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Codificada por: Electra

Finalizada em: 18/07/2024

Índice:
¹maitre: É o responsável, junto ao coreógrafo, por manter e remontar, quando necessário, a obra, respeitando sua autenticidade, qualidade técnica e artística. O maitre também dá aulas à companhia cuidando da unidade de trabalho e estilo que estão em sua responsabilidade.
²plié: passo do balé que consiste em uma flexão de joelhos.
³Uchitel: professor em russo

 

A fita de cetim era enrolada na canela, por cima da meia calça rosa, com toda a calma do mundo, quando chegou próximo a batata da perna, deu um laço e se levantou do chão de madeira. Apoiou-se no corrimão de madeira, que ficava em frente ao grande espelho da sala de dança e começou a se alongar. Suas duas melhores amigas estavam fazendo o mesmo ao seu lado, , a garota de longos cabelos dourados, e , a morena de olhos lilases.

O professor entrou pela porta de madeira já batendo palmas, chamando a atenção dos alunos que estavam ali. A grande companhia de ballet e ópera de Moscou estava se aproximando do segundo evento do ano, a apresentação de ballet teatral de verão e com isso, os alunos seriam escalados para seus papéis. Era sempre uma competição acirrada, afinal, estar na Bolshoi já indicava que você era um ótimo dançarino. Todos, já sabendo do que se tratava, ficaram em posição na sala, à espera do que diria para eles.

— Como todos sabem, o mês de setembro é um mês importante para nós. — Ele pigarreou e olhou para trás, onde estava o maitre¹ da companhia encostado no pilar de madeira com as mãos no bolso. — Nosso maitre irá treinar pessoalmente os dois alunos que pegarão o papel principal esse ano, individualmente. — Os alunos se olharam empolgados, afinal, era conhecido pelo seu conhecimento exemplar das técnicas e por ter colocado bailarinos em destaque ao redor de todo o mundo. — Lembrem-se que o teste é semana que vem. Ensaiem, mas não exagerem, não querem se machucar e perder o teste, não é mesmo? — Os alunos negaram com a cabeça. — Ótimo, vamos a aula. — , da mesma forma que entrou, saiu da sala, em total silêncio.

, e saíram da aula conversando sobre a peça e os testes, estavam empolgadas, mas a estava além do que elas poderiam chamar de empolgação.

— Agora eu tenho mais um motivo para passar nesse teste — falou a garota de cabelos rosas.

— Você ainda não parou de pensar nele? — A riu enquanto sentava na cadeira do café, onde tinham acabado de chegar.

— Desde que entrou na Bolshoi você tenta se aproximar dele, , é impossível. O homem é impenetrável! — A completou ao se sentar e pendurar a bolsa nas costas da cadeira.

— Não é como se eu estivesse stalkeando ele, eu só… Ele é um Deus na terra.

, achei que essa paixonite já tinha passado. — revirou os olhos. — Por favor, eu quero um chocolate quente com marshmallows extras — pediu quando a mulher do café se aproximou.

— Eu quero o chocolate quente com rum, por favor. — pediu.

— O mesmo que ela. — A apontou para a morena e a garçonete saiu com os pedidos anotados. — Não estou apaixonada, só…

— Você está sim. — riu da amiga. — Você baba nele quando ele passa, Saky, quer mentir pra você mesma, tudo bem, mas pra nós não. — As duas riram e bufou inconformada.

 

[...]

 

, ex-bailarino, maitre conhecido mundialmente, escolheu a Rússia como sua casa há 3 anos. Quando chegou na Bolshoi foi cobiçado por todas as alunas e professoras, porém, nenhuma ganhou a sua atenção. sempre foi um homem excêntrico, estava sempre sério, com um ar de tédio e um livro em mãos. Caminhava pela companhia assistindo os alunos de maneira silenciosa, caso ele encontrasse algum talento, ele fazia questão de ajudar e fazê-lo chegar ao topo.

O tinha notado um talento incomum nos últimos 3 meses, por isso sua decisão de ensaiar com os alunos que participassem da peça. Ele queria confirmar suas suspeitas e conhecer melhor a pessoa que se destacou entre os demais, afinal, para chegar ao topo não basta talento, é necessário além da dedicação e persistência, estar disposto a abandonar tudo sem olhar para trás caso precise. sabia disso melhor do que ninguém, já que teve que fazer isso diversas vezes em sua vida, por isso nunca criou raízes, nunca se envolveu com ninguém, desenvolveu uma família ou construiu um lar. Para ele, essas eram as principais regras a se seguir para se destacar na carreira que escolheu trilhar.

Ele era um lobo solitário, como ele mesmo dizia para seu melhor amigo, Obito, que havia ficado para trás quando resolveu deixar sua cidade natal há 15 anos, no entanto, nunca deixaram de se falar. tinha se tornado um bom companheiro de bebida às sextas-feiras e hoje poderia até chamá-lo de amigo, gostava do homem que falava pelos cotovelos. O sempre foi melhor ouvindo, nunca foi bom com as palavras ou expressar sentimentos, mas não era como se fosse uma barreira para criar amizades. entrou na sala de após sua aula ser finalizada, e quando o amigo notou sua presença, sorriu.

— Posso ajudar, ?

— Quero escalar uma de suas alunas para a peça.

— O teste é apenas semana que vem, . — O Umino falou rindo da audácia do amigo, e o outro murmurou concordando. — Estava de olho nela?

— Sim, me parece bem promissora. — O maitre olhava a paisagem pela janela de vidro. — Deixe que ela faça o teste normalmente, mas ela tem que estar na peça.

— Posso saber quem é a moça de sorte? — o mirou e sorriu como se planejasse conquistar o mundo.

 

[...]

 

— Próxima. — chamou.

respirou fundo e entrou no palco do enorme teatro. Três professores estavam sentados na mesa, alguns alunos ocupavam as cadeiras na platéia mais próximas e por alguns segundos os olhos verdes correram à procura dele, entretanto, ela não o viu. Começou a dançar, deu suas piruetas e movimentos graciosos. A parecia ter nascido para fazer aquilo, seus olhos fechavam aproveitando cada toque da música clássica que ecoava nas caixas de som. Os movimentos sólidos, cheios de técnica, mesclavam-se com a fluidez que seu corpo esbanjava, ela fazia ballet parecer fácil.

— Obrigada, senhorita . — A professora Kurenai disse ao vê-la terminar.

agradeceu e saiu do palco abraçando e , que a esperavam atrás do palco; elas conversavam animadas já que tudo tinha dado certo e nenhuma das três tinha caído ou errado algum passo. Depois de avisar que o nome dos selecionados estaria no quadro de avisos às 16 horas da tarde, os alunos deixaram o teatro ansiosos pelo resultado. A peça de fim de ano era muito importante para cada um deles, pois mostrava que eles estavam melhorando, que a dedicação deles estava valendo a pena.

entrou de forma silenciosa, colocou as mãos no bolso e se encostou em uma parede qualquer, na sala onde os professores estavam decidindo os escolhidos. Ele apenas lançou um olhar para , que entendeu de imediato o que ele queria, afinal, já tinham conversado sobre. Contudo, antes que qualquer um dos dois falasse algo, Kurenai disparou: — , o que acharam dela?

— Acho ela uma ótima bailarina, ela se dedica bastante nas aulas. — comentou.

— Acho que ela é perfeita para o papel de Julieta. — Foi a vez de Anko dar sua opinião.

— Concordo plenamente. — A outra professora finalizou e isso fez puxar o canto dos lábios, aquilo era uma prova óbvia de que ele estava certo, afinal, ele nunca errava.

O folheto foi colocado no quadro de avisos sobre os olhares atentos dos alunos ao redor, assim que deixou o corredor, todos correram para olhar. ficou estática sem acreditar no que via, seu nome no topo da lista. Ela sentiu uma lágrima deixar seu olho e um sorriso largo brotar em seus lábios. Ela abraçou as amigas que estavam ao seu lado e as três saíram dali para o café de sempre, comemorar o papel principal da e o secundário de .

 

[...]

 

entrou na Bolshoi naquele dia com um objetivo: descobrir se estava pronta para encarar o mundo. Ele abriu as portas duplas da sala onde sua agora aluna estaria e a viu no chão, sentada de costas para si, alongando-se. Ele encostou na parede e colocou as mãos nos bolsos da calça, mania que ele carregava há longos anos. A bailarina continuou focada no que estava fazendo, levantou e testou se as sapatilhas estavam bem firmes, ficando de ponta e dando três pliés².

— Bom dia, senhorita . — A garota virou rapidamente com os olhos saltados. — Perdão se a assustei.

— B-bom dia, senhor . — Ela se praguejou por ter gaguejado, mas talvez ele pensasse que fosse pelo susto.

— Vejo que já se aqueceu. — Ela afirmou, balançando a cabeça. — Vamos começar.

passou a primeira parte da coreografia para ela, eles repassaram sem parar até ela pegar todos os movimentos e os primeiros dias foi basicamente isso que tinha a ser feito. aprendendo a coreografia, para então assim aperfeiçoar os movimentos e torná-los perfeitos, pois era isso que o balé exigia; perfeição. Era apenas mais um dia de ensaio, mas o tinha planejado algo diferente. Ele chegou na sala e apenas pediu para pegar suas coisas e segui-lo, ela estranhou, mas colocou um tênis e fez o que lhe foi dito. Os dois subiram as escadas do prédio da companhia até chegar ao telhado, o dia estava lindo, o sol brilhava forte, finalmente o verão.

— Não entendi o que viemos fazer aqui, uchitel³.

— Viemos dançar. — franziu o cenho. — Você está muito nervosa com o ensaio em grupo se aproximando, isso está deixando seu corpo rígido e sem a fluidez que faz você ser você, . — tirou uma caixa de som portátil de sua bolsa e colocou uma música qualquer. — Você precisa se soltar. — Ele estendeu a mão para ela, que automaticamente corou fortemente. A bailarina soltou a bolsa no chão e segurou a mão do seu professor.

Eles começaram a dançar, girar e dar piruetas pelo ar, a levantou apoiando uma das mãos em sua cintura e outra na coxa, admirando a escala perfeitamente aberta no ar. A aos poucos conseguiu sentir seus músculos relaxarem, estava até sorrindo, não conhecia esse lado do maitre. Estavam se divertindo e dançando sem compromisso, coisa que ela não fazia há tanto tempo, talvez ela estivesse precisando daquilo e nem sabia. O tinha sido um exímio bailarino e dançar com ele era diferente de qualquer coisa,  estava em dúvida se era porque era apaixonada por ele ou se ele realmente tinha essa aura que passava uma certa magia.

Quando a música acabou, eles estavam tão perto, podia sentir a respiração ofegante de em seu rosto. Os olhos verdes não desgrudavam dos negros, parecia que o tempo tinha parado, e como em um filme romântico, o homem resvalou os dedos pela bochecha enquanto os levava até uma mecha solta do cabelo rosa. Ela engoliu em seco e seu coração disparou, acompanhava os movimentos lentos do homem à sua frente de maneira ansiosa. Quis fechar os olhos quando sentiu os dedos compridos passarem por trás de sua orelha e raspar em seu pescoço, assim que ele terminou de pôr seu cabelo no lugar.

deu-se conta do que fazia um pouco tarde demais, as esmeraldinas o fitavam com desejo e ele sabia disso. Pela primeira vez ele sentiu algo diferente de qualquer coisa que já tivesse sentido nessa vida com uma mulher, mas ele não podia, principalmente com ela. Finalmente largou a cintura fina de sua aluna e se afastou indo até a caixa de som, ficando de costas para ela.

— Acho que… — pigarreou quando notou sua voz oscilando — por hoje é só.

— Até quinta, senhorita . — Cortou a mulher, que demorou alguns segundos para se mover, pegar a bolsa e descer a passos rápidos. Eles tiveram um momento ou ela estava imaginando coisas? Não, não estava. Assim que a porta se fechou, sentou no chão, apoiando sua testa em sua mão e suspirou. — O que merda você fez? — perguntou a si mesmo em tom de reprovação.

Quando a quinta-feira chegou, estava sentado em uma cadeira esperando chegar para começar o ensaio. A mulher chegou atrasada pedindo mil desculpas, colocou a sapatilha e começou a se alongar de maneira afobada, e aquilo estava dando nos nervos do .

— Pare com isso, . — bufou e levantou indo até ela. — Não tem problema se atrasar uma vez, acontece. Agora respire fundo… — O maitre se aproximou mais, ficando atrás dela, colocou a mão na barriga da mulher, bem em cima do diafragma, o que fez ela ficar nervosa pelo toque repentino. — Respire soltando a barriga, inspire puxando a barriga. — Ela acompanhava a fala dele fazendo o que lhe foi pedido. O nervosismo estava a tomando cada vez mais, principalmente pela respiração do seu professor próxima a sua nuca. — Está rígida, . — O levou as mãos até os ombros e pressionou-os, tentando fazê-la relaxar. — Vamos, primeira sequência de saltos.

se posicionou em uma ponta da sala e disparou fazendo os saltos, ela respirou fundo quando chegou ao outro lado, pois viu a expressão descontente de seu professor. Ele pediu para ela fazer alguns movimentos da coreografia olhando para o espelho e a bailarina já até podia imaginar o que viria pela frente.

— Me desculpe, Uchitel .

— Por que está se desculpando? — parou atrás dela, um pouco para a esquerda para poder vê-la pelo reflexo do grande espelho, que cobria a parede inteira daquela sala. Os olhos verdes estavam vidrado em si, ela conseguia sentir o calor do corpo do homem, seu coração batia rápido e ela mordeu o lábio tentando dissipar os pensamentos impróprios. — Não se desculpe, concentre-se e faça de novo. — se posicionou e ele suspirou em reclamação. — Aqui… queixo erguido. — Levantou o rosto dela com dois dedos e desceu a mão, levando a outra junto até os ombros. — Ombros para trás… — desceu ainda mais as duas mãos —, cintura dessa forma. — Posicionou melhor a aluna e quando voltou os olhos a face dela, a viu ficando vermelha e isso o desconcentrou. — Você… sabe o que é necessário fazer, .

— Sim, eu sei.

— Então faça! — se exaltou sem perceber, fazendo se assustar. Ele tinha fodido a relação com sua aluna e estava se sentindo culpado por isso. Ele podia colocar a performance dela em risco por um mero deslize, um movimento feito por impulso. — Perdão. Estamos próximos do espetáculo, talvez eu esteja sobrecarregado auxiliando você e o .

— Sinto muito, . Quer parar por hoje?

— Talvez seja melhor o assumir daqui, . — Ela virou para ele com rapidez, com os olhos saltados, e quase caiu quando se chocou ao corpo de , que a segurou pela cintura com firmeza. A garganta do secou na mesma hora, sua boca parecia ainda pior, o peito descia e subia com a respiração acelerada de repente. Os olhos conectados mais uma vez, ele não conseguia soltá-la, era quase como um ímã, a força contrária fazia com que ele ficasse preso a ela.

— Por favor, não desista de mim. — A falou em um fio de voz.

Ele sabia que poderia se arrepender daquilo em algum momento, porém não conseguia mais ignorar o que estava acontecendo. Os olhos ônix desceram até os lábios rosados e carnudos da bailarina, e a língua dela automaticamente passou pelos lábios discretamente notando para onde ele olhava. A mão grande do foi até a nuca de e a puxou acabando de vez com a distância que os separava. Os lábios se tocaram lentamente, os olhos fecharam para aproveitar o contato que causou arrepios no corpo dos dois. As línguas foram tímidas, mas assim que se encontraram, pareciam ansiar por aquele beijo há muito tempo, enrolaram-se de maneira sensual e necessitada.

Separaram-se por falta de ar e assim que se acharam no olhar um do outro, corou e pigarreou, afastando-se. Dali em diante continuaram a aula de maneira mais profissional que podiam, ou que precisavam. Quando terminaram o ensaio, arrumava sua bolsa e o maitre a assistia calado, pensava em várias coisas para dizer, entretanto, nenhuma parecia ser o suficiente ou apropriada. Estava se martirizando por ter cedido aquilo que nem ele mesmo sabia o que era, em plenos 36 anos, nunca sentiu algo parecido. Fugiu tanto de se envolver com alguém que nem sequer permitiu-se sentir, até conhecer de perto, sendo obrigado a sentir e o mais surpreendente, cedendo.

— Obrigada pela aula, uchitel. — A voz melodiosa o tirou de seus pensamentos.

, espera! — A chamou no ímpeto, porém não sabia o que falar.

— Não precisa dizer nada, eu sei que não podemos. — Ela sorriu sem graça e saiu dali, deixando surpreso e sem reação.

Alguns dias depois admirava a aluna de longe, os ensaios em grupo haviam começado e ele a via apenas uma vez na semana agora. Tinha que confessar que sentia falta dela, por isso estava ali, praticamente escondido assistindo ao ensaio. Vê-la dançar era como sair da realidade, você era envolvido pelas expressões, pela movimentação graciosa dos braços e a dureza das pernas, com passos firmes e bem executados. O não conseguia tirar os olhos dela, a seguia por todo o palco e imaginava o quanto demoraria para ela ir em busca do seu sonho de ser conhecida mundialmente. Ele sorriu, levantou e saiu dali assim que e Kurenai deram o dia por encerrado.

caminhava distraída pelos corredores da Bolshoi mexendo em seu celular, então não demorou muito para esbarrar em um corpo. Ela deu dois passos para trás com o impacto e pediu desculpas imediatamente, olhou para cima e viu os olhos negros sobre si. Ela engoliu em seco e depois de alguns segundos o encarando, voltou a si pedindo licença e desviando dele.

… — Ele a chamou e ela parou no mesmo instante, ainda de costas. — Estava ótima no ensaio.  — se pôs a andar, deixando a com um sorriso bobo nos lábios e pensando como ele a tinha visto se ela não o viu.

 

[...]

 

Era o grande dia, se olhava no espelho do camarim, ela respirava pesado devido ao nervosismo que estava a deixando travada. A porta se abriu, então ela olhou pelo reflexo do espelho, vendo exuberante em um terno azul marinho. Ela curvou um dos cantos dos lábios e o homem apenas encostou na parede, colocando as duas mãos nos bolsos, como de costume. A bailarina o olhava ansiando alguma palavra ou gesto, depois daquele beijo, que a deixou pensando em várias possibilidades, eles ensaiaram de maneira quase robótica, mal se olhavam nos olhos.

— Como está? — Foram as primeiras palavras de .

— Nervosa… Sinto que meu coração pode sair pela boca a qualquer momento. — Ela levantou e virou para o maitre, que a mirou de cima a baixo de maneira lenta e admirável. As sapatilhas perfeitamente colocadas, a meia calça branca, a saia de tule e o colan marcando as mais belas curvas, os seios pequenos pareciam esculpidos de tão bem desenhados que ficaram dentro do tecido. Ele chegou a sentir um calafrio correr pela sua coluna ao subir mais um pouco os olhos e ver as bochechas coradas e as orbes fixas no chão.

— Está linda, senhorita . — A voz grave fez os pelos da nuca da mulher arrepiarem e seu estômago ficar inquieto, era assustador o poder que ele tinha sobre ela. — Tenho certeza que irá arrasar na estreia.

Ele deu dois passos em direção a ela, que sentiu seu coração quase saltar dentro do peito. Depois de dias os olhos finalmente estavam conectados de novo, os lábios de se entreabriram automaticamente para puxar mais ar quando sentiu tudo pesar e quando as pupilas dele desceram até sua boca, ela sabia o que viria e ansiava tanto por aquilo. Depois de semanas, tudo que ela queria era senti-lo novamente, os lábios firmes e grossos nos seus, a mão em sua cintura a segurando com posse, a língua passeando por sua boca e acariciando a sua própria, ela já podia sentir seu corpo querendo se mover até ele para sanar de vez aquele desejo.

, precisamos de você no palco em 5 minutos. — A voz se fez presente do lado de fora do camarim e o ar ali dentro pareceu voltar; o tempo começou a passar de novo. Tudo que fez naquele momento foi morder o lábio inferior e quando foi passar por ele, sentiu a mão de seu uchitel em seu abdômen.

Break a leg, — falou a expressão de boa sorte que se falava no meio teatral e ela deixou a sala com um sorriso no rosto.

Quando o espetáculo terminou, foi aplaudido de pé, os olhos de buscavam alguém que já não estava mais ali e por um mísero segundo ela se entristeceu. Contudo, lembrou de que aquele era o momento dela, então colocou um sorriso no rosto e agradeceu a todos os presentes. Pegou suas coisas no camarim e quando estava para sair da Bolshoi, a chamou, apresentou ela a algumas pessoas, três eram diretores de grandes companhias espalhadas pelo mundo, depois de uma conversa animadora, ela se despediu e foi em direção a saída. No entanto, ela viu a porta das escadas de incêndio entreaberta e lembrou de algo, então resolveu entrar ali e subir os lances de escada, quando abriu a porta recebeu o ar fresco da noite de verão e ao olhar para o parapeito, viu uma silhueta debruçada nele.

— Eu estava tão ruim assim? — O homem se virou e levantou o canto dos lábios. Ela largou a bolsa no chão e caminhou lentamente até ele.

— Você foi incrível, ainda mais do que eu achei que seria.

— Obrigada. — Desviou os olhos quando sentiu suas bochechas arderem. — Por que não me esperou?

— Eu precisava colocar a cabeça no lugar. — voltou a se apoiar no parapeito, fazendo com que o imitasse, os dois admiravam a paisagem. Não por querer, mas por precisar, afinal, quando os olhares se cruzavam eles não resistiam um ao outro.

— Eu sou o motivo dela estar fora do lugar? — Ela perguntou sem jeito, porém disse as palavras com segurança. O a encarou surpreso e mesmo assim não pôde evitar de soltar um riso anasalado, então voltou seus olhos à paisagem novamente. — Me desculpe, mas eu não posso estar alucinando, tem algo acontecendo entre nós, não?

— Algo que eu sempre evitei.

— Não quer mais evitar? — Ela virou para ele, tentando atrair sua atenção, tentava lutar, porém a verdade era que já tinha perdido essa batalha há tanto tempo. Encarou as esmeraldinas, que demonstravam um pedido mudo. Levou a mão até a cintura da bailarina e aproximou seus corpos, desenhou os traços do rosto dela com o olhar, queria guardar aquela imagem para sempre em sua memória. — Não evite, . — Ela levou a mão até o rosto dele, desceu até a nuca e dessa vez, ela colou seus lábios nos dele.

Podia sentir a calma e a paixão com que era beijada, aquilo era melhor do que qualquer coisa que já tinha experienciado. Os lábios se movendo em sincronia, as línguas deslizando uma na outra com tamanho desejo e vontade, o calor dos corpos se aquecendo e demonstrando o quanto queriam um ao outro. Ela se sentia pisando em nuvens, e sentia um preenchimento em seu coração que nunca se permitiu sentir. Por uma noite, eles se esqueceram de tudo e compartilharam o sentimento mútuo entre eles.

 

[...]

 

acordou com seu celular tocando alto, abriu os olhos com dificuldade e sorriu no momento em que se viu no apartamento dele mais uma vez. Vestiu uma camisa que estava no chão e pegou o celular dentro de sua bolsa, indo até a cozinha para atender. acabou acordando quando ela fechou a porta do quarto, foi até o banheiro, escovou os dentes e colocou uma calça de moletom. Chegou na sala e viu ainda falando no telefone, mas logo ela desligou, deixando o celular em cima da bancada e correndo pulando em seu colo, abraçando-o.

— Bom dia pra você também. — Ele riu, dando um beijo no ombro da .

— Bom dia! — Ela selou os lábios nos dele rapidamente e se pôs no chão. — Pensei em pedir algo para o café, estou com vontade de croissant.

— Claro. — foi até a geladeira e pegou um copo de água. — Aconteceu alguma coisa?

— Nada demais, me ligou dizendo que ele quer me apresentar alguém no pós-festa hoje. — Ele apenas murmurou algo inaudível enquanto ela fazia o pedido pelo aplicativo de comida.

e passaram o dia juntos, era o último dia de apresentação dela e isso estava deixando-a nervosa. Por mais que já tivesse apresentado 10 vezes a mesma coreografia, a última sempre seria a mais importante, afinal, iriam críticos de toda a cidade para escrever suas conclusões do espetáculo e dos bailarinos. No fim da tarde os dois chegaram separados na companhia, apesar de não ter nenhum problema em existir relações entre alunos e professores, eles eram discretos. foi direto para o camarim se preparar, e tomou o rumo da sala de , porém não o achou lá.

O estava preocupado com quem quer que fosse que o fosse apresentar para , fosse um diretor de outra escola, um fã, um admirador, seja lá quem fosse o sentimento de ciúmes foi tomando seu corpo. Respirou fundo e foi buscar sua encomenda em uma loja perto da companhia. O espetáculo foi deslumbrante, como todos os outros, definitivamente era o brilho daquele palco, ela se destacava mesmo estando na companhia de vários bailarinos, era hipnotizante vê-la dançar e nunca se cansaria de admirá-la.

Com o fim do espetáculo, todos aplaudiram e foram para o salão principal, onde teria a festa de encerramento do espetáculo de verão. aguardava nervoso a chegada de sua amada, queria ser o primeiro a falar com ela, mas não quis ir até o camarim para poder ver a entrada triunfal que ela faria. surgiu na porta com um vestido rosa claro até os pés, o corpete desenhava seu tronco de maneira escultural, ela estava acompanhada de , o outro bailarino principal da peça e todos aplaudiram os dançarinos. Os olhos verdes foram direto para o maitre, que segurava um buquê de tulipas azuis, sua flor preferida. Ela sorriu e ele foi até ela, entregando-lhe o buquê.

— Você estava radiante. — curvou os lábios.

— Obrigada, Uchitel.

! — surgiu atrás do , que saiu da frente de sua aluna, virando para o Umino, dando de cara com outro homem com ele, o qual ele conhecia bem. — Preciso te apresentar meu amigo, Asuma Sarutobi.

— É um prazer, minha jovem. — Asuma pegou a mão de e beijou o dorso. — Você é uma bailarina exuberante. Posso dizer que me deixou sem palavras.

— Obrigada, senhor Sarutobi. — Ela sorriu.

— Você já ouviu falar na American ballet theatre? — arregalou os olhos, surpresa.

Asuma explicou para ela o que estava propondo, a não podia estar mais feliz e queria tanto compartilhar com , mas não conseguia encontrá-lo, estava tão feliz e ansiosa para ver a reação do homem que ela amava. Então deu um estalo em sua mente, ele só podia estar em um lugar. Começou a subir as escadas, em certo momento tirou os saltos e os carregou nas mãos até chegar no telhado e ver o homem que queria. Ela mordeu o lábio sorrindo enquanto ainda recuperava sua respiração, a mirou e arqueou uma sobrancelha.

— Aconteceu alguma… — Foi interrompido por um beijo afoito.

Quando ela se afastou, começou a falar:— Aquele homem, , é o diretor da companhia de balé de Nova York. — Os olhos dela brilhavam. — Ele me convidou para estudar lá! — Ela falava animada e com um sorriso enorme. sentiu seu coração disparar, mas já esperava por isso, afinal, ele viu que o talento dela era grande demais para ficar apenas em seu país.

— Você ainda vai conhecer o mundo inteiro, . — Ele acariciou o rosto dela e beijou sua testa, ao se afastar, sorriu. — Vamos descer pra comemorar! — Ele pegou na mão dela e a guiou, não queria que ela pensasse demais sobre isso, assim como ele o estava fazendo, pelo menos não agora. pegou os sapatos no caminho e desceram para o salão novamente para brindar com uma bela taça de champanhe e por pelo menos uma noite, esquecer de que nessa nova aventura de sua vida, ela embarcaria sozinha.

Alguns dias se passaram e toda a documentação de estava sendo preparada para a sua transferência para Nova York. e andavam com ela para cima e para baixo ajudando em tudo que a precisasse. Suas amigas estavam felizes por ela, porém também estavam um pouco tristes, afinal, sempre foi as três contra tudo e todos.

— Eu vou sentir tanto a sua falta, Saky. — falou, murchando os ombros, e concordou com uma expressão de tristeza.

— Eu também vou sentir muito a falta de vocês.

vai com você? — perguntou animada e logo franziu o cenho, ela estava tão ocupada organizando tudo, e o também estava ocupado na companhia, que eles mal tinham se visto depois do pós-festa. — Desculpa, eu…

— Não conversamos sobre isso. — a cortou e as amigas ficaram em silêncio. — Eu… preciso ir. — Ela abriu a bolsa, pegou duas notas e deixou na mesa, saindo dali depressa. Como ela não tinha perguntado isso para ele? Andou a passos apressados até o apartamento do maitre, que era há poucas quadras da cafeteria onde estava. Bateu na porta de madeira uma, duas, três vezes, até abri-la e notar a expressão assustada e ao mesmo tempo ansiosa de sua aluna. Ele se afastou dando espaço para ela entrar, fechou a porta e virou-se para ela.

— Aconteceu alguma coisa, ?

— Você vai comigo para Nova York? — Ela estava de costas para ele, que finalmente entendeu o motivo dela estar abalada, ficando em silêncio por tempo demais. — Me diga que você vai… — Ela virou, revelando os olhos marejados.

, eu… — Ele respirou fundo procurando as palavras certas, mas a verdade é que naquele momento, não haveria uma forma de dizer aquilo. — Eu não posso.

— Como? Por quê? — As lágrimas não pediram permissão para rolarem. — , você… — Ele foi até ela e a abraçou com força, doía como o inferno vê-la daquela forma, o quebrava por dentro de tantas formas.

— Eu amo você e você sabe disso, não tem nada que me doa mais do que dizer que não vou poder estar com você. — Ela chorava em seu peito enquanto ele passava os dedos pelos fios rosas, afagando-os.

— Não! — Ela se afastou para olhá-lo nos olhos. — Se me amasse iria comigo!

— Eu não posso quebrar o contrato com a Bolshoi.

— Então eu espero seu contrato acabar! — Ela falou como se tivesse encontrado a resposta de todos os problemas. — Não quero ficar longe de você.

— Você não pode ficar esperando por mim enquanto as oportunidades passam por você, . — Ele falava com dificuldade, sentia o bolo em sua garganta se formar, mas não podia deixá-la perder de fazer uma carreira por ele. — Eu tenho um contrato de 5 anos com a companhia e eu não vou pedir que fique, se espera por isso, sinto muito, não vou deixar você desistir dos seus sonhos.

— Essa escolha é minha, ! — A gritou, tentando segurar o choro que insistia em sair.

— Eu ficaria arrasado se eu fosse um empecilho na sua vida. — Ele engoliu em seco. — Por favor, , não faça isso.

— Você nunca vai ser um empecilho, não fale dessa forma! — não entendia o que estava acontecendo, o parecia não se importar com ela, parecia que tinha deixado de amá-la. Pelo menos para ela, era isso que parecia, no entanto, a maturidade de de sofrer distante dela para vê-la conquistar tudo que sonhou era a mais bela prova de que a amava demais para deixar que algo atrapalhasse sua carreira.

— Se decidir ficar em Moscou... Será sozinha, . — falou sério e o mundo da simplesmente desabou.

— Eu nunca deveria ter me envolvido com você, . — Ela pegou sua bolsa e saiu batendo a porta com força, deixando o homem desolado e com o coração partido em mil pedaços.

 

[...]

 

despedia-se de suas amigas no aeroporto e seus olhos iam em direção ao corredor extenso, mas ela tinha que aceitar que ela e tiveram um fim conturbado e era óbvio que ele não iria. Depois da briga que tiveram, ela o evitava a todo custo na companhia e com toda essa situação o melhor seria mesmo ir. Respirou fundo e foi indo em direção ao embarque, entregou sua passagem e passaporte para a recepcionista, porém antes que pudesse cruzar a porta ouviu seu nome e franziu o cenho.

! — Seu nome foi proferido de novo, deu dois passos para trás e então o viu, correndo entre as pessoas para chegar nela. Ela sorriu desacreditada, ele estava ali, estava ali. Ela largou a mala e deu mais alguns passos para frente, sentiu os braços dele rodearem sua cintura a tirando do chão. — Eu precisava te ver antes de você partir. — Ele disse baixo, próximo de seu ouvido. Afastaram-se e os olhos conectados diziam tudo o que precisava ser dito.

— Que bom, porque eu pensei o mesmo. — Ela acariciou o rosto dele sentindo seus olhos arderem e um sorriso sincero brotou em seus lábios.

— Eu vou te esperar, bem aqui. — A mordeu o lábio e sentiu algumas lágrimas molharem seu rosto. — Ganhe o mundo, . — Ele deu um selinho nela e curvou os lábios. A bailarina pegou a mala e sem quase conseguir tirar os olhos do homem que amava, entrou na sala de embarque. respirou fundo quando a perdeu de vista, tirou do bolso uma caixinha de veludo pequena dando uma pequena olhada nela antes de apertá-la em sua própria mão. — Eu espero o tempo que for por você.






Fim.


Nota da autora:

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