Revisada por: Júpiter
Última Atualização: 31/10/2024Mas o fogo dentro de mim
Não vai parar de queimar
Até você sentir o mesmo
— McFly, Break Me
Sonolento e com a cabeça latejando como uma música indecente que ninguém aguenta mais ouvir o bardo tocar, Aegon Targaryen — o agora Aegon II — despertou para um dia que tinha tudo para ser horrível. De outro modo, não acordaria com tantas batidas em seu corpo nu. Ele grunhiu, quase implorando por misericórdia, ao tentar entender o que acontecia. Sua mente, porém, era mais lenta do que uma minhoca se arrastando pela terra, empenhando-se para fugir de pássaros predadores. Assim como a presa, ele não teve sucesso. O gosto de vinho em sua boca seca denunciava que não apenas se sentia meio bêbado, ele de fato ainda o estava. A noite, da qual se esquecera a metade, agora cobrava o seu preço.
— Deuses — resmungou, grogue, enquanto se encolhia dos golpes que ainda recebia. — Para que tudo isso?
— Seu idiota detestável! — A garota deu um último e solitário soco antes de perguntar: — Por que diabos fez aquilo?
Havia feito muitas coisas na noite anterior. Muitas mesmo. A bebedeira no castelo. A bebedeira nas tavernas de Porto Real. Os bordéis. As prostitutas. Era difícil montar uma imagem clara de tudo o que acontecera. Apesar de ainda estar um pouco tonto, apertou os olhos para tentar focalizar a figura que estava em seus aposentos, caindo sobre ele como uma dura tempestade. A primeira coisa que notou foi o vestido; se não estava nua, com certeza não era nenhuma prostituta que ele inconvenientemente trouxera para o castelo. Então notou os cabelos brilhantes, aqueles lindos cabelos sedosos que ele… amava. Antes mesmo de seu rosto tomar forma, já soube que se tratava de Redwyn. A doce , que ele já tivera entre seus braços muitos anos atrás, quando ela ainda era a prometida do seu irmão.
— Pare de me olhar assim. — Revirou seus formidáveis olhos. — Vamos, me diga logo: por que fez aquela merda?
— Fiz o quê? — murmurou, confuso.
Ele sempre tendia a fazer o que queria fazer. No entanto, não se recordava de ter feito qualquer coisa na presença de ; ainda mais algo grave o suficiente para justificar aquele tipo de reação. Se o fizera, não deveria ter sido de boa vontade. Ou, ao menos, era nisso em que acreditava.
— Sete infernos, Aegon. — Ela passou a mão pelos cabelos, frustrada. — Você me beijou na noite passada!
Aquilo capturou a atenção dele. Já havia beijado e feito muitas outras coisas com incontáveis pessoas, e sabia perfeitamente bem o quão longe suas escapadas bêbadas o levavam, mas jamais imaginara que beijaria Redwyne. Com certeza poderia ter feito, afinal, ele queria mesmo fazer aquilo. Tinha uma queda quase incontrolável pela garota. Além do mais, sentia falta de tocá-la.
— Eu… — Aegon hesitou, tentando formar uma frase feita, mas tudo o que conseguiu pronunciar foi: — O quê?
Ela riu, incrédula, ao ver o quanto aquele garoto quebrado soava patético.
— Olha, Aegon, sei que estava bêbado e tudo mais — disse ela. — Mas isso não é desculpa para colocar as suas mãos sujas em mim, declarar que me ama e me beijar antes que eu pudesse sequer processar o que você estava dizendo.
passou a andar de um lado para o outro, ignorando o fato de que, debaixo dos lençóis, Aegon jazia nu. Ela respirava compassadamente, tentando manter o controle. Era algo que precisava fazer muito quando lidava com Aegon Targaryen, ainda mais depois que ele virara rei. Aegon engoliu em seco, o calor subindo às bochechas enquanto seus olhos seguiam o movimento da garota. Sabia que não fazia nenhum sentido reagir assim à nenhuma mulher, mas aquela era Redwyne. Havia algo nela que a tornava capaz de mexer com ele daquele jeito. Tinha capacidade de até mesmo fazê-lo envergonhar-se de seu comportamento indecente.
— Eu… — Ele esforçou-se para lembrar, mas sua mente permanecia enevoada. De algum jeito, porém, sabia que o que a mulher dissera era, de fato, o que ocorrera. — Eu fiz o quê?
Apesar de estar soando débil, não podia evitar o pensamento que flutuava, insistente, em sua cabeça. Por que, afinal, teria feito aquilo? Não costumava dizer aquelas coisas para as pessoas, mesmo quando a declaração era verdadeira.
— Deuses, Aegon — estressou-se . — Pare de fingir por um momentinho, por favor.
A garota estancou no lugar e respirou fundo. Não desejava perder a paciência. Não ali, não daquele jeito, não na frente dele. Seu propósito era maior que aquele. Tinha de se lembrar daquilo.
— Não estou… — ele começou a dizer, mas então parou, percebendo que, àquele ponto, uma negação jamais ajudaria no seu argumento. Resmungou em um gemido e enterrou a cabeça nas mãos, culpando-se por ter dito as malditas palavras. — Eu estava bêbado, .
— Sete infernos, eu sei disso! — Bufou, esmorecida. — Eu te odeio.
Um leve rubor subiu ao rosto de Aegon enquanto uma pequena parte dele ardia em uma pontada de decepção. Apesar disso, estava certo de que era uma mentira. , por outro lado, já não tinha tanta certeza assim, afinal, tinha motivos de sobra para odiá-lo. No entanto, sabia que era melhor não pensar muito naquilo naquele exato momento.
— Você… realmente me odeia? — perguntou, estranhamente incerto.
se aproximou, sentando-se na beirada da cama.
— Não, seu idiotazinho estúpido. — Sua mão tocou da maneira mais gentil possível o rosto de Aegon, cujo suspiro quase se transformou em risada de alívio. — Só desejo que pare de fingir e me conte a verdade, meu querido Aegon: por que disse que me ama?
O sorrisinho espontâneo que o envolvera sob o toque da garota passou a se dissolver, transformando-se em algo mais vulnerável ao pensar no que deveria responder. Enquanto ele mantinha o seu olhar distante de Redwyne, a própria esperava com uma paciência nunca antes testemunhada. Tudo, no fim das contas, estava ocorrendo de acordo com seu plano.
— Por que você acha? — rebateu em desafio, tentando recuperar algum controle sobre o rumo da conversa.
— Para ser sincera, eu tenho duas teorias — revelou ela. — Um: você quer fazer eu me sentir… sei lá, envergonhada. — Aegon franziu a testa. Sabia que ela pensaria aquilo dele, afinal, ele tinha uma reputação, mas ainda assim, aquilo o incomodava. — E dois: o que me disse é verdade.
— Eu… — ele parou, olhou bem para e, quando percebeu que não conseguiria admitir nada enquanto a fitasse, desviou o olhar outra vez. — É a segunda.
Seu tom demonstrava má vontade em reconhecer o sentimento, contudo, ele só temia a reação dela. Nunca tinha amado ninguém daquele jeito, que dirá confessado em voz alta para a própria pessoa.
— Ah, Aegon. — fechou os olhos, agarrando a mão dele. — Mas eu sou… — Ela respirou fundo. Ele finalmente confidenciara o que ela havia percebido nos últimos meses. — Eu… sou esposa do Aemond.
Ele congelou ao ouvir as temidas palavras. Aegon jamais tivera o hábito de refletir sobre as coisas antes de dizê-las ou fazê-las. Sempre ia lá e dizia e fazia o que bem quisesse com qualquer pessoa que desejasse. Naquele momento, porém, se amaldiçoava em silêncio por aquele comportamento. Entre todas as pessoas para quem poderia ter dito as três benditas palavrinhas — principalmente quando eram verdadeiras —, tinha que ter sido logo para a mulher que se casara com o seu irmão?
— Eu… — Aegon buscou os olhos reluzentes da garota Redwyne, seu olhar um tanto perdido. — Eu sei disso.
Deuses, ele sabia mesmo. E isso só deixava tudo ainda pior. Apaixonar-se pela mulher do seu irmão era o tipo de coisa abominável que nunca acabava bem.
— E, ainda assim, você de fato me ama, e eu… — Soltou um suspiro que lhe roubou a voz.
Aegon engoliu em seco ao identificar algo estranho nos olhos de , talvez um conflito que se revirava em seu interior. Não desejava pressioná-la, porém ansiava pelas palavras não ditas da garota.
— E você…? — incentivou-a, incapaz de evitar a ousadia.
— Eu… — murmurou baixinho. — Eu também.
O coração de Aegon pulou em seu peito. O príncipe não queria expor toda a surpresa eufórica que o abraçava. Ele mal conseguia acreditar. Não esperava que a toda pomposa Redwyne assumisse os sentimentos que nutria por ele, logo ele, entre tantas pessoas. O príncipe arrogante que se tornara um rei perdido e sozinho, o garoto imaturo que constrangia a família em cada momento possível. Poderia aquilo ser verdade? Talvez aquele ainda fosse um de seus sonhos bêbados.
— Você… também? — perguntou, enfim, uma mistura de descrença e esperança dançando em seus lindos olhos.
— Mas seria melhor se não amasse, não seria? — Levou suas duas mãos ao rosto de Aegon. — Não consigo evitar o que eu sinto, e o Aemond… Bem, deixa para lá. Olhe para você… Eu me lembro bem das nossas duas noites anos atrás.
Seu coração se agitava conforme as memórias das noites em que ele fora até ela brilhavam em sua mente como luminosas estrelas em um céu noturno. Ele tentou evitá-las, afinal, não seria bom ficar excitado naquele exato momento, pois conhecia o suficiente para saber que a garota não gostaria daquilo. As noites que compartilharam ainda assombravam os dois, porém de jeitos um tanto diferentes.
— Eu também me lembro — confidenciou, inclinando-se levemente para sentir ainda mais o toque da garota. A jovem Redwyne daquelas noites ainda o visitava em seus sonhos molhados.
— Não é como se desse para esquecer — disse simplesmente, então sacudiu a cabeça e focou sua atenção novamente em Aegon. — Sei que você é um garotinho bêbado e estúpido que se tornou rei, mas, deuses, eu não consigo me conter. — Suspirou alto. — Aemond vai nos matar.
Aegon retorceu os lábios em sinal de irritação, tanto pelo comentário sobre ele mesmo — o qual sabia que era verdade, mas não desejava ouvir saindo da boca dela — quanto pela menção ao seu irmão. O irmão que se casara com ela e a tinha quando desejasse, diferente dele.
— Ah, por favor — zombou. — Aemond pode tentar, se quiser. Eu o matarei com a Fogonegro se ele ousar nos desafiar. Não deixarei que toque em você.
— “Por favor” digo eu! — revirou os olhos antes que conseguisse conter o comportamento indesejado. — Aemond consegue acabar com você em dois tempos.
— Qual é! — reclamou ele. — Você está superestimando ele ao mesmo tempo em que me subestima.
Aegon buscou banhar-se em confiança e arrogância, sem sucesso. Ao ouvir a risadinha carregada de zombaria que a garota deixara escapar, um leve rubor de constrangimento surgiu em suas bochechas.
— Minhas desculpas — pediu, com a mão sobre a boca para conter o riso. — É só que… Bem, eu conheço o homem com o qual me casei.
— Ele não me venceria — insistiu em um último recurso.
— Ah, meu bem — suspirou ela. — Ele venceria, sim.
— Sei que você não é a Mãe, mas podia ao menos ter um pouquinho de misericórdia antes de acabar comigo desse jeito — resmungou, fazendo beicinho. Aquilo arrancou outra risada dela, uma que o agradara daquela vez. Quando o riso se desvaneceu, ele voltou ao assunto: — Você realmente tem tão pouca fé em mim?
— Em uma luta contra o Aemond? Sim. Eu com certeza apostaria todos os meus dragões de ouro nele. Como disse: conheço o meu marido — ressaltou, amaldiçoando-se por falar demais. Se atenha ao plano, xingou-se mentalmente antes de dizer: — Em todo o resto? Não sei, é difícil. Mas acho que minha fé em você aumenta um pouquinho.
Aegon buscou por uma resposta que não foi capaz de encontrar. Sabia que, no fim das contas, estava certa. Suspirou, resignando-se com relutância, e então um sorriso malicioso brotou em seus lábios.
— Talvez esteja certa, querida . — Inclinou-se ligeiramente para trás na cama. — Mas tenho certeza de que sou bem melhor do que o Aemond em alguns… outros aspectos.
Não precisava dizer as palavras. Ambos compreendiam o que ele queria dizer com aquilo.
— Ah, você é. Cem por cento — enfatizou ela. Não era mentira. Por bem ou mal, Aegon ao menos desejava tocá-la, senti-la. — Aemond nem sequer me toca.
Ela fechou os olhos, punindo-se mentalmente por outra vez ter falado mais do que planejara. De qualquer modo, aquilo poderia ser útil. Aegon olhou para a garota aflita com curiosidade e um pouco de desejo.
— Ele não te toca? — repetiu, aproximando-se um pouco mais dela. — Mesmo que seja a esposa dele?
— É aí que mora a minha tragédia — confidenciou com sinceridade. — Sim, o Aemond é… — Ela parou para refletir. Entendia um pouco da questão do marido, mas não podia simplesmente trazê-la para uma conversa com o irmão dele. — Aemond é meio… esquisito.
Aegon arregalou os olhos. Ali estava uma novidade. Sempre pensara em Aemond como o seu irmão mais novo e certinho, que nutria apenas um pingo de alegria em seu corpo esguio. Mas pensar que ele nem sequer tocava em sua própria esposa… Aegon soltou um assobio baixo e permitiu que seus olhos esquadrinhassem a pequena e bela Redwyne.
— Parece que ele está perdendo — murmurou, sua voz baixa e rouca.
— Ah, ele está mesmo — concordou ela, revivendo em sua mente quantas vezes se segurara para não dizer as mesmas palavras para o seu prezado marido.
— Mas eu não sou um tolo como o Aemond — sussurrou ele, erguendo a mão para tocar seu seio sobre o vestido. Seu movimento foi quase hesitante, pois não sabia se tinha a permissão para tocá-la daquele jeito. Ainda assim, ele era o Aegon. Não gostava de esperar que a resposta lhe fosse dada. — E eu seria um tolo maior ainda se não tivesse você só para mim quando tenho a chance.
O toque repentino a surpreendera, mas ela esforçou-se para manter sua expressão impassível e não tensionar tanto os músculos. Não que Aegon percebesse mudanças sutis com facilidade, claro. De qualquer modo, sabia que era melhor não arriscar.
— Como fez nas outras duas vezes, não foi? — Não pôde evitar dizer.
— E como pretendo fazer agora — evidenciou.
— Mas não pense que seu irmão vai permitir que sejamos felizes juntos — avisou-lhe. Aegon franziu o cenho. Sabia que Aemond ficaria furioso se descobrisse, mas não conseguia deixar de querer ir contra o que era lógico. — Aemond pode não me tocar do jeito que eu gostaria que fizesse, mas ele me vê como uma posse, Aegon. Eu sou a esposa dele. Sou dele em todos os sentidos possíveis.
A convicção nas palavras da garota o incomodou. Um rosnado baixo retumbou em sua garganta.
— Dele? Você não é dele — retorquiu, apertando o seio dela com mais força, fazendo-a arfar. — É minha. Já foi mais de uma vez e será de novo.
— Ah, meu bem, ele não concordaria com essa afirmação — disse da maneira mais suave possível.
— É isso mesmo. — A voz de Aemond ressoou pelo quarto, afiada como aço valiriano. Por um momento, quase esqueceu-se de que não deveria sorrir. — Eu não concordaria.
Aegon virou lentamente a cabeça para encarar o seu irmão mais novo. Seu coração afundou ao ver a expressão dele, que condensava muitas emoções diferentes e conflitantes.
— Aemond… — disse apenas, uma vozinha fraca que quase implorava por piedade. Aegon estava sem palavras pela primeira vez em muito tempo.
— Esposa — Aemond cumprimentou a mulher, de olhos estreitos, ignorando o apelo de seu irmão, que se esquecera de sequer tirar sua mão suja de cima de Redwyne.
— Você finalmente veio — disse ela, seus lábios tremeram em um esboço de sorriso.
A garota estava, de fato, esperando por aquilo. Tinha vindo até Aegon depois do “eu te amo” bêbado da noite anterior porque sabia que poderia usá-lo a seu favor. E, agora, Aemond enfim viera reclamar sua posse, sua esposa, ela. Talvez, em uma situação como esta, ele me queira, me toque, pensou consigo mesma, sem deixar o verdadeiro objetivo escapar-lhe à memória.
Aegon rangeu os dentes ao vê-la sorrir para Aemond. O que ela tem na cabeça?, questionou-se, com raiva.
— Fique longe dela, Aemond — avisou ele, embora todos os três soubessem que não estava em posição de fazer exigências. Ainda mais quando jazia ali, nu e com a mão sobre a mulher do seu irmão.
— Tire suas mãos sujas de cima dela, Aegon. é minha esposa — Aemond falou, seu olho explodindo toda a fúria que seu corpo evitava mostrar. Ele manteve as mãos nas costas para não expor seus punhos cerrados. — Ela é minha e eu sou dela.
— Não — Aegon retrucou sem pensar. Deslizou a mão pelo corpo da garota para envolver sua cintura e a puxar para perto. quase caiu deitada por cima dele. E dessa vez não conseguiu esconder o quanto seus músculos se tensionaram. — Você a teve por dois anos e, ainda assim, não fez nada. Deixe para quem entende da coisa, irmão.
Redwyne poderia se afastar de Aegon sem complicações, porém, ainda que quisesse aquilo, estava sendo um tanto divertido assistir no que aquilo iria se tornar. Além do mais, tudo estava indo como o planejado e, de bônus, aquilo a fazia desejar ainda mais o seu marido. Observou com olhos atentos Aemond fechar a porta atrás de si, travando-a com um barulho alto. Então, com os três trancados sozinhos nos aposentos do rei, ele colocou sua mão no punho da espada em uma clara ameaça.
Aegon afirmou mais o aperto em volta da cintura de enquanto seu olhar cauteloso oscilava entre Aemond e sua espada. Agora que Aemond fazia-se presente, tudo se tornava cada vez mais real. Ainda se sentia tonto e meio bêbado da noite anterior, mas com certeza não havia sido apenas um pequeno deslize de sua língua e de seus sentimentos. A fúria no rosto de seu irmão mais novo transformara a situação em algo muito mais perigoso do que deveria ser.
— Vai usar essa espada em mim, irmão? — desafiou-lhe.
— Não tem mais ninguém em quem eu poderia usar, tem? — Aemond disse, sua voz quase aprazível. Seu único olho focou na garota Redwyne. — Quais foram as palavras que o septão disse para finalizar o casamento mesmo?
— “E maldito seja quem se interpuser entre eles” — falou sem hesitar, sorrindo. Gostava de vê-lo assim, enciumado. — Entre nós — adicionou, apenas para incitá-lo.
Por mais que se esforçasse, Aegon não conseguia encontrar nenhum sentido no sorriso suave como uma pluma que dançava nos lábios voluptuosos de Redwyne. Não compreendia como a mulher poderia estar tão calma e, pior ainda, tão contente por ficar presa entre dois irmãos prestes a se despedaçarem por sua causa. Aegon apertou o braço ao redor dela como se fosse a única coisa capaz de o manter na realidade.
— Não pode tê-la, Aemond, você não a quis — falou, mais uma vez sem pensar. Nunca pensava direito antes de falar a merda que fosse. Mas não podia controlar. A situação já estava fadada à ruína desde que ele confessara, na noite anterior, o seu amor por da Casa Redwyne, a esposa de seu irmão. — Você não a merece.
— Na verdade, ele nunca me teve, já que não me toca. — Ela ergueu o queixo, lançando seu melhor olhar de desafio para Aemond. — Não é mesmo, meu amor?
Aemond irritou-se com a provocação, a mão da espada tremendo levemente. Ela quase sorriu. Queria que sua provocação passasse uma clara mensagem: “faça alguma coisa, me clame”. Aemond não conseguia acreditar que ela estava realmente querendo dizer aquilo. Bem, ele de fato não tinha sido o mais… atencioso… dos maridos com ela em seus pouco mais de dois anos de casamento. Mas ainda assim… Desde quando sua esposa era daquele jeito? E pior: como pôde não ter percebido antes?
— Deuses! — Seu olho dardejou a figura de , ainda pressionada contra o corpo nu de Aegon e os lençóis. Ele estava prestes a explodir. — Não consegue manter as suas mãos para si por um maldito dia?
— Bem, eu mantenho minhas mãos macias para mim mesma de todas as maneiras que possa imaginar, marido, embora eu preferiria manter minhas mãos para você em alguns momentos — confessou. — Mas acho que estava falando isso para o Aegon e não para mim, então…
Aemond rangeu os dentes. Um incômodo fervia em seu interior quando lhe fazia lembrar que, como marido, havia a negligenciado completamente por anos a fio. Empertigou-se, estudando-a com o olhar. Já costumava sofrer em uma luta árdua diária para conter o seu temperamento. O fato de sua esposa estar voluntariamente nos braços de outro homem — nos do seu irmão, dentre todas as pessoas — não estava ajudando em nada.
— Pare com isso — rosnou, a voz baixa e perigosa. Nem sabia se referia-se às falas dela ou a qualquer que fosse o jogo que ela estava jogando ali. — É minha esposa, . Não vou dividir você com ele.
— E realmente acha que era isso que eu queria vindo aqui, meu amor? — riu, seca. Ela queria poder e desejava vingança. — Acabe com isso, Aemond — suplicou-lhe —, e me faça sua.
Aegon afrouxou o aperto ao ouvir aquelas palavras, surpreso e, mais do que tudo, desnorteado. Nada fazia sentido.
— Quer que eu te faça minha? — Aemond deu alguns passos na direção da cama. — E como pensa que eu farei isso, esposa?
— Qual parte? Me fazer sua ou acabar com ele? — Lambeu os lábios e lançou um olhar atravessado para Aegon. — Conheço você, marido. Acho que sabe muito bem como fazer as duas coisas.
— Ambas, sim. — Aemond parou ao lado da cama, elevando-se sobre os outros dois. Sua mão ainda agarrava o punho da espada, mas seu olho, fixo em , brilhava com um apetite que a garota jamais vira nele. Aquilo a agradou. Gostava de ter a atenção do marido focada somente nela. Era a segunda coisa pela qual mais ansiava.
— E que tal começar acabando com ele? — sugeriu ela, focando na primeira coisa que mais desejava: sua vingança. Ela se desvencilhou de Aegon e levantou-se. — Se fizer isso por mim, marido, serei sempre sua — prometeu. — Até mesmo se quiser continuar evitando o meu toque, o que eu preferiria que não. Mas é um sacrifício que estou disposta a pagar.
O olhar de Aemond intensificou-se ainda mais. Ele entendia a implicação da palavra enfatizada por sua esposa e, pela primeira vez, a enxergou de um jeito completamente diferente. Não sabia que era aquela a mulher com quem havia se casado. Era como se ela, enfim, tivesse tirado um véu que a cobria e se mostrado para ele por inteiro, com cada parte desnuda para que ele pudesse ver e entender. Estava quase hipnotizado pela nova Redwyne que acabava de conhecer.
— Você dois são loucos? — gritou Aegon, enfim conseguindo colocar para fora o medo que se entranhara em suas veias durante a conversa daquelas duas pessoas que ele achava que conhecia muito bem. De Aemond ele até esperava algo parecido, apesar de jamais pensar que o comportamento do irmão se voltaria contra ele, mas de … A doce por quem ele acabara se apaixonando no meio de toda aquela confusão… Aquilo ele não conseguia compreender e nem aceitar.
— Loucos? Não. — Aemond ponderou por um segundo. — Práticos, eu diria.
— Práticos, é isso. Acho que é nesse ponto que somos perfeitos um para o outro, marido. — abriu um sorriso tão diabólico que ninguém nos sete infernos seria páreo para ela. — Seria prático removê-lo do seu caminho até o Trono de Ferro, não? Por que não faz isso logo, antes que ele comece a correr pelado e gritando?
Aemond não pôde evitar um sorriso em resposta àquelas palavras. estava de fato encorajando-o a dar um jeito no seu irmão — algo no qual ele já pensava há algum tempo. Não podia negar que gostava muito mais do novo lado da esposa. Fazia-o querer estar perto dela e descobrir tudo o que fosse possível dessa nova Redwyne que até aquele momento não havia demolido as paredes que a encobriam. Além disso, a curiosidade o envolvia como nunca antes. Queria saber por que ela desejava tanto o fim de Aegon Targaryen, se há pouco estava nos braços dele. Mas tinha uma leve impressão de que ela logo lhe contaria.
— Ouviu o que minha esposa disse, irmão. — Virou-se para Aegon, que havia se levantado para tentar se afastar daquela cena maluca. — Não posso te deixar fugir.
Aemond sacou a espada e apontou-a para Aegon, impedindo-o de seguir com qualquer plano que tivesse bolado. A verdade era que Aegon não tinha nenhum. Estava apenas tentando reagir através de seus reflexos, que já não eram muito bons nos raros momentos em que estava sóbrio. Seu coração batia de modo irregular. Seu irmão mais novo segurava uma espada contra ele e sua expressão evidenciava que tudo aquilo era mais do que sério. Lançou, então, um olhar de pânico a , que sorria, contente com o resultado de todo o seu plano. Um peso afundou seu estômago ao vê-la daquele jeito. Ela realmente queria aquilo.
— Por quê? — murmurou feito uma criança perdida e abandonada. — Você disse que me amava.
— Ah, meu bem, eu disse o que você queria ouvir — ela riu, uma risada áspera. — Isso não significa que era verdade.
As palavras o atingiram como uma adaga de aço valiriano em seu coração. Ele havia acreditado nela. Realmente acreditado que ela o correspondia, que o amava de volta de uma forma distorcida e até doentia. E tudo não se passava de uma mentira. Sentia-se duplamente traído. Pelo irmão, que mantinha a ponta da espada pressionada sobre ele. E pela garota que ele amava, a esposa de seu irmão, a qual agora soava tão parecida com Aemond que chegava a doer.
— Você… Você não me ama? — questionou, completamente quebrado. Era sua última tentativa de escapar daquele maremoto de verdades que desabava sobre ele.
— Infelizmente para você, eu amo um outro tipo de pessoa quebrada — confessou ela, deixando seu olhar cair sobre Aemond como uma chuva leve e revigorante. — O tipo de pessoa quebrada que acaba se transformando em algo ruim… assim como eu.
Aemond sorriu, deleitado. Ele, de fato, gostou de ouvi-la admitir o quanto era tão deturpada e quebrada quanto ele. Sua esposa tinha segredos, afinal. E ela o amava pelo que ele era, mesmo que a tenha negligenciado por tanto tempo. Aquilo, sim, era admirável. Já nutria sentimentos pela esposa há um bom tempo, apesar de nunca o ter exposto fisicamente. Tudo dentro de si era muito nebuloso e complicado quando chegava àquele ponto. Ainda assim, a relação dos dois não costumava ser turbulenta. O mais próximo disso a que chegaram era a situação atual. E esta era uma turbulência diferente. Uma das boas.
— não te ama, irmão. — Ele elevou a espada até a lâmina roçar no pescoço de Aegon. — Ela ama a mim.
— Ah, Aegon, eu nunca poderia te amar — confessou ela. — Você veio até mim anos atrás. Duas noites que jamais me esquecerei. Deuses, todo mundo ficou sabendo, até o meu prometido. — Ela caminhou devagar até eles e tocou o ombro do príncipe, falando diretamente a ele. — O que não soube, marido, foi que eu nunca quis aquilo. Eu era mais jovem e não conseguia me defender de alguém como ele. Mas duvido que nosso querido Aegon sequer tenha percebido isso, é claro. Quem iria lhe negar uma noite ou duas, não é?
Seu rosto se retorceu em uma careta carregada de ódio quando voltou a olhar para Aegon. O olho de Aemond estreitou-se ao vagar da garota para o seu irmão mais velho.
— Como pôde fazer isso com ela, irmão? — Pressionou a espada com mais força contra a garganta de Aegon. Este abriu a boca para dizer algo, mas Aemond negou vagarosamente com a cabeça. — Shh! Nada que disser vai mudar o seu destino. É tarde demais para você.
Quando sua pele rompeu e o primeiro filete de sangue escorreu por seu pescoço, Redwyne começou a sentir o gostinho da vitória. Aegon ainda olhava para ela, sofrendo para acreditar que aquela merda de fato estava acontecendo. Ele ainda a amava, ainda a queria mesmo depois de tudo o que ela havia dito. Sentia-se ferido de todas as maneiras possíveis. Ele faria qualquer coisa para acordar daquele pesadelo e tê-la em seus braços outra vez. Mas não o amava. Ela realmente apaixonara-se por Aemond, e tudo o que ele precisara fazer para isso fora conviver com ela e respeitá-la. Um tipo de atenção que Aegon jamais a dera.
— A espada pode ser do seu irmão, mas a vingança é minha — declarou enquanto ele agonizava, com a lâmina perfurando sua garganta mais e mais. — Lembre-se disso nos sete infernos, meu bem.
As últimas palavras saíram carregadas de um nojo há muito escondido. jamais desviou o olhar. Queria ver aquilo. Sonhara com aquele momento por anos e anos. Os olhos de Aegon deixaram de pairar sobre ela quando a espada de Aemond enfim encontrou um lar na garganta do garoto, que soltou um som gorgolejante… o último que jamais faria. suspirou, aliviada. Finalmente havia acabado. Ela tinha cumprido a promessa que fizera para si mesma sob a luz do Deus de Sete Faces. Aegon se fora e nunca mais poderia tocá-la sem a sua permissão.
— Acabou, . Ele nunca mais encontrará você. — Aemond virou-se para ela. — Você é minha agora. E eu jamais vou te tocar se você não quiser.
— E se eu quiser? — investigou. — Meu problema com você tem sido o contrário. Eu desejo o seu toque e não recebo nada em resposta.
— É… complicado. — Ele colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha dela e acariciou seu rosto com ternura, de um jeito que jamais fizera antes. — Daqui para frente, vai receber todas as respostas de que precisar, . Você me pertence.
— Eu sempre pertenci, Aemond. — Ela fechou os olhos, deixando-se levar pelo toque gentil e zeloso. — Você só não havia percebido até agora.
Aemond franziu o cenho. Culpava-se até a morte por não ter percebido antes toda a conexão que os dois poderiam ter. O pensamento de sua esposa ansiando por seu toque por anos enquanto ele a ignorava completamente o levava para além dos limites cabíveis.
— Por mais de dois anos, você foi minha. — Seu olhar vagou do rosto gracioso da esposa para o seu corpo. — E eu não te toquei nem sequer uma vez.
— Nunca é tarde demais para uma primeira vez. — Ela pressionou seus lábios nos dele. — Viu só? Antes tarde do que nunca. E, se quer mesmo saber, eu até entendo.
— Entende? — perguntou, sem saber se ele mesmo se entendia.
— É, sabe… Somos pessoas quebradas, você e eu. Uma que evita tocar, e outra que anseia por isso. — Umedeceu os lábios, abarcando o rosto de Aemond com a mão em um toque cheio de afeto e desejo. — Acho melhor limpar essa espada e sairmos desse quarto antes que alguém perceba o que aconteceu aqui — lembrou. — Parece que agora se tornará o príncipe regente, marido. Meus parabéns.
Aemond arfou de satisfação ao se dar conta daquilo. Ele finalmente abriu o punho, deixando a espada ensanguentada cair no chão com um estrondo. As questões políticas virando-se em seu favor era algo que ele desejava há muito tempo. No entanto…
— Lidaremos com isso mais tarde — forçou-se a dizer. Havia algo maior acontecendo ali, entre marido e mulher. — Tenho outra coisa em mente para agora.
— Ah, é mesmo? E o que seria? — Ela quase riu. — Está planejando me tocar um pouco mais ou iremos matar o resto da sua família juntos?
Aemond não foi capaz de evitar um sorriso com aquela sugestão. Mais de dois anos, pensou ele, tentando entender como não havia percebido antes que se casara com a pessoa certa para ele. Sacudiu a cabeça, rindo levemente.
— Por enquanto, não, há muito tempo para tudo isso. — Ele agarrou suavemente o queixo dela. — Mas acho que deveríamos comemorar a conclusão da sua tão almejada vingança.
— E como planeja fazer isso, marido? — Ela mordeu o lábio.
— Gostaria de realmente te ter como minha esposa o quanto antes — comunicou. — E não se preocupe, não teremos interrupções.
Daquela vez, foi ele quem pressionou seus lábios contra os dela, que o correspondeu com uma urgência quase selvagem. Ele aprofundou o beijo com sofreguidão, suas mãos envolvendo o corpo dela para puxá-lo contra o seu. Até aquele momento, Aemond não tinha percebido o quão arrasador era o seu desejo de tocar em . Agora que provava seus lábios, saboreava seus sentimentos por ela e sentia o toque de sua pele macia contra a dele, tudo havia mudado. Era como se a primavera tivesse despontado depois de um inverno que durara anos. De repente, as coisas não pareciam mais tão complicadas assim.
— Bem, você trancou a porta, não é? — ela disse em uma breve pausa para respirar. — E eu acho que os mortos não podem nos interromper.