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Revisada por: Júpiter

Última Atualização: 31/10/2024

As correntes feriam meus pulsos, a fome e a sede dominavam meu corpo. O cheiro de mofo se misturava com o do sangue, deixando um aroma horrível no ambiente. Mas eu já me acostumei. Em meses que estava aqui, nunca comi nada além de comida podre e água da chuva, que pingava bem em cima da minha cabeça.

A porta abriu e eles entraram, trazendo-o consigo. Ele não parava de se debater, suas roupas estavam completamente rasgadas e repletas de sangue devido às tentativas falhas de escapar desses homens.

— O que você está fazendo aqui? — perguntei quase sem forças, esperando que ele tivesse me ouvido.

— Eu precisava achar você — respondeu, jogado no chão.

— Eu disse para ninguém vir atrás de mim — continuei, tossindo e cuspindo o sangue que se alojou na minha boca.

— Não fique assim, queridinha. — Um dos brutamontes pegou no meu rosto sem nenhuma delicadeza. — Ele chegou bem na hora de mais um show... — ele disse bem perto do meu rosto. Juntei um pouco da força que eu tinha e cuspi sangue na sua cara.

— Vá em frente — encarei-o com ódio, levando um tapa forte na cara, fazendo uma linha fina de sangue escorrer da minha boca.

— Vadia, você ainda não aprendeu a lição? — Ele pegou no meu pescoço, apertando-o com força. Ia deixar marca, assim como os vários cortes que fizeram no meu corpo nesses 4 meses. Meu ar estava indo embora... Morte por asfixia... Que lindo.

— Pare! Será que não está vendo que ela mal se aguenta de olhos abertos, seu idiota? — gritou com raiva. Sua súplica adiantou, em partes. O canalha me soltou, fazendo com que meu corpo voltasse a ficar pendurado pelos pulsos novamente enquanto tossia, em uma tentativa de recuperar o ar, e cuspia sangue sem parar. Porém, ele foi em direção a , dando-o um soco no estômago.

— Não! — gritei. — É comigo que você tem problemas, não com ele... — terminei de falar, agora bem baixo, já que usara todo o meu fôlego para gritar.

— Calada, vagabunda! Eu vou me divertir um pouco com ele, antes de acabar de uma vez por todas com você — ele gritou e voltou a socar . Fechei meus olhos e fiquei com a cabeça baixa. Nunca me senti tão culpada na minha vida. Sim, culpada. Tudo o que ele estava passando era minha culpa. Deixei uma lágrima solitária cair só com esse pensamento. Em seguida, várias começaram a sair. A cada gemido de dor que ele soltava, mais as lágrimas insistiam em cair.

— Vamos, querida, abra esses olhinhos e veja como seu “amorzinho” está... — Fiz o que ele mandou e levantei minha cabeça, encarando . Seu rosto estava completamente machucado e sangue saía avidamente de seu nariz, supercílio e boca, se espalhando rapidamente por sua roupa. Não resisti e deixei uma última lagrima cair. O canalha viu meu momento sensível e sorriu, orgulhoso, dando mais um soco em , que se curvou para frente e cuspiu mais sangue.

— Chega! — gritei com todas as minhas forças quando vi que levaria outro soco. — Termine logo com isso, sou eu que mereço, não ele.

— Pois bem. — Ele fez um aceno com a cabeça e seus capangas vieram em minha direção, desprendendo-me das correntes, deixando que meu corpo fraco despencasse para o chão. — Vamos, , levante, onde foi parar uma das melhores espiãs do país? — ele disse, exaltado. Tentei me levantar, mas o máximo que consegui foi ficar apoiada em minhas mãos. — Vamos, irmãos, levantem-na para que eu possa terminar o serviço. — Seus companheiros pegaram em meus cotovelos e me deixaram suspensa, como um animal pronto para o abate. Ele deu um meio sorriso e puxou a arma da cintura, apontando-a para mim. — Dê adeus para o seu namoradinho... — Olhei para , que me encarava com os olhos tristes e desesperados.

“Eu te amo“ apenas mexi meus lábios, não existia mais fôlego que me deixasse falar.

“Eu te amo” ele me respondeu enquanto deixava uma lágrima escorrer pelo seu rosto machucado.

Fechei meus olhos e esperei pelo fim. Não muito tempo depois, ouvi dois tiros. Abri os meus olhos rapidamente e vi um corpo, que provavelmente estava na porta do esconderijo, cair no chão. Os capangas que me seguravam soltaram meu corpo e jogaram-me para a parede, fazendo com que eu batesse minha cabeça fortemente e depois no chão, deixando minha visão turva por conta da dor. Segundos depois, outro tiro foi ouvido. Alguém gritou o meu nome. Senti algo perfurar meu peito e então tudo ficou escuro.



15 anos atrás

A garota assistia a um filme com seus pais. Ela estava deitada no colo de sua mãe, com a cabeça apoiada em seu colo enquanto as pernas estavam largadas no comprimento do móvel. Sua mãe passava lenta e carinhosamente a mão por seus cabelos ruivos alaranjados. Seu pai se sentava do lado de sua esposa, deixando um braço descansando em seus ombros, o homem sorria para a cena. Havia muito tempo que a família não tinha um momento de paz, ele pensava.
Após um tempo, a respiração da ruiva ficou calma, dando a entender para o casal de que sua filha havia pegado no sono. A mãe, então, levantou, segurando a cabeça da menina com cuidado, colocando uma almofada debaixo. Assim que ajeitou sua filha, ela se moveu para o lugar ao lado do marido, ajeitando as pernas em seu colo.
Como se o universo quisesse acabar com aquela calmaria, enquanto o casal assistia televisão, alguém socou a porta. Eles se encararam, aflitos, sabiam o que podia ser, mesmo que não quisessem acreditar. A mulher levantou lentamente, tentando não fazer barulho no assoalho, olhando fixamente para a porta. Ela caminhou até a borda do sofá e puxou uma gaveta escondida, retirando um revólver dali e escondendo-o atrás de suas costas com uma das mãos. O pai pegou a manta que estava na mesa de centro e caminhou até sua filha, ao fazê-lo, ele percebeu que sua filha não estava dormindo, estava apenas de olhos fechados. Então, já imaginando o que poderia acontecer, abaixou e foi até o ouvido da filha.
— Amor, lembra quando o papai falou sobre o trabalho? — ele perguntou baixo. Mais uma batida na porta foi ouvida, dessa vez mais forte. A garota abriu os olhos, encarando seu pai, levemente assustada, antes de assentir lentamente. — Eles estão atrás da mamãe e do papai agora. E estão quase entrando em casa. Preciso que você fique quietinha e finja que está dormindo, não importa o que aconteça. Tudo bem? — Assim que seu pai parou de falar, a ruiva ficou alguns momentos parada, como que refletindo o que seu pai havia acabado de lhe dizer. Depois de uns instantes, ela assentiu, deixando uma lágrima cair por seus olhos. — Papai e mamãe te amam muito, não se esqueça disso.
Assim que ele terminou de falar com sua filha, passou a mão em suas ondas ruivas e, aproveitando que estava abaixado, tateou o piso da madeira, retirando um taco falso que havia ali, pegando sua arma. Assim que o fez, ele se levantou e andou até sua esposa, selando brevemente seus lábios com os dela uma última vez.
A mulher se separou do marido e foi andando cuidadosamente até a porta, dando um beijo na cabeça de sua filha ao passar pelo sofá. Quando chegou a cerca de um metro da porta, ela foi aberta abruptamente, revelando 3 homens armados que entraram na casa, já atirando. A mulher conseguiu desviar de dois tiros que foram em sua direção, ao mesmo tempo em que atirou e acertou a perna de um que estava mais próximo. Porém, ela não conseguiu desviar do terceiro, que a atingiu no pescoço, fazendo com que sangue se espalhasse pela entrada da casa. Seu corpo automaticamente se encostou na parede, escorregando lentamente até o chão, deixando o rastro da violência pela pintura creme da parede. Seu olhar estava distante, ela podia sentir sua vida escorrendo lentamente pela ferida em seu pescoço.
Aos poucos, uma sensação de leveza chegou até seu corpo, como se estivesse a ponto de levitar. Pela última vez, ela teve forças para olhar para seu marido, que a encarava com um olhar desolado, de despedida, e para sua filha, que fingia dormir naquele sofá. Por um momento, se arrependeu de ter se tornado o que era, mas, se sua vida tivesse sido diferente, nunca teria conhecido seu marido e, por consequência, nunca teria sua filha, fruto do amor de dois agentes jovens e apaixonados. E, no momento seguinte nada mais importava, nada mais restava. Apenas um corpo de uma mulher que, mesmo tendo 36 anos de idade, fora muito feliz, seu olhar distante e sem vida.
O homem, ao ver sua mulher agonizando até a morte em sua frente, não pensou duas vezes e revidou os tiros na direção dos invasores, sempre tomando cuidado com sua filha. A última coisa que ele queria era perder, além de sua mulher, sua filha. Em uma das saraivadas, conseguiu abater um dos brutamontes, o que havia matado sua mulher. Ele deu uma última olhada na menina e percebeu, por um momento rápido, que ela estava com os olhos bem abertos, vendo tudo que estava ocorrendo. Aquele momento foi o necessário para que um tiro atingisse o braço do agente, fazendo-o perder a força no braço, derrubando sua arma no chão. Um dos homens se aproximou do pai, pegando-o pelos cabelos curtos e obrigando-o a se ajoelhar. No momento em que o fato ocorreu, a criança fechou os olhos e voltou a fingir dormir.
— Vejam só, meus irmãos, eles têm uma cria… — Um dos homens se aproximou da garota e passou a mão levemente por sua panturrilha, por cima da manta. — Tão linda, não é? Seria uma pena deixá-la sem se divertir um pouco, não? — ele terminou de falar enquanto subia a mão para a coxa da garota.
— Não encoste na minha filha, seu desgraçado! — o pai gritou, tentando lutar contra o brutamontes que o segurava, mas sem sucesso. — Deixe-a longe disso, ela é apenas uma criança!
— Então é uma criança muito bonitinha, não é? — O homem começou a passar a mão pela cintura da garota, parando no ombro, local onde estava a barra da manta, e puxou-a, deixando o corpo delicado de à mostra. O homem se aproximou do ouvido da menina e disse: — Vamos, linda, levante. Sabemos que está acordada. — Dizendo isso, pegou a pequena por um de seus braços e fez com que ficasse ajoelhada na frente de seu pai, porém, deixando-a distante do pai.
— Irmão, que tal você se divertir um pouco com a linda? Afinal, você que descobriu onde eles moravam, tome-a como prêmio — falou o homem que segurava o pai de .
O brutamontes segurou a garota pelo pescoço e fez com que ela se levantasse. Foi, com a mão livre, para a blusa da garota, arrancando em um puxão. deu um grito, por conta do susto, e começou a chorar. O homem colocou a mão na boca dela, fazendo-a chorar em silêncio. Quando percebeu que estava mais calma, o homem retirou a mão de sua boca e começou a descer para a sua calça de moletom, repetindo o movimento de 5 minutos atrás e arrancando a calça da garota, deixando-a apenas de roupas íntimas.
Vendo o que ia acontecer em seguida, deu um chute nas partes baixas do homem, que se curvou de dor, soltando a menina, que saiu correndo em direção à porta, gritando por ajuda. Quando estava a menos de dois metros da porta de entrada, viu o corpo de sua mãe e do bandido que a matou, e segurou as lágrimas, continuando seu caminho. Porém, acabou escorregando no sangue que banhava o chão, sendo pega pelo mesmo homem que a pouco estava se contorcendo de dor perto do sofá. Ele pegou-a pelos braços, jogando-a bruscamente por cima de seus ombros, ignorando as tentativas de se livrar do aperto da pequena .
— Garota idiota, vou mostrar pra você o que acontece com quem mexe conosco — disse o homem, jogando a garota no sofá com força, fazendo-a sentir seu corpo inteiro doer. Ele se afastou minimamente e deu um forte tapa em sua cara, surgindo em seguida uma linha fina de sangue saindo do canto da boca. gritou de dor e voltou a chorar, dessa vez em silêncio. Ela tinha que fazer alguma coisa, não podia deixar fazerem aquilo com ela, principalmente com seu pai ao seu lado, olhando tudo o que acontecia, sem poder fazer nada.
começou, forte e desesperadamente, a gritar por socorro, em uma tentativa de um dos vizinhos ouvir e, quem sabe, chamar a polícia. Ela levou um forte tapa na cara novamente e finalmente ficou quieta. O homem segurou-a com uma mão, e com a outra, retirou o sutiã da garota. Ela olhou para o pai, como quem pedia desculpas, e viu que ele manteve sua cara séria, como se nada estivesse acontecendo. Foi naquele momento que ela se lembrou do que seu pai havia dito-lhe há alguns dias: “independentemente do que aconteça conosco, nunca deixe que nenhum ‘desconhecido’ veja o que você sente. Nas horas em que estamos desarmados, a indiferença é a melhor arma contra essas pessoas.”. Na mesma hora, parou de chorar, com certo esforço, e ficou com a mesma expressão séria de seu pai.
Ela continuou com a mesma expressão por muito tempo. não resmungou quando o homem fez o que quis com ela. Ela simplesmente ficou calada, sem demonstrar nenhuma reação ao que acontecia ao seu redor. Quando o homem colocou suas roupas novamente e a deixou jogada no sofá, já tinha a plena consciência de que seu fim estava próximo, então ela apenas ficou lá, parada, com sua cara de indiferença prevalecendo até o último minuto.
— Princesa, lembra-se do que eu te disse há alguns dias? Acrescente outra coisa: apenas os mais íntimos merecem a sua confiança e ver suas emoções mais profundas. Ah, não se esqueça de acabar com esses desgraçados por mim, sei que você consegue, gatinha. — Ele forçou o meio sorriso, tentando encorajá-la. Depois virou a cabeça para o brutamonte à sua frente. — Vamos, acabe logo com isso. Seja corajosa, , sei que você consegue. — E logo veio o tiro. Seu pai caiu no chão, morto, o sangue se espalhando rapidamente pelo tapete anteriormente cinza, sendo banhado de vermelho. se segurou para que suas lágrimas não fossem derramadas. Agora não tinha ninguém, sua família estava morta. Nunca se sentiu tão sozinha como naquele momento.
O homem, ao conferir que o pai havia realmente morrido, virou, com a arma em mãos, até , com o intuito de dar o mesmo destino à menina. Porém, foi impedido pelo som de sirenes de polícia, avisando que, em menos de 5 minutos, o bando estaria cercado. havia conseguido, alguém havia ouvido seus chamados, mas infelizmente era tarde demais para salvar seus pais.
— Merda — xingou o homem. — Me dê sua faca, irmão — pediu o homem, tendo sua ordem acatada. Aproximou-se de e fez apenas dois cortes. — Esse é para você nunca se esquecer do que fizemos com seus pais — disse, cortando seu peito, onde geralmente fica o coração. — E esse é para você lembrar que eu fui o primeiro que tive esse corpo só para mim. — Cortou logo abaixo de seu quadril. Fazendo isso, os dois homens arrombaram a porta dos fundos e fugiram, abandonando com seus pais, mortos, e o corpo de um dos membros do bando.
Depois daquele dia, nunca mais foi a mesma. A garota alegre, saltitante, amorosa e com pais, deu lugar à garota fria, calculista, desconfiada e órfã. Suas cicatrizes ficaram em seu corpo, ela não deixou que os médicos tentassem apagá-las. Elas eram um lembrete do dia em que seus pais foram brutalmente assassinados e do dia em que ela jurou a si mesma que, independentemente do perigo que corresse, nunca mais deixaria ninguém passar pelo mesmo que passou.



Continua...


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Nota da autora: Sem nota.

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