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Codificada por: Sol ☀️

Última atualização: 04/06/2025.

Londres, 1957

A sala era silenciosa, exceto pelo tique-taque constante do relógio de parede e a voz baixa do Dr. Aldridge.

— Você está segura aqui, . Respire devagar… e me diga o que vê.

mantinha os olhos fechados, o corpo afundado na poltrona de couro gasto. Ela não acreditava exatamente em hipnose — mas acreditava na insônia que a acompanhava havia semanas, nas imagens que piscavam no escuro de seus sonhos com uma nitidez que não podia ser apenas sonho.

Primeiro, veio o calor. Como o sol de um fim de tarde batendo através de uma janela de vidro fosco. Depois, o cheiro. Algo entre lavanda e papel antigo. Ela se encolheu levemente.

— Estou… em algum lugar — murmurou, a voz mais frágil do que esperava. — Uma sala com paredes amarelas. Tem uma escrivaninha… e um homem escrevendo com uma caneta-tinteiro.

O silêncio do médico do outro lado da sala era tão acolhedor quanto inquietante.

— Continue. Você reconhece esse homem?

hesitou. As feições estavam borradas, como uma fotografia tirada em movimento. Mas os gestos — a maneira como ele inclinava a cabeça ao escrever, como apertava os lábios quando pensava — pareciam incrivelmente íntimos.

— Não… — disse, e então corrigiu. — Quer dizer… acho que sim. Mas nunca o vi antes.

A imagem mudou. Como se alguém trocasse o rolo de um projetor silencioso dentro da mente dela.

Agora, estava em um campo. A grama molhada sob os pés descalços. Corria — não, fugia? E alguém a chamava atrás dela. A mesma voz. Sempre ele.

.

O nome surgiu em sua mente como uma lembrança esquecida.

Ela se sobressaltou, os olhos se abrindo como se tivesse emergido debaixo d’água. O teto da sala era o mesmo, mas tudo dentro dela havia mudado.

. Você disse esse nome em voz alta — disse Dr. Aldridge, anotando algo em seu caderno. — Quem é ele?

engoliu em seco. Havia uma pressão no peito, uma saudade que não fazia sentido. Ela sacudiu a cabeça.

— Eu não sei. Mas acho… que ele está procurando por mim também.


acordou com o nome dela nos lábios.

Não em voz alta — mas no fundo da garganta, como um eco contido, como uma prece sussurrada num idioma esquecido. Sentou-se na cama, o suor frio descendo pelas têmporas, os lençóis enrolados nas pernas como se ele tivesse lutado contra alguma coisa durante a noite. Ou contra si mesmo.

O quarto ainda estava mergulhado na penumbra da madrugada. A luz das lâmpadas da rua vazava pelas frestas da persiana, projetando linhas finas sobre o piso de madeira. passou a mão pelo rosto, sentindo a barba por fazer, a pele úmida, o peso da inquietação.

Era o terceiro sonho naquela semana.

A mesma mulher. O mesmo vestido azul de tecido leve, com pequenos botões brancos descendo pelo centro. O modo como ela olhava para ele — como se esperasse algo. Como se reconhecesse nele um lar, uma ausência preenchida.

.

Ele nunca conhecera ninguém com esse nome. E, no entanto, nos sonhos, parecia natural chamá-la assim. Como se o nome tivesse sido entalhado no fundo de sua mente muito antes dele nascer.

se levantou e andou até a cozinha pequena de seu apartamento alugado. A chaleira ainda estava com um pouco de água da noite anterior. Acendeu o fogão a gás com um estalo, e o cheiro leve de metal queimado o trouxe de volta à realidade — ou pelo menos à versão dela em que as pessoas não apareciam de repente dentro de suas memórias.

Mas aquilo não era só um sonho. Era mais nítido que isso.

Ele lembrava do som dos sapatos dela sobre o mármore de um saguão. Do barulho da corrente de um colar quando ela se virava. De como o vento movia uma mecha do cabelo castanho atrás da orelha, sempre no mesmo lugar.

Lembrava de coisas que jamais havia vivido.

O apito da chaleira o despertou. Ele desligou o fogo, despejou o chá num copo trincado, e sentou-se à mesa, encarando a parede como se pudesse projetar nela as respostas que não encontrava.

No jornal daquela manhã, nada. Nenhuma matéria falava de , ou de hipnose, ou de qualquer explicação lógica para as visões que começavam a surgir até mesmo acordado. Na vitrola, ele colocou um disco de Billie Holiday. "I’ll Be Seeing You." A música que ela cantarolava no sonho. Só que... ele não tinha esse disco.

Arrepiou-se. Aquela faixa não estava na coleção dele. Nunca esteve. E mesmo assim, a música começou a tocar, suave, rouca, cortando o silêncio como uma lembrança trazida pelo vento.

— Quem é você? — sussurrou, mais para si do que para o mundo.

Na manhã seguinte, no caminho para a livraria onde trabalhava como restaurador de volumes antigos, ele a viu. Ou achou que viu.

Na vitrine de uma loja de vestidos, um reflexo. O rosto dela, parado, com os olhos voltados diretamente para ele. Quando virou-se de verdade, só havia um manequim. Mas o coração batia como se tivesse corrido por quatro quarteirões.

O dono da livraria, o Sr. Hemsworth, notou o estado dele.

— Dormiu pouco de novo, ?

— Algo assim.

— Se eu acreditasse nessas coisas, diria que você está sendo assombrado.

sorriu sem humor.

— Talvez esteja mesmo.

Ele passou o resto do dia restaurando um exemplar antigo de Wuthering Heights. As páginas frágeis pareciam prestes a se desintegrar a qualquer toque mais brusco, e aquilo exigia precisão — o tipo de coisa que geralmente acalmava sua mente. Mas naquela tarde, suas mãos tremiam.

Quando abriu a contracapa, encontrou algo inesperado: um nome escrito a lápis, quase apagado pelo tempo.

W.

O sobrenome ilegível. Mas aquele nome — — cravado ali, dentro de um livro de décadas atrás, parecia uma provocação. Ou um chamado.

O ar da sala ficou mais pesado.

Naquela noite, não dormiu. Sentou-se diante da janela aberta e esperou.

Pelo sonho. Pela explicação. Pela mulher de olhos cor de mel que habitava suas memórias como se elas tivessem pertencido a ela.

Como se, em algum outro tempo, tivessem sido os dois.



Continua...


Nota da autora: Oi, pessoal. Espero que gostem desse spin off de ties. Apenas algo que me veio a cabeça. Se quiserem saber mais sobre os dois, leiam ties beyond time. Um beijo.

☀️


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