatrizando, só está feio mesmo, mas obrigado. E desculpe por aparecer sem avisar, suponho que deva ser realmente estranho.

— Não posso dizer que não, estou acostumada com dois caras andando por aqui.

Seokmin balançou as mãos — Hoshi é o novo funcionário do aquário, foi para ele que fizemos a festa no restaurante. Mas o garçom acabou derrubando uma bebida inteira na camisa dele na hora de vir embora.

Ele bateu na companhia como a quem pede uma confirmação da história.

— Sim, Seokmin se ofereceu para me ajudar. Para eu não ter que fazer o caminho de volta para a minha casa molhado.

A mulher franziu por um momento, mas em seguida deixou os músculos faciais relaxarem deixando surgir um sorriso.

— Eu não sei o que ele falou, mas eu não sou tão ruim assim — ela deu alguns passos se aproximando, em seguida estendendo a mão para um cumprimento. — Me chamo .

Hoshi olhou a mão estendida por um momento antes de aceitar o gesto. Mas quando seus dedos tocaram, sentiu uma sensação estranha, um repentino frio subir seu braço. A palma da mão dele estava fria e o cheiro de sal que sentiu quando saiu no corredor se intensificou. Salgado e úmido como a brisa que sopra do mar num dia nublado.

— Desculpe pela surpresa — disse o homem com um meio sorriso.

— Geralmente eu não estaria aqui — tentou disfarçar o desconforto com o cheiro de mar, soltando sua mão em seguida.

De perto, seus cabelos claros eram como a espuma das ondas, com fios quase brancos que refletiam em nuances suaves. Seus olhos de formato amendoado eram convidativos, simpáticos, mas misteriosos. Havia algo peculiar em sua presença, algo que não conseguia definir. O cheiro poderia estar contribuindo, mas um lapso de pensamento, pensou na personificação do mar e não uma pessoa.



, está pronta? Já estamos indo — Seokmin gritou do quarto dele sem se preocupar se a rua inteira ouviu seu chamado.

Não chegava a ser uma tradição, mas ocasionalmente o trio de moradores da casa se reunia para comer em algum lugar e reclamar dos respectivos empregos. Era o primeiro dia sem chuva em algum tempo, proporcionando o ambiente perfeito para uma noite com os garotos.

— Você nem terminou de se vestir ainda — a mulher se apoiou na porta dele, vendo que ele ainda revirava suas gavetas atrás de uma camisa. Quando ele a percebeu parada na porta, deu um grito estridente, buscando o primeiro tecido por perto a fim de cobrir o torso.

— Isso é invasão de privacidade — anunciou.

— Aish, você ainda não está pronto — Mingyu também apareceu na porta. — E quantas vezes eu já disse para você fechar a porta?

sentiu os olhos sendo cobertos, mas não a porta sendo fechada, ouvindo em seguida o barulho de tecido raspando um no outro em seguida. Chegava a ser cômico que seu primo estivesse tentando proteger a inocência que não tinha.

— Fala sério, acha que eu nunca vi um homem pelado antes? — tentou virar a cabeça, mas a mão de Mingyu acompanhou seu rosto.

— Tenho certeza que sim, mas você não precisa da imagem desse na sua cabeça. — ela não viu, mas pode ver ele fazendo o movimento indicando dentro do quarto.

— Eu não sei se você está protegendo a minha honra, ou acabando comigo. — Seokmin reclamou. — Vou escolher acreditar ser o primeiro, pelo bem da nossa amizade.

— Falando em amizade — puxou a mão do primo dos olhos —, aquele seu amigo novo não vai, né?

A resposta veio silenciosa, e culposa. Bastou que desviasse o olhar e balbuciava uma resposta incompreensível para saber que teriam mais uma companhia pela noite.

— Hoshi não conhece ninguém, achei que ia ser bom sairmos juntos — defendeu —, eu não entendo porque não gosta dele.

Na frente de , depois que a presença repentina foi explicada, Hoshi se provou ser alguém extremamente agradável. Era falante, fazia um bom par com Seokmin e até o acompanhava em suas loucuras, a detetive não via nada para duvidar dele, mas fosse instinto, ou autopreservação, sempre que sentia os olhos dele preso nela tinha a súbita vontade de se afastar.

Já tinha recebido todo tipo de olhar, dos tímidos aos mais cafajestes, passando por aqueles que desejavam a sua morte com ameaças gritadas entredentes. Contudo, nada se comparava a ele, até porque nem conseguia colocar em palavras se tivesse que descrever com uma palavra, seus olhos eram como o mar, não em cor, mas em mistério.

Tinha superfície refletindo um brilho inocente, mas escondia em seu fundo uma vastidão desconhecida que cantava em vozes baixas um clamor para revelar os seus segredos. Num momento ondas calmas, no outro mar revolto, incerto, inquieto, imprevisível. Um olhar que é ao mesmo tempo, um convite e um aviso.

— Não é nada — disse por fim —, só vamos logo então que estou faminta.

A cidade em que viviam não era considerada grande, apesar de ser conhecida por suas praias, então não tinham muitos lugares para onde ir. Inevitavelmente iriam encontrar alguém conhecido, e não foi diferente.

parou o carro no conhecido píer e não levou cinco minutos para escutar seu nome sendo chamado do outro lado da rua.

— Quem são? — Seokmin perguntou quando saiu do carro.

— Do trabalho — respondeu vendo que o trio de homens atravessou para vir em sua direção.

— Eu disse que você estava passando mais tempo com o departamento de narcóticos, qual será a sua defesa dessa vez? — indagou com um tom divertido olhando para o legista.

— Que eles me chamam para sair ao contrário de você — Wonwoo rebateu com a mesma acidez.

A mulher estendeu a mão para Seungcheol e Jihoon os cumprimentando — Parece que estamos nos encontrando com frequência nos últimos tempos.

— Diria ser inevitável já que nossos casos estão supostamente interligados — respondeu o primeiro reparando em seguida nos outros dois parados próximos a eles.

— Acredito que não se conhecem pessoalmente — apontou —, Mingyu, meu primo e o amigo dele que mora com a gente, Seokmin.

— Ei, eu sou seu amigo também — reclamou em seguida levantando a mão. — Hoshi aqui!

se virou de leve para ver o loiro se aproximando, no momento em que seus olhos se cruzaram sentiu um arrepio gelado subir a sua espinha, sem saber separar se era o tipo bom, ou não.

— Desculpe — Hoshi se aproximou olhando para o outro tio um pouco confuso —, me atrasei?

— Não — Seokmin balançou a mão —, são amigos da , do trabalho.

O moreno colocou uma ênfase desnecessária na última parte, como se falar que eles eram policiais, com uma exceção, fosse estritamente proibido.

— Ah certo — respondeu o recém-chegado com um riso —, entendi. Vão ficar com a gente? Para comer.

Os três se entreolharam e em seguida pediram permissão para com os olhos, que apenas deu de ombros. Já não era uma noite com seu primo e Seokmin mesmo, quem sabe pudesse acontecer algo divertido. O grupo andou ali próximo do píer até encontrar algo parecido com um bar que tinha a maior diversidade de comidas e álcool, assim todos teriam seus desejos alimentícios saciados pela noite.

Ela acabou se sentando ao lado do primo, tendo seu lado direito preenchido por Seungcheol, em seguida de Jihoon e então Wonwoo sentado em sua frente, ao lado dele estava Hoshi, seguido de Seokmin então fechando o círculo. A princípio começou como qualquer saída com pessoas novas, os que não se conheciam faziam perguntas básicas trocando informações que geralmente não tinha muita importância.

Por não poder compartilhar muito do trabalho de detetive, uma vez que a maioria dos casos ainda tinha embargo, o foco foi o fato de Seokmin e Hoshi trabalharem no aquário e Mingyu no museu.

— Agora estamos montando uma exposição sobre os segredos do mar, temos alguns materiais fósseis e outros artefatos para receber na exposição. Mas ainda deve demorar alguns meses para abrir, tem muita documentação sendo feita.

Seungcheol levantou o copo de bebida até a boca e em seguida pegou um petisco da mesa. — Não deixe Chan saber disso , ouvi dizer que depois… Daquele dia, ele está com algumas ideias controversas.

A mulher abaixou a cabeça com um suspiro em seguida. — Nem me fale.

Chan começou a trabalhar com ela diretamente no caso depois que ambos foram visitar a cena de crime com o departamento vizinho. Estavam trabalhando para manter a lógica no caso e chegar a uma hipótese juntos, mas no momento em que chegou a análise do pedaço de pele que se prendeu às roupas dele, começaram as conspirações.

Se fechasse os olhos, poderia escutar o garoto falando em seu ouvido, mostrando fotos e referências do que supostamente seriam ataques de sereias. A pele era de fato estranha, apenas uma parcela do DNA era identificável, o restante ainda estava rodando no banco de dados de amostras procurando uma correspondência. As análises de reflexo também tiveram resultados peculiares, indicando uma luminescência desconhecida.

— Chan tem sorte que o Diretor Chefe Song não ouviu ele falando sobre sereias no expediente — finalizou o assunto.

— Como pode um detetive acreditar no sobrenatural assim? — Jihoon se serviu mais um copo, comum de uma soda qualquer, já que ele não tinha costume de beber

— Como você pode ter tanta certeza que não existe? — Hoshi girou o copo entre os dedos, chamando a atenção da mesa. A fala pareceu sair impensada, mas logo ele colocou um sorriso no rosto e continuou. — Quero dizer, ninguém nunca provou que sim, nem que não. É mais fácil explorar o céu do que os próprios oceanos, ninguém sabe realmente o que está lá no fundo.

— É verdade, a parte de águas profundas do aquário é assustadora. Pode ter literalmente qualquer coisa por lá.

Jihoon encostou na cadeira e cruzou os braços — Mesmo assim, ainda não acredito. Exceto se aparecer na minha frente ou encontrarem uma, então, sim, falo. É verdade. No fim, o que são, além de ter cauda de peixe e cantar?

— Vou falar para Chan passar na sua sala, ele vai dar uma lista — brincou. — Depende da lenda e do local, mas alternar a forma, se transformar em espuma do mar, alguns dizem que consumir sua carne pode trazer curas e longevidade.

— Toda fala, todo som, tem uma função, um latido de aviso, um miado de fome. Um chamado, um cortejo, pode nomear. O canto de uma sereia é o mesmo, encanta, mas não em vão. Ou é um fio tecendo em volta de uma presa, ou uma hipnose de desejo, se não for ambos. — Hoshi levantou a cabeça olhando para o resto da mesa. — Mas isso também serve para algumas aves, e plantas carnívoras. Deve ser parecido.

— Dizem que sereias gostam de coisas brilhantes também — Seokmin se inclinou para frente na mesa olhando direto para . Dando continuidade no assunto — Tome cuidado, te chamam de joia e falam que sua mente é brilhante.

A mulher pegou um guardanapo e imediatamente fechou na mão fazendo um projétil.

— Ah! Cale a boca! — ralhou com o moreno que riu clamando ser verdade enquanto se divertia com o rosto levemente envergonhado da amiga. Eram raras as ocasiões em que via a detetive envergonhada.

— Joia? Por que joia? — O loiro olhou ao redor, indagando com os olhos os demais homens sentados à mesa tentando entender o apelido.

— Mérito — o primo interferiu. — sempre foi inteligente, mas ficou ainda mais quando começou a estudar para entrar na polícia.

— É o tesouro da organização — Wonwoo comentou com um riso. — Ouvi isso algumas vezes do Detetive Chefe Song.

Envergonhada, lançou-lhe um olhar clamando para ficar quieto — É um exagero, se eu fosse realmente brilhante já teria uma hipótese lógica e não fantasiosa para o caso da vez.

Hoshi pareceu se inclinar — Só porque você não tem uma resposta, não quer dizer que não é brilhante. Um tesouro no fundo do oceano continua sendo um tesouro, mesmo sem ninguém para observar.

— Isso mesmo — Seokmin disse. — Um brinde ao nosso tesouro, !

O restante da mesa entrou na onda do homem levantando seus copos e se divertindo demais ao ver que o rosto da única garota da mesa estava bem mais corado que o de costume. Como uma pessoa madura, fez o que naturalmente qualquer um faria, pediu licença — deixando alguns palavrões no meio do caminho —, e saiu de perto da mesa fazendo o caminho para o banheiro do restaurante.

colocou ambas mãos embaixo da torneira aberta em forma de concha, sentindo a água fria passar dentre seus dedos. Em seguida apoiou ambas mãos na lateral da porcelana encarando o espelho que ficava ali no corredor, ambos banheiros tinham portas individuais mais para o fundo do estabelecimento e uma pia compartilhada posta numa bonita bancada de madeira.

A mulher respirou fundo e então se preparou para voltar, só precisava sair um pouco da visão do restante do grupo antes que fizesse algo pior do que tacar um guardanapo dobrado. Receber elogios, ou uma forma amigável de bajulação, não era algo que sabia fazer bem.

Sentiu alguém se aproximar e virou a cabeça rapidamente, era Wonwoo. Que se aproximava com passos lentos, mas confiantes.

— Está brava comigo? — ele se aproximou. não tinha para onde recuar então manteve as costas apoiada na parede.

— Não — respondeu —, só acho que você tende a exagerar. Se você pretende algo a mais com toda essa língua açucarada, conselho parar.

Nesse momento sua figura parou na frente da detetive, a mão se levantou para seu rosto traçando com as pontas dos dedos a pele quente de sua bochecha. No rosto dele ainda tinha um sorriso divertido, que ia completamente ao contrário das palavras que saíam de sua boca.

— Preciso que me ilumine, não sei do que está falando. — seu rosto se aproximou.

— Vai acabar arrumando um problema para nós dois — disse num sussurro mantendo os olhos na boca do legista.

— Bom, confesso que você é o tipo de problema que eu gostaria de ter.

já havia passado da idade onde os locais de primeiro beijos importam, mas estar no corredor estreito de um pequeno restaurante certamente daria uma boa história para contar. Os flertes aconteciam, de ambos os lados, mas até aquele momento nunca pensou em ser algo realmente sério.

— Se envolver com um colega de trabalho é tão imoral — disse com a voz entrecortada sentindo o homem afastar o rosto do seu apenas para preencher a distância com a mão. Os dedos dele correram a lateral de seu pescoço lentamente encontrando em sua nuca o apoio perfeito para torcer os fios de cabelo solto.

— Você encontra mortos e eu abro eles, isso aqui é o menos imoral que podemos ser.

Sua outra mão ainda estava apoiada em sua cintura e fez menção de a puxar para perto uma segunda vez, buscando sentir mais do corpo colado no seu. podia ser uma pessoa fria de língua afiada para todos na delegacia, mas para Wonwoo ela era mais quente que todos.

! Você está… — Seokmin apareceu no fim do corredor apenas para se deparar com os dois que deixaram a mesa tendo um bom momento nos fundos do restaurante. — Wah! E eu achando que estava passando mal.

Nenhum dos dois fez questão de se afastar, olhou para o amigo com um sorriso — Não é tão mentira, estou um pouco sem ar.

— Fala sério, você tem sorte que fui eu e não Mingyu — apontou para os dois —, que viu isso daí.

— Garanto que meu primo já viu coisa pior — afastou Wonwoo ganhando passagem para andar. — O aviso que ele te deu sobre manter a porta fechada diz muita coisa.

Seokmin abriu a boca e em seguida colocou as mãos nos olhos — Nunca mais vou abrir os olhos naquela casa! porque você fez isso com a minha cabeça, as imagens, elas não param!

A mulher colocou as mãos no ombro dele e o virou, forçando a andar na direção de onde veio.

— Você que pensou, não eu.

— Estou traumatizado!

— Só lamento.

Wonwoo riu com o jeito que o amigo dela falou e então encostou na parede do corredor, dando algum tempo para a dupla. Por um momento viu seu reflexo no espelho do banheiro, foram apenas alguns minutos, mas ele estava uma completa bagunça. Sua mão cobriu a boca avermelhada seguido de um riso. Se soubesse que tudo que precisava era de um momento com ela fora das horas de expediente, teria a convidado para sair antes.

Ainda com a sensação do corpo dela colada ao seu, o legista andou até a pia, tirou os óculos, colocou ambas mãos embaixo da água corrente e lavou o rosto, correndo os dedos úmidos pelos fios de cabelos e os levando para trás. Agora que tinha provado o que sempre desejou, queria mais. A chama em seu peito tinha apenas ganhado mais combustível e agora se tornara uma fornalha.

— Ah — respirou fundo mantendo a mão embaixo da água, tampando a saída até que estivesse até a altura do pulso submerso. — Estou perdendo o controle.

Ele deixou que a água escorresse entre seus dedos e secou a pele antes de voltar para onde o grupo estava. Jihoon e Seungcheol lançaram olhares para ele, eram detetives, é claro que não precisavam de muito para deduzir o motivo deles terem demorado tanto.

— Essa garrafa acabou — disse Mingyu girando uma garrafa vazia e em seguida puxando a manga da blusa para olhar o relógio de pulso. — Acho melhor irmos, tenho que ir para o museu amanhã.

— Também temos que ir para o aquário — Hoshi anunciou pegando o colega de surpresa e continuando. — Nos voluntariamos para fazer hora extra e acompanhar os novos espécimes.

— Ah, então era isso aquele papel — Seokmin bateu as mãos juntas. — Hora extra.

se levantou com o seu grupo, agradecendo pela companhia. Os dois colegas do departamento de narcóticos passaram o olhar entre ela e Wonwoo como se perguntassem porque ambos estavam se afastando naquele momento. Mal sabiam que a mensagem já tinha sido trocada e que os dois deviam se encontrar no dia seguinte.

— Vai dormir em casa? — Seokmin perguntou para o amigo.

— Não — Hoshi respondeu ajustando as mãos no casaco dando um sorriso na direção do moreno. — Vou voltar para a minha, nos vemos amanhã.

Sem terem a oportunidade de responder, o trio apenas observou as costas dele de afastando. quase suspirou de alívio, mas travou o pensamento quando percebeu o loiro olhando por cima do ombro em sua direção, e assim como no dia em que se encontraram, a primeira vez pensou ver um anel fluorescente surgir ao redor das suas pupilas. Nesse instante a brisa marinha soprou forte e as ondas que quebram nas rochas do píer se levantaram quase molhando o grupo.

— Parece que vai voltar a chover — comentou o primo entrando no carro.

Ele não poderia estar mais certo.

A tempestade que castigou a cidade naquela noite foi raivosa. Os pingos batiam nas janelas e no telhado parecendo pedras, o vento encontrava seu caminho dentre as frestas e gritava.

considerava ser perturbador, olhar para o teto escuro coberta pelas sombras de madrugada enquanto escutava o próprio pesadelo fazendo sua sinfonia do lado de fora. Apenas o barulho de chuva não a incomodava, mas ia além, conseguia ouvir as folhagens raspando uma na outra, lixo solto rolando pela rua como uma marcha seguindo o ritmo dos tambores de trovão.

Ansiedade se acumulava em seu peito, ter os ouvidos repletos de som era quase tão angustiante quanto não ouvir som algum. Não era possível distinguir o que estava acontecendo do lado de fora e o que podia estar acontecendo do lado de dentro. Aquela madrugada passou em claro brigando com seus fantasmas até que eles mesmos tivessem pena e a colocasse para dormir numa cama de desespero.



A cena continua, para, volta e recomeça. No mesmo lugar, sem levar para nenhum.

Não havia paredes, não tinha vida, apenas água. Era um pesadelo, mas parecia real demais, nadava até que os braços se cansassem, se debatia, sentia a água sufocando o ar, mas não morria, apenas sofria. O horizonte era vasto, mas parecia se fechar a cada instante.

Seus pulmões queimaram por oxigênio, se sentia invadida, violada pela água que a impedia de se libertar. A tentativa de escapar era em vão por novamente, não saía do lugar.

O peso do oceano estava sobre seus ombros, a superfície se mantinha distante e o fundo — onde estavam guardadas as sombras mais escuras —, cantava seu nome envolto em morte, esperando o desespero virar contemplação. Na prisão de paredes invisíveis, sua força se foi, bastava aceitar os sussurros doces que o desconhecido soprava em seus ouvidos e deixar afundar além de seu corpo, também a alma.

Cansada deixou o carcereiro impiedoso que lhe roubava o ar, a levar. Cativa nos seus braços de mistério observou a superfície se apagar, apenas para acender íris neon em sua frente. O brilho pulsava reluzia à medida que afundava, revelando a silhueta dançando e circulando ao seu redor.

Enquanto o mar a arrastava, a silhueta se tornava mais nítida, as escamas fosforescentes e olhos que a fitavam com uma curiosidade faminta. Cada vez mais perto, hora batendo a cauda cortante em sua pele, outra passando as garras ao seu redor numa dança perversa. Encontraria seu fim na boca de dentes afiados do abismo.



acordou com dor de cabeça num susto, o corpo encharcado de suor frio e o coração batendo forte a ponto de soar em seus ouvidos. Segurou o pescoço apertando a nuca sentindo a dor de um sono turbulento, a língua colada no fundo da boca seca com amargor.

Do lado de fora agora havia algo próximo ao silêncio, apenas uma garoa fina que envolvia um fim de tarde cinzento. Supondo que teria dormido próximo ao amanhecer, não a espantava que passou o dia inteiro na cama, encontrando a resposta para as dores no corpo e na cabeça. Havia dormido demais.

A mulher se levantou sentindo as pernas tremerem sem força, caminhando em passos arrastados até a cozinha onde pegou de dentro de um gabinete um remédio para sua dor, segurou a pílula entre os dentes até conseguir alcançar um copo de água. Encarou o líquido transparente um pouco incerta, lembrando a si mesma que fora um sonho. Uma junção de tudo que estava vivendo nas últimas semanas com uma péssima noite.

No silêncio da casa vazia, o som de uma chamada ecoou como uma sirene. voltou para o quarto sem pressa, viu a identificação do seu amigo na tela e atendeu.

— Me ajuda — chamou num sussurro desesperado. — Por favor! Eles vão me matar!

Todo o resquício de sono pareceu deixar seu corpo — Seokmin, respira. Onde você está?

— No galpão, aquele do crime que está investigando — um som no fundo ecoou, como alguém que acerta uma placa de metal. — Tinha um submarino e… Não!

A chamada então foi interrompida brutalmente com o grito de terror dele no fim acompanhando de um tenebroso trovão do lado de fora.

não pensou duas vezes antes de pegar a arma e as chaves do carro, desbravando uma nova tempestade que chegou para atender a um chamado do amigo. Deixou as mensagens de Wonwoo sem leitura e ligou diretamente para o Detetive Chefe Song, sem conseguir contato, deixou uma mensagem na caixa postal. Em seguida, ainda no veículo ligou para o primo quebrando algumas leis de trânsito ao avançar um sinal subindo em cima da calçada.

— Mingyu, chame a polícia e mande eles irem para o galpão 1031 no fim da praia dos pescadores. — disse para o primo.

? O que está acontecendo?

— Só faça isso. — o tom de ordem foi final e decisivo.

Em seus pensamentos as questões pareciam se alinhar, os traficantes que Jihoon e Seungcheol estavam caçando realmente estavam envolvidos com o crime do galpão e a morte da garota. A princípio não conseguiu pensar no porquê de Seokmin estar lá, mas uma conversa tida no dia seguinte do crime a lembrou. Os policiais estiveram no aquário onde ele trabalhava a fim de encontrar um lar para as espécies apreendidas no local, e ainda no dia anterior ele disse ser o motivo de sua hora extra. Teriam mais pessoas com ele? E Hoshi e os outros funcionários do aquário?

A chuva caía pesada, parou o carro na distância sentindo os olhos congelados enquanto ela corria pelas laterais tentando encontrar uma entrada. Arma em uma mão o celular com sua localidade ativada no bolso da calça e uma lanterna. No fundo as ondas quebravam na praia raivosas acompanhando o som dos trovões se arrastando nas nuvens de chuva. A ligação de Seokmin ainda ecoava em seus ouvidos, a voz que era sempre gentil e brincalhona ganhou um tom carregado de pânico sussurrando para ela como a quem clama uma última vez para escapar da morte.

bateu as solas dos pés nas poças de sujeira correndo pelo estacionamento, havia uma camada lamacenta e rançosa de água de pesca que deixava o caminho mais escorregadio. O vento cortava seu rosto e a falta de luz por ser fim de tarde se provou ser opressora.

No momento em que alcançou o balcão sentiu um calafrio percorrer sua espinha, a porta estava semi aberta balançando com o vento que batia nela. O cheiro pungente estava ainda pior do que no primeiro dia que colocou os pés ali, apontou o foco de luz para dentro e viu algo brilhante no chão, vermelho e escuro.

Observou do lado de fora e não viu nenhuma movimentação, também não havia outros carros por perto. Foi então que suas pernas pararam, uma informação importante acabou escapando de sua mente em toda essa loucura.

Ela nunca havia dito para Seokmin qual era o caso que estava investigando.

Antes de recuar, sentiu um acerto na cabeça, uma dor aguda que parecia torcer os ossos de seu pescoço, travando os músculos e a incapacitando de se mexer. O som agudo similar a um apito que tomou seus ouvidos, de repente, foi substituído por um som melodioso, e assombroso na mesma proporção um canto doentiamente doce que soava quase como um encanto.

— Sabe de uma coisa — com os olhos entreabertos, viu um par de pés descalços se aproximando devagar. Uma mão pegou um punhado generoso de seus cabelos e então a puxou para cima a fim de encarar seu rosto. — Vocês humanos se acham tão inteligentes, mas basta uma ligação desesperada para perderem todo senso de proteção. No fim, também não passam de gado, jogando toda essa inteligência no lixo.

A mão livre tentou pegar o pulso do homem sem sucesso, raspando a outra ao redor, tateando o chão.

— Mas suponho que deva dar os créditos — disse —, ainda percebeu mais cedo do que eu imaginaria.

Mais um movimento puxando sua cabeça para trás a fez abrir os olhos, e ali estava ele. Hoshi, de pé curvado sobre ela, levemente iluminado pela luz da lanterna caída ao chão, não que ele precisasse de luz para se fazer visível. Sua pele tinha um brilho azulado fluorescente, cintilante que marcava as formas de seu corpo e fizeram acender os círculos luminosos atrás de seus olhos.

— Surpresa? — perguntou aproximando seu rosto do dela. — Confesso que foi a primeira vez que eu montei uma armadilha, sabe geralmente as pessoas vêm até mim. Me saí bem, não foi?

Um riso distorcido puxou os cantos dos seus lábios e quando ele abriu a boca novamente sua voz ecoou exatamente como a de Seokmin.

por favor, venha me salvar! — caçoou. — Wah! Eu realmente poderia ser um ator, quem sabe depois de sair dessa cidade patética eu tente, certamente será mais difícil passar fome assim.

Hoshi voltou a ficar de pé e começou a puxar para longe da porta pelos cabelos como se não fosse nada.

— Sabia que não aceitaria meu convite, afinal tem aquele outro idiota de olho em você. Ah, isso realmente me tirou do sério — ele continuou seu monólogo —, de tudo que disseram aquela noite sobre nós, uma coisa estava certa…

sentiu o corpo sendo jogado, dessa vez foram suas costas que receberam o impacto.

— Realmente gostamos de coisas brilhantes. Se gostamos de algo, nunca deixamos partir.

O movimento fez morder a língua, enchendo a boca com um gosto metálico e quente, ela segurou ambas as mãos no peito buscando um pouco de segurança. Hoshi novamente se abaixou segurando o rosto dela apertando suas bochechas, a pressão fez com que a garota abrisse a boca deixando escorrer o líquido vermelho pelo lábio.

— Fiquei por meses aqui, sendo exibido por aquele velho a troco de dinheiro — sua voz novamente mudou de tom, agora repleta de pesar. — Se não fosse aquela garota, Pérola, talvez ainda estivesse.

— Ela te tirou do tanque, suponho — disse com um pouco de dificuldade, uma dor intensa tomando a sua cintura. Cada respiração parecendo uma lâmina atravessando seu meio com a intenção de a separar em dois.

— Te disse que cada canto tem uma intenção, basta um pouco de curiosidade para se tornar uma tentação. — o polegar da criatura contornou a boca de devagar, a pele queimando fria ao toque. — Estive faminto por muito tempo.

— Se depender de mim — ralhou entredentes. — Vai continuar.

Com todo aquele monólogo de Hoshi o deixou alheio aos arredores, dando brecha para conseguir resgatar sua arma e a segurar para o momento certo. Ela nem sabia do que ele era feito, mas se tinha fome a probabilidade de sangrar também era grande.

Ao compartilhar sua história, seus escudos também baixaram, dando então a brecha que estava procurando, havia 12 balas em sua arma. Agora não era o momento de poupar, seis delas foram disparadas. Por proximidade sabia que as primeiras acertaram a corta roupa, as outras desviaram e acertaram outras partes de seu corpo.

não queria saber se ele estava vivo ou não, juntou o que restava de força e vontade de viver para se levantar e sair dali o mais rápido possível. Com passos pesados e dor a cada movimento a detetive não conseguiu ir muito longe, caindo a poucos passos da saída, ainda tentou se arrastar para fora usando o chão escorregadio como apoio. A chuva voltou a castigar seu corpo, mas uma repentina dormência roubou seus movimentos, sentiu seu centro queimar ao mesmo tempo que tremia de frio, a boca dormente revelou o seu final. O toque era veneno, não desejo.

A luz da noite era fraca, não havia luar, mas não foi a escuridão que a impediu de ver por um momento o abismo.

Não era a sereia, ou tritão dos contos, era uma forma alongada de brilho azulado com olhos que se faziam de faróis sustentados num rosto com uma boca repleta de dentes afiados como os de uma piranha. Não havia nenhum resquício do Hoshi que ela conheceu, apenas algo assustadoramente desconhecido.

A chuva se tornou muda e sua mente foi preenchida por palavras desconhecidas num ritmo desprendido do mundo.

Adilla kia akia syurapoe

Nesse ponto sua mente era apenas uma prisioneira dentro do próprio corpo, se sentiu afundando no próprio oceano que era sua consciência, se afogando num mar que não existia. Tudo ao seu redor desapareceu, mas a sensação de estar afogando era real, sentiu as ondas baterem em seu corpo e a chuva desaparecer na superfície com o que restava de ar.

Trágico a mesma proporção que lógico, ela que sempre se orgulhou da sua mente, tomou as decisões erradas, agiu com o coração e não com a mente e agora partiria sem ter a chance de dizer adeus. Não se arrependia de ter atendido ao chamado desesperado do amigo, mas se não quisesse salvar o mundo sozinha, esse seu final poderia ser diferente.

Seu corpo foi levado para longe e também longe foi a sua consciência. Seokmin teria que a desculpar por nunca ir o visitar no aquário, no silêncio abafado do mar daria qualquer coisa para ouvir novamente sua risada. Sem querer, colocou um peso em cima dos ombros de seu primo que ele não merecia, a culpa de ser o último a ouvir sua voz. Ao Detetive Chefe Song, também, enquanto sucumbindo, desejou que ele não se culpasse pela chamada perdida e que cuidasse do seu parceiro de caso, Chan que estava certo o tempo todo. Da história não escrita com Wonwoo, aos dias não compartilhados com o restante dos seus colegas de serviço, a vida brilhante dedicada inteiramente ao sucesso, agora, não valia de nada.

No fim, ela seria exatamente o que disseram, um tesouro enterrado no fundo do mar observado por ninguém.


Fim.


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Nota da autora: Obrigada por ler até aqui!
Até mais, Xx!


Nota da Scrib: Confesso que a mistura entre o real e o sobrenatural me pegou muito nessa história.
E que final foi esse!?
As sonhos da PP me deixaram muito curiosa e quando chegamos no final, o fim dos dois é algo incrível, eu fiquei apaixonada, de verdade <3

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