Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 07/04/2025.— Sabe, Rosana, meu avô veio de Portugal há muito tempo, em busca de uma vida melhor aqui no Brasil. Ele chegou, com nada além da roupa do corpo e um sonho: ficar rico. Mesmo nunca tendo plantado uma muda de café na vida, ele conheceu um fazendeiro aqui em São Paulo que o deu um trabalho e o acolheu. Logo, seu bisavô já era dono das próprias terras, terras estas que, com o trabalho duro dele, prosperaram e passaram para as mãos do meu pai, que depois passou para mim e um dia, quem sabe, se você merecer…
A menina, que tinha os cabelos presos por uma maria Chiquinha, respondeu sorridente:
— Não se preocupe, papai, vou fazer por merecer!
— Eu sei que vai, minha filha. Mas é muita responsabilidade, porque agora ela é muito mais do que uma fazenda: um negócio. Pessoas do Brasil inteiro, e até de outros países, tomam o café feito com os grãos saídos daqui e moídos nas minhas inúmeras fábricas espalhadas por aí.
Os olhos da garotinha se arregalaram em admiração.
— As pessoas de outros países também tomam café, papai?
O empresário passou as mãos pelos cabelos cobertos de gel, enquanto deixava escapar uma risada.
— Claro que sim, minha filha! Bom, em alguns lugares menos, em outros mais. Contudo, posso te garantir que quem experimenta o nosso café, nunca mais quer saber de outro!
—- Porque o nosso é o melhor! — a pequena exclamou, se agarrando às pernas do pai.
— Isso mesmo, minha menina! Quem sabe se você me provar seu valor, eu não te dou a chance de me mostrar que consegue continuar produzindo?
Desde aquela época, tudo que Rosana desejava era deixar o pai orgulhoso, afinal, mesmo ele não admitindo, no fundo, era evidente que o empresário queria muito ter tido um filho homem para cuidar dos negócios. Um pensamento que a aborrecia, mas deixava passar, afinal, sabia que a mente teimosa e irredutível do grande Gumercindo Pereira estava presa no século dezenove.
Apesar do patriarca nunca ter negado a possibilidade de passar o negócio da família para as mãos de Rosana, a jovem sempre teve que trabalhar duro a fim de mostrar sua capacidade. Na adolescência, ela passava os finais de semana ajudando na plantação da maneira que podia, fosse colhendo, regando, e sempre perguntava no que mais poderia ser útil. Quando completou dezessete, seu pai deixou que se tornasse responsável por uma das fábricas e o acordo era: Se a fábrica em questão dobrasse a produção e o faturamento em um mês, ele pagaria para Rosana um curso de administração em Harvard, faculdade esta para a qual ela havia entrado, e, quando ela voltasse, teria seu lugar na presidência.
A jovem deu seu máximo para fazer a fábrica funcionar a todo vapor, mas, mesmo assim, seus pés teimavam em tremer enquanto entrava no escritório de seu pai.
— Ah, Rosana, minha filha, você chegou! Pode se sentar.
Sentindo o coração bater descontrolado, a jovem, de maneira tímida, obedeceu, enquanto segurava sua planilha.
— Muito bem, minha filha. Como você sabe, esse mês eu fiquei muito apertado — começou Gumercindo, gesticulando as mãos como de costume.
— É, eu sei, pai. O senhor teve que cuidar de negócios no exterior e dar atenção a Angélica.
A pequena e doce Angélica havia nascido muitos anos depois de Rosana, era uma menina adorável.
— Sim, não é fácil para ela crescer sem uma mãe.
Infelizmente, a vida de Angélica havia custado a vida de dona Maria de Socorro, conhecida como a primeira-dama do café. A aspirante a empresária possuía inúmeras boas lembranças com a mãe, por exemplo, uma vez em que ela demitiu uma empregada porque o filho da mulher havia puxado o cabelo de sua preciosa Rosana, ou quando a filha contava sobre seu sonho de um dia assumir a fazenda, sua mãe sempre um chá e uma palavra de incentivo.
— Filha, tenho certeza de que você vai conseguir! Continue sonhando grande!
A garotinha ria, enquanto se aconchegava no abraço da matriarca da família.
Desde a morte da mãe, Rosana, mesmo sendo uma pré-adolescente, colocou como meta para si mesma: se tornar uma empresária tão boa quanto seu pai, ou até melhor. Um caminho que se tornou muito mais difícil com a ausência de Maria do Socorro, porém Rosana precisava ser forte, pelo seu sonho e por sua irmãzinha, Angélica, sem culpa alguma do acontecido.
— Eu sei, e está fazendo um ótimo trabalho — elogiou, na tentativa de amolecer
aquele coração duro. — Mas eu trouxe aqui as planilhas com os resultados da fábrica no tempo em que ela ficou sob minha responsabilidade.
Com as mãos trêmulas, a garota colocou a pasta na mesa do mesmo jeito que um aluno entrega aquela prova impossível de matemática sem saber o resultado.
O barulho do passar das páginas e o olhar concentrado de Gumercindo sob as folhas faziam a jovem sentir como se o tempo tivesse parado. Mesmo batendo os pés, na tentativa de se distrair, seu olhar continuava concentrado, tentando decifrar, através da ruga na testa do pai, o que passava em sua mente.
Depois do que, na sua perspectiva, foram horas, o empresário suspirou, antes de começar a falar:
— Rosana. — Sua voz saiu fria, mas isso não significava nada, já que era seu tom de voz habitual. Outra vez ela tentou encontrar alguma pista de seu futuro nas feições de Gumercindo, mas, para seu azar, o pai era muito bom em esconder as emoções. Um réu em julgamento provavelmente estaria menos nervoso.
— Sim, pai! — soltou, de maneira automática.
O neto de fazendeiro a fitou por alguns segundos, antes de continuar:
— Você não dobrou o faturamento como tínhamos combinado.
A jovem engoliu seco. Sua voz saiu trêmula e fraca quando indagou.
— Não?
— Não. Você simplesmente o triplicou.
A fala sem expressão foi o suficiente para fazer um sorriso surgir nos lábios de Rosana, e ela não fez questão de esconder.
— É sério? — Ela puxou a pasta das mãos do pai sem pensar em mais nada.
— Devo dizer que estou impressionado, nem eu consegui tamanho feito quando tinha a sua idade. Para ser sincero, a primeira vez em que dobrei o faturamento da pequena fazenda do meu pai, eu tinha vinte e oito anos. Você, minha filha, é uma potência.
Nada era mais satisfatório para Rosana do que ouvir um elogio saindo da boca de seu pai, afinal, esse evento era mais raro do que um eclipse.
Como combinado, a herdeira arrumou suas malas e, passados quatro anos, se formou com louvor em uma das faculdades mais renomadas do mundo.
Ao retornar para o Brasil, sua mente estava aberta, cheia de novas ideias para modernizar a empresa e a fazer lucrar ainda mais. Certa noite, ela decidiu compartilhá-las com seu pai.
Em meio a uma sala escura, com nada além da luz de um data show brilhando, a garota expunha seu ponto de vista com confiança.
— Resumindo, no dia de hoje, as pessoas estão precisando mais de ficar bêbadas do que acordadas. Por isso, expandir nossa gama de produtos e investir em vinhos colocaria nossa empresa em outro nível — afirmou, antes de acender as luzes e encarar o pai com nervosismo.
Gumercindo fitou a filha de cima a baixo como se ela tivesse acabado de fazer algo errado e ele estivesse pensando no melhor castigo. Rosana já estava acostumada a esse olhar, por isso ainda mantinha esperanças de que sua ideia poderia ganhar a aprovação do empresário.
— Minha filha, você sabe que o consumo de café no Brasil ainda é muito maior do que o de vinho, não é? E que para investir na plantação de uvas teríamos que adquirir algumas terras específicas no Sul e isso custaria dinheiro — começou o patriarca, fazendo a garganta de Rosana coçar em nervoso.
— Eu estou ciente de tudo isso, meu pai. Mas, se você consultar os dados, o mercado de vinhos está crescendo atualmente. Pensa bem. O café é algo que as pessoas relacionam a ficar acordadas, para trabalharem. Já o vinho, se relaciona ao momento de lazer, descanso. Essa é a visão que eu gostaria de trazer. Além de que os vinhos são mais caros, tendo a chance de um lucro ainda maior. — Ela se calou, enquanto observava o pai cruzar os braços, sem esboçar nenhuma reação.
— É o seguinte, Rosana. — Gumercindo pigarreou. — Meu avô, o seu bisavô, como você sabe, veio de Portugal sem nunca ter visto uma muda de café na vida, mas ele se esforçou, deu a sorte de encontrar um patrão generoso e aprendeu como produzir o melhor café deste país. O que eu quero dizer é: O café sempre foi a nossa marca, a tradição da nossa família. Seu bisavô reviraria no túmulo com a ideia de começarmos a investir em outro produto.
Rosana abaixou a cabeça, não gostando do rumo que a fala do pai estava tomando.
— Porém…
Os olhos da garota se levantaram outra vez, em esperança.
— Mesmo sendo difícil de acreditar, eu não sou tão cabeça dura como ele. Por isso, vou te dar uma chance.
Sem acreditar, a jovem suspirou aliviada.
— Sério, pai?
— Sim. Eu te mandei para uma das melhores faculdades do mundo, é hora de eu ver se meu investimento valeu a pena. É o seguinte: Eu estava mesmo querendo tirar umas férias daquele lugar, sabe como é? Durante um mês, eu vou te nomear presidente interina. Você poderá elaborar esse seu projeto dos vinhos melhor e apresentar aos acionistas. Se convencê-los e os custos não forem tão exorbitantes, eu vou te deixar na presidência permanentemente.
O sorriso no rosto de Rosana brilhava em euforia.
— Muito obrigada, pai! Não vai se arrepender!
— Porém, se os acionistas não aprovarem dentro de um mês, eu tomo o controle de volta, pois meu investimento terá sido em vão. Estamos entendidos?
A jovem de cabelos castanhos ondulados engoliu seco, ela sabia que o pai não estava blefando, pois era um homem de palavras. Aquela era a chance que sempre desejou. Se tivesse sucesso, seu sonho de assumir os negócios da família se tornaria realidade, mas se falhasse, este estaria arruinado para sempre. O que fazer? Como havia aprendido com seus antepassados e com o pai, a vida era feita de riscos.
— Certo, eu aceito!
Dias depois, lá estava ela, prestes a apresentar o projeto aos acionistas da empresa. Gumercindo dizia que eles eram como lobos, sempre esperando o momento certo para atacar sua presa. Porém, Rosana não se intimidava, afinal, aquele grupo de engravatados não iria ficar em seu caminho.
Contudo, ela não podia evitar sentir um certo frio na barriga. Era a primeira vez que falaria na frente de tantas pessoas importantes e, além do mais, seu maior sonho estava em risco. O corretivo abaixo dos olhos disfarçava as olheiras, resultado de noites em claro, na companhia de livros sobre vinhos e negócios. Foram dias de trabalho duro, onde em sua cabeça não havia espaço para mais nada. O resultado estava ali na sua frente, os slides que havia montado tão cuidadosamente, cada letra, cada palavra, calculados milimetricamente para convencer os acionistas de que aquele era o melhor caminho.
Além das olheiras, outro resultado das madrugadas em claro eram seus constantes bocejos, estes resolvidos com um copo de café. Enquanto revisava o trabalho de sua vida, Rosana deu um gole na bebida, porém quase a cuspiu quando viu um erro drástico de ortografia logo na introdução.
— Ah, meus Deus, como deixei isso passar depois de tantas revisões?
Ela olhou a hora, faltavam cinco minutos para a reunião que definiria seu destino. Apressada, ela começou a digitar ao mesmo tempo em que bebia o café. O tempo estava contra ela, precisava revisar os slides pela última vez o mais rápido possível. Enquanto digitava e engolia o café, apressada, não percebeu quando sua mão esbarrou no copo e todo o líquido quente caiu no teclado de seu computador, fazendo seu trabalho desaparecer.
— Ai, não, que droga, não faz isso comigo!
Desesperada, sentindo o coração sair pela boca, Rosana começou a apertar as teclas ininterruptamente, porém era inútil, seu computador havia morrido.
— Seu café estúpido, por isso mesmo quero investir em outros produtos além de você! — berrou, jogando o copo assassino no lixo.
Devastada, Rosana abaixou a cabeça, tentando disfarçar as lágrimas que, em alguns segundos, escorreram por sua bochecha. Seu sonho, tudo pelo qual havia trabalho a vida inteira, sua chance, arruinada pela falta de um computador e por um estúpido copo de café. Quanta ironia.
Perdida em sua tristeza, ela nem queria ir à reunião, não permitiria que os acionistas a vissem derrotada daquela forma. O jeito era voltar para casa e encarar o sermão de seu pai…
Porém, quando ela estava prestes a fazer um movimento de desistência, uma voz masculina suave atingiu seus ouvidos.
— Signorina, stai bene?
O sotaque estrangeiro a fez levantar a cabeça e se deparar com um desconhecido, mas belo rosto sorridente.
A jovem, ao longo de sua adolescência, nunca teve muito tempo para ir às festas, paquerar e tentar encontrar alguém, afinal, estava concentrada demais em provar ao seu pai que era capaz de assumir a empresa algum dia, uma missão quase impossível. Nos Estados Unidos, ela até conheceu alguns garotos interessantes na faculdade, mas nenhum que a fizesse se encantar como aquele homem misterioso havia feito em apenas um segundo.
A aspirante a empresária precisou de alguns segundos para se recompor e tentar formular uma frase decente sem se distrair com a visão do paraíso.
— É… sim eu estou bem, quer dizer, não. — Admitiu, de alguma forma sentindo confiança no estranho angelical.
— O que aconteceu, signorina? — Ele olhou fundo nos seus olhos, como se pudesse ler sua alma.
Após a segunda fala, Rosana conseguiu identificar que seu sotaque era italiano.
— Bom, eu desastrada do jeito que sou, acabei derrubando café e estragando o meu computador. Tinha algo muito importante nele, que claro, eu salvei na nuvem, mas não tem outro… tem como porque não tem outro… — A cabeça da herdeira ainda se encontrava tonta por tanta beleza.
— Conputatore en la oficina?
Rosana arregalou os olhos confusos.
— Oficina? Mas não dá tempo…
O estranho angelical deu uma risada charmosa, parecendo exibir sua voz sexy.
— Me dispiace, sino qui in Brasile ha poco tempo, non parlo partoguesse molto bene. Credo, que chi si chiama sala di riunione.
— Ah, sim. Nossa, eu já devo estar atrasada, mas não importa, sem a minha apresentação…
— Segnorina, scusa, ma mio padre sempre dice che non importa como facciamo algo, ma come facciamo, capito. A questão da união é importante. Va! O resto se resolverá.
As palavras do estranho eram gentis e, como em um passe de mágica, deram a Rosana o incentivo que ela precisava. Quem diria que a vida traria um consolo através de um italiano gato. Ela realmente estava animada para começar a frequentar o escritório, assim teria a chance de conseguir seu telefone.
– Tem razão. Eu vou conseguir!
— Isso, segnorina!
— Obrigada, quer dizer, grazie! Preciso ir. — Ela correu, ainda se perguntando quem era o charme em pessoa e como o seu pai não a havia falado de um italiano novo no escritório? Ainda mais ele sendo tão atraente!
Depois de uma passada no banheiro para se recompor, Rosana entrou na sala de reuniões com as bochechas coradas pelos olhares voltados a ela. Um deles em particular chamou a atenção. O italiano que era a razão para estar ali a encarava, exibindo o mesmo sorriso hipnotizante de alguns minutos atrás. Como assim? Ele era parte do comitê avaliador? Definitivamente ela precisava ter uma conversa com o senhor Gumercindo.
— Me dispiace… Digo, me desculpem pelo atraso, eu tive um pequeno problema.
— Sabe o quanto prezamos pela pontualidade, senhorita Rosana — repreendeu um dos acionistas mais velhos, provavelmente pensando que Gumercindo deveria estar louco por ter dado uma chance.
A garota engoliu em seco, pelo visto não havia causado uma incrível primeira impressão, como desejava.
— Eu sei e prometo que não irá se repetir.
— Muito bem, então vamos começar logo para não perdermos mais tempo — comentou um outro membro do comitê com idade para ser seu avô.
— Certo. É, muito bem, senhores. Hoje vou falar sobre uma proposta capaz de mudar o futuro dessa empresa para melhor…
Por sorte, a jovem batalhadora havia ensaiado tanto que sabia a apresentação de cor e salteado. Assim sendo, expôs seus argumentos sem precisar de nenhum slide. Os acionistas a encaravam atentos, mas não esboçaram nenhuma reação.
Ignorando a revolução que acontecia em sua barriga e as pernas trêmulas, Rosana concluiu sua apresentação sem gaguejar uma única vez e com um sorriso orgulhoso no rosto. Como queria que seu pai estivesse ali.
— Muito bem, senhores, era o que eu tinha para falar. Espero que considerem a ideia, afinal, investindo no vinho, tenho certeza de que essa empresa crescerá ainda mais. Obrigada.
O membro mais antigo do comitê a encarou de cima a baixo, quase fazendo com que a torrada que havia tomado de café da manhã voltasse ali mesmo.
O coração de Rosana batia forte como se ela estivesse no meio de um julgamento. Bom, não deixava de ser, afinal, aqueles homens velhos e carrancudos, que, por algum motivo, possuíam a confiança de seu pai, julgariam se ela realizaria o seu sonho ou não.
Para a surpresa de Rosana, antes da votação, o italiano misterioso se pronunciou, erguendo o braço.
— Sim, Matteo, o que quer falar? — indagou o membro mais velho, cruzando os braços e revelando o nome do galã: Matteo.
— Sì signore. Bom, é Rosana, non é? A senhorina non ha trazido ninguno dado relevante, solo ha parlato sobre il vino, non preocupou em trazer uma presentazione.
Rosana quis voar em seu pescoço. Como alguém tão bonito podia ser tão cafajeste? Ele sabia muito bem o que havia acontecido, como teve coragem de a expor dessa forma? Ainda mais depois de tê-la encorajado e dado forças para estar ali. Pelo jeito, aquele italiano não era angelical e sim “maledeto”.
— Segnori — continuou Matteo, sem nem ter a coragem de a olhar nos olhos como havia feito antes. — l caffè è una tradizione di questa compagnia e di questo paese. Iniziano a produrre il vino, tutto esso si perderá. Anche, I giovanne non beven tanto vino. Um dado que li outro dia em um artigo, ma que la signorina no há trago e deveria tê-lo acrescentado, afinal, signori, os geovanes son importante consumitori, ainda mais considerando que entram todos os giornos nel mercado de trabalho.
Rosana sentiu sua voz sair fraca ao rebater:
— Sim, mas, como eu disse, às pessoas com mais de 40 ainda são…
Contudo, antes que ela pudesse terminar seu raciocínio, o italiano continuou, a interrompendo de forma grosseira.
— Posso essere qui a poco tempo, ma Io valorizzo la tradizione e il mercato giovanne. Scusa, ma la tua proposta non è buona. In verità, è una piada, como dizem aqui.
A jovem nunca havia se sentido tão humilhada em toda a sua vida, nem mesmo quando trabalhava nas fazendas como uma simples empregada.
Tudo piorou quando a maioria dos acionistas votou contra seu projeto. Provavelmente influenciados pela fala do italiano maldito de olhos brilhantes.
Depois da contação dos votos, o chefe dos acionistas cruzou as pernas e deu a sentença:
— Eu sinto muito, Rosana, mas seu projeto foi negado.
Rosana engoliu seco, vendo seu sonho escapar de seus dedos por causa de um italiano maldito com um sorriso perfeito.
Tentando conter as lágrimas Rosana correu para o lugar mais confortável daquela empresa, a copa, onde havia a velha máquina de café que os funcionários usavam antes da abertura da lanchonete. Sem pensar muito, ela pegou um pequeno copo e o mexeu com a bebida da qual ela queria se orar.
— E café, parece que você venceu…
Enquanto ela sentia o quente da bebida descer por sua garganta, escutou uma voz familiar.
— Io sinto muito signorina, ma il yup projeto non era buono — afirmou Matteo, antes de continuar. — Ma saiba que non é nada pessoal.
Lutando para não se perder naquela voz sedutora, Rosana deu um suspiro, enquanto se lembrava de que quando alguém atacava o trabalho de sua vida, era, sim, pessoal.
— Matteo, não é? — começou, se aproximando do italiano de cabelo impecável. — Bom, já que gosta tanto de café, porque não toma um pouco?
Em um impulso, ela virou o copo em sua mão em cima do cabelo de Matteo, que, segundos depois, estava ensopado pela bebida quente.
— Também não é nada pessoal! — zombou.
Antes de conseguir ouvir as reclamações em italiano, a herdeira saiu pisando forte e não se preocupando em esconder a feição zangada.
A herdeira entrou em casa batendo a porta e se jogando no sofá sem cumprimentar ninguém. Como Rosana era sempre gentil e alegre, logo até mesmo Gumercindo estranhou o comportamento da filha.
— Boa tarde, Rosana! — exclamou, tirando os olhos de seu jornal.
A garota deu um suspiro, enquanto estava colocava os pés sob a mesa de centro da sala.
— Rosana, o papai já cansou de falar que não gosta que coloquemos o pé aí. Geralmente sou eu quem faço isso. O que deu em você, minha irmã? — O tom inocente de Angélica sempre fazia seu coração se acalmar.
— Me desculpe, meu docinho — Rosana começou, envolvendo a irmãzinha em seus braços. — É que a apresentação do meu projeto não saiu como eu esperava… Ele não foi aprovado — declarou, já aguardando o olhar fuzilante do pai. Contudo, em vez de julgá-la, ele continuou lendo seu jornal. — Pai, como o senhor não me disse que no comitê avaliador teria um italiano cabeça dura e grosseiro?
Gumercindo, mais uma vez, desviou o olhar das folhas que segurava para encarar a filha.
— Grosseiro?
— Tudo estava indo bem — declarou, ocultando a parte do problema com o computador. — Eu apresentei minha proposta e todos os acionistas pareciam interessados, até aquele italiano de olhos brilhantes pedir a palavra e estragar tudo.
— Olhos brilhantes? — Angélica cruzou as pernas, se aproximando curiosa.
Percebendo o erro, Rosana sentiu sua bochecha queimar. Droga, sua irmãzinha não deixava passar nada.
— Esquece o que eu falei, docinho. Enfim, você tinha que ter me contado sobre a presença de um novo acionista. Afinal, quem é ele?
Gumercindo murmurou algumas palavras para si mesmo, enquanto largava seu jornal na mesa para começar a explicar.
— Matteo chegou de surpresa há apenas alguns dias, exigindo seu lugar de diretor acionista. Eu não pude recusar.
— Mas como assim? Aquele italiano parece ser um pé rapado.
— Mas tem olhos brilhantes — zombou Angélica.
— Docinho, os adultos estão conversando — reprimiu a herdeira.
— Odeio quando me trata feito criança. — Angélica cruzou os braços.
— Mas o nosso cinema ainda está de pé?
Em meio a cara emburrada, a adolescente abriu um sorriso. A tradicional ida ao cinema de toda sexta com sua irmãzinha era um momento muito especial para Rosana, e naquela noite em especial seria bom tentar se distrair, não só por causa do projeto, mas também para tentar tirar um certo par de olhos brilhantes de sua mente.
— Está, sim!
Angélica exibiu um belo sorriso, antes de subir para o seu quarto, deixando os adultos a sós.
— O Matteo é filho de um antigo amigo meu, Bartollo, que faleceu há pouco. Agora ele veio assumir o lugar do pai como acionista.
Rosana ouvia atenta. O pai já havia relatado da temporada que passou na Itália, mas nunca dessa forma. Ela nem sabia sobre esse suposto melhor amigo.
— Mas eu não entendo, por que o filho do seu amigo italiano tem direito a ser acionista da nossa empresa?
Gumercindo suspirou, enquanto tirava os óculos.
— Porque o Bartollo não era só o meu amigo, era também meu sócio — revelou, fazendo Rosana arregalar os olhos.
— Como é? O senhor teve um sócio?
— Foi há muito tempo, antes de você nascer. Eu tinha acabado de assumir a fazenda do seu avô, mas, na época, por mais que ele tivesse me ensinando, eu não tinha segurança para cuidar de um negócio, por isso decidi passar uma temporada na Itália. Lá, eu conheci o Bartollo, um jovem que trabalhava em um mercadinho e queria crescer. A namorada tinha acabado de descobrir que estava grávida. Ele se ofereceu para me ajudar. Eu o trouxe para o Brasil e juntos nós expandimos a empresa. Tudo ia bem, até que brigamos feio. Você não se lembra, porque era bebê.
— E qual foi o motivo da briga?
— Eu descobri que ele estava me roubando, pegando dinheiro da empresa sem eu saber. O coloquei para fora no mesmo instante — revelou, não escondendo a dor que as lembranças o causavam.
— Que horror! E o senhor vai deixar o filho dele na nossa empresa? — Rosana levantou o tom de voz, indignada.
— Minha filha, o Bartollo nunca mais tinha dado notícias. Agora esse filho apareceu. O Italiano ameaçou ir à justiça se eu não o fizesse, ele tem provas de que o pai foi responsável por ajudar no crescimento da empresa. Ou era isso, ou teríamos que ceder metade do nosso patrimônio para aquela família maldita.
— Tudo bem. Você tem razão.
— Ótimo, então eu não quero mais saber de você jogando café nele.
Rosana arregalou os olhos incrédulos.
— O quê? Como o senhor…?
— Eu sei de tudo que se passa na minha empresa, Rosana, já devia saber disso. Eu estou decepcionado. Jogar café em um dos acionistas, mesmo que na copa da empresa, não é atitude de uma presidente, mas, sim, de uma criança mimada. Eu esperava mais de você, Rosana. Não investi em Havard para isso — declarou.
Rosana queria explicar que o italiano maldito era um traidor, que segundos antes da reunião a havia encorajado para depois humilhá-la diante de todos os outros acionistas. Queria gritar que se em seu lugar estivesse o filho homem que Gumercindo tanto queria, ele não teria dito aquelas palavras tão duras e já teria o nomeado presidente de forma permanente, mas em nome de seu futuro, guardou todas essas queixas para si mesma, se limitando a responder:
— Certo, me desculpe, pai. Não vai mais acontecer.
— Assim espero. Porque, caso contrário, não poderei mais confiar a presidência a você.
Rosana cruzou os braços, enquanto mentalmente amaldiçoava aquele italiano charmoso que havia arruinado sua vida.
Em meio ao cheiro de pipoca, Rosana tentava se distrair encarando os cartazes pendurados no cinema do shopping. Havia alguns títulos interessantes, uma nova comédia romântica que ela estava louca para assistir, contudo Angélica havia optado pelo filme da Youtuber da qual era fã.
Rosana não gostava de contrariar a irmãzinha, que já havia sofrido tanto crescendo sem uma mãe e com um pai frio. Além do mais, comédias românticas eram bobagens que só serviam para iludir as garotas, já que os homens da realidade eram todos uns traidores, chegavam de mansinho com seus sorrisos hipnotizantes e palavras de encorajamento, para depois apunhalar pelas costas. E não, ela não estava falando de ninguém em a particular, pelo menos era o que repetia para si mesma.
— Ai, a fila está muito grande. Desse jeito, vamos perder o começo do filme. E eu ainda quero pipoca — reclamou Angélica.
— Fica calma, docinho. Vamos fazer o seguinte, você vai comprar as pipocas, e eu fico aqui na fila dos ingressos, pode ser?
— Jura que não vai comprar os ingressos para aquela comédia romântica boa que você queria ver em vez do filme da Lisa Belinha?
Rosana riu.
— Eu juro, pode ir!
— Você é a melhor do mundo! — A pequena abraçou a irmã mais velha.
Rosana jogou um beijo de longe, enquanto a irmã caminhava em direção ao balcão de lanches.
A fila realmente estava longa, mas, depois de alguns minutos, Rosana finalmente era a próxima. Mas então um homem alto e de cabelos marrons entrou na sua frente. Que grosseria. Era só o que faltava, e a situação ficou ainda pior quando ela conheceu a voz do fura fila.
— Um ingresso para Lisa Belinha, per favore.
— Então quer dizer que, além de arruinar projetos alheios, você também é fura fila?
Matteo olhou para trás, reconhecendo a voz.
— Buona sera, signorina Rosana! — Sua voz saiu fria, enquanto ele lutava para não dar um sorriso, afinal, mesmo sendo irritada e impulsiva, Mateo precisava admitir que a jovem tinha seu charme.
— Não me venha com essa. Primeiro você me humilha na frente dos outros acionistas, fazendo meu projeto ser negado, e agora ainda passa na minha frente no cinema? — Ela cruzou os braços.
Mateo pediu licença à moça do caixa e caminhou até a garota de cabelos castanhos e olhos cristalinos.
— E o que a signorina vai fazer? Jogar pipoca em mim como jogou café? — indagou, perto o suficiente para que ela pudesse sentir sua respiração.
— Não é uma má ideia.
— Para a sua informacione, Io no furei la fila, eu já estava qui, ma tive que atender o telefone e pedi à gentil moça do caixa para guardare il mio lugar.
— É verdade — a moça confirmou do balcão, pelo visto escutando a conversa, o que não era muito difícil, considerando o volume da voz angelical do italiano marrento.
Rosana suspirou em desânimo.
— Tudo bem, vai lá terminar de comprar o seu ingresso, não quero mais problemas.
— Grazie. Io também no.
Contudo, antes que Mateo pudesse se encaminhar de volta à bilheteria, Angélica retornou curiosa…
— Rosana, que gritaria foi essa? Eu consegui escutar lá do balcão. Ah, quem é o seu amigo?
— Angélica, ele não é meu amigo.
— Piacere. Tu sei una bella ragazzina.
A herdeira caçula arregalou os olhos confusos, enquanto colocava um pouco de pipoca na boca.
— Ragazzina, o que é isso?
— Significa menininha, minha irmã — explicou Rosana, de maneira paciente.
— Ah, sim. Mas eu já sou uma pré-adolescente.
A fala fez os dois adultos caírem na risada
— Ecco, mi dispiace! Io sono Matteo, molto piacere!
— Prazer… espera, Matteo? Rosana, por acaso esse é o italiano de olhos brilhantes de quem você falou?
A herdeira mais velha sentiu as bochechas corarem e uma vontade imensa de desaparecer.
— O quê? De onde você tirou isso, Angélica? — A voz de Rosana saiu em tom de ameaça. — Crianças, elas têm cada uma.
— Já disse que não sou criança e não inventei nada, essas foram as suas exatas palavras.
Matteo caiu na risada com a discussão das duas irmãs e no fundo ficou contente de saber que Rosana achava seus olhos brilhantes, afinal, o italiano pensava o mesmo da garota que tinha jogado café em sua cabeça mais cedo, não podia negar.
— Certo, e agora que vocês já se conhecem, deixa o Matteo comprar o ingresso dele, está bem?
— Espera, ele está sozinho? Cadê a sua namorada?
Foi a vez de Matteo corar, enquanto colocava as mãos no bolso, pensando em como responder a pergunta indiscreta.
— Io non ho una namorata, segnorina.
— Sério, bonito desse jeito?
— A senhora me acha bello? — indagou Matteo.
— Claro, e a Rosana também. Não é, Rosana?
Ao chegar em casa, com certeza a jovem teria uma longa conversa com sua irmãzinha sobre discrição e comportamentos constrangedores.
— Muito bem, Matteo. Se puder ir logo, o nosso filme já vai começar.
— Ecco.
— Espera, pelo visto você não vai ter tempo de comprar pipoca. Quer um pouco da nossa? — Angélica esticou o pote em suas mãos.
— Non. Grazie, signorina. — Que filme você vai assistir?
Matteo demorou um pouco para dar a resposta.
— Lisa Belinha.
— Não brinca! A gente também. Quer dizer, a Rosana queria assistir uma comédia romântica chata e melosa, mas eu a convenci. Ah, eu tive uma ideia. Por que vocês dois não compram os ingressos juntos, e o Matteo senta com a gente, já que ele está sozinho?
Outra vez, Rosana quis esganar a irmãzinha.
— Eu não sei se o Matteo vai querer, Angélica.
— Ah, por favor. Vai ser legal ter alguém que veio assistir ao mesmo filme que eu por vontade própria do meu lado para variar. O que me diz, Matteo?
Matteo suspirou, vendo que não havia outra opção. Ele não podia desapontar Angélica, até porque ela o lembrava muito de sua própria irmã. O problema seria ficar perto de Rosana por tanto tempo. Quando viu a garota pela primeira vez na empresa, ele sentiu seu coração bater mais forte desde o divórcio. Com seus cabelos marrons ondulados presos em um rabo de cavalo e seus olhos azuis cristalinos, a jovem chamou sua atenção, por isso, quando a viu de cabeça baixa, foi até lá oferecer sua ajuda. Mesmo que ela tenha sido grossa depois, e ele tenha passado a tarde tentando tirar todo o café do cabelo, o italiano não podia negar que, de certa forma, se sentia atraído por ela. Porém, Rosana havia deixado bem claro que o odiava. Matteo não queria ter falado mal do projeto dela, mas precisava defender seus interesses, mesmo que isso custasse a oportunidade de conhecer a garota melhor e de afastá-la para sempre.
Contudo, lá estavam os dois, prestes a entrarem na mesma sala de cinema, acompanhados da irmãzinha dela. Talvez ele tivesse a chance de mostrar a Rosana que não era o carrasco que havia humilhado mais cedo.
Assim, os jovens caminharam em direção à bilheteria e pediram três ingressos. Ambos tiraram a carteira no mesmo instante.
— Per favore signorina.
— Não, imagina, eu trouxe dinheiro para isso.
— Rosana, per favore, me deixa fazer isso, é o mínimo depois de hoje.
Novamente, a herdeira mais velha conseguiu enxergar gentileza nos olhos brilhantes do italiano.
— Tudo bem, mas é a última vez.
— Cierto.
— Até porque duvido que iremos ao cinema juntos de novo, não é?
Matteo sentiu uma dor em seu peito quando as palavras de Rosana ecoaram em seus ouvidos.
— Ecco — Ele colocou um sorriso falso nos lábios.
Enquanto caminhavam para a sala, Rosana pensava em como era estranha a sensação de ter mais alguém na tradicional sessão de cinema, até porque sempre haviam sido só ela e Angélica por tanto tempo. Bom, a jovem tinha certeza de que se sua mãe estivesse viva, estaria ali também, mas como infelizmente não era o caso, ela quem se encarregava de garantir à caçula momentos de diversão com uma figura feminina.
— La tua Sorella é uma graça! — Matteo interrompeu seus pensamentos.
— A Angélica é um doce de menina, e você gosta do mesmo filme que ela — provocou, fazendo o italiano dar uma risada.
— Ecco, mas eu ainda acho Lisa Belinha melhor do que comédias românticas. — Matteo cruzou os braços, devolvendo a brincadeira na mesma medida.
— Não me surpreende que você não goste, afinal, para apreciar um belo romance, é preciso ter sensibilidade, algo que pelo jeito você não tem. Como chamou meu projeto mesmo? Ah é, uma piada.
Matteo suspirou cansado.
— Ma Io ho olhos brilhante, non e vero? — provocou, fazendo o coração de Rosana sair pela boca.
—- Você é mesmo muito abusado. — Rosana torceu para que ele não reparasse em suas mãos trêmulas.
— Cierto. Já vi que a signorina não vai me perdoar tão cedo, mesmo oi tendo dito que não era nada pessoal. Ma será que podemos assistir a esse filme em paz, pela tua sorella?
Rosana pensou, enquanto mexia nos cabelos. Uma forma inconsciente de exibir seus cachos para o italiano de olhos brilhantes que estava ao seu lado, mas se alguém perguntasse, ela nunca iria admitir que ainda se sentia atraída por ele.
— Tudo bem, temos um acordo! — A herdeira esticou as mãos
— Ótimo! — Matteo a cumprimentou, sem saber que um simples toque de mão era capaz de fazer os pelos de seu corpo se arrepiarem por inteiro.
A sala de cinema, como esperado, estava lotada por meninas da idade de Angélica ansiosas por ver o filme da Lisa Belinha. Em meio às fileiras, os três encontraram seus assentos. Antes de mais nada e com medo de ficar ao lado de Matteo por duas horas, Rosana foi logo indagando:
— Angélica, você quer se sentar no meio? — Ela lançou um olhar discreto para a irmã que dizia: Por favor, aceite.
Contudo, a pré-adolescente, em vez de concordar, exibiu um sorriso malicioso antes de responder.
— Rosana, você sabe que eu me dou melhor no canto e você vem sempre comigo. Hoje quero ficar perto só do Matteo!
Pela quinta vez naquela noite, ela quis esganar a garotinha de cabelos negros, que parecia fazer de propósito.
A herdeira mais velha então, vendo que não teria escolha, deu um longo suspiro.
— Tudo bem, como você quiser… — Sua feição, todavia, mostrava que teriam uma longa conversa quando chegassem em casa.
Assim, ela sentou ao lado do italiano maldito que havia destruído seus sonhos mais cedo, mas tinha um sorriso angelical e olhos brilhantes, ela não podia negar.
— Eu acho que ela faz de propósito — cochichou para Matteo, enquanto sentia o cheiro de café que ainda estava impregnado em seu cabelo.
— O que, signorina? — Matteo a encarou de volta, enquanto comia um pouco da pipoca oferecida por Angélica.
— Ela sabe que não te suporto e por isso me fez sentar ao seu lado. — Ela cruzou os braços. —Droga, eu quero um pouco de pipoca também e vai ser difícil pegar.
— Non seja por isso, signorina Rosana.
Matteo enfiou a mão no pote de Angélica e, apenas alguns segundos depois, estendeu o punhado de pipoca em direção a Rosana.
— Aqui está.
Outra vez, Matteo exibiu sua gentileza, quase a fazendo se esquecer da humilhação que a havia feito passar mais cedo, contudo Rosana não era assim de ceder tão fácil, até porque seu sonho valia muito mais do que dois ingressos para cinema e um punhado de pipoca.
Com receio, Rosana esticou as mãos, as fazendo se tocarem às de Matteo. Suas mãos eram quentes e macias. Por alguns segundos, ela imaginou como seria passar aquelas duas horas sentindo todo aquele calor, mas logo voltou a si e depois pegou as pipocas de maneira lenta
— Grazie — cochichou, não disfarçando o sorriso.
— Non ha de que, signorina.
— Por favor, para com esse negócio de signorina. Não sei, parece coisa do século passado. Me chama só de Rosana, eu prefiro.
Foi a vez dos lábios de Matteo se levantarem em alegria. Talvez não fosse tão impossível derreter aquele coração de gelo afinal.
— Cierto, só Rosana. Eu gosto, é um nome bem bonito.
O poder que o italiano tinha de fazer suas bochechas queimarem se mostrava cada vez mais infalível.
— Minha mãe escolheu quando eu nasci, ela era louca por rosas! — exclamou, enquanto se deliciava com as lembranças da mãe a levando para passear no jardim e ver todas as flores que desabrochavam sob suas cuidadosas mãos.
— Que bello e dove stai la tua mamma?
Rosana sentiu uma pontada no peito com a pergunta.
— Ela… se foi, quando eu era bem novinha — a garota de cabelos castanhos se limitou a responder.
Matteo arregalou os olhos, enquanto fitava os tão belos, mas tristes de Rosana. Pelo visto, falar da mãe era um assunto bem doloroso, ele podia imaginar o que a jovem ao seu lado havia sofrido. Perder seu pai foi a maior dor que sentiu em toda a vida. De alguma forma, ele se identificava não somente pela perda de Bartolomeu, mas também porque sua mãe, Leonora, e a irmãzinha, Paola, haviam ficado na Itália, e queria consolá-la, afinal, por algum motivo, não suportava ver aqueles lindos e hipnotizantes olhos verdes daquele jeito. Não, queria vê-los alegres, em uma festa ou quem sabe depois de um beijo apaixonado… Agora ele estava sonhando demais,
— Io sento, Rosana, Io Non sapevo.
— Tudo bem. Obrigada. Mas e os seus pais?
— Mio padre no estai mas e tre Noi…
— Eu estou sabendo… e sinto muito — afirmou, se lembrando das revelações de seu pai.
Matteo arregalou os olhos e lançou um olhar malicioso que era bastante sedutor.
— Grazie, no ha sido facile, ma então lá segno… quer dizer, tu já pergontato de me por aí?
Rosana gaguejou.
—- Eu… Bom, não vá se achando, italiano. Mas e o resto da sua família?
— Se han quedado en Italia — afirmou, nem sequer lembrando da tela à frente.
— Nossa, deve sentir muita falta deles.
— Si io sento molta falta della mia mama e de la mia sorellina. In Verità Io Io ho escolhido questo film perché mia sorella is gostar…
Rosana ouvia admirada. Mesmo com apenas duas frases, dava para perceber o quanto Matteo se importava com seus entes queridos e o quanto sofria por estar longe deles. De certa forma, esse lado família do italiano era fofo. Por um instante, ela se sentiu mal por ter zombado de sua escolha.
— Mas se todos estão lá, por que você veio para o Brasil?
Matteo suspirou, tentando afastar as lembranças de Giuliana chorando enquanto arrancava o anel de seus dedos. Vê-la partir fez seu coração doer e sua vida parecer sem sentido, afinal era louco pela esposa, mas esta preferiu deixá-lo por uma aventura…
— Tudo que Io poso desire é que eu precisava de um recomeço…
Contudo, antes que Rosana pudesse responder, Angélica virou para o lado com uma cara fechada.
— Ei, vocês dois, eu estou tentando prestar atenção no filme aqui.
A fala fez Matteo e Rosana caírem na risada de uma maneira leve.
Matteo a encarou fascinado, pensando há quanto tempo não ria daquela maneira. Angélica era uma garota doce, que o lembrava sua irmãzinha de diversas maneiras, e Rosana, essa ainda era um mistério, mas um mistério que ele teria um enorme prazer em desvendar.
— Mi dispiace, bella ragazza, vamos a guardare il film, non è, Rosana? — O italiano pegou mais um punhado de pipoca.
A garota o fitou de uma maneira diferente, parecendo enxergar novamente o homem gentil que a havia incentivado mais cedo, não alguém que arruinou seu sonho, e, por algum motivo, as luzes dos olhos de Matteo pareciam ainda mais reluzentes em meio à escuridão.
— Ecco! — ela afirmou, gastando o pouco que conhecia da língua italiana. Mesmo sempre tendo gostado de viajar, a garota nunca havia se interessado em aprendê-la, mas, naquele momento, tudo que mais desejava era ser fluente.
“Seu projeto é uma piada. Non é buono.” Por causa daquelas palavras, que machucavam mais do que qualquer corte feito por uma tesoura de podar, seu sonho estava arruinado como projeto negado. A garota de cabelos castanhos ondulados não tinha ideia de qual seria seu futuro na empresa. O que seu pai diria? Será que o grande senhor Gumercindo Pereira ainda consideraria passar seu cargo de maneira permanente para ela depois de tudo? Se tivesse nascido homem, Rosana nem mesmo estaria tendo essa dúvida. Era horrível pensar que, mesmo no século vinte e um, ela, como mulher, ainda precisava provar sua capacidade até mesmo para o próprio pai.
— E você, Rosana, o que achou do filme? — O sorriso inocente de Angélica a fez voltar ao momento presente.
— Ah, sabe como é, não é tão ruim quanto eu pensei! — A jovem direcionou seu olhar para Matteo, não escondendo um sorriso tímido.
O italiano correspondeu, pensando o mesmo. Rosana não era a garota grosseira que o havia ensopado de café mais cedo, era cuidadosa, ótima irmã mais velha e uma mulher muito interessante, cheia de camadas, camadas essas que Matteo queria muito desvendar.
— Ainda bem que você prestou atenção no filme e não nos olhos brilhantes do Matteo! — provocou a pré-adolescente, fazendo Rosanna sentir as bochechas corarem pela vigésima vez naquela noite.
— Angélica! — Rosana repreendeu, em um cochicho.
— Que foi? Não briga comigo, eu só estou repetindo as suas próprias palavras.
A audácia da garotinha com a irmã mais velha fez o italiano cair na risada.
— Aliás, vocês dois, quando quiserem conversar, façam o favor de marcarem um encontro e não atrapalhar parte do meu filme — provocou Angélica, fazendo os dois adultos se encararem de maneira tímida, como dois adolescentes.
— Ma noi due ficamo quieto dopo que você chamou a nossa atenção! — argumentou Matteo.
— É verdade. Eu gostei muito da sua companhia, Matteo, não sei porque minha irmã reclamou tanto de você, até porque, pelo jeito, gostou de sentar ao seu lado até mais do que eu.
Definitivamente, Angélica precisava de uma aula sobre discrição e como agir em situações constrangedoras. Não era possível que uma pré-adolescente pudesse ser tão atrevida e deixou uma jovem na casa dos vinte tão envergonhada diante de um homem sedutor. Ela precisava deixar tudo claro para que não houvessem mal-entendidos.
— É, Angélica, eu quero muito um sorvete, por que você não vai lá comprar para mim?
— Você nem gosta de sorvete. Podia ter pensado em uma desculpa melhor para ficar a sós com o Matteo, né? Eu só vou, porque você vai acabar me dando a casquinha inteira mesmo. Comportem-se. Posso ser novinha, mas estou de olho — ameaçou a jovem, antes de sair.
Rosana sentiu seu coração explodindo no peito. Pela segunda vez naquele dia, lá estava ela, de frente para o italiano de olhos brilhantes que a havia dado coragem depois do incidente com o computador, apenas para minutos depois a humilhar e acabar com todas as suas esperanças.
— A Angélica é assim mesmo, mas ela gostou de você! Então, eu te agradeço por ser ton gentil com ela.
— Non a de que, sua sorrela é adorável mesmo que non tenha papas na língua, como vocês dizem aqui!
A jovem arregalou os olhos de surpresa.
— Nossa, para quem chegou há pouco tempo, até que você conhece algumas gírias da língua portuguesa — provocou, se aproximando.
— Io ho estudado il portuguese antes de vir para cá. Sabe, meu pai sempre me contava que trabalhava no Brasil, me contava histórias dele e do seu pai.
Rosana cruzou os braços, impressionada em como aquele italiano era cheio de mistérios.
— Então, você sabe quem eu sou?
— Sim, meu pai sempre falava que il signore Gumercindo tinha uma filha chamada Rosana, e quando os acionistas falaram o seu nome, eu sabia que era você. Só non sabia que era ton bella — o italiano sussurrou a última parte, fazendo Rosana sentir novamente arrepios por todo corpo. Ela estava acostumada a ser elogiada por todo tipo de homem, afinal, frequentou algumas festas na faculdade e seu pai sempre a levava para as comemorações da empresa, onde os filhos de funcionários muitas vezes a teciam elogios, porém nunca nenhum deles havia causado o que ela estava sentindo naquele momento.
Por um instante, ela se pegou imaginando como seria mergulhar naqueles lábios perfeitos que mais pareciam uma obra de arte, ou sentir aquele cheiro de café impregnado naquele cabelo mais de perto. Não, ela estava fora de si, não podia se deixar levar tão facilmente por elogios e encantos de um italiano charmoso, ainda mais quando este havia destruído seu sonho e difamado o projeto de sua vida na frente dos acionistas da empresa que um dia seria sua. Sem contar as revelações de seu pai sobre a família do italiano…
Ela precisava manter o foco. Matteo era desprezível, um destruidor de metas e de projetos alheios. Rosana jamais poderia se esquecer disso, mesmo que aquele arruinador viesse em uma embalagem tão irresistível.
— Seu italiano atrevido, acha mesmo que esses elogios vão me fazer esquecer do que fez?
Matteo não podia acreditar, realmente Rosana era osso duro de roer. Que garota teimosa, mas tão irritantemente linda.
— Io só estava sendo gentil, mas você só sabe reclamar e jogar pedras em mim — retrucou Matteo.
— Ah, eu que jogo pedras em você? Você chamou o projeto da minha vida de piada.
— Ma dio santo! Esquece isso.
— Você é mesmo um insensível. Em pensar que eu te agradeci por ser gentil com a Angélica, mas eu acho que esse cinema foi um erro. — Io também acho.
Os dois cruzaram os braços como duas crianças, ao mesmo tempo em que Angélica retornou com uma colher de sorvete de baunilha na boca.
— Como eu sabia que você ia me dar, eu já economizei tempo… Ah não, vocês brigaram de novo. Pelo amor de Deus, nem as pessoas da minha sala fazem isso.
— Vamos embora, Angélica. Não temos mais nada que fazer aqui! Buona sera! — Rosana puxou a irmã antes que ela pudesse se despedir de Matteo.
— O que foi, Rosana? Eu ia convidar o Matteo para jantar lá em casa amanhã. Ele é legal e você também gosta dele que eu sei!
— Não, eu não gosto, e aquele italiano é maledeto.
— O quê?
— Quer dizer que ele não é boa gente. Agora vamos logo antes que o papai fique preocupado, e não conte nada disso pra ele, promete?
— Por que não?
Rosana suspirou. Se Gumercindo, que prezava tanto pelo profissionalismo, soubesse do ocorrido, aí sim as chances de Rosana estariam arruinadas de vez.
— Você não entenderia, é assunto de adulto.
Angélica cruzou os braços, emburrada.
— Já disse que odeio quando me trata feito criança, mas tudo bem, eu mantenho segredo por você!
— Obrigada, vamos, vamos!
Rosana puxou a irmã para fora do shopping, se amaldiçoando por ter escolhido aquele cinema, afinal, em vez de se distrair com a irmãzinha, estava voltando para casa com mais um problema, e o pior é que o “problema” em questão tinha uma obra de arte no lugar da boca.
Matteo abriu a porta de seu pequeno apartamento no Brasil, onde se deparou com uma sala vazia. Seu coração se apertou ao lembrar de que na Itália esse cenário era bem diferente. Quando voltava do trabalho no bar, sentia o cheiro do café feito na hora por sua mãe, Dona Leonora, com a ajuda da nora, Giuliana l, enquanto seu pai, Bartollo, o esperava para conversar sobre as principais notícias do dia, assunto este muito entediante aos olhos de sua irmãzinha, Paola. Esta, impaciente, puxava a blusa do irmão mais velho, o chamando para brincar.
Sua casa, na pequena vila italiana, era bem modesta, afinal seu pai havia perdido tudo que havia conseguido trazer do Brasil em um investimento fracassado. De todo modo, eles podiam não ter muito dinheiro, mas amor era algo em abundância naquela família.
Agora, Matteo até podia ter conseguido uma boa posição como acionista de uma das maiores empresas de café do Brasil, mas se sentia sozinho.
A morte trágica de seu pai era um momento que sempre voltava à sua mente como uma sombra.
Na época, Bartolo estava apavorado, mesmo anos depois de ter voltado do Brasil, expulso por seu melhor amigo. Este, por um mal entendido, pensou ter sido enganado, mas a verdade era que Bartollo nunca havia roubado um pão qualquer em toda a sua vida.
Em uma última esperança de tentar se reerguer novamente, o chefe da família investiu o pouco que restava em um pequeno negócio de massas, com a ajuda da esposa Leonora, uma cozinheira de mão cheia. Este durou bastante tempo. Contudo, por dívidas de aluguel e a concorrência de grandes redes que estavam chegando até mesmo nas grandes cidades, eles acabaram falindo. Em um ato de desespero e para evitar ver sua família em extrema necessidade, Bartollo teve uma atitude inconsequente e impulsiva, por mais que Matteo e Leonora o aconselharam ao contrário, afinal eles podiam ajudar da forma que fosse. O salário de Matteo na época não era muito, mas era o suficiente para evitar o pior. Todavia, o chefe da família teimoso e orgulhoso, não queria dar o braço a torcer e admitir que havia falhado. Além do mais, Matteo era casado e, segundo Bartollo, o filho precisava se preocupar com a esposa e os filhos que poderiam vir. Ele sabia que Matteo estava juntando o pouco que ganhava para comprar uma casa própria, onde poderia viver com Giuliana e construir sua própria família, não era justo que seu filho pagasse por seus erros.
O italiano então fez um empréstimo com quem não devia. Claro, essas pessoas maldosas cobraram o preço. Começou com pequenas ameaças escritas na porta de entrada da casa, depois Bartolo chegava em casa pingando sangue do rosto devido a inúmeras surras, até que, por fim, em uma emboscada, os mafiosos malditos tiraram a vida de seu pai. A verdadeira razão da morte de Bartollo permaneceu um mistério na vizinhança. Ele tinha vergonha de sua situação, por isso, antes de morrer com uma bala na barriga e mal conseguindo respirar, ele pediu que inventassem qualquer história, mas não revelassem a verdade.
Matteo se lembrava perfeitamente das últimas palavras do pai.
— Matteo, filho mio, scuta. — Bartollo segurou as mãos do filho em despedida. — Io ho fatto uma besteira e agora eles também podem vir atrás de você. Mas você tem uma chance filho mio. In Brasille, na empresa de mio amico Gumercindo.
Na época, Matteo não podia nem ouvir falar aquele nome, afinal, em sua mente, o ex-sócio brasileiro era indiretamente culpado por toda aquela situação. Mesmo sendo uma criança, ele se lembrava de como o pai havia partido em busca de um futuro melhor, ficou transtornado quando retornou e demorou anos para se reerguer.
— Non, Io no vo atrás de quelo maledito.
— Perfafire, figlio mio — continuou, com dificuldades de respirar. — Acha mesmo que questa desgraça há finito com me? Non, Io conosco quella gente, vão vir atrás de vocês. Non vai dinero para ir todo mundo. Tua mama e tua Paolla puoden quedare a casa de mia sorella em Roma, estarão seguras. Tu e a tua Giuliana van, você tem direito, figlio mio. Anchor, Brasille é um belo lugar e a chance de um recomeço!
Matteo sentiu o coração apertar com a ideia de ficar longe de sua mãe e sua irmã. Perder o pai já não era o suficiente? A família sempre foi tudo para ele e agora estava desabando sobre sua cabeça. Contudo, seu pai estava certo, o jovem também conhecia a “maledita” máfia, sabia que não os deixariam em paz.
— Tá bene. Io volto para buscar vocês. Bom, pelo menos Io tere la mia Giuliana ao meu lado. — Pensou consigo mesmo, sem imaginar que sua amada não iria para o Brasil.
Agora, lá estava ele, voltando de uma sessão de cinema, na companhia da filha daquele que julgava ser o responsável pela ruína de sua vida. E o pior era que a filha mais velha tinha lábios irresistíveis.
Claro, o acionista estrangeiro ainda não havia esquecido sua Giuliana, afinal ela foi seu primeiro e único amor desde a adolescência, porém, quando viu Rosana a primeira vez, brigando com o computador, uma sensação diferente tomou conta do seu corpo. Sentiu que tinha vindo ao Brasil e entrado naquela empresa só para encontrá-la. Mesmo com a magia em seu peito e o coração fechado para o amor, a jovem de cabelos castanhos ondulados atraiu seu olhar como um anzol, e seu temperamento forte então…
De certa forma, ele se arrependia de ter sido tão duro com o projeto de Rosana, afinal, tinha visto seu desespero e nervosismo antes da apresentação. Além do mais, já havia dado para perceber que ela trabalhava duro por uma chance e merecia tê-la. Droga, mesmo que Matteo fosse contra a ideia de investir em novos produtos, não tinha direito de humilhar uma mulher daquela forma, ainda mais uma que, à primeira vista, havia feito seu coração bater mais forte.
Entretanto, agora era tarde demais. Rosana nunca o perdoaria, por mais que odiasse admitir, e sabia que tinha merecido levar o copo de café em seu cabelo. Droga, por quê?
Mesmo tendo o sangue do assassino indireto de seu pai, ela tinha que ser tão atraente? Deus, como só de entregar pipoca em suas mãos ele sentiu o corpo inteiro se arrepiar?
Em uma tentativa de esfriar a cabeça, Matteo se deitou no sofá e acabou adormecendo, mas naquela noite sonhou com uma certa pessoa de cabelos castanhos ondulados.
Por sempre estar muito ocupada, tentando provar seu valor ao senhor Gumercindo, a garota de cabelos castanhos ondulados nunca teve muito tempo para ir às festas ou conhecer alguém. Porém isso não significava que, no fundo, ela não quisesse saber qual a sensação de sentir seu peito pular ao olhar para alguém, ou experimentar o gosto de um beijo de amor verdadeiro, vindo de alguém que a desejasse em seus braços mais do que tudo.
Por um tempo, esses desejos, antes considerados por ela infantis, ficaram guardados em sua mente e em seu coração, em um local que a aspirante a empresária raramente acessava, mas, desde que conheceu Matteo, naquela manhã, era como se essa mesma parte que a garota lutou tanto tempo para esconder, por considerá-la fraca, tivesse se rebelado e quisesse tomar o controle sobre suas ações. Porém, mesmo que a aventureira dentro dela quisesse mergulhar fundo nessa nova emoção, o seu lado racional a dizia para parar, afinal, uma vez que cedesse aos encantos do italiano, a filha mais velha de Gumercindo temia que não houvesse mais volta.
— Terra para Rosana, você vai ler a história para eu dormir ou não? — Angélica arrancou a irmã de seus pensamentos intrusos.
Mesmo já sendo uma pré-adolescente de treze anos, Angélica fazia questão de que Rosana lesse uma história antes de dormir todas as noites. Por ter crescido sem a mãe, a herdeira mais nova tinha em Rosana uma figura materna em quem sentia segurança, e, mesmo crescida, a pequena gostava de manter as boas tradições. As histórias antes de dormir e o beijo de boa noite vindo da irmã mais velha eram algumas delas.
— Me desculpa, docinho, eu estava longe, mas agora estou aqui! — Rosana aconchegou a irmã em seus braços.
— Sei muito bem onde estava. Com um certo italiano charmoso… — provocou.
Ao mesmo tempo em que gostava de manter tradições consideradas infantis por alguns, Angélica também se mostrava muitas vezes mais madura do que a maioria das garotas de sua idade, por essa razão, Rosana tinha dificuldades em esconder seus sentimentos da irmã, o que, às vezes, era uma benção e uma maldição.
— Esquece esse assunto, eu já disse que o Matteo não é uma boa pessoa. Eu não gosto dele!
— Não foi o que pareceu quando vocês estavam conversando no cinema. Eu vi como estava hipnotizada. Para dizer a verdade, irmã, eu nunca te vi tão feliz como quando estava com ele.
Por mais que não quisesse admitir, Rosana sabia que a irmã estava certa. Sua vida se resumia a tentar impressionar Gumercindo, trabalhar na fazenda e cuidar de Angélica. Não que estivesse reclamando, mas sua rotina era sempre a mesma, monótona, nada de diferente acontecia há tempos, além da apresentação do projeto. As sessões de cinema com Angélica, por mais que a jovem apreciasse a companhia da irmã, sempre a quase faziam cair no sono, afinal os filmes eram sempre escolhidos pela garota de treze anos.
Naquele dia, depois de tempos, algo balançou suas estruturas, e esse algo tinha nome e lábios sedutores. Ao pensar no italiano, a herdeira mais velha sentia uma vontade imensa de fazer uma loucura, largar tudo para o alto e viver essa nova emoção que havia chegado tão de repente e se instalado em seu peito de forma avassaladora.
O que estava dizendo? Ela andava assistindo muitas comédias românticas. A vida real não era assim. Ela possuía sua vida, a empresa, Angélica, não podia nem sequer pensar em largar tudo por um italiano de quem não sabia nada, ou melhor, sabia que ele era filho de um ladrão e arruinador de projetos. Isso ela nunca poderia esquecer, por isso teve que se esforçar para não sorrir ao se lembrar das mãos de Matteo tocando as suas ao entregá-la um punhado de pipoca.
— Ah, minha irmã, você está enxergando demais. Eu só estava tentando ser educada, afinal você inventou de chamar o “maledito” para sentar com a gente. Eu não queria brigas no meio da nossa sessão de cinema.
— É, mas logo depois vocês estavam brigando de novo. Parece até aqueles casais dos filmes que você gosta, onde os protagonistas vivem brigando, mas, no fundo, são apaixonados um pelo outro.
Rosana sentiu as bochechas corarem, visto que realmente uma das razões para ela ter brigado com o italiano enquanto ela ia pegar o sorvete foi justamente o fato de Matteo a ter elogiado. “Bella”. Rosana já havia recebido inúmeras mensagens com declarações melosas de amor nos tempos da faculdade, tantas que se tornaram irrelevantes. Contudo, uma simples palavra saída daquela boca italiana perfeita era o suficiente para fazê-la se derreter por dentro para abalar suas estruturas de uma forma inédita.
— Eu preciso parar de te mostrar esses filmes. Melhor você continuar assistindo Lisa Belinha para não ter ideias erradas na cabeça. O Matteo foi cruel comigo, me humilhou na frente dos acionistas.
— Mas ele tem olhos brilhantes...
Rosana suspirou, enquanto brincava com os cabelos da irmã.
— Você não vai me deixar esquecer disso, não é?
— Não, não vou!
— Então, minha irmã. Eu sei que você está acostumada a assistir e ler contos de fadas, onde os homens lindos e de olhos brilhantes são príncipes encantados perfeitos, que se apaixonam à primeira vista pela princesa. Mas, na vida real, esses homens bonitos usam essa beleza para enganar as mulheres. Eles fazem promessas, são legais com as irmãs delas, mas é tudo até conseguirem o que querem…
Angélica ergueu a sobrancelha de forma curiosa, enquanto abraçava o travesseiro.
— E o que eles querem?
Rosana, na mesma hora, percebeu o erro que havia cometido. Não podia contar à sua irmãzinha de treze anos o que acontecia em um quarto, e em outros lugares criativos, entre duas pessoas que se amavam. Angélica, por mais sagaz que fosse, ainda era muito nova para ter “a conversa”.
— Um beijo. — Sua voz saiu em um impulso.
— Ah, não, não me enrola, Rosana. Eu só tava te testando, mas sei muito bem que é mais que isso.
Rosana jogou o travesseiro na irmã, a repreendendo.
— Angélica, você é muito nova para esse tipo de assunto, mocinha. Essas meninas de hoje são impossíveis.
— Ah, Rosana. Eu já aprendi sobre isso na escola há muito tempo. Tenho treze anos. Você que precisa parar de me tratar como uma criança, mas eu sei muito bem o que é se…
— Chega! Não fala. — Rosana tampou os ouvidos, horrorizada com a ideia de ouvir tal palavra sair da boca inocente de sua irmã caçula. — Prometo que, quando for a hora, vou ter uma conversa com você para explicar tudo, mas agora…
— Combinado. Só me responde uma pergunta?
— Claro.
— Isso que os adultos fazem, você sabe, dentro de um quarto… que você não quer que eu fale... Você gostaria de fazer com o Matteo?
Dessa vez, não apenas as bochechas, mas o rosto inteiro de Rosana se tornou um pimentão. A resposta? Obviamente era sim, mesmo com as revelações de seu pai e a humilhação na empresa, ela não conseguia deixar de imaginar como seria um beijo do italiano. Será que a levaria aos céus? Será que se ele beijasse seu pescoço e algumas outras partes ela saberia o que era ser amada de verdade? No que estava pensando? O conhecia apenas há um dia! Ela lembrou a si mesma, recuperando a razão.
— Já falei! Isso não é assunto para alguém da sua idade. Além do mais, amanhã você tem escola, chega de conversa e vamos ler logo essa história para a senhorita dormir.
Angélica cruzou os braços em reclamação.
— Tudo bem, mas não pense que vai escapar dessa conversa…
A herdeira mais velha engoliu seco antes de pegar o livro na cabeceira e tentar se concentrar na leitura, mas sem sucesso, visto que um certo italiano pelo visto não deixaria sua mente em paz tão cedo.
Matteo engolia o pão de maneira rápida, enquanto seus dedos deslizavam sob a tela para saber as notícias do dia. O gosto salgado do pão de sal comprado na padaria no dia anterior o fazia sentir saudade do café da manhã doce de casa.
Por mais que Brasil e Itália fossem semelhantes em alguns aspectos, alguns se diferenciavam bastante quando falávamos de cultura, e o café da manhã era um deles. Matteo não entendia por que alguém iria comer algo salgado no café da manhã, logo depois de acordar, afinal, como sua mãe sempre dizia, um doce para começar o dia sempre é bom. Contudo, ele queria experimentar os costumes locais para se enturmar e ser respeitado como um acionista de uma empresa importante do Brasil, ele devia isso à memória de seu pai, à dona Leonora e à pequena Paola, estas o aguardavam ansiosas, com boas notícias. Matteo não podia deixá-las na mão, precisava mostrar que era capaz de ajudar sua família, mesmo sem seu pai e sem sua Giuliana… a única mulher que tinha amado a vida toda, desde a adolescência.
A lembrança de tê-la em seus braços durante as festas locais ainda era uma tortura de certa forma. Seus braços pareciam ter sido feitos para os dele, e na época ele pensava que os dois ficariam juntos para sempre, mas estava enganado. Agora ele passava os dias se perguntando se algum dia alguma mulher seria capaz de fazê-lo se apaixonar de novo. Bom, essa resposta talvez estivesse mais perto do que ele pensava, considerando as recentes interações com uma certa garota mal humorada de cabelos castanhos cacheados. Não, ele precisava se concentrar, não era hora de pensar em Rosana e em como seus cabelos caiam perfeitamente sob os ombros, ou como seu sorriso era maravilhoso enquanto estava se divertindo. Hoje era dia de missão importante, então por que ele sentia uma vontade imensa de ir até o escritório para ver se por acaso a filha do senhor Gumercindo não estava por lá?
O toque de seu celular fez o italiano voltar ao presente com um sorriso ao ver o nome na tela.
— Mama, como estai? — exclamou, ao ver dona Leonora na tela.
— Matteo, filho mio! Como está in Brasile?
— Bene mama, quer dizer, io ho tido alguns problemas, mas nada que io non posso resolver.
— Que tipo de problemas? — Leonora cruzou os braços, enquanto ainda segurava o celular.
— Ah, mama, a filha do signore Gumercindo. Ela é uma garota arrogante, sabe. Acredita que ela apresentou um projeto para que a empresa comece a investir em vino também?
— Madona Mia, e o que você fez?
— Eu não aprovei, claro, e convenci os acionistas a votarem contra. Aí ela jogou cafeína na minha cara.
Escutando a conversa, Paola apareceu em frente à tela, não segurando o riso.
— Io já gostei dela! — exclamou.
— Você sempre implica comigo, né, Paola?
— Você sabe que isso é, como dizem em português mesmo? Ah, é! Saudade.
— Pois é, mia ragazza, anche io sono morto de saudades, mas logo io vo consegui trazer vocês!
— Ma e essa Rosana, ela é carina, bonita?
Matteo corou com a pergunta, realmente sua irmãzinha não era muito diferente de Angélica.
— Ma que, que pergunta é essa? — indagou, dando graças a Deus por não ter contado sobre o cinema.
— Io só quero saber, além do mais, você precisa encontrar um novo amore. Quem sabe, não consigo uma cognata brasiliana?
— Tua sorrela non esta errada, Matteo, você precisa se abrir para o amore novamente.
O italiano suspirou antes de responder.
— Io se, mama, mas é tão difícile, sabe, ho paura, me machucar de novo.
Dona Leonora soltou uma leve risada.
— Non precisa, filho mio. Non deu certo com a Giuliana, ma isso non significa que nunca vai dar certo com ninguém. Promete para sua mama que se conhecer alguém speciale, vai dar uma chance.
— Tá bom, mama, Io prometo. Agora eu tenho que ir. Oggi io vo na fazenda do signore Gumercindo para conhecer tudo.
— Fa molto bene, mio figlio, te voglio molto bene. Fica com dio!
— Anche io te voglio molto bene, mamma. Te vediamo!
— Ciao, mio fratello querido! — Paolla jogou um beijo antes de encerrar a ligação.
Matteo colocou o aparelho de lado enquanto suspirava, tentando absorver as palavras de sua mãe… Talvez ela estivesse certa, talvez ele precisasse se abrir para o amor, mesmo que esse jogasse café em seu rosto.
Naquela manhã, a fim de mostrar ao seu pai que não havia desistido de assumir a empresa algum dia, Rosana levantou cedo para ir à fazenda. A jovem se distraía, olhando para os cafezais e ajudando a supervisionar as safras colhidas que iam para a fábrica, um trabalho empolgante, que ela adorava fazer, e nada iria estragar, pelo menos era o que ela pensava, até descobrir que mais uma vez o destino havia pregado uma peça. Pois, junto a um dos caminhões de descarga, ela também avistou um certo italiano passar pelo portão principal…
Alguns segundos depois, ela escutou aquele sotaque maravilhoso, que a fazia se arrepiar inteira. — Buon Giorno signore, Io sono il nuovo azionista dell'azienda e vi voglio conoscere.
— Ah, sim, muito prazer, senhor Matteo, não é isso? — O homem de óculos, que era o novo gerente do local, estendeu as mãos de forma educada.
— Ecco, sono Io. Il signore poderia me mostrar il local, sabe, é la prima volta que visitei uma fazenda de café e non sei bem como as coisas funcionam qui capittche?
— Ah, senhor Matteo, eu adoraria, mas infelizmente ainda tenho muito serviço, sabe como é, ainda tenho que verificar as safras, supervisionar a manutenção… mas espera um momento… Rosana.
O coração da herdeira saltou no peito ao ouvir o seu nome, afinal, ela já imaginava o que o novo gerente iria pedir. De jeito nenhum ela aguentaria ficar sozinha com Matteo. A fazenda era enorme, o tour demoraria muito. Além do mais, se olhasse fundo naqueles olhos maravilhosos, ou encarasse aqueles lábios perfeitos por muito tempo, a jovem tinha medo de fazer uma besteira da qual logo iria se arrepender. Porém, por outro lado, ela precisava convencer o italiano cabeça dura a aprovar sua proposta, afinal, da mesma forma que convenceu os outros acionistas a negarem, aquele conjunto de beleza de perdição também poderia ser a chave para o seu sucesso. Se conseguisse controlar seus impulsos e resistir à tentação de mergulhar naquela obra de arte em forma de boca, ela poderia ser gentil e durante o tour apresentar seus pontos de vista, e, quem sabe, no dia seguinte, seu projeto estaria aprovado e finalmente, depois de tantos anos, ela receberia outro elogio de seu pai e provaria de uma vez por todas sua competência para sucedê-lo.
Com essa ideia em mente, a jovem se forçou a colocar um sorriso no rosto antes de largar a revista da qual não havia lido uma só palavra e responder:
— Sim, Antenor?
— Você já conhece o novo acionista gringo da empresa, o Matteo?
Ela suspirou, tentando ao máximo não cair na armadilha de olhar fundo aqueles olhos hipnotizantes.
— Sim, nós já nos conhecemos.
— É vero. — Matteo colocou as mãos no bolso e abaixou a cabeça, tentando controlar suas pernas trêmulas. A ideia de ficar sozinho com Rosana no meio dos cafezais era, de certa forma, tentadora, afinal, era um local perfeito para… Espera, o que ele estava dizendo? Ela o detestava e havia deixado isso bem claro. Mesmo assim, ele não podia deixar de imaginar como seria sentir o gosto daquele batom rosa claro que a filha de Gumercindo usava e o quanto gostaria de ser o responsável por tirá-lo. Mesmo estando fechado para o amor após o divórcio, de alguma forma, aquela maledita desperdiçadora de café o tinha feito despertar novamente para a vida. Mesmo que não fosse um grande amor como o que havia vivido com Giuliana, a herdeira daquela fazenda e de toda a fábrica da qual ele era sócio havia conquistado um lugar em seu coração. Como era possível alguém ter feito esse milagre em apenas dois dias?
Essa era uma pergunta que o próprio Matteo não sabia responder.
— Então, tenho certeza de que a Rosana não se importa em te mostrar a fazenda, não é mesmo? — Antenor os trouxe de volta ao momento presente.
A jovem engoliu seco, tentando disfarçar as pernas moles.
— É claro que não. — Sua voz saiu fraca, enquanto ela mesma tentava acreditar na mentira que saía de sua boca.
— Perfeito, então eu já vou indo, porque se eu não terminar todas as tarefas, o senhor Gumercindo não vai gostar…
Mesmo sendo presidente interina por um mês, todos os funcionários mais importantes ainda insistiam em responder ao seu pai, o que, de certa forma, fazia Rosana ficar ainda mais determinada a provar seu valor.
— Foi um prazer conhecê-lo, senhor Matteo.
— Igualmente! Ti veggiamo! — O italiano acenou de forma simpática antes de voltar seu olhar para aquela que havia sido sua perdição nos últimos dois dias.
— Então, você… vai me mostrar a fazenda?
— E eu tenho outra escolha? — sussurrou para si mesma, mas não baixo o suficiente para que o italiano não pudesse ouvir.
— Io não entendo por que ainda está tão brava comigo.
Rosana suspirou, lembrando a si mesma de que, por mais encantador que Matteo parecesse, no fundo ele era como todos os outros, nunca sabia o que havia feito de errado.
— Muito bem, não vamos falar sobre isso. Agora vem logo, porque vai ser um longo tour se você quiser conhecer a fazenda toda.
— Cierto!
A herdeira mais velha de Gumercindo deu passos mais rápidos, na tentativa de sempre ficar à frente do italiano, para evitar discussões, ou olhar para uma certa boca perfeita. No início, seu plano parecia estar dando certo, já que, durante a ida ao galpão de grãos, os dois só trocaram palavras relacionadas a café e ao que estava acontecendo naquele local.
Matteo comentou sobre como os grãos brasileiros se desenvolviam muito mais rapidamente do que os grãos plantados em outros países, como na Itália, e por isso era tão importante que continuasse sendo o produto principal daquela empresa.
Rosana, ignorando a indireta, continuou o tour, indo até uma estação de arrasamento, onde vários funcionários eram responsáveis por supervisionar e acionar a irrigação automática. Matteo ficou fascinado pelo maquinário moderno que seus olhos encaravam pela primeira vez. De certa forma, era fofa a maneira como o italiano se encantava com tudo à sua volta.
— Você realmente nunca tinha visto uma máquina dessas? — Rosana cruzou os braços, disfarçando sua curiosidade sobre o passado do acionista estrangeiro.
— Non, in la mia città todas las producciones agrícolas son familiares. É fantástico.
A jovem aspirante a empresária deu uma risada com a empolgação de Matteo. Era incrível como algo tão comum para ela podia ser tão encantador aos olhos de outra pessoa.
— O café parece ser bem importante para você, não é, Matteo?
O italiano desviou os olhos das máquinas irrigadoras e se voltou para sua guia.
— Ecco. Io tovama todos os dias. O café que mia mama faz é il melhor di too il mondo. É ela tinha umas mudinhas na casa nostra e plantava por divercione.
— Entendi, parece ser muito legal. No meu caso, se eu aparecesse com um café artesanal, meu pai me deserdava, mas eu imagino que tenha mesmo um gosto diferente.
— Tu precisava provar il café da mia mama, Rosana! Tenho certeza de que nunca mais ia querer outro, o seu pai ia me matar por isso.
Os dois caíram na risada com a fala.
— Eu ia adorar provar o café da sua mama, mas por que você disse que ela tinha umas mudas? Ela parou de plantar?
As lembranças dolorosas da morte de seu pai invadiram a mente do italiano.
— É una luonga história. — Matteo se limitou a responder.
De algum modo, o olhar triste e perdido de Matteo mostrava que realmente algo muito ruim havia acontecido em sua família. Talvez tivesse haver com sua ida para o Brasil. Uma curiosidade insistente dominou o peito de Rosana, porém, ao mesmo tempo, ela não queria invadir a privacidade do italiano dessa forma, afinal, eles mal se conheciam, a herdeira não podia exigir que simplesmente de uma hora para outra ele se abrisse com ela sobre seus problemas. Ao vê-lo naquele estado, a garota de cabelos castanhos ondulados percebeu que ele não era apenas um galanteador, mas um ser humano, com questões não resolvidas, mágoas e feridas assim como ela. Talvez ela tivesse pegado pesado, talvez ele houvesse ofendido seu projeto por estar em um dia ruim, ela nunca saberia, por mais que quisesse.
Enquanto o observava, lutando contra a vontade de tocar seu ombro em forma de consolo, Rosana respondeu:
— Tudo bem, não precisa me contar se não quiser, mas pode me falar mais sobre o café da sua mãe!
— Ah, si! — Matteo abriu um sorriso. Geralmente, quando ele se lembrava do pai, a tristeza o invadia por horas, às vezes até mesmo dias, porém o sorriso de Rosana o fez se sentir melhor de forma instantânea. Nem mesmo Giuliana possuía esse poder. Realmente, aquela “ragazza” mal humorada, aspirante a empresária tinha algo especial.
— Todo giorno dopo il lavoro quando io chagava em casa, começava a sentir aquele cheiro divido e tutta la familia se reuniia para bevere. Era um momento muy especial…
— Nossa, que bonito. Sua família parece ser incrível, nem parece de um ladrão…
— No mesmo instante, Rosana percebeu o erro que havia cometido.
O sorriso no rosto de Matteo se transformou em uma expressão de raiva.
— Ja te falei. Mio padre non é ladrão.
— Tudo bem, tudo bem, eu não devia ter falado isso, Matteo, me desculpa. Eu imagino que não, pelo que está me contando. Quer dizer, eu nunca tinha pensado nessa possibilidade antes de te conhecer, mas agora, vendo você falando da sua família com tanto carinho, eu percebo que o meu pai nem sempre está certo.
O jovem arregalou os olhos, tentando conter os arrepios que surgiam em seu corpo.
— É vero? — ele indagou, enquanto se aproximava de Rosana.
— Sim, e talvez eu tenha pegado pesado com você naquele dia. Quer dizer, você podia ter dado a sua opinião de um jeito mais cuidadoso em vez de chamar o meu projeto de piada, podia, mas eu não quero guardar ressentimentos. Além do mais, trabalhamos na mesma empresa e acho que se deixarmos tudo isso de lado, podemos ser amigos. O que acha?
Matteo suspirou. “Amigos” não era bem a palavra que ele esperava ouvir, mas, para o momento, já era um grande avanço.
— Io também te devo desculpa, Rosana. Quer dizer, io não devia ter sido tão duro com o seu projeto, ainda mais sabendo o quão importante ele era para você.
— Tudo bem, eu aceito suas desculpas.
— E eu devia ter dito que fiquei admirado por você ter feito a apresentação sem slide. Se fosse um outro no seu lugar, teria tremido.
A conversa estava tomando um rumo perigoso, afinal, quando Matteo era gentil, a tentação de provar o gosto de seus lábios perfeitos crescia ainda mais. Porém, como estavam sendo sinceros, ela cruzou os braços antes de admitir:
— Bom, eu não teria conseguido sem seu apoio.
Matteo arregalou os olhos em surpresa. Um agradecimento? Por essa, o italiano não esperava.
— Io ouvi direito?
Rosana deu uma risada.
— Sim, quer dizer, depois que derramei café no meu computador e perdi a cópia da apresentação que eu havia levado, aliás, isso foi muito patético, eu pensei em desistir, pensei em voltar para a casa do meu pai e admitir que eu era uma fracassada, mas aí você veio com seus olhos brilhan… quer dizer, de forma gentil, e me mostrou que, mesmo sem os slides, eu era capaz e que não podia desistir do meu sonho tão fácil.
Matteo sentiu as bochechas corarem, mas, mesmo assim, teve que fazer uma piada.
— Você nunca vai admitir que acha os meus olhos brilhantes, non é vero?
— Vai sonhando. Isso é coisa da cabeça da Angélica.
Matteo exibiu um sorriso malicioso, enquanto se aproximava ainda mais da herdeira da fazenda. Talvez ele finalmente conseguisse fazê-la se abrir.
— É mesmo? — ele sussurrou de uma forma tão sexy que fez os pelos dos braços e do pescoço de Rosana se arrepiarem de forma involuntária. Que sensação era aquela? Tão forte, capaz de fazê-la perder a razão, afinal, estava flertando com o italiano responsável pela não aprovação de seu projeto, em um ambiente de trabalho. Alguns dias atrás, algo do tipo seria inaceitável, mas, naquele instante, olhando naqueles olhos brilhantes e para aquela boca tão perfeita que parecia implorar por um beijo…
— Desculpe, estou interrompendo algo? — indagou o gerente, os encarando de forma suspeita, como se tivesse percebido algo. Para seu alívio, nenhum dos dois podia ouvir seu peito disparado. Se seu pai descobrisse que ela quase havia caído na tentação do italiano depois de o criticar tanto e em um ambiente profissional, suas chances estariam arruinadas de vez. Não haveria mais volta, ela podia garantir pelo que conhecia do senhor Gumercindo.
— Imagina, Antenor, eu só estava aqui mostrando as máquinas para o Matteo. — A voz de Rosana saiu fraca, enquanto ela mesma tentava acreditar na própria mentira e esquecer que, por alguns segundos, esteve perto de saber qual seria a sensação de estar no paraíso.
O gerente de cabelos brancos compridos, no entanto, pareceu não engolir a desculpa da jovem herdeira, contudo, o importante era que ele deixou quieto.
Um suspiro de alívio tomou conta do peito da garota de cabelos marrons quando Antenor respondeu:
— Entendi, eu só voltei porque esqueci minha prancheta.
“Santa prancheta, me salvou de cometer um grande erro” Rosana lembrou a si mesma.
Depois de recuperar o objeto e receber um obrigado silencioso da herdeira da fazenda, Antenor saiu, deixando novamente Rosana sozinha, nas garras atraentes do italiano de olhos brilhantes, Matteo.
— Eu acho melhor encerrarmos essa visita por aqui. — A aspirante a empresária se afastou.
— O quê? Ma Io quero conhecer os cafezais.
— Outro dia! Por favor, respeite a minha decisão.
Matteo encarou a garota indignado. Será que o quase beijo havia mexido com ela tanto quanto havia mexido com ele?
A pergunta do italiano foi respondida quando, em um ataque de desespero, Rosana o empurrou de forma a fazê-lo cair no chão.
— Mas qual é o seu problema? Io no te entendo, Rosana. En un momento você é gentil e em outro você hace eso.
A garota deu um longo suspiro antes de explicar o que acreditava estar óbvio.
— Ah, não se faça de inocente, Matteo. Eu disse que acredito na inocência do seu pai, mas daí cair na sua lábia é demais.
— Ma que lábia, dio santo. Era motivo para me empurrar desse jeito.
— Ah, me faça o favor. Você vem com todo esse seu charme, achando que vai me amolecer para esquecer o que você fez no dia da apresentação do meu projeto e, droga, agora eu estou aqui, sendo obrigada a te mostrar toda a fazenda que pertence ao meu pai e da qual, por sua culpa, eu posso nunca chegar a ser dona. Entende agora? — A voz de Rosana saiu ríspida, enquanto seus pés ficavam firmes no chão, de maneira a fazer seu salto quebrar e um desequilíbrio a jogou para cima do italiano do qual ela queria tanto escapar.
Seus olhos encontraram os de Matteo em um mísero momento onde o tempo pareceu parar. Por um instante, mais uma vez, ela sentiu vontade de se aconchegar naqueles braços fortes, que pareciam conhecer tão bem a terra, mas outra vez, o que ela estava dizendo:
— Está vendo só o que você fez? Como se não bastasse, eu quebrei o meu salto.
— Ah, agora vai me culpar pela sua falta de jeito também — provocou o italiano, tentando disfarçar ao máximo o quanto era boa a sensação de ter a herdeira daquele lugar em seus braços, mesmo que fosse por um acidente.
— É culpa sua, sim. Desde que você apareceu, minha vida virou um inferno, caramba. Entretida com o desabafo, a garota de cabelos castanhos só percebeu que os dois tinham companhia quando ouviu o pigarrear de Antenor.
“Só pode ser brincadeira” disse para si mesma, enquanto sentia as bochechas queimarem.
— Não é o que parece, Antenor — a jovem começou, enquanto se levantava, afinal, pelo menos um pouco de dignidade ela ainda tinha. — Eu me desequilibrei porque meu salto quebrou e acabei caindo, nada mais. Não é?
Matteo, percebendo a situação em que havia colocado a herdeira, confirmou a história.
— É vero, signore, Io ho tentado ajudar e acabei caindo.
O gerente os encarou de cima a baixo antes de, em meio a um suspiro, concluir.
— Imagina, dona Rosana. A senhorita não me deve explicações e nem o senhor Matteo. Eu só vim porque acabei esquecendo também o meu celular.
— Mas nossa, Antenor, você só não esquece a cabeça porque ela está presa no seu pescoço. — As palavras saíram de forma automática dos lábios da jovem empresária, esta se arrependendo logo em seguida. — Me desculpa, Antenor. Eu não quis…
— Está tudo bem, dona Rosana. Como eu já disse, a senhorita não me deve satisfações. Se me dão licença. — Ele saiu, exibindo o celular na mão direita.
— Droga, está vendo o que você fez? Seu italiano maledeto! Com certeza ele vai contar para o meu pai e aí sim minhas chances estão arruinadas. Muito obrigada.
— Ma perche se importa tanto com o que seu pai pensa?
Rosana suspirou.
— Deixa para lá. É demais esperar que alguém como você entenda. Eu vou voltar para casa, não posso ficar aqui com esse salto quebrado. Você deveria fazer o mesmo, espero nunca mais o encontrar por aqui e nem em nenhum outro lugar. Com licença.
Antes que Matteo pudesse se desculpar ou explicar suas razões para ter sido tão duro, a jovem deu meia volta, o deixando sozinho pensando no quase beijo que haviam dado apenas alguns segundos antes.
— Maledita é você, droga, porque não consigo te tirar da cabeça, sua ragazza mal humorada.
Rosana girou a maçaneta na esperança de que seu pai não estivesse em casa, afinal se ele visse o salto quebrado, com certeza faria perguntas, perguntas essas que ela não estava disposta a responder.
Contudo, ao colocar o casaco no sofá, seu maior terror se confirmou em forma de uma conhecida e firme voz masculina.
— Rosana, minha filha, eu estava te esperando.
A jovem engoliu seco enquanto tentava deduzir do que se tratava através da expressão de seu pai, mas, como sempre, Gumercindo era muito bom em esconder suas intenções, dessa forma ela só podia torcer pelo melhor e para que Antenor não tivesse sido tão rápido.
— Oi, pai, eu estava na fazenda.
— É, eu sei, mostrando o local para um certo italiano. — O empresário cruzou os braços, fazendo o coração de Rosana disparar.
— Eu posso explicar …
— Explicar o quê? Que tomou juízo e decidiu fazer amizade com o italiano ao invés de tê-lo como seu inimigo?
A jovem rezou para que o pai não tivesse escutado seu suspiro de alívio.
— Isso sim é atitude de uma presidente. Parabéns, Rosana.
A jovem não conseguiu disfarçar sua feição de quem havia recebido uma notícia inesperada. — O que foi, minha filha? Não está feliz? Você mesma diz que um elogio meu é um evento mais raro que o eclipse. — Gumercindo cruzou os braços.
Os olhos de Rosana vagavam enquanto ela tentava assimilar o que seus ouvidos haviam acabado de escutar.
— É claro que eu estou, pai. É só que, poxa, foi uma surpresa. Achei que o senhor nunca mais me daria outra chance depois de eu ter jogado café no Matteo.
— Realmente, foi uma atitude infantil, mas tentar fazer as pazes e ser amigável com ele mostrou maturidade, então é o seguinte: se você conseguir convencê-lo a aceitar seu projeto e ele convencer todos os outros acionistas, eu te coloco na presidência, dessa vez de forma permanente e me aposento, o que acha?
Parecia bom demais para ser verdade, tinha que haver alguma armadilha.
— Desculpa, tem certeza que eu estou falando com meu pai?
Em um raro momento de descontração, Gumercindo levantou os lábios e mostrou os dentes em um riso sincero. Ela não lembrava a última vez que tinha visto o pai rir sem ser por outro motivo se não um negócio bem sucedido
— Que pergunta, óbvio que está, mas…
Claro, sempre havia um mas… — O que, pai?.
— Eu marquei uma nova reunião na semana que vem.
A aspirante a empresária murmurou. Ali estava a pegadinha.
— O quê? Uma semana? Você passou um dia sequer com Matteo? Ele é irredutível. Como vou convencê-lo em três dias?
— Você vai ter tempo de sobra para isso, já que passarão o final de semana na mesma casa.
— Como assim? Esse final de semana eu vou para o chalé cuidar dos preparativos da festa junina da empresa que acontece no domingo e… Ah, não, pai, só pode ser brincadeira.
— Eu já combinei com o Matteo. Ele vai mais cedo com você para te ajudar a montar tudo.
Rosana, mais uma vez, murmurou e cruzou os braços como uma criança.
— Como você pode fazer isso, pai?
— O quê? Você mesma reclamou no ano passado que era difícil montar tudo sozinha. Esse ano arrumei um ajudante.
— É, um que me humilhou na frente dos acionistas e é muito irritante, e eu não posso passar cinco minutos no mesmo lugar que ele sem querer beijá-lo. — A última parte ela pensou consigo mesma.
— Irritante? Eu achei que tivessem feito as pazes… — Gumercindo levantou as sobrancelhas, algo que fazia desde que Rosana era criança para tentar pegá-la em uma mentira, mas, dessa vez, ela não iria permitir.
— É, quer dizer, força do hábito. Sim, nós fizemos as pazes, mas…
— Chega de “mas”, Rosana. Você queria uma chance e eu estou te dando. É pegar ou largar, porque não vai haver outra.
A jovem engoliu seco, sabendo que o pai nunca brincava sobre esse tipo de assunto. Vendo que não tinha escolha, suspirou, antes de passar as mãos pelos fios ondulados e responder:
— Tudo bem! Eu aceito! Eu e o Matteo vamos trabalhar bem juntos!
— Muito bem, é assim que eu gosto.
A herdeira mais velha subiu as escadas, murmurando consigo mesma e pensando na confusão em que havia se metido. Por que justo naquele dia ela tinha que ter usado salto? Por que Antenor tinha que ter a visto no chão com Matteo? Agora sabe-se lá o que ele estava pensando. Por sorte, ele não havia a dedurado para o seu pai, atitude de lealdade que ela saberia recompensar muito bem quando assumisse a presidência. Mas, para isso, precisava se preparar para passar um final de semana ao lado do italiano de olhos brilhantes e ainda convencê-lo a aceitar seu projeto. Uma tarefa quase impossível, considerando que quando estava a volta dele, a aspirante a empresária perdia qualquer linha de raciocínio. Droga, por que o universo tinha que colocar uma pedra entre ela e seu maior sonho, ainda mais uma pedra tão atraente, que parecia beijar tão bem?
Matteo fechou a maçaneta da porta de seu pequeno apartamento antes de soltar um longo suspiro. Ele tinha vindo ao Brasil para começar uma vida nova e ficar longe de problemas, mas um certo problema de olhos lindos e cabelos marrons parecia segui-lo para todo lugar. Os segundos que teve Rosana em seus braços, mesmo que por causa de um acidente, foram os melhores que teve em muito tempo, desde que Giuliana havia pedido o divórcio. A imagem da italiana de cabelos negros e olhos verdes como a esmeralda o entregando o anel que ele havia trabalhado por um ano para pagar ainda viveria em sua mente. Aquela noite era uma sombra que, por mais que ele tentasse, nunca iria se apagar.
Era tarde da noite e ele andava de um lado para outro, encarando o relógio. A esposa costumava ajudar dona Leonora a fazer os pães, mas ela nunca demorava tanto. Depois de algumas horas, ela finalmente apareceu, com os olhos inchados.
— Mas o que aconteceu. Giuliana. Dio santo Io stava morto de preocupação. Dove estava?
Entre lágrimas, a italiana respondeu:
— Io no posso continuar, Matteo.
— Continuar o quê? — Nuostro casamento. Io ho conocido otro amore… — revelou, com a voz fraca.
Um misto de emoções tomou conta do jovem, raiva, medo e tristeza. Como a mesma Giuliana que o havia jurado amor eterno perante o padre agora o dizia que estava apaixonada por outro? Era uma ideia tão absurda que a princípio ele não quis acreditar e teve esperanças até o momento em que assinou por pressão da ex esposa o papel selando o divórcio. Sua vida estava arruinada, tudo parecia cinzas, até o momento em que seu coração despedaçado se deparou com uma certa garota de cabelos castanhos, essa que não queria vê-lo nem pintado de ouro. Mesmo assim, ele não conseguia passar cinco minutos no mesmo lugar que ela sem se sentir tentado a provar o gosto daqueles lábios perfeitos.
— Ah, dio santo, o que será que me espera en quello chalé? — indagou para si mesmo, antes de deitar no sofá.
Não era que Rosana tivesse medo de se machucar, ou algo do tipo. Na verdade, a jovem aspirante a empreendedora não temia uma boa aventura e um bom desafio, ainda mais quando o desafio em questão vinha acompanhado de um sotaque delicioso, contudo, ela se valorizava o bastante para não cair nas garras de qualquer um, ainda mais de alguém que a havia humilhado tanto.
Sim, por mais que seus lábios dissessem não guardar mágoas, a verdade é que já havia criado morada no peito de Rosana. A jovem nunca conseguiria esquecer a voz do italiano chamando seu projeto de piada frente aos acionistas. Ainda havia a questão de seu pai, Gumercindo, que recusava a lhe dar qualquer outra informação a mais sobre o pai de Matteo, o que não ajudava muito em seu dilema, porém, de alguma forma, no fundo de seu coração, ela sentia a boa índole do italiano de olhos brilhantes. Ele realmente estava ali para recomeçar, além do mais, Rosana estava ciente do que seu pai era capaz de fazer pela reputação. Será que…
— E então, suas malas já estão prontas? — Angélica apareceu de surpresa na porta, a trazendo de volta à realidade.
— Ah, sim, praticamente. Só faltam algumas coisas que eu preciso levar, olha só… — A jovem herdeira exibiu duas garrafas dos melhores vinhos disponíveis na adega do seu pai.
Angélica arregalou os olhos, enquanto esticava as mãos.
— Nossa, o papai deixou você pegar duas garrafas? Ele ama aquela adega, ele não me deixa nem chegar perto.
— Isso porque você é muito nova para pensar em bebidas alcoólicas, mocinha. Na verdade, eu só te aconselho a chegar perto de uma dessas depois dos dezoito. — Declarou a herdeira mais velha, ocultando o fato de que havia tomado sua primeira taça aos dezesseis, mas, em sua defesa, havia sido por motivos puramente profissionais.
— Está doida? Claro que eu não pensei em beber, só estou curiosa…
— Quando você for mais velha, você vai entender. E ele não me deixou exatamente… eu meio que peguei emprestado.
Angélica cruzou os braços e levantou as sobrancelhas de uma maneira que a fazia parecer muito madura para sua idade.
— Traduzindo, você roubou.
— Roubar é uma palavra muito forte. Além do mais, eu vou comprar outras iguais quando voltar e o papai nem vai ficar sabendo, mas preciso delas para esse fim de semana.
— Para a quadrilha da empresa? Eu queria tanto ir.
— Uma festa corporativa não é lugar para crianças — Rosana justificou, voltando a dobrar as roupas
— Primeiro, que eu não sou criança; e segundo, que eu sei muito bem porque você não quer me levar, quer ficar sozinha com o Matteo.
Rosana deixou a blusa em sua mão na beirada da cama, enquanto seus olhos se viraram para a irmã mais nova, que realmente percebia muito mais do que devia.
— O quê? Angélica, já conversamos sobre isso. Eu não gosto do Matteo, ele só vai comigo porque o nosso pai exigiu.
— Ah, é? E para que você está levando essas garrafas, então? Você nem gosta de beber em uma festa de trabalho, que eu sei. Você não me engana, está levando essas duas garrafas só por causa do seu italiano de olhos brilhantes.
A jovem suspirou derrotada diante da esperteza de uma garotinha de treze anos.
— Tudo bem, você venceu, realmente eu estou levando essas garrafas para o Matteo.
— Eu sabia! — A adolescente levantou os punhos, se sentindo vitoriosa.
— Mas não é por diversão. Eu preciso convencer aquele cabeça dura a aprovar o meu projeto junto aos outros acionistas, e, para isso, nada melhor do que provar um bom vinho! Eu aposto que ele só bebia porcaria lá na Itália, mas quando ele vir o que é bom, vai desejar que a nossa empresa fabrique vinhos tão sofisticados quanto esses. Não há nenhuma outra razão para eu querer beber com aquele italiano, entendido? — indagou, fingindo acreditar nas próprias palavras. Angélica permaneceu com os braços cruzados, enquanto fitava a irmã de cima a baixo com seu olhar de falcão.
— Qual é? Acha mesmo que eu pegaria dois dos melhores vinhos da adega do papai sem pedir se fosse por qualquer outra razão senão profissional?
A garotinha de cabelos pretos suspirou, inconformada com a racionalidade da irmã. Esta nunca iria reconhecer que, na verdade, estava de quatro pelo italiano. Angélica podia ser nova, mas tinha assistido comédias românticas o suficiente, a pedido da irmã, para reconhecer uma paixão quando via uma.
— Tudo bem, eu vou fingir que acredito. Mas se rolar qualquer coisa entre vocês dois, incluindo a palavra com S, eu quero que você me conte.
Rosana riu sem graça, pensando em como, às vezes, Angélica parecia ser a irmã mais velha.
— Perdeu o juízo? É claro que não. E não vai rolar nada, isso é coisa da sua cabeça. Eu já falei que meu único interesse no Matteo é profissional. Agora, se me dá licença, eu tenho que terminar essa mala.
— Se é assim que você quer… — a herdeira mais nova lamentou antes de sair.
A pequena bolsa de Matteo já se encontrava ao lado da porta. Por estar no Brasil há pouco tempo e ainda não ter desfrutado de ser um dos acionistas da maior empresa de café do país, ele não possuía muitos pertences, contudo não precisava mesmo de muito para ser feliz e conseguir viver. O que ele realmente precisava naquele fim de semana seria paciência para aguentar o mal humor de Rosana e muito autocontrole para não beijá-la.
A última vez que havia estado em um chalé havia sido há um ano, na companhia de Giuliana. Como recompensa pelos seus dois anos de serviços impecáveis, o dono do supermercado premiou o jovem com um fim de semana em seu chalé na costa da toscana. Claro que Matteo ficou muito empolgado, até porque ele e Giuliana estavam casados há um ano, e, devido à falta de recursos, não puderam ter uma lua de mel decente.
A brisa do mar fazia os cabelos cacheados e negros de Giuliana se espigarem, porém, mesmo com alguns fios soltos, sua esposa parecia uma obra de arte. Sentir o toque de seus dedos, enquanto ouvia o barulho do mar era tudo que ele poderia desejar da vida. Não precisava de mais nada, tinha sua família, um emprego estável, uma esposa pelo qual era apaixonado. Tudo parecia bem para o jovem italiano, porém mal sabia ele que pouco tempo depois tudo desmoronaria, sua família passaria por uma perda terrível, seria despedaçada, Giuliana se apaixonaria por outro e nem pensaria duas vezes antes de abandoná-lo. Pelo menos, Matteo não chegou a ser demitido do supermercado, no entanto, se viu obrigado a pedir demissão, quando, por medo da máfia, a pedido de seu pai, fugiu para o Brasil com uma mão na frente e outra atrás para recomeçar como um acionista gringo, ainda sem muito poder e sem nenhum tostão furado no bolso. Não que Matteo tivesse medo de recomeçar, na verdade, o italiano cabeça dura, sentia seu coração bater mais forte sempre por um novo desafio, fosse o desafio de enfrentar o ex amigo de seu pai, que havia manchado a honra de sua família, ou de conquistar sua filha mais velha, uma garota marrenta, cheia de atitudes que, por algum motivo, era muito atraente. Desde o momento que viu a garota concentrada olhando para seu computador portátil aquele dia na empresa, sua vida mudou, até aquele instante. Matteo estava devastado, sem esposa, sem família, sem nada, porém, a partir do momento em que tomou coragem para falar com a tal garota que o havia chamado a atenção, passou a ter seu olhar, mesmo que precisasse guardá-lo na memória, visto que, as vezes seguintes que Rosana o encarou não foram com o mesmo olhar de ternura, responsável por fazê-lo se arrepiar por inteiro. Mesmo que a herdeira mais velha de Gumercindo o odiasse, ele sabia que bastava vê-la sorrir para se lembrar de que agora ele tinha algo muito mais valioso do que tudo que havia perdido.
Talvez esse fim de semana não fosse tão ruim no fim das contas, quem sabe ele finalmente teria a chance de mostrar a Rosana suas verdadeiras intenções e explicar mais uma vez que ele nunca teve a intenção de ofendê-la. Será que em meio a um cenário diferente, um chalé no meio do nada, ela finalmente deixaria de lado seu orgulho o daria uma nova chance de se aproximar? Bom, seus dedos estavam cruzados, enquanto terminava de preparar o jantar.
Rosana dava leve garfadas em sua banana, enquanto evitava olhar seus pais nos olhos a fim de evitar a fatídica pergunta. Contudo, seu silêncio não foi suficiente para impedir Gumercindo de perguntar:
— E então, Rosana, empolgada para a festa da empresa?
A jovem engoliu seco, enquanto tentava mascarar seu desconforto.
— Claro, pai, por que eu não estaria?
— É, ainda mais porque vai passar o final de semana junto do italiano de olhos brilhantes… — comentou Angélicam antes de receber uma pisada.
— Ai, não foi legal, Rosana.
— Isso de novo. É um apelido bem íntimo para alguém que você diz não gostar muito?
Gumercindo cruzou os braços, enquanto dirigia seu olhar fulminante para a filha mais velha. Mais uma vez, a aspirante a empresária teve vontade de mandar a irmã mais nova para um internato. Será possível que ela não conseguia ficar de boca fechada?
— É só ignorar a Angélica, papai. Você sabe como ela é, vive com a cabecinha cheia de minhocas e inventando histórias. Você deveria ser escritora, minha irmã, porque sua imaginação é muito fértil. Eu já cansei de dizer para ela que meu interesse no Matteo é puramente profissional.
— Assim espero, porque uma comemoração da empresa não é lugar para esse tipo de sem-vergonhice, além do mais, não seria a postura adequada de uma presidente.
Rosana suspirou, se fosse um homem, poderia relacionar com quantas funcionárias quisesse que seu pai aplaudiria, na verdade, ela sempre fingiu não saber de nada, mas sempre notava marcas de batom na pasta de Gumercindo. Ela ainda era muito nova para entender, todavia, mesmo assim, a revolta a consumia por dentro. Era sempre assim, principalmente no mundo dos negócios, o homem pode dar o seu mínimo que sempre será aplaudido , já uma mulher, tem que tomar cuidado, pois se cometer qualquer deslize, os olhares masculinos sedentos por uma chance de eliminá-la de seu espaço não perdoariam.
— Bom, mas mudando de assunto, eu posso produzir café, porém, como você bem sabe, muito antes de Rosana aparecer com o projeto de inovação, eu já estava louco por um bom vinho. Na verdade, pretendo abrir um hoje.
Rosana e Angélica trocaram olhares culposos. A jovem nunca imaginou que seu pai estaria pensando em tomar um vinho justamente aquele fim de semana. Por mais que Gumercindo fosse louco pela bebida, sempre a deixava para ocasiões especiais.
Por sorte, Angélica interviu.
— Ah, não, papai, há quanto tempo nós não ficamos sozinhos, só eu e você? Por que você não esquece essa ideia chata e assiste um filme comigo? Podemos fazer uma pipoca e você pode ler uma história para mim antes de dormir.
Gumercindo suspirou.
— Ah, minha filha, você sabe que essa semana, mesmo com a Rosana no comando, foi muito agitada. Eu queria relaxar com um vinho e …
— Por favor, pai! Ou, por acaso, o vinho é mais importante do que eu?
— Não, claro que não, minha filha.
— Aposto que se você me trocasse por uma garrafa estúpida, a mamãe ficaria muito decepcionada. — Angélica cruzou os braços, realmente parecendo magoada. Ela poderia virar atriz.
— Tudo bem, o que eu não faço por você? Nada de vinho esse fim de semana.
Angélica sorriu satisfeita.
Enquanto continuava a comer sua banana, Rosana lançou um olhar de gratidão à irmã. Ela podia ser uma peste, mas era leal.
Ao terminar sua refeição, Rosana ouviu uma buzina. Era hora de se pôr a caminho daquele que seria o fim de semana mais longo de sua vida…
A falta de ação dos dois jovens resultou em um silêncio constrangedor durante grande parte do caminho, onde Matteo e Rosana se encaravam, enquanto as palavras ameaçavam sair, porém na hora H os deixavam na mão. Percebendo que ainda havia um tempo de viagem e com a intenção de não morrer sufocada pelas batidas insanas de seu coração, ou ceder à vontade de segurar a mão de Matteo, Rosana se lembrou de um jogo que costumava jogar com sua mãe quando pegavam a estrada. Não era nada novo, e sim o velho “fusca azul”. Infantil, verdade, porém naquela situação iria servir. Dessa forma, a herdeira mais velha de Gumercindo fixou seus olhos na estrada e as lembranças das vezes em que fazia o mesmo com dona Maria do Socorro invadiram sua mente.
Certa vez, a até então menina de cinco anos precisou viajar em companhia da mãe até o Rio de Janeiro ao encontro de Gumercindo. Como toda criança, Rosana era inquieta e cheia de energia em seu corpo para gastar com brincadeiras, ficar presa em um carro durante tanto tempo era praticamente tortura. Percebendo a inquietude da filha, Maria do Socorro sugeriu que procurasse um fusca azul e se ela conseguisse vencer o jogo, elas chegariam mais rápido. A sorridente Rosana de cinco anos aceitou o desafio! Depois de alguns minutos, ela sorriu ao avistar o carro pedido por sua mãe!
— Olha lá, eu encontrei! — sua voz infantil exclamou, de forma inconsciente.
— Muito bem, minha filha, agora tente achar outro.
— Outro, mãe?
— É! Vai fazer isso e, quando assustar, vamos ter chegado ao Rio de Janeiro. O que acha?
— Tudo bem, mãe! Afinal, quanto mais carros azuis eu achar, mais rápido essa viagem vai passar!
Maria do Socorro acariciou os fios ondulados da filha, impressionada com a esperteza dela.
Ainda embriagada pelas doces memórias, a jovem empresária começou a procurar por um fusca azul do mesmo modo que fazia quando era pequena. De repente, o tempo parecia não ter passado. Ela sentiu como se tivesse cinco anos de novo, e, com a mesma empolgação, abriu um sorriso quando viu um fusca azul à sua frente. Sem pensar duas vezes, deu um leve soco no ombro da pessoa que estava ao seu lado.
— Eu ganhei!
No entanto, em vez de se deparar com sua mãe, um Matteo confuso fez a jovem voltar à realidade e perceber o que havia feito.
— Nossa, me desculpe, Matteo, eu me distraí! — Ela esfregou as mãos de forma discreta, enquanto sentia suas bochechas arderem.
De braços cruzados, o italiano permitiu que um sorriso sincero escapasse de seus lábios. De certa forma, a maneira como ela o havia tocado e se distraído tão fácil era fofa.
— Imagina, Rosana, não há problema. Só fiquei curioso, o que a senhora ganhou? — O italiano colocou as mãos na perna, em sinal de que era todo ouvidos.
Rosana empurrou os fios soltos para trás antes de comentar:
— Ah, é só um jogo que minha mãe fazia comigo quando viajávamos, nada demais… Não sei se na Itália tem, se chama…
— Fusca azul? Estava conosco e também costumava jogar com a mia mama quando íamos de ônibus para Roma visitar meus zios!
Os olhos da herdeira mais velha se arregalaram incrédulos.
— Sério?
— Si, Io adorava e, aliás, você perdeu! — Ele socou de leve os ombros de Rosana.
A jovem olhou para o lado, avistando um outro fusca azul bem atrás do ônibus.
— Ah, seu, não é justo, eu não sabia que estávamos jogando.
— Agora sabe!
— Mas eu duvido que apareça mais algum fusca azul nessa estrada, então por que não mudamos para qualquer carro preto?
— Cierto!
A viagem seguiu com uma mistura de risadas, socos leves no ombro e até mesmo um empate, onde os dois acabaram se tocando ao mesmo tempo, situação essa que fez o jogo se encerrar.
Rosana colocou as mechas marrons para trás da orelha, em sinal de vulnerabilidade. Fazia tanto tempo que ela não se divertia daquela forma em uma estrada.
— Ah, eu conheço o caminho, nós chegaremos em alguns minutos. Foi bem legal, obrigada pelo jogo. Quer dizer, a maioria dos executivos com quem já viajei, e até mesmo o meu pai, acham bobo e infantil….
— Ei, non é não, e eu espero poder jogar esse jogo com você ainda por muitas estradas.
Rosana sorriu de forma tímida, enquanto sentia seu coração voltar a pular em seu peito, contudo, mais uma vez, para sua sorte, antes que ela pudesse ceder aos encantos do italiano, o motorista olhou para trás de forma discreta e anunciou.
— Senhores, chegamos. Podem descer.
Ainda desconcertada por mais um quase beijo e por toda a situação, a jovem aspirante a empresária gaguejou por alguns segundos, antes de finalmente conseguir agradecer ao motorista e dizer:
— Vamos descer, Matteo. Eu vou te mostrar o lugar!
O sofá de couro legítimo na cor azul céu foi o primeiro item que chamou a atenção de Matteo, seguido pelos lustres de vidro, que deveriam custar mais do que um ano de seu salário no supermercado. Seus olhos captavam cada detalhe sem pressa, como se ele estivesse saboreando uma refeição. Nem mesmo o Chalé da Toscana era tão bonito, mas ele esperava que daquele lugar saíssem boas recordações.
Rosana cruzou os braços, enquanto fitava o italiano de cima para baixo, impressionada com a maneira encantada a qual ele olhava aquela sala, que, ao seu ver, não passava de um lugar velho no qual ela já havia estado milhares de vezes.
Temendo interromper o jovem de olhos brilhantes, ela aproveitou para continuar o admirando por alguns minutos, enquanto reparava que os olhos de Matteo ficavam ainda mais bonitos quando brilhavam de alegria.
— Meu pai comprou este chalé alguns anos atrás especificamente para as festividades da empresa. — Rosana se aproximou, tomando ainda cuidado para manter uma certa distância segura.
— É molto belo!
— É sim, mas não temos tempo a perder, italiano. Temos que decorar esse lugar inteiro!
— Ma você non ia me mostrar lugar primeiro?
— Eu te mostro enquanto decoramos — a jovem herdeira explicou, colocando uma caixa cheia de bandeiras nas mãos do italiano.
— Preparado, ou é demais para você?
— Que, claro que non, Io ho lavorado por anos in um supermercado in la mia cittá i ainda ajudava mia mama algumas vezes.
Rosana abriu um sorriso, enquanto sentia sua admiração por Matteo aumentar. Realmente, ele parecia ser do tipo trabalhador, que não se deixava abater por nenhuma dificuldade. Uma qualidade que o deixava ainda mais interessante.
Depois de uma tarde intensa de trabalho, o lugar finalmente estava pronto. Rosana sentia suas mãos tremerem em exaustão, mas ela ainda tinha outra tarefa a cumprir.
Matteo encarou satisfeito as bandeirinhas penduradas no teto, que mais pareciam uma canção harmoniosa de cores. A cultura brasileira era tão intensa e interessante, ele mal podia esperar para aprender mais, ainda mais ao lado da professora que o havia ajudado a decorar o local e estaria ao seu lado durante o fim de semana.
— É, Matteo, eu admito, você foi de grande ajuda. Eu nunca tinha terminado tão rápido.
— Você fazia mesmo todo questo lavoro sola nos anos passados? — indagou, enquanto esfregava as mãos na tentativa de se livrar do suor.
— Sim.
— Achei que il tuo padre teria piu persone para te ajudar.
A garota de cabelos ondulados deu um longo suspiro.
— Bom, até tinha, mas eu me ofereci para essa função, sabe? Qualquer chance de impressionar meu pai precisa ser aproveitada…
Ao encarar os olhos tristes da jovem, Matteo sentiu outra vez a culpa consumir o seu peito. Rosana queria ter seu projeto aprovado para conseguir provar seu valor ao pai, e isso ele entendia muito, afinal, por mais que Bartolo fosse ótimo, Matteo muitas vezes precisou mostrar a ele do que era capaz.
— Você valoriza molto a opinião de tu padre, non?
— E como não? Quer dizer, meu sonho sempre foi ser como ele… Mas sabe? Ele queria um filho homem… Eu sei parece coisa do século passado, afinal, estamos em dois mil e vinte quatro, mas para o meu pai parece que ainda estamos em mil novecentos e cacetada. Enfim, por isso eu sempre tive que dar o meu melhor, e mesmo assim… Ai, desculpa estar te falando isso, é só que…
A jovem se sentou, enquanto pensava sobre como era fácil conversar com Matteo. De alguma forma, ele parecia entendê-la como ninguém jamais tinha feito.
— Non precisa se desculpar, Rosana, Io entendo e non te preocupes, si tuo padre non reconhecer tuo valor, sintomolto, ma ele é um idiota.
Rosana riu.
— Per favore, non fale para ele que eu disse isso.
— Tudo bem, vai ser o nosso segredo.
— Ma é vero. Una persona appassionata per il lavoro e che se dedica tanto come tu, precisava essere valorizzata.
A jovem cruzou os braços, tentando não se derreter com o elogio, porém era tarde demais.
— Nossa, nem parece que estou falando com a mesma pessoa que chamou meu projeto de piada .
Foi a vez de Matteo rir.
— Io já me desculpei e, se quer saber, tuo projeto non é una piada. Quer dizer, café é molto melhor que vino, ma Io admiro il tuo esforço.
Rosana tirou os cabelos do rosto, sentindo seu coração bater mais forte. Lá estava o Matteo fofo e gentil por quem ela havia se encantado naquele dia, um Matteo para quem talvez ela pudesse dar uma chance… Mas o que estava dizendo? Havia assuntos mais importantes para serem resolvidos. Com a mente no lugar, ela desviou a atenção daqueles malditos olhos brilhantes que pareciam querer prendê-la e pigarreou antes de falar:
— Bom, falando em vinho, depois de todo esse trabalho, merecemos um descanso, então, o que acha de dividir essa garrafa de vinho comigo? — Ela exibiu o objeto.
Matteo cruzou os braços, enquanto lançava na direção da herdeira um olhar malicioso.
— Ah, Io no se, quer dizer, Non me piace molto il vino…
— Ah, vamos, esses vinhos são os melhores. Eu aposto que depois de beber pelo menos uma dessas duas garrafas comigo, você vai até mudar de ideia sobre o meu projeto.
— Ah, agora Io entendi, Rosana, você solo está me oferecendo para que Io vote a favor sem il tudo projeto é convença os outros acionistas a fazer o mesmo.
— O quê? Claro que não, italiano teimoso. — Rosana fingiu ter se ofendido mesmo sabendo que a acusação era verdadeira. Quer dizer, em partes… — Eu estou aqui, te oferecendo uma bebida como amiga. Quer dizer, eu sei que nós nos desentendemos, mas eu quero fazer as pazes, Matteo, e de forma definitiva. Nada melhor para selar a paz do que vinho.
O italiano suspirou, sabendo que seria um caminho sem volta, afinal, quando o álcool tivesse roubado sua razão e ele sentisse o cheiro de Rosana, ou chegasse perto o suficiente daqueles lábios perfeitos, ele não sabia se seria capaz de se segurar. Contudo, era para isso que havia ido para o Brasil, para ter novas experiências, e não dava para resistir a uma aventura tão atraente …
— Cierto, Io aceito!
Rosana sorriu satisfeita.
— Muito bem! — A herdeira pediu que Matteo segurasse a garrafa, enquanto ela tirava da bolsa duas taças. A noite estava só começando para a jovem, que estava cada vez mais perto de realizar seu sonho e de fazer algo que talvez fosse se arrepender no dia seguinte, ou não.
Matteo, por outro lado, encarava a bebida de forma desinteressada, a utilizando como – talvez – uma certa fonte de coragem para ele finalmente fazer o que tinha vontade desde o primeiro momento em que colocou os olhos em Rosana.
A jovem encarava a varanda aberta da casa, ao mesmo tempo que o vento fazia seus cabelos balançarem. Um nó se formava em sua garganta. Por mais que dissesse à Angélica que só havia levado aquelas bebidas por questões profissionais, e por mais que tentasse convencer a si mesma, no fundo, ela sabia que a garrafa estava ali para que ela conseguisse se distrair durante aquele final de semana e quem sabe fazer uma loucura que sua razão nunca a permitiria realizar caso estivesse sóbria.
Com esse pensamento em mente, ela indagou:
— E então? O que achou? Eu aposto que nunca havia bebido um vinho como esse antes.
Matteo deu uma risada.
— Io tenho tanta cara assim de quem não entende de vinho?
Rosana soou uma leve risada, já sentindo o efeito do álcool subir à sua cabeça, por não ter o costume de beber com frequência. Quando o fazia, o efeito não demorava a acontecer, e considerando que metade de sua taça já estava vazia…
— Não, é só que, eu não sei, quer dizer, você recusou um projeto sobre vinho para a empresa, então se deduz…
— Mesmo em um momento assim você não esquece isso, não é?
— Tudo bem, tudo bem, eu prometo não falar disso esta noite.
— Io sono de acordo.
Rosana suspirou, finalmente sentindo a coragem para fazer uma pergunta, de certa forma, indiscreta.
— Certo, então vamos mudar de assunto, italiano. Me responde: qual foi a última vez que você tomou uma taça de vinho?
O italiano deu um gole generoso em sua taça para tentar disfarçar suas bochechas avermelhadas. Ele nunca podia imaginar que Rosana fosse tão curiosa a esse ponto, mas, de certa forma, ele até que gostava do rumo que aquela noite estava tomando. Era o que ele precisava para tentar recomeçar, uma taça de vinho em companhia de uma bela mulher mal humorada, cuja boca ficava ainda mais bonita à medida que as gotas de vinho subiam para sua cabeça.
— Mama mia, tu hai me preso di sorpresa. Bene, L'ultima volta che ho bevuto un vino fu una notte con mia moglie.
Rosana arregalou os olhos, enquanto sentia os nervos subirem à flor da pele. Não era possível.
— O quê? Você é casado, Matteo? Ah, eu sabia que você não prestava. Como pode ter dado em cima de mim sendo casado? Em pensar que eu quase admiti que realmente acho os seus olhos brilhantes e quase te beijei aquele dia na fazenda. Que idiota!
O coração do italiano deu um sobressalto. Finalmente algum avanço.
Em vez de revidar ao atraente mau humor de Rosana, ele disparou a rir. Atitude que deixou a herdeira de Gumercindo ainda mais irritada.
— O que é tão engraçado? Eu posso saber?
— Calma, ragazza. Primeiro que Io sono casado, ho espresso male, la última volta che ho tomado vino ha sido com la mia ex-moglie, noi abbiamo separato antes de Io vir para il brasile.
Rosana tentou disfarçar seu suspiro de alívio, mas foi em vão.
— Nossa, eu não sabia que você estava divorciado. Eu sinto muito…
— Tutto bene, non te preocupattte. Pelo menos o ho servito para la senorita finalmente admitir che acha mios olhos brilhantes e admito que me ha piccerrabo vederti com… ciúmes.
Dessa vez, as bochechas de Rosana ficaram mais vermelhas do que uma maçã e queimaram mais do que qualquer incêndio. Maldito italiano! Como ele sempre a fazia revelar o que não devia?
— O quê? — indagou, se fingindo de incrédula, enquanto lutava para não gaguejar. — Com ciúmes? Me faça o favor. Por que eu teria ciúmes de um italiano teimoso como você? E esqueça o que eu falei, está bem?
O italiano colocou as mãos no braço, frustrado ao não ouvir a resposta que seu coração estava esperando.
— Mas, mudando de assunto, como era a sua mulher?
— Perche la pergunta? Ciúmes? — provocou, em um tom agradavelmente sexy.
Rosana tomou um gole na bebida, esperando desesperadamente que o vinho trouxesse a coragem necessária para continuar aquela conversa.
— Você se acha demais, não é? Já disse que não tenho ciúmes de você, é apenas curiosidade. Matteo soltou mais uma de suas risadas maliciosas que exibiam suas belas covinhas. Droga, por que ele tinha que ser tão charmoso?
— Cierto. O nome dela é Giuliana.
— Giuliana é um nome bonito. E ela é bonita?
— Lá mas piu bella ragazza de todas. — afirmou, ocultando a parte em que agora ele havia conhecido uma mulher ainda mais bonita, afinal, já que Rosana iria dificultar as coisas, ele iria jogar o jogo dela.
Rosana não conseguiu disfarçar seu incômodo ao ouvir aquela frase, o que deixou Matteo satisfeito. Talvez eles chegassem a algum lugar, afinal.
— Ah, sim, a mais bonita, não é? E como se conheceram?
— Buono, fui em um baile tradicional de la mia città. Io ho ido con algunos de il mi amiche e quando a vi dançando, me apaixonei a la prima vista. Sabe?
— É, eu imagino. Como em um conto de fadas…. — O tom de Rosana saiu em forma de lamento, visto que essa história parecia bem mais interessante do que conhecer uma garota desesperada porque tinha derramado café no computador. De certa forma, o pensamento fez uma dor invadir seu peito. Não que ela estivesse com ciúmes…
— Ecco. Io ho riunito la mia corajo e a un convite per ballare, lei ha accettato e noi due danziamo insieme per tutta la notte.
As recordações faziam os olhos de Matteo brilharem de forma que deixaria qualquer estrela com inveja. Rosana não pôde evitar sentir raiva de si mesma. Como pôde se iludir, mesmo até por um segundo, com a ilusão de Matteo estar interessado nela, ainda mais quando falava da esposa com tanta paixão? Realmente, na vida não havia espaço para contos de fada. Ela quis ir embora, mas então se lembrou da única razão pela qual ainda estava ali: o seu projeto, o seu sonho de se tornar a presidente da empresa. Então se esforçou para esboçar o melhor sorriso falso que seu cérebro cheio de vinho permitiu e respondeu:
— Uau, realmente parece ter sido amor à primeira vista. — Outra vez a curiosa frase tomou conta. — Mas, se permite, posso fazer uma pergunta?
— Si.
— Se você a amava tanto, e ela também parecia te amar, por que se separaram? — Logo que as palavras saíram de sua boca, a jovem se arrependeu. — Nossa, me desculpe, Matteo, eu não estou acostumada a beber. Essa é uma pergunta muito pessoal e eu entendo se não quiser responder…
O italiano fitou a filha de Gumercindo de cima a baixo como se estivesse admirando um trabalho de arte em uma exposição. Seu olhar sedento, combinado com o sorriso malicioso, dispensavam palavras.
— Non hai problema, Io te respondo. Lei me hai deixado por um novo amore.
Rosana sentiu os olhos se arregalaram com a revelação. Talvez ela o tivesse julgado errado, afinal, por mais que nunca tivesse sentido essa dor na pele, imaginava o quanto um coração partido dói.
— Nossa, eu sinto muito, Matteo.
— Gratze. Io non entendo até oggi. Noi due estávamos molto bene, ella estava agindo de forma normal, quer dizer, se Io for parar para pensare, umas semanas antes ela estava realmente estranha, mas, mesmo assim, Io nunca poderia imaginar, até aquela noite…
A tristeza era evidente no semblante do italiano. Falar sobre aquelas memórias tão dolorosas parecia ser como tomar um copo de veneno.
— Às vezes as coisas realmente não dão certo e não podemos fazer nada para impedir.
— Realmente, Rosana, tu hai ragione. Io non pude impedi-la de ir atrás de un nuovo amore, mesmo que isso tenha me matado por dentro…
— Por isso você veio para o Brasil? — Ela jogou os cabelos para trás, enquanto escutava de forma atenta.
Matteo deu um longo suspiro antes de responder:
— Ecco, bene, por eso e pela morte de il mio padre, Io ho perdido il due quase al mismo tempo, vir para il Brasile fue la única saída que io ho encontrado para tentar encontrar um nuovo sentido para a minha vida.
O coração de Rosana se tornou uma bomba ao perceber o quanto Matteo estava finalmente se abrindo. Pela primeira vez, ela via a face mais vulnerável do italiano, uma face que ela queria conhecer ainda mais.
— E você conseguiu encontrar.
Já com o vinho fazendo efeito em seu cérebro, o italiano encarou a jovem à sua frente de forma apaixonada, como se ela fosse o ar que precisava para respirar. Naquele instante, ele queria gritar, dizendo que ela era o novo sentido e a única razão pela qual ele ainda estava ali. Porém, tudo que fez foi aproximar sua mão de forma cuidadosa e, em um movimento, acariciou os cabelos marrons da garota de forma carinhosa.
A atitude pegou Rosana desprevenida, mas de um jeito bom. Mais uma vez, ao sentir o mínimo toque do italiano, os pelos de seu corpo se arrepiaram por inteiro. Seu coração disparou em seu peito, clamando por mais.
Contudo, ao se lembrar de todas as falas de Rosana, o jovem estrangeiro percebeu que talvez estivesse cometendo um enorme erro.
— Scusa, Io non devia…
Dessa vez, a jovem aspirante a empresária não escondeu a decepção em seu tom de voz.
— Imagina, não foi nada. Mas agora eu fiquei curiosa. Por que você está pedindo desculpas se é bom? Eu estava gostando do seu toque no meu cabelo — admitiu, em um sussurro.
Matteo precisou de um segundo para ter certeza de que seus ouvidos não o estavam enganando.
— Como é? Io nio te entendo, Rosana. Uma hora você fala que me odeia, quando quase nos beijamos en quella fazenda você ficou maluca, e agora me diz isso? Non é certo brincar com os sentimentos dos outros assim, ragazza.
— Eu sei que eu fui mal humorada e que talvez eu tenha exagerado na minha reação quando joguei café em você, mas a verdade é que, antes daquilo, quando me consolou no meu momento de maior desespero, eu… gostei de você, como se fosse… Ai, que idiota, eu não acredito que vou dizer isso, mas… como se fosse amor à primeira vista. — A jovem sentiu um peso sair de suas costas.
— É vero? — Matteo abriu um sorriso, enquanto se aproximava da garota de cabelos ondulados.
— Sim. Nossa, eu sou mesmo uma boba, afinal, você acabou de me falar sobre a sua ex e é melhor eu ir dormir, afinal, amanhã teremos um dia agitado e eu bebi demais…
Matteo, percebendo que estava correndo o risco de perder a única chance que tinha de sentir o gosto daqueles lábios que atormentavam seu sonho desde o momento em que colocou os pés naquela empresa, decidiu tomar uma atitude. Puxou Rosana para perto de si, dessa vez eles estavam a centímetros, perto o bastante para sentir a respiração um do outro. Rosana tentou disfarçar as mãos trêmulas, enquanto pensava que aquela era a maior proximidade que ela já havia compartilhado com um homem, e sendo Matteo, a sensação era maravilhosa. Sua mente, mesmo que entorpecida pelo vinho, gritava que aquilo era errado, que talvez custasse sua única chance de realizar seu sonho de finalmente provar seu valor ao pai, contudo, seu coração, sua pele, clamavam por mais. Então, pela primeira vez, ela decidiu deixar a mente de lado e ouvir as emoções, mesmo que se arrependendo no dia seguinte.
— Tu hai me preguntado se Io ho trovato un nuovo senso per la mia vita in Brasile. Ecco la mia risposta.
Sem pensar em mais nada, o italiano juntou seus lábios aos de Rosana em um beijo apaixonado, um beijo pelo qual havia esperado desde o momento em que colocou os olhos naquela ragazza mal humorada, que bagunçou seu coração.
Mesmo estando com a cabeça cheia de vinho, o que mais anestesiava a jovem era sua vontade de permanecer ali naquele momento pelo resto da vida, sem preocupações, sem Gumercindo para impressionar, sem mais nada além do puro desejo e borboletas no estômago. Sim, pode ser uma fala clichê, mas era exatamente essa a sensação.
A ideia de nunca mais se soltar era tentadora, porém, depois de muito custo, sua mente, por um milagre, voltou ao estado normal e a puxou de volta à razão. Aquilo era errado. O que seu pai diria se soubesse de seus sentimentos pelo filho do homem que supostamente o roubou? Não que Rosana acreditasse nessa hipótese. Na verdade, depois de conhecer Matteo melhor, a jovem desconfiava que seu pai talvez tivesse ainda mais segredos do que ela imaginava. De toda forma, era muita irresponsabilidade beber daquela forma em um evento de trabalho e ainda ter envolvimento com um dos acionistas. Se esse fato chegasse aos ouvidos do senhor Gumercindo, Rosana podia dar adeus ao sonho da presidência.
Assim sendo, por mais difícil que fosse, a aspirante a empresária empurrou o italiano e deixou sua personalidade mal humorada tomar o controle novamente, afinal, uma garota precisava se defender em situações desse tipo. Não que Matteo representasse algum perigo, quer dizer, não representava na forma tradicional, mas sim um perigo para os seus sonhos e seu futuro.
— Eu não acredito no que você… Seu aproveitador! Eu te ofereço vinho como amizade e é isso que me oferece em troca?
Matteo arregalou os olhos, confuso, enquanto sentia seu peito se encolher em tristeza. Aquele beijo era o que ele esperava desde o momento em que colocou os olhos na filha mais velha de Gumercindo.
Pressionar seus lábios contra os dela era uma atitude que queria ter tomado há muito tempo, porém somente o vinho lhe deu coragem para concretizar esse desejo que o italiano lutava tanto para manter sob controle. Ele não podia esquecer, afinal, que Rosana era filha do homem responsável por arruinar a vida de seu pai e consequentemente de toda sua família. Maldito! Mas então por que beijá-la pareceu tão certo? E ainda melhor do que ele havia imaginado? De toda forma, era inútil fazer suposições, visto que lá estava a garota ranzinza outra vez.
— O quê? Io aproveitador, ma dio santo, você só me ha afastado agora. Não vai me dizer que non ti piacerebbe il mio bacio?
A jovem cruzou os braços, lutando para não hesitar. Claro que ela havia gostado. Na verdade, o beijo a havia feito sentir como se estivesse flutuando nas nuvens, contudo, jamais admitiria essa verdade enterrada no fundo de seu coração. Não podia, por mais tentador que fosse.
— É claro que não. Eu só demorei a me soltar porque estou com a cabeça cheia de vinho e você se aproveitou disso, seu idiota. Ah, maldita hora em que meu pai te mandou vir comigo — acusou, tentando acreditar nas próprias palavras.
A decepção fez morada no coração de Matteo. Pela primeira vez, ele pensou que Rosana admitiria seus sentimentos e talvez eles pudessem se dar uma chance, mas a garota orgulhosa não dava o braço a torcer, ou talvez realmente não sentisse o mesmo. Não, essa possibilidade era impossível, visto como a garota de cabelos castanhos ondulados havia correspondido ao beijo apenas alguns segundos antes.
— Ma que ragazza teimosa. Io ho dito tutto che sinto chi em il mio core desde la prima volta che ho te visto, ma tu eres tan invisibile.
— Insensível, eu? Quer saber? Eu é quem não entendo, italiano. Em um momento, você me beija, e no outro me ofende dessa forma? Eu te odeio.
Matteo cruzou os braços com a declaração obviamente falsa, mas se Rosana queria jogar, ele mostraria do que era capaz.
— Ta bene. Se é assim, Io também te odeio e nunca teria te beijado se não tivesse me embebedado com esse maledito vino solamente para che io aprove il tuyo projeto idiota.
Rosana arregalou os olhos, ainda anestesiada pela adrenalina.
— Idiota? Ah, eu sabia que suas desculpas eram da boca para fora. Não acredito que desperdicei uma garrafa do melhor vinho da adega do meu pai com você.
— Sua ragazza interesseira — acusou, apontando o dedo, enquanto continuava perto o bastante da jovem para ouvir sua respiração.
— Interesseira? Ora, seu mal educado! Você que é interesseiro. Aposto que não teria me beijado se eu não fosse filha do dono. — As palavras saíram de forma automática.
— É, tiene razon. Io no debia ter beijado filha de um crápula. Tu eres tan maledita quanto l tuo padre.
— Pelo menos o meu pai não é um ladrão — revidou a garota, porém, ao ouvir palavras em sua voz, se arrependeu logo em seguida. — Matteo, me desculpa, nós estamos de cabeça quente…
— Non hai problema, você disse o que pensa… E eu também vou dizer, il tuyo projeto realmente é uma piada e se depender de me, nunca será aprovado. — Soltou para também se arrepender logo em seguida.
— Quer saber? Eu não vou aguentar dormir no quarto ao lado do seu. Eu vou dormir lá fora…
— Non, Io non voy dejar una dama dormir do lado de fora. Tu dorme chi, Io dormo lá fora.
— Ótimo! — a garota retrucou, enquanto cruzava os braços. — Tem cobertores e travesseiros naquele armário, faça bom proveito. — Apontou de maneira fria para uma pequena porta branca no canto da sala.
Matteo foi em direção ao local, lutando para conter as lágrimas. Ele sabia que aquele final de semana podia dar errado, mas não esperava que chegasse àquele ponto.
Depois que o italiano saiu, Rosana deixou as lágrimas caírem. Em seus lábios, ainda podia sentir o gosto daquele beijo roubado, ou melhor, roubado em termos, visto que ela o desejava ardentemente. Há quanto tempo ela não se sentia amada ou desejada daquela forma. Pela primeira vez em tempos, a herdeira mais velha de Gumercindo sentiu o peso da pressão sair de suas costas e tudo que importava era aproveitar aquele momento, um momento tão bonito que ela mesma havia acabado de jogar fora por puro orgulho e ambição… Mas o que estava dizendo? Assumir a empresa de seu pai era seu sonho desde criança, não podia colocar tudo a perder por causa de um italiano sedutor, que fazia suas pernas bambearem e os pelos de seu corpo inteiro se arrepiaram só com uma palavra. Ainda mais considerando o que ele havia dito por último. Não havia dúvidas de que não seria possível ter seu projeto e Matteo ao mesmo tempo. Infelizmente, uma mulher não podia conseguir tudo nesse mundo hipócrita e machista. Com essas ideias rodeando sua cabeça, Rosana subiu para um dos quartos, mesmo sabendo que não pregaria o olho uma vez sequer naquela noite.
Matteo se sentou no chão gelado da enorme varanda do chalé. Suas pernas se cruzaram de forma automática, enquanto seus olhos eram puxados para o céu. Desde pequeno, o italiano gostava de observar as estrelas. De algum modo, elas o faziam acreditar em desejos impossíveis, e que os mesmos poderiam ser realizados. O jovem se lembrava de uma noite em que, para distraí-lo da saudade do pai, dona Leonora chamou para a varanda da pequena casa, não tão grande quanto o chalé em que estava naquele momento, mas muito confortável e cheia de amor.
Matteo poderia passar horas imerso no mundo das estrelas e de tudo mais que viesse do alto. Seus olhos de criança brilhavam toda vez que dona Leonora permitia que o menino dormisse do lado de fora para observar aquele mundo tão distante, mas tão atraente ao seu ver.
O agora adulto, que ainda nutria a mesma paixão, riu com as lembranças. Dormir do lado de fora não era algo novo para ele.
— Io no podia deixar a Rosana dormir aqui fora, ainda mais que ela non deve estar acostumada como Io, povereta.
Enquanto tentava distrair, Matteo percebeu um movimento diferente no céu, uma estrela passava por entre as nuvens e as cortava com extrema rapidez.
A última vez em que viu uma daquelas, estava no quintal de sua casa. Ele não sabia o que era, porém o garotinho era curioso, por isso indagou sua mãe sobre aquele objeto diferente, aquela estrela que se destacava de todas as outras. Dona Leonora explicou que era uma estrela cadente, uma estrela que passava somente em momentos específicos e por isso era capaz de realizar um desejo. Na ocasião, ele sabia muito bem o que pedir. A volta de seu pai. Bartollo estava há anos no Brasil, desde antes do nascimento do filho, e o peito do garotinho doía pela sua ausência. Cartas já não eram mais o suficiente, ele clamava por um abraço paterno. A estrela, no entanto, demorou um pouco para atender seu pedido, visto que seu pai só retornou alguns anos depois, e, mesmo assim, a vida o levou embora para sempre pouco tempo depois…
Desde a morte de seu pai, ele não olhava para aquelas estrelas da mesma forma.
— Ah, estrela, questa notte Io non vou fazer um peiedio porque credo mas em tê, la última volta que te confiei, demorou molto tempo para realizar il mio pedido, sua maledeta.
Ele encarou o brilho vindo dos seus e seu coração pareceu implorar para que ele voltasse à infância pelo menos por alguns segundos e acreditasse na magia.
— Cierto, Io no credo nel tuo podere, ma se io puder pedir algo, Io quero que a Rosana admita o que sente. Dio santo, alguns giorno atrás io pediria perla Giuliana, ma quella ragazza mal humorada con il suyo jeito único e teimoso conquistou il mio coração, então se io posso pedir algo, per favore, faz a Rosana ser mia. O pelo menos me dê a chance de sentir aquellos labios divinos una otra volta… Ma questo pedido tem que ficar entre doi due, capito?
Ao terminar sua conversa com a estrela cadente, que desapareceu e continuou seu caminho, o jovem italiano deu risada.
— Madona mia, a que ponto chegamos… Io sono chi, dormindo de lado de fora em um chalé luxuosa para agradar quella ragazza. Como se non bastasse ainda, a desejei para una estrella… Io devo estar loco, ma loco de amore… o que non de todo malo.
Em meio à escuridão da noite, os olhos de Rosana permaneceram abertos, enquanto a mente da herdeira repassava o momento mágico que ela havia vivido horas antes. Matteo a havia beijado e havia dito que ela era o sentido para sua vida encontrado no Brasil. Era bom demais para ser verdade. Ela colocava os dedos de leve nos lábios, enquanto sentia as bochechas corarem. O que estava acontecendo? Nunca nenhum beijo havia feito se sentir daquela forma, até porque a jovem não havia beijado tantos rapazes assim durante a vida, mas algo parecia sussurrar em seu peito que Matteo era especial. A sensação de estar em seus braços e sentir seu hálito maravilhoso sob sua boca, mesmo que embriagado de vinhos, era mais do que ela poderia ter sonhado. A simples lembrança a fazia sorrir mais do que o momento em que seu pai a tornou presidente interina. Droga, por que aquele italiano tinha que aparecer em um momento tão conturbado de sua vida e por que tinha que ficar no meio de sua realização profissional? Se a situação fosse outra… Quem dera que ela pudesse reescrever as estrelas. Dessa forma, ela faria Matteo aparecer no momento exato em que ela esperava, talvez em uma festa, onde ele a ensinaria a dançar música italiana… pareceria que ele era feito para estar ali naquele momento. Nada os poderia afastar, porque eles seriam destinados um para o outro. Infelizmente, na vida real, o destino aprecia criar empecilhos para que os dois vivessem aquele amor, como se não coubesse a ela decidir o que era melhor, e outras pessoas, como seu pai, o passado da família de Matteo e sua ambição a dissessem o que fazer e buscasse seu desejo mais profundo. Não era justo, mas era a verdade.
Enquanto abraçava os próprios joelhos, envolta pelos pensamentos, a aspirante a empresária imaginou Matteo lá fora, sozinho, com frio, e seu peito doeu de uma forma diferente. Talvez ela tenha sido muito dura, afinal, não havia como negar que a herdeira havia gostado do beijo. Talvez ter deixado sua mente tomar o controle novamente durante um momento tão bom não tenha sido uma boa ideia. Percebendo que não conseguiria pegar no sono, a jovem deixou que uma ideia tomasse conta de sua mente. Uma ideia que a faria se redimir com o italiano de olhos brilhantes.
A aspirante a empresária não possuía muitos dotes culinários, porém o básico para a sobrevivência no exterior havia aprendido, de forma que uma simples sopa não seria um problema tão grande. Dona Maria do Socorro, sim, era uma cozinheira de mão cheia. Os ouvidos de Rosana ainda escutavam a panela fervilhando e suas narinas ainda sentiam o aroma dos molhos de tomate seco tradicional da lasanha que a garota sempre comia na infância. Pelo visto, a Itália fazia parte de sua vida, e toda vez que tentava escapar, essa cultura voltava para sua vida de alguma forma.
Mesmo não estando tão familiarizada com a cozinha do chalé, considerando que suas estadias naquele local sempre eram voltadas para outro tipo de organização e os cozinheiros dos eventos da empresa sempre traziam o buffet pronto, a jovem, com a ajuda de seu celular, conseguiu encontrar os artefatos necessários para aquela missão. Seu coração quase saiu pela boca quando a peça de pedras, devido ao seu enorme peso, quase escapou de suas mãos. Primeiro, que Matteo escutaria, e segundo, seu pai, mesmo tendo dinheiro mais do que suficiente para renovar tudo naquele local, sempre zelava pelo cuidado. Rosana nunca havia quebrado um prato ou um talher em toda a vida e se orgulhava deste feito.
Suas mãos derramaram de forma cuidadosa o sal, uma batata e algumas cenouras dentro da panela. Ainda bem que antes de um grande evento, seu pai sempre abastecia a dispensa do chalé. Ela sorria orgulhosa, enquanto começava a misturar tudo com água.
Matteo virava de um lado para o outro, porém seus olhos insistiam em permanecer abertos, e não era por causa do frio em suas costas, mas, sim, devido à lembrança de um certo movimento com uma certa ragazza mal humorada, que dormia no andar de cima daquela casa luxuosa. Rosana era uma caixinha de surpresas. Em um minuto, parecia a garota mais compreensiva do mundo, alguém que o entendia e o consolava de uma forma nunca feita por ninguém, mas, instantes depois, ela se tornava agressiva, mal humorada e fria, como se o italiano fosse uma doença que ela precisasse manter longe.
Não dava para acompanhar, afinal, era um desafio, contudo Matteo amava um desafio desde menino e nem iria desistir assim tão fácil de desvendar os mistérios da garota de cabelos castanhos ondulados, ladra de seu coração. Contudo, sabia tão pouco sobre ela. Sabia que seu pai era rico, então ela havia crescido no luxo. Dias atrás, havia conhecido sua doce irmãzinha, Angélica, essa bem mais fácil de conquistar. E naquele cinema prestou atenção nos olhos tristes de Rosana quando revelou o paradeiro de sua mãe, o céu.
O jovem italiano podia entender a dor do luto, pois a estava sentindo na pele. Toda vez que pensava em Bartollo, seu coração doía em saudade, mesmo não tendo convivido tanto com o pai. Desde sua chegada ao Brasil, o ex sócio de Gumercindo se mostrou presente e um pai amoroso. Matteo se lembrava dele o ensinando a jogar xadrez ou falando sobre suas aventuras nas fazendas de café. Talvez algum dia, se Rosana permitisse, a contaria por completo o motivo de gostar tanto daqueles grãos tão queridos no Brasil e por que os defendia tanto.
Falando na herdeira mais velha, Matteo ainda podia sentir o gosto daqueles lábios macios nos seus. Droga, agora que ele havia provado da perfeição, não sabia se conseguiria viver sem ela novamente. Talvez estivesse ficando maluco, era melhor tomar um copo de água.
A passos lentos e na ponta dos pés, a fim de não acordar Rosana, ele caminhou pela casa. Por sorte, tinha muita experiência em andar no escuro, visto a quantidade de vezes que sua antiga casa na Itália havia ficado sem luz. Devido à sua habilidade e ao tato apurado, não foi difícil para o italiano chegar ao cômodo desejado. Ao entrar na cozinha, um aroma delicioso invadiu suas narinas, tão divino e tão familiar… Não podia ser, sua mãe costumava fazer sopa de batatas com cenouras, mas quem estava ali àquela hora? Ao raciocinar por alguns segundos, ele indagou incrédulo.
— Rosana? És tu?
Tudo que ouviu em seguida foi um barulho de algo se quebrando.
— Droga. — Era a voz doce já tão familiar aos seus ouvidos.
Sem pensar duas vezes, ele correu em direção ao som, para se deparar com uma Rosana agachada, cercada de cacos de pedra e coberta de sopa de batata e cenouras.
— Rosana, sta bene?
— Matteo! — começou, lutando para não gaguejar. — Sim, eu estou bem, foi só um pequeno acidente, mas meu pai vai me matar se souber… Droga, droga, droga, que desastre.
— Pelo menos dessa vez o conteúdo está salvo… — brincou. Rosana porém cruzou os braços e seus lábios se franziram em desaprovação.
— Muito engraçado. Como consegue fazer piada em uma hora dessas?
— Me dispiace, io te ayudo, ma posso saber pereche diabios tu estaba cocinando una suppa a cuesta hora?
Como já era de costume na presença do italiano, Rosana sentiu suas bochechas corarem.
— É… eu…
— Non importan io voy pegar um pano e… — Enquanto suas mãos exploravam a pia do local, ele se deparou com um pedaço de papel. — Que é isto?
Percebendo o que o italiano de olhos brilhantes havia encontrado, Rosana tentou impedi-lo.
— Não, isso…
Contudo, já era tarde demais.
— Matteo, espero que questa suppa compense a notte freda que hai passado nel jardim.
Ele forçou a vista e leu outra vez para ter certeza de que seus olhos não o estivessem enganando.
— Rosana, você estava fazendo questa suppa per me?
A herdeira queria abraçá-lo e dizer que sim, todavia seu lado racional tomou conta novamente e a fez cruzar os braços e responder de maneira fria.
— Foi, mas não se anime. Eu só fiz isso, porque fiquei com a consciência pesada de te fazer dormir lá fora, sabia que podia ter pego um resfriado e…
Os risos charmosos de Matteo interromperam sua fala, o que deveria a deixar irritada, mas quase a fizeram rir junto. Contudo, mesmo sob dificuldades, ela manteve a postura.
— Qual a graça?
— Você achou que Io podia pegar un resfriado… A, Rosana, io sono mas que acostumado a dormire nel lado de fora, non te preocupe!
Por dentro, a jovem suspirou em alívio, mas colocou sua máscara zangada.
— Sério? Eu sou mesmo muito idiota aqui toda preocupada e você relaxando. Aposto mesmo que já passou várias noites sob as estrelas com a sua Giuliana.
Os lábios de Matteo abriram um sorriso ao sentir a pitada de ciúme na voz da garota de cabelos ondulados. A verdade é que Giuliana não era o tipo de mulher que curtia esse tipo de atitudes românticas, preferia mais um jantar caro a um baile, porém ele não diria isso a Rosana, de jeito nenhum iria perder a chance de provocá-la.
— Ah, é vero! Io e la mia Giuliana passamos moltas nottes sob as estrelas… — ele afirmou, fingindo acreditar na própria mentira.
A sobrancelha de Rosana se franziu em desconforto. Claro que ele e a esposa, por quem, pelo visto, o italiano ainda era apaixonado, haviam tido vários momentos românticos. Seria ilusão pensar que Matteo a esqueceria assim de uma hora para outra, considerando o fato de que ele havia vindo ao Brasil justamente para recomeçar e por algum outro motivo, que Rosana ainda não sabia, mas pretendia descobrir. De toda forma, um divórcio era uma experiência dolorosa, ainda mais sabendo que a iniciativa havia partido de Giuliana e não do italiano de olhos brilhantes. A ideia de imaginar Matteo de mãos dadas com ela na grama fazia o estômago da herdeira mais velha revirar.
Quanta idiotice, claro que alguém capaz de chamar seu projeto de piada nunca iria amá-la de verdade, mas a maneira como o acionista estrangeiro a havia beijado horas antes… a fez se sentir especial. Talvez, só talvez, ela pudesse se permitir ter esperanças. Não, quanta bobagem.
— É, eu já entendi. Bom, já que a sopa não deu certo, é melhor eu voltar para a cama e … ai…
Uma dor em suas mãos interrompeu sua fala.
Matteo arregalou os olhos em uma sincera preocupação.
— Rosana o que aconteceu, me deixe ver… — Ele esticou o braço de forma gentil.
— Não. — Rosana se afastou, tentando manter a compostura. — Não é nada. Eu posso cuidar disso sozinha.
— Ragazza teimosa, per favore, Io quero te ajudar. Non hai mas ninguém aqui.
A jovem suspirou derrotada antes de ceder.
Matteo delicadamente segurou uma das mãos de Rosana e, no mesmo instante, notou o problema.
— La tua mano esta queimada. Deve ter sido o quente de la suppa.
— É, isso já aconteceu antes. Não é nada demais, eu posso resolver.
— Non, per favore. Foi culpa mia, afinal, você estava fazendo essa suppa per me.
— Não precisa, de verdade. Fui eu quem te mandei lá para fora e…
— Rosana, Io non aceito non como resposta. Me deixa te ajudar. Além do mais, Io ho molta experiência em cuidar de queimaduras.
— Sério? A sua Giuliana também era desastrada na cozinha? — provocou.
— Non, la mia piccola sorella, Paola. Ela tem a idade da Angélica.
— Ah, sim, você a mencionou no dia do cinema. Me fala mais sobre ela — a herdeira pediu, já sentindo a dor ir embora. Nem mesmo Maria do Socorro seria capaz de distraí-la tão bem.
— Ta bene. — Matteo começou, enquanto, de forma gentil, colocava a mão de Rosana na água gelada.
— Assim como a Angélica, a Paola fala tudo que pensa. Ela adorava brincar nel quintale de nustra casa quando era picola, dopo começou a querer aprender a jogar cartas e tuttegirodo. Quando io chegava del lavoro, ela me chamava e, mismo cansado, Io ia, perche Io amo la mia sorella.
— Eu entendo, a Angélica insiste para que eu leia para ela todas as noites. Sabe, como nossa mãe morreu quando ela era recém nascida, eu meio que faço esse papel, às vezes… Não é fácil, mas eu amo aquela ragazza.
A mistura de italiano com português fez Matteo rir.
— Ecco, e pelo jeito faz questo papel molto bene, dá para ver que ela te adora! — elogiou, sem descuidar da mão de Rosana nem por um segundo.
O contato também não passava despercebido pela garota de cabelos ondulados. De alguma forma, os dedos mágicos de Matteo fizeram a dor sumir por completo. Talvez seu plano não tenha dado tão errado, afinal…
— Eu tento, ainda mais com nosso pai trabalhando tanto… Ela sente falta dele às vezes, e eu dou o meu melhor para consolá-la, mas nada substitui a figura materna…
—Si, Io lo so! A Paola anche lei è rimasta molto triste com la perdita di nostro padre, e ora io sono qui in Brasile…
— Coitada, mas tenho certeza de que logo conseguirá trazê-la.
— Dio te ouça, Rosana.
— Aposto que ela e a Angélica iriam se adorar. Já estou até imaginando.
Outra vez, a fala da herdeira fez o italiano cair na risada.
— Si, Io também…
Tudo parecia perfeito. Por um instante, os dois se sentiram como um casal normal que sai para jogar conversa fora e falar sobre os problemas. Seria tão bom se pudesse ser assim…, mas logo a realidade chamou à porta.
— A dor já melhorou bem, acho que vou voltar para a cama — Rosana comentou, tirando as mãos da água, gesto esse que fez os olhos de Matteo parecerem implorar para que ficasse um pouco mais.
— Tiene certeza?
— Sim, eu tenho. Obrigada pelo cuidado.
— Non hai problema, e grazie per il tuo gesto. Una pena que Io non possa provare la suppa.
— Ah, você não ia gostar mesmo. Quer dizer, eram só batatas com cenouras e…
— La misma que la mia mama cocinaba para me in Italia.
— Não, você só pode estar brincando.
— Não, juro.
— Bom, então quem sabe em outra oportunidade. Mas não crie expectativas, porque eu não sou tão boa cozinheira…
— Io tenho certeza que Io ia adorar lá sua suppa, Rosana.
Ela encarou aqueles olhos brilhantes sedutores por alguns segundos. Se dependesse de sua vontade, ficaria ali por horas… porém, lutando contra a vontade de repetir o beijo sobre o qual nenhum dos dois ousou falar, afirmou:
— Bom, é melhor eu ir. Quer dizer, grande dia amanhã. Boa noite, italiano.
— Buona notte, Rosana.
Ao voltar para o quintal, Matteo olhou para o céu e sorriu, pois, no fim das contas, seu pedido havia sido atendido.
— Grazie estrella! — Foi tudo que saiu de seus lábios, antes do italiano cair no sono.
— Se controla, Rosana, hoje é um dia importante. A festa, está lembrada? Você precisa mais do que em qualquer outro ano passar uma ótima impressão aos acionistas. Isso é tudo que importa! — repetiu para si mesma, até começar a acreditar, mas era inútil.
Ainda trêmula por causa do frio, a herdeira mais velha vestiu uma blusa de lã coberta por uma jaqueta. Os outros acionistas chegariam somente mais tarde, o que daria tempo de tomar o café da manhã e se arrumar com calma. Seus pés desceram as escadas, enquanto sua mente torcia para que Matteo ainda não tivesse acordado, porém seu coração clamava pela presença do italiano.
Ouvindo um barulho, ela suspirou, percebendo que não teria escolha a não ser encarar Matteo, então, com a cabeça erguida, ela caminhou até a cozinha e, quase em um sussurro, cumprimentou:
— Bom dia!
Matteo, que estava distraído com os pratos, se virou quando ouviu a voz feminina, e, sem esboçar nenhuma expressão, respondeu:
— Buon Giorno.
A saudação fria atingiu o coração de Rosana como uma flecha, enquanto a jovem pegava uma maçã em completo silêncio.
Minutos se passaram, enquanto a agonia por aquela situação crescia no peito da herdeira. Obviamente, eles não falariam sobre o beijo ocorrido, enquanto os dois estavam com a cabeça cheia de vinho, mas aquela falta de comunicação a deixava maluca, então, tentando parecer o mais natural possível, iniciou uma conversa.
— E então? Dormiu bem? — Ela não tirou os olhos da fruta.
— Si, molto bene! — Outra vez, o italiano pareceu responder de forma automática.
— Tem certeza? Quer dizer, estava muito frio!
Pela primeira vez naquela manhã, o italiano exibiu uma expressão quando franziu as sobrancelhas.
— Tu hai sentido fredo? — Havia um tom de preocupação disfarçada em sua voz, o que fez Rosana se controlar para não sorrir.
— Um pouco — ela começou. — Quer dizer, eu acabei esquecendo de pedir para os empregados pegarem lenha para os quartos de hóspedes, então…
Ela lançou um olhar para Matteo, torcendo para que ele entendesse a indireta.
— Bene, hai una floresta chi tu pode ir lá pegar lenha.
A simples frase fez os lábios da herdeira caírem em frustração.
— É, mas eu nunca fiz isso sozinha e não sei se vou aguentar outra noite como essa…
Matteo cruzou os braços, encarando de cima para baixo, como se estivesse entendendo seu jogo.
— Está mesmo reclamando deu fredo na tua câmara para alguém que estava dormindo lá fora?
A garota de cabelos marrons e ondulados engoliu seco com a bronca.
— Você mesmo disse que está acostumado… já eu, não… Além do mais, minha mão ainda está queimada, esqueceu?
Matteo respirou fundo, enquanto organizava os pensamentos. Aquela ragazza teimosa tinha mesmo o poder de o tirar do sério, ao mesmo tempo em que no fundo sabia estar disposto a fazer o que fosse por ela.
— Cierto. Io vou pegar lá lenha para il tuo quarto, Rosana.
Os lábios da jovem exibiram um sorriso.
— Mas você vai comigo!
— O quê? Que tipo de cavalheirismo é esse? — provocou assustada e ao mesmo tempo animada com a ideia de ficar sozinha na floresta com o italiano de olhos brilhantes.
Como se estivesse prestes a vencer uma partida contra seu adversário mais duro, Matteo se manteve firme.
— Como dizem chi “é pegar ou largar”. Vai querer lá tua lenha ou vai passar otra notte com fredo?
Rosana resmungou.
— Mas lá fora está muito frio.
— Questa jacqua que está usando vai te proteger.
Percebendo que dessa vez não teria como vencer, a aspirante a empresária suspirou derrotada. — Tudo bem, eu vou!
— Então, andiamo!
O vento parecia cortar o rosto de Rosana, enquanto o barulho das folhas a deixava irritada de certa forma, contudo ela não reclamou, afinal, não queria começar uma discussão com o italiano. Matteo andava ao seu lado com as mãos no bolso, em silêncio, ainda frio, nem parecia o mesmo homem gentil que havia cuidado de sua mão algumas horas antes. Bom, talvez ela mesma fosse culpada por esse comportamento. Ela podia mentir para o resto do mundo, porém não para si mesma. No fundo, ela sabia muito bem o quanto queria aquele beijo, mas ela mesma havia arruinado o momento pelo qual secretamente esperava ansiosa.
Evitando olhar diretamente para Matteo e para seus olhos sedutores, a jovem voltou para o céu, naquela manhã coberta por nuvens brancas.
— Nossa, o céu está tão feio hoje. Você disse que gosta de ver as estrelas, mas imagino que ontem não tinha nenhuma — comentou, na tentativa de quebrar o gelo.
— Stai enganada, o visto multas estrelas, até mesmo uma estrela cadente. — Dessa vez, o italiano deixou transparecer gentileza em sua voz.
— Nossa, quanto tempo que eu não vejo uma estrela cadente!
O comentário fez Matteo imaginar como teria sido bom se Rosana estivesse ao seu lado lá fora. Talvez eles pudessem rir juntos, falar sobre vários problemas e ela se aconchegaria em seus braços quando o sono chegasse… O que ele estava pensando? Por mais difícil que fosse, precisava manter a frieza, afinal, a própria Rosana havia deixado claro que nunca mais o ocorrido na noite anterior iria se repetir. Todavia, o italiano, mesmo assim, daria tudo para sentir aqueles lábios novamente nos seus.
— Minha mãe costumava observar o céu comigo, mas meu pai não dá a menor importância para essas coisas…
— Anche Io costumava ver il cielo com la mia mama, ela sempre me dizia para fazer um pedido quando visse una estrela cadente.
— Ah. E o que foi que você pediu ontem? — A jovem se virou de frente para Matteo, o provocando.
O italiano teve que se controlar muito para não acariciar seus cabelos macios e a beijar mais uma vez ali mesmo. Sua vontade era tomá-la nos braços em meio àquelas árvores verdes, contudo, aquela ragazza teimosa parecia não sentir o mesmo. Quer dizer, às vezes ela parecia amá-lo intensamente para, no instante seguinte, odiá-lo até a morte. Era uma linha tênue, capaz de romper a qualquer momento, e Matteo faria o que pudesse para que se rompesse para o lado do amor. Contudo, naquele instante, ele se aproximou perigosamente, mas desta vez, em vez de juntar seus lábios nos dela, manteve seu tom frio e se limitou a responder:
— A melhor coisa de fazer um pedido para una estrela é que ela não te julga. Por isso, isso é entre Io e aquela estrela. — Ele a fitou de cima abaixo, tentando gritar através da linguagem corporal que ela era seu maior desejo.
Rosana, contudo, não entendeu e cruzou os braços, ofendida.
— Tudo bem, eu não pergunto mais, seu grosso.
— Se continuar a me ofender, Io vou embora e você vai ficar sem la tua lenha… — ameaçou. Rosana cruzou os braços como uma criança mimada.
— Tudo bem, eu vou ficar quieta. Agora vamos logo, porque ainda tenho muito o que fazer antes dos outros acionistas chegarem.
— Ecoo.
Rosana caminhou em silêncio, mantendo a cara amarrada, na tentativa de disfarçar o desapontamento que crescia em seu peito. Ela tinha esperanças de que o pedido de Matteo para a estrela estivesse relacionado a ela, mas quanta bobagem. Claro que o italiano estava morrendo de raiva da noite anterior, quer dizer, tudo bem que ele tinha sido gentil ao ajudá-la com sua mão queimada, porém… Droga, toda essa situação era tão confusa. Ao mesmo tempo em que ela queria desesperadamente se jogar nos braços do italiano, queria proteger sua posição e defender seu projeto com unhas e dentes. Se fosse alguns dias atrás, antes de conhecer Matteo, a jovem herdeira não teria dúvida alguma sobre seguir sua mente em vez de seu coração.
Todavia, tudo mudou quando viu o acionista estrangeiro pela primeira vez naquele maledito dia. Algo diferente despertou dentro da garota de cabelos castanhos e ondulados. No momento, ela não soube dizer o que era, mas entendia que, naquele instante, ela estava apenas começando a aprender o significado da palavra amor.
Depois de colocar a cabeça no lugar e com sua lenha garantida graças à experiência e à força de Matteo, Rosana teve força e disposição para receber os acionistas da melhor forma possível. Vários elogiaram a decoração e a maneira como tudo estava tão bem organizado, o que a deixou orgulhosa, contudo, ela não pôde deixar de creditar parte do mérito ao italiano cabeça dura, que no dia anterior também havia trabalhado de forma incansável para ajudá-la.
A noite caiu e era a hora da quadrilha em volta da fogueira. Mesmo estando frio, aquecida pela lareira acesa, a jovem optou por um vestido rosa de manga curta, com o qual ela se achava bonita. Seus cachos soltos e os lábios preenchidos por seu gloss favorito completaram o visual com o qual a aspirante a empresária se sentiu satisfeita para finalizar. Era hora do perfume, ela segurou seu frasco favorito, e, em um momento de distração, ele se espatifou no chão, mas mal havia tempo de limpar, depois ela pedia para um empregado, aquela era a hora de encarar seu destino. Nos anos anteriores, ela não havia se preocupado tanto com o look da quadrilha. Na verdade, da última vez, optou por um vestido caipira, com tranças, mas nem sob tortura ela permitiria que Matteo a visse vestida daquele jeito. Não que o italiano tivesse qualquer influência na sua decisão, pelo menos essa era a mentira que contava para si mesma.
Enquanto caminhava em direção à fogueira, Rosana amaldiçoava ao vento por bagunçar seus cabelos. Céus, essa era uma preocupação que nunca havia ocupado a sua cabeça. Por algum motivo que ela sabia muito bem ter nome e sobrenome, naquela noite, pela primeira vez, ela se encontrava agindo como uma garota insegura. Seu olhar passeava pelo jardim, quando, de repente, ela se deparou com o motivo de seus nervos estarem à flor da pele. Diferentemente de mais cedo, Matteo lhe lançou um sorriso amigo e muito sedutor.
Ao ver a garota de cabelos ondulados usando aquele vestido tão lindo, com os cabelos sobre o vento, o jovem italiano não teve outro pensamento a não ser que a ragazza mal humorada estava perfeita naquela noite. Enquanto ele usava uma blusa xadrez e uma calça jeans rasgada, o céu era o que ganhava por tentar se adaptar cem por cento aos costumes brasileiros. Ao olhar de Rosana, todavia, ele continuava lindo e charmoso como sempre.
— Pelo jeito, você veio mesmo disposto a entrar no clima — provocou.
— Si, il mio padre sempre falava sobre a quadrilha e como ela é incrível.
— Então suponho que ele também tenha te ensinado como se dança.
Com as mãos no bolso, o italiano sentiu suas bochechas corarem.
— Non, na verdade, non.
A jovem olhou em volta, afinal, se os acionistas a vissem dançando com o italiano, poderiam pensar bobagens, ou até mesmo que ela era uma irresponsável, porém, ao encará-los com mais atenção, percebeu que todos estavam distraídos, dançando com suas esposas, ou bêbados demais para prestarem atenção. Então ela decidiu se divertir e fazer o que queria pelo menos uma vez.
— Ah, então pode deixar que eu te ensino agora mesmo.
E em meio a uma música tradicional, Rosana puxou o gringo de olhos brilhantes para perto da fogueira, onde dançaram ao ritmo tradicional em perfeita sintonia.
— Você pegou do mesmo jeito? — elogiou, enquanto embalava seu braço ao de Matteo.
Ele deu uma leve risada antes de comentar.
— Acho que porque Io tenho lá meglio professora.
Foi a vez de Rosana corar.
A dança continuou por alguns minutos, nenhum dos dois dava sinal de cansaço, porém tudo mudou quando, de repente, a música tradicional de quadrilha deu lugar a uma balada lenta.
O coração de Rosana em seu peito, mais uma vez, se encontrava disparado à medida que seus dedos se entrelaçaram em ritmo lento aos do italiano, como se tivessem sido feitos para se encaixarem. O jovem acionista estrangeiro, aproveitando que Rosana havia abaixado a guarda, a puxou para mais perto de si, deixando claro sua intenção de tirá-la para aquela dança. Outra vez percebendo que os outros acionistas estavam ocupados lidando com o exagero na bebida, ou dançando com suas esposas, a herdeira de Gumercindo novamente deixou por um raro momento que seu coração falasse mais alto e se permitiu ser conduzida por Matteo a passos sincronizados pelo jardim.
Seus pés se moviam de forma idêntica, como se já se conhecessem e estivessem esperando o momento certo de se encontrarem. De certa forma, era como ambos se sentiam naquele momento. Por mais que negassem, sabiam ter muito em comum: pais ausentes, dramas familiares e uma pressão excessiva para se tornarem algo que talvez sacrificasse sua essência.
Enquanto, pela primeira vez se permitiu ser hipnotizada pelos olhos de Matteo, a garota de cabelos castanhos e ondulados refletia sobre o motivo por ansiar tão desesperadamente pela aprovação de seu pai. Por que ela se importava tanto com a opinião de alguém com o pensamento tão retrógrado? Mesmo que este tivesse ajudado a colocá-la no mundo. Talvez, por querer atenção, algo recorrente em seus dias quando Maria do Socorro ainda se encontrava nesse mundo. A carinhosa mãe sempre acariciava seus cabelos, contava histórias da melhor forma possível, mesmo que Rosana já tivesse certo interesse pelo café e já tivesse começado a trabalhar na empresa do pai, devido à sua ambição de assumir seu lugar algum dia. Tudo era muito mais leve.
Toda vez que a jovem se encontrava com a testa franzida em preocupação pelo que o pai dizia, a voz consoladora da mãe sempre sabia o que dizer. Porém, de repente, tudo se acabou. Sua vida ficou escura com sua partida, e Gumercindo ainda mais frio e distante. Dessa forma, Rosana se empenhou ainda mais nos negócios da família, na tentativa de chamar a atenção do pai, que parecia enxergar somente números e negócios à sua frente. Claro que com Angélica recém nascida, ele deu uma certa atenção, contudo, logo deixou a pequena na mãos de babás, e mesmo que estas fossem as melhores possíveis, afinal, dinheiro não era um problema, Rosana não queria que a irmãzinha passasse pelo mesmo, assumiu o posto de figura materna da irmã caçula, enquanto ela mesma necessitava de um colo.
Agora, no entanto, ali, seguindo os comandos do italiano e movimentando o corpo junto ao dele no ritmo da música, finalmente sentia seu coração verdadeiramente confortado. Essa era uma sensação pela qual ela vinha ansiando por anos, contudo, veio na pior forma possível, a forma de um jovem estrangeiro, charmoso, filho de um ex amigo de seu capaz e disposto a destruir seu maior objetivo.
Desde o momento em que teve a ideia para o projeto, a jovem não pensava em mais nada, se decaindo dia e noite, passando madrugadas em claro, envolta nas pesquisas, tudo para alcançar a glória e ver um sorriso sincero de orgulho no rosto de Gumercindo, que nunca a olhou da mesma forma que olharia se ela tivesse nascido homem. A aspirante a empresária havia colocado em sua mente que só se sentiria completa depois que os acionistas a aplaudissem de pé. Contudo, naquele instante com Matteo, ela se sentia exatamente assim: plena, realizada, como se nada mais faltasse. E pela primeira vez ela questionou se aquele projeto era mesmo tão importante comparado à felicidade que ela poderia ter e estava à sua disposição de uma forma tão simples.
Seu coração gritava, desejando jogar tudo para o alto e permanecer ali, naquela música e naquela dança para todo sempre.
— Até que em outras danças você não deixa a desejar. — Rosana soltou o elogio, dessa vez não se preocupando em disfarçar o quanto estava alegre.
— Gratze, Io digo o mesmo. Ma Io não foi ido tan male en la quadrlia ha?
A jovem soltou uma risada leve.
— É melhor baixar a bola, italiano. Mas, para ser sincera, eu não queria dançar com nenhum outro parceiro.
Matteo sentiu as bochechas queimarem com a declaração, enquanto seu coração parecia querer sair por ali pulando de alegria, era bom demais para ser verdade. Contudo, no momento em que ele ia tomar coragem para beijá-la, um grito vindo de dentro do chalé chamou atenção de todos.
— Fogo, precisamos evacuar.
A herdeira franziu a testa, sem entender o que estava acontecendo, porém percebeu seu erro quando viu uma chama na janela do quarto onde estava dormindo. A lareira. Ela havia ficado tão ansiosa com a ideia de encontrar Matteo na quadrilha que nem se lembrou de seu perfume esparramado no chão. O líquido provavelmente havia chegado até a lareira.
“Ai que droga”. Pensou consigo mesma, enquanto observava paralisada as chamas tomarem conta do chalé.
O transe só se desfez quando sentiu a mão de Matteo a puxando.
— Andiamo!
Todos se encaminharam para o mais longe possível do local, enquanto a jovem, sem graça, já em segurança, procurava coragem para reaproximar do acionista mais antigo. Este não saía do celular.
— O que foi que eu fiz? — sussurrou para si mesma.
Matteo, percebendo a preocupação da garota, se aproximou devagar, a tocando os cabelos de forma carinhosa.
— Ei, Rosana, estai bien.
Por algum motivo, ela sentia que podia se abrir com o italiano.
— Não, Matteo, foi culpa minha. Eu deixei um perfume cair e não limpei, além de ter esquecido de apagar a lareira.
O acionista estrangeiro a encarou não com julgamento, mas com compreensão, e, sem que ela pedisse, segurou sua mão de forma acolhedora. No meio daquele caos, ela sorriu e, apesar de tudo, se sentiu em paz.
Rosana respirou fundo, enquanto seus dedos trêmulos giravam a maçaneta.
Calma, talvez seu pai seria compreensivo. Talvez ele entendesse que foi apenas uma pequena distração. Talvez ele fosse, pela primeira vez, a confortar e dizer que estava tudo bem se errasse, que não importava o que acontecesse, ele estaria ali. Contudo, todas as suas esperanças foram por água abaixo quando, ao abrir a porta, se deparou com um Gumercindo de braços cruzados e uma testa franzida, visivelmente furioso.
De algum lugar dentro de si mesma, ela encontrou coragem para cumprimentá-lo.
— Oi, pai! — Sua voz saiu fraca.
— É tudo que tem para me dizer depois de destruir o chalé da empresa, Rosana? — A jovem, por mais que tentasse, não encontrou nenhuma brecha de ternura na voz de Gumercindo.
— Foi um acidente! — Conseguiu dizer, com a voz baixa.
— Um acidente? Não limpar um vidro de perfume caído, porque estava ansiosa para encontrar o seu italiano não é um acidente, Rosana, é pura irresponsabilidade. Foi isso que você fez? Você aprendeu em Harvard.
Apesar de estar acostumada às ofensas do empresário, a garota de cabelos marrons dessa vez não iria aceitar que Matteo também fosse ofendido.
— Deixa o Matteo fora disso pai, ele não teve nada a ver. O erro foi completamente meu — afirmou, engolindo em seco. Pelo menos somente a sua carreira seria prejudicada.
— Não foi o que me contaram. Pelo que eu soube, vocês dois estavam dançando juntinhos no meio da festa. Isso não é postura de uma presidente.
— Era só um momento de descontração, pai. Não entendo qual o problema.
Gumercindo colocou as mãos na cabeça, suspirando como se estivesse falando com uma pessoa sem neurônios.
— Esse é o papel mais bonito das mulheres. Vocês sempre acham que não tem problema misturar as suas bobagens e suas fantasias com os negócios. Bem feito para mim, por ter cogitado a possibilidade de passar o meu império para uma… — Cruzou os braços, zombando.
Rosana conhecia bem o lado machista do pai e estava careca de saber o quanto ele preferiria que ela fosse um homem, porém nunca o tinha visto cuspir esse preconceito de forma tão descarada. Era a gota da água. Pela primeira vez, a garota estava disposta a colocar para fora o que estava entalado em sua garganta por anos. Finalmente estava disposta a se fazer ouvir e ninguém, nem mesmo o seu pai, a calaria.
— Quer saber, pai? Se o senhor pensa assim, eu estou fora. Estou cansada, cansada de dar o sangue naquela empresa e só receber migalhas de reconhecimento. Estou farta de ter que provar meu valor dia e noite para o senhor que, mesmo não sendo o filho homem que tanto queria, eu sou extremamente competente. Não aguento mais ter que implorar pela sua atenção para as minhas ideias, ou ter que passar por inúmeros testes, sendo que se eu tivesse o cabelo curto, ganharia de bandeja. Eu cometi um erro? Sim, admito. Eu me sinto atraída pelo Matteo e me permiti ter uma noite de diversão com ele? Sim, mas, enquanto eu danço com um italiano em uma festa de descontração da empresa, viro assunto e sou taxada de incompetente, o senhor faz vista grossa quando os seus assessores recebem mulheres no escritório, não é?
— Abaixa o seu tom, Rosana.
— Não, não abaixo, porque, a partir de hoje, o senhor não conta mais comigo. Eu vou para um hotel e pode cancelar essa maldita reunião de segunda. Não tem por que eu me matar pela aprovação de alguém tão fútil. Passar bem.
Gumercindo fitava a filha de cima a baixo como se estivesse encarando uma aberração.
— É bom mesmo. Nunca mais apareça na empresa, a reunião está cancelada. Marcarei no lugar um jantar de negócios no restaurante de sempre e espero que não apareça por lá.
— Ótimo!
Sem se preocupar em pegar seus pertences, Rosana saiu da casa de cabeça erguida e no lado de fora abriu um sorriso, afinal, apesar de ter perdido tudo, o emprego dos seus sonhos e a admiração do pai, nunca havia se sentido tão livre. Era hora de parar de ansiar e se esforçar tanto pela aprovação de alguém que não a valorizava e começar a seguir seu próprio caminho.
Ela estava prestes a entrar no uber, quando foi interrompida por duas mãos pequeninas que conhecia muito bem.
— Angélica.
A pré-adolescente exibia lágrimas nos olhos.
— Por favor, Rosana, você não pode me deixar aqui sozinha com o papai. Nós duas sabemos que ele não liga para mim. Você é minha única família de verdade, não me abandone.
Tocada pelas palavras da caçula, a herdeira mais velha a tomou nos braços e acariciou seus fios negros.
— Ah, docinho, eu sei que é doloroso, mas eu precisava fazer isso. Você é muito forte, e preciso que fique aqui, pelo menos por enquanto. Mas eu prometo que volto para te buscar, nunca vou te deixar sozinha.
— Jura que volta para me buscar?
— Eu juro, meu amor. Eu fico tão feliz de ver a jovem que está se tornando, tenho certeza de que vai tirar de letra e logo estaremos juntas. Mas agora preciso que me prometa que vai ficar bem.
Angélica enxugou as lágrimas.
— Eu vou tentar.
— Tudo bem, já é alguma coisa. Assim que eu estiver no hotel, te mando mensagem com o número do meu quarto, aí você vai poder ir me ver sem o papai saber.
— Tudo bem.
— Ótimo, agora me dá um abraço, porque vou precisar de forças.
As duas irmãs se despediram sem conter as lágrimas. Desde pequenas, uma era tudo que a outra tinha para se apoiar. Agora o destino as impunha uma separação temporária, porém dolorosa. Tempo nenhum no mundo seria o suficiente para Angélica deixar sua figura materna partir, porém foi obrigada a soltá-la pelo motorista de Uber apressado. Rosana, ainda entre lágrimas, jogou um último beijo e entrou no carro em direção à sua nova vida, sem o sucesso profissional que tanto almejava, mas com muita liberdade.