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Revisada por Aurora Boreal 💫
Atualizada em: 19/04/2025.

Eu poderia ficar olhando-o e ouvindo falar do quanto me amava por horas. Mas o meu coração estava apertado o suficiente para não conseguir verdadeiramente acreditar em suas palavras.
— Você tem que parar de falar essas coisas. — Então ele se calou e me olhou fixamente nos olhos.
Se alguns meses atrás me dissessem que eu receberia uma declaração de amor, com a luz da lua banhando nossas peles e a brisa cheirando a verbena, eu não acreditaria. E vivenciando isso agora, ainda custo a acreditar. Todos esses meses, eu trabalhei para ouvir isso, não foi? Eu não queria ser amada?
A próxima sensação que sinto depois desse momentâneo devaneio, é um líquido quente banhando meus pés e adentrando os meus dedos, levanto meu olhar e o vejo um pouco curvado, com uma mão sobre a barriga e a outra limpando a boca depois do breve vômito.
— Tá bom, hora de ir para casa. — Ele me olha de forma confusa, mas não diz nada, eu pego seu braço e passo pelo meu ombro, dentro de minutos ele adormece. Seria difícil de carregá-lo, mas hoje me dei o passe livre para utilizar meus dons, levanto meu dedo indicador e o movimento, fazendo-o levitar no ar atrás de mim.
Você deve estar se perguntando de que merda eu estou falando, quem eu sou, quem é esse vomitador de pés e porque caralhos tem uma pessoa levitando atrás de mim nessa história. O caminho vai ser longo até a minha casa, tempo suficiente para te explicar como eu vim parar aqui…
Bem vindos a Mount Desert, uma ilha da Nova Inglaterra, de paisagem deslumbrante e que, se caso você for uma pessoa interessada pelo mundo místico, já se tocou que aqui é o lar da lenda Maria Owens, que, no caso, é minha tataravó. Assim, dá para perceber que o poder está no sangue, tanto no meu, quanto nos das minhas outras cinco irmãs. Sou a sexta filha de Antonia Owens, conhecida como , a sorte da família.
Acordo no meio da noite e escuto a porta da varanda se abrir, e logo mais, um corpo iluminado apenas pela lua, adentra meu quarto, eu sorrio de canto… ele realmente veio. Jogo minhas cobertas no chão, me levanto e vou até ele. Passo meus braços em volta do seu pescoço e dou meu beijo mais apaixonado de todos. Porém, esse beijo é cortado quando ele me afasta de seu corpo, colocando as duas mãos em minha cintura e me afasta forçadamente.
Com esse movimento de Dylan, minha adrenalina e paixão se abaixam, e assim posso finalmente encarar o rosto do meu namorado. E me sinto confusa, porque diferente das outras vezes, eu não consigo decifrar o que há por trás da sua expressão, ele parece confuso, parece distante.
— Temos que conversar. —Ele é categórico, eu aceno com a cabeça e vou até a ponta da minha cama, me sento e bato com a mão sobre meu lençol para que ele também se sente. — , é jogo rápido. Eu gosto de você, mas acho que isso não tá rolando mais… eu não me sinto mais como antes.
— Como assim “isso”? Como “antes”? O que você tá querendo dizer, Dy?— Como ele tem coragem de chamar o nosso namoro de seis meses de “isso”, o que deu na cabeça dele? — Você está tentando terminar comigo?
— Entenda, querida… — Ele se senta ao meu lado, coloca o polegar sobre a minha bochecha e acaricia. — A gente tava se conhecendo e tava sendo muito legal. Mas agora não tá dando mais… deve ser alguma coisa comigo. — Eu desvio o olhar do dele, que merda, eu não posso estar passando por um término pela terceira vez só esse ano. — , eu te amo, não estou terminando com você por falta de sentimento. Estou terminando com você porque acho que não está funcionando como antes, não consigo me sentir conectado com você como antes, consegue entender?
Fico por um momento encarando-o, o quarto estaria em completo silêncio se não fosse por um besouro que chiava do lado de fora, em algum lugar. Meus olhos começam a arder e deixo que as minhas lágrimas escorram. Dylan desvia seu olhar de mim.
— Vai embora, ô babacão. — A voz de Nola se faz clara e firme. — Senão, eu juro para você que faço esse seu pinto murcho ficar menor do que já é, apenas com um estalar de dedos. — Então ela acende a luz do quarto e eu posso então ver o rosto do meu antigo namorado, sua feição é de medo/horror, mas nada de arrependimento ou tristeza. Definitivamente, o problema deve ser com ele, porque nesse momento, eu estou em prantos.
Ele se levanta, mas antes de sair por onde entrou, me olhou uma última vez e mandou um beijo pelo ar. Depois disso, escuto um estrondo e um pequeno grunhido, vejo Nola sorrir e sei que deve ser algum truque dela. Mas eu não me importo, ela então move sua mão e a porta da varanda fecha. Me encolho na cama e me deixo chorar.
— Ei, mana, não fica assim. — Sinto seu abraço caloroso sobre meu corpo, então ficamos nessa posição por um tempo. — Você sabe que sempre achei ele um chato né, fora que é super brega aquelas botas militar dele, isso só fica bom no Heath Ledger sendo o Patrick. — Eu rio dessa última frase, ela tinha razão, senso de moda era uma coisa que o Dylan não tinha.
O meu peito estava ardendo, por mais que uma coisa aconteça repetidamente na sua vida, isso não significa que você se acostume, crie uma casca ou se torne resistente. Porque, no final, toda a dor é única e nova, e me separar de Dylan era uma dor diferente das outras, isso eu não poderia negar. Ele era engraçado, tinha sido um grande amigo, para depois se tornar meu namorado. E, por fim, agora não era mais nada.
Sinto que, a cada término, eu vou deixando de existir um pouquinho, porque eu não entendo o que há de errado, será eu o problema? Será que a maldição sobre as Owens ainda perdura? Mas nada disso parece fazer sentido. Eu amei cada um deles, me doei, tentei ser a melhor… mas só isso não basta, ser eu não basta para que meus relacionamentos continuem. Gostaria de poder me congelar por um tempo e voltar só quando eu fosse madura, bem resolvida e amada por alguém.
Dylan Palasse e eu éramos amigos desde o maternal, era uma vida compartilhada. Mas foi apenas nesse último ano, depois do meu segundo namoro desfeito em abril, que ele resolveu se declarar. Me lembro que estávamos voltando para casa, eu chorava incessantemente por Kai, até que Dylan me beijou e todos meus caquinhos se colaram.
Em menos de uma semana, estávamos namorando. Ele era companheiro, compreensivo, eu me sentia feliz ao seu lado. Mas nada de coração disparado ou mãos geladas. Era apenas um conforto e agora eu estava desconfortável demais.
Escuto os barulhos matinais, torneiras abertas, a chaleira assobiando, minhas irmãs falando. Mas eu não quero me levantar, não quero fazer nada, quero apenas fugir de mim e de todos esses sentimentos. Nola pula na minha cama, finjo que não acordei, mas isso não é o suficiente para minha irmã.
— Hey, maninha, vamos levantar. Hoje tem prova e macarrão com queijo de almoço. — Ela me dá essas informações em uma tentativa de me animar. Se não fosse pela prova de biologia, eu me daria o direito de faltar. Saio debaixo das cobertas e encaro a menina à minha frente, que logo demonstra uma feição de estranhamento para mim.
— Meu Deus, você está péssima. — Ela se levanta e abre a porta, indo rumo ao banheiro. Antes de sair por completo do quarto, ela me advertiu. — Mais dois minutos nessa cama, você começa a fazer parte dela e vai se atrasar para a aula.
Pegamos uma carona com Olivia, minha outra irmã, durante o caminho, elas me informam sobre os preparativos do casamento de Astoria e Théa, minhas outras duas irmãs, que resolveram fazer seus respectivos casamentos juntas. O que me faz refletir o quanto elas são sortudas, porque Astoria e Théa vão casar com seus namorados de infância, Olivia está há dois anos com Charles e estão combinando de morarem juntos. E mesmo que Nola não fale, sei que deve estar com algum carinha lá do colégio.
E eu estou aqui, com o rosto colado no vidro do carro, passando pelo terceiro término esse ano. Acho que realmente eu vou ter que buscar a terapia, porque estou começando a crer que o problema de tudo isso sou eu. Eu sinto que algo dói dentro de mim, mas não sei se é necessariamente por ter terminado, ou por perceber que talvez eu consiga sobreviver sem ele e que ele não seja realmente alguém que eu amava de todo coração.
Será que para ficar com alguém, a gente tem que amar de todo o coração?
— O que ela tem? — Olivia pergunta para Nola, sobre mim. E sei que ela faz isso, porque sabe que ninguém me conhece mais que Nola.
— De forma simples — minha irmã informa — outro término. Mas ela vai ficar bem. Você tá me ouvindo? — Nola chama a minha atenção, se virando um pouco para me observar no banco de trás. — Tem como me emprestar uma grana?
— Você não recebeu sua mesada essa semana? —Meus pais sempre nos deram mesada, para que, de alguma forma, a gente criasse certo tipo de responsabilidade sobre o dinheiro… Bom, era o que eles esperavam, mas não o que Nola faz. Ela sempre acaba fazendo pequenos empréstimos, mas nunca tão no começo do mês assim.
— Vai me emprestar ou não? — Ela continua me olhando, mas agora de uma forma impaciente.
— Porque você precisa de tanto dinheiro assim? — Minha irmã, Olivia, indaga. Vejo Nola rolar os olhos, então ela se vira para frente e cruza os braços.
— Para nada, esquece. — Então ela se pronuncia de uma forma para que o assunto se encerre ali.
Eu passo pelas minhas primeiras aulas realmente focada. Durante meu breve intervalo, resolvi permanecer em sala e revisar alguns conceitos finais para a prova de biologia.
— Para que tantos filos? Fala sério, que merda. — Digo a mim mesma, por perceber pela quarta vez que sempre esqueço o nome de algum. Tento me concentrar mais uma vez para tentar decorar a sequência, mas se torna impossível quando tem um caso de família rolando do lado de fora.
Desisto, me levanto e me aproximo da porta da sala para ouvir a pequena discussão, que se torna cada vez mais calorosa do lado de fora. Não que seja novidade para mim, mas me surpreendo quando reconheço a voz de , por que merda eles estão brigando de novo?
— Eu não estou falando que não quero ir, só estou pedindo para que você espere eu sair do trabalho. — Ele gesticula de forma insistente com as mãos, sinal de que ele está a ponto de explodir. — Será que, pelo menos uma vez na vida, você consegue fazer alguma coisa sem ser do seu jeito, Di?
— Olha, se eu realmente fosse querer as coisas do meu jeito, você nem estaria trabalhando naquela porra. E segundo que eu não vou chegar atrasada de novo em uma festa para você chegar fedendo a gordura. — A garota se encosta em um armário. — O que custa você pedir para sair mais cedo? — Ela oferece uma solução simples e vejo revirar os olhos.
— Porque eu já pedi dispensa mais cedo nas últimas seis semanas que se passaram. Não sei se você se lembra. Fora que essas saídas mais cedo eles descontam do meu salário, Diana.
— Pede mais uma vez. — Ela dá de ombros para ele, então se endireita e fica frente a frente com o menino. Em uma passada rápida de olhos por cima do ombro do namorado, o meu olhar e do Diana se encontram. Merda! — Temos plateia. — Ela indica com a cabeça para ele que se vira e também me encara. Agora descoberta e sem graça, resolvo disfarçar. Abro a porta e finjo ir ao banheiro. —Não precisa disfarçar. Owens, que você é bruxa eu já sei, mas que é stalker é nova pra mim. — Ela esboça um sorriso cínico.
— Bom dia para vocês também, casal. — Enfatizo a palavra “casal” porque eles estão mais para inimigos em guerra.
— Bom dia, . — Ouço dizer de forma envergonhada antes que eu feche a porta do banheiro.
Inicio passos rápidos para o caminho de casa, preciso da minha cama e da minha manta conforto. Estou prestes a colocar meus fones, quando ouço alguém me chamando.
, … — Chama quase sem fôlego, correndo em minha direção. Quando se aproxima de mim, coloca a mão sobre meu ombro e puxa um pouco de ar. — Primeiro, eu queria te pedir desculpas por hoje mais cedo, você sabe às vezes a Di é meio…
— Babaca. — Completo a frase de e inicio uma caminhada acompanhada por ele. — Relaxa, você sabe que eu não ligo para ela. Nem para as ironias de quinto ano dela. — Isso é verdade, a Diana não é uma patricinha chata de filme, ela só tem um ciúmes doentio do , que faz ela agir desse jeito babaca. Mas teve uma época caótica que a gente foi até parceira de grupo de laboratório. — Mas me diz: como foi na prova hoje? Aquele esquema que eu te passei ajudou?
— Sim, me ajudou muito, vim também te agradecer. — Ele me dá um abraço de lado, meio desajeitado. — Nem acredito que vou passar nessa matéria sem precisar fazer reavaliação. Ah… última coisa que eu queria te falar é que vamos ter que desmarcar nossa sessão de estudos de amanhã. — Ele diz de uma forma meio desanimada. — Acabou que depois do trabalho eu vou ter uma festa…
— Ela te convenceu mesmo, hein. —Se tinha uma pessoa que conseguia convencer o , era a Diana. Eu ainda ficava assustada do poder dela sobre ele. Eu quero um dia ser apaixonada, mas que não seja nesse nível, por favor. — Não tem problema, mas fica esperto para não acabar acumulando tudo como da última vez.
— Pode deixar, — diz, batendo uma continência, e eu solto um pequeno riso. — Diana me prometeu que vai ser mais compreensiva e essa será nossa última festa esse mês. — Ele parece realmente acreditar nessa promessa. Ainda há muita inocência neste mundo.
— Se você diz… — Dou de ombros e me despeço, seguindo meu caminho.


Era sábado e meus únicos planos eram dormir, dormir e maratonar filmes de romance clichê. Porém, os meus planos foram interrompidos no primeiro item da lista. Eu me viro de um lado, viro para outro, tentando me concentrar no sono, mas minha concentração sempre é interrompida por barulhos vindo do sótão.
O que é estranho, porque ainda não estamos trocando de estação para minha mãe querer fazer esse tipo de faxina… então porque caralhos estão mexendo no sótão? Por que o sótão tinha que estar bem acima do meu quarto?
Me dou por vencida e me levanto, encaro a cama ao meu lado e percebo que ela já está feita. O que é estranho, porque Nola nunca levanta cedo aos finais de semana. Caminho pelo corredor, subo uma pequena escada, e dos degraus finais já avisto algumas coisas jogadas na porta do local, algumas caixas, roupas, brinquedos.
Quando enfim adentro o cômodo, vejo suas janelas todas abertas e minha irmã, Nola, enfiada em meio a bagunça. Ela percebe minha presença, levanta a cabeça e me dá um sorriso sapeca.
— Bom dia. — A pouca atenção que recebo já se volta novamente para a caixa à sua frente. — Tá afim de me ajudar?
— O que te deu, para vir mexer aqui em pleno sábado? — Eu me aproximo, observando as coisas envolta dela, o que evidencia que ela começou muito mais cedo do que eu imaginava.
— Estou procurando um caderno… — Nola observa atentamente uma caderneta em sua mão, folheia rapidamente e a joga do meu lado. — É um caderno antigo da mamãe, preciso dele. — Me agacho junto a ela e começo a procurar em uma caixa que antes estava fechada. — Ele é de tamanho médio, tem uns detalhes azuis na capa. — Ela continua vasculhando, enquanto me dá algumas informações. — Você vai no ensaio de casamento hoje à tarde, né? — Nesse momento, sinto que ela apenas está afirmando e não me consultando. O problema é que eu nem lembrava desse ensaio. — A gente falou sobre isso a semana toda com você.
— Será que eu preciso mesmo ir? — Era bom estar reunida com todas as minhas irmãs juntas, mas o fato agora era que eu não tinha mais parceiro, quem ia aos ensaios comigo era Dylan e isso ainda me incomoda.
— Claro que precisa, são as suas irmãs que vão casar.
— O Dylan vai estar lá? — Minha pergunta é feita em tom de receio, porque ao mesmo tempo, eu quero que ele esteja. Sei que quero sua presença para confirmar, que ele também está mal com o término e caso eu perceba que ele não está mal, eu vou ficar ainda mais arrasada.
— Você é engraçada, né… Há seis meses atrás, você literalmente implorou para que Astória e Thea chamasse esse cara. E agora está evitando suas irmãs, porque esse cara vai estar lá. — Nola me encara de forma repreensiva, e sei bem o motivo. — Como boa irmã, liguei para o Dylan educadamente e informei que ele poderia ir, mas não era mais padrinho pelos motivos certos. — Concordo com a cabeça, porque mesmo dentro de suas broncas, Nola de alguma forma sempre me conforta. — ACHEI. — Nola dá um salto, mostrando sua empolgação. A vejo sair correndo do cômodo, com o tal caderninho da mamãe.
Astória e Thea estão cada dia mais ansiosas e mais lindas. Eu adoro estar na presença delas, porque de alguma forma, me transmite uma paz avassaladora, uma esperança de que tudo vai dar certo. Após uma pequena conversa e algumas fofocas entre eu e minhas outras cinco irmãs, dou a notícia do fim do meu namoro. Cada uma decide me consolar de sua forma.
— Olha… — Thea toca minha mão de forma gentil e me olha nos olhos. — Talvez fosse melhor assim, para que daqui algum tempo você possa verdadeiramente encontrar quem você ama. — Vejo Astória encarar Thea e depois concordar com a cabeça.
— Agradeça pelo o que vocês viveram, talvez possam se tornar bons amigos. — Astoria acrescenta.
— Não, nada disso. Você sempre vai ficar remoendo o que aconteceu quando se encontrar com ele, o melhor é se afastar. Deixei que o tempo cure. — Agora quem fala é minha irmã mais velha, Indiga. Todas as outras a encaram em forma de repreensão. — Que foi, gente? Falo isso por experiência própria, , quando mais nova eu ia na conversa dessas duas aí e acabava que eu sempre acompanhava meus ex’s iniciando outros relacionamentos. Enquanto eu pagava de boa amiga. — Por fim, toma um gole do seu café.
— Por que você não tenta com aquele loirinho? — Olivia sugere de forma simples.
E já sei de quem ela está falando, sei que tá falando do .
— Manas, vamos parar de falar dos fracassos amorosos da e vamos focar na temporada de festas da Nola. — Nola chama a atenção de minhas irmãs. — Eu percebi que nos Owens há tempos não damos nossa festa de halloween foda, e por quê?
— Porque a gente gastava demais com uma cidade que só critica a gente? — Minha irmã Indiga informa. Eu sabia dessa festa desde quando era pequena, costumava ser grande e reunia todo mundo, duravam até dois finais de semana. Todo mundo ajudava, participava e festejava. Porém, conforme fui crescendo, isso foi se acabando.
Essa tradição começou com a minha avó e minha tia-avó, Sally e Gillian, depois passou para minha mãe e minha tia, e quando chegou em mim e nas minhas irmãs, morreu. Mas conhecendo bem a Nola, sabia que tinha algo, além de reacender uma tradição familiar.
— E aí, o que acham? — Nola irradiava excitação em sua voz.
— Não sei… — Eu achava uma ideia legal quando criança. Mas depois de crescer e entender que representava que finalmente Sally e Gillian fizeram isso porque aceitaram seu título de “bruxas na vizinhança”, não me parecia mais tão genial assim. — Eu acho meio nada a ver recuperar essa tradição, o pessoal já acha a gente macabra. Se começarmos a festejar o halloween, vão, sei lá… querer queimar a gente em uma fogueira.
— Acham a gente macabra? — Astória me pergunta, com certo receio.
— Eles têm inveja que a gente sabe ler e usar o que a gente lê. Não nos acham macabras. — Olivia explica à Astória e vejo Indiga concordar com ela. Acho que, de todas as irmãs, a que não utilizava nenhum tipo de magia era eu. E era apenas nisso que Nola e eu nos distanciamos.
— Pensamento ansioso esse seu, hein, , ninguém mais queima bruxa ou falam de nós. — Nola me encara com desdém. Sei que ela odeia ser contrariada. — E outra, eu achei o livro de feitiços da mamãe e acabei encontrando alguns encantamentos para aumentar o dinheiro, ou arrumar um armário novinho em menos de meia hora.
Eu fugia do estereótipo Owen Bruxa de todo o jeito, eu evitava ficar lendo, eu evitava ter plantinhas, evitava até a usar chapéu. Queria que as pessoas soubessem que tudo que eu tenho é por meu mérito, não por três palavras ditas com a mão estendida. Mas era difícil,porque minhas irmãs, minha mãe, ninguém pensava assim em casa.
Elas passaram boa parte da minha vida me presenteando com livros de magia, me fazendo assistir Sabrina ou pelo menos tentando me fazer entender como funcionava as cartas de tarô. E era nesses momentos que eu fugia disso, que me fazia me sentir solitária.
Acho que eu também corria dessas coisas de magia, porque de alguma forma, me afastava da lenda de que todo amor verdadeiro de uma Owen em algum momento morria, sendo assim, a gente era destinada a viver sozinha.
Mas então eu olhava para minha mãe e via a linda família que ela construiu, via o amor dela e do papai e tudo parecia possível, até mesmo para mim. Porque quando duas pessoas verdadeiramente se amam, elas simplesmente se destinam a viver esse amor.
Nola me encara e se pronuncia.
— Okay, não precisa ficar emburrada. Estamos no século da democracia, vamos iniciar uma votação. Quem acha que devemos voltar com a festa de halloween levanta a mão. — E nesse momento, eu percebo que perdi. Porque a única irmã que não levanta a mão sou eu. — Mana, você pode ficar responsável pela sobremesa, docinho. — Nola me informa e solta um pequeno riso.


Os meus olhos estavam fechados enquanto eu respirava e inspirava calmamente aquele cheiro de alecrim, que vinha direto da pequena horta da minha mãe. A noite estava silenciosa e quente, e eu estava à espera de para revisar toda a matéria de química que ele tinha perdido essa semana, e que, por sinal, cai na prova de amanhã.
— A noite tá linda, né. — Nola diz, se sentando do outro lado da mesinha. — Eu queria conversar com você.
— Sobre? — Eu mantenho meus olhos fechados. E confesso que estou surpresa com a aparição de Nola, porque essa semana, depois do nosso pequeno embate no jantar de ensaio de casamento, acabamos um pouco distantes.
— Queria te pedir desculpas por ter sido um pouco incisiva no último final de semana. — Eu abro meus olhos e viro meu rosto para encará-la. — É só que, às vezes, eu não te entendo, . Não entendo porque você detesta tanto a nossa história, nossa tradição. — Ela pende a cabeça.
— Eu não detesto, eu só acho que… — Quero usar as palavras certas, porque eu já conheço essa cena e sei que, se eu não me expressar bem, isso vai se tornar uma grande discussão. Eu me endireito na cadeira para ficar totalmente de frente com a minha irmã. — É só que… isso já faz tanto tempo. Porque a gente tem que morar nessa casa? Porque temos que ficar utilizando magia, para quê toda essa encenação?
— Encenação? Quando eu e nossas outras irmãs nos reunimos, tomamos absinto, você acha que encenamos nossos dons, ? Não! A gente está apenas leve e despreocupadas, vivendo o que nossa tataravó não pôde viver, porque o mundo que ela vivia era uma merda.
— Tá, pode ser. Mas a gente realmente quer se destacar na multidão? Eu quero que me vejam pelo que eu sou, não pelas lendas da família… — Nola se levanta e bufa de forma indignada.
— Lenda da família? A gente não é folclore, . Nós estamos falando aqui sobre tradição, sobre cultura, sobre o que foi nossa família, o que ainda é e o que será. Se não fosse pela mamãe, a gente nem saberia quem era Maria e porque tentaram matar ela grávida. — Minha irmã fecha os olhos e inspira profundamente. — Nós não fazemos maldade, fazemos magia, quantas pessoas não podemos ajudar com nossos dons. Lembra quando a gente era mais nova e nossa vizinha idosa perdeu sua gatinha e ninguém achava? E lembra que ela veio até a mamãe e ela fez um encanto de rastreamento e assim a gente conseguiu achar a gatinha dela? , nós ajudamos as pessoas de uma forma que ninguém mais pode ajudar.
— Tá, eu concordo, mas eu não quero isso para mim. — E essa era a verdade, eu não estava impedindo elas de nada, estava apenas impedindo a mim mesma.
— Só que você não entende que um clã só é forte o suficiente quando todas estão juntas. Se você participasse mais, seria melhor. Por exemplo, você agora poderia estar em qualquer lugar aproveitando essa noite incrível. Mas está aqui ajudando o , você sabe que se usasse seus dons poderia ajudar ainda mais ele, de forma mais eficiente.
— Eu.não.quero. — Encaro minha irmã fixamente, para que ela entenda que esse é meu posicionamento final.
— Sabia que esse seu posicionamento me dá medo? Porque você parece uma preconceituosa e isso sim me assusta. — Nola sai pisando fundo e a acompanho até entrar em casa.
Alguns minutos se passam e chega.
— Boa noite, . Acabou o combustível da minha moto bem em frente à lanchonete e acabei tendo que vir de pé, por isso demorei. — Ele explica enquanto coloca sua mochila sobre a mesa e retira alguns livros.
Estou ainda muito perdida na última discussão que tive com a minha irmã, com isso, não formulo nenhuma resposta para ele, apenas aceno com a cabeça, concordando. Quando olho para , posso ver que a lateral do seu rosto está um pouco esfolada.
— O que aconteceu? Seu rosto… — Me levanto e toco no ferimento. Vejo sua feição mudar para dor e seus olhos ficarem um pouco avermelhados.
— Eu acabei discutindo com a Diana… e… terminamos. — Ele levanta a cabeça e encara fixamente o nada. — Quando contei para o meu pai, ele não gostou muito. — Ele nega com a cabeça algumas vezes e continua vasculhando sua mochila.
— Peraí, , seu pai te bateu porque você terminou com a sua namorada? — Eu me recuso a acreditar que exista pais babacas a esse ponto.
Vejo uma careta surgir em , ele pressiona um pouco os lábios e se senta na cadeira. Me posicionei entre suas pernas e cruzo meus braços esperando uma explicação.
— Lá em casa as coisas não são fáceis. Depois que eu comecei a namorar a Diana, milagrosamente, as coisas começaram a se acertar. Por coincidência, meu pai, que era faxineiro do escritório do senhor Montgromy, pai dela, do dia para noite subiu de cargo e ganhou um escritório só para ele. Assim, toda vez que eu tento o término com a Diana, meu pai tem o emprego ameaçado e tudo em casa vira um caos.
E tudo começa a fazer sentido, toda essa obediência do e toda a autoridade da Diana sobre ele não passa de um jogo de poder entre famílias. É como se o próprio pai do vendesse ele por um “bem maior”.
— Todo dia eu tento trabalhar o dobro do anterior, para conseguir juntar um dinheiro e poder finalmente viver. Mas está muito difícil, porque aí eu começo a ir mal nas aulas e fico prestes a perder o ano, mas chega a Diana e me salva. E aí eu penso que talvez vale a pena ficar com ela. — Nessa última parte o seu tom de voz fica mais baixo, como se fosse uma afirmação para si próprio. Ele abraça a minha cintura a coloca a cabeça sobre a minha barriga e eu inicio um pequeno carinho sobre seus cabelos macios e dourados.
— É… somos dois fudidos. — Eu concluo e levanta a cabeça para me encarar.
— Ué, por quê?
— Eu também terminei com Dylan… Na verdade, ele quem terminou comigo. — Me desvencilho de e sento na cadeira à sua frente.
— Por que aquele idiota terminou com você? Quero dizer… ele era legal com você né, mas era um idiota com o resto.
— Ele invadiu meu quarto no meio da noite e me informou que não tava “rolando” mais.
— Que cara escroto. — fechou sua expressão.
— Mas mesmo assim, eu espero voltar com ele. — Dou de ombros. — Eu gostava de estar na companhia dele.
, é sério isso? Gostar de estar na companhia de algo, a gente gosta até de estar na companhia de um ventilador. Agora amar uma pessoa é mais que companhia, é coração. E se você não sente… algo relacionado aqui. — Ele aponta para o próprio peito. — Quer dizer que tá na hora dele sair daqui. — Agora ele aponta para sua cabeça.
Eu fico um pouco irritada com o comentário dele e o confronto.
— E você sente algo no coração, além do bolso, claro, pela Diana?
— Verdadeiramente? — Eu afirmo com a cabeça que sim. — Nunca senti por ninguém. Mas eu estou em uma situação que não posso escolher me apaixonar. Por exemplo, eu faria de tudo para voltar com a Diana e melhorar as coisas lá em casa.
— Se a gente não tem tempo agora que é jovem para se apaixonar, quando a gente vai ter, ?
— Você quer realmente me ajudar, ? Me faz uma poção para que a Diana se torne mais gentil e para que volte comigo. Porque assim eu vou conseguir ficar com ela e manter um relacionamento estável com os meus pais.
Eu rolo os olhos, não é possível que em menos de uma hora vamos retornar ao assunto de magia. Então uma ideia surge…
— Olha, eu posso te ajudar… não com uma poção. — Faço uma expressão de nojo. — Mas o que percebi é que você quer a Diana de volta e eu quero o Dylan. Sem discutir nossos motivos pessoais. E se a gente desse um jeito deles virem até nós?
Ele cerrou um pouco os olhos e apoiou os cotovelos na mesa.
— A Diana só viria atrás de mim se se sentisse ameaçada por outra pessoa… e a única pessoa que ela sente medo é você — conclui.
— Eu? — Okay, isso me pega um pouco desprevenida.
— Sim, ela acredita fielmente que você é uma bruxa e morria de medo de um dia eu tomar um copo de água enquanto estudava com você e acabasse me apaixonando perdidamente. — Eu não aguento e começo a gargalhar, como as pessoas podem ser inventivas. — E o Dylan voltaria se percebesse a gostosa que perdeu. — fala e fica um pouco vermelho.
— Temos uma ideia, e se começarmos um namoro falso?
— Isso parece interessante. — Ele estende a mão em minha direção. — Eu topo, parceira.
Eu aperto a mão do , confirmando nosso “acordo”. Agora sim, estou decidida que Dylan Palasse voltará a ser meu namorado.


A conversa que tive com Nola, e depois com , ecoam na minha cabeça. Eu não sou preconceituosa, não tenho vergonha da minha família, da minha origem, nada disso. O que eu realmente queria que minhas irmãs entendessem é que eu quero que a minha história seja interpretada pelos meus feitos, meus passos, nada além de mim… e para mim, se eu usar magia, as pessoas não vão me ver, vão ver apenas os meus dons. E eu sou mais que isso, né?
E sobre o que o falou… talvez ele tenha razão, é… ele tem razão. Acho que o que eu sinto pelo Dylan não é amor, mas eu quero estar pelo menos mais uma vez na presença desse sentimento que ele me desperta para então poder responder ao meu amigo, se eu amo meu ex namorado ou se quero ficar com ele apenas pelo conforto.
Me viro na cama e encaro a cama ao meu lado, com minha irmã dormindo tranquilamente. Espero que a gente se resolva logo, para que assim eu possa contar a ideia louca que eu e vamos colocar em prática, e sei que no fundo, ela vai surtar. Olho na mesinha ao lado da cama dela e vejo o caderninho da mamãe aberto.
A curiosidade fala mais alto e resolvo ver o que há de tão interessante nele. Me encosto na cabeceira da minha cama e pego o caderno, começo a folhear ele, há algumas flores secas grudadas nas páginas e, em outras, pequenas pedrinhas. Simplesmente minha mãe inventou todo tipo de encantamento possível, até para o cabelo se manter hidratado por toda uma vida e isso me tira um pequeno riso.
Estou prestes a fechá-lo quando noto que há mais uma folha a ser lida. Essa é uma folha mais amarelada que as outras e tem grudada nela uma rosa branca. O feitiço que está nesta página leva o nome de “amas veritas II”. Quando inicio a leitura, a porta de varanda se abre de forma estrondosa e um vento gelado golpeia o meu rosto, mas me sinto tentada a continuar a leitura.
Recito as palavras escritas naquela folha de forma baixa:

A mãe ao ver o pequeno coração que bate fora de si, se preocupa
A busca da defesa dele, é sua maior cura
E se o amor ele conhecer? O que ela poderá fazer?
Para que a tristeza não preencha esse coração
haverá uma nova maldição

As seis pétalas de rosa branca eu coloco e a última eu convoco
peço para que todas elas sejam felizes, e caso houver uma última
que haja para as cinco primeiras felicidade, amor, sem sofrimento
e a última que recaia a maldição da primeira geração.
Porque ela saberá repartir seu coração

Caso a rosa não seja contemplada de seis pétalas, que nenhuma delas
encontre o amor em questão, para que nunca sofram com a rejeição.


Essa merda é sobre mim?
Leio novamente a página e sinto que minha testa até se franze com tanta concentração. Não quero me precipitar, porém, acho que já é tarde demais para isso, porque meu coração está ardendo e minha mãos estão geladas. Eu estou sentindo um misto de ansiedade e medo nesse momento.
O vento se intensifica e folhas começam a entrar no meu quarto, retiro aquela página e corro para minha varanda para fechar a janela. Volto para cama, com minha respiração irregular, meus olhos ardem e eu começo a chorar.
Aquele encantamento foi feito para minha mãe em relação a mim, a sexta pétala da rosa, é a sexta filha dela. Eu sou a sexta filha e ela pede para que a maldição das Owens recaia sobre a última. Deixo minhas lágrimas caírem e molhar a folha nas minhas mãos, o pouco que entendo sobre esse feitiço faz o meu estômago revirar.
Então em todo esse tempo, eu nunca dei certo com ninguém não por minha causa, por faltar algo em mim, mas porque a minha mãe, desde meu nascimento, me predestinou essa maldição.
Os meus olhos estão fixados no vaso que está no centro da mesa, nesse momento estou em uma sala de jantar “secreta” que fica embaixo da escada principal da minha casa. É uma mesa grande de madeira preta, contém exatamente sete cadeiras, eu confesso que pouquíssimas vezes sentei nela. Mas hoje eu não me dou ao luxo de não estar aqui.
Vejo uma por uma das minhas irmãs chegarem, e quando Indiga e depois Olivia chegam, sinto suas feições demonstrarem um pouco de surpresa por eu estar presente. Elas conversam entre si sobre vários assuntos, especulam quem convocou uma reunião, porque a única informação que tinham era a que estava em um pequeno convite, que marcava o horário.
Nola toca a minha mão, e quando eu pisco, uma lágrima escorre, solitária.
— Tá tudo bem, mana? — Eu encaro os olhos dela, eu estou com tanta raiva e ao mesmo tempo tão desapontada com ela, que nem ao menos uma resposta eu consigo formular.
Todas direcionam sua atenção para a porta, quando pela última vez ela se abre, o corpo de minha mãe adentra o lugar, cumprimenta cada uma de nós e se senta na ponta, no local de costume. Minhas irmãs se agitam um pouco, porque começam a perguntar o que aconteceu, mas minha mãe também não sabe responder a essa pergunta. Porque, no caso, quem convocou essa reunião do “clã” foi eu.
— Quem convocou? Já podemos começar né, porque eu to cheia de coisa para passar plástico bolha — Olívia diz.
— E eu tenho que buscar os meninos no judô, então se puder ser rápido aqui, eu agradeço — Indiga também informa.
— Meninas, se eu soubesse do que essa reunião se trata, eu poderia dizer que seria rápida. Mas não fui eu que a convoquei — minha mãe explicou às minhas irmãs, que agora voltaram seu olhar para Nola, que encarava as pontas de seus cabelos.
Nola, ao perceber, soltou a mecha de cabelo.
— Que foi, gente? Nem me olhem com essa cara, não fui eu que convo… — Resolvi cortar, porque todo aquele burburinho só estava me deixando mais estressada com elas.
Dei uma bufada e me levantei.
— Fui eu quem convocou isso. — Agora todas me olhavam de forma curiosa e até um pouco surpresas.
— Aconteceu alguma coisa? — O olhar de Olívia sobre mim era de certa preocupação e seu tom de voz era cauteloso, mas eu apenas a encarei com indiferença.
— Quero que mamãe me explique o que isso significa? — Peguei o pequeno papel amarelado no bolso de trás da minha calça jeans, desfiz a dobra e coloquei sobre a mesa. Todas juntamente se inclinaram sobre a mesa para observar o papel, mas foi Astoria quem o pegou em mãos para ler em voz alta.
Com os olhos concentrados, ela começou a recitar e, nesse momento, minha mamãe apenas abaixou a cabeça.
A mãe, ao ver o pequeno coração que bate fora de si, se preocupa. A busca da defesa dele, é sua maior cura. E se o amor ele conhecer? O que ela poderá fazer?
Astoria parou de ler quando mamãe a interrompeu, empurrando sua cadeira para trás abruptamente e se levantando.
— Onde você achou isso, ? — Ela me encarava de forma receosa e meus olhos já estavam começando a arder de novo, eu definitivamente não queria chorar na frente delas.
— Isso é do caderninho que eu achei, não é? — Nola agora parecia entender. — Você tirou essa folha?
— Eu falei que não queria você com esse caderninho, Nola. Quantas vezes que eu tenho que repetir para vocês… — interrompi, porque sinceramente, sei que ela está apenas querendo fugir do real assunto aqui.
— Realmente você só está preocupada que Nola mexeu em suas coisas sem permissão? — falei, a desafiando.
— Olha, acho que isso não tem nada a ver comigo. — Indiga passou a alça de sua bolsa sobre o ombro e fez menção em se levantar. — Vocês estão tensas entre si, então estou…
— Senta agora. — Bati a mão sobre a mesa e algumas velas espalhadas, que antes estavam acesas, agora apenas soltavam uma pequena fumaça, por terem se apagado. — Vou terminar de ler esse querido poema da nossa mãe. — Pego o papel que ainda está na frente de Astoria e continuou recitando, mas agora de forma alta e irritada. — Para que a tristeza não preencha esse coração, haverá uma nova maldição. As seis pétalas de rosa branca eu coloco e a última eu convoco, peço para que todas elas sejam felizes, e caso houver uma última, que haja para as cinco primeiras felicidade, amor, sem sofrimento, e a última que recaia a maldição da primeira geração. Porque ela saberá repartir seu coração. Caso a rosa não seja contemplada de seis pétalas, que nenhuma delas encontre o amor em questão, para que nunca sofram com a rejeição — falei a última palavra encarando minha mãe, que me olhava fixamente. Depois revezei meu olhar sobre minhas irmãs e notei que Indiga e Olívia haviam entendido do que tudo se tratava. Elas se encaravam de forma cúmplice. — Então, mãe, vai me explicar por que isso se parece com a nossa vida, ou eu terei que fazer um feitiço para saber?
Era amargo falar com a pessoa que eu tanto amo dessa forma. Mas quando se é enganado por quem se ama, é esse o gosto na boca, inicia-se de forma doce, mas depois o que resta é um amargor incurável.
Todas continuaram me encarando.
— Vocês sabiam, né? Sabiam sobre isso, sabiam sobre essa merda de maldição. E todas as vezes que me viram chorando pelo fim de um relacionamento, todas as vezes que me viram tentando uma coisa nova, todas essas vezes vocês sabiam que não iria dar certo… — A minha voz estava embargada, mas eu ainda queria continuar dissipando tudo que estava pesando em mim. — …Vocês acham isso justo? — Levanto o papel em minhas mãos.
— Filha, me deixe explicar. — Nesse momento minha, mãe parecia escolher as palavras. — Eu sempre tive medo da história de Maria Owens, e depois quando presenciei sua avó Sally quase morrer junto com a partida do meu pai, eu jurei para mim mesma que faria de tudo ao meu alcance para proteger quem eu amasse… — Minha mãe estava chorando. — Foi quando conheci Cyrus, o pai de vocês, e tudo sobre isso mudou. Eu só pensava em amá-lo e ser amada, quando nos formamos, acabei descobrindo que estava grávida, optei por não saber o sexo do bebe até o dia do parto… — Ela limpou sua bochechas, que estavam molhadas, e direcionou seu olhar para minha irmã Indiga, que entrelaçou os dedos com ela. Minha mãe deu um pequeno sorriso de canto. — Então a Indiga chegou, era tão pequena e frágil, e olhando para aqueles pequenos olhinhos… eu apenas queria o melhor para ela, por isso, recorri ao feitiço que sua avó Sally já havia feito uma vez, mas ele não daria certo. Por isso, fiz o meu próprio, não pensava em ter outra filha, quanto mais cinco, após a Indiga. Por isso, na última parte, ainda coloco que se eu não tivesse outras filhas, que a primeira não encontrasse o amor, para nunca sofrer. Tenta entender, que nunca foi uma maldição para você ou para a Indiga, foi uma proteção, eu queria e quero proteger todas vocês sempre. No começo, eu pensava que isso nem tinha dado certo…
Umedeço um pouco meus lábios antes de completar a fala dela.
— Até que eu nasci, não é? — Seus olhos se fecharam e mais lágrimas caíram, junto das minhas lágrimas. — Tanta coisa faz sentido agora. — Olho para minhas irmãs. — Por exemplo, vocês me chamarem de “, a sorte da casa” — digo de forma irônica. — A sorte de vocês, né? — Nego com a cabeça, porque ainda custo a acreditar em como elas puderam ser tão egoístas. — Me consolaram, mandaram eu sempre seguir em frente, porque no final do dia, vocês estavam vivendo os amores de vocês, vocês são muito egoístas.
Olívia se levantou, e em sua face, eu podia perceber um pouco de indignação.
— Epa, peraí, , okay que o feitiço da mamãe acabou acontecendo, mas não era você que não acreditava em magia? — s Sério que nesse momento, a coisa mais sensata que minha irmã estava fazendo era me desafiar? Eu desviei o olhar do dela, porque o que eu queria fazer era bater na cara dela. — , sério, ninguém aqui queria isso, somos suas irmãs, não suas rivais de vida. Estamos aqui para ajudar umas as outras, se os seus relacionamentos não deram certo, é porque de alguma forma estavam fadados ao fracasso e isso é normal.
— Normal? Por quantos relacionamentos eu já passei? E não digo só os amorosos, falo de amizades. A única amiga que eu tinha era a Nola. E o .
— Como assim tinha? — Nola me pergunta, de forma incrédula.
– Sim, t.i.n.h.a. Porque, de verdade, eu não sinto a menor vontade de continuar confiando em alguém que me esconde uma coisa tão particular sobre mim, na verdade, eu não tenho vontade de continuar nenhum tipo de contato com nenhuma de vocês. E Olívia, para sua informação, é fácil falar que algo está destinado a fracassar quando você está no topo da escada e chegou aí em cima de elevador.
— O que você quis dizer com isso, irmã? — Théa se pronunciou pela primeira vez.
— Que todas vocês se conformaram e guardaram isso. E agora querem que EU me conforme, porque é isso que mantém a vidinha de vocês estável e feliz —explico com puro amargor. — Vocês só são felizes porque eu estou infeliz, vocês têm alguém, porque eu estou destinada a ficar sem ninguém.
— Eu não concordo muito com isso. — Astoria resolveu se pronunciar, mas sua voz ainda era serena.
— Pois você não deve achar nada, isso não é sobre você. — O vidro de um pequeno vitral se quebra da mesma forma que minha alma está neste momento. — Eu quero que vocês se fodam! — Dito isso, eu saio rasgando aquela sala, que consome meu ar a cada minuto.
Eu estou dolorida, quebrada, raivosa, porque as pessoas que eu sempre confiei, as pessoas com quem eu sempre contei nesse momento, não ligavam para o que eu sentia e isso dói. O contrário do amor não é o ódio, é a indiferença, ela sim te corta e te dilacera.
Agora o que me restava era falar com e terminar o que nem havíamos começado, nosso plano idiota para mim já estava fracassado.


Assim que avistei no corredor, aumentei meu passo. Necessitava conversar com ele e desfazer toda aquela tolice de plano, eu já sabia que Dylan nunca voltaria para mim e, se caso voltasse, não dariamos certo.
Eu toco no ombro do meu amigo para que ele se vire para mim, então quando ele se vira, posso analisar seu rosto. Ele abre um sorriso quando me vê, mas logo o sorriso se desfaz, está com olheiras fundas e um pequeno corte no lábio inferior.
Em uma troca de olhares rápida, eu já imagino o que aconteceu. Ele apenas abaixou um pouco o olhar e encolheu os ombros, e nesse momento, eu desejo mentalmente que o pai dele tenha um ataque de hemorroida.
— Precisamos conversar, — eu apenas o informo e começo a caminhar.
— Tá bom. — Ele me segue.
Vamos até o fundo do pátio da escola e nos sentamos em um banco de madeira. se senta na ponta do banco, o conheço o suficiente para saber que ele está envergonhado, por ter me deixado ver novamente seu machucado. Deslizo sentada sobre o banco e me aproximo dele. — Vai me contar o que rolou? — Toco sua mão de forma carinhosa e o observo levantar a cabeça e encarar de forma fixa algo que eu desconheço. — Eu tenho um kit na bolsa, posso pegar uma pomada e passar um corretivo, se você quiser… — Ele fica apenas em silêncio. — foi ele, né? O seu pai fez isso.
Seus olhos se enchem de lágrimas, mas elas não caem.
— Eu pensei por um momento que a Diana talvez tivesse realmente superado. Porque ela não tava me ligando, ou me seguindo… até hoje de manhã, quando meu pai recebeu o depósito do pagamento e percebeu que alguns “benefícios” — fez aspas com os dedos — foram cortados. Ele me perguntou se eu já tinha ido me desculpar com ela, e eu disse que não, e então rolou isso. — Apontou para o corte no lábio.
Pego na minha bolsa uma pomada e começo a passar de forma delicada sobre o seu lábio, que mesmo machucado ainda continua macio.
— Você sabia que ele não pode fazer esse tipo de coisa, né? Por mais que ele seja seu pai, não tem direito de ficar te espancando. Se você quiser eu posso ir com você fazer uma denúncia…
Ele retira minha mão do seu rosto.
— Não, . Eu não quero denunciar meu pai. Por mais que agora ele esteja sendo um babaca, antes de tudo isso, ele era legal. E outra, quando a gente botar nosso plano em prática e a Diana perceber que pode me perder, ela vai voltar comigo, e de quebra, me tratar melhor. E tudo vai se resolver. — A esperança na sua voz fez todo meu coração se apertar, eu não queria ser mais uma pessoa a quebrar as expectativas dele.
— Então, era sobre isso que eu queria falar com você… — Eu começo a brincar com meus dedos, enquanto, procuro as palavras certas para explicar para que nosso plano já não iria funcionar para um de nós. — Acho melhor a gente… — Minhas palavras são interrompidas por .
— Ok, é agora, olha para mim como se fosse me beijar. — Ele coloca rapidamente uma mecha do meu cabelo para trás e encaixa seu polegar sobre a minha bochecha. Seus olhos estão fixos nos meus, porém estou confusa com essa mudança abrupta dele.
Tento olhar em volta, mas ele segura de forma mais firme o meu rosto.
— O que foi?
Ele rola os olhos.
— Apenas me segue, ok. — E então ele se aproxima e encaixa suavemente os seus lábios nos meus, nos primeiros instantes, eu me mantenho com os olhos abertos, é estranho beijar seu amigo?
Eu fecho os olhos e coloco minhas mãos de forma automática em seu peitoral, quando me sinto pronta para prosseguir, ele se afasta com um pequeno sorriso nos lábios.
— Acho que o nosso plano está começando muito bem. — Indica com a cabeça algo atrás de mim, então vagarosamente eu me viro e vejo Dylan acompanhado de alguns amigos, me encarando. Meu ex acena com a cabeça para mim, e eu o conheço o suficiente para perceber que ele não está nada à vontade com o que viu.
Porque Dylan, o mesmo cara que terminou comigo, agora poderia estar incomodado em me ver dando um selinho em outro cara, ainda mais esse cara sendo o . Será que era ciúmes? Será que ainda ele sentia algo por mim?
Não, não e não. Eu sabia que nada disso era possível, por mais que eu desejasse. Por causa daquele pedaço de papel enfeitiçado, nunca ninguém seria capaz de me amar… então não adiantava eu ficar me iludindo que com o Dylan seria diferente.
Balanço minha cabeça, tentando afastar esses pensamentos irritantes.
— Da próxima vez que for me beijar, me avise, ok? — Me levanto e saio pisando fundo. Não porque estou com raiva de , mas porque estou com raiva de mim mesma.
Eu só tinha apenas uma missão: acabar com o namoro falso que não tinha se iniciado. E no final, acabei iniciando a porcaria desse plano, legal, parabéns, !
Me pego passando a mão sobre meus lábios, durante a aula de álgebra, estou perdida em pensamentos que até eu mesma desconheço. Sou retirada do meu devaneio com meu celular vibrando sobre a mesa, a notificação indica que há três mensagens do “”.
“Me desculpa por hoje mais cedo”
“na real só queria tentar te ajudar com o Dylan, não costumo ser babaca assim”
“Tá sabendo da festa que vai rolar amanhã?”
Dou um pequeno sorriso com as mensagens que recebo, porque ninguém no mundo se preocupa mais comigo como , e eu tinha certeza que quando ele viu a forma que eu reagi ao seu beijo, ele iria se desculpar. E de alguma forma, isso me conforta, porque é bom saber que alguém se preocupa com a forma que você se sente, ou pensa. E essa pessoa na minha vida era o , às vezes, ele se importava mais com o que eu estava sentindo do que com o que tava rolando com ele.
“Ei, relaxa, eu não vou contar para ninguém que você beija mal”

“Beijo mal? Você mirou na crítica e acertou na autocrítica né”

“Querido, quem teve apenas uma namorada aqui foi você. A coitada com certeza se acostumou com esse beijo seco”

“Coitada??”
“Beijo seco?? Dá próxima vez eu vou te dar uma coisa bem molhada”

“Eca, eu agradeço, mas não. É de quem é essa festa?”

“É de uma menina nova no colégio, chama Cyra verão, alguma coisa assim.”
“Acho que estuda com a Nola”

“Entendi, você vai?”

“Corrigindo nós vamos*. Agora você e eu estamos ficando sério, precisamos ser vistos juntos. E tenho uma informação de que D² vai estar lá”

“O que é isso D² ?”

“Nossos ex futuros namorados, Dylan e Diana”

“MDS! Você realmente não tem o que fazer né, ok você passa para me pegar então!”

Até que não era um apelido ruim esse, tinha bom gosto para codinomes. Lembro que a primeira vez que conversamos, ele falou que me identificava em meio a uma multidão pelos meus olhos de “jabuticaba” por serem grandes, pretos, densos e deliciosos. Se fosse qualquer outra pessoa falando algo desse tipo, eu me sentiria desconfortável, mas sendo ele, eu sabia que era sua forma de dizer que prestava atenção em mim.
Talvez não fosse tão ruim ir a essa festa e me distrair um pouco. Muito me admirava que Dylan fosse, porque durante todo nosso namoro, foram raras as vezes que saímos juntos. Quando pensei sobre isso, um frio no pé da barriga me subiu, e eu percebi que não seria nada fácil me desconectar do meu ex namorado, mas pelo menos eu não estava sozinha nessa, né.


Após traçar um delineado simétrico em meus olhos, me observo em frente ao espelho e posso concluir que tudo está definitivamente perfeito no meu look. Meu celular, que está sobre minha penteadeira, se ilumina, é uma mensagem do .

“Rolou alguns imprevistos aqui no bar”
“não vou conseguir passar para te pegar”
“será que teria como você passar em casa para pegar uma troca de roupa para mim?”

Afirmo que passo na casa dele e depois vou para o bar o encontrar, pego minha bolsa sobre a cama e quando estou prestes a sair do quarto, a porta se abre e dou de cara com minha irmã, Nola. Por não estarmos nos falando, resolvi desviar meu olhar do dela.
— Ei, espera. — Nola coloca de forma suave a mão sobre o meu braço. — Você também vai na festa hoje?
Ainda sem encará-la, eu respondo.
— Sim. — Ameaço de iniciar uma caminhada.
— Você poderia me ajudar com o delineado? — Então resolvo encarar Nola e posso ver em seus olhos o fundo de esperança desse pequeno contato que tanto eu quanto ela deseja.
Mas não, eu ainda estou magoada demais para passar por cima dos meus sentimentos, me desagradar para desagradar minha irmã.
— Não vai rolar, tô atrasada — eu falo rápido, porque tenho medo de voltar atrás, fecho a porta do quarto com certa força.
O caminho até a casa do é silencioso e solitário. É nesse momento que começo a refletir, que não é só o caminho que é solitário, de certa forma, eu me sinto solitária também. Minha família sempre foi um dos pedaços mais importantes do meu coração, mas minhas irmãs talvez sejam meus pulmões.
Quando eu precisava respirar ar novo, eu corria para elas, quando precisava dar uma longa bufada, eu corria para elas, quando eu queria fungar em meio às lágrimas, eu recorria a elas. Eu respirava elas e seus conselhos, e agora, acho que apenas respiro por aparelhos. Eu gostaria de estar junto delas, mas nada é como antes, acho que o ar que busco, elas não podem mais me proporcionar.
No começo, eu fiquei magoada sim, por conta daquela profecia de não ter amor, mas acho que eu teria encarado de uma “melhor” forma se soubesse que eu ainda as tinha comigo. Porém, saber que elas tinham conhecimento e nunca me falaram disso… isso sim, doeu, rasgou e me afogou. Então agora queria que elas sentissem um pouco do que eu estava sentindo, queria que de alguma forma elas quisessem recuperar o “fôlego” e eu estava lá não com a boia, mas com o balde de água.
Isso soa egoísta e maldoso, mas quando a ferida está aberta qualquer coisa pode virar um remédio.
Volto a realidade quando percebo o Sr. Malle me encarando de forma impaciente. Epa!
— Ah, boa noite… o pediu para eu passar para pegar uma roupa para ele. — Vejo o homem à minha frente abrir passagem para que eu entre.
Ouço ao fundo a mãe de me desejar boas vindas. Porém, o seu pai ainda continua me encarando de forma impaciente, ele parece incomodado com a minha presença. Ele sai do meu campo de visão e pega sobre a mesa uma sacola, me entrega. Eu confiro e lá estão as roupas do meu amigo.
Caminho para a saída da casa, agradecendo por sair daquele clima “esquisito”.
! — O pai dele me chama e isso me faz parar naquele mesmo momento. — Podíamos conversar um pouco? — Concordo com a cabeça enquanto me viro para encará-lo.
Eu o sigo até a sala da casa, ele se senta no sofá e eu me sento em uma poltrona à sua frente.
, pode parecer estranho essa conversa para você… mas é que comenta muito sobre você… — Ele retira os os óculos e se indireta, que diabos ele quer comigo? — Bom, ele comenta como você é inteligente, estudiosa e todas essas coisas. E pensando sobre isso e você ter aparecido aqui na minha porta, foi como um sinal para mim.
— Eu ainda não entendi sobre o que é o assunto. — É a verdade, mas também há um pouco de rispidez na minha voz, porque na minha mente, vem apenas as vezes que apareceu todo machucado por causa do homem à minha frente.
— O assunto no caso é o , , como amiga dele, eu presumo que, assim como eu, você quer o melhor para ele. E nesse momento, o meu filho só está tomando decisões precipitadas, uma delas, sendo romper com a doce Diana, você sabia? — Aceno, confirmando que sim. — Eu e você sabemos que ele não é nada sem ela, que ele é muito mais feliz quando está com ela. Mas percebo que talvez agora ele não consiga ter essa visão. E como pai, eu quero o melhor para mim e para meu filho, e nós sabemos que o melhor é estar com a Diana.
Dou um riso seco e arqueio uma das minhas sobrancelhas.
— Você acha? Que o melhor para o é estar com a Diana?
— E você não? Por exemplo, se estivesse com ela, essas horas os dois estariam em alguma festa e ele não estaria trabalhando tanto por uma merreca de hora extra. O negócio é que o pensa pequeno, e a Diana seria essa pessoa que vem para mostrar que o mundo é mais que isso. — Aponta para as paredes da casa.
— Eu entendo a sua preocupação, Sr. Malle, mas eu acredito que por si só, o tem grandes projetos, ele pensa além do futuro dele, pensa muito no senhor, sabia? — O encaro fixamente. — Pensa em mim? — Ele diariamente se preocupa no que é melhor para o senhor, para sua esposa. É por isso que continuou nesse relacionamento… falido. Diana pode parecer doce para senhor… não, quero dizer, o dinheiro de Diana pode parecer doce, mas saiba que ele é o veneno que mata a sua relação e a de . Você não percebe, não é? — Ele solta uma risada pelo nariz.
— Você acha que sabe muito sobre a vida e relacionamentos, mas é a filha descendente de bruxas abandonadas. Não me parece a melhor pessoa para se tirar conselho sobre relacionamento. Acho que me precipitei pensando que você era inteligente. — Ele faz uma breve pausa, parece pensar sobre algo. — Quer dizer, eu não me precipitei, sim. Ele acha você inteligente, esperta, mas esquece de ver que você é só uma mulher rodeada por uma lenda que traz privilégios para a própria família. Fora isso, , você é o que?
As palavras do homem reverberam na minha cabeça mais do que eu esperava, toda a coragem para dar respostas certeiras para ele some e a única coisa que faço é levantar e fugir daquela casa.
Como pode ser tão gentil e doce, quando é rodeado por um homem horrível e medíocre desses? Acho que depois dessa conversa, fico cega pelos meus sentimentos, só me dou conta do quanto andei quando vejo a imagem de abrindo a porta dos fundos, com um avental sujo de gordura.
É involuntário o que faço a seguir, mas para mim, é o necessário. Eu abraço Malle com a maior força que tenho, fecho os olhos e deixo uma lágrima escorrer. Eu quero o proteger, não quero deixar nada de mal acontecer com meu amigo.


Estávamos há um tempo assim, meus olhos fechados, meu ouvido direito encostado no peito de , escutando as batidas do seu coração. No começo, as batidas estavam leves, mas depois iniciaram uma crescente disparada, minha cabeça se levantava junto com o peito dele quando ele respirava.
Eu nunca tinha tido um momento tão calmo assim, nem um contato tão próximo com ele. Isso é muito bom, de repente, notei que estávamos respirando no mesmo ritmo. Pela primeira vez, eu havia sincronizado minha respiração com .
, tá tudo bem?
— Tá. — Eu desfiz o abraço e mantive minha cabeça baixa por um tempo. — Tá tudo bem, sim. Eu trouxe as suas coisas.
Observei retirar as peças de roupa de dentro da sacola, ele me mostrou e pediu minha opinião, eu disse que estava bom, mas na verdade, eu nem tinha prestado atenção.
Tinha alguma coisa estranha acontecendo comigo…
Eu queria apenas observar meu amigo, seus cabelos penteados e um pouco oleosos por conta da touca de proteção, seus olhos brilhantes e a sua boca…bem desenhada com os cantinhos levemente para cima, era um charme dele.
— Obrigado por ter passado em casa…sabe o que é, , eu acabei atrasando as coisas por aqui. — Deu um leve olhar sobre a cozinha bagunçada: com louças na pia, um fogão com gordura e um chão com inúmeros condimentos derrubados. — Acho que não vou conseguir ir à festa.
Eu olhei em volta e constatei que sim, era um grande serviço e que realmente não daria tempo de ir à festa se ele fosse limpar tudo aquilo. A não ser que…
— Bom, se você for limpar tudo isso — apontei para a cozinha — não vai rolar festa mesmo, mas se tiver uma ajudinha, acho que conseguimos. — Sorrio de forma travessa para ele.
— Ajudinha? Owens fazendo magia?
Dou um leve tapa em seu ombro.
— Não, nada disso, eu — aponto com o dedo para mim — vou ajudar você a limpar tudo.
Vejo meu amigo fazer uma careta de confusão.
, que isso, não precisa me esperar.
Não ligo para o que ele fala, porque meu olhar percorre o local e acha o que procurava, um avental!
— É sério, você não precisa fazer isso, pode ir.
— Me ajuda, por favor — digo, me virando de costas para que ele faça uma amarração. — Você não tem escolha, se a gente fizer isso juntos, conseguimos terminar e ir à festa juntos! — Soltei uma piscadela no final e fui rumo à pia. — Que foi? — Encarei , que estava parado apenas observando o que eu estava fazendo.
Gastamos 1h e meia para terminar, mas enfim, havíamos acabado. estava no pequeno banheiro do local, enquanto eu conferia pela câmera do celular se estava com uma aparência agradável para uma festa
!
Após esse grito, saí em disparada rumo ao banheiro, com a respiração um pouco ofegante por conta do susto. Quando chego em frente à porta e pergunto o que havia acontecido, informa que tinha SÓ ESQUECIDO UMA TOALHA, e se eu poderia pegar.
Eu hein, alguém precisava ensinar esse menino ser menos escandaloso.
Pego a toalha e aviso que vou entrar para entregar, mas claro, com os olhos fechados, porque ninguém merece ver o melhor amigo pelado, né.
Com os olhos fechados e uma mão sobre eles, adentrei o banheiro.
— Tô entrando, tô entrando. Aqui está… — falo isso, quando bato em algo, pensando ser .
— Essa é a pia, , você tem que vir para frente para que eu consiga pegar.
— Tá bom. — Paro de caminhar quando sinto o pano ser puxado da minha mão, me viro e começo a caminhar para fora.
, obrigado! — respondo rápido com um “que isso”, mas sou puxada pelo braço.
está com a toalha envolta na cintura, ao me puxar, eu acabo me chocando com ele e ficamos com alguns centímetros de distância. Levanto o meu olhar e encontro ele me encarando de uma forma estranha.
— Tudo isso por causa de uma toalha? — Solto uma pequena risada. — Você tá carente mesmo.
— Não pela toalha… quer dizer, por ela também, mas obrigado por ter me ajudado hoje. E também pelo abraço, por ser minha amiga, bo-bom, por ser assim. — O que tem nos olhos deles, que estão tão brilhantes.
Dou alguns tapinhas no seu ombro.
— Tá bom, entendi. Mas, precisava me dizer justo dentro de um banheiro abafado, só de toalha. — Rio e me desvencilho de seus braços. — Agora vamos, se não a gente se atrasa.
Puta merda! É só isso que consigo pensar quando me afasto do banheiro, minha boca está seca, meu estômago está embrulhado, uma sensação de frio na barriga. Coloco a mão sobre o peito, mas não é uma crise ansiosa, é como se eu estivesse co-com…deixa para lá!
Já no gramado da casa. podíamos ouvir a música, tinham pessoas se pegando para todos os lados, havia copos jogados na grama e, de relance, pude ver minha irmã, Nola, conversando com outra garota de cabelo ruivo, ela acenou para mim e eu apenas retribui com um sorriso.
se ofereceu para entrar dentro da casa e pegar alguma coisa para gente beber, e eu concordei. Eu fiquei ao lado da piscina, tentando entender qual música tocava, até perceber que tinha mais de uma música ecoando da casa para o lado de fora
Sinto alguém se aproximar, e quando me viro, posso encarar minha irmã, ela está com um olhar pidoncho e começa a falar de forma disparada, sem que eu nem consiga processar uma resposta, acho que ela já está bêbada.
— Sei que você me odeia, mas eu gostaria muito do fundo do meu coração que isso acabasse. — Ela desvia seu olhar de mim, e isso faz que as lágrimas se iniciem. — Se eu pudesse…eu pegava toda essa maldição para mim, eu seria infeliz por toda uma vida, só para que você fosse feliz, . Porque eu te amo, amo tanto, que essa distância — ela aponta para mim e depois para ela — entre a gente, está me cortando ao meio…eu preciso de você, eu preciso tanto da minha irmã agora. — Quando completa, ela começa a chorar de forma descontrolada, sua maquiagem começa a borrar e eu me sinto o pior ser humano do mundo.
Ouvindo isso e analisando toda a situação, percebo a minha grande pontada de egoísmo em toda essa história. Eu sempre amei imensamente Nola, e ela a mim, e do dia para noite, eu cortei isso. Por mais que eu não tivesse os meninos, ou meus relacionamentos, eu tinha minha irmã e isso era uma coisa que se comprova, maldição nenhuma poderia tirar o amor de irmãs.
Eu a abraço, e sinto que viajei por dias a fim, sem dormir, comer ou descansar, e de repente….de repente, eu estava em casa novamente, deixo uma lágrima solitária escorrer, inalo o perfume de Nola e tudo parece nunca ter mudado.
Desfaço nosso abraço.
— Desculpa… desculpa se fiz você se sentir assim, eu nunca quis causar esse sentimento em você. Confesso que estava com raiva, mas não o suficiente para te partir. — O alívio me domina.
Dá um sorriso largo.
— Bom, acho que as quatro caipirinhas que a Cyra me deu me ajudaram.
— Quem é Cyra?
— Ah, é minha nova amiga de sala, e dona desta festa. — Aponta para o nosso redor.
— Ahh, a tal Verão que o comentou.
— Sommers — me corrigiu. — O sobrenome dela é Sommers, você tem que a conhecer, ela é engraçada, encantadora. — Sorri. — Ah, agora que voltamos a paz, fiquei sabendo de um boato, você beijou o ?
Essa era o momento, talvez eu devesse contar para ela, mas eu ainda me sentia meio ridícula por tentar reconquistar um ex com um namoro falso com meu amigo, mesmo sabendo que isso nunca aconteceria, porque tem uma maldição de décadas sobre mim.
Então mentir, por enquanto, se torna a melhor saída.
— É…eu e ele meio que nos beijamos. — Dou de ombros. — Estamos tentando. — Então vejo uma faísca nos olhos da minha irmã.
— Tá mentindo. — Merda de telepatia, ela podia saber quando alguém mentia, mas não conseguia decifrar a mentira e isso me salvava por enquanto. — Bom, mas isso não importa, só quero deixar claro que eu sempre torci por esse casal, sempre fui team ok?
— Ai, Nola, de onde você tirou isso, a gente só tá se dando uma chance, nem sabe se vai dar certo. — Novamente aquela faísca surge.
— É claro que vai. — Então ela pisca algumas vezes e inicia um novo assunto. — Tenho algo que quero te contar… — Somos interrompidas por uma voz feminina conhecida.
— Então você teve coragem de aparecer em uma festa com o m.e.u namorado, sua bruxa. — Me viro para encarar Diana, que merda. — Sua mãe não te deu vergonha na cara não? — Cruza os braços.
— Aí, Diana, me erra. — Tento passar por ela, mas ela se coloca na minha frente. — Sai da frente. — Nesse momento, algumas pessoas da festa começam a prestar a atenção.
— Viu? Estou te atrapalhando da mesma forma que você está me atrapalhando.
— Eu não estou no seu caminho, Diana. Sabe por quê? Porque o não tem mais nada com você, então eu e você não estamos no mesmo caminho. — As palavras só saem. Sinto Nola se posicionar ao meu lado.
— Porque você não cala a sua boca, Diana, e deixa a minha irmã em paz.
— Ah que ótimo, não é apenas a bruxa, mas o clã dela aqui. ESCUTEM, PESSOAL. — Então os babacas se aproximam com certa curiosidade. — ESSA GAROTA AQUI, ELA FEZ UM FEITIÇO PRO MEU NAMORADO PRECISAR DA AJUDA DELA, E DEPOIS SEDUZIU ELE… — Eu estava com meu olhar fixado sobre ela, o ódio se esvair pelos poros da minha pele. — ESSA… ESSA BRUXINHA DE MERDA.
Ok, eu não iria me orgulhar disso, vejo Nola avançar por cima dela, mas recito um feitiço baixo para que minha irmã congele no seu lugar. Faço um movimento suave com meu indicador e passo por Diana.
— Ah…ah…ah meu, Deus. — Sai correndo com a mão sobre a barriga e posso escutar algumas risadas do grupo que nos observava.
Nola caminha para o meu lado e fala em um tom para que apenas eu escute.
— O que você fez?
— Nada, apenas achei que ela estava muito enfezada e ajudei a flora intestinal dela. — Dou um sorriso confidente.
— Puta merda, você fez a Diana se cagar.
— Quem se cagar? — surge com nossas bebidas.
— Ahh, ninguém importante — Nola diz com desdém e sorri para mim. — Vou deixar os pombinhos a sós.
— A Nola tá levando mais a sério que eu e você — confessa.
— É…ela é assim. Hum, parece que eu estou com vontade de dançar.
— Isso para mim é novidade.
— Ah, vamos, só um pouquinho — digo, com uma voz manhosa, sei que isso convence ele.
— Tá, tá bom, vamos! — Pega na minha mão e caminhamos para dentro da casa.
A música começa com batidas suaves, eu e estamos um de frente para o outro, espremidos em algum cômodo. Então de repente, quando começa a melodia, vejo um largo sorriso surgir em seus lábios, é lindo, e eu sorrio também.
— Eu amo essa música — ele confessa, fecha os olhos e começa a cantar.
Eu balanço meu corpo no ritmo da música e o observo, que ainda está com os olhos fechados para curtir o som. Nunca tinha o visto tão leve, tão feliz talvez…então o refrão começa, alguém passa por mim e me empurra. Assim, eu acabo ficando colada em , não me importo. Nós balançamos no ritmo da música.
A música começa ficar mais suave e lenta e ele começa a recitar a letra e eu não consigo parar de olhar para seus lábios.
— You float like a feather…I wish I was special, You're so fucking special. — Ele coloca suas mãos na minha cintura e eu coloco as minhas no seu pescoço. — I'm a weirdo…You're so fucking special.
A música acaba, mas nós nos mantemos juntos, eu não quero sair disso, não quero perder nenhum pedaço disso, seja lá o que for isso, é precioso demais e agora eu quero ser caprichosa de menos e ter isso.
Após um tempo, mesmo que eu relute, acho que está esquisito? Ficar assim com meu amigo, eu desfaço nosso abraço e começo a caminhar em meio as pessoas, está tarde e eu preciso ir. Quando saí no jardim, respiro fundo, me sinto estranha, não me reconheço.
— Tá tudo bem? Aconteceu alguma coisa? — Ele coloca a mão sobre as minhas costas para chamar minha atenção, quando eu o encaro, posso ver certa confusão em seu semblante.
— Tá sim, eu estou bem. Acho que só tô cansada, vamos? — Ele concorda com a cabeça e caminhamos em silêncio até a sua moto.
Percebo que pega o caminho mais longo para minha casa, ele dirige de forma calma, e eu me sinto segura com ele na direção, mas hoje passo meus braços com mais força na cintura dele e em “resposta”, ele encosta mais suas costas no meu peito. E eu não ligo, eu gosto.
Eu olho para cima e posso ver o céu estrelado, a lua parece mais brilhante e o ar tem cheiro de verbena… eu fecho os olhos. De repente, o meu capacete bate com força no de , ele freia de forma brusca na estrada.
— O que aconteceu? — Ele tira seu capacete e desliga a moto. — O que foi? — Faço o mesmo.
— Tem alguma coisa na estrada. — Ele caminha até uma sacola na estrada, a levanta e…
Desço da moto e me junto a ele.
— É um gatinho.
Dentro da sacola tem um filhote de gato preto, ele corre para nós tentando brincar.
— Quem pode ter deixado ele aqui? — olha em volta. — Dentro de uma sacola ainda.
Pego ele no colo.
— Algum babaca. — Ele dá um pequeno miado. — É, foi um babaca, né.
— A gente não pode deixar ele aqui. — coça a cabeça.
— Ah, , você sabe, eu ter um gato preto vai ser meio clichê, né? — Ele não entende. — Filha de bruxa, gato preto — falo isso, fazendo ele chegar à conclusão.
— Ah, que isso, , e outra, lá em casa não rola, meu pai colocaria eu e ele para fora.
É bem a cara do pai dele mesmo.
— Tá, tá bom. Eu levo ele comigo, mas você vai ter que me ajudar a cuidar — intimo ele.
— Pode deixar, vai ser como se a gente tivesse guarda compartilhada e ele é nosso filho. — Caminhamos rumo a moto. — Mas, temos que entrar em acordo para nomear ele. — Mais um miado o felino dá.
— Hum… não tinha pensado nisso. Qualquer um, menos Salém, que é muito clichê.
— Bom, já que ele é seu gato…ele vai acabar sendo meio mimado…
— Eiii. — Acomodo o gato no meu coloco e subo na moto.
— Eu quis dizer como um elogio tá… humm... que tal Hans. — Ele se vira para me encarar. — Combina com ele.
— O que você acha de Hans? — falo com o gato, que por incrível que parece me encara e mia. Tomo isso como um “sim”.




Continua...


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Nota da autora: Deem as boas vindas ao Hans, o mascote desse casal nada provável, me digam o que estão achando das interações desse casal?
Com cariño Nadia!


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