Tamanho da fonte: |

Codificada por: Fer (Lyra)

Fanfic Finalizada
Uma batida forte de uma das portas de ferro fez com que despertasse assustado.
Olhou ao seu redor, estranhando o ambiente onde estava, levou alguns segundos para perceber que era seu consultório e, quando se deu conta disso, franziu o cenho.
Mais uma vez, ele havia adormecido em sua mesa, cercado por livros de psiquiatria que o ajudariam a resolver o caso mais complicado que recebera recentemente.
Estava, de certa forma, acostumado a lidar com situações daquele tipo, inclusive a dormir no consultório vez ou outra, mas, dessa vez, ele estava bastante frustrado.
era psiquiatra chefe no Hospital para Criminosos Insanos de Huntsville, Texas. Havia conquistado aquele cargo com muito esforço e dedicação, sendo bastante aclamado por seus colegas. No entanto, sua carreira corria perigo e tudo por conta de um problemão que havia caído em seu colo. não costumava dizer isso de seus pacientes, por piores que fossem, porém, dessa vez, não havia outra palavra que pudesse descrever com tamanha precisão. O problemão dele andava lhe tirando o sono já há semanas e tinha nome e sobrenome: Breckenrigde.
Considerada prisioneira de alta periculosidade, ela havia sido acusada de matar o companheiro sufocado, e nele havia diversas escoriações que evidenciavam algumas horas de tortura. No entanto, no tribunal, seu advogado alegou insanidade porque ela jurava que não havia feito aquilo, que eles brincavam bastante um com o outro, mas ela não seria capaz de machucá-lo daquela maneira. havia tido uma noite de amor com o marido, e ele aparecera morto. Após meses de investigação, concluiram que somente ela poderia ter cometido aquele crime, então ali estava , afastada da sociedade até estar apta psicologicamente para retornar.
havia sido designado como o psiquiatra de Breckenrigde, devendo fazer uma avaliação preliminar e prescrever qual seria seu tratamento, porém todas as suas consultas com ela haviam sido um tremendo fracasso. Desde a primeira sessão, a mulher não dizia uma só palavra.
Ele tentou de diversas estratégias para fazê-la falar. Usou tudo o que havia aprendido e até consultou alguns colegas para saber qual providência deveria tomar, porém de nada adiantava. ficava durante os quarenta minutos das sessões olhando para um ponto fixo da sala de e ignorando completamente sua existência.
A um certo ponto, o psiquiatra começou a se irritar com a paciente. Se ela não havia cometido aquele crime, como havia alegado ao juiz durante seu julgamento, por que não o deixava ajudá-la? Sim, porque a avaliação psicológica dele poderia fazer diferença naquele caso, ela poderia voltar para a sua vida.
— Noite difícil, doutor ? — Ouviu, enquanto pegava um café no refeitório do hospital. Olhou aturdido ao seu redor e só então reconheceu Kristine, uma de suas estagiárias.
— Mês difícil, Kris — respondeu, com um sorriso cansado, e a viu retribuir compreensiva.
— O caso Breckenrigde está acabando contigo, não é? — Ele acenou positivamente. — Há algo que eu possa fazer para te ajudar?
olhou para ela meio confuso. Como ela faria isso? Será que estavam ensinando algo diferente do que ele aprendeu em sua época de faculdade?
— E como você me ajudaria? — Acabou deixando escapar. — Sem querer parecer grosseiro, mas há algo de novo que eu não sei? — perguntou e a ouviu soltar uma risada baixa.
— Não, não há. Mas posso te ajudar de outras maneiras, quem sabe. Acho que uma distração do caso poderia te ajudar a, de repente, trazer à tona alguma ideia. — Então entendeu o que ela estava oferecendo e a encarou por alguns segundos, avaliando Kristine de cima a baixo.
A mulher era bastante agradável aos seus olhos. Era bonita em proporções que lhe agradavam muito e definitivamente não era o tipo que ele recusaria. O problema era que Kristine não imaginava com quem estava se metendo. Se ela ao menos visse os diversos cenários em que ele a imaginou durante poucos segundos, duvidava que continuaria querendo algo com ele.
Um bipe em seu celular o salvou de dar uma resposta imediata.
— Preciso ir, Kristine. Mas retomamos nossa conversa uma outra hora. — Piscou para ela, ao resolver não a dispensar logo de cara.
Ela sorriu largamente para ele e desviou seu olhar para o celular. A mensagem dizia que precisavam dele com urgência, então ele se afastou quase correndo pelos corredores.
Não lhe surpreendeu descobrir que o chamado urgente havia vindo do quarto onde era mantida, porém, quando viu a cena, ficou um tanto chocado.
Ela havia usado a própria camiseta para tentar se enforcar.
— Merda — resmungou baixinho, o que chamou a atenção de um dos enfermeiros.
— Doutor , por pouco ela não consegue o que estava querendo. — Ele tentou lembrar o nome do rapaz, mas não conseguia, talvez porque estava concentrado demais em olhar para a mulher encolhida em um canto.
Com o tronco descoberto, cobria os próprios seios com seus braços, enroscada feito uma bola no chão, ao lado da cama, virada de costas para eles. Seu pescoço estava vermelho, porém não de forma que o fizesse pensar que ela realmente quase havia conseguido se matar.
— Como? — questionou, ao tentar entender a cena.
— Na grade da janela. — Indicou com o olhar, o que o psiquiatra acompanhou rapidamente, mas então voltou a olhar para as costas nuas de .
Sem focar mais na marca em seu pescoço, de repente, percebeu algo que não sabia como não havia prestado atenção antes.
Ela possuía diversas marcas pela extensão de suas costas. Marcas que não eram simples, porque eram vergões bem característicos.
Será que era o que ele estava pensando?
De repente, nunca quis tanto entrar em sua cabeça e desvendar seus pensamentos como naquele momento.
— Não! — Se sobressaltou ao ouvir a voz de Breckenrigde pela primeira vez. Estava rouca devido ao tempo em que se manteve calada, mas o tom foi o suficiente para que questionasse que diabos estava pensando.
? — a chamou, porém ela apenas se encolheu mais.
O enfermeiro deu um passo na direção dela, em um sinal de que ia ajudá-la, então, subitamente, a mulher começou a gritar e se debater.
Sua voz ecoava histericamente. Parecia que estavam a torturando ali dentro, e a tentativa dos enfermeiros de segurá-la foi completamente em vão.
correu até a maleta dos enfermeiros e preparou uma seringa com o sedativo, então se aproximou de , porque sabia que não havia alternativa.
— Tentem mantê-la o mais parada possível. — Era difícil. Ela tinha até mesmo mordido um dos enfermeiros, e a cena não havia ficado bonita.
O psiquiatra então tomou a frente e, ao segurar um dos braços de com firmeza para impedi-la de afastá-lo, aplicou a injeção. Ela continuou se debatendo enquanto o sedativo percorria sua circulação, então parou aos poucos até adormecer.
orientou aos enfermeiros que a levassem até a ala hospitalar, onde Breckenrigde deveria ser mantida em observação por pelo menos quarenta e oito horas.

👨‍⚕️


Durante as primeiras quatro, ele se ocupou estudando mais uma vez o caso dela e focou em seu histórico, que nunca havia sido o de violência, muito menos de tendências suicidas. Perguntou-se se haveria algum gatilho, porém tudo o que tinha documentado não seria o suficiente para saber. Ele precisava fazer falar.
Decidiu então ir até a ala hospitalar e foi o que fez, com o intuito de estar ali quando ela acordasse.
Fez sinal ao enfermeiro, indicando que ele podia se retirar, e quando se viu sozinho com a mulher, passou a observá-la com atenção.
Dormindo, nem parecia ser perigosa do jeito que sua ficha dizia. Seu rosto estava bastante sereno e se não fossem as marcas em seu pescoço e a cena que ele havia presenciado no quarto dela, questionaria se aquele era mesmo o seu lugar.
Seus olhos se fixaram nos traços do rosto de Breckenrigde e, porra, era inegável o quanto ela era bonita. Ele havia notado aquilo na primeira vez em que a viu e, por alguns segundos, cogitou se seria possível não notar.
tinha uma beleza diferente, e não fazia ideia do motivo de pensar daquele jeito. Já havia visto diversas mulheres bonitas e com toda certeza dormido com uma boa parte delas, porém se destacava de uma certa forma. Algo na curvatura de seus lábios o instigava. Ela parecia serena, mas ao mesmo tempo algo lhe dizia que um sorriso havia sido contido.
Ou talvez aquilo fosse coisa de sua cabeça, ele provavelmente estava cansado demais pelas noites mal dormidas.
Pensou em sair daquele quarto e a deixar recobrar suas forças, mas parou à mera menção e franziu seu cenho quando vieram aos seus pensamentos as lembranças do que havia visto nas costas de .
Ali estava o que realmente o intrigava. Precisava saber a origem de cada uma daquelas marcas, não só porque algo lhe dizia que poderia ter uma relação com o assassinato do marido de , mas porque seu interior vibrava em pura e genuína tentação.
Passou a língua pelos lábios, então fechou seus olhos com força e os espremeu em uma reprimenda.
— Mas no que diabos você está pensando, ? — resmungou para si próprio, porém, em uma ação completamente contrária à sua fala, de repente, seu corpo se aproximou da maca e suas mãos foram até a manta que cobria sua paciente.
Sua consciência e sua ética profissional lhe gritavam que deveria parar suas ações bem ali, porém seu outro lado, aquele que poucos conheciam e estava se roendo de curiosidade, falou ainda mais alto.
Lentamente, descobriu a mulher e seus olhos passaram por toda a extensão do corpo dela, coberto parcialmente pela camisola, porém a peça só chegava a um pedaço de suas coxas.
Em vários centímetros de pele à mostra, apresentava mais marcas que variavam entre vergões, arranhões e alguns hematomas.
Um longo suspiro escapou dos lábios de , num misto de surpresa e sentimentos conflitantes. Parou com sua mão no ar, acima das pernas de , e passou a gritar mentalmente consigo mesmo.
Ele nunca havia agido daquela forma com nenhuma paciente, qual era seu problema?
Mais uma vez culpou seu cansaço, então se afastou da mulher e seguiu em passos rápidos até a porta.
— Gostou do que viu, Doutor ? — a voz ecoou rouca, mas estranhamente melodiosa. congelou com a mão na maçaneta da porta, gesto que fez com que uma risadinha baixa soasse pelo lugar.
Não era seguro para si e muito menos para que ele continuasse ali. Talvez o certo fosse repassar aquele caso para um outro psiquiatra do hospital e nunca mais chegar perto daquela mulher. No entanto, por algum motivo, não conseguiu sair dali.
— Por que tão quietinho? Está se vingando de mim, doutor? — Frisou a última fala de um jeito que fez o médico engolir a seco.
Certamente, ele estava delirando. não podia simplesmente ter resolvido falar e o provocar.
Virou-se em sua direção, esperando encontrar a mulher da mesma forma que havia lhe deixado, inconsciente, mas não. Algo dentro de si sabia muito bem que ela estaria muito bem acordada, sentada na maca, o encarando com um sorriso de canto que só deixava evidente uma pequena cicatriz em seu lábio inferior.
pigarreou, ajeitou o jaleco e voltou a se aproximar da paciente.
— De maneira alguma, Senhora . — Se dirigiu a ela de forma educada e viu a moça arquear uma sobrancelha.
— Senhora? Oh, não! Pode tirar esse senhora daí. Para você, é apenas . — estava achando aquilo tudo muito estranho. Será que ele não estava dormindo e sonhando com ela?
— Como está se sentindo, ? — perguntou, ao adquirir uma postura profissional. Decidiu ignorar aquele comportamento dela, tão bizarro quanto o de não dizer uma palavra sequer.
— Não importa como me sinto, doutor. Tenho certeza de que a única coisa que lhe interessa é que eu lhe conte se matei meu marido ou não. E se a resposta for sim, como e por quê. — De repente, o tom provocativo havia desaparecido e ela estava séria, seus olhos perdendo o brilho.
Não poderia negar, parte de seu trabalho consistia exatamente daquilo.
— Isso não é de todo mentira — confessou e deixou que uma risada baixa ecoasse, numa tentativa de se manter mais relaxado. — A parte do que quero e preciso saber — esclareceu, apenas para o caso de ter soado confuso. — Mas você está errada com essa história de seus sentimentos não importarem, . Muito pelo contrário, eles importam, sim. Não estou aqui para julgá-la, estou aqui para ajudá-la.
Por alguns minutos, os olhos de permaneceram analisando a mulher enquanto ele esperava calmamente que ela respondesse sua pergunta inicial. retribuiu o olhar dele, ao avaliar se deveria.
— Então, vai me contar ou voltamos à estaca zero apenas porque fui sincero com você? — Ele percebeu que era seguro insistir, e algo no jeito que o médico a olhava fez com que acreditasse nele e enxergasse também outras coisas.
— Eu não sinto nada, Doutor — respondeu, por fim, o que deixou levemente desapontado e sem conseguir ao menos segurar a vontade de suspirar alto.
— Tudo bem, . Acho que você pelo menos começar a falar hoje foi um grande progresso. É melhor eu deixá-la descansar e continuaremos na nossa próxima consulta — soltou com gentileza e até abriu um sorriso singelo. — Melhoras, .
Seguiu de volta em direção à porta e passou por ela, então saiu para o corredor sem voltar a encarar a paciente. Estava cruzando uma linha tênue e não podia, mas precisava ajudar aquela mulher, independente do que as ações dela o causavam.
poderia dizer que ficou surpresa ao ver o médico se retirar com tanta rapidez, desistindo de insistir em suas perguntas, porém a verdade era que não estava. Muito pelo contrário, ela esperava que fosse agir daquela forma.
Assim como todos aqueles policiais, investigadores e os jurados em seu julgamento, não acreditava nela, e em todo momento a mulher havia sido sincera.
não sentia nada desde a última noite com seu marido, e só havia uma coisa que poderia fazer para que voltasse a sentir novamente.

👨‍⚕️


Depois de tantos anos de profissão, nunca imaginou que voltaria a se sentir nervoso ao atender um paciente. Por mais complicado que fosse o caso, sempre lhe foi muito natural manter-se em uma postura neutra e profissional, o que só reforçava o quanto ele precisava repassar aquela paciente para outro psiquiatra. No entanto, algo o segurava, e talvez fosse o mesmo motivo de seu estranho nervosismo.
Faltavam exatos três minutos para a consulta habitual de , e o médico batucava sua mesa de forma impaciente, enquanto sentia que suas mãos suavam em expectativa pelo que poderia acontecer. Na última vez em que esteve com a mulher, ela finalmente havia falado com ele, e esperava avanços no tratamento dela a partir daí.
Não havia mistério algum no motivo de seu nervosismo, era óbvio que ele estava ansioso com o ela iria lhe contar.
E se repetisse aquilo para si mesmo mais algumas vezes, tudo voltaria a ser como era antes.
Droga, ele precisava parar de agir daquela maneira pouco profissional. Parecia que tinha retrocedido alguns anos até seu primeiro dia de trabalho naquele hospital.
Duas batidas na porta anunciaram que ela havia chegado, e ele afrouxou um pouco o colarinho da camisa sob o jaleco, engoliu em seco e aprumou sua postura. Precisava ser profissional, e seria. Voltaria à seriedade que lhe era exigida e, dali algum tempo, aquele seria apenas mais um de seus tratamentos bem sucedidos.
— Entre, por favor — sua voz ecoou grave e ausente de emoções, do jeito que ele desejava.
A porta se abriu, então entrou acompanhada de uma enfermeira, a qual não lembrou o nome. Eram tantas que ele sempre acabava esquecendo ou trocando um ou outro.
— Obrigado... Cave — leu o sobrenome no jaleco da moça. — Duas batidas vão anunciar quando estivermos prontos — disse a ela, quando a notou um tanto perdida no que estava fazendo. Era novata talvez?
foi deixado a sós com sua paciente e, com um meio sorriso gentil, ele apontou para o divã de seu consultório.
— Fique à vontade, . — Permitiu-se fazer uma análise rápida da mulher e notou então a expressão um tanto risonha em suas feições quando ela caminhou até o divã e se sentou. Talvez aquilo fosse apenas bom humor. — Como se sente hoje?
O silêncio reinou por alguns segundos, nos quais fixou seus olhos no médico e o analisou de tal forma que o deixou levemente desconcertado. Então ela cruzou uma perna por cima da outra e abriu um sorriso de canto, ao arquear uma de suas sobrancelhas sem dizer uma palavra sequer.
conteve um suspiro de frustração e desviou seus olhos dela para anotar mais uma vez a ausência de interação da moça.
... — chamou o nome de sua paciente e, quando voltou a olhar na direção dela, surpreendeu-se ao encontrá-la em pé, diante de sua mesa.
— Eu já respondi sua pergunta, doutor — ela lhe disse, sem abandonar a expressão anterior.
— Você disse como se sentia ontem, . Estou lhe perguntando sobre hoje — retrucou e acabou por retribuir o sorriso dela. Um muxoxo ecoou dos lábios de .
— Assim como eles, você não me escuta, . Mas, por algum motivo, talvez valha a pena repetir. Eu não sinto nada. — Deu ênfase à mesma frase que havia lhe dito anteriormente.
a observou com atenção e deixou que seu olhar mergulhasse nos olhos dela, enquanto algo insistia em dizer que ele sabia muito bem o que aquilo significava.
não se referia a uma ausência de sentimentos ou de sentidos. Ela não sentia a si mesma, como se sua alma estivesse desconectada de seu corpo. Algo que ele conseguia entender muito bem.
— Você finalmente entendeu. — A voz dela o despertou de seus pensamentos, e ele voltou a focar nas feições da paciente.
— E na noite em que seu marido morreu? — questionou, embora já soubesse qual seria sua resposta.
— Foi a última vez em que consegui sentir — respondeu, sem demonstrar emoções.
— Entendo — ele soltou e desviou seu olhar brevemente para as mãos de apoiadas sob a mesa dele. — Me diga então, , do que você precisa?
— Do que eu preciso? — perguntou um tanto confusa com o que ele queria dizer.
— O que te traz de volta a si mesma? — No fundo, havia entendido perfeitamente a pergunta de , assim como em seu interior ele já sabia qual seria a resposta dela. Cada uma das marcas no corpo da paciente eram evidências daquilo.
— Dor. — E por mais que ele já soubesse daquilo, ouvi-la dizer lhe trouxe a mesma onda de sensações que teve e o enchiam de culpa enquanto analisava as manchas espalhadas pelo corpo dela.
Antes que pudesse se conter, sua língua umedeceu o lábio inferior, e batucou suas unhas sob a mesa, ao se inclinar levemente para o lado.
— Presumo então que o que assumiram ser uma tentativa de suicídio era... — Pausou sua fala e deixou que ela completasse.
— Um experimento frustrado, já que a auto infligida não é a mesma coisa. — Ela o fez obedientemente.
— Nunca é a mesma coisa — seus pensamentos ecoaram com um suspiro, o que arrancou um sorriso repleto de malícia de sua paciente.
— Nunca — apenas repetiu e fez notar que ela se aproximava de sua cadeira.
— Então a morte de seu marido foi acidental — concluiu e a viu assentir. — E por que deixar acreditarem que é insana, ?
— Aí é que está, . Ninguém acha normal a necessidade da dor. Nem você acredita que seja. Do contrário, não esconderia essa parte da sua vida. — Ela havia o visto da mesma forma que ele a viu.
— Não escondi de você — confessou. alargou seu sorriso e se aproximou um pouco mais do médico.
— Porque sabe que não precisa. Porque somos iguais, Doutor . — Sim, aquilo estava claro para ele. — E porque somos assim, eu tenho certeza de que você não gosta de perder tempo com papo furado.
não precisava entender o que queria dizer com aquilo, estava explícito em seu olhar e na forma como se aproximava dele, mas, mais do que isso, aquilo era tão preciso quanto os resquícios de sua consciência gritando que as coisas que imaginou fazer com extrapolavam a definição do antiético.
— Precisamente — soltou, num impulso, e sua sobrancelha se arqueou, a instigando a cortar a conversa fiada, enquanto jogava tudo para o alto.
O motivo daquele nervosismo todo antes da consulta iniciar estava claro como cristal: seria sua ruína.
Uma risada ecoou dos lábios dela, e apenas a observou no momento exato em que a mulher se inclinou para tocar os ombros dele e o empurrou o suficiente para que a cadeira se afastasse da mesa. lançou um olhar analítico por todo o corpo do médico, e então sentou-se sobre o colo de , colocou uma perna de cada lado dele e levou seus lábios até bem próximos dos do homem, insinuou um beijo, mas recuou em vez de consumar aquilo de fato.
. — Ouviu-o resmungar com impaciência e soltou um muxoxo.
— Tão previsível, doutor. — O comentário fez com que franzisse o cenho, sem entender a que a mulher quis dizer com aquilo, mas ele descobriria da pior maneira possível.
Num instante, ele podia jurar que atacaria seus lábios e se entregaria aos prazeres que a dor poderia lhes proporcionar. Em outro, ele sentia uma pancada na cabeça e desabava inconsciente.

👨‍⚕️


Com uma dor lancinante, teve uma sensação de déjà vu ao abrir seus olhos e se encontrar debruçado sob a mesa de seu consultório. Piscou-os rapidamente e o arrependimento tomou conta de si ao se levantar de maneira brusca, porque a dor aumentou.
— Mas o que... — resmungou, ao levar uma de suas mãos até sua cabeça e sentiu que seus cabelos estavam melados com algo que não demorou a descobrir ser seu próprio sangue.
Completamente aturdido, buscou em sua memória o que havia acontecido e precisou de alguns minutos para lembrar quem havia sido seu último paciente.
Num sobressalto, correu até a porta de seu consultório e, ao abri-la, deu de cara com a enfermeira Cave.
— Onde está ? — questionou e viu a moça franzir o cenho.
— Não está aí dentro com o senhor? — Um arrepio percorreu a espinha do médico ao ouvir aquilo. — Espere, Doutor. O senhor está sangrando!
Mas voltou a correr para dentro do consultório e uma tontura tomou conta de si quando ele notou a janela aberta.
Não era possível. Aquilo era alto demais, não sobreviveria.
No entanto, quando se aproximou do parapeito e olhou para o mundo lá embaixo, seus olhos não a encontraram em lugar algum.
Ele não sabia como, mas havia fugido.


Fim


Qual o seu personagem favorito?
: 0%
: 0%


Nota da autora: Eu e meus personagens doidos de pedra kkk. Espero que tenham gostado. Happy Halloween! 🎃

Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.



Barra de Progresso de Leitura
0%