Codificada por: Cleópatra (Mari)
Última Atualização: 23/01/2025As lágrimas inundavam os olhos da jovem, seus lábios tremiam e ela sabia que se arrependeria pelo resto da vida por ter escolhido aquele caminho naquela noite em especial. Por mais que a culpa não fosse sua e sim do sujeito a perseguindo, ainda assim não conseguia parar de pensar no quanto as coisas seriam diferentes se tivesse tomado o outro rumo.
Tratou de apurar os passos, evitando olhar para trás, mas ainda assim sentindo aquele mesmo formigamento na nuca denunciando a presença dele.
Quanto mais rápido ela caminhava por aquela rua, mais distante ficaria do sujeito e, sem conseguir pensar em outra coisa além do quão infeliz havia sido sua escolha, virou na primeira curva diante de seus olhos praticamente correndo, ansiosa para se ver livre da perseguição e dando espaço a um pequeno fio de esperança de que daquela forma conseguiria despistá-lo.
No entanto, bastaram poucos segundos para se dar conta de que aquela havia sido a sua segunda escolha errada da noite.
Em vez de desviar para um caminho que a salvaria, havia entrado em um beco, onde a única saída estava bloqueada por portões altos de ferro.
Precisou lutar muito para manter um soluço preso em sua garganta.
— A mocinha está perdida? — Um calafrio percorreu sua espinha ao ouvir uma voz desconhecida, não precisando de muito para saber que pertencia ao seu perseguidor, então deu os poucos passos restantes até se ver encurralada em uma parede.
Seus lábios tremeram com mais violência, as lágrimas que segurava escorreram por suas bochechas e a jovem se encolheu, se recusando a olhá-lo.
— Não tenha medo, mocinha. Ninguém aqui irá lhe fazer mal, muito pelo contrário. — Uma risada suja ecoou, gelando seus ossos.
Ela daria qualquer coisa para não ouvir aquele som novamente. Na verdade, ela daria qualquer coisa para não ouvir som algum.
Apertou os olhos com força, se encolhendo ainda mais e prendendo a respiração quando um corpo imprensou o seu e o bafo forte de álcool foi de encontro ao seu rosto.
A jovem sabia muito bem o que estava prestes a acontecer e preferiu a morte àquilo.
Num súbito ato de coragem, preparou-se para lhe dar uma joelhada com todas as forças, mas antes mesmo que pudesse fazê-lo, o aperto em seu corpo se afrouxou numa lufada intensa, como se o próprio vento tivesse o arrancado dali.
Aquilo não era possível. O vento não faria algo assim.
Um grunhido de dor a fez arriscar abrir seus olhos.
Ela não precisou de muito para saber quem estava atirado a alguns metros dela, curvado com as duas mãos cobrindo o estômago.
A confusão tomou conta de si.
— Então você gosta de atacar jovens em becos escuros? — Uma segunda voz se fez ouvir, porém seu timbre era tão distorcido que ela não soube dizer se pertencia a um homem ou a uma mulher.
Curiosamente, a jovem não estava interessada nisso, mas sim na figura encapuzada que logo se aproximou do sujeito, o erguendo pelo pescoço com apenas uma mão.
Não soube o que a deixou mais admirada. Se era a forma como não parecia se abalar enquanto apertava a garganta do homem de forma firme, ou se eram as roupas inteiramente pretas, com coturnos da mesma cor e um conjunto de arco e flecha bem preso às suas costas.
Será que conseguiria ver um rosto? Se inclinou, porém no mesmo instante o sujeito começou a se debater, dificultando o processo.
— Por favor, não me mate! Tenha misericórdia! — O homem se engasgou, tossindo devido à escassez de ar.
Dessa vez, a risada que ecoou não causou medo à garota e sim uma espécie de alívio.
— Assim como a misericórdia que você teria ao usar o corpo de outra pessoa sem o consentimento dela? — O sarcasmo estava presente em cada palavra.
— Eu não…
— Ratos como você não merecem misericórdia. Você me dá nojo.
A jovem, ainda encolhida na mesma posição, imaginou que naquele momento o aperto na garganta do homem se intensificaria, porém, em vez disso, ela notou a outra mão da figura encapuzada puxar alguma coisa presa à própria cintura.
Era uma espécie de adaga prateada.
— É melhor você correr até um posto policial. A próxima cena não será nada bonita. — Se voltou para a moça, fazendo-a arregalar os olhos enquanto outro arrepio percorria seu corpo. — Vá.
Aquela última palavra pareceu acender algo dentro de si, então ela assentiu, incapaz de agradecer em voz alta, e se pôs a correr.
A figura então tornou a se virar para o sujeito, satisfazendo-se com o terror presente em suas feições.
— Por favor… — insistiu mais uma vez, como se realmente pudesse convencê-la a poupar sua vida.
— Olhe bem para mim. — A frieza na voz era palpável e o homem lhe obedeceu prontamente.
Uma máscara cobria metade do rosto que lhe encarava sedento.
— A justiça não tem misericórdia.
Num movimento rápido, a adaga lhe cortou a jugular, fazendo o sangue banhá-lo instantaneamente.
Por alguns instantes, o sujeito agonizou, se afogando, mas em nenhum momento a figura permitiu que olhasse para qualquer outro lugar.
Quando a escuridão por fim lhe abraçou, a última coisa vista por ele foi aquele par de olhos. Uma íris azul e outra negra como a noite.
Deixando aquele corpo imundo e sem vida desabar, a figura encapuzada encarou com desgosto o sangue que cobria sua adaga, então puxou um lenço preto de seu bolso, limpando a lâmina antes de tornar a guardar a arma no local que pertencia.
Respirou fundo, contendo a onda de adrenalina que fazia seu corpo inteiro tremer de euforia. Precisava fazer uma última coisa para concluir seu dever naquele lugar.
Retirou então a pequena planta de outro compartimento em suas roupas e posicionou-a sobre a garganta do homem, exatamente onde a adaga havia o cortado.
O intuito daquilo era deixar criminosos como ele saberem que seus atos não estavam mais impunes. Alguém os faria pagar.
Dahlia Negra os faria pagar.
Ou, pelo que ele havia entendido, uma das versões dele. Aquilo era bastante confuso.
Quem é que ia imaginar a existência de mais de um Peter Parker?
Ele não tinha imaginado, mas estava adorando aquilo.
A sensação de adrenalina era maior do que qualquer uma experimentada há muito tempo e não era apenas por estar enfrentando vilões de realidades alternativas. Para aquele Peter, era como se de repente as coisas tivessem voltado a ter sentido. Salvar o mundo tivesse um sentido, um propósito antes esquecido nas profundezas de sua mente, sufocado pela dor.
Mais do que isso, ali, em meio àqueles que sentia serem seus irmãos, era como se Peter estivesse completo novamente. Como se o vazio desde a partida de sua amada Gwen Stacy fosse um pouquinho preenchido.
No entanto, por mais completo que se sentisse, aquele não era o seu lugar. Aquele universo não era dele, pertencia a outro Peter Parker.
Durante milissegundos decisivos, desejou internamente que houvesse alguma forma de continuar ali, mas sabia que não era possível. Não podia bagunçar a realidade daquela forma e o Peter daquele universo precisava fazer aquele sacrifício.
Um sorriso saudoso se formou em seus lábios assim que se afastou do Parker mais velho, aquele que em poucas horas lhe passou todos os ensinamentos que ele precisava, ou talvez uma boa parte deles, mas haviam coisas das quais nem se dera conta.
Não queria voltar porque não tinha para quem voltar, mas quando o momento chegou, uma pontada de esperança sussurrou em seu ouvido que ele estava pronto e no fim das contas acabaria achando idiota toda a ideia de continuar em outro universo diferente do seu.
E, vai saber, talvez existissem magos e todas aquelas coisas em seu mundo, ele só precisava dar uma procurada.
Esperou ser puxado com força, sugado por um redemoinho ou até mesmo que fosse sentir todas as suas células queimarem ao atravessar a fenda dos multiversos. Peter até mesmo cogitou que ficaria tonto com imagens passando rapidamente ao seu redor, mas nada daquilo aconteceu.
Na verdade, foi como se ele tivesse piscado. Num instante, estava diante de outras duas versões de si mesmo, no seguinte, voltou a ser apenas ele.
Havia acontecido do mesmo jeito em sua ida, por que mesmo esperava algo diferente na volta?
Riu de si mesmo. Aquilo já não importava mais.
Não se surpreendeu muito ao ver a noite de New York recebê-lo de braços abertos. Quando Peter partiu, estava em seu lugar favorito da cidade, o alto do Empire State Building, e não foi surpreendente ter voltado exatamente para lá.
Deixou que o suspiro preso ecoasse de seus lábios e estava prestes a retomar o que ele sabia fazer melhor, proteger a cidade, quando seu cérebro começou a processar todas as coisas que havia acabado de presenciar.
Ele havia saído de seu universo para ajudar um Peter mais novo, na companhia de um Peter mais velho, a deter vilões que ambos já haviam enfrentado.
Não, deter não era o termo certo. Sua missão era curar aqueles vilões.
E ela foi bem sucedida. Todos os vilões foram de fato curados.
Teria aquilo afetado o seu universo?
O quanto?
Seria possível que aquele passado tivesse sido alterado?
Se sim, aquilo poderia significar que…
— Gwen.
O nome escapou pelos lábios de Peter em um murmúrio de esperança e, sem parar para pensar em mais nada, ele simplesmente lançou uma de suas teias em direção ao prédio mais próximo.
Seu coração estava disparado enquanto praticamente voava entre as construções, tudo passava como um borrão simplesmente porque o foco dele era apenas um.
Quando parou na entrada do cemitério, o frio percorreu a espinha de Peter Parker e um medo absurdo tomou conta de si.
No entanto, o medo não o paralisava, muito pelo contrário, era o gás para que ele seguisse em frente.
E foi o que Peter fez.
Ele podia escutar o eco de seus sapatos batendo contra o chão, por mais que outros sons noturnos tomassem conta do ambiente.
Sua respiração foi ficando cada vez mais descompassada conforme seus olhos passavam pelas lápides e ele lia os nomes, mesmo sabendo exatamente onde estava aquela onde havia deixado sua amada e seu coração.
Parou a poucos metros dela, fechando os olhos rapidamente e os apertando com força. Um nó de nervosismo se formou em sua garganta e parecia que a qualquer momento seu coração pularia de seu peito.
Em mais um surto de coragem, Parker se aproximou daquela lápide e assim que seus olhos bateram no nome ali escrito, foi como se ele sentisse toda a dor novamente.
Não importava quantas alterações acontecessem em seu universo, nada traria sua Gwen de volta.
E constatar aquilo quase o fez desabar novamente.
— Está atrasado, não vou pagar por isso! — A voz de Jameson despertou Peter de seus pensamentos e só então ele se deu conta de que havia voltado ao modo automático.
Ele fazia aquilo como uma forma de abafar a dor que sentia.
E odiava.
— Parker! Estou falando com você!
Aquilo o fez piscar os olhos rapidamente, focando no editor chefe do Clarim Diário e tentando encontrar alguma pista do que exatamente ele estava falando.
Pela expressão desgostosa do homem, não era muito difícil de acertar.
— Você está demitido, Parker! Rua! — Jameson repetiu, ainda mais irritado pela falta de respostas.
Peter balançou a cabeça em negação.
— Não pode me demitir, senhor. Eu não sou seu empregado fixo. — Teria rido da situação se Jameson não parecesse prestes a explodir em sua frente. — E se não pagar pelas fotos, vou vendê-las para alguém que faça isso.
Tudo bem, ele devia ter guardado o último comentário para si.
— O que foi que você disse? Não vou aceitar esse tipo de coisa no meu jornal! Você está…
— Vamos pular para a parte que eu te mostro mais essas fotos — as colocou em cima da mesa, vendo os olhos do chefe faiscarem — e você me paga o dobro do que costuma pagar.
Aquele era um movimento ousado, mas Peter realmente precisava do dinheiro e as fotos estavam em ângulos realmente bons.
Isso que ele nem tinha posado para elas.
Mais uma vez, Peter quis rir, não apenas por seus pensamentos, mas porque Jameson estava vermelho a ponto de desconfiar que a cabeça do homem voaria do corpo a qualquer segundo.
— O dobro do preço? Ficou maluco? — Pegou as fotos e foi olhando uma por uma. — Feito! Agora some da minha frente, preciso pensar na manchete para desmascarar esse salafrário.
Parker saiu de dentro da sala e, enquanto entrava no elevador, acabou soltando uma risada que morreu em um suspiro.
Tudo estava ridiculamente igual.
No entanto, não era porque estava tudo igual, que precisava ser péssimo, certo? O Peter mais velho tinha o ajudado a ver que ainda havia algo de especial nele.
Ele era espetacular.
Aquilo devia valer alguma coisa.
Decidiu então que visitaria sua tia May, passaria com ela o tempo que não passava desde o dia que se mudou. Era mais seguro se ele se mantivesse afastado, mas a verdade era que sentia saudades dela e, no fim das contas, Peter não precisava enfrentar tudo completamente sozinho.
Parker mais uma vez se distraiu em sua própria cabeça e só se deu conta de que havia deixado o prédio do Clarim Diário quando abriu a porta e sentiu o vento de New York bater contra o seu rosto.
Colocou as mãos nos bolsos do casaco, de repente sentindo falta também do skate que havia aposentado já fazia algum tempo, então seguiu para a direita.
Ou ao menos ele tentou fazer isso, porque, no mesmo instante, sentiu seu corpo colidir com outro um tanto mais leve e mais baixo que o dele.
Parker levou um milésimo de segundo para perceber que havia esbarrado em uma mulher e mais um para segurá-la pelos ombros, impedindo sua queda.
A moça arregalou os olhos em sua direção e rapidamente se soltou de Peter, puxando a blusa para baixo como se tivesse se erguido demais ou algo do tipo.
— Oh, me desculpe. Eu estava completamente distraído e não vi você vindo — a fala dele saiu assim que seus olhos focaram no rosto da garota.
Ela abriu um sorriso fraco.
— Tá tudo bem. Eu também estava. — Deu de ombros. — Obrigada por me salvar de uma queda que seria épica. — Piscou para ele, então se virou e começou a andar na direção contrária, a passos tão rápidos que Parker mal conseguiu respondê-la.
— Não tem de quê. — Peter coçou a nuca, completamente confuso com o que havia acabado de acontecer, mas ele não tinha tanto tempo assim para entender, então tratou logo de imitar o dar de ombros dela e retomar seu plano.
A campainha precisou ser tocada por umas três vezes antes que tia May finalmente a atendesse. E assim que abriu a porta, mal conseguiu disfarçar a surpresa em ver o sobrinho.
— Peter! Que surpresa você aqui! Aconteceu alguma coisa?
Uma pontada de culpa fez Parker desviar o olhar para baixo, então ele suspirou e negou com a cabeça, voltando a encarar a tia.
— Não posso mais fazer uma visita? — brincou, abrindo os braços e não tardando a sentir a mulher agarrá-lo em um abraço apertado. — Desculpe não ter vindo antes, tia May, eu…
— Você não precisa se explicar para mim, querido. As coisas não estão fáceis, eu já imagino. — O apertou um pouco mais, então o soltou para encará-lo no rosto, analisando cada uma das feições de Peter. — Você está dormindo direito? Está comendo?
Parker riu.
— Claro que estou, mas achei que seria uma boa ideia matar as saudades da sua comida. Eu aceito até aquele seu bolo de carne.
Automaticamente, uma expressão saudosa tomou conta das feições de May e eles trocaram um olhar cúmplice.
— Entre, querido, e não me fale mais nesse bolo de carne! Não acredito que você e seu tio me enganaram por anos dizendo que gostavam dele! — resmungou, então fez um gesto para que o sobrinho a acompanhasse até a cozinha.
Peter puxou uma cadeira para se sentar e ficou observando cada canto do lugar. Nada ali havia mudado também, mas pela primeira vez ele sentiu seu coração aquecer com aquilo.
Tia May continuava ali por ele.
Por que havia se esquecido daquilo?
— Me desculpe. — As palavras escaparam antes mesmo que ele pudesse se controlar.
May, que estava retirando alguns ingredientes do armário, se virou para olhá-lo com uma confusão bem nítida.
— Por ter te deixado sozinha.
— Já falei que não precisa disso, Peter. Eu entendo. Passei pelo que você passou.
De fato, ela havia passado. May havia perdido Ben já fazia alguns anos.
No entanto, pela forma como a tia o olhou, estava claro que ela não esquecia daquilo por nenhum minuto sequer.
Parker suspirou.
— E como anda a faculdade? — ela puxou assunto, ligando o fogão e colocando a panela com água ali.
— Ah, tá ótima. Me ofereceram essa vaga de professor assistente, mas ainda tô pensando no assunto e…
— Peter, isso é maravilhoso! — As feições de May se iluminaram e só por isso ele cogitou aceitar de fato a proposta.
O problema era que Parker não fazia ideia de como conseguiria conciliar dois empregos enquanto bancava o amigão da vizinhança.
— Peter!
Piscou os olhos rapidamente ao notar que tinha se perdido pela milésima vez em pensamentos, enquanto a tia o olhava curiosa.
— Desculpe. Eu estava pensando em umas coisas aqui.
— Me diga que aceitou o emprego, Peter Parker! — A mulher estreitou os olhos em sua direção e o homem estremeceu, o que era bastante cômico.
Afinal, ele lutava contra vilões e estava ali, tremendo com um olhar sério da tia May.
— Tudo bem, eu vou pensar em aceitar, mas só porque a senhora tá insistindo.
— Vai pensar? — May colocou a mão na cintura.
— Preciso ter certeza de que vou dar conta disso. Eu já tenho um emprego, tia May.
— Naquele jornal que só fala mentiras sobre o Homem Aranha? Suponho que te pagam bem demais, certo?
Peter não conseguiu evitar o pequeno sorriso que se formou em seus lábios. Ver a tia defendê-lo, mesmo que ela ainda não soubesse da identidade do cabeça de teia, não tinha preço.
Por alguns instantes, a conversa silenciou entre os dois e o ambiente foi tomado pelos sons das panelas no fogo e da televisão, onde passava o noticiário local.
— E aconteceu novamente. As autoridades identificaram aquela que seria a quarta vítima do ser encapuzado que anda assolando as ruas de New York.
Parker franziu o cenho ao ouvir aquilo.
Ser encapuzado? Vítimas?
Quando foi que aquilo começou a acontecer?
Ele não se lembrava de nada daquilo acontecendo quando partiu em sua missão para ajudar o Peter Parker mais novo.
— Segundo informações, a quarta vítima é ninguém mais, ninguém menos, que Hank Winston. O homem era procurado pela polícia por cometer diversos crimes, dentre eles homicídio e estupro.
Espera, a vítima era um assassino?
Mas o quê…
— Esse é o quarto procurado pela polícia que é encontrado morto e em condições bastante similares. E devido à presença de um item em comum, o possível justiceiro encapuzado ganhou um nome. Quem será o próximo alvo do Dahlia Negra?
— Dahlia Negra? Sério? — Parker resmungou, avaliando se aquele de fato era um bom nome para um justiceiro.
E por que aquilo era relevante, afinal de contas?
— Em que planeta você esteve, Peter? Os noticiários não falam mais em outra coisa. Me surpreende que não tenham pedido fotos dele para o jornal — May comentou, enquanto mantinha sua atenção voltada para a panela de molho que mexia.
O que foi ótimo. Parker a olhou boquiaberto.
Não, ninguém havia pedido aquelas fotos pra ele, ou ao menos não havia se dado conta disso.
Mas como Peter não tinha a mínima ideia sobre essa história de Dahlia Negra, sendo que estavam falando daquilo o tempo todo?
Alguma coisa de fato havia mudado em seu universo, afinal.
— É claro que eu sei sobre o Dahlia Negra, tia May. O senhor Jameson só tem o alvo dele muito bem definido para pensar em qualquer outro. — Deveria se sentir mal por mentir, mas não se sentia, afinal, não havia como explicar para a mulher que ele havia viajado pelo multiverso sem correr o risco de deixá-la maluca.
— E o Homem Aranha? — Aquela pergunta fez Peter erguer seu olhar para a tia, mas ainda assim ela não mudou sua posição.
— O que tem ele? — Parker coçou a nuca, fingindo não entender.
— Ele não está atrás desse justiceiro?
— Como eu poderia saber disso, tia May? — O homem riu, o que finalmente atraiu a atenção da mulher.
— Você não é o fotógrafo do Homem Aranha? — Ergueu uma sobrancelha em sua direção e Peter teve a sensação engraçada de que May sabia de algo.
— S-sim. Claro! Eu tiro fotos dele — afirmou prontamente, vendo um sorrisinho se formar nos lábios da tia.
— Pois então. Eu imagino que se ele estiver atrás desse justiceiro, a sua câmera não terá problemas em descobrir.
— Não mesmo. Talvez ele só esteja esperando a hora certa de agir. — Deu de ombros.
— Bom, a hora é essa.
Por um segundo, Peter sentiu vontade de desabafar e contar tudo para a tia.
Então a imagem de Gwen morta em seus braços mais uma vez assombrou seus pensamentos.
Todas as pessoas que sabiam da identidade do Homem Aranha sofriam as consequências e ele não podia fazer aquilo com a tia.
Tão súbita quanto veio, a vontade passou.
Peter não queria ir até a faculdade naquele dia. Sentia falta da companhia de tia May e conseguia perceber no olhar dela que era recíproco.
Ela foi cabeça dura quando ouviu a sugestão dele de passarem o restante do dia juntos e insistiu que Parker fosse cuidar de seus compromissos. May entendia que ele era um rapaz ocupado e estava tudo certo, nada a faria amá-lo menos.
O sorriso terno da tia ficou gravado em seus pensamentos enquanto os vultos dos prédios passavam ao redor de Peter. Prometeu para si mesmo fazer de tudo para visitar a mulher com mais frequência e permitiu então que seus pensamentos seguissem para a notícia que o havia deixado em estado de alerta.
Ele tinha certeza de que não havia nenhum Dahlia Negra quando partiu para sua mais recente aventura e isso deixava bem claro que sua realidade não estava tão inalterada quanto imaginava.
O que mais havia mudado?
Sentindo a necessidade de descobrir, Parker mal conseguiu prestar atenção às aulas que teve e praticamente correu até a biblioteca assim que teve a chance.
A ampla quantidade de computadores e o acervo repleto das mais variadas edições de jornais foram alguns dos motivos que o levaram até aquele lugar além de qualquer outro.
Também havia o fato, é claro, de que ele precisava de um ambiente rigorosamente silencioso, onde a chance de algo interrompê-lo ou alguém bisbilhotar o que ele fazia era muito pequena.
E Peter Parker gostava da biblioteca. Ajudava a sua cabeça agitada a colocar as coisas em ordem.
Sentando-se à mesa com um computador mais distante que conseguiu, ele tratou de abrir as páginas dos maiores jornais da cidade, procurando todas as informações possíveis sobre o Dahlia Negra.
Peter foi traçando uma linha do tempo no sentido inverso, começando pelo que se sabia de mais recente até chegar ao possível ponto de partida, onde o justiceiro teria atacado pela primeira vez.
A vítima — ou seria bandido? Aquilo estava confuso em seus pensamentos — possuía diversas denúncias por assassinato, mas havia algumas diferenças. Por exemplo, a cena de crime apresentava diversos indícios de luta corporal, o que quase não existia na cena mais recente, e Parker se questionou se era por falta de experiência do justiceiro ou talvez sua intenção inicial não fosse matar aquele homem. E algo dentro do amigo da vizinhança torceu para que a segunda opção fosse a correta.
Seus olhos percorreram as páginas mais algumas vezes e, com um caderno à sua frente, ele foi anotando pistas que poderiam levá-lo à identidade do Dahlia Negra. No entanto, mesmo em seu primeiro ataque, o justiceiro havia tomado cuidado para não deixar nada indesejado para trás.
Aquilo seria mais difícil do que Peter imaginava.
Não desistiria. E se não conseguia descobrir nada sobre sua identidade, talvez ele pudesse prever ao menos sua próxima vítima.
Um movimento bem próximo ao lugar em que Parker estava o fez parar tudo o que fazia e erguer a cabeça sutilmente, focando sua atenção ao seu redor, usando de seu sentido aranha que, de fato, nunca falhava.
Seu olhar se direcionou para uma das prateleiras.
Peter não estava sozinho naquela seção, mesmo não vendo ninguém, ele sabia daquilo.
Esperou por alguns segundos, mantendo o completo silêncio, então desviou o olhar novamente para o computador, fingindo se dar por vencido.
Pelo canto dos olhos, percebeu uma sombra espiá-lo por entre os livros e voltou a erguer a cabeça em sua direção.
— Olá? — resolveu se pronunciar, apurando os ouvidos mais uma vez.
Quem sabe era apenas algum calouro assustado, mas a atitude de se esconder não deixava de ser suspeita.
Se levantou sem conseguir esperar ali onde estava e seguiu de forma silenciosa para as prateleiras, não recebendo resposta alguma ao seu chamado.
— Oi? Tem alguém aí? — repetiu ainda assim, e no instante em que dobrou o corredor onde ele sabia que estava a sombra, sentiu seu corpo colidir pela segunda vez com alguém naquele dia.
E pela segunda vez o seu sentido aranha o fez se adiantar e segurar a outra pessoa pelos ombros, impedindo a sua queda.
Quando seus olhos focaram em quem estava à sua frente, um misto de surpresa e desconfiança tomou conta de suas feições e imediatamente Peter Parker estreitou seu olhar.
— Está me seguindo? — Foi a primeira coisa que questionou, achando que era coincidência demais ele esbarrar duas vezes na mesma pessoa no mesmo dia.
— Eu… — Os olhos da mulher se arregalaram exatamente da mesma forma de antes.
— Você? — Parker insistiu, percebendo um certo nervosismo nas feições dela e aquilo denunciava que de fato estava se escondendo atrás da prateleira, logo, estava mesmo o seguindo.
— Desculpe! — Desviou o olhar para as mãos do homem em seus ombros. — Você pode me soltar?
Peter hesitou.
— Pra você sair correndo sem me dizer por que está me seguindo? — A encarou com astúcia.
— O quê? Não! Eu não estou seguindo você, Peter… — Mais uma vez, o nervosismo estava aparente.
— Opa! Então você sabe o meu nome. — Um sorrisinho quis se formar nas feições dele, porém Parker se manteve sério. A moça parecia inofensiva, mas havia aprendido de forma trágica que não se podia confiar em qualquer pessoa.
— Sim. Você é o Peter Parker. Todo mundo daqui te conhece, sabe? — Soltou uma risadinha, então o encarou bem nos olhos e respirou fundo. — Mas não estou te seguindo, tá legal? Você pode me soltar? — pediu mais uma vez e o rapaz acabou cedendo, se mantendo preparado para o caso de ela tentar fugir.
Precisava mesmo saber o motivo de ela estar claramente se esgueirando atrás de uma prateleira e se havia visto alguma coisa sobre as pesquisas dele.
— Tudo bem. Agora que eu te soltei você vai me dizer por que estava se escondendo se não estava me seguindo? — Arqueou uma sobrancelha.
— Você já deu uma olhada na seção em que nós estamos, Peter Parker? — a moça indagou, fazendo-o questionar mentalmente o que aquilo tinha a ver. — Talvez nem tudo seja sobre você.
Aparentemente, o nervosismo dela havia ido embora e seu olhar se fixou nele em desafio.
— O quê? — Peter se sentiu atordoado.
— A seção. Se você gostar desse tipo de livro, eu posso te recomendar alguns. — Indicou a prateleira atrás de si e Parker sentiu seu rosto esquentar ao notar alguns títulos bastante sugestivos. — Você gosta de Cinquenta Tons de Cinza? — ela provocou.
Foi a vez dele rir nervoso.
— Então você estava aqui lendo livros… ahm.. eróticos? — pigarreou em meio à fala.
— Não, Parker. Eu estava escolhendo um para ler em casa. — Ela sorriu de canto.
Era bem mais fácil quando ela estava envergonhada.
— Bom… Foi mal então. — Levou uma mão aos cabelos, bagunçando-os simplesmente porque não sabia o que fazer.
O sorriso da garota se alargou.
— Tudo bem. Mas até que foi engraçado esse negócio de você achar que eu estava te seguindo.
Parker riu e estava pronto para dar as costas a ela e procurar o primeiro buraco onde pudesse se esconder, até que algo lhe ocorreu.
— Se isso aí é verdade mesmo, como é que esbarrei justo em você mais cedo? — Seu cenho se franziu, porém a expressão dela permaneceu a mesma.
— Eu trabalho na floricultura ao lado do Clarim Diário. Você passa por mim há anos, Peter.
Como ele nunca havia reparado naquilo?
Talvez porque seus pensamentos sempre estiveram focados em outras coisas.
No entanto, mais uma coisa lhe ocorreu.
Ela reparava nele.
A sombra de um sorriso se formou em seus lábios.
— Bom, será que eu consigo me redimir um pouquinho se perguntar qual é o seu nome?
Ela o encarou por alguns segundos, como se ponderasse se ele realmente merecia uma resposta.
Então acabou sorrindo.
— , mas você pode me chamar de .
Peter gostou do nome dela. Combinava perfeitamente com a garota.
— É um prazer te conhecer, . Estou redimido? — Sorriu de volta para ela.
— Ah, não. Você não está nem perto disso, Parker.
Aquilo o fez erguer uma sobrancelha.
— Não estou?
— Não. Não está. — umedeceu os lábios. — Mas se você realmente está interessado nisso, anota o meu número e eu posso pensar se te dou alguma dica. — Piscou para o rapaz.
O olhar de Peter se direcionou para os lábios da garota, achando bastante atraente a forma como eles se curvaram. No entanto, um outro sorriso surgiu em seus pensamentos e seu estômago pareceu afundar enquanto seu peito se apertava.
Ele estava mesmo flertando com ?
Pigarreou.
— Eu… Desculpa, . Você parece ser uma pessoa muito legal e tudo mais, mas não posso. Eu… Eu gosto de alguém e…
— Tudo bem, Parker. — Porém o sorriso de murchou um pouco e ela lutou ao máximo para disfarçar aquilo. — Mas se achar que precisa de uma amiga ou algo do tipo, você consegue me encontrar. Pelo que vi, você gosta de uma boa pesquisa. — Indicou o computador onde ele estava, fazendo-o olhar naquela direção.
Peter não soube explicar, porém ao mesmo tempo em que se sentia culpado por pensar em aceitar o convite de , ele também se sentiu por não aceitar.
— … — Se virou mais uma vez para encarar a garota.
E descobriu que ela não estava mais ali.
Era de se esperar que a agitação ainda estivesse presente e carros passassem de um lado a outro, no entanto, tudo estava estranhamente silencioso, como se houvesse alguma espécie de toque de recolher estabelecida por ali.
Se realmente se tratava daquilo ou não, o senhor Goodman não queria saber. Nada o impediria de ir até o mercado de sempre para comprar os alimentos que sua esposa havia solicitado.
Na verdade, a senhora Goodman não havia pedido nada, mas sua perna machucada por uma queda recente requeria um pouco mais de cuidados. Então, mesmo sob protestos, o marido conseguiu fazer com que ela ficasse quietinha em casa, aguardando-o retornar com tudo o que precisava para fazer o jantar.
A respiração do velho senhor estava um tanto falha devido ao esforço da caminhada. Não era um trajeto muito longo, mas seus pulmões não funcionavam da mesma forma de quando era jovem e qualquer tentativa de apressar seus passos logo fazia seu coração disparar como se fosse sair pela boca a qualquer momento.
Carregando o pacote de papel nos braços, Goodman caminhava com uma certa tranquilidade que não condizia muito com a atmosfera da região naqueles últimos tempos. Não com um possível assassino à solta. Mas pelo que o homem havia visto nos noticiários, o tal Dahlia Negra tinha uma preferência por criminosos, então aquilo significava que estava livre, certo? E, de qualquer forma, ele estava velho demais para se importar com coisas do tipo. Costumava dizer que quando chegasse sua hora, ele partiria e não havia nada que ninguém pudesse fazer.
Dando uma risada rouca de seus próprios pensamentos, o senhor Goodman acabou tossindo sonoramente, sentindo seus pulmões protestarem novamente e clamarem por oxigênio. Ele parou sua caminhada sem se dar conta, ou até mesmo sem se importar com a sombra parada na curva de um beco escuro.
O dono da sombra, no entanto, se importava com o velho senhor. Não por ter alguma relação com ele ou empatia, mas simplesmente porque ali estava a sua oportunidade de garantir alguma coisa naquela noite.
Se aproximou sorrateiramente, observando Goodman tirar um lenço do bolso de sua calça para tossir mais uma vez e cobrir a boca com o pedaço de pano. E foi quando o homem ergueu sua cabeça que sentiu o cano de uma arma encostar na base de suas costas.
Por mais que estivesse conformado com o fato de que morreria em breve, a sensação de que sua vida agora estava nas mãos de um estranho fez com que gelo percorresse sua espinha e cada célula de seu corpo entrasse em estado de alerta. A adrenalina gritou para que corresse o mais rápido que pudesse, porém, seu cérebro clamava o contrário. Correr só ia fazer o estranho apertar o gatilho e suas compras nunca chegarem até sua amada esposa.
— Se tentar fugir ou gritar, você morre. Entendeu? — A voz rouca fez o trabalho de aumentar ainda mais o pavor que o velho senhor sentia.
Ele assentiu febrilmente. A única coisa que pensava era na senhora Goodman.
— Ótimo. Então anda comigo. — O assaltante empurrou o cano da arma, cutucou as costas do homem e o fez caminhar para dentro do beco escuro, onde definitivamente ninguém poderia vê-los. Mesmo as ruas estando desertas, não podia arriscar.
Goodman engoliu em seco, seus pulmões começaram uma luta ainda mais intensa por oxigênio e seus lábios começaram a tremer sem controle, pressentindo que o pior estava prestes a acontecer.
Por que aquele estranho simplesmente não pegava seu dinheiro e ia embora?
— Pode parar aí. — Apontou a parede ao lado de uma grande caçamba de lixo. — Agora passa tudo o que tiver nos bolsos.
Tentando controlar a tremedeira em suas mãos, o homem tateou um dos bolsos com a mão livre, entregou a carteira e mostrou em seguida que no outro havia apenas a chave de sua casa.
— Seu relógio também.
O coração do senhor Goodman se apertou quando ele ouviu aquilo. O relógio havia sido um presente da filha, que naquele momento provavelmente estava do outro lado da cidade, encerrando seu expediente na empresa em que trabalhava. Ele não a via já fazia quase um mês, era verdade, porém sabia o quanto a mulher era ocupada e tinha certeza de que a sua esposa também. Aquilo nunca havia sido um problema para o casal, por mais saudades que sentissem.
Se separar daquele item era como deixar que um pedaço de sua filha fosse levado e, por um milésimo de segundo, o homem hesitou. O momento não passou despercebido pelo assaltante, que, dominado pela própria adrenalina, agiu com ainda mais agressividade.
— Tá de brincadeira, velhote? Passa logo essa merda! — Então o socou com tanta força em um dos ombros que o pacote de compras caiu das mãos do senhor Goodman.
Um grunhido de dor ecoou pelo ambiente e lágrimas escaparam dos olhos do homem. Naquele momento, Goodman teve a certeza de que, mesmo que entregasse seu relógio àquele estranho, não seria o suficiente. Sem nada a perder, ele tiraria sua vida.
Pensou em implorar, mas, de repente, não encontrava forças para fazer com que as palavras saíssem de sua boca. O desespero era tanto que naquele momento a única coisa que lhe restava era pedir mentalmente por uma salvação, mesmo sabendo que esta nunca chegaria.
Estendendo o pulso, tremendo como se estivesse congelando de frio, seus dedos erraram algumas vezes em abrir o fecho do relógio, o que causou ainda mais impaciência ao assaltante. A arma foi pressionada com mais força em suas costas e mais ameaças foram proferidas, porém o pavor naquele momento era tanto que o senhor Goodman mal conseguiu entendê-las. Só queria que aquilo acabasse de uma vez. Só queria voltar para casa e se aninhar com a esposa, nunca mais soltá-la.
Então, de repente, não havia mais nada machucando suas costas. Não havia mais ninguém cuspindo enquanto gritava em seu ouvido. A única coisa que o senhor Goodman sentiu foi uma lufada de ar, como se o próprio vento tivesse arrancado o assaltante dali.
Atordoado, o homem olhou à sua volta, percebendo que o estranho agora estava atirado no chão, a apenas alguns metros dele e olhava em sua direção com fúria.
Mais uma onda de pânico tomou conta de si, até o momento em que a arma voltou a ser erguida e o assaltante a apontou para algo que parecia estar logo atrás de Goodman.
— Seja lá quem você for, eu não tenho medo. Te furo inteiro antes mesmo de se mexer! — Estava claro que sua primeira frase não era verdadeira. Sua voz estava trêmula, assim como sua mão, enquanto se atrapalhava para posicionar o dedo no gatilho.
Uma risada baixa ecoou.
— Quero ver você tentar. Manda a ver! — A voz era um tanto distorcida e o senhor Goodman não conseguiu reconhecê-la, muito menos distinguir se pertencia a um homem ou a uma mulher.
Ele se virou para olhar quem o salvava, porém, tão rápido quanto havia atingido o assaltante anteriormente, o vulto encapuzado se lançou na direção dele, ficando bem diante da arma, como se esperasse pelos tiros que foram prometidos.
— E então? Não vai me furar? — Mais uma risada sarcástica pôde ser ouvida e o vigilante tombou a cabeça de lado, parecendo se divertir com o quanto o assaltante de repente parecia atrapalhado. — Vocês criminosos são mesmo todos iguais.
Então lhe deu um chute que fez a arma voar longe ao mesmo tempo que um grito de dor dominou o ambiente.
Os olhos do senhor Goodman se arregalaram diante daquilo e ele pôde jurar que tinha visto a mão do homem se dobrar em um ângulo estranho.
As histórias sobre a figura encapuzada realmente eram verdadeiras. Aquele era o Dahlia Negra e aquele gesto deixou muito claro que não teria um pingo de misericórdia com aquele homem.
Ainda encolhido onde estava, paralisado pelo medo, o senhor Goodman assistiu quando Dahlia Negra avançou ainda mais para cima do criminoso, desviou uma tentativa tosca de um soco e o atingiu com um chute em uma das pernas. O homem tombou, caindo de joelhos, mas mal teve tempo para se dar conta disso, porque, no instante seguinte, foi atingido com socos impiedosos em seu rosto.
— Gosta de assaltar idosos e bater neles? — o vigilante sibilava, completamente dominado pela fúria. Não deixou que o homem respondesse, lhe deu joelhadas no estômago e acertou seu queixo com um gancho de direita que com toda certeza devia ter quebrado sua mandíbula.
Goodman devia desejar que o criminoso pagasse pelo que havia feito com ele, mas não se sentia daquela forma. Cada golpe que assistia o homem receber e cada som de dor e engasgo que chegava aos seus ouvidos fazia uma agonia sem fim tomar conta de si.
— Pare! — De repente, ouviu a própria voz ecoar, falha devido à falta de oxigênio que nunca ia embora.
O vulto, que naquele momento segurava o assaltante pela gola da camiseta, se virou para encarar o velho senhor. Pela forma como o corpo do homem balançava mole, estava praticamente desmaiado àquela altura.
— Por favor, ele vai pagar pelo que fez. Vão jogá-lo numa cela. Você não precisa fazer isso — Goodman prosseguiu, num fio de esperança de que suas palavras estariam surtindo algum efeito.
Dahlia Negra olhou rapidamente para o homem em suas mãos e mais uma vez para o senhor Goodman.
— Tenha misericórdia. — Mal sabia ele que aquela havia sido uma péssima escolha de palavras.
— A misericórdia é dada apenas para aqueles que merecem. Ele será preso hoje, amanhã volta para as ruas e volta a atacar pessoas. Ele não merece misericórdia — declarou, irredutível.
— E quem é você para julgar quem merece misericórdia ou não? — Goodman questionou, em um surto de coragem.
— Eu sou a justiça.
De repente, as sirenes da polícia puderam ser ouvidas. Ainda estavam há alguns quarteirões de distância, então Dahlia Negra teria tempo o suficiente para terminar seu trabalho.
— Se eu fosse o senhor, não olhava. — Sabia que não teria tempo para esperar o velho senhor sair dali, então apenas se voltou para o criminoso, que soltou um gemido baixo, denunciando que quase recobrava a consciência.
Ao puxar a adaga de sua cintura, o vigilante precisou de apenas um movimento rápido para cortar a garganta do homem, o jogou no chão e o assistiu se debater enquanto encarava a última coisa que veria em sua vida. Um olho azul e o outro negro.
Horrorizado, o senhor Goodman assistiu o vulto encapuzado tirar uma pequena planta e colocá-la sobre o assaltante, agora morto.
— Ei, você! — De repente, uma terceira voz preencheu o ambiente e Dahlia Negra se virou na direção dela, já sabendo muito bem a quem pertencia.
Peter Parker havia disparado janela afora ao ouvir no rádio da polícia que havia uma ocorrência onde o Dahlia Negra parecia estar envolvido.
Não lembrava de ter disparado suas teias e cruzado os grandes prédios tão rápido desde o momento de sua volta àquele universo. A ansiedade em confrontar aquele assassino de criminosos tomava conta de si.
Na verdade, ele não sabia como chamá-lo. Se de assassino ou justiceiro. Precisava descobrir qual era seu propósito e aquela era a sua chance.
Usando seu sentido aranha, conseguiu localizar com mais facilidade onde tudo estava acontecendo, mas, ao chegar lá, viu que era tarde demais para salvar uma vida.
Dahlia Negra deixava sua assinatura sobre o corpo do criminoso, enquanto um senhor se encolhia horrorizado. Sua voz ecoou pelo beco, chamando a atenção da figura, que se voltou para ele e tombou a cabeça de lado como se o desafiasse.
— Eu só quero… bater um papo. — O Homem Aranha interrompeu sua fala, quando Dahlia Negra disparou pela noite em uma velocidade tão impressionante quanto sua habilidade para escalar muros.
Peter tentou lançar uma teia, mas não conseguiu pegá-lo, então seguiu na direção por onde o justiceiro havia ido. Seguiu procurando qualquer vestígio dele, porém, frustrado, não encontrou nenhum sinal do Dahlia Negra.
Ele havia sumido feito fumaça.
Honestamente, dizer que Peter Parker estava frustrado era muito pouco. Sem conseguir evitar um grunhido alto de frustração, o Homem Aranha retornou ao local do crime para se certificar de que o senhor Goodman estava bem e descobriu que, além do choque com a cena presenciada, o homem estava com seu ombro deslocado.
Aos sussurros, ele contou que havia sido o criminoso, mas que nem por isso a morte e a violência eram a solução. Parker ficou ali, lhe fazendo companhia até a polícia enfim chegar e só foi embora após se certificar de que tudo estava mesmo bem.
— Obrigado, meu filho. Você tem um bom coração. — A voz do senhor Goodman permaneceu ecoando nos ouvidos de Peter, enquanto ele se deslocava entre os prédios.
Mesmo não tendo nenhuma semelhança física, aquele homem o lembrou de seu tio Ben e vê-lo machucado daquela forma trouxe de volta aquela dor com a qual havia aprendido a conviver, mas nunca ia embora de fato.
Um suspiro resignado escapou de seus lábios. Tomando mais um impulso, Parker seguiu atravessando os prédios, procurando por algo que ele já sabia que não ia mais encontrar. Não havia conseguido quando a fuga do Dahlia Negra havia sido recente, não era naquele momento que qualquer milagre aconteceria.
Naquela noite, Peter interveio em mais dois crimes que aconteciam na região. Um havia sido uma tentativa de furto de um carro e no outro ele parou um estranho prestes a assaltar uma conveniência.
Retornando ao seu apartamento, Parker se jogou em sua cama de uniforme e tudo, encarou o teto e tentou assimilar as coisas. Tudo havia acontecido muito rápido e ele recebeu informações demais desde o momento em que foi parar em outro universo.
Parecia que tudo havia virado de ponta cabeça e, por mais que tentasse consertar as coisas, não conseguia.
Bufou alto, fechou os olhos e pressionou as têmporas com suas duas mãos. A imagem do Dahlia Negra se virando para encará-lo voltou aos seus pensamentos e Peter observou que o justiceiro nem mesmo havia tentado enfrentá-lo, o que só deixava ainda mais claro que seus alvos eram apenas os criminosos.
— Mas por que matá-los? — murmurou, aturdido. — Assassinato só o torna igual a eles.
Antes que pudesse chegar a uma resposta, no entanto, o som da televisão, que Parker havia deixado ligada, chamou sua atenção.
— E segue a busca pelo assassino vigilante, conhecido como Dahlia Negra. Embora a polícia local não tenha nenhuma novidade sobre o caso, o delegado Crosby reforçou que as investigações estão a todo vapor. Muito pouco se sabe, mas todo o cuidado é pouco e um toque de recolher está sendo estudado.
Sentando-se na cama para prestar atenção no que era dito, uma careta tomou as feições de Peter.
Ele precisava descobrir a identidade daquele vigilante e, mais do que isso, queria entender o seu propósito. Algo dentro de si gritava por aquilo.
Decidiu então que no dia seguinte começaria a analisar os lugares por onde Dahlia Negra havia deixado seu rastro.
Pressionando os olhos com força, Parker desejou febrilmente voltar a dormir. Havia passado quase a madrugada toda acordado, sem conseguir parar de pensar nos últimos acontecimentos e quando finalmente sua mente relaxou, estava quase amanhecendo.
No momento em que o barulho estridente ecoou pelo cômodo, parecia que ele havia acabado de dormir.
Não soube quanto tempo permaneceu naquela posição, encolhido na cama e com o travesseiro ainda tampando seu rosto, mas, de repente, foi como se pudesse ouvir a voz de Tia May dizendo que ele precisava levantar ou iria se atrasar.
Bufou, descobriu seu rosto e encarou o teto. Para ser sincero, Peter sentia falta de quando tudo parecia se resolver se ele simplesmente fosse para a aula.
Havia prometido a si mesmo que tentaria viver ao menos uma parte de sua vida de forma “normal”, mesmo duvidando de que aquilo realmente era possível, e ir para a universidade era um passo importante. Não era?
Levantou da cama, por fim, pegando a primeira combinação de roupas que encontrou e abriu um sorriso amarelo quando viu seu reflexo desgrenhado no espelho.
O apartamento de Parker era realmente pequeno. O que queria dizer que seu quarto era também a sala de estar, a cozinha e a lavanderia. O único cômodo separado era o banheiro e para ele não era tão ruim. Era aquele lugar que podia pagar, então não podia ser tão ruim.
Peter abriu a geladeira, vendo que ali tinha só um galão de leite e uma bandeja com rosbife. Ele precisava comprar comida urgente, não podia ficar comendo todos os dias na casa da Tia May, por mais que provavelmente ela fosse adorar aquela ideia.
Riu com o pensamento, pegou a caixa de cereal do armário, sendo aquele também o único alimento que havia ali, e colocou um pouco na tigela para depois acrescentar o leite.
No entanto, seu riso sumiu quando colocou uma colherada na boca. O cereal estava mole.
— Nojento! — resmungou, sacudindo o corpo ao sentir um arrepio e largou a tigela na pia, correu para o banheiro e terminou de se ajeitar para finalmente sair de casa.
Repassando mentalmente as coisas que precisava fazer naquele dia, Peter carregou a câmera consigo. Precisava arrumar algum dinheiro logo e o trabalho como fotógrafo freelancer sempre salvava sua vida.
Não duvidava nada se o editor chefe do Clarim Diário resolvesse que agora queria fotos do Dahlia Negra, além do Homem Aranha. Todos estavam obcecados pelo justiceiro e, aparentemente, ele mesmo também estava.
Quando saiu para a movimentada New York, Parker de repente percebeu que precisava correr ou chegaria atrasado à universidade.
Andando apressado até o primeiro beco vazio que encontrou, sua única alternativa era pegar carona com o Homem Aranha.
E apesar do breve mau humor matinal, Peter Parker não deixou de cruzar as ruas e prédios da cidade com a animação o fazendo gritar a plenos pulmões e cumprimentar cada pessoa que parava para olhá-lo.
Ter conhecido os outros dois Peter Parkers tinha trazido aquilo de volta a ele. A animação de ser o amigo da vizinhança, a vontade de ajudar cada cidadão, mesmo em coisas simples como atravessar a rua ou salvar gatos pendurados em árvores.
Lembranças ruins tentavam cruzar seus pensamentos, porém Peter escolheu não focar nelas naquele momento. Aquele dia seria ótimo apenas para variar um pouco.
E, ao aterrissar no telhado da universidade, ele estava certo de que conseguiria.
Trabalhar como professor assistente era muito mais fácil do que Parker imaginava. Exigia bem menos esforço se ele fosse considerar, bem, suas outras atividades. Peter tinha bastante experiência e a ideia de ajudar os estudantes estava lhe agradando bem mais do que esperava.
No fim das contas, ele gostava de ser surpreendido. Se fosse para um lado bom, é claro.
O tempo pareceu passar relativamente rápido, ou talvez Peter apenas estivesse realmente entretido no novo emprego.
Ele foi bastante elogiado pelo professor Hofstader e só não recusou seu intervalo porque realmente precisava comer alguma coisa.
Parker voltava do refeitório com a ideia de passar o tempo que lhe restava no telhado, ou quem sabe na biblioteca? Como um era caminho do outro, resolveria na hora.
Encontrou um ou outro rosto conhecido no corredor. O lance de ser professor assistente fazia as pessoas o notarem e ele não sabia ainda como se sentia em relação àquilo.
Por algum motivo, no entanto, uma das portas dos laboratórios chamou sua atenção. Mais especificamente o pequeno vidro no meio dela, que dava um vislumbre de quem estivesse ali dentro e em uma bancada próxima.
E foi olhando naquela direção que Peter identificou mais um rosto conhecido. Esse, no entanto, talvez não ficasse tão feliz em vê-lo.
Era .
Parker não esperava mesmo que ela fosse ficar contente em ver o cara que tinha lhe dado um fora no outro dia. Pelo menos ele não ficaria se a situação fosse invertida.
Passou reto pelo laboratório, agradecendo mentalmente porque aparentemente não tinha lhe visto, porém acabou parando uns três passos depois.
Uma careta se formou em suas feições. Ele devia ao menos se desculpar com ela, certo? parecia ser uma pessoa legal, Peter só não podia arriscar a vida de outra pessoa e…
E tinha Gwen.
Como podia sequer pensar em pensar em outra garota?
Sacudiu a cabeça, confuso com os próprios pensamentos, então respirou fundo.
Ele ia se desculpar. Era o certo a se fazer.
Parker só se deu conta de que corria o risco de passar uma vergonha colossal depois de empurrar a porta do laboratório e entrar. Mas, por sorte, o lugar não estava cheio de alunos e muito menos de outros técnicos. Havia apenas ali.
— Peter Parker? — A mulher havia erguido a cabeça para encará-lo, erguendo uma sobrancelha em confusão. De todas as pessoas que poderiam entrar ali, jamais esperaria por ele.
Peter coçou a nuca, nervoso, então deu dois passos na direção da bancada onde estava.
— Esse sou eu — respondeu a primeira coisa que veio à sua cabeça e se sentiu idiota por aquilo segundos depois.
— Não quero ser mal educada, mas… O que faz aqui? — Ela o avaliou rapidamente, tentando parecer o mais centrada possível. Parker a deixava nervosa e ele certamente já a achava maluca o suficiente por conta do convite no outro dia.
— Hm, eu estava passando e te vi aqui. Achei que seria uma boa hora para conversar sobre uma coisa. — Peter torceu a boca, como se já esperasse uma resposta negativa por parte dela, porém achou aquilo um tanto adorável e conteve um sorriso.
— Tudo bem. Mas é melhor você vestir um jaleco antes. Ainda não cheguei aos meus experimentos em humanos. — Piscou para ele, indicando que poderia pegar um dos jalecos pendurados atrás da porta, se precisasse.
O comentário fez Parker sentir uma súbita curiosidade, mas não podia se distrair e só sairia daquele lugar depois de ter resolvido as coisas com ela.
Não gostava muito da ideia de usar o jaleco de outras pessoas, mas o dele estava no laboratório do professor Hofstader, então, à contragosto, vestiu o primeiro que parecia servir nele e logo voltou para perto de , puxou uma banqueta e se sentou ao lado dela.
examinava amostras no microscópio e parou por alguns segundos para fazer algumas anotações num caderno posto ao lado. Ao terminar, largou a caneta na bancada e voltou seu olhar para Peter.
Os olhos dela eram tão negros que pareciam refletir as luzes do laboratório e por alguns segundos ele se viu completamente perdido os encarando.
— E então? — A voz de o fez despertar de seus pensamentos.
— O quê? — Não quis soar totalmente atordoado, mas foi impossível disfarçar, afinal, ele estava a encarando fixamente sabe-se lá por quanto tempo.
— O que quer conversar, Peter Parker? — Um pequeno sorriso se formou nos lábios de , enquanto, mais uma vez, ela o achava adorável.
— Acho que, para começar, você não precisa ficar me chamando pelo nome completo, sabe? Peter já está ótimo. — Tentou soar o mais descontraído possível. Alguma coisa nela o deixava nervoso e ele se sentia como um adolescente de novo.
— Tudo bem, Peter. O que quer conversar? — tinha bastante coisa para fazer no laboratório naquele dia, mas não se importou. Parker podia levar o tempo que quisesse ali.
Ela só precisava lembrar que havia levado um fora épico dele. Não podia se permitir ser completamente patética de novo.
— Então… Eu vim me desculpar. — o olhou surpresa e estava pronta para dizer algo, porém Peter prosseguiu antes que o nervosismo levasse a melhor. — Acho que não foi nada legal o que aconteceu no outro dia. Quer dizer, você estava sendo legal e eu não fui. Eu sinto muito, .
simplesmente não conseguia acreditar que Parker havia ido até ali só para fazer aquilo. Ele não tinha obrigação alguma de se desculpar ou justificar qualquer coisa, afinal, eles nem se conheciam. No entanto, ali estava ele.
E ela não conseguiu segurar o sorriso delicado que surgiu em seu rosto, algo que não passou despercebido por Peter. Ele não sabia qual reação esperar dela, mas não imaginava que fosse sorrir daquele jeito tão… doce.
— Peter, você não precisa me pedir desculpas. Eu que fui totalmente maluca de chegar chamando você pra sair. Afinal de contas, nós nem nos conhecemos. — A voz dela oscilou na última frase, deixando em evidência que se sentia envergonhada, e Parker negou com a cabeça.
— Acho que não tem problema nenhum nisso. As pessoas não saem para se conhecerem?
— Ainda assim…
— Que tal se a gente começar de novo? — De repente, ele estendeu a mão para ela. — Prazer, eu sou o Peter Parker.
riu daquilo e tirou uma das luvas de látex para segurar a mão dele de volta.
— . Mas você pode me chamar de . — Parker sorriu para ela, que retribuiu.
Um silêncio tomou conta do ambiente e os dois ficaram se encarando por alguns segundos. Ele imaginando que seria expulso do laboratório a qualquer segundo. Ela esperando pelo momento em que o rapaz levantaria e sairia correndo. Tinha consciência de que não era lá tão sociável, a prova daquilo era estar ali sozinha naquele momento.
— Me desculpe por ter saído daquele jeito, aliás.
— Então, sobre o que é a sua pesquisa?
Os dois haviam falado ao mesmo tempo e aquilo arrancou mais algumas risadas tímidas de ambos.
— Eu teria feito a mesma coisa — Peter falou primeiro, porque certamente sua resposta seria mais breve. — Mas nem lembro mais do que você tá falando, de qualquer forma. — Acrescentou, franzindo o cenho como se estivesse realmente tentando lembrar.
Aquilo fez rir mais uma vez. Parker realmente era adorável demais para a sanidade dela.
— Bom, a minha tese é voltada para o melhoramento genético de plantas. Mais especificamente a hibridização entre espécies. — Sabia que Peter entendia do que ela estava falando, porque ele não pareceu nem um pouco confuso com as palavras que usava. — Comecei com cruzamentos planta com planta, depois plantas com fungos e agora plantas com bactérias e cianobactérias. A ideia é ir evoluindo até…
— Até fazer um híbrido de planta e ser humano? — Parker arqueou uma sobrancelha, surpreso e ao mesmo tempo tendo uma espécie de déjà vu. A conversa era muito parecida com os trabalhos de seu pai e do Doutor Connors.
— Exatamente. Mas a ideia não é beneficiar o ser humano com isso, Peter. É tentar reverter um pouco do dano que nós já fizemos ao meio ambiente. Sei que parece algo completamente maluco, mas…
— Sim, realmente é meio louco. — Ele foi sincero, fazendo uma careta se formar no rosto de .
— Pode ficar tranquilo. Não quero transformar a população do mundo inteiro em árvores — brincou, com uma risada envergonhada. — O estudo ainda vai levar anos para chegar ao estágio humano. Mas alguém precisa começar, não é? E imagina o quão incrível seria um indivíduo fitocinético. — Os olhos dela brilharam.
Parker assentiu, embora ainda tentasse assimilar tudo aquilo.
No entanto, não podia negar que a ambição de era admirável.
— Então, além de inteligente e divertida, você é bastante ambiciosa. — Sem que conseguisse se controlar, de repente os elogios haviam escapado de sua boca.
Sentindo algo engraçado no estômago, desviou seu olhar para as próprias mãos, depois tornou a encarar Parker, precisando de um certo esforço para recuperar a própria voz. Ele realmente a deixava nervosa.
— Obrigada, Peter. Você também é inteligente e divertido. Só não sei da ambição ainda. — Abriu um pequeno sorriso, que ele retribuiu de imediato.
Parker não esperava que ela fosse elogiá-lo de volta, mas havia gostado de ouvir.
Mais uma vez, o silêncio tomou conta do ambiente e mesmo que a ideia de recomeçar tivesse partido dele, de repente ali estava novamente a necessidade de se desculpar.
— Eu realmente sinto muito por aquele fora, . É bem clichê o que eu vou dizer, mas não é você… Sou eu. — E riu do quanto aquilo soava idiota.
— Não se preocupe, Peter. Eu entendo. De verdade. — Sorriu mais uma vez daquele jeito que Parker havia achado doce. — Mas nós falamos em recomeço, certo?
— Certo. — Ele assentiu, acompanhando com curiosidade quando desviou sua atenção dele para pegar a caneta na bancada e anotar alguma coisa em uma folha em branco de seu caderno.
Quando ela arrancou o papel e estendeu em sua direção, ficou claro do que se tratava.
— É o meu número. — não precisava dizer, mas, mesmo assim, o fez. — Se você quiser uma amiga ou apenas alguém para conversar, me manda uma mensagem, ou me liga. Você é legal demais para ficar andando por aí sozinho, Peter.
Parker sorriu com aquilo e aceitou o papel.
— Como sabe que eu ando sozinho, ? — Ergueu uma sobrancelha.
— Foi um palpite e você acabou de confirmar. — Seus lábios se curvaram em um sorriso esperto.
Peter sentia que poderia continuar ali por horas conversando com ela, mesmo que em alguns momentos ambos ficassem sem saber o que dizer. No entanto, estava trabalhando e ele também.
Ele também.
De repente, Parker olhou para o relógio em seu pulso, percebendo que faltavam dois minutos para o fim de seu intervalo.
Voltou a encarar e ela poderia rir novamente apenas com aquela expressão atordoada dele. De novo, adorável demais para o bem dela.
— Deixa eu adivinhar. Você precisa ir — se pronunciou, antes que ele o fizesse.
— O restante do meu intervalo voou. Vou te deixar voltar ao seu trabalho também. — Riu sem jeito e de repente ela sentiu uma certa animação em saber que Parker havia se perdido no tempo ali com ela.
— Bom saber que gostou da nossa conversa. — Tombou levemente a cabeça de lado e Peter sorriu.
— Não imagino como eu não gostaria. — Foi sincero. — A gente se vê, . Nada de transformar as pessoas em árvores.
Talvez aquela brincadeira fosse idiota demais, mas havia sido mais forte do que ele.
— Pode deixar. A gente se vê, Peter.
o assistiu seguir até a porta e dar uma última olhada para ela, sorrindo antes de sair do laboratório.
Pelo restante do dia, a sensação de animação continuou ali e vez ou outra se pegava sorrindo para absolutamente nada.
Ter dado seu número a ele provavelmente havia sido um erro fatal.
Não é que não confiava na polícia ou os achava incapazes de proteger a população, mas Parker havia de fato dado de cara com o vigilante e comprovado que sua agilidade não era comum.
E não saber exatamente com o que estava lidando só aumentava ainda mais sua vontade de encontrá-lo.
O Homem Aranha estaria preparado, não permitiria que escapasse até obter as respostas que procurava.
Analisando todos os ataques anteriores, Peter sabia que a região do Brooklyn era a de principal atuação do Dahlia Negra e foi se atendo àquela informação que ele se escondeu na escuridão do prédio mais alto, observando com atenção qualquer movimentação suspeita.
As ruas estavam praticamente desertas, exatamente como nos dias anteriores. Vez ou outra, alguma pessoa ou cachorro de rua passava, porém nada de surpreendente aconteceu. Estavam todos em alerta. Cinco ataques haviam acontecido e mesmo que os alvos fossem criminosos, ninguém queria arriscar.
Sentado no parapeito, Parker deixou um suspiro escapar. Na última vez em que ficou daquela forma, cuidando de algo, na verdade havia sido de alguém.
Teve tanta esperança de que suas ações no outro universo fossem mudar o que tinha acontecido. Por que estava tudo igual?
Não havia um dia sequer que ele não sentisse falta dela. Da sua Gwen. E já tinha se conformado com o fato de que aquilo nunca mudaria porque Peter nunca esqueceria dela.
Por algum motivo, seus pensamentos foram guiados para . Seria justo ele conhecer uma outra mulher? Seria justo com trazê-la para toda a sua realidade bagunçada e cheia de perigos?
Por outro lado, Parker estava cansado de ficar sozinho. Estava cansado de lutar contra vilões e monstros durante o dia e com seus próprios demônios durante a noite.
Talvez não fosse tão ruim ao menos ter alguém com quem conversar.
Deixando um sorriso fraco se formar em seus lábios, ele puxou seu celular e procurou o número de na lista de contatos. Havia o salvado no instante em que saiu do laboratório, em um impulso por ter realmente gostado da breve conversa que tiveram.
O que diria pra ela?
Um “oi” já era um começo?
Droga, ele havia perdido completamente o jeito com aquelas coisas.
Se é que já teve jeito algum dia.
Riu de si mesmo e parou para pensar em algo mais elaborado. Por fim, até achou razoável a mensagem que digitou, enviando antes que perdesse a coragem ou refletisse demais sobre o que escreveu.
Conferindo se esse é o seu número mesmo ou se você resolveu se vingar me dando qualquer outro.
x Peter Parker.
havia dito que o achou divertido, mesmo que fosse apenas uma resposta ao elogio dele, então talvez fosse gostar da mensagem, certo?
Parker batucou os dedos na parte traseira do aparelho, ficando um tanto ansioso para saber o que responderia. Então na segunda vez que acendeu o visor, conferindo se havia alguma notificação de mensagem, seus olhos se fixaram no horário, que marcava exatamente duas e trinta e sete da manhã.
Bateu na própria testa, se sentindo um completo idiota. Tinha mesmo mandado mensagem para ela de madrugada? Com certeza estaria dormindo.
Ainda assim, ele não deixou de conferir o celular de vez em quando, dividindo sua atenção com a movimentação da cidade.
Eram quase quatro horas da manhã quando Peter decidiu voltar para casa e descansar um pouco. No dia seguinte, ele voltaria a analisar os ataques anteriores do Dahlia Negra para retomar o plano de tentar prever suas próximas vítimas.
Aquela foi uma das raras noites em que Parker se jogou em sua cama e adormeceu instantaneamente.
— Peter! — Mais uma vez, ele estava de volta àquele momento terrível.
As risadas de Harry Osborn pareciam vir de todos os lugares, mas o mundo simplesmente parou quando Parker olhou para baixo e viu que Gwen despencava.
Mas ele conseguiria pegá-la. Sua teia havia sido desenvolvida para aquilo. Gwen estaria a salvo em poucos segundos.
No entanto, tudo passou em câmera lenta diante de seus olhos. Peter estendeu o pulso, lançando a teia em direção ao amor de sua vida, se jogando também em direção a ela para que pudesse agarrá-la antes que atingisse o solo.
Os olhos de Gwen estavam fixos nos dele, apavorados, suplicantes, marejados. Ele jamais esqueceria daquela imagem.
Por que o mundo havia desacelerado? Parker precisava ser mais rápido, ele seria mais rápido.
E por um segundo achou de verdade que havia conseguido. Por um segundo, o alívio tinha tomado conta de seu peito e Peter poderia dizer a ela que tudo estava bem. Que Gwen estava a salvo.
Mas o corpo dela estava mole como uma boneca, suspenso pela teia.
Parker se agarrou a ela, tentando acordá-la, tentando acordar também a si mesmo daquele pesadelo, mas não conseguia, assim como não conseguiu salvá-la.
Sua Gwen havia partido e não havia nada que pudesse fazer para tê-la de volta.
Peter se debateu, implorando de novo para acordar, mas, de repente, tudo começou de novo.
De repente, ele estava mais uma vez no alto, ouvindo a voz de Gwen gritar por ele, as risadas. E mais uma vez o mundo estava desacelerando enquanto o Homem Aranha lançava sua teia e se jogava em direção à sua amada.
Aquilo era tortura demais.
E como se não bastasse aquele pesadelo se repetindo em um loop, de repente a imagem de Gwen oscilava, assim como todo o cenário ao seu redor.
De repente, não era Gwen Stacy e sim Michelle Jones despencando, enquanto o Peter mais jovem não conseguia alcançá-la, mas, de alguma forma, ele sabia que conseguiria.
Seus sentimentos estavam completamente confusos entre o pesar e o alívio de alcançar Michelle a tempo.
Os olhos de Parker estavam marejados de lágrimas, ele afirmava que estava bem e era como se sentisse que alguém o acalentava.
Então o cenário mudou.
Mais uma vez, o Homem Aranha chegava a um ambiente escuro, onde apenas a luz do luar impedia o breu completo.
— Ei, você! — gritava, vendo a figura encapuzada segurando alguém pelo colarinho.
Dahlia Negra se virou para ele, a cabeça tombando rapidamente em curiosidade, para logo em seguida o vigilante largar o corpo sem vida no chão, seguido pela flor que era sua assinatura.
Sabendo que fugiria, Peter se adiantou em sua direção, mas algo o impediu de persegui-lo.
Na verdade, não era algo, era alguém.
O corpo jogado no chão era do Doutor Connors.
Suando como nunca, Parker despertou. Aquele pesadelo foi tão vívido que de repente o Homem Aranha olhou à sua volta, como se fosse encontrar o Dahlia Negra em seu quarto e o Doutor Connors morto ao lado de sua cama.
Por que havia sonhado com aquilo? Seria um aviso?
Seria ele a próxima vítima do vigilante?
Suas mãos tremiam. Foram emoções demais, pesadelos demais, e seu coração continuava apertado por ter revivido pela milésima vez a morte de Gwen.
Peter se sentou na cama, passando a mão pelos cabelos, sentindo-os pingando e tentou colocar seus pensamentos em ordem, analisar as coisas que haviam acontecido nos pesadelos.
Então lhe ocorreu uma coisa e de repente ele se sentiu idiota por não ter pensado naquilo antes.
O que havia acontecido com o Doutor Connors e com Max ao retornarem curados para o seu universo?
Como estaria Harry Osborn?
Poderia ser tolice ficar tão animada antes mesmo de verificar se o remetente era mesmo a pessoa que ela esperava, mas, de alguma forma, sabia, e sua intuição foi o suficiente para que a mulher se levantasse da cama com o aparelho em mãos e um enorme sorriso em seus lábios.
No entanto, por mais feliz que estivesse com aquilo, algo dentro dela também a fez hesitar por vários minutos. Um nervosismo que a fez precisar de toda a sua força de vontade para não roer as unhas, que já eram um tanto curtas devido aos seus trabalhos na floricultura e no laboratório.
Agoniada, passou a andar em círculos por seu quarto e aquela cena seria um tanto cômica se não fosse trágica, já que em vez de roer as unhas, ela resolveu raspar os dentes na ponta do celular, arrastando os pés descalços no carpete, enquanto vestia nada além de uma calcinha de algodão e uma camiseta do Homem Aranha.
Se ela gostava do amigão da vizinhança? Só um pouco. Talvez muito.
Porém, naquele momento, toda a sua atenção estava voltada para uma simples mensagem e se sentiu estúpida por estar tão ansiosa a ponto de enrolar para ler o seu conteúdo.
— Não seja idiota, — resmungou para si mesma, encarando o próprio reflexo no grande espelho ao lado do closet.
De repente, seu celular vibrou, fazendo-a pular de susto e ficar um tanto agitada só para descobrir segundos depois que se tratava de uma ligação da companhia telefônica.
Se sua mãe estivesse ali, certamente tomaria o aparelho de suas mãos para ler antes dela e ainda fazer caras e bocas para atiçá-la. Já seu pai, pediria todos os dados possíveis do remetente.
Riu com aqueles pensamentos e teve a sensação de que a qualquer momento os dois entrariam em seu apartamento e fariam exatamente aquilo.
Céus, por que estava sendo tão covarde? Era só clicar e ler. Qual era o problema dela?
Quem sabe fosse o medo de se iludir e ser jogada lindamente na friendzone.
Apesar de que, tecnicamente, ela já estava na friendzone, não estava?
— Só abre a porcaria da mensagem, ! — ralhou consigo mesma e, prendendo a respiração, desbloqueou a tela do celular e clicou na notificação de mensagem.
Segundos antes do conteúdo aparecer na tela, ela ainda sentiu uma vontade forte de pressionar os olhos, mas resistiu porque não podia ficar se acovardando para sempre.

NUMERO DESCONHECIDO
HOJE, 02:37
Foi impossível para não soltar um gritinho ao ler aquilo. Tudo bem que certamente não era nada demais, Peter apenas estava conferindo se pegou o número certo, mas ainda assim a mulher sorriu boba, achando uma graça o jeito dele.
Parou alguns segundos para pensar no que responderia e, enquanto fazia isso, seus olhos passaram e retornaram até o horário que Parker lhe enviou a mensagem.
Duas e trinta e sete da manhã.
Franzindo o cenho em surpresa, finalmente clicou para respondê-lo.

Peter Parker
HOJE, 02:37
HOJE, 06:05
Sorriu satisfeita ao enviar. Havia sido razoável e talvez um pouco divertida, mas resolveu que não iria pensar muito sobre aquilo ou acabaria surtando da mesma forma que aconteceu antes de conseguir abrir a mensagem dele.
Tendo a consciência de que Peter poderia demorar para responder, já que ainda era relativamente cedo, procurou uma muda de roupas e se enfiou no chuveiro para retirar qualquer resquício de sono. Com certeza ela já estava bastante desperta, mas não dispensava o banho matinal porque sempre sentia uma dose extra de energia depois.
Quando saiu, já devidamente vestida, tinha optado por uma calça jeans, uma baby look de gola alta em tom vinho e all stars pretos nos pés. Um sobretudo preto completaria o look e ela deixaria os cabelos soltos, já que não pretendia ir até o laboratório tão cedo naquele dia.
Antes de começar a se maquiar, conferiu o celular e nada havia chegado ainda. E nada veio por um bom tempo, o que a fez imaginar que provavelmente Peter ainda estava dormindo ou muito ocupado.
Ao chegar à cozinha de seu apartamento, devidamente pronta, não se surpreendeu nem um pouco ao encontrar a senhora Corbyn por ali, terminando de fritar ovos e bacon.
Hellen Corbyn era a dona do apartamento que havia alugado assim que conseguiu deixar o dormitório da universidade. Ela era viúva e muito sozinha, e como passava algum tempo em casa, principalmente nos finais de semana, as duas acabaram se tornando amigas. Com isso, quase sempre tomavam café da manhã juntas e volta e meia uma estava no apartamento da outra para ajudar em alguma coisa.
gostava muito da companhia de Hellen, adorava ouvir as diversas histórias que a mulher tinha para contar.
— Bom dia, Hellen. — Sorriu animada para a mulher, enquanto puxava uma cadeira e se sentava à mesa.
— Pelo jeito você dormiu bem hoje, querida. — A senhora retribuiu o sorriso, trazendo a frigideira até o prato de e colocando uma quantidade generosa de ovos e bacon ali.
— Chega, chega! Duvido que eu vá conseguir comer tudo isso. — Arregalou os olhos, achando graça quando Hellen estreitou os olhos.
— E é por isso que está tão magrinha. Você precisa se alimentar direito, . Aposto que durante o resto do dia come feito um passarinho.
— Claro, porque sempre saio rolando de casa. — Olhou significativamente para a mulher, que negou com a cabeça.
— Vou começar a invadir seu trabalho para lhe levar almoços. — Não havia sido uma sugestão, muito menos uma pergunta. Hellen havia afirmado, como se aquilo já estivesse decidido.
riu.
— Ai, Hellen, só você mesmo.
No fim das contas, ela adorava aqueles gestos. Era bom ter alguém que se preocupava com ela daquele jeito por perto.
A senhora Corbyn comentou alguma coisa em resposta, porém não prestou atenção, já que seu celular notificou uma nova mensagem e o nome de Peter Parker brilhou no visor.
Sem nem pensar no quanto parecia afobada, ela rapidamente pegou o aparelho e desbloqueou a tela.

Peter Parker
HOJE, 08:00
Mais uma vez, ela sorriu feito boba, principalmente ao saber que ele havia gostado da conversa que tiveram.
Não dava nem para esconder que ela também tinha e que na verdade não via a hora de vê-lo novamente, por mais que nem soubesse se era aquilo que Peter queria.
não precisou pensar muito para responder.

Peter Parker
HOJE, 08:00
— O que tem nesse celular que você está sorrindo tanto, menina? — A voz da senhora Corbyn chamou a atenção de , que ergueu a cabeça num sobressalto.
Ela ainda precisou de uns três segundos para assimilar as palavras da amiga e quando isso aconteceu, desviou o olhar.
— Nada demais, Hellen. — Deu de ombros, tentando fazer pouco caso, mas ela estava ansiosa pela resposta de Parker, tanto que não conseguia parar de mexer uma das pernas.
— Nada demais, uh? Sei. — Corbyn a observou com atenção.
— Uhum — murmurou, vendo que a resposta de Peter havia chegado.

Peter Parker
HOJE, 08:15
mordeu o lábio inferior de leve, incerta sobre o que responder à última mensagem dele. Aquela história de os dois fazerem um bom time tinha pegado ela de jeito e a feito repetir mentalmente pelo menos umas cinco vezes que não era nada demais, que o sentido era completamente diferente do que imaginava.
No entanto, a cada novo elogio de Parker, ficava mais difícil não se iludir pelo menos um pouco. Por que ele tinha que fazer aquilo?

Peter Parker
HOJE, 08:30
As bochechas de esquentaram. Na verdade, não apenas as bochechas. Ela podia sentir seu pescoço pegando fogo e de repente sua boca até ficou meio seca.
Rapidamente, a mulher pegou o copo de suco, até então intocado, na frente dela e bebeu todo o conteúdo, enquanto ainda mantinha os olhos no celular.
Hellen acompanhava tudo com o olhar, não precisando de muito para entender o que se passava ali.
— Você vai se atrasar, viu? — comentou, indicando o relógio na parede.
olhou rapidamente para o objeto, arregalando seus olhos porque a senhora Corbyn tinha razão.
Na verdade, ela tinha que ter saído há sete minutos, mas sabia que se corresse, ainda conseguiria pegar a linha seguinte e chegar bem em cima da hora à floricultura.

Peter Parker
HOJE, 08:37
Um sorriso travesso moldou os lábios de quando terminou de enviar aquelas mensagens, então ela pegou sua bolsa e o casaco, vestindo-o em seguida.
Antes que ficasse tentada a ver a resposta de Peter, guardou o celular no bolso, não conseguindo parar de pensar na conversa que acabaram de ter.
— Tchau, Hellen. Estava tudo ótimo como sempre! — Se aproximou rapidamente da senhora para dar-lhe um beijinho no rosto.
— Quando você voltar, quero saber tudo sobre esse namoradinho aí, viu, dona . — Corbyn sorriu com malícia e sentiu suas bochechas esquentarem novamente.
— Hellen! Não é nada disso. Ele é só um amigo. — No entanto, estava mais do que na cara que não se sentia daquela forma, o que definitivamente era um problema.
— Um amigo que você adoraria dar uns beijos, não é?
— Meu Deus, você está impossível hoje! — arregalou os olhos, surpresa com as palavras da amiga.
— Nem nega, né? Aproveite a vida, minha cara. Beije bastante, mas só depois de me mostrar quem é. Quero ver se é bonito o bastante pra você. — E piscou.
negou com a cabeça e resolveu sair logo dali. O atraso só aumentava e com o andar daquela conversa, dali a pouco Hellen estaria falando de coisas bem além de beijos.
Por que ela havia cogitado aquilo mesmo?
— Tchau, Hellen — repetiu, saindo sem esperar por uma resposta, tentando distrair sua cabeça com qualquer outra coisa que não fosse as outras coisas que gostaria de fazer com Peter Parker.
No entanto, já era tarde demais.
Uma risada ecoou de sua boca e Peter levou as duas mãos para trás da cabeça, negando ao refletir sobre o que havia mandado.
Ela tinha noção de que aquele lance de outras coisas era um tanto sugestivo? Talvez não, mas, antes mesmo que pudesse se refrear, sua imaginação formou alguns cenários que foram o suficiente para Parker soltar um suspiro, com as bochechas queimando como se estivesse ali vendo tudo.
Fazia tempo que ele não tinha aquele tipo de pensamento e, sendo honesto consigo mesmo, era a primeira vez que aquilo acontecia com alguém que não era Gwen Stacy.
Peter pressionou seus olhos com força, se recusando a ir por aquele caminho mais uma vez. Um caminho onde se sentia extremamente culpado, como se estivesse traindo Gwen ao pensar ou até mesmo olhar para outra pessoa.
Resolvendo se levantar para colocar algumas coisas em ordem, de repente ir ao mercado comprar algo para comer além de cereal, e riu outra vez ao se lembrar de outra parte da conversa.
estava fazendo o maior mistério, mas tudo indicava que ela era, sim, fã do Homem Aranha, o que o fazia até querer estufar o peito, orgulhoso de si mesmo.
Obviamente, não era incomum encontrar fãs dele por ali, mas de alguma forma era diferente, e Parker sabia que era porque se tratava de .
Por mais que tentasse evitar desde o início, ela havia dado um jeito de mexer com ele. Aquela conversa no laboratório realmente tinha mudado as coisas.
Peter sabia que seguir em frente com a sua vida não era errado, mas ainda existia aquela parte dele que martelava em sua cabeça, reforçando a culpa não importava quantas vezes tentasse empurrá-la para longe.
Uma ideia então ocorreu em sua mente e cedendo totalmente aos próprios impulsos, se arrumou e saiu de seu apartamento assim que a tarde chegou.
O ar lá fora era frio e por isso Parker colocou suas mãos nos bolsos enquanto caminhava para um lugar que, infelizmente, ele conhecia bem.
E quando, por fim, chegou, ficou parado diante dos portões daquele cemitério, exatamente como na última vez em que esteve ali. Sua última visita havia destruído mais um pedaço seu e foi impossível não lembrar, assim como foi impossível não sentir aquela dor chata, que na verdade sempre estava ali, ele só se esquecia dela de vez em quando.
— Ora, vamos lá, Peter. A ideia foi sua e não é como se você não fosse voltar aqui nunca mais, não é? Claro que não — falou consigo mesmo e sorriu amarelo quando um casal passou por ele, encarando-o como se fosse completamente maluco.
— Boa tarde para vocês também — Parker gracejou, não se importando tanto com o que pensavam.
Por fim, tomou vergonha na cara e adentrou logo o cemitério, traçando primeiro um caminho até a lápide de seu tio Ben.
Se perguntou se o homem ainda teria orgulho dele. Antes de ir parar em outro universo, Peter tinha consciência de que seguia por um caminho completamente diferente do seu propósito inicial. Consumido pela raiva, pela dor e pelo luto, havia suspendido qualquer limite, pesando os punhos brutalmente contra qualquer criminoso que cruzasse seu caminho.
Sabia que seu tio jamais aprovaria aquele comportamento, muito menos Tia May. Nem mesmo ele concordava em uma sentença tão cruel, independente do criminoso e agradecia por conseguir acreditar naquilo agora.
— Eu sei que não agi de acordo com o que me ensinou, Tio Ben. Parei de agir com responsabilidade e dei ouvidos à vingança. Ao ódio. Mas espero que ainda tenha orgulho de mim. — Suspirou, enquanto seu olhar estava fixo na lápide. — Nós te amamos e sentimos sua falta todos os dias.
Parker queria ter dito mais coisas, queria dividir com ele tudo o que viveu recentemente e as perguntas que povoavam seus pensamentos. No entanto, mesmo que estivesse vivo, certamente também seria mais seguro para Ben não saber nada sobre a verdadeira identidade do Homem Aranha. Qualquer um que soubesse estaria condenado.
— Isso não vai acontecer nunca mais. — Sentiu a necessidade de deixar aquilo claro. Ele realmente jamais se deixaria levar novamente. Jamais desviaria de seu principal objetivo.
Suspirando mais uma vez enquanto segurava as lágrimas, Peter se afastou e seguiu para sua segunda parada.
Não foi mais fácil encarar a lápide de Gwen. As pessoas costumavam dizer que era o que acontecia, mas com ele não funcionava. A sensação de que algo esmagava seu peito com toda a força ainda estava ali, tirando seu fôlego e frustrando qualquer esforço de Peter em conter as lágrimas.
Primeiro uma escorreu por sua bochecha esquerda. Ele a limpou, respirando fundo, buscando mais controle, porém, logo em seguida, sentiu a bochecha direita se molhar. E quando ficou claro que não havia escapatória, Parker se permitiu desabar.
Chorou em silêncio, recebendo uma enxurrada de lembranças e sorrindo pesaroso com elas.
— Eu queria que você ainda estivesse aqui, Gwen. — Sua voz soou fraca, mas Peter não deu importância, sabia que ela o escutaria de onde quer que estivesse. — Você sabe que também era a minha melhor amiga, não sabe? O que só torna tudo ainda mais difícil de suportar.
Parker se agachou próximo à lápide, como se aquilo realmente fosse fazê-lo ficar mais perto de Gwen. Naquele plano, naquele universo, nunca mais estaria.
Sentiu mais lágrimas escorrerem e permaneceu daquela forma até elas diminuírem.
— Conheci uma pessoa nesses últimos dias. Na verdade, foi mais de uma se contar os outros Peters e aquele mago irado que parecia ter saído de Dungeons and Dragons, mas vou deixar essa história pra depois porque ela é mais complexa — Peter foi contando e descobriu que era bom, lhe trazia um certo alívio e alguma coisa dentro de si dizia que Stacy o ouvia atentamente, como sempre havia feito.
— Enfim, o que quero dizer é que conheci uma mulher e ela é brilhante, sabe? É divertida e ambiciosa demais. Acho que você ia gostar de conversar com ela sobre o projeto que ela está desenvolvendo. É um negócio um pouquinho preocupante, bem estilo Doutor Connors, mas sei lá, dá pra dar o benefício da dúvida e acreditar que ela vai usar isso para o bem e não para algo totalmente biruta? — Parker soltou uma risada rouca. — Eu gostei da companhia dela, Gwen. Fazia tempo que não me sentia assim… Bom, desde você eu não me sentia assim. E isso me traz um monte de culpa também. Sei lá, medo de estar traindo você e todas as nossas memórias.
A voz dele se quebrou e ele engoliu em seco. De repente, o nó na garganta havia voltado e o peso de suas palavras o sufocou. Peter jamais se perdoaria se traísse as memórias dele com Gwen.
Ela havia sido o amor de sua vida e sempre seria.
Então aquele último pensamento o fez sorrir.
Era isso. Gwen Stacy sempre seria o amor de sua vida e ficaria sempre guardada em seu coração. Não havia motivos para se sentir culpado. Seguir em frente agora fazia parte de sua vida.
— Acho que você gostaria dela. E não sei porque estou pensando demais nisso, mas acho que eu penso demais sobre tudo, não é? — Riu mais uma vez. — Enfim, vou parar de te alugar, trocar essa roupa e fazer o que faço de melhor. Sempre por você, Gwen. Eu te amo.
Quando se levantou para deixar a lápide, a dor ainda estava ali, mas, ao mesmo tempo, a sensação de alívio havia ganhado mais força.
Parker seguiu em direção aos portões, porém, antes que saísse do lugar, algo chamou sua atenção.
Os cabelos de .
Sacudiu a cabeça, achando que poderia estar imaginando, já que não parava de pensar nela, mas quando a viu se virar de perfil, constatou que era mesmo ela.
Era a terceira vez que encontrava por acaso e isso o fez questionar mentalmente se era mesmo coincidência ou algo proposital.
Mas por que o seguiria?
— Pelo jeito, o stalker da história é você, Parker. — Ele só se deu conta de que havia caminhado em sua direção quando ela se virou para encará-lo, abrindo um pequeno sorriso.
— Ah, é? E o que te faz pensar isso, ? — Peter ergueu uma sobrancelha, parando de frente para ela.
— Porque o peguei em flagrante me observando. — Imitou o gesto dele, que não conseguiu evitar uma risada baixa.
— Não tenho defesa contra isso. Eu realmente estava — confessou, o que a fez sentir algo engraçado no peito. Podia jurar que seu coração queria dançar naquele momento.
— Aha! Então você está admitindo! — Ela fez uma expressão que misturava choque e uma certa diversão ao mesmo tempo.
— Espera aí. Mas foi porque achei que reconheci os seus cabelos e queria ver se realmente era você.
estreitou os olhos.
— Sabe que isso não te absolve, né? Stalkers gravam coisas como o tom dos cabelos, o cheiro do perfume e quantas vezes você twitta durante o dia.
— Será que eles usam máscaras também? — Peter relembrou a conversa que tiveram mais cedo.
— Se a máscara ajudá-los a se camuflar… Mas, espera, acho que não ajuda, não é? — Riu fraquinho.
— É, acho que não — ele concordou, ficando um tanto sem graça porque com certeza a estava encarando demais.
sorriu mais uma vez, então desviou seu olhar dele, virando de frente para as lápides.
— Quem você veio visitar? — Aquela certamente era uma pergunta invasiva, porém Parker não conseguiu se conter, era uma tentativa de quebrar o silêncio.
Um suspiro escapou dos lábios de .
— Meus pais. — Diferente de todas as vezes em que se falaram, a voz dela morreu algumas oitavas.
Peter se sentiu péssimo por aquilo.
— Eu sinto muito, . Eu… — Então ele não soube mais o que dizer.
— Tudo bem, Peter. — Ela lhe sorriu fraco. — Eu tive um pensamento engraçado sobre eles hoje e resolvi visitá-los depois do trabalho, conversar um pouco.
— Sei bem o que quer dizer. — Parker retribuiu o sorriso e se virou para também encarar as lápides.
Pamela e Christopher haviam partido há dois anos.
— Eu realmente sinto muito. — Ele reforçou, engolindo em seco.
— Sabe, eu ouvi várias pessoas me dizerem que com o tempo a dor vai embora. Mas isso é uma grande mentira. A dor e o luto não nos deixam, somos nós que aprendemos a conviver com eles.
Peter acabou sorrindo porque havia pensado em algo parecido minutos antes.
— Seguimos nossas vidas esquecendo deles, mas, na primeira chance, eles se fazem notar, né? — complementou a fala dela, o que a fez virar o rosto para encará-lo. Parker a olhou de volta, percebendo os olhos de um pouco marejados.
— Eu queria ao menos ter me despedido deles, sabe? Ao menos ter tido a oportunidade de dizer o quanto os amo. — Os lábios dela tremeram.
— Mas eles sabem disso, . Acredite, eles sabem. — Peter tocou o braço dela e o contato era como eletricidade para os dois, os aquecendo, espalhando a onda de cumplicidade e conforto que precisavam.
— Obrigada. Você é bom nisso. — riu fraquinho.
— No quê? — Parker ficou ligeiramente confuso, talvez porque estivesse lutando contra a vontade de não soltá-la mais e de ampliar o contato.
— Com as palavras.
— Converso muito comigo mesmo. Acho que é por isso. — Ele se arrependeu no segundo seguinte. Aquela havia sido a coisa mais idiota que disse, o que acabava de invalidar o elogio de .
Mas ela simplesmente riu e negou com a cabeça.
— Bom — suspirou —, acho que já é o bastante de cemitério por hoje. — Quebrou o contato com ele, embora também não o quisesse.
— Eu te acompanho — rapidamente, ele se dispôs e assentiu.
Então ela se voltou rapidamente para as lápides dos pais.
— Até a próxima, mamãe. — Olhou para o nome de Pamela, depois para Christopher. — Papai. Eu amo vocês. Muito.
E foi seguindo com Peter para a saída do cemitério.
O silêncio reinou entre ambos durante o trajeto. Parecia que as palavras haviam se perdido, porém não foi desconfortável para nenhum dos dois. Era como se a presença de um para o outro fosse o bastante.
No entanto, quando, por fim, chegaram aos portões do cemitério, perceberam que teriam de se despedir. E nenhum dos dois queria aquilo.
— ! — Foi Peter quem se pronunciou.
— Peter? — Ela ergueu seu olhar para ele, que resolveu parar de pensar tanto pelo menos uma vez e se deixou levar por seus impulsos.
— Quer ir tomar um café ou algo assim?
Ela sorriu largo.
— Adoraria.
O sorriso também se formou nos lábios dele, então ambos seguiram para a mesma direção.
Peter não havia planejado um lugar específico para irem, só sabia que naquele momento queria a companhia dela.
Por mais que as coisas estivessem um tanto pesadas e melancólicas, afinal acabavam de sair de um cemitério, ele quis mais daquela sensação de conforto que teve no laboratório e ao trocar mensagens com .
lutava para conter as batidas aceleradas de seu coração. Podia jurar que a qualquer momento ele a ouviria e, da mesma forma que havia feito na biblioteca, a dispensaria lindamente.
Apesar de que não sabia ao certo o que era aquilo. Estavam saindo em uma espécie de encontro ou era só uma saída entre amigos?
Provavelmente era a segunda opção, afinal Parker tinha recusado um encontro com ela.
No entanto, aquilo realmente importava?
estava gostando da companhia de Peter independente do que aquilo significava.
Precisava relaxar mais e se deixar levar.
E foi o que ela fez.
Não se incomodou com os outros minutos de silêncio que reinaram entre eles. Era um silêncio confortável, onde ambos caminhavam lado a lado, observando o mundo ao seu redor e sorrindo vez ou outra para alguns cenários que encontravam.
Quando iniciaram uma conversa, Parker indagou a respeito de seu projeto na universidade, porque realmente estava interessado em como funcionaria. foi explicando alguns detalhes, confiando que ele não ia compartilhar aquelas informações com outra pessoa, muito menos roubar o projeto para si. Simplesmente não parecia o tipo de coisa que Peter Parker faria.
Christopher costumava dizer que aquele era um defeito de . Confiar daquela forma nas pessoas apenas por intuição um dia poderia colocá-la em maus lençóis. Já Pamela, pedia para que o marido não pegasse tão pesado. Um pouco de coração nas coisas não fazia mal a ninguém.
conteve um suspiro com aqueles pensamentos, tornando a focar sua atenção em Peter e achando graça da forma como havia estreitado os olhos em sua direção.
— Desculpe, o que disse? — Mordeu o canto da boca porque de repente sentiu vontade de rir.
— Bem vinda de volta, — ele ironizou e acabou não aguentando e rindo baixo.
— Se você quiser andar comigo, Parker, precisa saber que isso acontece bastante. Meus pensamentos adoram me carregar com eles — confessou, enquanto prestava atenção na reação dele.
Parker acabou rindo com ela.
— Já percebi isso. E você fica uma graça com os pensamentos longe.
Droga, ele tinha mesmo falado aquilo? O que pensaria dele?
Provavelmente que era maluco e não sabia o que queria da vida. Não que as duas coisas não fossem verdade.
— Eu… Obrigada, eu acho. — colocou uma mecha de cabelo para trás da orelha, nervosa. Certamente, dessa vez ele conseguiria ouvir seu coração disparado e se questionasse, ela diria que era tudo culpa dele e daqueles elogios.
Alguns segundos de silêncio constrangedor vieram, então o quebrou.
— Mas o que você dizia antes, Peter? — Tentou soar o mais natural possível.
Ele sacudiu a cabeça, espantando os próprios pensamentos e tentando se lembrar.
— Perguntei se é clichê demais nós irmos até o parque e comprar algo nos carrinhos de comida. — Com a atenção de fato focada nele, Parker sentiu sua nuca esquentar, então levou uma mão até o local, o pressionando de leve e deixando sua mão cair ao lado do corpo em seguida.
sentiu como se o sorriso fosse rasgar seu rosto.
— Com certeza é, mas qual o problema? A maioria das pessoas que criticam os clichês gostam deles em segredo. — Piscou, o fazendo sorrir também.
Alguns minutos depois, o clima entre eles estava ainda mais leve. Haviam encontrado um banco livre e se sentaram lá enquanto observavam a paisagem. Estavam num período de transição entre inverno e primavera, então as árvores começavam a florescer e um ou outro esquilo passava por eles, ao que sempre reagia com entusiasmo.
Ela simplesmente amava aqueles bichinhos.
Devoraram um cachorro quente cada um e depois pediram dois cafés expressos, que acabaram jogando fora porque tinham um gosto duvidoso e só conseguiram esquecer depois de beberem a boa e velha coca-cola. Estava um tanto frio, mas nenhum dos dois se importava. Na verdade, só não tomaram sorvete porque não encontraram o carrinho.
— Você começou o projeto por causa da floricultura? — Peter questionou. Haviam chegado àquele assunto porque ele estava realmente surpreso por trabalhar ao lado do Clarim Diário e ele nunca tê-la visto.
— Na verdade, não. Eu precisava de um emprego e tive a sorte de encontrar algo com a área que eu gosto. — Ela deu de ombros e Parker assentiu, compreendendo.
— Eu já cheguei a pensar em seguir com a fotografia, mas não sei.
— Por que não? As suas fotos são ótimas. Não que eu entenda muito, mas gosto muito das que vejo no Clarim. — Tudo bem que aquilo era quase um incentivo para que ele deixasse a universidade, mas sempre pensava que o mais importante era fazer o que gostava.
— É complicado. — Peter apenas sorriu fraco. Não podia se aprofundar no assunto, mas o ponto era que não podia ter muitas certezas em sua vida. — Mas fico feliz que goste. O que traz de volta um ponto que você ainda não me respondeu, senhorita.
— Ponto? Que ponto? — tentou se fazer de desentendida, mas a verdade era que sabia muito bem que aquela pergunta viria no exato momento em que o assunto do Clarim começou.
— Aquele das mensagens e não tente me enganar, , você sabe qual é. — Parker estreitou os olhos, curvando os lábios em um meio sorriso.
Por mensagem aquilo era bem mais fácil. Como resistiria a qualquer pedido dele?
— O que você acha? — Ela tentou se esquivar com outra pergunta.
O sorriso dele se abriu mais.
— Que você vai adorar um autógrafo do meu amigo mascarado.
riu e por algum motivo sentiu suas bochechas esquentarem.
— Tá legal. Eu sou fã dele mesmo. Satisfeito?
Ela não fazia ideia do quanto.
— Não sei, porque agora vou ter que te apresentar a ele e não tô muito afim de ter que dividir sua atenção com um aracnídeo — Peter gracejou, o que a fez rir alto.
— Você é péssimo, Parker. E nem vem com essa. Vai me apresentar a ele, sim.
Ele acabou rindo junto e negou com a cabeça.
Ela o olhava sem acreditar que aquilo tudo era real. Estava encantada demais com Peter Parker para o seu próprio bem e ele dizer coisas como aquela só pioravam tudo.
— Vou ver o que posso fazer. — Ele piscou, ainda fazendo graça apenas para não dar o braço a torcer.
E assim o resto da tarde foi passando. A conversa fluía muito fácil entre os dois, assim como as brincadeiras e risadas. trazia a Peter aquela leveza que ele não sentia há um bom tempo e o permitia que fosse simplesmente ele mesmo. Talvez por esse motivo cada minuto na companhia dela não fosse o suficiente.
Começava a escurecer quando ambos perceberam que novamente havia chegado a hora de se despedirem.
— Posso te acompanhar até em casa, . Não é seguro andar sozinha, principalmente nos últimos tempos. — Ele havia evitado pensar em seus problemas envolvendo o justiceiro encapuzado, mas no fundo sabia que não havia como.
negou com a cabeça.
— Não precisa, Peter. Eu vou ficar bem. — Sorriu e logo voltou a falar quando ele abriu a boca para protestar. — Da próxima vez, eu deixo.
— Então vai ter uma próxima vez? — Parker adquiriu uma expressão esperta.
— Depende de você. — ergueu uma sobrancelha, então se aproximou dele, ignorando a tremedeira em suas pernas para deixar um beijo suave em sua bochecha. — Boa noite, Peter Parker.
— Boa noite, . — Ele a encarou nos olhos assim que ela se afastou e o olhou.
Descobriu que podia ficar daquele jeito por vários minutos e não se cansaria, porém a conexão foi quebrada quando abriu outro meio sorriso e se afastou para ir embora.
Então Peter soube, com toda certeza haveria uma próxima vez.
Sendo honesto consigo mesmo, naquele momento, ele ainda não estava, porém quem um dia estaria? Imaginar que seria capaz, no fim das contas, era uma tremenda burrice.
Suas pernas de repente estavam moles, tremendo de um jeito vergonhoso que quase o fez desistir. Ir até ali de fato era uma péssima ideia, mas precisava. Se quisesse respostas quanto ao que havia mudado naquele universo, tinha que engolir todo o receio e seguir em frente.
No fundo, era sempre o que Peter Parker fazia. Engolia todo e qualquer sentimento que tentava paralisá-lo, então se lançava, corria todos os riscos, enfrentava todos os inimigos.
Ao adquirir uma expressão mais determinada, Peter adentrou o prédio. A imensidão de andares e pessoas andando por todos os lados trouxe uma sensação de nostalgia.
Fazia tanto tempo desde a última vez que esteve ali e ainda assim nunca seria igual, porque nem ele era a mesma pessoa. Todas as suas batalhas o moldaram e espalharam cicatrizes em seu corpo, em seu coração e em sua alma.
— Posso ajudá-lo? — A voz da recepcionista chamou sua atenção, e Parker a olhou tentando esconder a surpresa porque não havia a notado ali.
Pigarreou, com a intenção de responder de forma clara, e se encostou de lado no balcão.
— Eu trabalho aqui. — Sorriu, como se estivesse se divertindo com a suposta confusão da mulher, que estreitou os olhos em sua direção.
Tinha certeza de que nunca tinha visto aquele homem ali. O rosto dele não era assim tão fácil de esquecer.
— Ah, trabalha? Posso ver as suas credenciais, senhor…?
— Hofstader. — O sobrenome parecia estar na ponta de sua língua. Talvez por ser um dos pesquisadores da universidade onde ele realmente trabalhava agora.
— E o primeiro nome? — A recepcionista arqueou uma sobrancelha para ele, ainda desconfiada.
— Elliott.
— Não lembro de ter nenhum Elliott Hofstader trabalhando aqui. — Suas feições passaram a expressar um nítido “cai fora”.
— Imagino que nem tem como. Olha o tanto de funcionários. — Peter riu sarcástico. — Mas te garanto que se procurar no sistema, vai achar o meu nome ali. — Apontou para o computador na frente da mulher.
Oscilando seu olhar entre o objeto e as feições despreocupadas de Parker, ela umedeceu seus lábios para tornar a repetir.
— Suas credenciais, senhor Hofstader. — Estendeu a mão e esperou que o homem lhe entregasse.
Peter soltou outra risadinha.
— Sabe o que é? Eu deixei no bolso do meu jaleco, lá dentro do laboratório. — Fez uma careta, enquanto indicava os outros andares com uma aceno de cabeça.
Foi a vez de a recepcionista rir sarcástica.
— Sem credenciais o senhor não entra. Se trabalha mesmo aqui, sabe muito bem disso.
— Ah, vamos lá! Quebra essa pra mim… — Olhou na direção do crachá dela e agradeceu mentalmente à sua visão mais aguçada. — Jodie.
Sua expressão de cachorrinho abandonado, que, ainda assim, carregava um certo charme, deveria ser infalível.
— Não posso fazer exceções. O senhor entende o porquê, certo?
É. Com Jodie não era, mas Peter não iria desistir.
— Só confere o meu nome aí. Juro que estou falando a verdade, Jodie. — Seu tom era de súplica, e, quando a mulher suspirou vencida, ele quase gritou de felicidade e alívio.
— Tá, eu vou olhar, mas só porque, pelo jeito, o senhor não vai me deixar em paz — resmungou, impaciente.
— Não me chama de senhor, não. Elliott já tá ótimo. — O jeito despreocupado estava de volta, e Jodie suspirou mais uma vez antes de focar seu olhar na tela do computador.
Peter não quis trair a mulher daquela forma, mas o que mais poderia fazer? Aquele foi o jeito que encontrou de conseguir entrar.
Ele estava pronto para sair em disparada em direção às catracas para pular por cima delas se fosse preciso. No entanto, foi surpreendido pela voz da recepcionista.
— Tudo certo, Elliott. Mas vê se não esquece suas credenciais ali dentro de novo. Não posso ficar dando exceções.
Parker quase perguntou se ela estava tirando uma com sua cara, porém não ia brincar com a sorte.
Na pior das hipóteses, voltaria ao plano de sair correndo.
— Obrigado, Jodie. Você é um anjo. — Sorriu tão abertamente que a mulher acabou retribuindo um tanto desconcertada.
Sem perder mais tempo, Peter passou pelas catracas e foi até o elevador.
Ele se lembrava de algumas coisas dali, no entanto, várias mudanças ocorreram no decorrer dos anos, e Parker teria que sondar o lugar por si mesmo para descobrir algo sobre o Doutor Connors ou Max. Questionar as pessoas seria muito arriscado, principalmente depois do que havia acabado de acontecer na recepção.
Primeiro, ele eliminou os andares onde sabia que eram da parte administrativa, portanto, se Connors ainda trabalhasse por lá, seu laboratório não seria neles.
Quando finalmente o elevador alcançou o quinto andar, Peter precisou conter um suspiro aliviado. Durante todo o trajeto, entravam pessoas no cubículo de metal, e ele conseguia sentir olhares de desconfiança sobre si.
Qual, é? Como é que todo mundo se conhecia em um prédio gigante daqueles?
Vagou pelos corredores com a maior expressão de que sabia muito bem o que estava fazendo e descobriu que ali não havia nada. O andar era todo dedicado à neurociência.
Resolvendo ir pelas escadas daquela vez, Parker estava prestes a alcançar a porta, quando uma outra à frente dele se abriu e de lá saiu um rosto bem conhecido por ele.
Maxwell Dillon.
No entanto, não era o cara desajeitado e completamente invisível às pessoas ao seu redor. Era aquele que foi curado por Peter no outro universo. Usava um jaleco, andava totalmente confiante e havia um crachá preso ao seu bolso superior, onde Parker leu o nome dele.
O homem conferiu algo em uma prancheta, então começou a caminhar na direção oposta.
— Max? — Sem conseguir se conter, Peter indagou exasperado.
O homem parou imediatamente e se virou para Parker, franzindo o cenho.
— Sim?
Aproveitando a deixa, Peter deu alguns passos e se aproximou de Dillon.
— Max, o que faz aqui? Eu… — Não sabia muito bem como abordá-lo. Aquele parecia mesmo o Maxwell Dillion que foi curado, mas havia algo estranho no ar.
Como se o homem não fizesse ideia de quem ele era.
Será que não sabia?
— Eu trabalho aqui — Max respondeu, como se fosse óbvio, então também se aproximou de Peter. — Desculpa, cara, mas eu te conheço?
Não, ele não sabia. Parker tentou se lembrar de tudo o que havia acontecido, então se deu conta de que o mago havia lançado um feitiço, onde todas as pessoas que sabiam a verdadeira identidade do Homem Aranha se esqueceriam dela. Ele achava que aquilo só se aplicaria ao universo do outro Peter, mas, pelo jeito, no dele também havia acontecido.
— Ahn, não! Na verdade, eu sou novo aqui e ouvi falarem muito da sua pesquisa. — Parker não sabia de onde tirava aquelas histórias, mas nunca reclamaria daquilo.
De onde havia tirado que Dillon trabalhava em uma pesquisa? Bem, uma olhada furtiva no crachá do homem havia sido o bastante para obter aquela informação.
Maxwell o encarou desconfiado.
— E por que perguntou o que eu fazia aqui? — Peter devia ter previsto aquela pergunta.
Mais uma vez, precisou pensar rápido.
— Foi mal. Fiquei nervoso e repeti o que me perguntaram quando saí do elevador. — Então se inclinou um pouco e diminuiu o tom de voz. — Teoricamente, eu nem poderia estar aqui, porque trabalho no andar de baixo, mas quem vem trabalhar na Oscorp e não dá ao menos uma olhada pelo lugar, não é? E eu precisava ao menos ver de perto o seu trabalho.
Se Maxwell Dillon ainda era ao menos um pouco parecido com aquele que Peter conhecia, ia gostar de ter seu trabalho reconhecido daquela forma. Tomou o cuidado de oscilar o olhar do rosto de Max para as próprias mãos, reforçando como estava nervoso.
Precisou se conter para não suspirar aliviado quando Maxwell sorriu.
— Sem querer me gabar, mas estamos fazendo algo realmente importante aqui. — O orgulho ficou evidente em sua voz, então Dillon olhou para seu relógio de pulso, verificando quanto tempo livre teria até o termociclador terminar sua tarefa. — Se não estiver ocupado, podemos conversar sobre ela.
Parker sorriu abertamente, aquela era a oportunidade perfeita para entender como o homem se tornou um cientista da Oscorp e, quem sabe, sondar alguma informação sobre Connors.
— Tô não. Me liberaram agora para o intervalo — mentiu e viu Max assentir satisfeito e fazer um sinal para que Peter o acompanhasse.
— Ótimo. — Retomou o caminho que fazia e olhou Parker de soslaio. — Não fizeram aquele tour de boas vindas com você?
— Tour de boas vindas? — Peter arqueou a sobrancelha.
— Onde te mostram todos os setores da Oscorp. Costumam fazer isso pra mostrar exatamente os locais onde você não pode ir. — Foi a vez de Max erguer a sobrancelha, numa demonstração de que aquele andar era um deles.
Os olhos de Parker se arregalaram enquanto ele fingia surpresa e até um certo pânico por estar em um local proibido.
— Cara, foi mal. De verdade, eu não sabia! Jamais ia imaginar que o quinto andar tinha algum setor restrito e…
Dillon começou a rir.
— Calma, eu tô zoando com você. Realmente tem uns lugares que não é todo mundo que pode entrar, mas eles ficam mais pra cima. — Apontou e fez Peter acompanhar o gesto com o olhar. — O único setor nesse andar que é proibido é o antigo laboratório do Doutor Connors.
Ao ouvir aquilo, Parker mal pôde conter sua reação. Seu corpo ficou um tanto rígido de expectativa e ele se inclinou, como se assim conseguisse absorver melhor cada informação.
— Doutor Connors?
— É, esse mesmo que você está pensando. O que tentou transformar todo mundo em lagarto.
Os dois pararam em frente à porta de um laboratório onde se lia “Neurogenética” e logo Dillon a abriu, entrou e deu passagem para Peter.
Não havia como não ficar de queixo caído com o lugar. Quem via pelo lado de fora, não tinha noção do quanto aquele laboratório era grande, muito menos da tecnologia que abrigava.
De um lado, havia vários computadores e telas de monitoramento. Mais adiante, algumas bancadas com microscópios estavam isoladas por uma barreira de vidro e, do outro lado, Peter viu máquinas que não sabia para o que eram, apenas tinha uma noção.
Maxwell foi explicando algumas coisas sobre cada ambiente e Parker prestava metade de sua atenção, já que realmente estava embasbacado com tudo que via. Não podia negar, uma parte dele até gostaria de trabalhar num local como aquele, mas havia outra pessoa que poderia estar ali, quem sabe apresentando tudo aquilo para ele como no dia em que fingiu ser um estagiário.
Gwen Stacy teria sido uma cientista brilhante e ninguém discordava daquilo. Por mais que os dois disputassem o pódio de melhor aluno da classe, Peter sabia que Gwen o venceria. Oxford havia a aceitado, o que só reforçava que ela teria qualquer coisa que desejasse.
Suspirou baixo e focou o olhar no setor do laboratório onde haviam câmaras capazes de abrigar uma pessoa e, de fato, duas delas estavam ocupadas. Um homem e uma mulher tinham eletrodos em suas cabeças e, ao lado de cada câmara, telas monitoravam suas atividades cerebrais.
Peter passou por outros setores não tão interessantes quanto, até chegar a um ponto que o deixou alarmado.
Uma sensação de déjà vu tomou conta de si assim que seus olhos foram de encontro a um tanque imenso, onde enguias elétricas nadavam.
Sem conseguir disfarçar, Parker lançou um olhar rápido para Dillon, que abriu um sorriso de canto porque havia percebido aquela reação.
— Vejo que você não foi totalmente sincero sobre aquela história de estar nervoso.
Peter engoliu em seco, então fixou seu olhar no homem para tentar decifrá-lo.
— Não. Eu reconheci você dos noticiários.
Aquele era um tremendo tiro no escuro. Parker não fazia ideia de quais pontos foram mudados, porém imaginou que se Gwen ainda estava morta, aquilo significava que Dillon ainda havia sido desmascarado como o Electro.
— Depois de alguns anos de bom comportamento, o governo decidiu que eu seria mais útil aqui do que apodrecendo em uma cela.
Peter assentiu ao tentar absorver aquela informação. Haviam soltado Max?
Não que ele não acreditasse em segundas chances, mas por que Dillon estava justamente trabalhando com enguias elétricas?
— A minha pesquisa envolve utilizar células elétricas para induzir impulsos nervosos em regiões cerebrais como a da memória, que é o nosso foco atual. De uma forma bem resumida, poderemos trazer de volta as memórias de quem sofreu algum dano causado por acidentes, ou doenças neurodegenerativas.
— E usam enguias para isso? — Parker não queria soar desconfiado, porém não conseguiu evitar.
— Fica tranquilo. Uma experiência de cair num tanque desses já foi o suficiente. — Max riu de um jeito estranho, que não o tranquilizou em nada.
— É um trabalho realmente grande — observou, enquanto associava a explicação de Dillon, então os dois caminharam até outra seção, onde havia computadores e telas de monitoramento.
— Estamos estudando uma forma de fazer isso sem que o paciente sofra qualquer dor, ou desconforto, como ocorre em terapias com eletrochoque.
— Sem transformar a cidade em enguias também — Peter murmurou, ao se lembrar de .
Aparentemente, as pesquisas feitas por seu pai e o Doutor Connors haviam aberto uma verdadeira caixa de Pandora e sido pioneiras para várias outras. E ele não culpava nenhum cientista por aquilo. Talvez fizesse o mesmo se não fosse quem era.
— Isso também. — Outra vez, a risada estranha ecoou dos lábios de Max.
— E, falando nisso… Você tem acesso ao laboratório do Doutor Connors? — Aquela pergunta havia saído na maior cara de pau, porém Peter foi tomado por uma sensação de que não podia mais enrolar. Max era o único que talvez lhe daria a informação.
No entanto, o cenho franzido do homem indicou que aquele havia sido um erro.
— Ninguém tem. Foi fechado há anos, mas isso não é segredo. A prisão dele saiu em todos os noticiários, principalmente porque foi domiciliar. — Estudava cada ponto do rosto de Parker enquanto falava. — Como você disse que se chamava mesmo?
— Domiciliar, é? Então ele ficou todo esse tempo em casa? — Era uma constatação óbvia, porém Peter precisava ganhar tempo e descobrir se Connors ainda morava no mesmo lugar.
— Como você se chama? E por que não está com o seu crachá? — Dillon se aproximou dele, enquanto adquiria uma expressão séria e até um pouco ameaçadora.
Definitivamente, ele não era o mesmo Maxwell Dillon que Parker havia conhecido. Ele já não era quando os dois se encontraram no outro universo.
— O papo tá interessante, Max, mas meu intervalo já acabou. Quem sabe outro dia continuamos? — Peter foi recuando até a porta ao ver que o homem, mais uma vez, o questionaria sobre seu nome.
Antes que Dillon o fizesse, ele correu para fora do laboratório, ignorou o elevador e tomou o rumo das escadas. Max gritou pelos seguranças, enquanto seguia atrás dele, mas Parker foi mais rápido que ele e logo sumiu de suas vistas.
Peter não conseguiria o endereço de Connors ali. Tinha poucos minutos antes do prédio todo ser alertado que havia um intruso e tentou disfarçar a respiração ofegante quando chegou ao térreo.
— Ei, você! Cadê as credenciais? — Jodie, a recepcionista, gritou quando o viu se aproximar das catracas no exato momento em que o elevador abriu e Maxwell saiu dele com quatro seguranças.
— Ali! Peguem ele!
Ao arregalar os olhos, Parker saltou por cima da catraca e correu para as portas da saída como se sua vida dependesse daquilo.
Acabou esbarrando em algumas pessoas no processo e fez uma careta quando derrubou duas delas.
— Desculpa! Eu juro que foi a pressa — gritou por cima dos ombros e empurrou a porta pesada de vidro.
Os seguranças ainda o seguiam, ele podia sentir, então virou no primeiro beco que encontrou e aproveitou que estava vazio para lançar uma teia no alto de uma escada de incêndio, se pendurou nela e escalou a parede até o teto.
Segundos depois, os quatro homens entraram no mesmo beco, e Peter os observou olharem em volta, procurarem por ele e se separarem em dois grupos quando não o encontraram.
Um suspiro alto ecoou de seus lábios e Parker se jogou no chão, se sentou e apoiou as costas no pequeno muro.
Aquela havia sido por pouco e a visita à Oscorp só o havia deixado mais preocupado ainda. Algo na pesquisa de Max lhe soava estranho e aquilo só tornou mais urgente sua visita ao Doutor Connors.
Andando de um lado para o outro dentro de seu apartamento, Parker repassava as coisas que havia visto na Oscorp como uma forma de se preparar para o que poderia vir.
Maxwell havia se dado bem. Recebeu uma segunda chance da justiça e conseguiu ser notado. Sua pesquisa era realmente importante e traria a Dillon um reconhecimento que o homem jamais imaginou. Depois disso, outras pesquisas viriam e, passo a passo, Max alcançaria outros patamares dentro da Oscorp.
Patamares que Richard Parker e Curt Connors haviam alcançado.
Mas seria aquilo o suficiente? Seria aquilo que Maxwell buscava naquela empresa?
Ao mesmo tempo em que confiava, Peter desconfiava das pessoas. É o tipo de coisa que acontece quando se é traído pelo melhor amigo.
Parker sacudiu a cabeça. Não podia pensar em Harry Osborn naquele momento. Tinha que focar em uma coisa de cada vez.
Enquanto encarava seu próprio reflexo no espelho, Peter pensou em treinar as coisas que diria ao Doutor Connors, perguntas que poderia fazer sem revelar demais ou parecer um lunático. No entanto, nada vinha. Ele simplesmente não sabia o que poderia dizer ao homem, pelo menos não naquele momento.
Um suspiro escapou dos lábios dele, então Parker se deu conta de uma coisa: ele não queria fazer aquilo sozinho. Havia sentido um certo incômodo ao entrar escondido na Oscorp, mas o atribuiu ao nervosismo e seguiu em frente. Só que naquele momento era mais intenso. E Peter sabia muito bem o motivo.
Quando lutou em equipe junto aos outros Peters, teve a sensação de que nunca esteve tão vivo. Era bom ter com quem comemorar no final de uma luta vencida, para variar.
No entanto, aquilo não passaria de uma lembrança. Parker mais uma vez estava só. Ou ao menos era o que pensava, porque, segundos depois, seu celular notificou uma nova mensagem recebida.
Antes mesmo de ver quem era, Peter sentiu e abriu um largo sorriso ao ler o nome de em sua tela.

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HOJE, 14:00
Ele riu da resposta que surgiu em seus pensamentos e acabou dando de ombros ao ver que não teria problema algum em externá-los a ela.

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HOJE, 14:00
Peter não conseguiu evitar que mais um sorriso se formasse em seu rosto. Em todas as vezes que a encontrou ou conversou com se sentiu daquela forma.
E talvez por esse motivo acabou cedendo a um impulso sem nem mesmo pesar as consequências.

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HOJE, 14:00
Quase uma hora depois, os dois se encontraram no metrô próximo à casa de Connors e Parker não conseguiu evitar se sentir um tanto desnorteado por causa de .
Ela se vestia de forma simples; calça jeans, uma blusa verde escuro por baixo, um casaco preto que cobria uma parte de seu quadril e coturnos pretos. Tinha arrumado os cabelos em uma trança lateral e aquilo deu todo um charme à sua aparência. Tanto que Peter ficou vários segundos a encarando, sem conseguir desviar o olhar.
Por mais que devesse se sentir menos nervosa, estava a ponto de desfalecer, ainda mais pela forma como o homem a encarava naquele momento. Tinha se surpreendido positivamente com a proposta dele e, embora sentisse o medo de ser enxotada da casa de Curt Connors, estava disposta a correr aquele risco com Peter Parker.
O jeito fofo e adorável dele não ajudava em nada.
— Tem certeza de que ele vai nos receber mesmo? — indagou incerta, e Peter assentiu.
— Acho difícil ele rejeitar a visita do filho do antigo parceiro de pesquisa dele. Por mais que as coisas tenham saído do controle. — Parker fez uma careta ao lembrar do lance dos lagartos.
, no entanto, havia adquirido uma expressão de surpresa e compreensão.
— É lógico! Como fui burra! — Soltou uma risadinha nervosa. — Você é filho do Doutor Richard Parker. Não sei como pude esquecer disso.
Peter fez um gesto de pouco caso.
— Não se preocupe. Confesso que às vezes eu mesmo preciso me lembrar disso. — Aquilo soou tão sincero que examinou as feições do homem e tombou levemente a cabeça, intrigada.
— Todo mundo acaba se perdendo às vezes, Peter. Mas o mais importante é que acabamos nos encontrando de volta depois.
Parker encarou os olhos dela demoradamente e sentiu que poderia ficar mergulhado ali por horas, mas acabou desviando porque tinham algo importante a fazer.
Eles seguiram até a casa de Connors, enquanto conversavam sobre coisas mais leves e aleatórias, como o fato de ser apaixonada por filmes de terror.
— Me lembre de nunca deixar você escolher o filme que formos assistir, então — Peter brincou, o que arrancou uma expressão indignada dela.
— Eu jamais imaginaria que você fosse medroso, Peter Parker. — Os olhos dela se estreitaram e ele riu.
— Medroso? Eu? Não falei nada disso. Pode mandar o filme que você quiser.
— Então você tá mesmo marcando nossa sessão de cinema? Vou cobrar, hein!
— Pode cobrar. — Parker piscou, então apertou o interfone da casa de Connors e esperou pacientemente que o homem atendesse.
Alguns segundos passaram e nada. fez um sinal para que Peter tocasse novamente, e ele o fez de forma mais prolongada, torcendo para não terem ido até ali em vão.
Mais um tempo de espera e nada. bufou e estava prestes a insistir mais uma vez, quando um som de que alguém pegou o aparelho surgiu, seguido por uma respiração.
— Doutor Connors? — o chamou, receosa.
— Vão embora — Curt rosnou, nada simpático.
— Por favor, Doutor. Não vamos tomar muito do seu tempo, nós… — olhou para Parker em busca de respostas. — Nós só queremos conversar.
Outros segundos se seguiram com apenas a respiração do homem ecoando no aparelho.
— Já falei para irem embora. Não faço ideia de quem são, mas, mesmo assim, não tenho nada para conversar com vocês.
Peter pigarreou.
— Doutor Connors, aqui é o Peter Parker. Juro que realmente não vamos tomar muito do seu… — O som da porta sendo destravada imediatamente chamou a atenção dos dois. — Tempo.
Em questão de segundos, Connors abriu a porta, então encarou Peter dos pés à cabeça.
Será que lembrava alguma coisa sobre a outra identidade dele? Se fosse o caso, aquela conversa poderia não ser tão amigável assim.
— Peter Parker. — Então um sorriso se formou em suas feições. — Meu rapaz, quanto tempo! Entrem, por favor.
Peter tentou não demonstrar que estava um tanto desconcertado ao adentrar a residência e segurou a mão de sem nem se dar conta disso.
A aparência de Curt estava muito melhor do que na última vez em que Parker o viu. Claro que havia sido quando ele e os outros Peters o curaram do composto de lagarto, então Connors estava bem debilitado, mas o homem até mesmo havia engordado alguns quilos.
— O senhor parece… bem. — Peter acabou deixando escapar e ocupou um dos sofás quando Curt indicou que os dois ficassem à vontade.
Uma risadinha ecoou dos lábios do homem.
— Pode falar, Peter. Eu pareço bem para alguém que está em prisão domiciliar. — Parker notou que Connors agora tinha uma prótese em seu braço e parecia perfeitamente confortável com ela.
— Bom, é. — Ele acabou concordando, o que fez Connors rir novamente.
— Não é como se eu não tivesse passado a maior parte da minha vida fechado em algum lugar, sabe? — Ergueu uma sobrancelha, e Peter entendeu ao que o homem se referia. Curt Connors dedicou sua vida toda aos laboratórios, sacrificando muitas coisas por sua paixão pela ciência.
— Posso oferecer algo a vocês dois? Um chá? Café? Água? — ofereceu, por fim, e pousou seus olhos em .
Ela se sentiu um tanto nervosa por atrair a atenção dele daquele jeito e abriu a boca para dizer algo, mas, de repente, sua voz sumiu e apenas negou com a cabeça.
Apesar de ter perdido totalmente o controle, Curt Connors havia sido um modelo para ela desde os tempos de escola. Ele foi uma das pessoas que a motivaram a seguir pelo caminho da ciência e até mesmo a pesquisa que realizava no momento tinha fundamentação em trabalhos feitos por Curt e Richard.
Notando o nervosismo de , Peter pigarreou para atrair a atenção do homem novamente.
— Não se preocupe com isso, Doutor Connors. Estamos bem. — Sorriu. — Essa aqui é , senhor. Ela está fazendo um trabalho muito promissor na engenharia genética de plantas.
— É mesmo? — Mais uma vez, Curt olhou para a mulher, um tanto interessado pela informação.
— S-sim. — se forçou a engolir o nervosismo para encontrar a própria voz. — Peter está exagerando um pouco, mas nós estamos bem no começo. E o senhor sabe como é essa parte inicial. Ainda estamos trabalhando com organismos menores, buscando um modelo ideal para que ocorra a hibridização sem efeitos colaterais que não possam ser controlados.
— Sabe que eu e Richard não havíamos levado a ideia para uma perspectiva envolvendo plantas? Mas isso soa muito interessante. Desde que não transforme todo mundo em árvores. — Seu tom carregava uma certa amargura, o que fez Peter perceber que talvez Connors tivesse se arrependido do ponto em que as coisas chegaram.
— Doutor Connors, eu não o culpo pelo que aconteceu. Como o senhor poderia saber que o DNA do lagarto se tornaria a parte dominante? Não havia como prever isso. — Parker tentou argumentar.
— Mas aí é que está, Peter. Eu poderia prever se não estivesse tão ansioso pelos resultados. Fui pressionado pela Oscorp, mas, ainda assim, injetar o composto em mim mesmo foi uma escolha minha, e até hoje estou lidando com as consequências disso.
— Então o senhor se arrepende — soltou baixinho, mas, ainda assim, os dois a ouviram.
— Não, senhorita . Na verdade, não me arrependo. — Parker se surpreendeu ao ouvir aquilo. — Veja bem, a Oscorp estava tirando a pesquisa de mim. Se eu não tivesse testado o composto em mim mesmo, ganhando também a chance de ter um braço normal, sabe-se lá o que teriam feito com algo como aquilo? As consequências poderiam ser muito piores.
— Ou não, não é? — ergueu uma sobrancelha, enquanto estudava as feições de Connors. — Nós só temos controle sobre as nossas próprias ações.
— E é por isso que digo para a senhorita ter o máximo de cautela em sua pesquisa. Não me arrependo de minhas escolhas, mas tampouco recomendo que cometa os mesmos erros que eu. — Curt não se importou se soava contraditório, ele só sentia que devia dizer aquilo. A garota à sua frente possuía uma ambição evidente em seu olhar, algo que o fazia lembrar de si mesmo quando era mais jovem.
— Quanto tempo mais o senhor vai precisar usar isso? — Peter resolveu mudar ligeiramente o assunto, ao indicar a tornozeleira de Connors.
— Uma eternidade. Pelo menos é o que parece. Mas há dias que mal sinto ela aqui. — Deu de ombros, em um ar condescendente. — Se não fosse pelas dezenas de policiais brotando do chão, eu facilmente esqueceria e sairia com ela na rua.
Aquilo era para soar engraçado, Parker percebeu nos olhos de Curt, porém não foi. E quando analisou o cientista de uma forma mais apurada, entendeu que, embora Connors estivesse aparentemente bem fisicamente, o seu emocional nunca seria o mesmo. Assim como o dele mesmo também não seria depois da morte de Gwen.
Haviam marcas que não podiam ser apagadas, afinal.
— Sinto muito, Doutor Connors — Peter suspirou. Mesmo depois de todo o mal que as escolhas do homem haviam causado, não conseguia odiá-lo, e esse era o maior indicativo de que o antigo Peter Parker estava de volta.
Mesmo desconfiado, ele preferia acreditar no melhor das pessoas. E por isso acabou convencendo a si mesmo de que Curt e Max ficariam bem. Que trilhavam os caminhos para suas redenções.
— Está tudo bem, meu rapaz. Acho que eu mesmo vou querer aquele chá. Vocês aceitam? — E antes mesmo que os dois respondessem, o homem se retirou.
Peter percebeu as feições de um tanto pensativas. Ela não havia dito mais nada desde seu último comentário.
— Tudo bem, ? — A olhou com cuidado e não conseguiu segurar um sorriso. O jeito dele a amolecia.
— Sabe aquele ditado que diz para nunca conhecermos nossos heróis? Então. — Fez uma careta, que Parker acabou imitando.
— O Doutor Connors era seu herói?
— Não exatamente. Mas antes de todo o lance dos lagartos acontecer, ele e o seu pai eram grandes inspirações para mim. — Peter foi pego de surpresa ao ouvir aquilo.
— Eu não sabia disso, . Poderia ter me contado.
— Pra você achar que só me aproximei de você porque é filho de Richard Parker? — Ela ergueu uma sobrancelha.
— Jamais pensaria algo assim de você. — Ele negou com a cabeça, sendo totalmente sincero.
— Fico feliz, Pete. — Parker não soube do que havia gostado mais, se do sorriso doce de , ou daquele apelido.
Mais uma vez, os dois se encararam demoradamente, até que o barulho das xícaras na cozinha fez com que despertassem.
soltou um suspiro.
— Acho que saber que ele não se arrepende me deixou um tanto chocada. — Acabou confessando e Peter não discordou, porque se sentia da mesma forma.
— Se te serve de consolo, novos heróis surgem o tempo todo. Quem sabe eu não acabo virando um deles também?
Aquilo fez rir, deixando o clima mais leve por ali.
Ela não fazia ideia de que na verdade ele já era.
— Há quanto tempo vocês dois estão juntos? — A voz de Connors denunciou sua presença ali, o que fez os dois se sobressaltarem. Estavam tão concentrados um no outro que mal viram o homem se aproximar e colocar uma bandeja com as xícaras e um bule de chá sobre a mesinha de centro.
sentiu seu coração saltar até a garganta com aquela pergunta, enquanto Peter ficou tão vermelho que poderia explodir a qualquer momento.
— Nós… — começou, ao olhar para Parker.
— Nós não… — Ele gesticulou, apontou para ela e depois para si mesmo, então Curt riu.
— Bom, é uma pena. Vocês seriam adoráveis juntos.
Peter precisou de alguns segundos para processar que aquelas palavras haviam mesmo ecoado da boca do Doutor Connors. Ele olhou de relance para , que parecia pensar o mesmo, e, de repente, os dois estavam um tanto tímidos demais para se encararem.
— Espero que gostem de camomila. Eu pretendia fazer um de um blend especial que descobri por acaso, mas infelizmente meu estoque acabou.
pigarreou, recuperando a própria voz.
— Camomila está ótimo.
Parker desconfiava de que era a companhia dela que fazia as horas voarem e, embora soubesse que aquilo era um bom sinal, não gostava de ter que se despedir.
— Sabe, eu te convidaria para ir beber alguma coisa, mas imagino que você esteja tão cheia quanto eu.
sentiu o olhar dele sobre si e o encarou de volta.
— Eu aceitaria o seu convite mesmo assim, mas infelizmente tenho que acordar amanhã cedo. — Fez uma careta, realmente odiando aquilo.
Ela poderia simplesmente ignorar e passar mais algumas horas com ele, porém a ideia de um possível próximo encontro soava ainda melhor.
Sabia que ir à casa do Doutor Connors não era um encontro, muito menos bater um papo no cemitério, mas ainda assim…
— É, eu também preciso. Mas podemos fazer isso a qualquer hora dessas, o que acha? — Peter propôs, contendo a vontade absurda de levar a mão aos cabelos, em um sinal claro de nervosismo. O comentário de Curt havia feito aquilo com ele.
— Que tal na sexta, às oito da noite? — Se era para marcarem um encontro, que fosse do jeito certo, sem rodeios.
— Sexta, às oito então. — Parker sorriu radiante, ao sentir que de repente poderia sair pulando, e retribuiu, sem conseguir tirar os olhos dele.
Sabia que estava ferrada desde o dia em que havia esbarrado em Peter. Porém, pela forma como ele também a olhava, talvez os dois estivessem ferrados juntos.
— Bom, a bebida ficou para outro dia, mas eu posso ao menos te acompanhar até em casa?
Mesmo tentada, negou com a cabeça.
— Não precisa, Pete. Eu estou bem.
— Foi o que você disse da outra vez, uh? — Estreitou seus olhos para ela, que acabou rindo fraco.
— Eu sei. Mas eu realmente posso ir sozinha, não se preocupe.
A expressão dele ficou ainda mais desconfiada.
— Estou começando a achar que você não quer que eu saiba onde mora, .
Dessa vez, ela riu mais alto e negou com a cabeça.
— Não é isso, Peter.
— Então o que é?
respirou fundo, então fez questão de encará-lo nos olhos, deixando qualquer resquício de nervosismo de lado.
— É porque se eu deixar você me levar, vou ficar tentada a te convidar para entrar na minha casa, Peter Parker.
Peter piscou os olhos demoradamente e mal acreditou que ela havia dito aquilo até vê-la morder a boca, sem deixar de encará-lo.
Sim, aquilo tinha sido uma provocação e, sim, ele estava absurdamente tentado. Tanto que não conseguiu desviar o olhar dos lábios de .
Ela sorriu de canto, adorando ver que suas palavras surtiram efeito, e começou a se afastar lentamente de Parker. Não queria deixá-lo, mas sabia que precisava, e instigá-lo até que era divertido.
— E qual o problema? Talvez eu queira conhecer a sua casa. — De repente, Peter recuperou a consciência e lhe lançou um sorriso tão provocativo quanto.
poderia agarrá-lo ali mesmo por aquilo. Parker mexia com todos os seus sentidos.
— Boa noite, Pete — disse simplesmente e continuou se afastando.
— Qual é o problema, ? — ele perguntou um pouco mais alto, e ela, há uns bons metros dele, apenas riu.
Peter ficou ali parado, sorrindo feito um bobo, enquanto a observava cada vez mais longe.
— Boa noite, — murmurou, ao negar com a cabeça.
Não sabia ao certo quando foi que começou a mexer com ele, mas, de repente, se sentia menos culpado por aquilo.
Foi caminhando totalmente despreocupado, repassando as conversas que tiveram e, por mais que precisasse pensar no próximo passo que daria, sabia que não conseguiria pensar em qualquer outra coisa que não fosse .
No entanto, como se o universo estivesse ouvindo aquilo, de repente, o barulho de uma explosão fez Peter Parker erguer seu olhar, alarmado.
Seu sentido aranha lhe disse exatamente para onde ir.
No fim das contas, ele concordou com ela. Não precisava ficar sozinho.
No entanto, se a explosão tivesse ocorrido momentos antes, como Peter explicaria que precisava sair correndo? Apenas naquele momento se deu conta daquilo, afinal, não poderia simplesmente dizer que era o Homem Aranha. Não por não confiar em , mas porque todas as pessoas que sabiam sua identidade corriam risco.
Precisava pensar em desculpas aceitáveis se quisesse continuar com ela por perto. E o faria, porém não naquele momento.
O Homem Aranha não demorou a encontrar o local da explosão. Uma grande nuvem de fumaça negra era visível no céu e, ao se aproximar, se ouviam sirenes de ambulâncias e do caminhão de bombeiros, além das vozes e do choro dos populares e vítimas daquele acidente.
— Olha, é o Homem Aranha! — uma das pessoas disse, e logo em seguida vários olhares se voltaram para ele. Apesar de estar um tanto acostumado com aquele tipo de coisa, ainda assim sentia uma certa emoção ao ver como todos sempre confiavam suas vidas, ao mesmo tempo em que havia aquele frio na barriga. Querendo ou não, salvar pessoas com outras assistindo o deixava nervoso.
Aproveitando a deixa, Peter se aproximou ainda mais do prédio em chamas e não demorou a encontrar o andar onde havia ocorrido a explosão.
Enquanto alguns bombeiros tentavam conter as chamas, outros haviam se arriscado a entrar no lugar e resgatar as vítimas, que logo em seguida foram atendidas pelos paramédicos nas ambulâncias.
Parker estava prestes a soltar um cumprimento amigável aos bombeiros e questionar no que ele poderia ajudar, quando um grito por socorro chamou a atenção de todos.
Os olhos de Peter se arregalaram no mesmo instante. De alguma forma, uma mulher havia despencado da janela de seu apartamento e a única coisa que a impedia de ir de encontro ao chão eram suas duas mãos agarradas com força ao parapeito. Piorava ainda mais o fato de a estrutura da parede estar a ponto de se romper a qualquer momento.
Mais gritos ecoaram, junto a exclamações de surpresa. Outra vez, os olhares se voltaram para o Homem Aranha, que na verdade nem precisava daquilo para saber o que deveria ser feito.
Provavelmente algumas palavras de incentivo e expectativa foram proferidas a ele, no entanto, Parker voltou sua atenção unicamente para o prédio, pensando na forma mais rápida de alcançar a mulher sem que tudo desabasse.
Seria difícil, ele sabia daquilo. Estava surpreso porque nada havia despencado ainda, sem falar na quantidade absurda de fumaça que a vítima engolia.
Peter teria que fazer uma escolha a qual não hesitaria. Entre salvar a vida daquela mulher ou tentar manter as paredes no lugar, não havia muito o que pensar.
— Galera, vamos manter aquela área isolada. As paredes não vão aguentar muito tempo — alertou a todos e recebeu afirmações como resposta.
Respirando fundo, o Homem Aranha correu até o edifício ao lado, subiu na parede com agilidade e lançou sua teia acima da janela onde a mulher estava. Sem perder tempo, ele saltou, se pendurou e ficou um pouco abaixo dela.
Mesmo sabendo que o herói estava ali para salvá-la, a vítima temeu e, por mais que tentasse, simplesmente não conseguia se mover. Seus olhos oscilavam entre Peter, o chão abaixo dela e suas mãos com os nós dos dedos brancos de tanta força que fazia para se manter pendurada. A dor era absurda, seus pulmões protestavam, e lágrimas escorriam por suas bochechas. Queria se render, mas não podia.
— Ei, eu sei que você está com medo, mas tenta olhar só pra mim, tá bom? — A voz do Homem Aranha chamou a atenção dela, que imediatamente o encarou, chorou ainda mais e sentiu seus lábios tremerem.
Parker percebeu uma tentativa falha e desesperada de respondê-lo, porém os pulmões da mulher protestaram novamente, porque outro esforço para falar tiraria ainda mais seu oxigênio e a concentração em se manter firme.
— Eu perguntaria seu nome, só que nós não temos muito tempo. Então quando eu contar três, preciso que você se solte. — Os olhos dela se arregalaram com aquilo. — Confie em mim.
O tom de voz de Peter era tão gentil que não havia como não se sentir segura naquele momento. E, engolindo em seco, a vítima assentiu, se preparou e reuniu uma última dose de coragem.
— Um… — O próprio Parker se concentrava para que nada desse errado. — Dois… — Lá embaixo, as pessoas haviam prendido a respiração, todas em expectativa pelo que aconteceria. — Três!
No momento em que a mulher se soltou, o Homem Aranha a segurou em seus braços.
— Segura firme! — pediu urgente e não hesitou em lançar uma teia em direção a um ponto mais adiante (e aparentemente seguro) e outra no meio de um dos postes, aterrissando próximo às ambulâncias logo em seguida.
Vários gritos de comemoração e salvas de palmas ecoaram no instante em que todos se deram conta de que Peter havia conseguido.
— Melanie. Meu nome é Melanie — a mulher sussurrou com a voz fraca, enquanto permanecia agarrada ao pescoço dele, totalmente tensa.
— E eu sou o Homem Aranha. Você tá segura agora, Melanie, e os meus amigos ali vão cuidar de você. Não sei como conseguiu aguentar engolir tanta fumaça. — Mostrou os paramédicos nas ambulâncias, e Melanie se agitou nos braços dele.
— Minha mãezinha ficou presa dentro do outro quarto. Por favor, ajude ela também. — Então Peter entendeu o motivo de ela estar tão desesperada mesmo a salvo.
Alarmado, olhou de volta para o prédio e foi acompanhado pelas pessoas que haviam escutado aquilo.
E como se precisasse daquele gesto, uma parte da estrutura da parede despencou.
Parker sabia que as outras pessoas também reagiam àquilo, porém focou apenas no soluço esganiçado de Melanie.
— Em poucos minutos, ela vai estar ali contigo. — Indicou novamente a ambulância, e dessa vez a mulher assentiu e permitiu que ele a colocasse no chão.
No mesmo momento em que os paramédicos ampararam Melanie, Peter voltou a se lançar em direção ao prédio, o adentrou e torceu para tudo não desabar por completo com ele ali.
Depois de esperar alguns segundos para se certificar de que ainda havia alguma firmeza no chão, Parker avançou pelo cômodo, que não demorou a reconhecer como um quarto, provavelmente o de Melanie. O fogo não tinha chegado até ali, porém a fumaça, sim, e essa cobria todo o ambiente, o que o fez se sentir até um pouco tonto.
Por dois segundos, se perguntou se o uniforme do Peter Parker daquele universo do mago teria um filtro ou algo do tipo para situações como aquela e logo em seguida concluiu que era muito provável. Aquilo tinha nanotecnologia, pelo amor de Deus!
O Homem Aranha voltou a se concentrar e focar em seus sentidos, determinado a detectar qualquer sinal de que a mãe de Melanie estava viva. Mais alguns passos foram dados por ele e, assim que deixou o quarto, viu uma sala conjugada a uma cozinha e um pequeno corredor que levava a outras duas portas. Não era um ambiente muito grande, ou ao menos foi o que Peter imaginou, porque uma parte do ambiente estava destruída.
Ali, sim, o fogo lambia cada móvel que tocava e avançava com força, aumentava o nível da fumaça e tornava o local absurdamente quente.
Ao ignorar o som do crepitar das chamas, a sensação de sufocamento e seu próprio instinto de sobrevivência, o alertando que o melhor era sair dali imediatamente, Parker apenas
seguiu para o corredor.
A poucos passos de uma porta à esquerda, enquanto tentava ao máximo se manter esperançoso, porque não havia detectado sequer um movimento ali próximo, de repente, Parker ouviu o som de uma respiração.
Era fraco, quase totalmente esgotado, e os batimentos eram tão lentos que o Homem Aranha não hesitou em correr até o cômodo.
Quando tocou na maçaneta da porta, a sentiu tão quente que imediatamente recolheu sua mão. O local era logo ao lado da sala, o que explicava as chamas também já terem o atingido.
Parker tomou um impulso, então chutou a porta com força e percebeu que o cômodo era outro quarto, porém toda a parede onde deveria haver uma janela tinha desabado e revelava o outro apartamento.
Era um milagre que aquela senhora estivesse viva naquele lugar.
Caída a poucos passos da porta, a mulher grisalha estava desacordada, o que Peter concluiu ter acontecido por conta da quantidade de fumaça. Estava cada vez mais difícil para ele mesmo respirar e só faziam poucos minutos que tinha entrado ali.
Sem hesitar, o Homem Aranha chegou ainda mais perto da mãe de Melanie e a ergueu em seus braços. O corpo dela estava bastante pesado, devido ao seu estado de inconsciência, e ele encontrou um pouco de dificuldade em dar os primeiros passos. Seus pulmões protestavam cada vez mais por oxigênio e, desejando realmente um filtro de fumaça em seu uniforme, voltou até o quarto que imaginou ser de Melanie.
Não havia mais tempo para avaliar novamente a instabilidade do chão. Apesar da alta resistência, uma ardência em seu peito e uma certa sonolência tomavam conta de si, e Peter sabia que se permanecesse ali por mais alguns minutos, não poderia mais ajudar aquela mulher, porque ele mesmo estaria tão desacordado quanto ela.
E talvez até mesmo morto.
Ao tomar mais um impulso, Parker se esforçou para conseguir sustentar a senhora com um de seus braços, enquanto corria e lançava sua teia no mesmo poste usado ao salvar Melanie, que imediatamente veio em sua direção. Mesmo encontrando dificuldades porque estava fraca, a mulher apressou seus passos até parar diante do Homem Aranha e estendeu os braços enquanto chorava, num pedido mudo para que ele lhe entregasse sua mãe. Outra ovação ecoou da multidão, que assistia tudo atentamente.
— Aqui, nessa maca você não vai precisar se esforçar. — Gentilmente, Peter seguiu até uma das ambulâncias, onde os paramédicos já haviam deixado uma de plantão, e colocou a senhora sobre ela. — Eu a encontrei desacordada, Melanie, mas sua mãe é bem forte. Esse pessoal incrível vai cuidar dela pra você também.
— Obrigada… — A voz da mulher soou rouca e chorosa. O nó do desespero continuava apertando sua garganta e, mesmo com a intenção de dizer mais algo, sua fala foi interrompida por um estrondo.
A estrutura onde Parker estava segundos atrás, por fim, desabou em uma proporção um tanto maior do que ele esperava.
— Me diz que não tinha mais ninguém lá. — Peter se surpreendeu ao ouvir um dos bombeiros a poucos metros dele. A aflição era nítida em sua fala, e quando o Homem Aranha o encarou, percebeu sua expressão preocupada e chateada.
— Não. Não tinha. — Mesmo atordoado pelas próprias condições físicas, o herói se certificou daquilo e seu sentido aranha não falhava.
Seu peito ainda ardia, a sonolência o incomodava, e uma dor na garganta indicavam o quanto a fumaça havia o afetado. Ainda assim, Parker continuou ali até se certificar de que o fogo havia sido apagado e as vítimas devidamente atendidas.
Com um aceno simpático, o Homem Aranha se afastou, lançou uma teia e se pendurou para seguir de volta ao seu apartamento.
Não sabia se teria forças para agir se encontrasse mais alguém em perigo, porém sua vontade de ajudar as pessoas e as salvar sempre prevalecia.
Assim que adentrou finalmente a janela do lugar que chamava de lar, Parker imediatamente tirou sua máscara e começou a tossir incessantemente. Talvez tivesse engolido muito mais fumaça do que se deu conta.
Não demorou a abrir a geladeira e beber todo o conteúdo de uma garrafinha de água, pegou outra e bebeu também, porém de forma mais lenta dessa vez.
Descobriu que a mãe de Melanie se chamava Eleonor, e não pôde evitar se colocar no lugar da mais jovem. Ele já havia perdido tantas pessoas, mas não sabia o que seria de si se sua tia May fosse tirada dele.
Outra vez, pensou no Peter 1 e suspirou fraco. Perder as pessoas que amava parecia ser o destino do Homem Aranha em todos os universos.
No entanto, lembranças diferentes tomaram lugar em sua mente. A forma como Melanie havia lhe agradecido, as pessoas aliviadas quando o viram chegar. Não havia nada melhor do que a sensação de ajudar quem quer que fosse. De salvar vidas. De ser um herói.
No fim das contas, mesmo já tendo cogitado algumas vezes — não seria hipócrita, ele havia ponderado, sim —, Peter Parker jamais deixaria de ser o Homem Aranha.
A companhia de Peter era tão boa que ao menos via as horas passarem, e ela mal conseguia acreditar que, graças a ele, havia conhecido um dos cientistas que despertaram sua paixão pela ciência. Connors a decepcionou, percorreu caminhos tortuosos e se deixou levar, sim, porém era brilhante e acrescentou várias informações e sugestões valiosas à sua pesquisa.
recebeu conselhos do Doutor Connors, dava para acreditar?
Se alguém lhe dissesse que aquilo aconteceria um dia, teria rido. Assim como a ideia de ser amiga e até mesmo trocar flertes com Peter Parker.
não era bem do tipo insegura, afinal, ela tinha o chamado para sair, não é mesmo? Porém havia se conformado com a ideia de que passaria a vida inteira se dedicando ao seu trabalho, onde não haveria espaço algum para um romance.
Um romance?
Mas no que estava pensando?
Negou com a cabeça, rindo sem tirar a mesma expressão boba de seu rosto. E no momento em que chegou diante de sua porta, encontrou Hellen parada ali, com a mão erguida como se estivesse prestes a bater.
— Ora ora, isso são horas, mocinha? — a senhora Corbyn ralhou, fazendo rir mais uma vez, porque sabia que ela estava apenas brincando, embora uma sempre se preocupasse com a outra.
— Perdi a noção do tempo. — deu de ombros e torceu a boca, se segurando para não sorrir ou Hellen certamente perceberia algo acontecendo.
— Outra vez? — Uma sobrancelha da mulher se ergueu e apenas assentiu, murmurou um “uhum” enquanto se voltava para a porta, tratou de destrancá-la e entrou em seu apartamento com Corbyn em seu encalço.
Ao tirar o celular do bolso do casaco para poder se despir da peça e pendurá-la em um dos ganchos logo na entrada, não conseguiu evitar acender o visor do aparelho para verificar se recebeu alguma mensagem.
— Estava com ele, não? — Hellen foi direta, e ergueu a cabeça tão bruscamente que se aquele gesto não a denunciasse, o estalo em seu pescoço teria o feito.
— Ele quem? Claro que não, Hellen! — negou duas vezes e se praguejou segundos depois de perceber a contradição em suas palavras.
— Não se faça de boba, menina. Você sabe muito bem de quem eu estou falando! — Os olhos da senhora Corbyn se estreitaram em sua direção.
— E se eu disser que estava, a senhora vai me deixar em paz? — brincou para tentar disfarçar o rubor que sentiu surgir em seu rosto, enquanto a mulher soltou uma risada empolgada.
— Até parece que não me conhece. Ah, muito pelo contrário, a última coisa que vou fazer é deixá-la em paz depois disso. — As feições de Corbyn se iluminaram ainda mais e ela bateu pequenas palmas, demonstrando o quanto aquilo a deixava animada. Fazia tantos anos que não vivia um romance e pelo menos assistir com o possível namoradinho aquecia um pouco o seu coração.
— Sabe o que é? Eu preciso terminar uns relatórios para o laboratório e…
— Ótimo. Vou fazer um café pra você enquanto me conta todos os detalhes. — No instante seguinte, a senhora Corbyn já seguia até a cozinha.
Um suspiro alto ecoou dos lábios de . Ela já imaginava que Hellen faria algo do tipo, porém ainda havia guardado um resquício de esperança.
Se dando por vencida, a acompanhou e se encostou na pia, enquanto observava Hellen pegar todos os ingredientes necessários, ligando a cafeteira logo em seguida. não sabia o que ela fazia, mas o café da senhora Corbyn definitivamente era melhor do que qualquer outro. E por isso nem reclamou de nada.
A cozinha permaneceu silenciosa por alguns minutos. Até que a mulher olhou para e ergueu uma sobrancelha.
— E então?
— E então o quê? — franziu o cenho, sem entender nada.
— Não banque a sonsa, mocinha. Desembuche.
teria rido se não estivesse tensa. Hellen era como uma segunda mãe que ela havia ganhado.
— Olha só, eu já fui tratada melhor, hein? — implicou, apenas para provocar a mais velha e enrolar mais um pouco.
— Você não vale nada, menina. Mas nesse seu jogo aí eu virei mestre. Desembuche — insistiu, frisando bem a palavra.
— Tá certo, tá certo. — de repente se deu conta de que estava ainda mais nervosa e respirou fundo.
Era Hellen, ela não precisava temer a reação dela. Então seguiu até um dos armários, puxou um pote de biscoitos e ofereceu à mulher antes de pegar um para si.
— Bom, ele simplesmente me levou para conhecer um dos cientistas que mais me inspiraram. Acho que estou até demorando a acreditar que tudo foi mesmo real. — Suas feições até demonstraram o quanto estava feliz.
A senhora Corbyn voltou a sorrir sugestiva.
— Que atencioso da parte dele. E você ainda quer me convencer de que não há nada entre vocês? — Ergueu uma sobrancelha, e rapidamente negou com a cabeça. Não devia mais se espantar com a audácia de Hellen, mas sempre acontecia.
— Nada a ver, Hellen! Não é nada disso. O Peter sofreu uma perda terrível e…
— Ah, então o nome dele é Peter? Finalmente estamos progredindo. — estreitou seus olhos para a mulher, que soltou uma risadinha. — Está bem, continue… Mas já me conta o sobrenome.
— Não vou te contar mais nada, Hellen Corbyn. Boa noite! — cruzou os braços, fechou a cara e seguiu em direção ao corredor que a guiaria ao seu quarto.
— Não vai tomar seu café, não? — Hellen sabia que aquele era o ponto fraco de e o cutucava sempre que era necessário.
suspirou alto, revirou os olhos e retornou até o lado da mulher, que riu baixinho.
— Só te digo o sobrenome dele, se me prometer que não vai sair o adicionando em todas as redes sociais possíveis. Nem eu fiz isso! — alertou, esperando realmente que a senhora Corbyn a atendesse.
— Se não fez, está perdendo tempo, mas eu prometo, vai — Hellen logo completou, ao ver abrir a boca para protestar a primeira parte de sua fala.
— O nome dele é Peter Parker. Só que realmente não é nada como você está insinuando. Ele sofreu uma perda muito ruim e não está pronto para se envolver com outra pessoa. — A mulher não conseguiu evitar suspirar com aquilo.
— Ele lhe disse isso? — a senhora Corbyn indagou e parou momentaneamente de fazer o café para olhar com atenção.
— Disse no primeiro momento em que nos conhecemos. E depois veio se desculpar e pediu para recomeçarmos. E eu aceitei, sabe? Quem nunca começou as coisas de forma errada, não é? Só que agora eu já sei que seremos apenas amigos. Eu preciso lembrar disso, Hellen.
Até aquele momento, não havia se dado conta de que, por mais animada e encantada que estivesse, não podia ficar fantasiando as coisas. Peter havia deixado claro desde o início que não estava disponível emocionalmente, e ela precisava parar de achar que ele havia mudado de ideia só porque trocavam uns flertes de vez em quando.
Talvez nem fossem flertes. Talvez fosse apenas o jeito dele.
Droga, por que de repente ela estava tão insegura? não era assim.
— ? — Se assustou ao sentir a mão de Hellen tocar seu ombro gentilmente. A senhora havia parado tudo o que estava fazendo e se aproximado ao perceber o surto interno da amiga.
— Desculpa, acho que me distraí — murmurou e fez uma careta.
— Por que não volta a me contar sobre o que vocês fizeram hoje, uh? — O tom gentil de Hellen fez sorrir fraquinho e concordar com um aceno de cabeça.
— Outro dia estávamos conversando sobre a minha pesquisa e eu acabei soltando que sempre fui fã do Doutor Connors e do Doutor Parker, que era pai de Peter, mas morreu quando ele era criança.
— Pobrezinho… — Corbyn murmurou, sem desviar sua atenção de .
— E hoje Peter simplesmente me convidou para ir até a casa do Doutor Connors. Eu nem acreditei, sabe? Achava que seria impossível ele nos receber, mas tinha esquecido de que… bem, o Peter é filho do ex-parceiro de pesquisa dele, certo? Então eu não só conheci um dos cientistas que me inspirou, como também recebi várias dicas para o meu trabalho.
ainda estava um tanto triste com seus pensamentos anteriores, mas contar sobre seu passeio serviu para trazer um pouco daquela animação de antes.
— Sabe, no meu tempo, isso aí era uma tentativa de impressionar. — E, mais uma vez, o sorriso sugestivo de Hellen estava de volta.
— Não. Não faça isso. A gente não se decepciona quando não cria expectativas sobre as coisas. — ficou séria e respirou fundo, tentando convencer a si mesma a seguir suas próprias palavras.
— Tudo bem, você até tem razão. — A senhora Corbyn não gostou do rumo que a conversa voltava a tomar. — Mas, quer saber? Traga-o aqui.
arregalou os olhos.
— O quê?
— Você ouviu, menina. Traga esse tal de Peter Parker aqui. Invente alguma coisa.
— E por que eu deveria fazer isso? — Ela ainda estava surpresa com aquela sugestão. Realmente não fazia ideia de qual era a intenção de Hellen com aquilo.
— Porque eu quero dar uma boa olhada nesse homem. Minha intuição nunca falha.
deveria imaginar algo daquele tipo.
Sem conseguir se conter, soltou uma gargalhada.
Aquele era um dos motivos de ela não conseguir se imaginar morando em qualquer outro lugar além daquele apartamento. Como poderia viver sem alguém como Hellen Corbyn ao seu lado?
— Tá certo. Eu vou ver o que posso fazer.
As duas continuaram a falar sobre Peter. Hellen pedia por mais detalhes sobre tudo e foi contando. Se sentia absolutamente à vontade e sabia que poderia confiar até mesmo a sua vida à mulher.
Corbyn percebia o brilho nos olhos da jovem e a empolgação dela ao falar sobre Peter. Apesar do surto momentâneo, ela estava encantada e a senhora conseguia perceber que o homem fazia bem a . Por isso, mesmo sem conhecê-lo, ela já sentiu que gostava dele.
Quando o café expresso ficou pronto, elas resolveram bebê-lo na sala, com o pote de biscoitos em cima da mesinha de centro e a televisão ligada em um canal qualquer.
— Esqueci de te contar um detalhe. Vamos sair na sexta à noite — murmurou, levou a xícara de café à boca e quase se engasgou quando sentiu Hellen estapear seu braço.
— Menina, como você esquece de contar logo isso?
— Vou anotar aqui que a senhora anda muito violenta também, viu? — Corbyn estava tão acostumada com aquela estratégia para desconversar que apenas estreitou os olhos, gesto que arrancou uma risadinha de . — Tá bom, desculpa. É que eu fiquei tão surtada comigo mesma e…
— Como foi isso? — Hellen a interrompeu, porque sabia que a mulher voltaria a divagar sobre aquilo e acabaria surtando de novo. Era sempre assim. não podia pensar demais sobre nada, ou cogitava demais e acabava tirando as piores conclusões.
— Ah, depois que saímos da casa do Doutor Connors, Peter acabou dizendo que me chamaria pra ir beber algo se não estivéssemos cheios de chá, eu disse que aceitaria, então ele propôs que fizéssemos isso outro dia. — bebeu mais um gole de café e mordeu o lábio depois de engolir para poder concluir sua fala. — Daí eu marquei para sexta, às nove.
— Colocou ele na parede, uh? — Corbyn soltou uma risadinha.
— Não! Eu só não gosto de fazer a promessa de deixar para outro dia e nunca chegar de fato a escolher esse dia. Então simplesmente marquei de uma vez. — Deu de ombros.
— Fez bem. E ele?
— Aceitou na hora.
Mais uma vez, a mais velha riu.
— Eu não sei por que você ficou aí endoidando, menina.
— Como assim?
— Tudo bem que não entendo direito as amizades de hoje em dia. Acho normal, sim, amigos saírem numa sexta à noite, mas os flertes que você me contou me dizem outras coisas.
— Hellen…
— Eu sei, você não quer criar expectativas. Mas quer saber como você vai descobrir o que isso tudo quer dizer?
— Como? — até se inclinou um pouco para ouvir melhor, e a mulher teria rido outra vez, mas se conteve.
— Continue sendo você mesma e flerte bastante com ele. Pelo que percebi, quanto mais você fizer isso, mais vai mexer com esse rapaz.
— Hellen! — Foi a vez de rir.
— Hellen nada. Joga seu charme, menina! No meu tempo, a gente só ficava na… como é mesmo que vocês chamam?
— Friendzone? — estreitou os olhos, sem acreditar que a amiga estava mesmo dizendo aquilo.
— Isso! A gente só ficava nessa friendzone se quisesse. Não há nada que uma mulher não possa fazer.
acabou sorrindo, gostando de ouvir aquilo. De fato, se achou um tanto tola por ficar surtando daquele jeito. O conselho de Hellen realmente serviu para ela recuperar um pouco de sua autoconfiança.
Abriu a boca para agradecer à mulher, mas então percebeu que a senhora Corbyn havia desviado o olhar para a televisão, que exibia o noticiário.
Explosão causa incêndio em prédio. Homem Aranha mais uma vez salva o dia.
não sabia se se espantava com a dimensão do incêndio, porque uma estrutura da construção parecia prestes a desabar, ou se ficava indignada com a audácia da imprensa em filmar cada momento daquilo. Não era a primeira vez, a mídia sempre se aproveitava para cobrir tudo o mais próximo possível, porém aquele tipo de coisa muitas vezes acabava atrapalhando o trabalho das pessoas que estavam ali salvando vidas.
Àqueles sentimentos também se somou o de seu coração disparar pela ideia de ver seu herói favorito na tela. Ela sabia, era bobo e a deixava parecendo uma adolescente, mas não conseguia evitar. O Homem Aranha era incrível, e admirava tudo que ele fazia.
A mulher inclusive não soube como conseguiu se manter tão discreta quando conversou sobre aquilo com Peter, mas agradeceu internamente por aquilo.
O fato foi que, ao ler aquele nome na legenda, imediatamente aumentou o volume da televisão e não desviou mais seus olhos dali.
e Hellen assistiram o momento em que o Homem Aranha se aproximou da mulher pendurada do lado de fora da janela e esta logo saltou para que ele a pegasse. Não demorou muito para ambos aterrissarem e, acompanhando as salvas de palmas das pessoas naquele local, as duas amigas também comemoraram.
— Me diga como não amar uma pessoa dessas? — Os olhos de brilhavam de emoção.
— Eu queria ser uma mosquinha só pra ver quem está embaixo da máscara, sabe? — Hellen também era uma grande fã do amigo da vizinhança e aquele comentário fez as duas rirem. Estavam aliviadas por ele ter conseguido.
No entanto, suas feições logo voltaram às de preocupação.
— Espera, acho que ainda tem alguém dentro do prédio. — se inclinou no sofá, até levando uma unha à boca e roendo o esmalte preto, o descascando.
— Oh, meu Deus. Não acredito! Coitadinho, ele vai entrar lá. — A senhora Corbyn levou as duas mãos à boca.
Até parecia que era ao vivo. Mesmo sabendo que tudo havia se resolvido no final, as duas estavam nervosas.
Nos minutos seguintes, elas tornaram a assistir sem ao menos piscarem. A tensão era palpável naquele ambiente, e ambas desejavam internamente que tudo desse certo, que o Homem Aranha conseguisse salvar aquela outra pessoa e que o fogo e aquela fumaça toda não lhe fizessem mal.
— Acho que eu já teria desmaiado lá dentro — murmurou, com o olhar fixo na tela e roendo ainda mais a unha.
Do ponto em que a imprensa filmou, de repente já não dava mais para ver o herói em ação e só lhes restou ficar no mesmo lugar que as pessoas naquele local, paradas, encarando a janela em expectativa e torcendo para tudo dar certo. Confiavam, sim, no Homem Aranha, mas também sabiam que ele não era invulnerável.
— Vamos lá… Vamos lá… — Foi a vez da senhora Corbyn sussurrar, até tremendo os lábios, prestes a se debulhar em lágrimas.
Uma sombra pareceu se aproximar da janela e, sem perceberem, as duas mulheres prenderam suas respirações.
Assim que a figura do Homem Aranha carregando mais uma vítima salva apareceu, gritos irromperam pela sala e as amigas se levantaram em um salto.
— Ah, eu sabia! Eu sabia que ele conseguiria! — puxou Hellen para um abraço e elas ficaram por mais alguns segundos rindo e soltando exclamações de comemoração.
— Você já contou isso para o seu “amigo” Peter Parker? — Corbyn indagou, quando as duas voltaram a se sentar.
franziu o cenho.
— Contei o quê?
— Que ele vai ter que disputar você com o Homem Aranha, é claro.
levou alguns segundos para processar que sua amiga realmente havia dito aquilo, então, sem nem pensar direito, pegou uma almofada e jogou na mulher.
— Pare com isso, Hellen. Não tem disputa nenhuma! — chegou até mesmo a sentir suas bochechas esquentarem.
— Ah, é? Você escolheu um? Ou quem sabe quer os dois? Nesse caso, eles vão dividir você. — O sorriso malicioso da senhora Corbyn era inacreditável.
— Às vezes eu me pergunto o que se passa pela sua cabecinha fantasiosa, Hellen, mas acho que é melhor mesmo eu não saber.
— Não queira mesmo, querida. Se eu estivesse com a sua idade, esse Homem Aranha não me escapava. — Piscou para .
— Chega, viu? Depois dessa, eu vou até dormir. — Se levantou e juntou as louças da mesinha de centro para levar à cozinha e realmente começar a se ajeitar para ir descansar.
— Pode ir. Eu vou ficar aqui admirando mais um pouco essa belezinha.
— Vai pra sua casa, mulher! — riu alto, mas não falava sério.
Com Hellen ali, ela nunca se sentia sozinha.
No entanto, ainda assim, ele insistiu em se levantar da cama. Precisava chegar à universidade um pouco mais cedo, já que precisava organizar tudo para a primeira aula do dia.
De repente, se perguntou se conseguiria se dedicar a uma pesquisa, assim como , porém sabia que seria complicado. Se já estava sendo difícil equilibrar sua vida dupla tendo dois empregos, imagina só com mais aquilo?
Não. Deixaria o lance das pesquisas e horas de laboratório para .
Percebendo o rumo de seus pensamentos, Parker negou com a cabeça. Não era ele que achava que jamais conseguiria se envolver com outra pessoa?
Quem sabe a culpa daquilo não fosse toda dela. era charmosa e sabia daquilo, principalmente porque a todo o momento jogava aqueles flertes.
Como ele não ficaria afetado com aquilo? Ainda mais sendo linda do jeito que era.
— É. Você tá ferrado. — Encarou o próprio reflexo no espelho, se referindo tanto ao seu estado emocional quanto ao físico, já que todo o cansaço se refletia em bolsas enormes logo abaixo de seus olhos.
Sem perder mais tempo, Peter pegou um pacote de biscoitos para levar consigo e comer mais tarde. Ele sempre acordava com fome, mas naquele dia ainda se sentia um tanto nauseado e não quis arriscar colocar tudo pra fora.
Preferindo ir do jeito convencional para a universidade, Parker aproveitou para observar um pouco as coisas ao seu redor, fazendo uma nota mental de que precisava passar no Clarim Diário mais tarde. Ele podia simplesmente enviar as novas fotos do Homem Aranha em ação para o senhor Jameson, porém o homem não aceitava, porque não sabia lidar com aquele tipo de tecnologia, então insistia que Peter trouxesse o material até o jornal.
Pensar no seu segundo ambiente de trabalho o fez lembrar da floricultura onde trabalhava e, contrariando o pensamento de que provavelmente era muito cedo para mandar mensagens a ela, Parker digitou um simples “Bom dia ☺️”.
Aproveitou para ver as outras notificações e percebeu uma chamada não atendida de tia May, o que o fez se sentir um tanto culpado por aquilo. Havia prometido não ficar tão distante dela e até então não estava cumprindo.
Ele teria mais alguns quarteirões de caminhada até finalmente chegar ao trabalho, então rapidamente discou o número conhecido, sem nem se preocupar se ela estaria acordada naquele momento, afinal, Peter a conhecia muito bem e sabia que a resposta era sim.
— Alô? — A voz de May ecoou no terceiro toque.
— Bom dia, tia May! — Parker soou um tanto animado.
— Peter? O que aconteceu? — Ele achou graça daquela pergunta.
— Como assim o que aconteceu? — Ergueu uma sobrancelha, esquecendo momentaneamente de que a mulher não podia vê-lo.
— Você não costuma estar acordado a essa hora, meu filho. Só pode ter acontecido algo. Sem falar nessa sua voz mais rouca do que o normal.
Parker não havia reparado naquilo. Ainda estava sentindo a garganta arranhando e a sensação de náusea, mas ignorava aquilo o máximo que podia.
— Não aconteceu nada, tia. Eu só liguei para conversarmos um pouco. Acordei a essa hora porque preciso arrumar umas coisas no laboratório.
— Oh, é verdade! Esqueci que você está dando aulas de manhã. — A forma como ela havia dito aquilo sugeria que estava orgulhosa do sobrinho. — Não quero atrapalhá-lo, Peter. Por que você não passa por aqui mais tarde? Tomamos um café juntos e colocamos o papo em dia.
Parker não conseguiu evitar que um sorriso se formasse em seu rosto ao ouvir a tia falando aquilo.
— Não está atrapalhando em nada, tia May. Fui eu que te liguei, mas nunca vou recusar um café na sua casa. — Soltou uma risadinha, que ela acompanhou. — Mais tarde vou passar no Clarim e depois vou até aí então.
— Vou esperar. E é bom mesmo que você ligou. Estou com saudades.
Parker suspirou baixo, se sentindo culpado.
— Também estou. Me desculpe por isso, tia. Mas como a senhora está?
— Estou bem, meu filho. Do melhor jeito possível, né? Minhas costas não são mais as mesmas e estão me matando. Mas é normal, certo? A idade chega e…
Peter momentaneamente perdeu o foco da conversa porque as coisas pareceram escurecer ao seu redor.
Respirando fundo, ele se apoiou em uma parede e sentiu que fazer aquilo lhe causava uma dorzinha no peito, assim como sua garganta arranhava ainda mais.
Sem conseguir segurar, de repente Parker começou a tossir, interrompendo a fala de tia May, que imediatamente ficou alarmada.
— Peter? Querido? O que está havendo?
Tentando se recuperar o mais breve possível, o homem conseguiu acalmar o acesso de tosse, mas se xingou mentalmente por não ter pego uma garrafa de água.
Torcendo para não estar completamente sem voz, Peter voltou a falar ao telefone.
— Desculpe. Tive um acesso de tosse aqui, mas está tudo bem, tia, não se preocupe.
— Como não me preocupar, Peter? Olha como sua voz está fraquinha! Você está doente, meu filho.
Parker deixou uma careta se formar em suas feições. Não queria mesmo que ela ficasse se preocupando com ele daquela forma.
— Vai ficar tudo bem. Eu vou dar um jeito nisso, prometo. — Ouviu May suspirar contrariada do outro lado, então logo emendou. — Estou chegando à universidade, tia. Mais tarde conversamos mais.
Ainda faltava um pedaço antes que ele de fato alcançasse seu destino, porém não queria continuar preocupando a mulher.
Outra vez, May suspirou contrariada.
— Tudo bem. Mais tarde vamos ver o que está acontecendo com você. — A insistência o fez rir baixinho.
— Até mais, tia May.
— Até mais, querido.
Apressando seus passos, Peter não via a hora de chegar e tomar quantidades generosas de água.
Talvez estivesse concentrado demais em seu objetivo. Não, na verdade, ele realmente estava e só se deu conta quando seu corpo se chocou contra outro.
Não levaram nem dois segundos para Parker saber em quem havia esbarrado. O cheiro dela era marcante demais para não ser reconhecido.
— Sabe, acho que eu estava até com saudades de esbarrar em você assim. — Foi quem fez graça, abrindo um sorriso adorável quando seus olhares se encontraram.
— Não seja por isso. Podemos nos esbarrar assim sempre que você quiser, . — Tardiamente, ele percebeu um certo duplo sentido naquelas palavras, mas não se importou, ainda mais depois de ver o sorriso dela se transformar enquanto o encarava de cima a baixo. Ela imaginou que tivesse feito aquilo de forma discreta, mas descobriu que não pela maneira como Peter sorriu de volta.
— Eu vou cobrar isso, viu? — Ela estreitou um pouco os olhos.
— Pode cobrar. Aproveito e cobro de volta o que você sugeriu ontem.
sentiu o coração dar um salto com aquelas palavras. Apenas a presença de Parker já a afetava, era verdade mesmo quando tentava negar, mas ouvi-lo flertar daquele jeito com ela a deixava quase fora dos eixos.
Se um dia desses simplesmente o agarrasse, a culpa seria totalmente dele.
— Eu sugeri? — Ergueu uma sobrancelha, se fazendo de boba.
— Uhum. Sugeriu. — Ele não conseguiu evitar sorrir, rapidamente entendendo o jogo dela.
— E o que foi que eu sugeri, Peter Parker? — ergueu uma sobrancelha e o homem pôde jurar que de repente os dois estavam até mais próximos, porém não tinha certeza. A sensação de tontura não havia passado ainda, mas ele disfarçava para que ninguém percebesse. Sabia que logo melhoraria.
— Que eu conhecesse a sua casa. — Honestamente, Peter nunca se imaginou sendo tão sincero e direto, mas algo na forma como o encarava o instigava àquilo.
não podia dizer que não se surpreendeu ao ouvir suas palavras, assim como não poderia negar estar ainda mais afetada, até porque seu coração batia tão acelerado que não duvidaria se ele pudesse ouvir. As bochechas dela pegavam fogo e, na verdade, não só as bochechas.
— Está disposto a ir até lá mesmo depois de descobrir que pode não sair tão cedo? — jogou charme e mordeu outro sorriso.
— Acho que fiquei mais disposto ainda, pra ser sincero. — Peter não podia piscar pra ela daquele jeito.
Droga, por que ele fazia aquilo?
A mulher umedeceu os lábios, o notou acompanhar o gesto com o olhar e estava pronta para respondê-lo, no entanto, os dois foram interrompidos pelo professor Hofstader, que parou ao passar pelos dois para questionar Parker sobre detalhes das aulas daquele dia.
ficou assistindo a conversa dos dois em silêncio, incapaz de simplesmente se despedir e continuar o caminho até seu laboratório. Toda vez que estava com Peter Parker, o tempo passava rápido demais, e ela não queria se afastar tão cedo.
E foi ao observá-lo durante a conversa com Hofstader que reparou a respiração um tanto irregular de Parker. Ele estava fazendo um ótimo trabalho em disfarçar, mas a própria voz rouca dele já tinha começado a denunciar algo de errado.
Sentindo-se um pouco mais tonto do que antes, Peter deu um pequeno passo em direção à parede do corredor e se escorou ali, ainda disfarçando o mal estar.
— Senhor Parker, está tudo bem? — Ótimo, não era coisa da cabeça de , Hofstader também tinha percebido.
— Claro, claro. Assim que chegar ao laboratório, eu já deixo os microscópios instalados para os alunos. Fica tranquilo.
O professor trocou um olhar rápido com , numa conversa muda se ela também havia reparado algo de errado, então apenas assentiu e se despediu contrariado.
Um pouco depois da saída do homem, Peter fechou os olhos e respirou fundo para oxigenar melhor o cérebro.
— Peter?
Ele abriu a boca para responder , mas percebeu sua visão nublar e se apoiou com mais afinco na parede.
— Peter, o que você tá sentindo? — não fez questão de perguntar se ele estava bem, porque era claro que não estava.
— Eu… Não se preocupa. Eu saí correndo de casa e não comi nada. Deve ser isso. — Para completar, sua garganta doeu mais e lhe gerou outra onda de tosses.
Estreitando os olhos, ela se aproximou.
— Você precisa ir até a enfermaria. Não parece que é isso, não. — Então estendeu a mão para que ele a segurasse. — Vem, eu vou com você.
— Não! — Parker exclamou rápido demais.
O que diria se fosse mesmo até a enfermaria e lhe dissessem que ele estava daquele jeito porque engoliu muita fumaça?
estranhou a reação dele e estava prestes a insistir, mas Peter a interrompeu.
— Não quero te atrapalhar, . Eu vou sozinho e depois te digo como foi. Você deve ter suas coisas pra fazer.
— Minhas coisas poderiam esperar, mas tudo bem. Só me avisa assim que você for. Duvido que vou conseguir me concentrar até saber que você está bem.
Peter sentiu uma emoção engraçada ao ouvir aquilo. A forma como se preocupava estava mexendo com ele. Teria até aceitado a companhia da mulher, se não fosse por seu pequeno segredo.
— Eu aviso, pode deixar. Vou até lá agora.
— Estou de olho em você, Peter Parker. — Mais uma vez, estreitou os olhos, e ele percebeu que adorava aquela expressão dela. Dava vontade de…
Bem, dava vontade de beijá-la.
— Vou acabar ficando mal acostumado com isso. — Sorriu, charmoso.
— Acho que se ficar, posso deixar passar. — Ela piscou. — Agora vá. Se você cair desmaiado aqui, eu não vou conseguir te carregar, sinto muito.
Aquele último comentário o fez rir alto.
— Tá certo. Até mais, .
Ele deveria ter feito alguma menção de se mexer, porém simplesmente não conseguiu. Era difícil se afastar dela, a companhia de era tão boa que o tempo voava.
— Vai, Peter! — Dessa vez, ela usou um tom mandão, e Parker cedeu, retomando o caminho de antes e contendo um comentário sobre aquilo.
Certamente, se ele dissesse que gostou de vê-la mandona daquele jeito, cruzaria um limite que havia traçado.
Porém, enquanto se afastava, questionou por que aquele limite ainda estava ali para começo de conversa.
O fato de o clima não estar mais congelando e o sol ter aparecido tinha ajudado e muito também.
Mesmo se sentindo culpado, Peter não teve escolha a não ser mentir para e dizer que ele havia, sim, ido procurar ajuda médica e foi liberado para descansar. Tudo não tinha passado de um mal estar.

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HOJE, 10:30
Ele torceu a boca, formando uma careta culpada ao ler aquilo.

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HOJE, 10:32
Antes que respondesse, outra mensagem dela chegou e suas palavras o fizeram rir. Era engraçado como ele sempre conseguia até mesmo ouvir a voz dela em sua cabeça quando lia as mensagens de .

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HOJE, 10:30
Do outro lado da conversa, exibia o sorriso mais idiota de todos ao ler o que Parker havia escrito.
Toda vez que ela achava que não tinha como aquele homem afetá-la mais, era justamente o que ele fazia.

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HOJE, 10:39
Não havia como não dizer que a última resposta dela mexeu ainda mais com ele.
Quando finalmente saiu de seu horário de trabalho, Parker já não sentia mais nenhuma tontura ou náusea, sua voz voltou ao normal e ele precisou se conter para não saltar animado pelos corredores. Não era mais um adolescente, afinal, mesmo que se sentisse como um.
Mesmo sabendo que ainda estava na universidade, Peter não conseguiu evitar dar uma olhada para dentro da floricultura ao passar pelo local. Ainda era difícil acreditar que nunca havia reparado nela ali, embora, de fato, isso fosse compreensível.
Distribuindo alguns cumprimentos quando adentrou o Clarim Diário, Parker seguiu até o elevador e se preparou para mais um dos discursos anti-Homem Aranha que o senhor Jameson insistia em dar.
No entanto, assim que as portas do elevador se abriram, Peter descobriu que o andar do editor chefe estava um verdadeiro caos.
Tentando entender o que acontecia, Parker rapidamente se aproximou da mesa da assistente do senhor Jameson e qualquer resposta que ela daria foi interrompida pelo próprio chefe abrindo a porta de sua sala e colocando uma parte de seu tronco para fora.
— Cadê o fotógrafo que eu pedi? Ninguém quer trabalhar nesse lugar… Ah, Parker, você está aqui. Ótimo!
— Senhor Jameson, o que…
— Não há tempo a perder, garoto. Aconteceu mais um ataque do Dahlia Negra e você vai garantir as fotos da cena do crime.
Peter achava graça, porque Jameson insistia em chamá-lo de garoto. No entanto, sua atenção imediatamente se voltou para a última parte e ele mesmo ficou alarmado.
— Anda, Parker! Se mexe! — o homem gritou e fez Peter se assustar.
Um tanto atordoado, ele rapidamente se prontificou e pediu o endereço ao editor chefe.
Nada havia preparado Peter Parker para o que descobriria nos próximos segundos, porque o endereço que recebeu era o mesmo do Doutor Connors.