Revisada por: Hydra
Última Atualização: 24/11/2024Mas um trabalho novo onde grande parte das pessoas que transitam pelo local te conhecem fora da sua figura profissional, pode, não somente criar um frio na barriga, mas uma tempestade de vento.
Logo que entrei no prédio da Hybe fui recepcionada por Sanghyeon, que até onde eu sabia seria meu instrutor pelos próximos dias. Ele me mostraria tudo o que eu precisava saber sobre aquele prédio tão imponente, o novo luxo resultante de um trabalho árduo dos grupos que eram gerenciados pelas subsidiárias. Um deles, inclusive, era o grupo do meu fiel escudeiro e provedor do teto em que eu estava morando desde que retornei a Seul após passar no teste para ser parte do time de coreógrafos da Belift.
Não demorou muito entre as apresentações do lugar e a integração dentro de uma sala de reuniões iniciou. Sanghyeon era muito simpático, mas eu não deixaria de confessar que todo o seu falatório me deu tédio. Eu não era a única naquela sala escutando ele falar todas as recomendações — das quais também já não eram tão novidade assim.
— Você é familiar para mim. — quando ele anunciou uma pausa e saiu, escutei a voz serena da única mulher que dividia aquela sala comigo. Pela sua apresentação, eu sabia que ela era dançarina. Lore era seu nome artístico e ela contou que tinha vindo da Austrália.
Lore estava sentada do meu lado e me encarava muito curiosa com seus olhos bem redondos e azuis como os mares gregos. Seus dezenove anos anunciados brilhavam junto com suas irises claras.
— Deve ser os olhos. — disse como se o meu comentário fosse de tom muito sério. Afinal, era o traço comum na Ásia que todo mundo sempre fala, não era?
Vi ela engolir a seco com a minha resposta e se recostar de volta na cadeira.
Não estava sendo um dia ruim, mas eu não estava querendo muito papo com qualquer um. Estava bem concentrada em não causar péssimas impressões, jogar papo fora seria a última das minhas prioridades. Eu havia prometido a Mingyu que andaria na linha pelo menos no início, embora as pessoas vinculassem minha imagem a dele erroneamente.
Quando Sanghyeon voltou e finalizou o primeiro dia de integração, nos deixou livres para andar pelo prédio. No outro dia iriamos completar o último encontro para estarmos totalmente integrados à empresa e, assim, dar início ao nosso trabalho — cada um dentro de sua respectiva função; eu e mais dois homens seríamos coreógrafos, um deles da Ador e o outro na Pledis.
Demoraria, inclusive, para eu conseguir decorar exatamente quais eram as subsidiárias. E isso também não seria uma prioridade, desde que eu soubesse qual era a que meu contrato de trabalho pertencia.
Deixei os simpáticos colegas de trabalho para trás, ignorando qualquer chance de me enturmar. Ser individualista me fazia parecer uma pessoa fria e sozinha, mas, na verdade, eu só tinha uma certa seletividade mesmo. E neste primeiro dia eu estava totalmente concentrada em outra coisa — que era um pouco contraditório com a minha promessa ao meu melhor amigo.
A parte sobre andar na linha era por eu já conhecer muitos dos artistas que transitavam pela Hybe, haja visto que Kim Mingyu era meu melhor amigo de infância. Ele havia me pedido que eu tentasse o máximo possível ser discreta dentro do lugar que pagaria meu salário, ainda que não soubéssemos como seria o meu início. Eu já tinha noção de que fui contratada para ser coreógrafa de um grupo já em formação que a Belift tinha pretensão de lançar dali um ano. No mais, era só isso mesmo. O que ele queria de mim era que eu fosse menos… eu.
Menos extrovertida.
Mas como eu poderia ser menos “eu”, se eu estava embaixo do mesmo teto que uma pessoa da qual há algum tempo vinha se tornando motivo para atiçar minha competitividade?
Já dentro do elevador, coloquei a numeração do andar onde se concentrava a Pledis, subsidiária do grupo de Mingyu. Fora do radar de Sanghyeon e liberada por ele mesmo, eu não podia ir embora sem ver meu melhor amigo e os amigos que fiz graças a ele.
O corredor estava vazio, mas o som vindo da última sala — a qual eu julguei ser de ensaios de dança — preenchia todo o espaço. Caminhei tranquilamente até abrir a porta com cuidado, deixando apenas uma fresta para eu poder ver dentro. No meio daquele enorme espaço estava o grupo todo treinando uma coreografia. A sincronia deles era algo fora da realidade, completamente viciante e prazeroso de ver. E a cada passo que davam, eu me via mais dentro da sala.
Olhando de um a um, meus olhos caíram na figura de ombros largos e óculos de armação redonda, vestido com um conjunto de moletom da Adidas e uma touca para esconder os fios de cabelo que não haviam sido penteados por sua pressa. No canto, tentando não ser percebida, eu ri fraco com a imagem em minha mente: a lembrança perfeita de Wonwoo caindo da cama com o despertador tocando, completamente atordoado e um tanto sem rumo porque odiava se atrasar, simplesmente me fez perder a noção, fazendo com que eu batesse o pé na tomada e desligasse o aparelho de som.
Quem ainda não tinha me visto pelo reflexo no espelho e estava extremamente concentrado no treino, se virou com o susto. Mas ele, Jeon Wonwoo, decidiu me ignorar friamente.
Mesmo depois de ter passado a noite comigo e ter implorado para que eu não fosse embora.
Velhos hábitos pareciam não querer mudar de jeito nenhum.
— Bee! — Mingyu ralhou comigo, passando as mãos no rosto.
Dei de ombros, com uma feição de culpa.
— Chegou na melhor hora, eu precisava mesmo de um descanso. — Dino, se aproximando de onde eu estava para pegar água, sorriu para mim. Ele estava suado igual aos demais, mas muito mais ofegante. — Obrigada, noona.
Lhe dei um peteleco pelo honorífico usado e mostrei a língua.
— E aí, galera. — coloquei as mãos na cintura, fingindo naturalidade com meu sorriso “amarelo”. — Vim salvar quem precisa de socorro.
— Você não devia estar trabalhando? — Mingyu me encarou com tédio.
— Hoje foi apenas uma integração, amigo. — ignorei ele, olhando em volta. — É um novo comeback?
— Você, como melhor amiga do Mingyu, deveria saber mais. — Seungcheol brincou em um tom sério, completamente fingido, arqueando a sobrancelha.
— Ele não me conta as coisas interessantes da vida dele. Apenas sobre o quanto sente falta da italiana.
— Todos sentimos. — Seokmin gritou de algum lugar da sala.
Estavam todos dispersados pelo enorme metro quadrado, aproveitando a pausa forçada que eu lhes ofereci sem querer. Wonwoo, no lado oposto de onde eu estava, conversava alguma coisa com Hansol, sem esconder seu sorriso e empolgação — totalmente diferente do jeito que se comportou quando notou uma presença ali.
Às vezes eu me pegava pensando se valia mesmo a pena aguentar a sua forma controladora apenas para tê-lo em minha cama. E no fim, o pensamento sempre se perdia por eu me ver em completo vício. Afinal, eu não queria um relacionamento sério, não nessa fase da minha vida, então, ter o que eu tinha com Wonwoo não era de todo ruim. Era até divertido dividir essa relação sem rótulos com ele, quando tudo havia começado com duas pessoas não se suportando totalmente de graça, até cair nos encantos um do outro.
— Como foi a integração, MB? — Seungkwan, tão conversador que era, se aproximou de mim, fazendo com que meu foco voltasse a ser ignorar Wonwoo e sua indiferença.
— Chata. Muita falação. — massageei as têmporas. — Sou uma pessoa da prática e não da teoria.
— Certamente. — ele riu fraco. — E se você aproveitar que está aqui e não perder a viagem treinando com a gente? — sugeriu com uma expectativa visível.
— Treinar o que?
— Tiro ao alvo, . — revirou os olhos para mim. — É claro que tô falando da nossa coreografia.
— Ah… Eu preciso comer alguma coisa… — engoli a seco e percebi a presença de Mingyu ao meu lado, inventando alguma desculpa. — E o Mingyu surtaria se eu ficasse aqui. Parece que ele não gosta muito de um crossover dos dois mundos dele.
— Mas aí a gente faz como sempre: ignora o Mingyu.
— Vocês ainda irão sentir muito a minha falta. — um Mingyu bicudo e de braços cruzados se encostou em mim, apoiando o queixo em meu ombro (mesmo que para isso tenha se curvado e muito, devido sua altura). Embora ele tivesse dificuldades em definir a razão de tanto desconforto em me ver perto de seus amigos de grupo, ele ainda era muito carinhoso comigo.
— Se nem o Wonwoo aguentou morar com você por tanto tempo, quem de nós irá sentir sua falta?
Mesmo que a maioria estivesse em locais diferentes, quase todos riram com o comentário ácido de Seungkwan. No geral, Mingyu era sempre o alvo de brincadeiras dos outros, até porque ele não revidava e isso era algo genuíno dele e eu lembrava de um Kim Mingyu exatamente ainda criança. Nós nos conhecíamos desde a barriga de nossas mães, então era pouco provável que existisse algo sobre ele que eu não soubesse e vice-versa.
— Falando em Wonwoo. — Dino, ainda perto de nós, pareceu se lembrar de algo e logo o encontrou. — Você pode ir com ele comprar lámen. O hyung está devendo para todos nós porque perdeu na dinâmica do Going Seventeen hoje.
— E o que eu tenho a ver com isso? — foi a primeira coisa que respondi, sentindo Mingyu se endireitar atrás de mim.
— Você disse que precisa comer. A gente também. É uma coincidência. — Jeonghan, chegando de algum canto que eu não notei, me encurralou. — Para comemorarmos sua integração.
— Então não deveria ser o contrário? Vocês trazerem comida para mim?
— Não. Aqui as coisas não funcionam muito bem assim. Você interrompeu nosso ensaio. Nada mais justo…
— Você é péssimo, Jeonghan! — dei um leve empurrão no ombro dele. — Eu vou sozinha. É só lámen que vocês querem?
— Nem pensar. Wonwoo perdeu, ele deve pagar.
Encarei Jeonghan com o olhar semicerrado, percebendo que não teria muita chance contra ele, até porque sua carta na manga de “mais velho” iria ser mais relevante do que a minha boa vontade.
Em pouco tempo, Wonwoo estava próximo de nós.
— Só porque eu sou um cara legal. — Jeonghan estendeu a chave do carro e cartão dele para mim. — Pode usar o meu.
Respirei fundo e peguei os dois, assentindo. Às vezes, os costumes tradicionais me enchiam demais a paciência.
— Mandem no Kakao os pedidos. — disse em um tom de voz mais alto para todos ouvirem e segui em direção a porta, sem esperar pelo outro.
Se ele queria fazer parecer que eu não existia, eu também poderia fazer parecer que não me importava com a existência dele tanto quanto — e eu de fato pouco me importava; a questão do comportamento de Wonwoo era a sua hipocrisia em fingir que eu não era nada, quando na verdade ele clamava e muito por meu nome.
Seu jogo era sujo e eu gostava de jogar ele.
Com as minhas peças, porém.
Dentro do elevador, em completo silêncio, eu sabia que ele devia estar esperando que eu fosse dar o primeiro passo. Dizer a primeira palavra, começar com a provocação. Mas a indiferença também era uma das coisas que me fazem ser quem eu sou e me deixava completamente irritada ele não se lembrar disso, devo confessar. Já nos conhecíamos há bastante tempo para ele se fazer de desentendido. E, embora, o ambiente fosse bem propício para a nossa tensão sempre acumulada, eu me controlei como sabia fazer de melhor.
Uma vez dentro da garagem, escutei seus passos atrás de mim, usando do meu melhor tom provocativo ao andar. Nem sempre era difícil jogar contra ele, só bastava eu ser eu que iria irritá-lo e, contraditoriamente, isso fazia com que Wonwoo não encontrasse saída a não ser por me tocar, me beijar, fazer tudo e mais um pouco comigo.
Não me orgulho, mas não me sinto nem um pouco inferior por isso.
Parei em um ponto específico para apertar o alarme e encontrar o carro de Jeonghan, e foi nesse instante, com o braço erguido que senti um solavanco em meu corpo. Fui completamente empurrada com as costas para a pilastra gelada e sua boca diretamente de encontro com a minha, num beijo muito nosso. Completamente meu e dele.
Jamais teria explicação.
Quando ele se afastou, mas com o rosto totalmente próximo ao meu, eu ainda conseguia sentir sua respiração. Os lábios inchados e vermelhos em resultado do nosso beijo abriram o sorriso mais traiçoeiro que ele escondia. Jeon Wonwoo podia enganar qualquer um, menos a mim. E por isso, por esse traço dele que parecia ser apenas entregue para mim, eu não me importava de ser apenas sua inimiga com benefícios. Soava muito mais interessante do que ser o tipo de amiga troféu.
— Eu estava guardando esse para hoje a noite. — ele disse e eu ri fraco.
— Você nunca consegue guardar nada perto de mim. Talvez devesse tentar melhorar. — me desvencilhei de seu aperto, olhando para o carro de Jeonghan. — E agora que vamos trabalhar no mesmo lugar, duvido que consiga, neném.
Deixei um beijo em seus lábios, apertando seu rosto com uma mão apenas, antes de me afastar completamente e seguir em direção ao veículo.
Era sempre apenas questão de tempo. Wonwoo um momento ou outro não resistiria.
Ele era o jogador mais fraco de seu jogo.