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Revisada por vênus. 🛰️
Concluída em: 31.10.2024

As garrafas vazias de Gim denunciavam que ela havia passado por ali.
Se não fosse por estas, no entanto, eu ainda teria identificado sua presença naquele cômodo, já que havia espirros de sangue pelas paredes.
Onde ia, os banhos do líquido rubro lhe acompanhavam como velhos amigos.
Cada uma de suas vítimas lhe caía como um novo troféu adquirido.
Ela governava toda a cidade, espalhando o medo e a desolação por onde passava.
Não havia uma pessoa que não temesse a Carniceira de Grimsborough. Todos procuravam se manter em estado de alerta por onde quer que passavam, evitar becos escuros era a principal orientação das autoridades. Um pequeno movimento suspeito na escuridão e você poderia ser sua próxima vítima.
Todos, exceto eu.
Como um amante desvairado, eu havia embarcado em sua turnê de horror, a acompanhava de corpo e alma por onde quer que fosse, farejando o sangue fresco de cada uma de suas vítimas. Pegá-la no ato a cada dia se tornava a minha maior ambição.
E, como um bom dominador da arte da perseguição, nunca havia percebido minha presença. Pelo menos nunca de forma ameaçadora, ou quem sabe eu teria sido feito em pedacinhos, mas a ideia de me tornar uma de suas vítimas não me assustava, muito pelo contrário, era cada vez mais difícil controlar meus impulsos para fazer com que acontecesse.
Não sabia dizer o que tinha, se era algo no olhar carregado de loucura e uma certa dose de melancolia que nunca a abandonava, se eram suas risadas desvairadas que soavam como uma melodia infantil e surpreendentemente agradável aos meus ouvidos, ou quem sabe a maldade palpável que me trazia a sensação de que o próprio Diabo a acompanhava em cada um de seus passos.
Fosse o que fosse, eu não conseguia me controlar. Desde a primeira vez que meus olhos pousaram em , eu soube que estava destinado a ser seu da forma que mais lhe agradasse.

Tudo havia começado quando uma bela vizinha se mudou para a casa ao lado da minha.
Eu, um desertor da faculdade, fadado a passar o resto de minha vida trabalhando como assistente de meu pai em sua oficina mecânica, fiquei encantado com a beleza da garota com cabelos cor de fogo e olhos verdes-esmeralda, que tinham uma expressão tão gélida que havia me atingido de uma forma avassaladora.
Ela passava com algumas caixas de mudança, e eu apenas permaneci ali na janela de meu quarto, a observando para captar a maior quantidade de detalhes possíveis da garota. No entanto, talvez o que mais tenha me marcado foi o fato de que todas as vezes em que ela sorria, seu sorriso não se estendia ao olhar. Por mais intensas que fossem suas írises, era como se uma escuridão os anuviasse.
Aquilo me deixou fascinado.
Eu não estava exatamente escondido, tampouco fazia discrição enquanto a olhava, então não foi surpresa alguma quando, subitamente, minha nova vizinha se virou em minha direção.
A reação automática de qualquer pessoa pega em flagrante é a de se esconder, mas comigo não havia surgido aquele impulso. Ao contrário, eu permaneci onde estava, fixei meus olhos nos da mulher e deixei que a escuridão dela me atravessasse. Ela me analisou por incontáveis minutos, mas o tempo não importava para mim.
Um sorriso de canto brotou nos lábios de minha vizinha, como se tivesse aprovado o fato de o cara que morava na casa ao lado a observar tão invasivamente.
Pude jurar então que algum tipo de brilho atravessou seu olhar, no entanto, por hora, não consegui decifrar seu significado.
Minha família não era muito sociável, e muito menos eu, então minha única alternativa aceitável de descobrir seu nome havia sido olhar sua correspondência, como quem não queria nada. Ela estava morando sozinha na enorme casa ao lado e seu nome era o que viria a ecoar eternamente pela minha cabeça como uma bela canção: .
Se eu tivesse alguma amizade, certamente ouviria que estava obcecado, mas eu sentia que era muito mais do que isso. Mesmo nunca tendo conseguido ser cara de pau o suficiente para me aproximar dela ou trocar uma palavra sequer à distância, sabia que tínhamos uma conexão. Não sabia o que era, mas era algo forte demais para que eu ignorasse.
Quanto mais eu a sentia unida a mim, debaixo da minha pele, mais dedicava meu tempo a observá-la, olhar por sua janela, vislumbrar todas as migalhas que eu podia receber da vida de .
E, fazendo isso, foi impossível não notar as saídas demoradas de minha vizinha. Essas que seriam justificáveis por existirem compromissos como faculdade e trabalho se o horário em que elas ocorriam não fosse duvidoso.
Quando cheguei a contar mais de vinte e quatro horas da ausência de , decidi que me arriscaria a segui-la em sua próxima empreitada. E foi tomando essa atitude, que eu entendi o motivo de eu me sentir tão ligado a ela.
Naquela noite, descobri que minha vizinha não era apenas uma assassina em série, ela era a Carniceira de Grimsborough. era aquela que ganhava cada vez mais notoriedade, porque gostava de imobilizar suas vítimas deitadas em cima de uma mesa e as amarrar com os braços e pernas estendidos para então torturá-las até que não tivessem mais forças. Todos os corpos que a Carniceira deixava para trás apresentavam como principal característica a ausência de órgãos vitais, sendo a causa da morte uma intensa hemorragia.
Eu mal podia acreditar que havia descoberto sua verdadeira identidade, e não apenas isso, ela era a minha vizinha. A mulher de olhos sombrios que me convidava a dançar em sua escuridão toda vez que nossos olhares se encontravam.
deixava uma cena de crime, não havia nenhum vestígio aparente em suas vestes, mas o brilho que notei quando ela sorriu para mim estava ali. Era algo maníaco que entregava o que havia acabado de fazer.
Contemplei seu feito quando ela não estava mais tão próxima, e sua vítima era um rapaz com uma aparência não muito diferente da minha.
O habitual seria eu sair correndo, temendo por minha vida, então ligar para a polícia, porque todas aquelas mortes acontecendo na cidade eram causadas por ela e eu era uma vítima em potencial. A Carniceira de Grimsborough era a minha vizinha, afinal, mas eu não o fiz. Não o fiz, porque olhar para a devastação deixada por ela me trouxe um estado insano de excitação a ponto de eu desejar me aliviar ali mesmo, naquela cena de crime, porém precisei me conter para que não arriscasse colocar tudo a perder.
Eu nunca havia me sentido daquela forma.
Então, como um viciado, eu passei a acompanhar todos os seus passos, porque eu queria sentir aquilo de novo. Queria partilhar daquele frenesi que eu via tornar os olhos dela tão brilhantes quanto pedras preciosas.
Toda vestida de preto, a Carniceira de Grimsborough espalhava sua onda de terror, e, como um fiel espectador, eu a analisava, desejoso por aprender, apreciando a cavaleira da morte em sua mais divina essência, sempre a seguindo silencioso feito um gato.
Sentia que jamais teria coragem de me mostrar para . Não por medo de que ela me fizesse mesmo uma de suas vítimas, mas porque eu era um covarde e sabia que não conseguiria dizer uma só palavra em sua presença.
Eu era apenas , o vizinho da casa ao lado, aquele que ficava lhe encarando da janela e não carregava nenhum feito sob as costas, como era o caso dela.

Talvez tivessem se passado meses em que eu a acompanhava em sua matança, não saberia dizer, mas finalmente o dia de testemunhá-la ceifando uma vida havia chegado.
Assisti de perto cada um de seus passos. A forma como ela atraiu o jovem, o fazendo levá-la para a própria residência e esperando por algo que nunca teria. O deleite em seu olhar quando conseguiu dominá-lo e o amarrar sobre a mesa, segurando a grande faca e colocando uma música para tocar para seguir com seu ritual.
Me senti completamente hipnotizado. Não consegui desviar meus olhos dela em momento algum. Cada gota de sangue derramado era como uma inspiração para que o corpo da Carniceira se movesse em perfeita sincronia com a melodia.
Eu poderia continuar o resto da minha vida ali, apenas deixando-me enfeitiçar por . A escuridão dela era tudo o que eu mais desejava.
Em meio à toda a minha divagação, enquanto admirava a dança sombria da mulher dos meus sonhos, quase não notei que o olhar maníaco dela se fixou em mim.
Em um instante, estava bem na minha frente, no outro, havia sumido e um vulto negro atravessou o corredor ao passar de um cômodo para outro.
Senti um frio passar por minha espinha e minhas carnes tremeram por estar tão próximo dela. Nunca havia conseguido tamanha façanha.
Eu só não imaginava estar tão perto assim, já que, em questão de segundos, eu senti uma lâmina pressionar meu pescoço e a respiração dela baforar minha nuca.
— Mal terminei um banquete e já recebi outro de presente? — uma risadinha ecoou dos lábios dela, e senti meus olhos quase revirarem nas órbitas de excitação com aquilo. Eu nunca tinha ouvido ela falar, e a voz de era tão rouca, tão sexy, que eu não tinha medo de morrer naquele momento, só conseguia pensar no quanto aquela proximidade seria capaz de me deixar louco.
— Vai me devorar, ? — Antes que pudesse me conter, minha voz entoou a resposta, e a surpresa me deixou embasbacado pela minha coragem de falar alguma coisa, por mais que eu sentisse minha garganta completamente seca de nervosismo.
— Como sabe o meu nome? — De repente, ela pareceu surpresa de maneira genuína, talvez ainda não tivesse me reconhecido, e isso, de certa forma, me magoou.
Eu a reconheceria há quilômetros de distância, como ela não tinha gravado o meu rosto?
— Sei muitas coisas sobre você. — resolvi emitir, sendo sincero.
— Então caiu no lugar certo. Vai ter uma morte espetacular. — E seu tom parecia o de grande animação.
— Mais espetacular do que ser amarrado numa mesa para que desfrute de cada pedaço meu? Estou destinado a ser surpreendido por você. — Ela não pareceu surpresa, ou algo do tipo, apenas sorriu de forma sarcástica.
— Eu posso arrancar seus pedacinhos um por um e fazer você comer todos eles. Acha espetacular o suficiente? Como sabe coisas sobre mim? — Pressionou a lâmina um pouco mais em meu pescoço, o que me trouxe uma dor extremamente prazerosa.
— Sei porque te observo há tempos. Porque você me instiga e provoca sensações que eu nem sonhava em provar. Porque eu sou um cara maluco e apaixonado pela Carniceira de Grimsborough. — E, mais uma vez, eu não sabia de onde havia surgido toda aquela coragem, mas, de repente, senti a pressão da lâmina sumir, e somente segundos depois, notei que estava parada diante de mim. Ela me encarava com seus belíssimos olhos verdes e me reconheceu com um certo espanto.
. Meu vizinho tarado. — Então um sorriso malicioso tomou conta de suas feições, o mesmo que ela havia me lançado quando nos vimos pela primeira vez.
Acabei em dúvida se deveria retribuir.
— O vizinho que daria qualquer coisa para sair caçando com você. — Talvez falar sem pensar no fim das contas daria certo para mim.
— Sair caçando comigo? Eu não mato em bandos, não gosto de dividir minhas refeições. Mas você me intrigou de certa forma, . Gostaria de ver até onde vai a sua paixão por mim. — se aproximou e pude sentir seus lábios próximos aos meus.
— Vai até onde você quiser, Carniceira. — soltei, porque sabia que ela gostava de ser chamada daquela forma.
— Você me daria qualquer coisa mesmo, ? Seu corpo, sua vitalidade... Sua alma? — questionou e ergueu uma sobrancelha, enquanto brincava com a faca em suas mãos.
— Ela já é sua, minha . — respondi sem hesitar.
— Boa resposta. Eu poderia matar você aqui e agora, nunca experimentei alguém com tanta paixão, mas espalhar a matança em boa companhia nunca me soou tão divertido.
E, sem que eu pudesse formular uma resposta, senti sua boca envolver a minha em um beijo intenso, que eu retribuí ao agarrar sua cintura e pressionar seu corpo no meu. Sua língua acariciava a minha de forma erótica, e eu queria continuar beijando até explodir meus miolos, mas ela quebrou o beijo, segurou a minha mão com a sua ensanguentada e me puxou para fora da casa, passando a ponta de sua faca pelas paredes.
— Que a era dos Carniceiros de Grimsborough seja duradoura e gloriosa! — Soltou uma gargalhada logo depois.
Por hora, ela havia me reconhecido como um igual e eu não poderia estar mais radiante.
Um sorriso maligno então brotou em meus lábios.




FIM.


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Nota da autora: Não tentem entender como funciona a cabeça dessa trevosa hahahah.
Mas se você gostou desse casal, corre para ler Folie à Deux.
Happy Halloween! 🎃

❯ beth's note: mas se liga nessa dinâmica aqui rsrsrsrsrsrs rindo de nervoso, com medo de andar pela rua e encontrar uma nova Carniceira por aí. amei essa coisa meio Arlequina com Coringa ao inverso, uma coisa beeem Mickey e Wilson de Natural Born Killers (pensei neles na mesma hora!). deu vontade de ver onde isso vai dar, ainda bem que existe! bom demais <3

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