Codificada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 13/04/2025.Estava em tempo de abrir o chão, havia perdido a conta de quantas voltas já havia dado em meu quarto pensando no que fazer. Eu tinha que arranjar a desculpa perfeita para atrair a polícia de uma forma que eles quisessem ficar próximos a mim a qualquer custo. O plano já estava todo armado: eles iriam receber um chamado anônimo de um suposto vizinho dizendo que uma garota havia sofrido um atentado em sua casa, a polícia viria até mim e eu só precisava dizer que foi a máfia com a qual meu irmão estava envolvido, só. Isso faria uma trupe de policiais ficar na cola de qualquer pessoa, porém, essa era a parte fácil da coisa toda. Eu precisava me causar ferimentos de tal forma que nem o melhor legista do mundo pudesse identificar que eles foram feitos por mim. Mas como diabos eu iria fazer isso? Não poderia envolver ninguém nisso, era arriscado demais, haviam digitais, e um fio de cabelo de outra pessoa com meu sangue e ela estaria perdida, assim como a minha parte da missão.
Parei no centro do quarto e olhei os móveis à minha volta, teriam que servir.
Corri até a penteadeira tentando acertar a minha cabeça na quina do móvel.
— Merda.
Senti minha cabeça latejar na hora e me xinguei imediatamente, uma puta dor de cabeça para nenhum filete de sangue. Teria que ser em outro lugar. Encarei o espelho acima da penteadeira e juntei toda minha coragem pra jogar minha cabeça contra ele, fechei os olhos assim que senti os estilhaços se partirem contra meu crânio, a ardência no canto de minha testa veio logo depois, trazendo pequenos cortes consigo. A pancada havia sido tão forte que mal consegui conter o grito de dor. Ótimo, os verdadeiros vizinhos não poderiam negar que tinham escutado algo.
Notei uma gota de sangue pingar em um dos meus perfumes e decidi aproveitar aquela deixa, empurrando tudo que havia ali para o chão só para depois golpear a minha cabeça ao menos três vezes naquela superfície plana e branca, deixando um rastro de sangue notável.
Caminhei devagar até o outro espelho querendo ver os meus resultados, a dor já começava a ficar grande demais, mas assim que olhei meu reflexo, senti que faltava algo: meu cabelo estava quase impecável, porém eu soube como resolver assim que meus olhos encontraram o banheiro.
Fechei o ralo da banheira e abri a torneira deixando que ela fizesse seu trabalho enquanto eu terminava o meu. Usei o secador para deixar o meu cabelo o mais bagunçado possível e arranquei alguns bons fios de cabelo somente de um lado da minha cabeça, descartando-os no vaso sanitário logo depois. Havia tomado o máximo de cuidado possível para não encostar minhas unhas em meu couro cabeludo, não poderia haver nenhum vestígio nelas.
Olhei-me mais uma vez no espelho e sorri feito uma psicopata admirada com meu trabalho, enquanto tentava não pensar na dor. O meu rosto estava perfeito para o meu objetivo. Eu só tinha que dar um jeito no meu corpo e estaria tudo pronto.
A banheira estava quase cheia e eu tinha pouco tempo. Juntei toda a coragem que eu ainda não tinha usado e me afastei com o secador em minhas mãos, ainda ligado na tomada, se aquilo não desse certo e a polícia não chegasse a tempo eu iria parar no necrotério. Puxei tudo o que havia de fio no aparelho tomando distância da entrada do banheiro, quando senti que não dava mais, parei no lugar e implorei a Deus que aquilo desse certo, eu não queria morrer, principalmente daquela forma. Olhei para o relógio em minha parede, a polícia já havia sido acionada pela equipe, era hora do truque final.
Fechei meus olhos e arremessei o secador na banheira que já transbordava e espalhava água pelo banheiro, mal pude o ver cair na água, o curto foi certeiro, tudo ficou escuro em questão de segundos. O secador continuava estralando, soltando faíscas vez ou outra.
Escutei sirenes ao longe e vi que estava na hora do truque final, eu não tinha mais do que alguns minutos. Dei alguns passos para trás tomando distância do espelho, tentando ao máximo não pensar no que faria a seguir. Coloquei todas as minhas forças naquilo e me atirei contra o grande espelho que estava à minha frente.
Os pedaços de vidro estavam por toda parte, assim como o meu sangue muito provavelmente. O estalo do meu corpo se chocando contra o chão depois do golpe no espelho foi inconfundível, eu havia quebrado uma costela e choviam vidros em mim, queria gritar, mas não tinha forças. Quando o secador soltou outra faísca, pude notar duas coisas, uma: água da banheira já invadia o meu quarto, dois: se alguém não me encontrasse logo, eu iria morrer.
Sentindo meus cabelos empapados de sangue e ouvindo passos ao longe, deixei a escuridão me dominar.
POV. Nicolás
Eu sentia meu coração disparar a cada passo que eu dava, disparava tanto que por vezes eu pensava que ele iria parar de bater. Metade da casa havia sido vasculhada e nada parecia fora de seu lugar, parte de mim dizia que aquilo poderia ser uma armadilha, mas outra parte me incentivava a continuar, eu só não entendia por que diabos meu coração estava daquele jeito, era como se ele estivesse pressentindo algo. A casa estava totalmente escura, nenhuma luz funcionava, que merda havia acontecido ali?
Subi as escadas em direção ao segundo andar pestanejando por aquela porcaria de escuridão, o lugar era enorme e as lanternas embutidas nas armas eram uma porcaria maior ainda. Estava quase abrindo uma porta quando escutei um estouro vindo da outra direção, o barulho foi tão grande que eu quase disparei a minha arma por reflexo, um ato burro. Corri na direção oposta e um odor de algo queimando invadiu minhas narinas, foi quando notei que uma das portas exalava fumaça. Por algum motivo eu temi o que encontraria ali, meu coração bateu ainda mais rápido.
Guardei minha arma e cobri meu rosto, algo me dizia que eu precisaria da minha mão livre quando entrasse ali, além de eu ter o resto da minha equipe com a arma em punho logo atrás. Dei sinal para que três dos meus homens me acompanhassem e me empenhei em derrubar a porta. A fumaça era absurda, se já era difícil enxergar no escuro, naquele quarto era praticamente impossível. Estava a ponto de adentrar o ambiente quando algo chamou minha atenção, tinha água correndo no quarto. Água, estouro, fumaça. Senti meu coração parar por dois segundos.
Peguei a lanterna da mão de e apontei para o quarto. Não era uma armadilha, havia uma pessoa lá, parecia que estava morta, mas algo me dizia que ainda havia esperança para aquela vida, que talvez pudesse ser salva. Não pensei duas vezes antes de entrar no quarto, apontava a lanterna para o chão na tentativa de evitar a água, eu não queria ser eletrocutado. A cada passo que eu dava em sua direção eu sentia meu coração acelerar mais, foi absurdo o modo como ele disparou quando eu a encontrei. Segurei seu rosto em minhas mãos e achei que fosse descobrir como era ter um infarto. O seu rosto tinha traços tão familiares que eu me senti assombrado, a semelhança era assustadora. Não era à toa que diziam que para uma pessoa existem mais 7 parecidas.
Eu teria ficado naquele devaneio por horas se não tivesse escutado outro estouro e não tivesse me chamado. Olhei novamente para a garota em meus braços e desejei com todas as minhas forças que ela estivesse viva. Levei meus dedos ao seu pescoço e quando pude sentir sua pulsação irregular, meu coração pareceu se acalmar instantaneamente.
— — chamei com um tom de desespero, não sabia se pela água ou se pela impressão que havia acabado de ter. — Joga a sua jaqueta, rápido — gritei.
estava quase entrando no quarto e eu quis matá-lo, ele não tinha notado a água?
— NÃO ENTRA AQUI — gritei mais alto — Só joga a sua jaqueta, faz o que eu to mandando antes que a gente a perca.
O tecido foi arremessado em minha direção de forma tão rápida que eu quase não consegui pegar. Depois de cobrir com a jaqueta a garota que estava só de toalha, me levantei da forma mais rápida possível com ela em meus braços. Coloquei a lanterna na boca e fiz o caminho de volta ao corredor.
Meus olhos continham uma umidade indescritível, e eu sabia que não era pela fumaça.
Olhava para a garota repousada na cama hospitalar e não conseguia encontrar nenhuma outra resposta – além da mais óbvia – para aquela tentativa de homicídio. Aquilo me parecia uma cobrança de dívida, mas de que tipo? Drogas? Dinheiro de jogo? Informações? Eu apostaria em drogas. O que levava uma garota como aquela a se envolver com coisas do tipo? Jude, pelo que eu havia visto até o momento em minhas investigações, parecia ter uma vida perfeita, e agora estava em um estado lastimável, foi surrada e deixada para morrer. Tinha outra hipótese que eu pudesse levantar além de drogas? Não sei, talvez eu estivesse sendo muito raso. A pior parte (depois da garota quase ter morrido) era a falta de pistas no caso. Depois que ela foi resgatada, a pareicia tomou conta da casa e nada foi encontrado, nenhum fio de cabelo, nenhuma pegada e nenhuma digital que não fosse de pessoas próximas. Quem fez isso era extremamente profissional, provavelmente um assassino de aluguel. Eu tinha até cogitado que ela pudesse ser esquizofrenia e ter feito tudo aquilo sozinha, por mais insano que soasse, mas os exames não detectaram nada, ela era perfeitamente normal. O que nos levava de novo à estaca zero. Só teríamos resposta quando ela acordasse.
Faziam dois dias que ela estava no hospital, em coma. Havia tantos hematomas em seu rosto, mas ainda sim, era possível ver como era bonita.
Não conseguimos contato com ninguém da família, o mais perto que chegamos foi encontrar sua melhor amiga, que por sinal era sua vizinha. Segundo ela, os pais de se encontravam no Egito, totalmente incomunicáveis, e seu irmão, Lucas, não aparecia em casa já a uns bons dias. Aquilo me incomodou um pouco, teria algo haver?
Outra coisa que estava me incomodando bastante era o Nicolás. Ele andava um tanto quanto perturbado desde que saiu da casa com a garota nos braços. Murmurava coisas sem sentido toda vez que olhava para ela, fora o fato de eu ter certeza que ele chorou quando tirou ela do quarto – mesmo ele tendo negado e colocado a culpa na fumaça. No começo eu achei que era só emoção por ter salvo uma vida, mas tinha algo mais que isso, algo que ele não queria me contar. Estávamos revezando a segurança no quarto do hospital onde ela estava, caso alguém tentasse ataca-lá outra vez, e Nicolás assumia uma postura estranha cada vez que entrava no ambiente. Era como se ele tivesse medo dela e ao mesmo tempo sentisse uma preocupação absurda com seu estado, e era mais que uma preocupação de um policial com um caso.
Fui tirado de meus pensamentos por uma tosse baixa, vinda da cama em minha frente. Ela estava acordando. Pensei em apertar o botão de emergência perto da cama, mas achei melhor não, temi assusta-lá se chegasse perto demais. Levantei da cadeira e fui em direção a porta, chamando a primeira enfermeira que vi no corredor. Encostei-me ao batente, observando a enfermeira tomar notas sobre a paciente — que ainda não tinha aberto os olhos por completo — só para sair logo depois dizendo que iria chamar um médico.
Aproximei-me da cama com as mãos no bolso da calça.
— ? – Chamei por seu nome, vendo seus olhos se abrirem devagar. Eles eram tão verdes, tão brilhantes. Faziam uma sincronia perfeita com seus cabelos levemente acastanhados.
— Eu não morri? – Perguntou mais para si mesmo do que para mim, com a voz fraca.
— Não, você não morreu. – Respondi com um riso, voltando a me sentar na cadeira. Por que todo mundo que acorda num quarto de hospital depois de um acidente acha que morreu? Seria pelas paredes brancas e a claridade gritante? – Você sofreu uma tentativa de homicídio, mas graças a uma ligação anônima e a ação rápida da polícia, se salvou. – Ela me olhava atentamente enquanto eu relatava a situação – Você ficou em coma por dois dias.
Eu esperava qualquer reação, menos uma risada.
— Desculpe, eu disse alguma coisa engraçada? Está tudo bem com você? – perguntei, me sentindo perdido.
Mesmo puxando um pouco o ar para falar, ela respondeu mais do que depressa.
— Eu estou numa cama de hospital, é claro que eu não estou bem. – respondeu, num tom grosseiro, mas sua voz voltou ao que parecia ser o seu normal logo depois – Eu só estou feliz por estar viva.
Senti-me constrangido na mesma hora por sua resposta afiada, mas ainda sim, achei sua reação estranha. De novo pensei que ela pudesse ser esquizofrênica.
— Certo, me desculpe. Eu só não esperava esse tipo de reação, é que uma pessoa normal teria ficado assustada.
— É – ela concordou – e só uma sádica daria risada não? – Rebateu de forma irônica. — Você é psicólogo por acaso para me dizer se eu sou ou não normal?
Céus, como ela era afiada, apesar da voz fraca, se fazia ouvir em alto e bom tom. Baixei minha cabeça tentando pensar em uma resposta para aquilo. Entretanto, não havia. Decidi mudar de assunto então. Voltei a olhar para ela, que ainda tinha seus olhos em mim.
— Quer saber quem eu sou?
— É meio óbvio, eu não preciso de explicações. – Respondeu de forma grosseira, apontando a cabeça para o bracelete da polícia que estava acima do meu cotovelo, por cima do blazer preto.
Irônica, grosseira, esquisita e provavelmente masoquista. Eu estava tentando ser cuidadoso devido a seu estado, mas já que ela parecia não se importar, eu também não me importaria.
— Certo, você não precisa, mas a polícia sim. – disse sério, já de pé – Assim que o médico chegar eu irei pedir uma autorização para recolherem seu depoimento, já que você parece em perfeitas condições, mesmo no seu estado.
— Fala comigo como se eu fosse uma criminosa, eu sou a vitima aqui. E eu não tenho nada a esconder – ela fez uma pausa, olhando para a etiqueta do hospital no meu blazer – Policial Green.
— Eu não disse que você tinha – respondi rápido, me sentindo surpreendido com suas palavras. Ela havia se entregado sozinha, assim que ela ouviu minhas palavras ficou quieta, seu sorriso irônico sumiu, ela abriu a boca duas vezes para falar algo, mas acabou desistindo.
O médico entrou no quarto, me tirando a chance de fazer-lhe qualquer pergunta. Não havia problema. Mais cedo ou mais tarde, eu iria descobrir o que escondia Jude.
POV.
O meu plano havia dado certo. Na verdade, tinha saído melhor do que eu esperava, eu não pretendia entrar em coma, mas como aconteceu, era algo mais a meu favor. Pobre .
Eu não parecia ser suspeita do crime, então decidi melhorar meu plano, só para me assegurar de que a polícia iria mesmo querer ficar perto de mim, então em vez de apenas dizer que meu irmão pertencia à máfia, eu daria a entender que estava escondendo algo, e pareceu funcionar. O tal havia ficado um tanto quanto inquieto quando eu deixei escapar aquelas palavras, não deixou de me olhar estranho desde então.
Quando o médico entrou para me analisar ele pegou um celular e foi para o corredor, me tirando a chance de observá-lo melhor. Já sabia que ele estava intrigado comigo, mas queria mais. Talvez provocá-lo, me desse algo. Isso não seria tão difícil, uma vez que eu era mestre em irritar as pessoas e fazia com mais gosto ainda quando eu não ia com a cara de alguém, o que era o caso dele, ainda estava inconformada que ele praticamente me chamou de anormal.
Ele parecia ter saído de um filme policial, tinha um ar de mocinho de trama romântica e era o típico galã que faria a protagonista suspirar. Seus cabelos eram castanhos e seus olhos eram contrastavam entre o castanho e o verde, sua pele era clara e a boca perfeitamente desenhada, contendo um tom levemente rosado. Vestia calças skinny na cor preta e seu peito estava coberto por uma blusa branca, com um blazer na mesma cor de sua calça. Típico.
Sai de meus devaneios quando o médico me disse que eu era uma garota de sorte por ter sobrevivido, agradeci mentalmente a Deus por me ajudar a sair viva daquele quarto, apesar da minha loucura – que no final, era por um bom motivo. O doutor também disse que minha alta viria de acordo com minha evolução. Ele saiu logo depois, mas não sem antes me dizer para agradecer ao policial que havia salvado a minha vida.
Então havia sido quem me tirou do quarto antes que a água chegasse até mim? Droga, eu ia ter que ser agradecida justo com aquele cara? Infelizmente parece que sim.
Vi minha chance de agradecer quando ele entrou no quarto novamente. O policial Green caminhou até perto de minha cama e se sentou na cadeira, sem me dizer uma palavra, em seu rosto só havia um sorrisinho cínico.
— Então – comecei – você foi o policial que salvou minha vida?
Ele riu.
— Não – respondeu mudando de posição na cadeira, seu cotovelo estava apoiado no braço do móvel, e ele despenteava o próprio cabelo. Sua outra mão repousava em seu colo, segurando seu celular. – Foi Nicolás.
— Nicolás? – quem era Nicolás?
— Meu parceiro, ele arriscou ser eletrocutado pra tirar você de lá, poderia ter morrido. — Eu estava doida ou ele estava reclamando?
– E depois disso você o espantou com esse seu mau humor? — Retruquei, no mesmo tom.
Ele bufou, demonstrando que estava irritado, e por dois segundos eu achei que ele iria me sufocar com o travesseiro.
— Ocupado com coisas mais importantes. Aliás – fez uma pausa cruzando os braços e assumindo uma postura mais séria – eu preferia estar no lugar dele a ter que ficar cuidando de uma garotinha mimada, grosseira e sem educação. E eu não deveria nem ter que te lembrar de que eu represento a lei, então você deveria ter um pouco mais de respeito quando se dirigir a mim.
Grosso
— Essa é a sua análise sobre mim? – questionei irônica, me ajeitando na cama – Excelente, . — Frisei seu nome, o pirraçando de propósito.
— Você só me mostrou isso até agora. Além do mais, acredito que você já esteja metida em encrenca demais, e não gostaria de ser presa por desacato. E para você, é Oficial Green.
Ele sabia quem eu era? Meu Deus, que cara insuportável. Pelo menos eu não era obrigada a ser gentil com ele, uma vez que não foi ele quem me salvou.
— Vê se eu vou levar a sério alguém cujo o sobrenome é Green. Descansa, Shrek. E você nem é verde. — Cutuquei debochando de seu nome, só para depois rir de minha própria piada, mesmo que fosse sem graça.
— Já chega – ele disse se levantando – Eu tentei ser gentil com você, mas já que você tá ótima pra fazer piadinhas, eu posso muito bem pedir uma autorização pra te levar pra delegacia assim que você tiver alta.
Observei o policial retirar uma algema do bolso de trás da calça. Ah mas ele não ia mesmo.
Puxei meu braço assim que ele se aproximou com uma das algemas.
— Olha só — comecei, olhando bem feio em seus olhos avelã — você tem um sério problema de mau humor. – Além do mais – fiz uma pausa, mudando o meu tom de voz para um tom sexy e diminuindo em um sussurro quase inaudível – só deixaria você me prender em um outro tipo de cama.
Ele me olhou incrédulo por quase um minuto. Estava quase rindo da cara dele quando ele pegou um rádio no bolso de seu blazer e chamou uma viatura. Como foi que eu deixei a minha boca grande me foder tão rápido?
Formulei na minha cabeça uma desculpa o mais rápido que pude, eu queria a polícia na minha cola, mas isso não poderia ser na cadeia. Estava prestes a falar quando a porta do quarto foi aberta, revelando um moço de aparência jovial que tinha mais ou menos a minha altura.
andou até onde ele estava e se dirigiu ao rapaz, que mantinha os olhos em mim. Olhei o bracelete em seu braço. Nicolás.
Talvez pelo sentimento de gratidão, meu sorriso se abriu instantaneamente.
— Você chegou na hora certa, Nicolás.
Aquele policial parecia mais amigável.
Seus olhos estavam em mim, ele sorria ignorando completamente o seu parceiro.
— Você acordou! – Disse, ainda sorrindo. Meu sorriso se alargou, foi quase de imediato.
— É, ela acordou, e eu vou levar ela para a delegacia. – Disse , tomando atenção do rapaz parado na porta que finalmente pôs atenção em seu amigo.
— Não – respondeu, sem entender o outro policial direito – Ela acabou de sair do coma, você nem deve ter autorização pra tirar ela daqui, sem falar que depois ela pode dar o depoimento sem sair do hospital.
bufou.
— Ela tá presa. – o outro policial fez uma careta de confusão, e quando ia perguntar o porquê, se apressou em responder – Por desacato – explicou, vendo que seu parceiro não entendia a situação — assim que ela tiver alta ela vai pra delegacia, vou deixar dois policiais na porta.
— Eu não fiz nada. – me intrometi, adoçando o tom da minha voz. – Você me chamou de anormal, sua presença estava me incomodando, eu só queria te irritar pra que você saísse do quarto. – Menti.
— Primeiro, eu não te chamei de anormal, isso foi o que você interpretou. Em segundo, se era só isso, por que não me pediu? Eu teria ficado do lado de fora do quarto.
Fiquei sem ter o que responder. O quarto ficou em silêncio por alguns segundos, até o outro policial começar a falar.
— Qual é cara, ela só está com medo! – Ele se dirigia a , mas gesticulava na minha direção. – Não precisa ter medo, nenhum de nós vai te machucar — completou, me olhando de forma terna.
Eu tinha minhas dúvidas quanto a isso caso alguém descobrisse minha identidade.
Quando ele começou a caminhar na minha direção, pude olhar seu rosto melhor. Seus olhos eram azuis e oscilavam para o verde cada vez que a luz entrava pela janela e batia em seu rosto, seus cabelos eram um pouco mais castanhos que o meu. Ele não parava de sorrir.
— Obrigada – disse baixo.
Ele assentiu, sentando-se, na cadeira e colocando uma caixa marrom em seu colo. Ia começar a falar quando foi interrompido pela porta batendo.
tinha saído.
— Nervosinho – disse Nicolas, e eu ri, mas ainda queria perguntar algo, então me recompus.
— Eu ainda vou presa? – mordi meu lábio com medo da resposta.
— Não – Nicolás respondeu com um risinho e eu senti um alívio. – Ele não vai fazer nada, você pode ficar tranquila, eu não vou deixar.
Ok, esse policial era mais legal, e ele parecia preocupado o suficiente comigo, eu não precisava fazer mais nada, então procurei saber mais sobre seu parceiro.
— Ele é sempre assim? – perguntei.
— Não, ele só anda estressado nos últimos dias. Não é fácil ser filho do chefe. – Sorriu.
— Ele é filho do chefe? – Aquilo era interessante. Se eu conseguisse que ele ficasse na minha cola eu poderia conseguir informações mais fácil ainda.
— Sim, por quê? – Quis saber o policial Nicolás, erguendo sua sobrancelha.
— Nada, só sou curiosa. – dei de ombros, mentindo. Eu era curiosa mesmo, mas não era por isso que eu havia perguntado.
— Então temos uma coisa em comum. – disse sorrindo outra vez, seus dentes eram perfeitamente brancos – E no momento eu estou curioso para saber como você está.
— Minha cabeça ainda dói um pouco, minha cintura fica latejando, e também sinto um pouco de desconforto quando eu falo muito rápido ou dou risada, mas acho que eu tô bem dentro do possível – Respondi, parando pela primeira vez desde que acordei para analisar minhas dores.
— É normal — ele assentiu — você sofreu pancadas fortes e quebrou duas costelas.
— Duas? – eu pensei que fosse só uma.
— Sim.
Superou-se, .
Olhava pela janela do quarto apreciando o pouco de sol que entrava e batia em minha pele. O ambiente tinha ficado em silêncio pelo que eu supus ser quase cinco minutos. Eu não me importava, Nicolas parecia agradável, mesmo quando não dizia nada. Estava me lembrando de que não deveria me sentir confortável assim – mesmo que ele tenha me salvado da minha própria armadilha – afinal ele poderia ser um dos meus suspeitos. Ele começou a falar novamente.
— Eu fico muito feliz que você tenha acordado. – Ele soava sincero. – Eu fiquei com tanto medo quando vi você naquele quarto – ele fez uma pausa, parecendo perdido no tempo, e fez uma expressão que eu não consegui interpretar – eu achei que você estivesse...
Ele parou de falar, sem conseguir completar a frase, sua cara amarga me fez ter a impressão de que seu estômago estava embrulhado. Seria ele tão bom policial que sentiria remorso por não poder salvar uma vida?
— Morta – completei sua frase e ele assentiu.
Decidi mudar de assunto, uma vez que aquilo parecia deixar ele perturbado.
— Você pode me dar um copo de água? – pedi olhando para o filtro no canto do quarto.
— Claro.
Ele se levantou e deixou a caixinha marrom na cadeira, voltando logo depois para ajeitar a cama de modo que eu pudesse me sentar, logo depois me estendeu o copo de plástico, cheio. Vi ele pegando novamente a caixinha nas mãos, o interessante é que ele estendeu ela na minha direção.
— Ninguém merece comida de hospital. – disse sorrindo novamente.
Olhei para ele sem entender, mas Nicolás nada disse. Coloquei o copo já vazio na mesinha ao lado da cama e abri a caixa assim que a peguei de suas mãos. Senti-me uma criança.
— Doces. – Disse empolgada, olhando o conteúdo que tinha ali dentro, havia muffins, cookies, rosquinha cobertas de chocolate e até cupcakes. Foi inevitável sorrir abertamente.
— Shhh – ele levou um dedo ao lado da boca me pedindo silêncio, e eu mordi os lábios travessa. – Às enfermeiras não podem saber — apesar de parecer estar me repreendendo, ele tinha um sorriso nos lábios.
— Certo.
Meus olhos brilhavam enquanto eu pegava um muffin com gotas de chocolate, era meu favorito, ofereci a caixa a ele, que agora se encontrava sentado novamente. Nicolás pegou um cupcake, fazendo sujeira em seu nariz ao dar a primeira mordida. Eu comecei a rir e ele me acompanhou, limpando a cobertura com as costas de sua mão. Estava prestes a pegar uma rosquinha quando a maçaneta da porta fez barulho. Nicolás pegou a caixa de meu colo na velocidade da luz, para nossa sorte, pois era uma enfermeira, a mesma de mais cedo.
— Como a senhorita se sente? – perguntou ela, com um olhar terno enquanto me examinava rapidamente.
— Tenho um pouco de dor na cabeça e na cintura, mas não está mais tão ruim.
Aquilo não era mentira, eu tinha certa resistência à dor.
— Certo. – Assentiu me olhando, seus olhos pararam no fino cobertor que estava em cima de mim. – Isso por acaso é farelo de bolinho?
Seus olhos passaram da minha coberta direto para o policial na cadeira. Ele tampou a boca com uma das mãos, tentando esconder um riso. Fechei a minha boca imediatamente, antes que eu mesma desse risada da situação. A enfermeira cruzou os braços, assumindo uma postura informal enquanto se virava na direção dele.
— Você andou dando bolinhos para a minha paciente que acabou de sair do coma, Sr. Nicolás?
— Ah qual é, Annie — me surpreendi ao ver ele falar com ela de forma tão familiar. — Comida de hospital é horrível. — Tentou se defender.
Será que eles se conheciam? Tive certeza que sim quando ele abriu a caixa na direção dela.
— O seu favorito ainda tá aqui — ele falou, estendendo um cupcake de baunilha na direção dela.
— Só hoje. Ok? – Ela olhou para nós dois, que assentimos praticamente ao mesmo tempo. A enfermeira, que era pura delicadeza, aceitou o cupcake e se retirou do quarto, sendo acompanhada até o último segundo pelo olhar de Nicolás.
Ele soltou um suspiro quando ela saiu pela porta, me deixando intrigada.
Queria perguntar se eles eram amigos, mas nós voltamos a comer os doces logo depois e Nicolás já havia começado um assunto, conversando sobre coisas aleatórias e me arrancando um riso vez ou outra. Me permiti esquecer o porquê de estar ali, só aconteceu.
Nicolás me perguntou se eu me incomodaria se ele me tratasse pelo primeiro nome, deixando de lado a formalidade, eu disse que não e logo passei a chamar ele pelo nome também, estava realmente à vontade com aquele policial. Em momento algum ele quis me interrogar ou me encher de perguntas sobre o suposto ataque, ele parecia mais preocupado comigo do que com a sua investigação. Ele tinha um olhar tão sincero, eu não conseguia ver mentiras nele, parecia tão preocupada por mim. Por esse motivo, quando estava prestes a cair no sono novamente, eu desejei que ele não fosse quem eu procurava, não queria que aquela história acabasse comigo colocando Nicolás atrás das grades.
— , acorde — alguém me cutucou de leve pela quarta ou talvez quinta vez.
Murmurei algo sem sentido e me ajeitei mais na cama, tentando voltar ao sono profundo, mas seja lá quem fosse tentando me acordar, parecia que não iria desistir tão cedo.
— — dessa vez foi um chacoalhão. Bufei irritada abrindo meus olhos, os coçando logo depois tentando deixá-los em foco. Era Nicolás, parecia sem graça. — Desculpa, não queria te acordar assim.
— Então por que acordou? — Retruquei irritada.
Ele me olhou constrangido, colocando as mãos no bolso da calça.
Eu odiava que me acordassem. Virei para o outro lado querendo dormir de novo, mas quando fechei os olhos me lembrei da conversa com Nicolás mais cedo, ele não merecia meu mau humor. Passei um tempo refletindo e com toda a certeza aquele policial merecia um pouco mais de educação da minha parte, além do mais, Nicolás parecia ser feito de algodão doce e unicórnios. Eu riscaria seu nome da lista de suspeitos, mas não baixaria a guarda.
Virei-me para ele de novo e sorri amarelo, quis me sufocar com o travesseiro na mesma hora, o olhar constrangido ainda estava ali.
— Desculpa — pedi fazendo um biquinho — Eu não gosto que me acordem, é um convite para um homicídio.
Ele riu da minha piada horrível — como todas as outras — e se aproximou de novo da cama.
— Tudo bem. — Respondeu, parecendo mais tranquilo.
— Por que me acordou? Aconteceu algo? — Fiquei curiosa.
Ele cruzou os braços, mordendo os lábios sem parar. Não era coisa boa.
— Hm… chamou a policia pra você — meus olhos se arregalaram na mesma hora — Se sua intenção era tirar ele do sério, você conseguiu.
Ele estava rindo e eu continuava incrédula.
— Você está rindo do que? Você me disse que eu não iria ser presa.
Acabei me exaltando, como eu ia fazer meu trabalho da cadeia?
— E você não vai, fica calma. — ele tirou minhas mãos de meus cabelos e as repousou na cama. Vendo a minha cara perdida, ele se apressou em explicar. — Ele te achou suspeita. Alegou que você parecia muito bem e tinha condições de dar o depoimento aqui mesmo. Eu sinto muito, como eu passei a noite aqui, só fiquei sabendo agora. Não pude fazer nada para adiar isso um pouco.
— Como assim você ficou aqui a noite toda? — Eu não havia dormido nem meia hora.
— Você dormiu ontem um pouco depois que a enfermeira Annie entrou aqui, e não acordou mais. — explicou. — Não entendo muito disso, mas imagino que sejam os remédios.
Cocei a cabeça tentando ajeitar minhas ideias, eu me sentia um pouco lesada pelos medicamentos, era verdade, além dos vários compridos, eu ainda tomava um remédio esquisito na veia que me deixava enjoada. Talvez por isso eu não percebesse o espaço de tempo. Terminei assentindo para Nicolás.
Ficamos em silêncio por alguns minutos até que eu senti vontade de fazer xixi.
— Me ajuda a levantar?
— Você vai querer fugir do depoimento? — Questionou rindo, mas já se movimentando para me ajudar.
— Não me tente — brinquei. — Mas por enquanto só quero ir ao banheiro.
Ele puxou a fina coberta que me cobria e eu apoiei a mão em seu ombro, me ajeitando para pôr os pés no chão, mas antes mesmo que eu me sentasse direito, eu já estava sendo carregada feito uma noiva. Só fui colocada no chão novamente quando chegamos à porta do banheiro que ficava no quarto. Eu senti uma pontada abaixo do peito na mesma hora, levei minhas mãos até lá, arfando com a dor, as mãos de Nicolás que mal tinham me abandonado, já estavam de volta, tentando me manter em pé. Senti outra pontada mais forte, que atrapalhava a minha respiração, tentei puxar o ar e só doeu mais ainda.
Eu havia extrapolado, não era uma gênia, era burra, iam arrancar minha cabeça. O estrago tinha sido exageradamente maior do que eu previ, nem os remédios que me deixavam lesada pareciam o suficiente para que eu pudesse me levantar, eu só ficaria bem deitada e por um bom tempo.
Quando dei por mim estava chorando aos gritos de dor, tinha uma das mãos apoiada no ombro de Nicolás — que parecia desesperado. Ele tinha uma mão em minha cintura e a outra em minhas costas, era nítido que ele estava com medo de me machucar mais ainda caso me pegasse no colo. O policial murmurava para eu ter calma, enquanto eu só ficava mais nervosa. Eu estava começando a ficar com falta de ar e o esforço para respirar só aumentava mais a dor. A porta abriu e eu implorei por socorro, mas não era uma enfermeira.
O policial Green correu até nós dois, deixando a porta aberta. Eu não me importava com quem ele era naquele momento, eu só queria que alguém fizesse aquela dor parar, então não me incomodei quando ele passou uma de suas mãos por debaixo de minhas pernas e levou a outra até minha cintura, me pegando no colo. Quando já estava em seus braços, minha cabeça rodava devido à falta de ar e o choro. Eu desmaiei antes mesmo de chegar à cama, a última coisa que vi foi o outro policial gritando em direção ao corredor.
Acordei na manhã seguinte após o incidente na porta do banheiro. Meu corpo estava tão leve que mais uma vez tive a sensação de que havia morrido, teria realmente acreditado nisso se não tivesse escutado o bip do monitor cardíaco. Abri os olhos lentamente para checar o aparelho, mas meu raciocínio foi interrompido quando meus olhos encontraram um rosto familiar.
— Oi — comprimentei com a voz fraca — Eu… fui demitida?
Clarice se levantou da cadeira bufando e marchou até a porta, achei que iria derrubar a estrutura de madeira pela cara que fazia, mas pareceu ter se lembrado que estávamos em um hospital.
— Eu não acredito que você fez isso, — ralhou enquanto voltava para perto da cama. — Qual o seu problema? Por acaso estava tentando comprar uma passagem só de ida para o inferno?
Respirei fundo, pensando em como explicar o que na teoria nem precisaria de uma explicação. Clarice sabia muito bem porque eu tinha feito o que fiz, eu tinha noção de que havia extrapolado, mas em momento algum pensei que chegaria a tanto, de todo jeito, acho que ela deveria entender que eu fiz o que era necessário para cumprir o meu objetivo. Entendia a sua preocupação, ela não era só uma colega de trabalho, também era minha melhor amiga e logo seria parte da minha família. Quando eu ia começar a falar ela se debruçou sobre mim e me abraçou.
Por um momento, temi sentir dor de novo, mas quando seus braços chegaram até mim, eu não senti nada. Deveria estar entupida de sedativos ou sei lá o que.
— Você não sabe como eu fiquei desesperada quando eu recebi a ligação — sua voz tremia um pouco, era uma mescla de preocupação, emoção e raiva.
— Clarice, eu não vou me desculpar porque sei muito bem onde você mandaria eu enfiar minhas desculpas. Mas estou feliz por estar viva e agradeço sua preocupação.
Ela revirou os olhos e se sentou novamente na cadeira, ela sabia como eu era. Ri baixinho do nosso modo, Clarice tinha 27 anos e eu 25, mas às vezes agíamos como duas crianças birrentas. Ela acabou rindo também, eu estava bem dentro do possível e não adiantaria ela me dar mais broncas, não havia como desfazer aquilo. Além do mais, só havia uma pessoa para quem eu — às vezes — baixava a guarda, e ela sabia que essa pessoa não era ela.
Corri os olhos pelo quarto e me deparei com uma bolsa preta perto da minha cama, eu conhecia aquela bolsa muito bem. Apertei o botão para ajustar o leito, seria mais fácil de alcançar se eu estivesse sentada. Consegui pegar com um pouquinho de dificuldade, só para ouvir Clarice começar a reclamar logo depois.
— Que mania insuportável — ela tentou pegar a bolsa de volta, mas desistiu quando fiz cara feia e dei um tapa em sua mão. — Você não cansa de mexer nas coisas dos outros?
— Disse a Hacker — debochei. — Que ironia vindo de alguém que invade sistemas e descobre até quantos centavos alguém tem no bolso.
— O nome disse é trabalho. O que não é o seu caso, porque você é xereta e folgada.
Revirei a bolsa dela até encontrar o que procurava, ignorando as ofensas e tirando sarro do modo como ela falava. Peguei a pequena necessaire e deixei a bolsa de canto, revirando suas maquiagens atrás de um espelho.
— Por que ao invés de falar mal de mim você não me conta o que o médico disse depois que eu desmaiei e todo o resto.
— Pff, agora você quer saber da sua saúde? Você quebrou duas costelas — seu tom de voz voltou a ficar sério — não podia ter levantado da cama sem ajuda de um enfermeiro e muito menos ter tentado andar. Muito me espanta um policial ter sido tão imprudente.
Parei de mexer na necessaire e olhei séria para ela.
— O policial imprudente foi quem salvou minha vida — voltei a mexer na bolsinha, já sem paciência. — Que droga, Clarice, não tem a porcaria de um espelho nessa coisa.
Ela se levantou e pegou sua bolsa, tirando um espelho do bolso lateral.
— Tem certeza que quer ver?
— A coisa tá tão ruim assim? — Ok, agora eu estava realmente preocupada. Peguei o espelho de sua mão e me arrependi assim que abri e vi meu reflexo. Eu tinha um dos olhos roxos, minha bochecha esquerda tinha um corte enorme, meus lábios estavam inchados e cortados e haviam diversos curativos perto da minha sobrancelha. Apertei os lábios em uma linha reta, eu odiava me sentir feia, suja ou desleixada.
— Eu preciso escovar meus dentes e lavar meu rosto. Minha voz saiu baixinha, mas Clarice pode entender. Foi ótimo ela estar ali, ela sabia como eu deveria estar me sentindo.
Não demorou muito e ela voltou do banheiro com uma coisa que parecia uma tigela cheia de água, não tinha ideia do que era aquilo, mas o importante é que era útil. Clarice ergueu o pote (ou o que quer que aquilo fosse) numa altura em que eu pudesse pegar a água e jogar no meu rosto. Senti várias gotas respingando na cama, mas aquilo não era um problema. Alívio, essa era a palavra perfeita pra definir o que eu senti conforme jogava a água no meu rosto, não estava nem me importando em molhar os curativos. Quando achei que já era o suficiente, ela pegou o pote e me estendeu uma toalha, agradeci assim que comecei a secar meu rosto. Ela apenas assentiu e voltou para o banheiro, como ele ficava quase de frente para a cama, eu consegui ver ela revirando o ambiente, e fiquei feliz quando vi ela retirando o plástico de uma escova de dentes, que pouco depois já estava em minhas mãos e com uma pasta refrescante. Enquanto eu escovava meus dentes, Clarice deixou um copinho de água na mesinha ao meu lado, e logo depois trouxe a “tigela” novamente, mas dessa vez vazia. Terminei de escovar os dentes, usando a água que ela havia deixado para enxaguar a boca e cuspindo naquela coisa arredondada. Eu já tinha visto aquilo, só não me lembrava onde.
Me senti relativamente mais limpa. Sorri agradecendo a Clarice. Ela retribuiu o sorriso de um jeito meio triste e pegou a nécessaire que estava na cama.
— Clarice, eu preciso que você me conte o que aconteceu depois que a polícia me trouxe pra cá, quero o máximo de informações possíveis para formular um bom depoimento. Quem conversou com eles?
Ela se sentou na cama e começou a pegar algumas maquiagens, enquanto falava.
— Eles me ligaram assim que te trouxeram pra cá, mas como eu supostamente teria que estar longe na hora do atentado, não pude vir na hora. Falei com eles por telefone e fiquei em choque quando me falaram do seu estado — sua voz voltou a ficar trêmula — não era pra ter chegado a tanto. Eu queria correr pra cá, mas não me deixaram.
Clarice colocou base em uma esponjinha e começou a passar devagar debaixo dos meus olhos, bem devagar, tentando não encostar em nada do meu rosto que já estava suficientemente horrível.
— Continua — pedi quando ela abaixou a esponja e me olhou triste. Ela ia começar a falar, mas eu interrompi, levando sua mão novamente ao meu rosto, dando a entender que deveria continuar com a maquiagem — Os dois.
Ela assentiu e voltou a trabalhar no meu rosto, substituindo a esponja por um pincel macio com blush logo depois.
— Eu cheguei aqui ontem a noite, me contaram o que aconteceu e logo depois me encheram de perguntas. Um policial chamado Green, na verdade, fiquei com vontade de socar a dele. Um grosso.
— Não foi a única. — Ri baixinho. — Ele queria me prender por desacato.
Clarice se afastou para me olhar.
— Inacreditável — disse chacoalhando a cabeça. — Eu não sei o que aconteceu, mas tenho certeza de que você provocou.
— Talvez, mas continua. E não esqueça do rímel.
— Enfim, me perguntaram se alguém teria algum motivo pra te atacar — continuou contando, enquanto passava um gloss em mim — e eu disse o combinado. Você era uma pessoa sem inimigos, mas seu irmão vendia drogas e tinha envolvimento com a máfia italiana. Aquele grosso ficou bem intrigado e acho que ele vai ficar no seu pé, como a gente tinha planejado, mas acho que você vai ter problemas.
— Por que? — Perguntei sem entender.
— Porque a ideia era que você tivesse um só policial na sua cola — explicou enquanto passava o rímel nos meus cílios — mas parece que vão ser dois. Aquele irresponsável que te tirou da cama.
— Nicolás — interrompi.
— Tanto faz, ele me deixou um pouco intrigada. Enquanto o outro parecia mais preocupado com a situação em si, ele parecia mais preocupado com você.
Fiquei pensando naquilo, eu também havia notado a preocupação do policial Cooper comigo, mas meu instinto não apontava nada pra ele, e eu confiava muito no meu instinto, ainda pensava em riscar ele da minha lista de suspeitos. Meus pensamentos foram interrompidos por batidinhas na porta, e meu visitante não esperou resposta para entrar.
— Tudo bem por aqui? — Era Green, estava sério. — Eu ouvi vozes enquanto fazia a ronda — ele já estava me vigiando? Perfeito. — Imaginei que tivesse acordado, acho melhor chamar uma enfermeira? — Sua última palavra saiu mais como uma pergunta enquanto ele percebia que alguém me pintava.
Eu iria responder, mas Clarice não me deu chance. Ela apertou o botão para chamar a enfermeira sem tirar os olhos de mim, ignorando completamente a presença do policial no quarto.
— Já chamei — sua voz era firme e não deixava brechas para qualquer conversa. Ele havia mesmo irritado ela, até mais do que a mim pelo jeito. — Pode sair, fecha a porta.
Ele saiu sem dizer nada, sem sequer fazer uma cara feia. Era só eu que recebia deboche e careta?
— Não suporto homens grosseiros — falou, como se não tivesse acabado de ignorar um policial. — Acabei.
Peguei o espelho novamente, não dava pra dizer que eu estava linda, mas também não estava tão horrorosa como antes.
— Obrigada.
— Você vai conseguir fazer seu trabalho com dois policiais na sua cola? A gente pode tentar dar um jeito pra ser só um, eu não sei.
— Vou — respondi, ajudando ela a arrumar a bagunça de volta em sua bolsa. — Nicolás parece ser mais tranquilo, vai ser interessante porque ele trabalha com o Green e pode me dar mais informações. Green parece ter sido um ótimo acerto, ele é filho do delegado.
— O pai daquele grosso é um delegado? — Ela parou de mexer na bolsa e me olhou séria.
— Sim, eu já ia tocar nesse assunto com você. Você já sabe o que fazer, o nome dele é Green, procure toda a informação que puder.
— Só dele? — sua sobrancelha estava erguida, questionando algo que eu não queria entregar — Você chamou o outro policial duas vezes pelo nome e ele não te tratou por Jude também enquanto falava comigo. O que tá rolando? Vocês já se conheciam? Ele é um ex seu ou algo assim?
De onde ela tirou isso? Meu Deus.
— Você tá maluca? Por que eu esconderia algo de você?
— Não é algo, é alguém. Você sabe o que eu quero dizer.
Ela tocou num assunto que eu estava tentando evitar, pois envolvia muitas coisas, não só do trabalho, mas também pessoais, e uma coisa sempre acabava levando a outra.
— Eu juro pra você que eu nunca tinha visto esse policial até eu acordar nessa cama — ela cedeu, sabendo que eu não mentiria sobre esse assunto. — O nome dele é Nicolás Cooper, ele tem 25 anos e é policial a cinco, fica à vontade para investigar, mas o meu instinto não falha, e não tem nada perigoso nele.
Ela assentiu, não tinha a mínima ideia do que se passava na cabeça dela agora, mas me vi obrigada a voltar em um assunto que eu não queria tocar com medo da resposta, mas com a curiosidade falando mais alto.
— E ele? — perguntei baixinho.
Clarice coçou os olhos e respirou fundo.
— Ele tá furioso, sinceramente eu acho que se você tivesse morrido ele não iria se perdoar nunca. Eu não entendo, tenho a impressão de que ele daria a vida por você, mas ele não...
— Não precisa — interrompi. — E o meu irmão?
— Ok. Lucas está bem, preocupado com você mas bem. Ele vai ficar escondido pra nenhum policial ir atrás dele, como a gente já tinha acertado.
Assenti. Meu irmão era tudo pra mim, desde que toda aquela loucura começou, foi a primeira vez que senti culpa, quando pensei em Luke. Meus pais passavam o tempo todo viajando, eram carinhosos, mas ao mesmo tempo eram ausentes, por um lado era bom porque facilitava o nosso trabalho, mas por outro eu sentia falta deles. Durante a maior parte do tempo, eu só tinha o meu irmão e éramos muito unidos. Quando eu quis entrar no meio disso tudo, ele relutou muito, afinal um de nós em perigo já era o suficiente, mas quando eu me encontrei no meio das investigações e ele viu que eu realmente amava fazer isso, não pode mais me impedir. E assim chegamos até aqui, Lucas estava a 5 anos no FBI e eu a 2, era esperta demais para fazer somente trabalho de escritório, com menos de um ano já tinha virado a gente de campo, e eu amava aquilo.
Olhei para Clarice e sorri, às vezes eu me perdia pensando nessas coisas. Ela namorava com meu irmão desde a adolescência, nós éramos vizinhas e crescemos juntos, naquela época mal sabíamos que terminaríamos todos metidos na mesma equipe trabalhando no FBI. Diferente de mim, ela odiava o trabalho de campo, mas tinha a vantagem de ser uma hacker muito boa, o que lhe permitia ficar fora do radar.
Clarice vinha de uma família que exercia a lei, seus avós serviram a marinha e seus pais serviram no exército, eram herois. Ela seguiu no caminho a favor da lei, embora de outra maneira. Sua escolha era completamente diferente da de seu irmão, ele era...
Tive meus pensamentos interrompidos pelo barulho da porta, minha amiga que quase cochilava na cadeira, se virou para olhar. Quando a porta abriu de vez meu sorriso foi inevitável. Seu nome escapou pela minha boca antes mesmo que eu pudesse pensar.,
— Aaron.