Última Atualização: 06/05/2025
Uma história que parecia se repetir com frequência no mundo bruxo. Um bruxo considerado puro-sangue, nascido dentro de um nome poderoso e respeitado, apaixonar-se por um mero humano trouxa apenas revelava a tragédia encravada no âmago de corações que não poderia ver barreiras, mas apenas buscar reconhecer semelhantes. Inescapável, certamente, evitável.
A família Rozenn, porventura, era reconhecida no mundo bruxo, mas especialmente na França, não apenas por sua beleza estonteante, capaz de enlouquecer bruxos — graças a sua herança provavelmente das antigas criaturas chamadas Veelas —, como, igualmente, por sua pureza sanguínea intacta, mantendo a tradição de apenas envolver-se com bruxos puro-sangue, permitindo que suas habilidades não apenas florescessem, mas revelassem maior profundidade quando o tópico era poções. A tradição, esta, não contava com a falta de apoio de muitos inseridos do mundo bruxo, embora, os jovens de tais famílias por vezes, preferirem desertá-la, escolhendo por vontade própria a solidão infundada do mundo trouxa, à submeter-se a um eterno tormento de casar-se com um desconhecido apenas para que fosse mantido a linhagem de sua vida segura. Eram uma das famílias que possuíam consideráveis habilidades, e que havia cultivado uma estadia fixa em escolas renomadas no mundo da mágica, como a Beauxbatons, e, eventualmente, outra que melhor se adequava as demandas esperadas pela matriarca da família, a temerosa Durmstrang.
Blanche Rozenn havia nascido durante uma noite de tempestade intensa, no final do verão francês. Era dito que, desde pequena, a garotinha havia nascido com o único propósito de tornar-se uma força para ser reconhecida. Era determinada, habilidosa e certamente focada no que assim desejava. Não havia ninguém que pudesse fazer um feitiço tão bem feito quanto Blanche Rose-Marie Rozenn, mas sua verdadeira habilidade mesmo era com suas palavras. Garota ladina e ligeira, era facilmente uma das mais carismáticas e expressivas alunas de Durmstrang. Pouco não conseguiria com algumas palavras bem arranjadas e um tom de voz doce e amigável. Pouco não conseguiria com aquele sorriso charmoso e convidativo. Conforme cresceu, acabou aceitando a proposta feita por sua família de unir as casas Greengrass, com aos Rozenn, em um breve impasse, ficou decidido entre o jovem casal que seria Edwin Greengrass o responsável por trocar seu sobrenome e assumir o posto de herdeiro da família Rozenn. Com um ano de casamento, Blanche e Edwin, agora estabelecidos em Paris, receberam em sua mansão a pequena Joanne Karine Rozenn, primogênita do casal, e nomeada em honra a sua avó materna, a garotinha era a concepção física igualitária de sua mãe, exceto que possuía os olhos de seu pai. Tal como era comum que crianças Rozenn possuíssem cabelos fortes de um loiro platinado, quase branco, os fios prateados eram legendários pela percepção de que haviam sido entregues após um acordo com um ser mágico ancestral.
É claro, não passavam de lendas, mas o folclore que povoava o poder da casa Rozenn nunca havia sido desmentido, fosse lá quais as intenções por trás de manter a tradição, o intuito era sempre os lembrar da importância que possuíam. Blanche e Edwin ainda se tornaram pais de mais três meninos, antes de chegarem a última criança.
História um tanto quanto complexa. A essa altura, quase doze anos casados, o casal que era conhecido por sua imagem impecável, ocultava do olhar de todos as incoerências e dificuldades, causadas pelos ressentimentos provenientes do relacionamento arranjado, foram convidados pelo Ministro da Magia para se mudarem para Bucareste, e como uma extensão do convite, Blance Rozenn acabara por ser concedida a oportunidade de tornar-se uma das professoras de Durmstrang. Posição de grande prestígio jamais seria negada pela, agora, matriarca da família Rozenn. E foi neste lugar, que ela conheceu o admirável Professor de Arte da Magias das Trevas, conhecido apenas por Vladimir Krasny.
Um homem bonito e imponente, de postura intrigante, olhos intensos e observadores, capazes de absorver pequenos detalhes que até mesmo os mais atenciosos poderiam deixar escapar por mero acaso ou distração, e uma quietude gentil que parecia sempre ser um convite para que orbitasse ao seu redor. Os cabelos destacavam-se entre os rostos pálidos que povoavam Durmstrang, e sua gentileza, de certo, desafiava a postura mais fria das famílias puro-sangue de bruxos que compunham o Instituto. Talvez tenha sido por isso que Blanche Rozenn tivesse se encantado pelo homem soturno, ou, igualmente, fosse apenas o despeito causado pelo marido, que agora preferia trabalhar com maior frequência no Ministério da Magia da Romênia, parecendo estar determinado — quase obcecado — em entender o componente a muito desaparecido do mundo bruxo conhecido por Magia Ancestral; seja quais fossem as pérfidas irrisórias desculpas que Blanche pudesse usar para justificar sua traição, o fator chave ocorreu. Ela se envolveu com o belo e silencioso professor de Artes da Magia das Trevas.
O caso durou cerca de três anos, período este em que Blanche Rozenn havia lecionado, antes de retornarem, mais uma vez para Paris. E neste caso extraconjugal, nasceu sua última criança, que recebera apenas o nome de River, ou como Edwin Greengrass-Rozenn chamava afetuosamente: Rio. Para a pouca surpresa de todos, porém ainda deixando-os perplexos, Blanche Rozenn não viera a sobreviver a seu último parto, já enfraquecida pela perda de sangue, morreu um pouco antes de sua última criança ter nascido, e perdera a oportunidade de ter um último confronto com seu marido, Edwin, sobre a paternidade da criança.
Ficou claro, no momento que a criança havia saído de seu ventre, não carregava o mesmo sangue que Edwin. Não era apenas a pequena estrutura que dava vazão para os questionamentos, mas igualmente, os pequenos detalhes que começaram a ficar aparentes conforme a criança crescia. Primeiro, que a herança característica da família Rozenn não havia se feito presente na constituição de Rio, que, porventura ou carma do destino, carregava cabelos , tal como seu pai biológico, e não os loiros pálidos naturais de um Rozenn, igualmente, possuía os olhos , intensos e profundos, e não os azuis quase prateados da família. Dissonância era tamanha que mesmo para uma criança pequena, seria nítido a infidelidade da mãe para com o pai. E, todavia, Edwin Greengrass-Rozenn, de alguma forma, não havia se ressentido da criança, mesmo que tivesse todo o direito de o fazer — levando em consideração que Rio era a prova viva da infidelidade de sua falecida esposa.
Embora alguns o chamassem de idiota e até mesmo depravado por sua postura, Edwin Greengrass-Rozenn não mudava sua postura. Pelo contrário, mostrou-se além de sua compaixão, tomando a criança como sua no momento que havia segurado o pequeno corpinho protestando entre soluços, sem hesitação. Sua falecida esposa poderia ser a culpada, mas não a criança que havia carregado. Portanto, o ressentimento havia partido de sua primogênita, mesmo a contragosto do patriarca da família, tomando forma nas ações de Joanne Karine Rozenn, que não demorou a influenciar seus outros irmãos. Ao longo dos anos que se passaram, e as crianças foram crescendo, a discrepância no tratamento de estranhos para com os filhos de Edwin eram visíveis, e talvez, fosse por isso que o patriarca tendesse a favorecer sua criança mais nova.
Veja bem, não era que Edwin não amasse seus outros filhos com determinação a respeito, como fazia com Rio, mas talvez, a natureza de Blanche estivesse muito cravada no âmago deste, especialmente Joanne, que o fazia, mesmo a contragosto, repudiar seus mais velhos, e ter um ponto mais suave e gentil para com sua criança mais nova. Ou talvez, fosse a percepção que a única criança que realmente parecia possuir um resquício de sua própria gentileza e compreensão fosse justamente Rio, e nenhuma outra. Ou, ainda, talvez mais perverso do que deveria, e ressentido pela traição da esposa, desejasse suprir todas as necessidades da criança para que Rio jamais precisasse sequer se lembrar de quem a mãe ou o pai biológico haviam sido. O suficiente para proporcioná-la sem necessidade além dele.
E, de fato, Rio nunca precisou ter alguém em sua vida que não fosse Edwin.
Quando a família se mudou para Londres, um pouco mais de dois meses após Edwin adoecer, havia chegado a hora de Rio decidir para qual escola ela desejaria ir, com o histórico da família puro-sangue, seria bem quisto onde quer que desejasse trilhar seu caminho, no entanto, quando sua carta de Hogwarts chegou, Rio rapidamente a descartou, preferido seguir os passos anteriores da família para Durmstrang. É claro que Edwin não havia aceitado muito bem tal decisão, tendo em consideração o histórico e a memória de desventuras que por lá havia vivenciado, mas igualmente, não havia questionado a decisão de sua criança, pois não lhe cabia tal posto.
Teria apoiado Rio independentemente de onde seu caminho lhe guiaria, mesmo que apertasse seu coração o receio de perder sua criança preferida para a Romênia novamente.
A escolha de Rio para seguir para Durmstrang não se devia ao desejo de pertencer a sua família, pois a muito já havia enterrado o desejo de ser aceita por seus outros irmãos. Devia-se unicamente ao desejo de provar-se como melhor diante de Joanne. Joanne que não parecia hesitar em usar-se de palavras cruéis e violentas contra a existência de Rio, não demorou muito para perceber que o talento de Rio prescindir ao de sua família, e o interesse da criança para as Artes das Trevas não se dava a respeito de execução ou tornar-se um Bruxo das Trevas, mas puramente para poder defender-se de Joanne.
Enquanto Joanne despertava mais e mais a atenção de seus colegas e professores, exibindo desde tenra idade a habilidade herdada de sua mãe, Blanche, de sempre encantar e convencer com suas palavras, não demorou para tornar-se uma estrela entre seus futuros colegas no Profeta Diário. Rio, por outro lado, mostrou uma grande aptidão para ser metamorfomago, talvez a melhor que já havia pisado pelos chãos de pedra de Durmstrang; e foi isso que levou Rio até ele.
Nomeado Django devido a seu tio-tataravô que porventura vieram a ser conhecido pela comunidade como o Bardo, por suas cantigas ridículas porém tão grudentas quanto cola, o garoto trouxa cresceu em uma pequena comunidade Romani, no coração de Cluj-Napoca. Espírito livre, sorriso cativante e personalidade calorosa, Django não tinha muitas preocupações se não apenas quais seriam as próximas peripécias a serem feitas, e como ele poderia convencer alguém a dar-lhe comida de graça. Embora nascido e de uma família trouxa, os não eram, igualmente, desprovidos de magia, apenas acreditavam nela de forma diferente. Sua normalidade e realidade influenciavam suas percepções, mas mesmo em pequena idade, Django ainda podia observar os rastros deixados por Magia Ancestral ao longo do caminho.
Podia vê-la envolver seus irmãos mais novos, e sua mãe, Esmeralda. Podia vê-la na maneira com que seu pai cantava com o violão O Dadoro para seus irmãos mais novos quando estes não queriam dormir, e a fogueira estava alta demais para que seu calor fosse negado. Django podia observar nos rostos desconhecidos aqueles brilhos adicionais quando desapareciam em meio a uma parede, ou caminhavam com suas varinhas pontiagudas. Às vezes, gostava de se espreitar por entre paredes e vielas apertadas, até aproximar-se em pubs onde essas criaturas se encontrariam tomando algum tipo de bebida que lembrava vagamente a cerveja.
E foi lá, que, aos 16 anos, ele viu Rio pela primeira vez.
Percebeu-se apaixonado, não pela aparência de Rio, mas por sua essência. Possuía aparência curiosa; enquanto muitos pareciam inclinar-se para algum ponto do espectro que era a concepção de gênero, Rio, por sua vez, o subvertia à sua própria maneira. Não era que Rio fosse uma coisa, ou outra, pelo contrário, era apenas Rio, de uma beleza imensurável e de uma timidez adorável. Na maior parte do tempo, quando Django encontrava com Rio, Rio estaria usando roupas masculinas, os cabelos estavam curtos e a barba aparada. Django particularmente gostava quando Rio usava roupas em tons de verde, que faziam seus cabelos ficarem mais intensos do que já eram. Gostava que, por vezes, poderia apenas emprestar-lhe suas roupas, quando Rio dormia em sua casa.
Os pais de Django nunca fizeram muita questão de questionar a fundo Rio, apenas tomaram Rio como parte de sua família, e cuidavam de sua pessoa com terno afeto. Portanto, não houve uma hesitação da parte de Rio quando se deparou com o dilema imposto por todos os bruxos puro-sangue ao apaixonar-se pelo trouxa Django.
Mesmo seu querido pai, Edwin, não poderia tolerar tamanha “traição” vinda justamente da criança que lhe era preferida. Havia, de fato, recebido o perdão de seu pai, no leito de morte dele, mas já há muito havia sofrido a expulsão de sua família e relegada ao mundo dos trouxas sem piedade, graças a sua irmã mais velha.
A perseguição de Joanne, por um breve período de tempo, havia cessado.
Ocupada com sua carreira de escritora, e agora, a nova matriarca da família Rozenn, estava atarefada demais para preocupar-se com alguém como Rio. E uma vez que Rio estava banida, vivendo uma vida simplória com seu agora marido, Django, pouco poderia fazer para atrapalhar os próprios planos de Joanne de ascender até o Ministério de Magia. Influenciava alguns dos azêmolas da sociedade bruxa com suas palavras vazias e convenientes para com o próprio ódio instaurado dentro de si, sem perceber que o fazia provindo de sua total debilidade emocional e enfado pessoal. Seja como for, por um breve período de tempo, Joanne estava satisfeita com a bajulação e adoração infundada por meras palavras convenientemente arranjadas para fazê-la soar bem.
Mas então, Rio e Django tiveram uma pequena criança.
Herdara de Rio sua aparência, mas era de Django sua personalidade. Curiosa, admiravelmente sagaz e perspicaz, tão boa em observar detalhes quanto seu avô biológico podia, e tal como o pai, não apenas podendo enxergar os rastros de Magia Ancestral, como, surpreendentemente, podia manuseá-la se estivesse se concentrando muito. E isto despertou não apenas o interesse de Joanne, como, igualmente, seu senso de direito sobre a garotinha. Verdade seja dita, Joanne jamais iria aceitar ser menos que alguém, especialmente Rio, a quem Joanne culpava tudo — e a quem de nada tinha sequer possuído culpa. Joanne precisava vilanizar alguém para que pudesse suprir o doloroso fato que se recusava a reconhecer que a pessoa mais nojenta que poderia ter conhecido, a encarava todos os dias de volta no espelho.
Orgulhosa, não demorou muito para que Joanne iniciasse uma verdadeira Caça às Bruxas. Alegou uma série de crimes que Rio jamais poderia ter cometido, mas uma vez que Joanne havia conquistado a credibilidade que precisava, tampouco importava se suas palavras possuíam algum fundamento ou não, desde que ela o dissesse, alguns bruxos inescrupulosos rapidamente a usariam como “verdade absoluta” para fundamentar seus próprios desejos pessoais e agendas. Para o desgosto de alguns poucos membros do parlamento, o Ministério da Magia não havia demorado tanto para aceitar as acusações difamatórias de Joanne, e como tal, tentarem capturar Rio e Django.
Mas o ódio que Joanne havia propositalmente incitado, não eram apenas pequenas chamas facilmente controláveis. Uma vez que o medo era instaurado e o ódio “justificado” tornavam-se labaredas gigantes que consumiam tudo pelo caminho, até que houvesse apenas cinzas. E talvez, Joanne não tivesse a intenção de ver a dizimação de seus parentes, ou, talvez, lhe trouxesse para sua existência miserável, o conforto de uma validação muito esquecida em sua mente infantil. A validação de que ela era melhor — mesmo que não fosse. A validação de uma insegurança que em nada possuía conexão se não a si mesma.
Mas uma vez que havia o desejo de cegar-se, um acreditaria em quaisquer mentiras que lhe fossem ditas; mesmo as que dizia a si mesmo.
Após a morte violenta e trágica de Rio e Django, a pequena garotinha, na época com apenas 3 anos, havia sido deixada sob a tutela de Joanne Karine Rozenn. A autora não tardou em criar uma nova história, aclamada que havia vendido inúmeras cópias para os bruxos de todo o mundo; uma doença, perigosa e facilmente contagiosa que percebera que sua sobrinha possuía. Causada pelo sangue sujo de um trouxa, e um bruxo sangue-puro, o resultado poderia acarretar nas lacerações contínuas dos pequenos membros das crianças, criando inúmeras cicatrizes na pele que o marcavam como doente. Devido a isto, um planejamento maior havia sido feito pelos bruxos de Durmstrang, que temiam que seus alunos pudessem vir a apresentar tal doença, e, como tal, extinguiu propositalmente a entrada de bruxos mestiços.
É claro que houve, de certa forma, resistências para com o novo livro de Joanne Karine Rozenn, e que isso a tornara mal-vista em lugares mais progressistas, todavia, agora como a Vice-Diretora de Durmstrang, era apoiada por inúmeros pais e estudantes do Instituto que presavam fortemente para manter o sangue bruxo, sempre puro. O que poucos poderiam saber era que, as poderosas exibições de magia que Joanne Karine Rozenn o fazia em suas celebrações, na verdade vinha exatamente de uma canalização conectada diretamente com a garotinha acorrentada nas catacumbas abaixo do castelo de Durmstrang. E as cicatrizes que se formavam nos braços da menina, eram apenas as marcas deixadas para trás de sua crueldade, causadas pela Magia das Trevas.
Porque Joanne jamais seria algo melhor do que uma mera parasita.
desabou contra o chão coberto por pedras retangulares, porosas e umedecidas pela calefação precária do lugar, cuidadosamente enfileiradas, enquanto o impacto que lhe roubou o ar, a, momentaneamente, cegava por completo. A dor estava pulsando por seus membros, o ar faltava-lhe os pulmões, tão dolorosamente que pequenos pontinhos de luz explodiram ao redor de suas pálpebras, brilhando e piscando como pequenas estrelas, enquanto os músculos sofriam pequenos espasmos.
Não era apenas o cheiro que era insuportável dentro das catacumbas, ou o sangue pungente, com uma textura pegajosa, que estava grudando contra sua pele de maneira nauseante que a incomodava em profundidade; eram, igualmente, os risos que acompanhavam a queda dela. desejou poder chorar, na verdade, ela estava soluçando sem parar fazia algumas horas já, o suficiente para que seu abdômen doesse e seu diafragma parecesse estar em chamas com o movimento de contração contínuo, mas a esta altura, não havia sequer lágrimas restantes em seu rosto que pudesse lhe fazer alguma justiça. Ainda assim, ela se obrigou a levantar-se, obrigou-se a correr o mais rápido que conseguia. Obrigou-se a manter seu olhar focado no caminho à sua frente, obrigou-se a não olhar para trás. Custasse o que custasse, ela não deveria olhar para trás! Não importava o quanto seu instinto lhe comandasse para que o fizesse, não importava o quão próximo a criatura parecesse de si, ela não deveria olhar para trás. Não importava o quanto o Basilisco estivesse rugindo ao tentar alcançá-la com suas presas grandes e afiadas.
ofegou, no lugar de lágrimas, agora, havia apenas suor escorrendo por seu rosto amortecido, misturando-se contra o sangue de desconhecidos e o próprio, marcando seu rosto com a brutalidade da perseguição em andamento. As risadas ecoando pelas paredes com condescendência e desprezo formavam um coral, a essa altura, já familiar para a garota — não era, igualmente, menos cruel. desejou novamente chorar, mas não conseguia mais. Seu corpo havia chegado ao limite, importava-se apenas com a sobrevivência. Questionou-se o que diabos poderia haver de tão errado com ela — pois deveria haver algo de errado com ela, não havia outra resposta plausível. Quando uma pessoa lhe dizia que você era ruim, então, talvez, esta pessoa pudesse possuir algum erro de julgamento em relação a você, mas quando inúmeras pessoas lhe diziam que você era ruim, então, talvez, realmente existisse um problema severo em você.
desejava apenas entender; se seus amigos pudessem simplesmente lhe contar o que havia assim de tão errado com ela, se eles pudessem dizer onde ela estava errando tão dolorosamente, talvez, apenas talvez, ela pudesse finalmente consertar o que estava de errado dentro de si, e ser como eles queriam. Talvez assim pudessem finalmente ser amigos de verdade, ou ao menos, não rirem com tanto alarde dela. Talvez eles até a aceitassem e gostassem dela, ou, ao menos, pudesse finalmente parar de colocá-la em tais situações em que sua única escolha era correr ou chorar por sua vida. Ela sabia que eles achavam engraçado a situação, sabia que as risadas poderiam não ser soltas por mal, eram apenas o jeito deles, cada um divertia-se da forma que bem desejava, mas ainda assim doía ouvir risadas a cada queda, ou a cada vez que um novo corte se abria em sua pele.
só desejava entender por que quando as pessoas olhavam para ela, tudo o que viam era... aquilo... uma sangue-ruim. Às vezes, acreditava nas palavras de tia Joanne, sobre ela ter nascido um monstro, e ter sido a causa da morte de seus pais. certamente não queria ser um monstro; só não sabia como era não ser um. Não queria fazer mal a ninguém, só queria ter um amigo, poderia ser qualquer um, ela não se importava, este amigo não precisava nem mesmo gostar dela, apenas... não rir alto quando ela caísse no chão já seria o suficiente. não conseguia entender por que a odiavam tanto assim. Por que eles a detestavam quando ela não havia feito nada? Era tão... injusto! E, em paralelo ao sentimento de impotência, restava-lhe apenas cansaço.
Um, tão jovem, poderia apenas aguentar uma determinada quantidade de corações partidos.
Talvez ela devesse deixá-los odiá-la. Talvez ela não tivesse nada dentro de si que pudesse ser digno de ser amado. Talvez, ela realmente fosse um problema e merecesse ser tratada assim. Era uma boa punição, se ela tivesse escolhido nascer como uma sangue-ruim, então merecia a correção, certamente. Talvez, como sua tia Joanne sempre lhe dizia, estivesse choramingando e praguejando por ser uma criatura insensível e monstruosa demais, era egoísta em seu âmago, e não estivesse enxergando o ponto de ser punida e corrigida daquela forma por ter sangue trouxa em suas veias. Era impossível que tantas pessoas estivessem erradas sobre ela; merecia ser tratada assim, mesmo que não entendesse exatamente o porquê.
caiu com força, outra vez, tropeçando contra um corpo, e gritando em completo pavor.
O corpo estava coberto de larvas a esta altura. Apodrecido e desgastado pelo tempo que já havia passado lá embaixo, nas catacumbas, a umidade do ar e os gases que exalavam dele tornavam os corredores ainda mais quentes e nojentos. O cheiro era insuportável. Mas, por mais estúpido que parecesse, especialmente para alguém que estava sendo perseguida por um basilisco em meio às catacumbas abaixo do Instituto Durmstrang, estava com mais medo era das larvas. havia passado a odiá-las e temê-las como se fossem seus verdadeiros bichos papões. Portanto, o grito que rompeu de sua garganta, o suficiente para deixá-la rouca, havia sido o suficiente para fazer com que a serpente sibilante a localizasse outra vez.
A garota tentou se levantar, bem a tempo de jogar-se contra um vão entre as paredes arredondadas das catacumbas, rolando diversas vezes pela escadaria quebrada e com pedras retangulares faltando em determinados pontos até se chocar contra a parede atrás de si. Mais um corte se abre, desta vez em sua nuca, e supriu um soluço de dor. Os olhos dela, estavam embaçados o suficiente para distorcerem as luzes, enquanto ela prendia a respiração com força, trêmula, observando com uma ponta de horror o corpo rastejante do basilisco deslizando pelos corredores da catacumbas, tão próximo dela, que algumas escamas haviam arranhado seus braços cheios de cicatrizes.
achou que finalmente iria desmaiar. Podia sentir sua pressão alcançando um pico e então caindo rapidamente, sua cabeça parecia girar no lugar, e ela soltou um soluço baixo, engasgado, seu corpo se dobrando para frente enquanto ela esvaziava seu estômago. O vômito não revelava nada além de bile, provavelmente porque ela não comia fazia dois dias — uma consequência causada por uma imprudência que fora devidamente punida por Joanne. Com a adrenalina e o instinto de sobrevivência martelando em sua mente, amortecendo tudo ao redor de sua mente, a garota pouco esperou para saber se seria ali que encontraria seu fim. Certamente, mesmo se morresse, seu espírito ainda não iria conseguir compreender sua passagem. Soluçando, ela obrigou-se a levantar-se outra vez, cambaleando cegamente, tateando a parede até encontrar um pequeno vácuo a sua direita e então voltar a correr por sua vida.
Os músculos já estavam trêmulos pelo esforço e a exaustão física, não demoraria muito mais tempo para que ela desabasse no chão permanentemente, talvez, fosse mais fácil se ela simplesmente partisse.
Quando caiu no chão, desta vez, ela não conseguiu se levantar novamente. Ouviu o rugido do basilisco avançando em sua direção, o bafo cálido e putrefato atingindo seu rosto, enquanto fechou os olhos com força, se encolhendo, esperando pela mordida. Esperou pelo momento em que as presas venenosas da criatura se fincassem em sua pele, retalhando os músculos e dilacerando os ossos. Mas a mordida nunca chegou.
Ao longe, ela podia ouvir o grito de um galo. ouviu um gorgolejo, mas não abriu os olhos para verificar de onde partira, ela só abriu os olhos quando sentiu a vibração do corpo da criatura chocando-se contra o chão, reverberando pelo corpo da garota, fazendo os dentes dela baterem uns contra os outros antes de registrar que o basilisco que estava a perseguindo estava morto agora. não soltou um suspiro de alívio, pelo contrário, ela tremeu com mais força, sentindo um medo pior do que o de ser a presa de uma criatura como aquela.
Os olhos da menina desviaram-se do corpo da cobra, agora, jazendo ao seu lado, para encarar os saltos stilettos estalando contra o chão de pedras retangulares, úmidas e cobertas pelo sangue dos outros que estavam presos nas catacumbas. desejou poder fugir, desejou tão forte que sentiu uma pequena dor ao redor de suas têmporas enquanto fechava os olhos, mas como sempre, não houve ninguém que viesse resgatá-la. Ninguém nunca veio resgatá-la.
Ao menos não daquele monstro.
— Chega! — A voz de Joanne Karine Rozenn ecoou pelas catacumbas com intensidade, reverberando por entre as pedras com um tom de aprovação pouco disfarçado. Os olhos de Joanne Karine Rozenn, de um azul prateado gélido como neve, desviaram-se momentaneamente do rosto de para encarar os alunos que se escorava na entrada das catacumbas, com olhares ansiosos e divertidos. — Isso é tudo para a aula de hoje, estão dispensados.
não se moveu, apenas continuou ali no chão, tremendo, encarando suas mãos, agora cortadas e cobertas de sangue trêmulas e amortecidas, com pequenas queimaduras causadas pelo veneno do basilisco. Coberta de suor e sangue, era difícil para que ela pudesse ignorar a sensação de que sua pele estava pegajosa.
Os risos cessaram com resmungos de baixo desapontamento.
A Vice-Diretora de Durmstrang bateu algumas palmas a fim de retomar a atenção dos alunos do primeiro ano, passando os últimos avisos enquanto os indicava para a próxima aula, com o velho professor Krasny, em História da Magia. Diferente das outras crianças, não os acompanhou dessa vez.
Como uma sangue-ruim, não podia acompanhá-los mesmo se assim desejasse. Sua tia Joanne lhe dizia que já havia conseguido a manter nos terrenos do Instituto a muito custo e deliberação para com os outros professores da borda estudantil daquela instituição mágica, dizer-lhes para a aceitar como parte de um de seus estudantes era simplesmente um absurdo impensável — quase heresia. , todavia, era permitida a ajudar seus colegas de turma com seus treinamentos quando era preciso. Uma espécie de cabaia, havia ouvido Professor Volkov dizer uma vez, há um tempinho, embora não compreendesse direito o sentido da palavra, e muito menos como poderia se aplicar nela, assumiu que talvez, fosse este o único motivo que ainda a mantinha ali. Ao menos não completamente esquecida.
De toda forma, a presença de bruxos mestiços ou vindos de famílias trouxas era terminantemente proibida nos solos de Durmstrang. não sabia dizer, todavia se sempre havia sido assim, ou se aquela política teria sido instaurada em algum momento mais próximo do presente do que de fato era. A única coisa que a garota sabia, com perfeita ciência, era de que embora ela não pudesse estudar naquela escola, era igualmente proibida de ir para outro lugar ou encontrar refúgio em outra parte do mundo. Uma vez, observou, pelas janelas uma coruja carregando por entre seu bico uma carta, o papel branco só se destacava por entre os bancos de neve profundos, graças ao pequeno selo vermelho que a carta continha.
Tia Joanne havia matado a coruja, e queimado com sua varinha a carta.
nunca havia entendido exatamente o porquê havia o feito, mas já fazia um ano, e desde então, nenhuma outra coruja chegou perto de onde era mantida. O que quer que tivesse na carta, havia realmente irritado sua tia, pois, durante aquela semana inteira, havia comido apenas os restos de pão mofado que havia em uma pequena caixa perto da dispensa, mesmo que Kaprizen, um dos Elfos Domésticos do Instituto tivesse lhe salvado uma ou outra boa maçã.
Uma vez que as catacumbas estão completamente esvaziadas, a tia Joanne voltou seu olhar para . Havia algo no olhar da mais velha que era assustador, e costumava paralisar a garota. tinha até mesmo medo de respirar de maneira errônea na frente da tia. Ela engoliu em seco, os olhos voltando-se, lentamente, na direção da mulher de cabelos longos e platinados, e olhos prateados fixos no rosto da menina. desejou, outra vez, simplesmente desaparecer. Desta vez, não vieram palavras vis ou até mesmo os tapas que Joanne lhe acertava para lhe silenciar, desta vez, Joanne apenas estalou os lábios, desaprovador, indicando com o queixo para que se levantasse outra vez, uma mão estendida na direção da menina.
— Ande, está na hora do seu tratamento — Joanne Karine Rozenn disse com um tom de voz baixo, até mesmo tranquilo, completamente oposto ao desespero e medo que se esvaía da menina como ondas, pulsando de forma contínua. — E vamos cuidar destas suas novas feridas.
Durante os invernos, era insuportavelmente gélido. Durante os verões, sufocante e cálido. Quando não estava suando, ela estaria tremendo, às vezes os dois, em um espaço de tempo ridiculamente pequeno. As paredes lhe causavam claustrofobia no começo, mas com o tempo, a garota havia se adaptado a manter os olhos fechados, e fingir que estava dentro de alguma das telas, que havia visto uma vez, há muito, muito tempo, no escritório de sua tia. Um prado vasto e de um verde vívido, com pequenas flores silvestres espalhadas esporadicamente pelo caminho, guiando-a talvez para uma floresta escura, mas que, sem sombra de dúvidas, parecia mais segura que as catacumbas de Durmstrang.
se encolheu novamente contra os lençóis puídos e finos que a envolvia na noite fria de Durmstrang, observando com uma ponta de tristeza suas mãos. Uma nova cicatriz se formava onde tia Joanne havia feito o novo feitiço, desta cicatriz esvai-se suavemente um pequeno brilho esbranquiçado de magia, espiralando pelo ar em pequenas formas abstratas, enquanto a garota esperava pelo sono. Estava tão cansada de fugir do basilisco que não conseguia dormir, estava com tantos músculos doloridos pelas quedas e escapada, que lhe doía sequer mover-se na cama, buscando uma posição mais confortável no colchão ralo e puído pelos anos de uso.
Ela se virou para a esquerda, de frente para a parede, soltando um gemido baixo de dor, fechando os olhos com força, pedindo novamente, para o que quer que fosse capaz de ouvi-la que a viessem resgatar. Talvez, até mesmo Azkaban fosse um lugar melhor para ficar do que ali. Talvez, até mesmo passar fome nas ruas fosse ser melhor...
O ar gelado que atravessava as paredes de pedra das catacumbas, enviavam sempre uma onda de alívio por sua pele, especialmente no espaço abafado. Dependendo de como ela apoiava seu nariz contra a parede, quase poderia fantasiar que a corrente de ar úmida e fria, era, na verdade, ar puro. Às vezes, as fissuras das paredes carregavam consigo alguns sussurros. Baixos, sibilantes que espiralavam pelos ouvidos da menina de maneira quase convidativa. Eram altos o suficiente para que ela os reconhecesse, vozes distantes e ainda assim, familiares de certa forma, mas baixo o suficiente para que ela nunca compreendesse com exatidão o que diabos estava sendo dito.
Veja bem, quando era mais nova, até mesmo havia tentado entender tais palavras, mas a contínua falha em seu objetivo a fizera se resignar a acreditar que, fosse o que quer que fossem aqueles sussurros, não pertenciam aos seus ouvidos.
fechou os seus olhos com um pouco mais de força, tentando se obrigar a dormir quando o eco suave e distante da música penetrou as paredes.
não se lembrava do que poderia ser aquele tipo de sons e harmonias. Presa desde pequena naquelas catacumbas, raramente sendo autorizada por sua tia para ficar um tempinho acima, nos pátios do Instituto, pouco poderia dizer que conhecia de fato algo como aquilo, um tom que não era agressivo ou estranhamente doloroso para seus ouvidos, não, aqueles sons não a lembrava de ratos, ou sequer do basilisco mais cedo. Era estranho, desconhecido, mas ainda assim atrativo. Com um fungando baixinho, se sentou em sua cama, usando a parte de trás das suas mãos enfaixadas para limpar o rosto, piscando inúmeras vezes a fim de clarear sua visão, mesmo que não conseguisse enxergar nada a um palmo de distância de si mesma.
Era arriscado, extremamente arriscado, se sua tia descobrisse que ela havia tentado se aventurar novamente pelos corredores de Durmstrang, estaria pelos próximos meses em problemas sérios. Mas, ao mesmo tempo, a garota, que passava a maior parte de seu tempo trancada naquele pequeno quartinho, tentando ler por baixo de uma das fissuras quando havia sol o suficiente para iluminar o quartinho, algum dos livros que Kaprizen havia contrabandeado para ela em um gesto de compaixão para com a menina, estava curiosa para saber o que era, e tentar ouvir, ao menos um pouquinho mais.
tateou as paredes de pedra com cuidado, se esgueirando por entre pequenos vãos e observando atentamente alguns alunos sentados em bancos de pedra ou escorados na entrada, rindo e conversando entre si. Alguns eram evidentemente mais velhos que ela, outros, todavia, pareciam ter sua idade, sentados em um pequeno círculo, gargalhando entre si enquanto comiam algum doce ou giravam suas varinhas praticando feitiços. Algo dentro do peito de pareceu se partir. Ela queria tanto fazer parte daquilo, às vezes, se imaginava sentada com eles, apenas ouvindo-os rir e compartilhando algum doce, questionava-se internamente como seria o gosto dos doces. Se seriam como aparentavam, ou se seriam mais amargos.
Mordendo o lábio inferior, meio ressecado a garotinha lançou um olhar assustado para trás, em direção de seu pequeno quartinho, antes de disparar a toda velocidade, praticamente obrigando-se a correr outra vez, o mais rápido que conseguia, apesar da exaustão de seus músculos sem chamar a atenção de seus potenciais colegas de convivência, e muito menos um dos zeladores do Instituto.
— Sangue-ruim! — Gritou um dos meninos de sua idade sentados na rodinha, seguido por uma gargalhada e um comando de “perseguição”. arregalou os olhos, percebendo tardiamente que havia sido pega em flagrante, e, como em todas as vezes que isto havia acontecido, não demorou muito para que as outras crianças dessem prosseguimento a perseguição para com a garotinha.
correu como se sua vida dependesse disso.
As crianças lhe arremessaram livros e até mesmo lançavam feitiços na direção dela. Nenhum Feitiço Imperdoável é claro, seja lá o que isso significasse para eles, mas feitiços que poderiam levitá-la se assim fosse de seus desejos, ou prendê-la, mais uma vez em um dos lustres, ou pior, fazê-la se coçar até que sua pele estivesse em carne viva. sabia que gritar para eles pararem apenas os incentivariam mais, então, a garota virou bruscamente para a esquerda, descendo novamente as escadarias, rumando na direção da sala de tia Joanne, que certamente deveria já ter escutado a comoção de gargalhadas altas e gritos de comando das outras crianças.
, no desespero, virou para a direita, e então direita novamente, encontrando um vão na parede no qual se espremeu com toda sua força, mordendo com força seu lábio inferior quando a pressão acabou machucando seu ombro esquerdo, tentando desaparecer entre um vão de uma estátua e a parede do Instituto. Prendeu a respiração, mesmo que seus pulmões estivessem desesperados por mais oxigênio, implorando para qualquer entidade de maior poder que a estivesse ouvido naquele momento que ao menos a fizesse passar despercebida por aqueles corredores até que todas as crianças tivessem se entediado de caçá-la corredores da Durmstrang adentro e voltassem a seus próprios interesses antes que sua tia Joanne a encontrasse.
Sabia que o castigo estava vindo de qualquer forma, pelo menos poderia protelar um pouco antes de, de fato, recebê-lo.
Mesmo que fosse um instinto estúpido, fechou os olhos com força, assim que viu as crianças passarem correndo por ela. Ela sabia que não demoraria muito para que percebessem seu erro, e como ela havia encurralado a si mesma, todavia a última coisa que ela esperava se deparar, era com Professor Krasny. O velho homem, de cabelos grisalhos, misturando-se com os fios , e de olhos como os dela, fingiu abaixar-se para recolher alguns dos livros que os estudantes haviam derrubado pelo caminho enquanto a perseguiam, sem desviar o olhar dos volumes, sussurrando com um sotaque russo pesado:
— Siga as luzes.
piscou, surpresa com o comentário, mas ouvir os passos dos seus colegas retornando para onde ela estava havia sido o suficiente para a fazer imediatamente se espremer para fora de seu esconderijo e seguir ao pé da letra as palavras de Professor Krasny. Ela voltou a correr, seus pés chapinhando o chão feito de pedras irregulares, tornando-se escorregadio por pequenos amontoados de neve que derretia nos terrenos do castelo — que era enfeitiçado para manter a neve longe.
Ela ainda escutou alguns gritos, e por um breve segundo, sentiu-se tentada em voltar seu olhar por sobre seu ombro e verificar de onde vinham e quem a chamava. Ela certamente reconhecia as vozes de seus agressores, cada uma delas gravadas bem ao fundo de sua mente, espiralando sempre que tinham oportunidade, mas então, havia a memória vivida do basilisco a perseguindo durante as aulas de sua tia, e como ela morria de medo de olhar para trás. Como ela supunha que a criatura com hálito fétido e presas longas e venenosas poderia estar a seguindo por aquele corredor. Então apenas correu, correu ao máximo que conseguia, os olhos piscando agitadamente, tentando encontrar as luzes que Professor Krasny havia sussurrado para que ela buscasse.
E então... lá estavam elas.
ouviu outra vez os sussurros, desta vez ficando mais altos, espiralando não apenas dos telhados como a garota costumava a ver, mas igualmente espiralando ao seu redor como pontos brilhantes de bioluminescência, vivos, pulsando. parou de correr, esfregando seus olhos, confusa, o cenho franzido. Ela olhou ao seu redor, confusa e ao mesmo tempo fascinada, erguendo sua mão direita para comparar a nova cicatriz que Professora Joanne, observando a pequena luz que espiralava de seu ferimento e pairava no ar, não como os pequenos pontinhos que espiralavam livremente, parecidos, não gêmeos, mais próximos.
teria se perdido ali.
Teria ficado admirando com a fascinação de alguém que nunca havia visto o céu direito, entretanto ainda sonhava com este. Que observava as estrelas ao longe, imaginando como seria a sensação de apenas contemplá-las, observando-as em seus infinitos anos enquanto ela lentamente se desfazia em esquecimento e poeira. A voz de sua tia ecoou, em alto e bom tom, comandando-a para ficar parada, e não pode evitar, desta vez, ela obedeceu ao que os sussurros lhe diziam.
Direita.
virou à direita. Esquerda. Virou, e então, novamente a esquerda, esquerda, desceu aos tropeços uma escadaria em espiral, seguindo as luzes e onde os sussurros lhe enviavam. Então novamente direita, direita, esquerda, seguiu reto e então novamente a direita. Os olhos de da garota voltaram-se instintivamente para o caminho que se abria à sua frente e ela prendeu a respiração, deparando-se com uma das entradas das catacumbas, mas desta vez, com algo diferente do que ela jamais havia visto anteriormente.
Desta vez, o corredor que se abria a sua frente parecia, agora, esquisito do que ela se lembrava de ser. deu um passo para trás, hesitando. Uma fina camada que parecia gelo se formava à frente da entrada do corredor com as bordas abóbadas. Revelava algo diferente do que apenas um breu que consumia os corredores de pedras e escadarias que levavam para as catacumbas do Instituto, não, esta fina camada que parecia envolver a entrada do corredor que levava para baixo, de volta para as catacumbas, refletia outro lugar. Um lugar estranho e completamente desconhecido, o chão de pedra era bem mais uniforme e mais escuro, com pontos duplos de luz se movendo rapidamente, enquanto o que parecia ser torres como as da entrada de Durmstrang — ou o que lembrava-se de serem das poucas vezes que havia visto —, ou casinhas uma do lado da outra, apertadas e quase do mesmo tamanho, meio distorcidas pela penumbra de gelo.
prendeu a respiração outra vez, virando-se na direção de sua tia. O rosto de Joanne era uma máscara de frustração e fúria contida, marchando com rapidez em direção onde ela estava. A garota ofegou, agarrando a frente de sua blusa puída com força, os olhos arregalados disparando na direção da tia e então para a imagem distorcida pelo gelo a sua esquerda. Céus, sua tia iria lhe matar! Ela iria, estava certa disso!
Em todos os seus anos vivendo ali, a regra havia sido sempre bem clara, pior do que se fazer percebida, seria humilhar a tia Joanne para com seus colegas de trabalho e estudantes. Pior do que fazer-se percebida, seria fazer-se à frente de Joanne. deveria ser como um fantasma, e somente assombrar, jamais pedir ou demandar nada. Ela não tinha direito. Era um monstro que havia sido convenientemente aceito ali pela misericórdia daqueles que ainda esperavam que ela fosse útil para algo — uma cobaia, nada melhor que isso. E agora, havia se feito percebida, pior, havia desafiado as palavras e regras de tia Joanne, havia a humilhado e feito de chacota para todo o corpo estudantil.
Tia Joanne iria matá-la dessa vez! Não, não, não, dessa vez estava mesmo encrencada!
Ofegante, em pânico, a garotinha agiu por completo instinto e desespero. Ela disparou em direção a fina camada de gelo que cobria a entrada do corredor como uma membrana embaçada e impossível de compreender-se efetivamente. Um passo atrás do outro, sentindo as unhas de tia Joanne cravaram-se em seu ombro esquerdo, mas, desta vez, apenas deixou arranhões e vergões para trás, quando a garota se projetou para frente, desabando em meio ao vazio.
— ! — O grito da tia Joanne desapareceu no segundo que afundou no portal. Então tudo escureceu.
gritou. Alto, aterrorizado, raspando sua garganta e fazendo-a doer, enquanto ela tentava se obrigar a levantar-se. Os olhos da menina dispararam, em pânico, na direção dos carros avançando ao seu redor, a cacofonia de buzinas e gritos, até mesmo bem mal-educados direcionados a ela, mas que se perdiam com o vento e a velocidade em que se moviam, misturando-se uma com a outra. tentou correr em direção a um ponto de segurança. Seus pés descalços tocando com força o asfalto poroso e umedecido pela garoa, panturrilhas dolorosamente tensas e começando a querer dar câimbras pelo constante movimento e esforço imposto, cabelos grudando em sua nuca rosto e costa enquanto o vento assoprava para longe, algumas mechas adentrado acidentalmente em seus olhos. teve certeza de que iria morrer, teve ainda maior certeza quando os faróis, movendo-se em sua direção, a cegaram parcialmente. Ela só teve tempo de se encolher, cobrindo com os braços seu rosto, esperando pelo impacto.
— OI! ENLOUQUECEU?! QUER SE MATAR, GAROTA IDIOTA?! — O grito partiu do carro que freou com força, em um idioma esquisito, mas que, surpreendentemente, de alguma forma, conseguia entender graças as poucas interações de tia Joanne com seus outros tios; cantando pneu e acertando um poste à direita de . A menina piscou, surpresa, tremendo, e em choque, encarando o rosto furioso do motorista. Tamanho foi seu medo com a visão do homem raivoso, que sequer esperou para ouvi-lo, apenas obrigou-se a correr novamente, tropeçando e caindo, mas levantando-se de novo, e de novo para o mais longe que ela conseguia. Até finalmente não conseguir correr mais.
não tinha ideia de onde estava. Ela não tinha ideia de onde havia vindo parar, e tampouco a onde o portal havia terminado. Para ser sincera, ela nunca havia visto um lugar como aquele. Podia ouvir as pessoas conversando em um idioma familiar, porém ainda estrangeiro. Conseguia entendê-lo com a mesma certa clareza, mas não soavam muito familiares para a garota quando seus tios estavam discutindo em tom de voz baixa com a tia Joanne. Ela lembrava-se de ter visto o avô Edwin uma única vez também, e ele falou com ela com aquele idioma. Soava estranho, mas ainda assim, ela não estava totalmente perdida, certo...? Certo...?
Ela exalou fundo outra vez, engolindo em seco, e por um momento apenas aproveitou a cacofonia quieta da cidade. Ao longo dos anos, ela havia imaginado como poderiam ser as cidades, ou apenas lugares que fossem diferentes do que ela via nas catacumbas de Durmstrang, mas verdade seja dita, ela nunca havia imaginado que veria algo assim. Era muita informação, muito movimento, mas igualmente lhe causava uma sensação de alívio igualmente, ali, era simplesmente ninguém. Era invisível aos olhos dos outros, e no máximo receberia um ou outro comentário maldoso, mas apenas isso. Ali, ninguém se importava com ela o suficiente para sequer não precisar olhar para ela. era tão insignificante que ninguém sequer olhava para ela. E ela nunca havia se sentindo mais livre.
A sensação era inebriante. se esticou, pela primeira vez em muito tempo, sentindo a grama pinicando sua pele e o ar puro envolvendo-a apesar da temperatura até um pouco amenas ali. E então, ela ergueu a linha de seu olhar, para longe dos postes de luz, para longe da sinfonia dissonante dos carros em movimento, para longe dos prédios, ela olhou para o céu pela primeira vez em toda sua vida, e um exalo de pura admiração escapou quase imediatamente.
Era estonteante.
Tantos pequenos pontinhos cintilantes espalhados pela malha de azul profundo permeado por pequenos pontos alaranjados e rosas, começando a ficar, mais e mais, escuro conforme os segundos se arrastavam. Mesmo as nuvens carregadas pela chuva outonal pareciam fascinantes para , que imaginou qual poderia ser a sensação de tocá-las — como seria passar os dedos por elas? Como seriam suas texturas? Desapareceriam antes mesmo dela sequer alcançá-las?
finalmente se sentou, coçando sua cabeça com uma careta, enquanto olhava ao seu redor. Após a baixa da adrenalina, e até mesmo o cansaço, havia sido controlado, ocorreu a menina que estava, de fato, perdida desta vez. Completamente perdida. Levando a mão direita em direção à frente de sua camisa, a garota agarrou o tecido, os dedos fincando-se, puxando-o um pouco mais com força como se isso fosse facilitar sua respiração — não o faz.
Franzindo o cenho, começou a entrar em pânico, pensando como iria voltar para casa agora... mas que casa ela possuía? Durmstrang não era sua casa. Tia Joanne não era sua família, ela havia dito vezes o suficiente para que entendesse que jamais faria parte da família, não importava o quanto ela tentasse, e tampouco iria apreciar seu retorno a Durmstrang, para ser sincera, sequer sabia direito se poderia voltar para casa. A menina estava ao ponto das lágrimas, assustada pelo futuro incerto e por não ter ideia do que fazer, quando alguém aparatou ao seu lado. se encolheu instintivamente, tentando proteger sua cabeça, mas foi somente quando o vento carregou o cheiro de pinho e algo invernal que lembrava vagamente a limão, atingiu suas narinas que ela soube que não era tia Joanne ou algum dos irmãos de tia Joanne ali para levá-la de volta para Durmstrang. Era Professor Krasny.
Mas por que ele estaria ali?
— Levou quase cinco anos, mas estou feliz que finalmente tentou sair das catacumbas — Professor Krasny disse com um tom de voz mais comedido, todavia, não mais agressivo como costumava a assumir quando estavam em terrenos de Durmstrang. não o respondeu, apenas o encarou, confusa e, ao mesmo tempo, assustada. Do que diabos ele estava falando? — Venha agora, preciso levá-la até a Pousada Três Vassouras, não temos muito tempo a perder. Não posso pedir para que confie em mim, mas posso levá-la até alguém que irá cuidar de você. Não irá precisar se preocupar com Joanne Rozenn se não quiser. — Ofereceu Professor Krasny, sempre estoico, mas algo em seus olhos do velho parecia, agora, mais gentis e compreensivos do que jamais foram. Ainda assim, hesitou.
Batendo sua bengala com verniz escuro, no formato de uma cabeça de dragão duas vezes no chão, em um gesto de costume do que por possuir real significado, o homem fechou a palma enluvada de sua mão estendida, endireitando-se e então encarando a rua ao seu redor, contemplativo. Retirou discretamente de seu casaco pesado, com pequenos e discretos adornos de pele, sua varinha. Era um exemplar até mesmo imponente, longa, de acácia, pouco flexível, o ouviu dizer uma vez. Professor Krasny verificou a rua uma segunda vez, as sobrancelhas grossas unidas, tomando cuidado para não atrair os olhares indevidos dos outros em sua direção, e então, com um movimento elegante e rápido, preciso, o velho homem apenas estendeu sua varinha para fora da guia da calçada.
Não demorou muito para que ouvisse um pneu guinchar alto. A menina se encolheu instintivamente, mais pelo som alto do que qualquer outra coisa, e então, os olhos dela se encontraram com o ônibus roxo. Ela agarrou a própria mão com sua livre, segurando-a com força quando o ônibus roxo de três andares virou a esquina.
Com a velocidade que estava indo, deveria ter acertado pelo menos quatro carros que estavam parados na rua, mas, com algum tipo de feitiço, o ônibus apenas se encolheu até ficar fino com o tamanho da palma de sua mão, e passar tranquilamente por entre dos carros, desviando deles até parar um pouco à frente de onde e Professor Krasny estavam parados. Buzinou duas vezes antes do cobrador, escorando-se na porta do ônibus roxo de três andares, se voltar para eles, palitando o dente enquanto ajeitava o bigode fino e curvado nas pontas como um caracol.
— Bem-vindos ao Nôitibus Andante, transporte de emergência para bruxas e bruxos perdidos, eu sou Branislav Shunpike, o condutor — informou o homem de aparência nem jovem, mas nem assim tão velha, com cabelos desgrenhados por baixo do cape, e que cheirava, estranhamente, a algodão doce queimado. hesitou, olhando surpresa e meio assustada para o Professor Krasny, mas este, por sua vez, permanecia impassível. Era estranho encará-lo fora dos corredores de Durmstrang. lembrava-se vividamente de ter o achado estranho, destoante dentre os outros corpos docentes do Instituto. Professor Krasny possuía a mesma carranca silenciosa que os outros professores de Durmstrang, mas se destacava como um dedão podre em meio aos outros, principalmente, por causa de seus cabelos. Ainda que, agora fossem grisalhos, eram de um acobreado vivido, profundo, divergia dos outros cabelos pálidos, loiros ou platinados que boa parte da Durmstrang parecia possuir. Não possuía a palidez que tia Joanne e seus irmãos possuíam, pelo contrário, era pálido sim, mas não de um jeito etéreo ou doentio. — Desculpe senhor, nós não transportamos ninguém que seja adulto e saiba como aparatar, nossos serviços são apenas requeridos para jovens bruxos e bruxos doentes, somente, entretanto, tenha um bom...
— Eu sei — Professor Krasny o cortou bruscamente, e franziu o cenho. Não sabia dizer ao certo, se entendia ou não o uso daquele tom para com o senhor Branislav Shunpike, mas certamente, a menina não havia gostado quando Professor Krasny havia o usado. — É para ela — Professor Krasny apontou na direção de . quase pensou em dizer que não tinha dinheiro para pegar o ônibus, mas mordeu sua língua quando o viu apenas agitar sua mão, como se aquela viagem estivesse programada. — Para Pousada Três Vassouras, Minnie a estará esperando lá.
— Mas, Professor, eu não... — começou a dizer, mas antes que terminasse sua frase, Professor Krasny já havia aparatado novamente, desaparecendo sabe-se para lá onde. abriu a boca, para chamá-lo de volta, mas rapidamente a fechou com força, pois qual era o sentido de chamar por alguém que já havia desaparecido? Era desperdício de saliva, supôs. Ela suspirou pesado, agarrando a frente de sua blusa e se encolhendo enquanto encarava o condutor com olhos grandes e assustados, calculando como ela deveria proceder a partir de agora. — Não tenho bagagem, senhor — admitiu a menina, gesticulando apenas para as roupas que usava, puídas e com algumas manchas de momentos não muito gloriosos nas catacumbas.
— Bem, então não vamos esperar a grama crescer! Ande! Ande! Não temos o dia todo! — Agitou o condutor Branislav Shunpike, gesticulando para que se movesse, e a menina se questionou como poderia ser tão lenta, mesmo tentando entrar o mais rápido que conseguia dentro do ônibus. — Cama 11 para a menina de 11. Muito bem, devemos advertir para a possibilidade de náuseas, distorções visuais. Você tem o dinheiro para esta cama, uma porção do guisado, e bebida quente a sua preferência, você, no entanto, não tem o direito de escolher a música a ser tocada. Sente-se bem, aperte o cinto, e, lá vamos nós!
soltou um gritinho, seguindo Branislav Shunpike até o assento que havia lhe sido reservado, observando a cadeira transformar-se, surpreendentemente em uma cama longa, e estranhamente, mais confortável do que sua cama jamais fora. A menina olhou com uma ponta de suspeita para Branislav Shunpike e sua excentricidade pessoal, e então, se sentou na cama, testando-a por um breve momento. O colchão era macio e afundava com seu peso, não era doloroso ou pinicava. , todavia, não teve muito tempo para aproveitar quando Branislav Shunpike deu o comando para o motorista do ônibus, que imediatamente acelerou. Ela gritou baixo, agarrando-se a lateral da cama com toda a força que conseguia enquanto o ônibus se movia com uma velocidade absurda.
Uma das três cabeças penduradas à frente do para-choque do ônibus estava agitadamente descrevendo alguma coisa, possuía dreads e contas de metal no cabelo e se questionou se o estilo dele era rastafari ou se ele seria algum tipo de encantamento do século 17, de algum pirata, porque certamente soava de forma curiosa. até havia tentado acompanhar as palavras, mas em algum momento, o sotaque pesado, e a velocidade da voz da cabeça havia se tornado muito mais rápido para que ela compreendesse de fato, então sua atenção apenas se desvirtuou para a música que ecoava de um rádio pendurado precariamente na frente do para-choque. apertou os lábios, se inclinando para frente, e quase desequilibrando-se e acertando a janela à sua direita com a curva fechada que o ônibus havia feito, enquanto ela reconhecia o ritmo lentamente.
Lembrava-se de ter ouvido aquela música mais cedo. Vindo do corredor, com as risadas desconhecidas, mas que soavam tão convidativas. Por uma fração de segundos, se questionou quem poderiam ser as pessoas que se divertiam e riam tão livremente pelos corredores de Durmstrang, mas, embora ela jamais fosse conhecer tais pessoas, e tampouco pudesse imaginá-los como alguém que a receberia de braços abertos, ainda assim, tudo o que ela poderia fazer era ouvir a música...
— Senhor Shunpike? — Chamou a menina, tentando não soar hesitante como antes. Pela primeira vez, sentiu-se em casa, não que aquele ônibus fosse magicamente se transformar em sua casa, a verdade era que não possuía uma, mas sentiu-se pela primeira vez em toda a sua breve existência não apologética. Não se sentia culpada por chamar o condutor daquele ônibus excêntrico, e tampouco não temeu por reações agressivas direcionadas a ela. Sentiu-se em casa, pela primeira vez em toda sua vida, em seu próprio corpo. — Pode me dizer qual é o nome dessa música que está tocando?
Senhor Branislav Shunpike pareceu incomodado com a pergunta, estreitando os olhos enquanto analisava o rosto da menina com atenção e impaciência. Por uma fração de segundos esperou pelo rosnado ou pelo tapa que a silenciaria por sua pergunta indevida, mas não foi isso que aconteceu, pelo contrário, Senhor Branislav Shunpike apenas deu de ombros, desinteressado.
— A curiosidade tende a matar o gato, Senhorita ! — Senhor Branislav Shunpike resmungou, revirando os olhos, apenas dando um passo para a esquerda quando o ônibus fez uma curva fechada que lançou na direção da cama a sua frente. gritou baixinho, pedindo desculpas para a senhora doente deitada na cama a sua frente e então tentou se agarrar a uma barra de ferro do ônibus a sua direita. Nós dos dedos ficando brancos tamanha força imprimia em segurar-se enquanto os olhos se fixaram com uma mistura de entretenimento, diversão pessoal e absoluto pavor pela situação. Era loucura? Com certeza, mas não deixava de ser divertido, de certa forma. — Estes, Senhorita , são os Beatles! Trouxas podem ser arcaicos e desinteressantes por vezes, mas não dá para negar que em raros momentos, especialmente tratando-se de música, eles são os melhores nisso!
encarou Senhor Branislav Shunpike com uma ponta de confusão, seu cenho se franziu um pouco mais enquanto ela mordia a língua para não o responder com um petulante: “o senhor falou, falou, e não disse nada”, mas talvez ela não tenha sido habilidosa o suficiente para ocultar sua expressão, porque, certamente, estava visível em seu rosto suas palavras não ditas.
— Twist and shout — Senhor Branislav resmungou, irritado, e abriu um sorriso largo, encarando-o com os olhos brilhando. Percebeu que havia gostado da reação do mais velho, irritado por não ter como enganá-la ou enrolá-la, mas sem ser ameaçador. se questionou, internamente, o que mais ela poderia fazer para irritar alguém sem acabar envolvendo-se em um confronto físico.
Os olhos da menina se desviaram momentaneamente para a janela à sua direita, sentindo seu estômago se contrair com a velocidade que o ônibus roxo mágico parecia adquirir. As janelas transformando-se em borrões distorcidos, manchas de cores que ela sequer conseguia discernir. tentou respirar por seu nariz, e exalar por sua boca, mas tampouco parecia estar funcionando. A sensação desconfortável de que sua pulsação estava martelando contra suas têmporas enviava uma dor esquisita, como um choque enquanto o ônibus se encolhia até ficar com a largura de sua mão. E então, como um sopro, tudo acabou e o ônibus havia parado.
Sua garganta estava seca, e seus ouvidos estavam zumbindo tão alto que era incômodo. Ela piscou algumas vezes, ofegante, enquanto as mãos, ainda agarrando-se com força contra a haste de metal de sua direita, a garota tentou espiar pela janela, para ver onde diabos estava, mas sequer conseguiu dar uma olhada mais profunda, já estava sendo conduzida para fora do ônibus, sem ter muito tempo para registrar o que estava acontecendo. agarrou a barra de sua blusa, torcendo-a enquanto descia do ônibus e se deparava com uma viela feita de pedra e casinhas um pouco mais antiquadas, que levavam até uma praça ampla com consideráveis lojas antiquadas, parecendo-se com algum tipo de vilarejo medieval construído por madeira, pedras e vidros, e, um pouco mais à direita ao fundo, pode ver com clareza o letreiro da Pousada Três Vassouras.
A menina engoliu em seco, esfregando inconscientemente as pontas de seus dedos na barra de sua blusa, prendendo a respiração, reconhecendo que, agora, não tinha mais volta para ela. Era um recomeço, é claro, mas o que diabos ela deveria fazer com isso? Era só uma criança de 11 anos, pelos céus!
Timidamente, ela começou a se mover. Seus músculos ainda estavam doloridos, e, graças às câimbras, estava mancando um pouco, seu caminhar mais desajeitado do que o normal. Abraçou a si mesma, encarando com uma expressão curiosa, porém contida, algumas figuras excêntricas que só poderiam ser bruxos. Ela sabia que estava em um lugar que pertencia. Era uma bruxa, como todos eles, mas ainda assim, mesmo ali, havia alguns olhares de desconhecidos que a faziam desejar se esconder — abrir um buraco sobre seus pés e desaparecer.
A noite não estava fria, mas , certamente, estava congelando.
— Com licença, senhor? — chamou hesitante, aproximando-se de um Elfo Doméstico. Ela apertou os lábios, observando-o primeiro parecer surpreso por ser referido com certa deferência e respeito, e então, quando seus olhos repousaram no rosto de , o olhar de desgosto e desprestígio tingiram seu rosto meio enrugado com o familiar desprezo que tanto via em Durmstrang. engoliu em seco, tentando, desta vez, não se encolher. — Sabe onde posso encontrar uma pessoa chamada Minnie...? — começou a questionar, mas o Elfo Doméstico soltou um sibilo por entre dentes, irritadiço.
— Prole de Sangue-Ruim, Madame Walburga sempre diz que está raça irá destruir o nome dos bons bruxos... — o Elfo Doméstico resmungou, ranzinza, e trincou os dentes, percebendo tardiamente que, muito provavelmente, não importava para onde ela fosse, ela não poderia escapar do fato de que sempre seria uma sangue-ruim.
Apresentava-se de forma mais curvada, menor e um pouco lento, não parecia muito idoso, mas certamente não parecia jovem. Suas maçãs do rosto eram mais delimitadas pela pele, e havia uma pequena flacidez na altura de suas bochechas, o nariz pontiagudo era torto, e os olhos um pouco mais avermelhados do que era normal, parecendo estar lacrimejando. se questionou internamente se seriam os olhos o problema para seu mal humor aparente.
— Não quis ofendê-lo.
O Elfo Doméstico franziu o cenho, voltando-se para encarar , parecendo ser pego outra vez de surpresa por suas palavras, e então, estalando os lábios.
— Fará bem retornar para onde veio, menina, aqui certamente não é um lugar para alguém como você... — O Elfo Doméstico começou a dizer, mas foi interrompido abruptamente pela abertura da porta da Pousada Três Vassouras. engoliu em seco, dando um passo para trás, e usando a porta aberta como um escudo, observando com olhos arregalados o homem que se projetava para fora do aparente bar e pousada.
Ele cheirava a cerveja amanteigada e algo doce.
— Eu assumo que minha adorável irmã o mandou para bisbilhotar novamente meus próprios assuntos sem ser percebido, não é, Monstro? — O homem disse com um tom de voz calmo e direto, até mesmo pragmático, mas podia sentir algo diferente, estranho, que não condizia com sua paciência e clara tranquilidade. Algo mais como exasperação, do que um tom contemplativo. O Elfo Doméstico, Monstro, pareceu envergonhar-se e ao mesmo tempo empertigar-se com o comentário vindo do bruxo, a censura soando-lhe mais amarga do que poderia imaginar que de fato o fosse, enquanto encolhia os ombros ossudos. O bruxo suspirou pesado, parecendo revirar os olhos, e então estendeu uma carta para o Elfo Doméstico. — Pois diga a Walburga que meus interesses nesta noite se alinham com os dela. Para Sirius, antecipadamente para que aplaque sua inquietação, agora, suma daqui.
O rosto de Monstro pareceu se iluminar ao receber das mãos do bruxo uma carta que poderia jurar já ter visto antes. O mesmo tipo de papel pesado e grosso que envolvia o pergaminho, com um selo vermelho destacando-se ao centro. Havia, igualmente, um brasão, mas nunca havia tido uma oportunidade de observá-lo mais a fundo embora lembrasse um pouco, de certa forma, o de Durmstrang.
O bruxo agitou suas mãos, dispensando o elfo, incitando-o a mover-se mais rápido, e então, Monstro desapareceu. piscou, esfregando seus olhos, se questionando se a essa altura o sono já estava fazendo-a ver coisas, mas descansar ainda não era uma opção. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, no entanto, os olhos azuis cinzentos do bruxo de cabelos escuros como a noite, um pouco desalinhados pela brisa suave, repousaram nela, e o rosto dele se empalideceu. Vestia-se totalmente de preto, com roupas discretas, mas possuía algum tipo de colar por baixo de suas roupas refinadas oculto pelo colarinho de sua camisa branca e o colete preto com bordados minuciosos como vinhas e cravos verdes decorando o tecido grosso, de prata.
o viu abrir a boca, aparentemente para lhe dizer alguma coisa, mas nada saiu. Ela deu um passo instintivo para trás, respirando pesado, de maneira irregular e rápida, já considerando correr.
— Minerva... — O bruxo chamou com um sotaque sofisticado, pesado, que lembrava aos irmãos de tia Joanne, especialmente dois que pareciam morar em um lugar chamado Reino Unido. Embora ele tenha se referido a uma outra bruxa que se aproximava de onde ele estava, congelado na entrada da Pousada Três Vassouras, os olhos do bruxo permaneciam fixos no rosto de .
— Pelos céus, Alphard, o que está acontece... — A bruxa com chapéu pontudo, olhos grandes expressivos e um rosto que, de alguma forma, embora fossem levemente severos, eram, igualmente doces, começou a dizer tocando no ombro do bruxo, mas então sua voz igualmente desapareceu no segundo que seu olhar repousou sobre a menina. olhou ao seu redor, pronta para gritar, dando mais um passo para trás, as mãos se fechando em punhos firmes, trêmulos. A menina viu a bruxa mais velha levar as duas mãos em sua direção, surpresa, e então uma de suas mãos desvirtuou-se para repousar sobre seu peito, igualmente trêmula como as de , mas com a diferença de ser permeada apenas pela surpresa, e não o medo, como se ela estivesse tentando sentir seus próprios batimentos cardíacos. — Pelo céus, não pode ser. Rio, é você?
Ainda assim, o velho bruxo pouco fez menção de mover-se de onde estava. Os olhos movendo-se pacientemente pelo tomo aberto a sua direita, anotando com uma letra cursiva elegante em um pergaminho limpo suas próprias observações em relação a maldição que estava estudando, a fim de encontrar uma alternativa para ela. Estava sentado em uma de suas mesas preferidas da biblioteca de Durmstrang, feita de madeira de jacarandá, com pequenos veios tingidos de um tom mais escuro devido ao verniz utilizado, e com pequenos arranhões de onde a ponta de seu aparo havia raspado acidentalmente quando pressionado com muita força contra o pergaminho, resistente e maciça, localizada em um ponto estratégico. Ficava no segundo andar da biblioteca, em um patamar extenso, com o assoalho de madeira que rangia sobre a distribuição de pesos, embora fosse suficientemente resistente para sustentar as outras mesas espalhadas na entrada, antes de inúmeras estantes abarrotadas por livros se estendesse para trás. Uma série de escadarias, estas mais pequenas que as espirais que levavam até o segundo andar da biblioteca, se enroscavam na parede de pedra do local, abrindo-se para passagem abobadadas com portas de metal, vidro e uma pequena cobertura de trepadeiras, levavam para um espaço externo do Instituto Durmstrang, onde um jardim externo costumava ficar.
Durante o inverno o jardim era enfeitiçado para espelhar uma estufa sem privar as plantas fossem do sol ou da água da chuva, era um espaço que Vladimir Krasny sabia que os alunos, especialmente os mais velhos, gostavam de frequentar para se distraírem ou socializar — levando em consideração o que jovens de 15 e 16 anos tinham em mente sobre socializar. Apenas sentar e jogar conversa fora, às vezes, alguns mais ousados tentaram quebrar as regras explícitas sobre demonstrações de afeto públicas, mas não tardariam a serem impedidas por algum feitiço de Vladimir Krasny. Era uma forma que o velho bruxo havia encontrado de passar algumas horas em paz no Instituto. Era terminantemente proibida a presença de alunos depois das 7 horas da noite, portanto, Vladimir Krasny sabia perfeitamente bem que não era um aluno que se aproximava de sua mesa.
O ponto estratégico, no segundo andar, não era escolhido em vão. Professor Krasny era meticuloso até mesmo na maneira com que se posicionava nos espaços. Suas costas sempre ficariam voltadas para as paredes, e ele sempre estaria voltado para a frente de um corredor ou porta. Chame-o de paranoico ou maluco, mas o velho bruxo não era o tipo de pessoa que não considerava um ataque imediato, fosse de quem quer que fosse. Os passos ecoaram a sua esquerda, vindos da escada em espiral, um pequeno rangido escapando da balaustrada de mogno escuro, esculpido com a temática mais voltada a Floresta Negra — testrálios cuidadosamente esculpidos sobre suas patas dianteiras, envoltos por algo que parecia ser espinhos que sempre se moviam um pouco quando alguém repousava suas mãos sobre o apoio, liberando seu acesso silenciosamente. As velas enfileiradas em pequenos, porém perceptíveis castiçais de prata, agora um pouco enferrujados pela umidade do inverno e tempo, tremeluziam anunciando que quem havia parado a frente dele era, exatamente, quem ele esperava encontrar.
Vladimir Krasny tencionou sua mandíbula com força, o músculo, bem-marcado de sua mandíbula quadrada, saltando um pouco com o movimento, e um pequeno exalo escapou por suas narinas, não por causa de sua própria natureza impaciente, muito menos de resignação, apenas um suspiro silencioso acirrado, derivado de sua empáfia pessoal para com as teatralidades e palhaçadas da bruxa.
Mas afinal, quem era ele para julgar alguém por sua postura pessoal?
— Admira-me o sadismo, mas após tanto tempo, você já deveria saber que isso não irá funcionar comigo, Joanne — Vladimir se pronunciou calmamente, seu tom de voz baixo revelando até uma monotonia crescente de uma alma empertigada por vãs tentativas de tormentos pouco significativos. O velho bruxo repousou seu aparo sobre o suporte atrelado ao pequeno e quadrado pote de tinta preta enfeitiçada para que desaparecesse sob o toque de qualquer outra pessoa que não fosse Krasny, e então, dobrando a folha em dois, o velho bruxo a queimou, observando-a desaparecer-se no ar, mentalmente sussurrando o feitiço, torcendo que aparecesse no local certo, desta vez. Vladimir voltou sua linha de olhar para a pessoa que se aproximava. É claro, ver Joanne Karine Rozenn transfigurada em Rio não havia sido consideravelmente algo agradável de se presenciar, mas igualmente Krasny não era conhecido por seu lado emocional aflorado. Se ele tinha sentido raiva, dor ou até mesmo pesar, fez questão de ocultar de seu rosto tais emoções, apenas observando a bruxa com indiferença. — Vamos continuar com os jogos, Joanne? Ou desta vez será direta comigo?
Joanne, transfigurada em Rio, inclinou a cabeça para o lado, o gesto estranhamente mais felino do que deveria ser enquanto os olhos — refletindo um tom próximo dos dele — cintilando com um brilho anômalo. Vladimir Krasny ergueu seu queixo um pouco mais, observando-a com cuidado. O rosto de sempre havia sido uma cópia perfeita do rosto de Rio, a menina tinha o mesmo formato dos olhos, as mesmas sobrancelhas, as mesmas cores de Rio, com exceção pela tonalidade de sua pele e textura de cabelos — estes, heranças de Django , lembrava-se Vladimir Krasny perfeitamente bem. Mas a imitação de Joanne era perturbadora pela falta daquele brilho que Rio, e até mesmo compartilhavam de inteligência. Era discreto, mas nato, e talvez, se fosse colocar em perspectiva, hereditário, uma curiosidade intrínseca, um anseio por observar e buscar sempre alguma coisa para se desvendar, para se compreender; Joanne jamais conseguiria replicar.
— Se não soubesse melhor, Joanne — Vladmir Krasny se pronunciou com calma, recostando-se contra a cadeira enquanto os olhos mantinham-se fixos no rosto transfigurado da bruxa. — Diria que no fundo, na verdade, seu desejo nunca foi poder ou aclamação, mas sim vestir a pele de alguém que jamais poderá ser.
Os olhos de Joanne, agora os de Rio, se estreitaram com irritação, mas a bruxa não lhe respondeu.
— A que se deve toda essa teatralidade? — Vladimir suspirou pesado, limpando as pontas de seus dedos na lateral do tecido de sua calça de alfaiataria, antes de cruzar os braços sobre o peito. Uma mecha de seus cabelos , agora, mais grisalho e longo pendendo por seu rosto, ao observar a bruxa oportunista.
— Só achei que fosse você que gostasse de jogos, Professor Krasny — Joanne abriu um sorriso doce, e talvez, a crueldade do gesto se desse justamente com maior efetividade do que nenhuma palavra de ódio e acusações fossem capazes de alcançá-lo, exatamente por que Vladimir nunca havia visto tal gesto no rosto da criança que havia ajudado, de certa forma, a criar, e jamais poderia ver. Vladimir compreendia o problema de toda a situação, compreendia a dimensão de suas próprias escolhas, e o que muito provavelmente deveria ter feito não só para com Blanche, tão culpada quanto, como para velho obcecado Greengrass e seus filhos, especialmente Rio, e não culpava sua criança por sequer desejar tê-lo por perto. Verdade seja dita, não era sangue que determinava parentalidade e família, mas Joanne sabia onde cortar para piorar a ferida. — Dissimulações, mentiras e omissões parecem ser uma boa característica para a família Krasny, não? — Joanne disse, desta vez, não parecendo interessada em simular a voz de Rio, ou, muito provavelmente, já não se lembrava mais do tom. Krasny trincou seus dentes, assentindo lentamente as palavras, sem desviar seu olhar. — Sempre achei que era uma característica hereditária, um D.N.A. corrupto e inferior, e, veja só, se não estou certa! Há quanto tempo tem estado em contato direto com aquela desculpa patética do diretor de Hogwarts, Krasny? Desde o último inverno? Apenas recentemente? Vamos lá, me conte um pouco mais, estou curiosa para saber sobre seus próprios planos.
Vladimir apertou os lábios, desviando seus olhos momentaneamente para o livro, e então, para Joanne novamente. Por uma fração de segundos, o silêncio se instaurou pela biblioteca, permeado apenas pelo tic tac constante do relógio ao fundo do primeiro andar. Os olhos do velho bruxo percorreram o rosto de Rio, encontrando as pequenas falhas na poção de Joanne, o que não condizia com o que Rio um dia havia sido. Sua pele estava um tom mais pálido do que a pele de Rio era, os cabelos estavam dois centímetros maiores do que Rio possuía, o corte pixie era propositalmente mais raspado na lateral e na nuca, o que, Joanne aparentemente nunca havia se apercebido.
Joanne não era minuciosa, não quando se tratava de outra pessoa que não fosse ela mesma.
— Sua análise sobre meu caráter pouco me afeta, Joanne — Vladimir disse com um tom de voz baixo e cauteloso, até mesmo quase paternalístico, estreitando os olhos enquanto observava a bruxa. Ele, então, umedeceu seus lábios, suspirando pesado. Vladimir apoiou os dois cotovelos sobre a mesa, unindo as sobrancelhas, observando-a com atenção. — O que fiz com você, com sua família, não foi justo, eu entendo e peço desculpas por isso. — O queixo de Joanne se contraiu, de uma forma que era unicamente Joanne, e não Rio. Vladimir permaneceu impassível. — Não era, e jamais foi minha responsabilidade o cuidado com o envolvimento de sua mãe e o seu pai, cabia apenas a sua mãe lidar com as emoções de seu pai, e vice-versa, no entanto, foi, admito, minha responsabilidade afastá-la quando tivesse a chance, e falhei. Sei que minhas decisões, como as dela, magoaram você e os seus. E estaria mentindo se dissesse que não eram minhas intenções, pois não me importava, e, ainda hoje, não me importo. Mas entendo o seu ressentimento, todavia, isso precisa acabar. Você não pode passar o resto de sua vida usando-me como sua justificativa.
Joanne bufou, abrindo um sorriso afiado, e Vladimir Krasny percebeu o como aquela poção que havia mudado a forma dela, distorcia, igualmente, não apenas a imagem de Rio, mas a própria visão dela. Vladimir Krasny sabia, por experiência própria, que era possível criar-se monstros, que suas decisões normalmente eram as responsáveis por os fazer, mas, olhando agora para Joanne, Krasny não pôde deixar de se questionar, havia sido ele a pessoa a torná-la quem era? A fazê-las divertir-se com as máscaras que usava, ou ele meramente havia sido aquele que esbarrou com aquela porta e a abriu?
— Quem você pensa que é para dizer como eu devo me sentir ou não, Krasny? — Joanne rosnou entre dentes, inclinando sua cabeça novamente daquela forma quase felina inquietante. O sorriso que se espelhou pelo rosto de Joanne, agora transfigurado no de Rio, não enviou uma onda de medo, mas o fez considerar alçar sua varinha. — Por favor, pare de agir como se eu fosse uma garotinha perdida em busca de conselho, eu não sou. Já estabelecemos que é perceptível minha excepcionalidade diante até mesmo de você, Professor Krasny, o que os outros bruxos levam anos para aprender, eu só preciso de um pouco de força de vontade, e um mês, talvez menos. É por isso que a pureza deve ser mantida. Se minha mãe era estúpida o suficiente para se envolver com um vira-lata como você, então a falta de caráter a mim não cabe dizer nada. Mas não se convença,
Vladimir uniu as sobrancelhas, pela primeira vez, mostrando-se desconfiado das intenções de Joanne.
— Então por que está aqui?
— Porque você me entretém — Joanne deu de ombros singelamente, os olhos dela, os olhos de Rio, desviaram-se para o livro aberto que Vladimir estava lendo anteriormente e então se encontraram com os dele, brilhando como os de um gato. Ela usou a língua para cutucar seu canino, sorrindo. — De todas as pessoas que já conheci, você, Professor Krasny, é o mais patético, mas preciso ser honesta, seu truque em envolver Albus Dumbledore? Foi quase inteligente.
Vladimir não respondeu. Novamente ele a observou, desta vez, colocando-se de pé com um movimento lânguido e lento, cuidadosamente planejando para não chamar a atenção de Joanne para o livro outra vez, mas sim manter sua atenção no rosto dela.
— Você pretende esclarecer suas palavras ou deixar os enigmas para trás de vez? — Vladimir retorquiu, fechando o livro a sua frente, os dedos apertando com tanta força a capa dura do objeto que estavam embranquecidos. Ele repousou o livro atrás de si, enquanto a outra mão finalmente envolvia sua varinha. — Muito bem, sendo assim, tenha uma boa noite, Vice-Diretora Rozenn, assumo que, com tudo o que está acontecendo, você irá precisar.
Vladimir Krasny se inclinou para frente, em uma mesura cortês — não porque de fato de repente sentia algum tipo de respeito pela bruxa —, e então fez menção de retirar-se dali. Os dedos firmes mantendo o livro atrás de si, enquanto o velho bruxo, com a varinha presa em sua mão, puxava sua capa com um pouco mais de força. Sua retirada é cortada prematuramente quando a voz de Joanne voltou a ecoar pelo espaço.
— é minha, Professor Krasny — Joanne o interrompeu, igualmente colocando-se de pé e então ajeitando o colete verde escuro que um dia havia pertencido a Rio, parecendo momentaneamente se perder em seus próprios pensamentos ao admirar as roupas do laço fraterno que havia condenado a morte há alguns anos. Era curioso como Joanne, embora fosse movida pelo ódio, parecesse na verdade sentir satisfação em colocar-se sob a pele de Rio. Fazia com que Vladimir Krasny se questionasse se Joanne havia desprezado de fato Rio, ou se havia algo ali a mais. Uma propensão à obsessividade, como o pai dela possuía. — E ordeno que a devolva.
Vladimir estreitou os olhos, observando-a com cuidado agora. Havia algo perigoso em Joanne, algo que o velho bruxo parecia ter subestimado erroneamente, mas que agora começava a ressurgir. De repente a culpa pareceu tornar-se ainda maior ao pensar na figura raquítica e encolhida, um pouco atrofiada, da garotinha nas catacumbas, com olhos assustados, e expressão esperançosa sempre dizimada pela crueldade que lhe rodeava. Teria Krasny cometido mais um erro em sua vida? Teria ele calculado mal, mais uma vez, ao considerar Joanne mais bondosa do que deveria...?
— Falando assim, quase faria um leigo acreditar que não é nada além de um objeto sob sua posse, Joanne — Vladimir disse, categoricamente calmo, os dedos apertando sua varinha com mais força. — é sua sobrinha, Joanne, esqueceu-se disso?
Joanne, transfigurada como Rio, apenas deu de ombros, desdenhosa.
— é o que os pais dela sempre foram, vira-latas, Professor Krasny, mas ao menos ela é útil, por hora — Joanne disse revirando os olhos e então inclinando sua cabeça para o lado, estreitando os olhos ao registrar a varinha na mão do velho bruxo. — Não vamos começar uma briga desnecessária, Professor Krasny, não tem necessidade de usar sua varinha comigo. Eu não sou seu inimigo.
— Útil? — Vladimir Krasny ecoou, tenso. — O que quer dizer com isso?
Joanne não respondeu, os olhos ainda fixos na varinha do velho bruxo, parecendo calcular seus próximos passos. Vladimir a empunhou, apontando na direção do peito de Joanne, transfigurada em Rio, e a bruxa ergueu suas mãos para cima, em um gesto instintivo de rendição — que Vladimir não acreditou nem por um segundo que era honesto.
— O que você fez com a menina, Joanne? — Demandou Vladimir Krasny, mas Joanne apenas soltou um riso nasalado, desdenhoso. — Não me faça perguntar outra vez, Rozenn.
— O quê? Você irá fazer o que, Professor Krasny? Irá me amaldiçoar? Ou está pensando em ser mais ousado e usar alguma maldição proibida? Cuidado, agora, se seus novos aliados sequer sonhar que você está pensando em usar a maldição da morte, então irá passar bastante tempo em Azkaban — Joanne ronronou com um tom de voz quase irônico. Professor Krasny não se intimidou, todavia, com o jogo de poder que ela havia tentado iniciar ali. Os olhos de Rio, aos poucos começaram a se desfazer, evidenciando que a poção deveria estar acabando com seus efeitos.
— Chega, Joanne! Me responde! — Cortou Vladimir Krasny entre dentes, deu um passo na direção da bruxa, esquecendo-se de ocultar o livro desta vez, concentrado apenas no que realmente Joanne estava planejando, e especialmente, o que ele não havia visto que ela tenha feito para com . — O que você fez?!
— Eu? — Joanne deu de ombros, passando sua mão esquerda pelos cabelos como os de Rio e de Vladimir Krasny, sem perceber que uma das mechas de seus cabelos havia retornado para o tom de branco como neve. — Ora, não seja tolo, Professor Krasny, eu não fiz nada. Nunca achou estranho que Rio, sendo quem era, fosse se apaixonar justamente por alguém como aquele vira-lata romeno? Por favor, meu pai passou sua vida inteira obcecado por Magia Ancestral, e Rio convenientemente se apaixonou pela única pessoa que até agora temos conhecimentos, desde o século 19, que pode identificá-la?
Professor Krasny uniu as sobrancelhas, dando um passo para trás, meio cambaleante, pego desprevenido. Por uma fração de segundos, ele demorou para compreender o que a bruxa estava dizendo. Os olhos do velho bruxo se moviam de um lado para o outro considerando as palavras de Joanne. Até onde ele sabia, com o pouco que havia podido observar a distância, a ideia de que Rio poderia ter se envolvido com Django puramente por um interesse calculista soava até mesmo ilusório, de tal contrastante da realidade em si, mas então, havia aquela pequena parte dentro de si que não poderia deixar de questionar se não havia algo nas atitudes de Rio que tivesse exposto tais intenções prematuramente e que ele havia escolhido ignorar.
— Oh... — Joanne exclamou soltando um riso baixo, sadicamente divertida, enquanto estreitava os olhos. — Você não achou que Rio era capaz de ser tão calculista quanto o meu pai? Uau, nossa, eu acreditava que você possuía algum distúrbio psicossomático ou, no mínimo, alguma deficiência cognitiva, mas esta ingenuidade? Tenho que admitir, lhe cai muito, muito bem, Professor.
— Eu entendo que você me despreze, Joanne, mas depois de todo esse tempo, essa sua obsessão com Rio já foi longe o suficiente! Quando vai perceber que isso foi longe demais? — Rosnou Vladimir Krasny, agora, evidenciando uma irritação que soava estrangeira para seu rosto sempre taciturno e coeso. — Já não basta tudo o que escreveu? Já não basta o que fez com eles?!
— Eu não fiz nada! — Joanne retorquiu com um tom de voz estridente, mais alto que o normal, retirando sua varinha ocultada em seu colete e então a empunhando-a. Vladimir estreitou os olhos, observando a mão direita da bruxa, a que empunhava sua varinha, estava com um leve espasmo. O tremor atrapalhando parcialmente a maneira com que ela provavelmente executaria sua magia. — Rio teve o que mereceu! E aquele vira-lata também! Não tenho culpa se outras pessoas são mais sãos do que os idiotas como você! — Ela inspirou por entre seus dentes trincados. — Eu só entreguei o que todos acreditavam, nada mais!
Vladimir soltou um bufar baixo, um sorriso quase incrédulo surgindo nos lábios finos do velho bruxo.
— É o que tem tentado se convencer agora? Que você apenas expôs o que todos pensavam? Que não teve culpa de nada, nem mesmo de influenciá-los a temer algo que sequer compreendiam? — Vladimir balançou a cabeça, descrente, dando um passo cauteloso para a esquerda. Firme, preciso. — Tente outra mentira, Joanne, esta já está ultrapassada mesmo para você. — O velho bruxo se endireitou, desta vez, assumindo uma postura de combate, erguendo o queixo, imponente. — Observei você durante esse tempo, Joanne. Esse ódio que você gosta de fingir ter sobre Pessoas Não-Mágicas, este desprezo que você finge sentir por Rio, e no entanto, continua a transfigurar-se em Rio... — Vladimir abriu um sorriso , e desta vez, não havia a expressão do velho professor, contido e distante, até mesmo frio, mas sim, um sorriso cruel, enxergando um pequeno vislumbre do monstro que se ocultava por trás da máscara que Joanne, tão cuidadosamente, usava. Bom, muito bom, faria com que ele fizesse o que tinha que fazer com maior facilidade. — Você não os odeia de fato, odeia? Você quer ser como eles, você quer ser admirada por eles, respeitada por eles, e sabe que jamais conseguirá isso. Nem mesmo o seu pai pode amá-la, Joanne, por que diabos estranhos o fariam?
— Crucio! — Rosnou Joanne entre dentes.
— Expelliarmus! — Rebateu Vladimir Krasny, após bloquear o feitiço de Joanne, lançando-se para a esquerda, girando e então lançando seu feitiço. A varinha da mão de Joanne tremeu, mas não teria escapado de imediato se sua mão direita não estivesse tendo espasmos. Vladimir exalou por entre seus dentes, avançando na direção dela, largando o livro que tentava ocultar de Joanne, para focar apenas na bruxa. Vladimir Krasny agarrou o colarinho da blusa de Rio, empurrando Joanne em direção a estante mais próxima, enquanto apoiava a varinha abaixo da mandíbula de Joanne. — Última chance, Rozenn, o que você fez com minha neta? — Rosnou Vladimir, sua voz soando duas oitavas mais baixo que o normal, um aviso silencioso de perigo.
O semblante sádico de Joanne, pela primeira vez, vacilou e a bruxa ergueu suas mãos instintivamente para cima, em um silencioso gesto de rendição, ou, ao menos, no mínimo a fim de demonstrar que não era uma ameaça para Krasny. Vladimir não moveu um centímetro.
— Tudo bem, tudo bem, eu digo... — Joanne começou a dizer entre dentes, ofegante brevemente quando o aperto de Vladimir Krasny ao redor de seu colarinho ficou mais firme, puxando o tecido a fim de tentar sufocá-la. — Eu digo — Joanne repetiu, os olhos de Rio finalmente desaparecendo, dando lugar aos olhos prateados de Joanne, e característico dos Rozenn. Vladimir Krasny nunca sentiu um ódio tão forte atingir seu peito, mas naquele momento, a fúria queimou por suas veias. — Uma ligação. — Explicou Joanne com um grunhido baixo, tentando se soltar do aperto de Vladimir, mas sem obter sucesso. — Eu fiz um feitiço de ligação! Ligando a garota a mim — admitiu Joanne entre dentes, sustentando o olhar surpreso e controladamente irritado de Vladimir Krasny. Vladimir apertou com mais força sua varinha. — Sejamos honestos, ela é um desperdício de habilidade! Eu pelo menos sei o que fazer com todo aquele potencial... — Joanne começou a dizer, mas então soltou um grunhido baixo, meio riso, quando Vladimir fez menção de lançar um feitiço nela. — Não! Não faça isso — ela quase riu —, o que... o que você faz comigo, faz com a garota também. Eu posso drenar a magia dela, mas o que acontecer comigo, acontece com ela. — O sorriso que surgiu pelos lábios de Joanne era quase incandescente. Vladimir Krasny arregalou os olhos, em horror. — Se me matar... você a mata também!
Pela primeira vez, em todos os seus anos naquele lugar, Vladimir Krasny não soube o que responder para a bruxa à sua frente. Por uma fração de segundo, seu aperto ao redor do colarinho de Joanne.
— Ah, por favor, já chega dessa atuação. Todos sabemos que você nem se importa assim com a menina, você só quer ter imunidade dos idiotas britânicos para não ir para Azkaban — Joanne rosnou, e os olhos de Vladimir queimaram o rosto da mulher. As mãos do velho bruxo, sempre estáveis e contidas, tremeram levemente com a acusação. O sorriso de Joanne aumentou, satisfeito. — Ah, então era este o plano, huh? Entregar a garota para a tutela de Dumbledore, e assegurar que ninguém viesse atrás de você quando “descobrissem” sobre sua colaboração em mantê-la nas catacumbas, huh? — Joanne riu, baixo, desdenhosa. — Agora, esse é o Professor Vladimir Krasny que eu conheço.
Vladimir grunhiu baixo, pressionando a ponta de sua varinha com mais força contra a lateral do pescoço de Joanne, observando a bruxa abaixar suas mãos lentamente, mas sem perder o ar de divertimento sombrio que pairava em seu rosto, lentamente, desfazendo-se da poção que havia usado para se tornar em Rio.
— Ainda pode conseguir o que quer, Krasny, inferno, eu estou disposta a ajudar você se for preciso, só me diz onde a menina está, e pronto, está tudo resolvido — Joanne tentou, mas Vladimir Krasny não a respondeu. Joanne revirou os olhos, exasperada, mas, de certa forma, resignada com o silêncio do velho bruxo, murmurando com desprezo: — Tudo bem, eu a encontro sozinha.
Joanne estendeu sua mão na direção de sua varinha, conjurando Accio.
AJEITANDO A LAPELA DE SUA CAPA, ELE VOLTOU SEU OLHAR BREVEMENTE PARA O ESPELHO COM UM SORRISO SATISFEITO.
Não estava impecável, mas era bom o suficiente por enquanto. Ajeitou os cabelos novamente, alinhando-os com a perfeição que era esperada — e, certamente, por seu próprio costume de organização — antes de terminar de abotoar as mangas de sua blusa branca com abotoaduras melhores, de prata, com o emblema de Durmstrang.
— Professor Krasny! Professor! — A voz de Volkov ecoou pelos aposentos antes mesmo dele perceber a intromissão em suas preparações para a noite. Endireitando-se, ele se voltou na direção de Volkov, um pouco descabelado e ofegante, com os olhos pretos arregalados e uma palidez crescente. Ele sabia exatamente o que seria dito pelo outro homem descabelado e em aparente choque, mas ainda assim, fosse pelo próprio sadismo, ou curiosidade pela reação que seria exposta, ele permitiu que Volkov ainda dissesse e explicasse o que havia acontecido. Ele repousou suas mãos unidas à frente do corpo, acenando com sua cabeça para que seu colega de trabalho prosseguisse com o que quer que viera contar, pacientemente. — É a Vice-Diretora Rozenn! Na biblioteca, senhor! Alguns alunos acabaram de a encontrar! Senhor, a Professora Rozenn está morta!