Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 31/10/2024.Está errado, errado, errado
Mas nós faremos de qualquer jeito
Porque amamos um pouco de problema
— Arctic Monkeys, “Balaclava”
Xxx xxX
Departamento de Polícia de Gotham City | Quinta-feira, 18:09
Por que era sempre eu quem tinha que vir ao departamento de polícia para liberar esses caras? A propósito, por que eles acabavam presos? Eram tão incompetentes assim? Deveriam se cuidar mais, oras! Quando você entra no mundo do crime, tem que aprender a não ir parar atrás das grades o tempo todo. Don Falcone e Don Maroni tinham seus acordos com a polícia, claro, mas isso não significava que seus subordinados precisassem vir parar aqui o tempo todo. Alguém sempre precisava entrar na DPGC para intervir, fazer a negociação, falar pelo chefão e essas coisas; e então o cara era solto. Eu não costumava ser a pessoa chamada para intermediar esse tipo de situação. Hoje, no entanto, decidiram me mandar — assim como nas últimas quatro vezes. Eu já estava ficando de saco cheio.
— Deveria ser mais cuidadoso, porra — repreendi o homem.
— Tanto faz — resmungou, enquanto caminhava em direção à saída do estabelecimento.
Eu já nem me chateava mais com esses caras, no entanto, era impossível não revirar os olhos para aquela atitude. Malditos amadores! Sempre iam presos e, ainda por cima, eram mal-agradecidos. Esse tipo de comportamento me fazia pensar em procurar novos parceiros. Gostaria de encontrar alguém que fosse bom em duas coisas essenciais: matar e cumprir tarefas. Uma pessoa que fosse inteligente como eu e que encontrasse modos de ludibriar a todos e subir de posição — tudo isso junto comigo, claro, de outro modo, teria que matá-lo.
— O que você pensa que está fazendo? — Um homem surgiu em minha frente como uma erva daninha na beira da estrada. Obriguei-me a parar.
— Detetive Gordon… Já ouvi falar de você — revelei. — É novo por aqui, não é?
— Ouvi falar de você, também. — James Gordon manteve o meu olhar, seu queixo erguido.
— Ouviu, é? — Abri um sorriso deliciado. — Aposto que foram só coisas boas.
— Depende o que são coisas boas para você. — Fez careta. — É uma criminosa, anda nas sombras. Meu trabalho é prender gente como você.
— Sinto muito, Jim, mas você não tem nada para me manter aqui nesse exato momento. — Ri um pouco, desviando dele. — Nunca vai me ver atrás daquelas grades, garotão.
— Isso é o que nós veremos! — disse em alto e bom som, enquanto eu seguia o meu caminho.
— E aí, Harvey — cumprimentei Harvey Bullock com um sorriso sincero.
Ele respondeu o meu cumprimento com um aceno de cabeça, enquanto Jim Gordon se juntava a ele. Era o seu novo parceiro, pelo que eu ouvira falar. Deixei aquele lugar para trás e mergulhei no ar cinzento de Gotham. Harvey era um cara legal e, apesar de ser um policial, eu me dava incrivelmente bem com ele. Jim, por outro lado… Esse tinha cara de ser daqueles bem difíceis de lidar.
Mooney's Night Club | Quinta-feira, 19:32
— Você é linda — disse Fish, assim que o nosso assunto terminou. — Não deveria manter seu rosto coberto por uma balaclava.
— E por que não? É a minha marca, gosto assim. — Sorri, me levantando da cadeira. — Eu quero o que você me deve, Fish. E amanhã, às oito da noite, venho pegar o que é meu.
— Estarei esperando por você, garota. — Fish me olhava, atenta, só esperando a minha reação.
Apenas virei as costas e andei devagar até a saída do clube. Ela me chamava de "garota" mesmo que eu não fosse muitos anos mais nova que ela. Tudo isso porque no passado aquilo costumava me incomodar. Fish Mooney era, de fato, uma mulher muito intimidadora. No entanto, aquilo não funcionava mais comigo. E eu tinha certeza de que ela não gostava nem um pouco disso.
Beco nos fundos do Mooney's | Quinta-feira, 19:35
Acendi o cigarro e dei uma tragada. Gotham City era sombria e, ainda assim, eu sentia-me incrivelmente bem andando por suas ruas. Gotham era a minha cidade, e ela me chamava, precisava de mim. Eu tinha que tomar o meu lugar aqui. Ir embora outra vez não era uma opção aceitável.
Quando me movi para, enfim, seguir o meu caminho, algo me chamou atenção; ou melhor, alguém. Olhei para a pessoa vestida de terno e gravata. Eu o conhecia de tempos atrás. Era Oswald Cobblepot, e ele me observava com um olhar perspicaz. Interessante. Sorri torto e joguei o cigarro no chão, usando o meu sapato para apagar a brasa.
— O que está fazendo aqui sozinho, garoto do guarda-chuva? — investiguei e o assisti fazer uma careta mínima por causa do apelido que lhe dera.
Na ausência de outra resposta além daquela, caminhei em sua direção. Ele não esperou que eu chegasse até ele. Oswald era assim, sempre gostara de buscar pelo que desejava. Seu andar era desajeitado, portanto, usava o guarda-chuva como uma bengala. Eu o reconheceria em qualquer lugar, vestindo qualquer roupa ou qualquer expressão. Era impossível esquecê-lo.
— Por que veio até mim? — indagou-me, mas ele sabia que eu viria.
— Eu vi o modo como estava me encarando. — Dei de ombros. — Você queria que eu viesse até aqui, deu para ver no seu olhar. Então eu decidi simplesmente vir.
— Para quem você trabalha? — disparou como um dardo.
— Para mim mesma — respondi uma meia-verdade.
— Não acho que isso seja uma verdade absoluta — expôs. — Você responde a alguém, só não deixa seus interesses próprios de lado.
Não pude evitar o sorriso que perpassou meus lábios pintados de vermelho. Sempre tão inteligente. Ele havia acertado bem no meio do alvo. Direto e preciso. Mesmo que respondesse a um dos grandões da cidade, sempre fazia as coisas pensando em mim mesma e mais ninguém.
— Você está certo.
— Vi você falando com a Fish — cuspiu aquele nome, o desprezo brilhando em seus olhos familiares. — Você é uma garotinha estúpida se acha que ela vai estar aqui te esperando com o seu dinheiro como disse que estaria.
— Você está certo outra vez — reconheci. — Mas eu não sou estúpida, e nem uma garotinha.
— Jamais pensei que fosse — admitiu. Arqueei as sobrancelhas, curiosa por ouvi-lo me pronunciar aquelas palavras. — O que está planejando?
— E se eu te contar e você ir correndo como um cachorrinho contar para ela? — retorqui, mas eu sabia que ele não faria isso. Detestava a mulher que o tratava como um qualquer, afinal, Oswald sabia que havia nascido para algo muito maior do que ser o garoto do guarda-chuva dela. — Tenho certeza de que Fish não estará aqui, mas sei que deixará alguns capangas, talvez até mesmo para me matar.
— E, mesmo assim, você virá? — Seu olhar me desnudava no intuito de tirar cada resquício de informação extra que poderia vir da minha linguagem corporal.
— Surpresa! — Gesticulei, rindo. — Farei uma bela surpresa. Chegarei mais cedo. Não estarão esperando por mim.
— E por que decidiu me contar isso sabendo que eu trabalho para a Fish? — indagou. — Como você mesma mencionou, eu poderia muito bem contar a ela.
— É, mas você não vai — respondi simplesmente.
— E por que acha que não, Garota da Balaclava?
— Eu não acho, eu sei — corrigi. — Não fará isso porque, assim como eu, você tem interesses próprios. E, além do mais, é muito inteligente para fazer uma coisa dessas.
— Isso não soou como uma ameaça — falou.
— E nem era para soar como uma, Pinguim.
— Não me chame disso — grunhiu, demonstrando uma leve irritação.
— As coisas que eles dizem apenas para te ofender não deveriam te atingir, garoto do guarda-chuva. — Ele cerrou os olhos ao ouvir o apelido outra vez. — Viu só? Você é o cara com o guarda-chuva, e o modo como anda lembra um pinguim. As pessoas vão usar isso para te ofender o tempo todo. Está mais do que na hora de aprender a não deixar essas palavras te afetarem.
— Você vem até aqui e fica despejando conselhos que eu não pedi — observou —, mas não é capaz de me mostrar seu rosto.
— Não esqueça de que era você quem queria que eu viesse até aqui — lembrei-o. — Meu rosto não é importante.
— Se Fish conhece o seu rosto, que diferença faria se eu conhecesse também? — Oswald sondou. — Não foi você que disse que eu sou apenas o garoto do guarda-chuva?
— Sim, eu disse. — Sorri de lado e me aproximei. — Mas nós dois sabemos que você não é só isso.
— Poderia, por favor, tirar essa balaclava? — Ele apontou para o meu rosto de modo impaciente. Isso era o mais perto de implorar que Oswald chegaria. Eu sabia bem, afinal, o conhecia.
— Sinto muito, querido, mas eu prefiro mantê-la. — Abri um sorriso divertido e, logo em seguida, selei nossos lábios. Ele arregalou os olhos, surpreso. Extremamente surpreso.
— Quem é você? — perguntou com ênfase, dando um passo para trás.
— Sou só uma garota em uma balaclava rosa — declarei, um sorriso preso em meus lábios. — As pessoas começarão a me chamar de “a Garota da Balaclava”.
Virei as costas e fui embora antes que ele tivesse chance de descobrir a minha verdadeira identidade. Já havia mexido com a cabeça dele o suficiente para um único dia. E mexido mais do que deveria com o meu coração.
Loft da | Sexta-feira, 17:32
— Fish vai deixar sete caras esperando por você no clube dela — a voz de Harvey Bullock alertou-me do outro lado da linha. — A ordem é para que eles matem você.
— E por que diabos você está me avisando? — Soltei uma risada, trocando o telefone de lado. — Sei que você gosta da Fish.
— Ah, sim, e eu também não quero te ver morta, — retrucou de modo impaciente. — Que tal se você apenas dissesse: "obrigada, Harvey, você é incrível por não me deixar morrer"!?
— Ei! — reclamei em tom de repreensão. — Eu não ia morrer. Quem você pensa que eu sou?
— Você é impossível — resmungou, e eu pude imaginá-lo revirando os olhos.
— Obrigada, Harvey. Você é incrível por não me deixar morrer — imitei-o, caindo na risada em seguida.
— Droga, !
— Sinto muito, está bem? — Fui sincera. — Obrigada, Harvey. E estou falando sério dessa vez.
— Ah, assim é bem melhor — soou contente.
— Olha, eu imaginava que a Fish deixaria um pessoal me esperando e tudo o mais, mas sete caras? — Cocei a cabeça. — Não pensei que fosse deixar tantos.
— Pois é, acho melhor você se preparar — avisou-me. — Fish acha que menos de sete não dariam conta, sabe? E quando Falcone questionasse a sua morte, ela diria que você estava tentando roubá-la ou matá-la.
— Ela falou que diria isso a ele? — Arregalei os olhos.
— Não, estou supondo que é o que ela faria — esclareceu. — Sabemos que Falcone não deixaria sua morte passar despercebida. Ele iria querer saber quem foi e por que mataram você.
— Com certeza. — Tive que concordar.
— , eu tenho que ir — disse rapidamente. — Jim está vindo e nós estamos resolvendo um caso. Ele leva mesmo o trabalho a sério.
— Imagino que sim — assenti. — Obrigada de novo, Harvey.
Mooney's Night Club | Sexta-feira, 19:28
Ajeitei a balaclava rosa no meu rosto. Vestira-a um pouco antes de entrar no local. Silenciosa como um gato, espreitei pelos cantos, analisando o que me aguardava. Avistei uma bolsa bem gorda. Sério mesmo? A Fish pensou, de fato, que iria me enganar com dois caras sentados ao redor da mesa com aquela bolsa? Talvez ela nem mesmo tenha colocado dinheiro ali. Direcionei meu olhar para o resto do cômodo. Encontrei mais quatro caras. Escondidos, sim, mas não tão bem quanto deveriam. Mas talvez essa era a intenção. Estranho… Só havia seis caras ali. Já estava acostumada com esse tipo de situação, com "emboscadas". Tinha cem por cento de certeza de que não havia mais ninguém escondido. Eram apenas seis. Será que Bullock ouvira errado?
Bem, não havia tempo para ponderar. Havia chegado meia hora antes do combinado. Ou seja, eles estavam desatentos. Um sorriso cruzou meus lábios por um único segundo. Ah, como eu amava o elemento surpresa! Saí do meu esconderijo, rápida como um guepardo, atirando em dois caras que estavam conversando no canto esquerdo, perto do palco. Acertei os quatro tiros, um par para cada um. Então atirei na perna daquele que estava perto de mim e soquei seu estômago logo em seguida. Em um puro reflexo, o puxei para a minha frente quando o outro atirou — usando-o como escudo —, e atirei de volta duas vezes.
Errei.
Joguei o corpo na direção dos caras que estavam perto da mesa e aproveitei para atirar no cara que estava no balcão. Um dos tiros o atingiu e o outro quebrou uma garrafa. Menos quatro. Só estavam os dois da mesa. Corri até eles e consegui fazer com que a bala direcionada a mim acertasse o teto. Torci o braço desse primeiro cara e dei um chute na mão do outro, forte o suficiente para jogar sua arma para longe. Ele atacou o meu punho livre e, por causa disso, perdi minha arma.
No entanto, consegui desarmar o outro logo em seguida e matei o que estava na minha frente. Levei um golpe forte e fui afastada dele. Ah, ótimo. Isso teria que acabar no punho mesmo? Impaciente, desferi um soco, mas ele usou uma de suas mãos para aparar o golpe, a imobilizando, e sua outra mão socou a minha cara. O gosto de sangue preencheu minha boca no mesmo instante. Cuspi antes de me esforçar para recuperar uma das armas, mas ela estava descarregada.
— Sério?! — resmunguei.
O cara riu alto, voltando a se aproximar, e eu só esperei. O maldito era grande e forte, sim, mas era lento — ou, pelo menos, eu era mais rápida do que ele. Já havia o estudado o suficiente para perceber que adorava socar a cara das pessoas. Quem podia julgá-lo, não é? Eu também curtia. Só que esse não era o lugar que mais atingia. Esperei ele vir me socar outra vez e me abaixei com rapidez, desviando do seu punho e usando o meu para golpeá-lo bem no estômago. Ele grunhiu com a dor, desatento por um mísero segundo, e eu usei a coronha da arma para bater com força em sua cabeça. Então empurrei-o, fazendo com que tropeçasse em algumas cadeiras e caísse. Peguei a garrafa de uísque que estava em cima da mesa, fui até ele e a quebrei em sua cabeça. Era um desperdício de bebida, sim, mas era o que eu tinha para usar em meu favor.
Suspirei, cansada. Não era como se eu não adorasse uma boa luta. Óbvio que eu gostava, mas isso me cansava. Preferia usar minha pistola sempre que possível e resolver as coisas rápido. Um barulho mínimo chegou aos meus ouvidos, e eu me virei rapidamente na direção do som. Era Oswald Cobblepot. O que diabos ele estava fazendo ali? Ele sabia muito bem que aquilo ia acontecer e… “Fish vai deixar sete caras esperando por você no clube dela”, a lembrança da voz de Harvey ecoou em minha mente. Oswald era o sétimo? Não, não podia ser. Se fosse, Harvey teria me dito, afinal, detestava o Pinguim.
Limpei o filete de sangue que escorria no canto da minha boca e dei alguns passos na direção de Cobblepot. Ele nem sequer se moveu. Apenas ficou ali, me analisando como sempre gostara de fazer. Fitei-o, esperei mais alguns segundos e… nada. Muito bem. Ele havia passado no meu teste. Com certeza não era o sétimo cara.
Dei de ombros e segui até onde minha nove milímetros havia caído. Guardei a arma e fui até a área do balcão. Retorci os lábios. O cara em que atirara mais cedo jazia estirado no chão. Ignorei-o e abri um dos compartimentos escondidos atrás do balcão. Sorri ao encontrar a pulseira prata com o pingente de lírio, a minha pulseira. Guardei-a em meu bolso antes que Oswald fosse capaz de vê-la. Se ele avistasse aquele pingente de lírio, saberia que era eu. Conhecia muito bem a minha paixão por lírios, que também eram as flores favoritas da mãe dele.
Quando avistei a outra coisa que queria recuperar, minha perna foi agarrada e eu tomei um susto. O cara não estava morto e agora apertava a minha perna com força. Varri o pânico para longe, saquei minha pistola e atirei direto em sua cabeça.
— Quero ver voltar à vida agora — resmunguei baixinho, guardando a arma outra vez.
Enfiei a mão no compartimento e peguei a chave dourada.
— Então essa era a única coisa que queria daqui? — Cobblepot enfim falou, sem esconder seu tom de desconfiança que eu conhecia bem. — Tudo isso por uma chave?
— É importante para mim — simplifiquei.
A verdade era um pouco diferente. Não estava fazendo isso apenas por mim. A chave era, de fato, minha. Só que ela abria um cofre onde eu mantinha algumas coisas em segurança para Falcone. Desde que o objeto havia desaparecido sem mais nem menos, desconfiei que estivesse em posse de Fish Mooney. E bem, no fim das contas, eu estava certa.
Um movimento na entrada do clube desviou a minha atenção de Oswald Cobblepot. Lá estava o sétimo cara, sua arma já apontada. No entanto, quem ele tinha na mira era Oswald, não eu. Até que fazia sentido, afinal, ele conversava comigo em vez de tentar me impedir de fazer qualquer coisa. Além disso, do local onde estava, era mais fácil acertar Cobblepot primeiro. Eu não podia hesitar.
Corri e joguei Oswald para longe ao mesmo tempo em que escutei o som do disparo. Meu ombro doeu, mas eu não podia pensar nisso agora. Saquei a minha pistola e puxei o gatilho, o acertando em cheio. Atirei mais uma, duas vezes, e ouvi o clique da pistola descarregada. Não havia motivos para desespero, o cara jazia no chão, agonizando em dor, quase sem forças. Apenas caminhei até lá e chutei sua arma para longe. Era sempre melhor garantir.
— A bala pegou de raspão no seu ombro — observou Oswald, seu cenho franziu-se. — Por que diabos você me salvou?
Respirei fundo. Era isso. Não havia mais escolha. O fingimento acabou.
— Eu nunca deixaria você morrer, Oswald. — Tirei a balaclava rosa, revelando o meu rosto para aquele que me conhecia tão bem.
— !? — Seus olhos se arregalaram, mas logo sua expressão foi clareando como o céu após uma tempestade. — Agora algumas coisas fazem um pouco mais de sentido… eu acho.
— Olá, velho amigo. — Abri o sorriso mais sincero em anos.
— Quanto tempo faz? — tentou recordar. — Dez anos?
— Ou algo tão próximo disso que não vale nem a pena mencionar.
Tirei a pulseira do bolso e a coloquei. Não havia mais motivos para escondê-la. Oswald já sabia que a Garota da Balaclava era eu: , a sua .
— Por que Fish estava em posse da sua pulseira?
— Pelo mesmo motivo que estava com a chave dourada. Mandou roubarem de mim para me ferrar. — Revirei os olhos. — Eu apostaria a minha vida dizendo que não era para você estar aqui. Estou certa?
— E quando você não está? — Ele sorriu, nostálgico.
— Hora de dar o fora daqui, então. — Puxei-o pelo braço. Seria bom deixarmos aquele lugar antes de Fish aparecer. — Vamos beber alguma coisa em algum lugar qualquer.
Loft da | Sexta-feira, 20:07
— Não, escuta o que estou dizendo: deveria tomar cuidado com a polícia. — Servi dois copos de uísque. — Todos nós deveríamos.
— A polícia é comprada, , sempre foi — insistiu. — Eles não fazem nada. Nunca.
— Não foi isso que eu quis dizer. — Sacudi a cabeça. — Tem um policial novo chamado James Gordon. Preste atenção nesse cara. Ele é diferente de todos os outros. Jim é realmente honesto e quer limpar Gotham.
— Honesto até Gotham o corromper — acrescentou.
— É, foi o que eu pensei — admiti —, mas é bom ter atenção dobrada com ele.
— Me lembrarei disso, não se preocupe — garantiu-me. — Agora me responda uma coisa: por que aquela chave era tão importante?
— Era uma coisa minha que Fish Mooney não podia ter acesso — falei com uma rapidez nunca antes vista.
— Eu sei quando você está mentindo, — lembrou-me.
— Tinha me esquecido desse fato — suspirei. — Eu respondo a alguém, você sabe. Guardo algo importante para ele em um lugar que abre com aquela maldita chave.
— Então você trabalha para Don Maroni — concluiu erroneamente.
— O quê? Não! Credo! Não gosto do modo como ele lida com as coisas. — Meu rosto se retorceu em uma careta. — Eu trabalho com Carmine Falcone. E, para falar a verdade, você também deveria.
— Deveria? — repetiu. — Isso não faz sentido, . Por quê, então, aquela chave estaria com a Fish se ela também trabalha para ele?
— Acho que você já sabe a resposta, Oswald. — Fitei-o com atenção. — Ela tem sede de poder.
Ele pensou por um momento, mas acabou concordando. Em seguida, saiu andando pelo meu loft, observando cada canto da minha moradia enquanto bebia seu uísque.
— Então aqui é onde você fica agora. Não é muito longe de onde eu moro — contou-me. — Quando voltou para Gotham?
— Há pouco mais de meio ano. — Tomei outro gole da minha bebida.
— Todo esse tempo… — Ele parou e se virou para me olhar.
— É complicado, Oswald. — Mordi o lábio. Não queria que ele me perguntasse o motivo de não ter ido atrás do meu passado. Atrás dele.
— Você foi embora, ficou longe por anos, e agora está de volta — comentou. — E você me beijou ontem à noite.
— É, eu beijei. — Entornei o copo, bebendo tudo de uma vez. Não ousei tirar os olhos de Oswald Cobblepot. Sentia falta de contemplá-lo.
— Por que está me observando desse jeito? — Seus olhos não se desviaram de mim.
— Porque eu gosto do que vejo — confidenciei. — Isso te incomoda?
— Não, eu gosto. Mas tem outra coisa que me incomoda. — Ele se aproximou. — Por que não me procurou quando retornou?
— Trabalho — respondi com simplicidade. — Eu estava evitando o passado, sabe? Não podia me envolver.
— Mas agora estamos aqui — indicou.
— E eu já tenho meu lugar garantido no trabalho — falei. — Agora posso me envolver.
— Que bom. — Sentou-se ao meu lado. — Não vou mais deixar você sair da minha vista.
— Esse é o tipo de ameaça que eu gosto. — Sorri de lado. — Mas eu sou engenhosa, sabe? Pode acabar me perdendo outra vez.
— Aqui é Gotham, nossa cidade, nossas ruas — disse ele. — Eu te encontraria aonde quer que você fosse.
— Ótimo, então. Mas lembre-se, Oswald: eu ando pelas sombras.
— Assim como eu, . — Sorriu. — Andamos pelas mesmas ruas.
Eu nunca deveria ter cruzado a linha
Porque eu sabia que não poderíamos ficar juntos
Mas algo me manteve querendo mais
— Mest, “Blinded Bye”
Xxx xxX
Mansão do Pinguim | Sexta-feira, 17:23
— Você e ele? Que nojo! — Harvey Bullock olhou de mim para Oswald duas ou três vezes. — Vocês dois...?
— Sério mesmo, Harvey? — Revirei os olhos. — Pare com isso.
— Ah, … Eu não gosto de ver você com o Pinguim — cuspiu aquele nome como se fosse uma praga.
— Se o seu amiguinho não viesse aqui pedir favores o tempo todo… — Indiquei com o olhar o detetive James Gordon, que conversava com Oswald do outro lado da sala. — Talvez você não me visse com ele.
— Você entendeu o que eu quis dizer. — Estreitou os olhos. — E pare de implicar com o Jim, .
— Então pare de implicar com Oswald, Harvey. — Usei meu melhor tom de deboche.
— Ele é um criminoso! — objetou.
— Assim como eu — retruquei.
— Jamais gostei dele, sabia? Mesmo quando ele era o garoto do guarda-chuva — comentou de modo sério. — Ele matou a Fish, caramba!
— Sei que você gostava dela, mas isso é meio que uma vitória para mim — reconheci. — Eu respeitava a Fish e tudo mais, mas ela não me respeitava como deveria.
— É, tanto faz. — Ele bufou. — O Pinguim é um…
E começou seus xingamentos, porém fiz sinal para que parasse no mesmo instante.
— Eu gosto muito de você, Harvey, gosto mesmo — falei a verdade. — No entanto, não posso deixar que você ofenda Oswald aqui, na casa dele, bem na minha frente.
— Isso me incomoda, sabe? — insistiu no assunto. — Como pode estar com ele, ?
— Você não entende, Harvey, acho que jamais vai entender — suspirei. — O que Oswald e eu temos é diferente, é… um tanto especial, eu diria.
— Especial? — repetiu, completamente incrédulo.
— Eu o vi, Harvey, o notei quando ninguém o fez. Me aproximei dele quando nenhum outro queria se aproximar. Eu vi sua inteligência e o seu potencial — expliquei, recebendo caretas carregadas de dúvida em resposta. — Eu entendo sua descrença, entendo mesmo. Enquanto tudo o que os outros conseguiam ver nele era um garoto estranho, como você ainda o vê, eu enxerguei o homem que ele poderia se tornar. E hoje, mais de dez anos depois, estou aqui com ele. — Sorri, olhando de soslaio para Oswald. — Jamais o achei estranho só porque era diferente. Eu sabia apreciar aquilo, Harvey, ainda sei.
— …
— Não — o cortei. — Nada do que você me disser será capaz de mudar isso.
Loft da | Sexta-feira, 23:58
Caminhei pelo meu loft cantarolando aquela música de 1945 que eu sabia de cor. Hoagy Carmichael arrasara com “Heart and Soul”. Eu tinha uma grande paixão por ela e sabia que não era a única. Oswald estava deitado em minha cama e me observava com toda a atenção do mundo. Ele não ousaria falar nada. Estava só me apreciando, afinal, fazia muitos anos que ele não me ouvia cantar. E ele jamais escutara essa música, em especial, saindo de meus lábios.
— But now I see what one embrace can do. — Olhei em seus olhos. — Look at me, it's got me loving you… Maaadly.*
Parei ao ver sua expressão. Oswald tinha um belo sorriso em seu rosto. Beberiquei meu uísque. Não importava quanto tempo se passasse, aquilo sempre me deixaria surpresa. Não era algo com o qual eu estava acostumada. Oswald Cobblepot não era assim.
— That little kiss you stooole — cantou para mim, um pouco fora do ritmo. — Held all my heart and soul.**
Larguei meu copo, agora vazio, sobre o balcão e sorri, caminhando até ele. Aquele jazz me deixava louca, e ouvi-lo cantar daquele jeito, cantar para mim, sorrindo…
— Essa é nova — disse, me sentando ao seu lado. Ele me olhou de modo curioso. — Você terminando a música, e sorrindo.
— Por que cantou essa música, ? — investigou. — Algum motivo em particular?
— Eu sei que você gosta dela — respondi simplesmente.
Não era mentira. Tinha mesmo cantado por causa disso, mas também porque eu gostava e, bem, porque era um pouco do que eu sentia.
— Como você…? — Ele nem sequer conseguiu terminar a pergunta.
— Vi você no Mooney's, tocando “Heart and Soul” no piano — revelei. — Mais de uma vez, a propósito.
— Você é uma boa observadora — notou, arqueando as sobrancelhas.
— Não sei porque ainda soa surpreso. — Sorri de lado. — Eu sempre observo você, Oswald.
— Não estou surpreso. — Ele riu um pouco. — Apenas tentando me acostumar a isso.
— É, eu também.
Passei a mão entre seus cabelos e colei nossos lábios mais uma vez naquela noite. Oswald me ajudava em minha jornada, pois me complementava, mas ainda faltava algo. E essa sensação ainda era um tanto estranha para mim.
* Mas agora eu vejo, o que um abraço pode fazer. Olhe para mim, me fez te amar… Loucamente.
** Aquele pequeno beijo que você roubou continha todo o meu coração e a minha alma.
Campbell's Night Club | Sábado, 22:45
Oswald e eu resolvemos agir juntos. Era uma tarefa simples, uma do tipo que deixaria Victor Zsasz entediado, afinal, qualquer capanga do Pinguim poderia fazer isso sem o mínimo esforço. Só tinha que pegar o maldito cara e levá-lo para Victor se divertir extraindo dele a informação que precisávamos. Portanto, decidimos sair de casa um pouco e completarmos a tarefa em conjunto. Era legal participar da ação de vez em quando.
— Estou entediado — Oswald disse, quando lhe entreguei outro copo de uísque.
— Ah, por favor! Impossível não estar. — Revirei os olhos, bufando. — Esse lugar é horrível.
— Mas poderia ser um ótimo clube, não? — observou ele, apontando ao redor. — Se o Campbell pensasse grande, poderia ser maravilhoso. Mas ele não pensa.
— Exato. Nem a música é boa. As pessoas parecem tão entediadas quanto nós. — Retorci meu rosto em uma careta. — Falta boas atrações. Eu poderia muito bem criar um império aqui.
— Está interessada? — investigou.
Oswald quase sorriu ao perceber que poderia fazer algo por mim. No entanto, antes que eu pudesse pensar em responder, avistei alguém indesejado. Não conseguira gostar daquele homem desde o primeiro contato que tivera com ele.
— O que ele está fazendo aqui? — resmunguei e andei até ele, deixando Oswald para trás. — James Gordon! — saudei-o, em alto e bom som, e então retorci os lábios. — O que você está fazendo em um lugar desse tipo? Você não deveria ser o bom policial?
— — cumprimentou-me de volta. Havia tanta acidez em seu tom quanto no meu. — A informação que o Pinguim me passou sobre o cara que eu estava procurando acabou me trazendo até aqui.
— Olá, Jim! — Oswald parou ao meu lado, sorrindo. — Velho amigo.
— Ei — o outro respondeu meio sem vontade.
— Faça o que quiser aqui, então. — Dei de ombros, como se não me importasse com a sua presença. — Apenas não fique no meu caminho, detetive.
— — Oswald repreendeu-me. — Não seja tão rude.
— Ah, Oswald, me poupe! — reclamei, irritada. — Jim não é um amigo, é um policial. Não se pode confiar em policiais.
— Diz a criminosa — Gordon provocou.
A resposta para rebater sua provocação estava na ponta da língua, mas nada saiu. Todas as palavras do mundo simplesmente me fugiram quando avistei a mulher do outro lado da sala. Suas vestes eram negras, da cabeça aos pés, e um véu, também negro, cobria o seu rosto. Estremeci e uma pontadinha incômoda se manifestou em meu coração.
— , o que está acontecendo? — Oswald me encarou de modo preocupado, enquanto Jim aproveitava a deixa para se afastar. — O que você viu?
— Nada, é só… a mulher do véu preto — indiquei, e ele acompanhou meu olhar. — Ela me lembrou de alguém.
— Alguém importante, não foi? De outro modo, não ficaria tão mexida com isso. — Ele tocou meu braço de maneira gentil. — Quem?
— Uma velha amiga, muito querida por mim — suspirei com a saudade. — Ela está em Arkham, e não há nada que eu possa fazer para mudar isso.
— Então ela é louca — constatou.
— Não! — neguei com veemência. — é apenas…
— ? — Franziu o cenho ao reconhecer o nome. — A Dama de Preto?
— Ela mesma. — Sorri um pouco. — Eu ia dizer que ela é apenas incompreendida.
— Ah, bem… — suspirou. — Todos nós somos, não somos?
Loft da | Domingo, 00:19
Havíamos chegado há algum tempo, depois de termos pegado o maldito cara e o entregado nas mãos de Victor Zsasz. Deitada ao lado de Oswald, como quase em todas as outras noites, eu o observava. Hoje, no entanto, nascera algo diferente dentro de mim, e isso nublara os meus pensamentos. O que sentia por Oswald, porém, ainda era a mesma coisa, e eu não acreditava que um dia existiria algo nesse mundo que pudesse mudar isso.
As nuvens em minha mente diziam respeito a outra questão. Algo muito maior do que Oswald Cobblepot e eu. Passar parte da noite no Campbell's me fizera perceber uma coisa. E seria difícil continuar nesse mundinho semi-perfeito com isso. Oswald era apenas um capacho de Fish Mooney, e olha onde ele chegara. Havia matado Fish e se tornado o Rei de Gotham. E eu? O que eu conseguira? Costumava ser o braço direito de Carmine Falcone, e agora era a mesma coisa de Oswald. Para falar a verdade, ele queria que eu ficasse ao seu lado nisso tudo. Eu era mais do que seu braço direito para ele. Isso era tudo o que ele poderia me oferecer, e ele de fato o fazia. Só que não era mais o suficiente para mim.
Demorara a perceber, mas essa noite me mostrou isso. Eu precisava conseguir minhas coisas por conta própria. Qual seria o meu mérito se tudo o que Oswald e eu tínhamos fora ele quem conseguira? Não fazia sentido. Eu precisava conseguir algo por mim mesma, pelo menos uma pequena partezinha. Mas o fato era que eu jamais conseguiria isso se me mantivesse tão próxima de Oswald… Tão próxima do famoso Pinguim.
— Oswald, vai quebrar meu coração ter que dizer o que eu preciso — suspirei longa e pesadamente. — Mas isso tem que acabar.
— Isso o quê? — Franziu o cenho, confuso. — Do que está falando?
— Nós dois. — Apontei de mim para ele duas ou três vezes. — Não podemos mais fazer isso.
— Por quê? — Ele se levantou, irritado. — Por que não podemos, ? Você acha que não somos nada além de um erro?
— Não é isso. Na verdade, acho que foi tudo ótimo. — A sinceridade tornava tudo ainda mais dolorido. — Mas eu preciso fazer as coisas por conta própria pelo menos uma vez.
— O que está tentando dizer, ? — Bufou. — Nada disso faz sentido para mim.
— Eu preciso conseguir uma parte para mim. Não posso simplesmente subir no mundo do crime apenas porque estou dormindo com você. Tenho que fazer algo sozinha — tentei explicar. — Talvez até consiga alguém para me ajudar. Só preciso mostrar a mim mesma que sou boa o suficiente, que posso fazer isso sozinha.
— Você não pode estar falando sério. — Ele estreitou os olhos.
— Qual é, Oswald! — Revirei os olhos em um movimento forçado. — Bem lá no fundo, nós dois sabíamos que isso jamais seria para sempre.
— Ah, sério? — Ele riu, seco. — Há menos de dez minutos estava dizendo que precisava de mim! E agora, aqui está você. — Ele apontou, de modo desajeitado. — Está me afastando, . Por quê? Isso não faz o mínimo sentido para mim.
— Para mim, faz! — gritei, perdendo o pouco de controle que eu mantinha para dizer adeus ao homem com quem eu queria estar. — Quero que você saiba que, sim, eu preciso de você e desejo estar com você. É só que…
— Eu não quero ouvir — cortou-me, cruzando os braços.
— Preciso fazer isso primeiro — insisti. — Eu vou voltar, Oswald. Não é como se eu fosse embora de novo.
— É quase a mesma coisa — retorquiu.
— Não, não é. — Aproximei-me e agarrei suas mãos com urgência.
— Você me confunde — acusou-me. — Diz que precisa de mim, então me afasta. Age friamente, e depois segura as minhas mãos.
— Você sabia desde o começo que eu era assim — repliquei.
Um momento de silêncio prosperou entre nós. Pela primeira vez em muito tempo, era um silêncio estranho e devastador. Eu nem podia acreditar no que eu mesma estava fazendo. Ainda assim, sabia que era o que precisava ser feito. Eu ia voltar para ele, ia ficar com ele. Ele sabia disso. Eu sabia. Só precisava de um tempinho para ajeitar as coisas.
— Então… — ele começou, hesitante, como se não soubesse bem o que fazer ou dizer. — Acho que vou embora.
— Não deveria ir. — Levei minhas mãos até o seu rosto e o pressionei meus lábios contra os dele. — Deveria ficar comigo, ao menos até a noite acabar.
— — disse em tom de alerta.
— Tome isso como uma promessa — falei. — Uma promessa de que vou voltar para você.
"E você sorriu enquanto girava
A faca em meu estômago
Até que tudo se foi"
— +44, Lillian”
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Departamento de Polícia de Gotham City | Quarta-feira, 18:47
Fortes dores nas costas me atingiram como um monte de balas cravadas em minha pele. Não era nada fácil dormir numa cela pequena como essa. Ainda mais com tantos policiais por perto. Passar o dia, no entanto, era ainda pior. Por vezes, um ou outro olhava para cá e murmurava alguma coisa para o seu companheiro. Alguns já me conheciam, claro. No entanto, essa era a primeira vez que eu estava do lado de cá. Eu tinha que dar um jeito de… Espera aí, que merda estava acontecendo?
— O que você está fazendo? — perguntei, atônita, ao encarar o homem que destrancava as grades da minha prisão. — Você não deveria ser o bom policial?
— Detetive — corrigiu-me. — E chega de perguntas, . Vai sair ou quer ficar trancada nessa cela para o resto da vida?
— Tudo bem, tudo bem. — Ergui as mãos em sinal de rendição e saí da cela. Mas, em vez de seguir meu caminho, segurei o braço de James Gordon, o puxando para perto e abaixando a voz. — Você nunca gostou de mim, Jim. Tudo o que você queria era me ver atrás das grades. Vai dizer por que diabos está me deixando ir?
— Pergunte ao Pinguim — disse apenas, seu rosto retorcido em uma careta. Era fácil perceber que ele detestava dever favores aos criminosos de Gotham.
— Oswald fez você me tirar daqui? — Arregalei os olhos e bufei. — Eu vou matar aquele filho da puta!
— Sem ameaças de morte aqui dentro ou eu te prendo de novo — ameaçou-me. — Vai embora antes que eu mude de ideia!
Fiz o que ele disse. Caminhei sozinha pelas ruas de Gotham, refletindo sobre o acontecido. Pinguim… Por que Oswald insistia em continuar pedindo favores àquele cara? Qual era a dificuldade em ouvir meus conselhos? Ele tinha que parar de se meter com a polícia, ainda mais com James Gordon, que fazia de tudo para ser o bonzinho, o policial que limparia a cidade e todo aquele blá-blá-blá. Eu estava preocupada do mesmo modo que sempre me preocupava com ele. Não queria que ele acabasse se dando mal.
Mas era outra coisa que invadia a minha mente agora. Estava tudo errado. Cobblepot não deveria ter feito isso. Não deveria ter intervindo por mim. Eu poderia ter saído de lá sozinha! Sabia me virar quando precisava. E ele sabia muito bem disso.
Mansão do Pinguim | Quarta-feira, 19:06
Cheguei àquela casa enorme e entrei, batendo o pé, sem ousar parar até chegar à bendita sala. Sabia que estaria lá. Ele adorava o local, principalmente para tratar de negócios. Alguns dos presentes se surpreenderam ao me verem ali, outros nem tanto. De qualquer modo, ninguém sequer tentou me parar no caminho, afinal, não era a primeira vez que colocava meus pés ali e, com certeza, não seria a última.
— Precisamos conversar. — Encostei-me na soleira da porta e fitei meu antigo amante. — Sozinhos.
— Saiam! — Cobblepot fez sinal para Butch e Victor Zsasz saírem, e eles o obedeceram sem hesitar. A garota mais nova continuou ali, sentada, me observando. — Oh, esta é Selina Kyle.
— Eu sei, conheço ela — expliquei, sem tirar os olhos da garota. — Olá, Selina.
— — cumprimentou-me de volta, ainda parada.
— Dá para sair da sala agora, Gata? — pedi. — Não tenho tempo para isso, Selina, por favor.
Ela saiu, claro, mas não sem antes curtir com a minha cara. Ela adorava fazer isso, incrível. Eu até que gostava de Selina Kyle, a garota tinha muito potencial. Agora, porém, eu não estava em um dos meus melhores momentos.
— Olá, minha velha… amiga. — Oswald abriu um sorriso enorme. Um que eu não podia retribuir, por mais que desejasse.
— Velha amiga, Oswald? Sério? — Estapeei seu braço. — Que merda você tem na cabeça para ter feito isso?
Ele segurou meus ombros, me fazendo parar com meu ataque inútil, e então disse:
— Não sei do que está falando.
— Não seja sonso. Não comigo. — Semicerrei os olhos. — Você pediu para James Gordon me soltar. Está enlouquecendo, é?
— Jim é um amigo, . — Ele me soltou. — Amigos fazem favores a amigos.
— Sabe como ele odeia fazer qualquer tipo de coisa para você — suspirei alto. — Na primeira oportunidade que tiver, se virará contra você. Eu já te disse isso milhões de vezes, mas parece que você tem prazer em não me escutar.
— Então está preocupada comigo — constatou.
Seus olhos brilharam com algo que eu não conseguia identificar… não queria. E o pior: fora uma afirmação, não uma pergunta. Como não demandava uma resposta, não ousei falar nada a respeito. Além do mais, se falasse, teria de dizer a verdade.
— Por que o Detetive Gordon me deixou sair, afinal? — perguntei, mudando de assunto. — O que você deu em troca?
— Eu o ajudei com algo que ele precisava — disse. — Então ele retribuiu o favor.
— Não deveria ter feito isso. — Fui ríspida, já virando as costas para me retirar.
— Não deveria? Não deveria? — gritou, vindo na minha direção e me fazendo voltar-me a ele. — E quem você acha que te tiraria de lá? Um garoto psicopata de dezoito anos? — Riu, sarcástico. — Preciso te lembrar que você foi presa por causa dele?
— E daí? — gritei de volta. — Está com ciúmes agora.
— Sim! — respondeu irritado, mesmo que não tivesse sido uma pergunta.
— Você…? — Fechei os olhos e sacudi a cabeça. — Eu mesma poderia dar um jeito de sair de lá.
— Você vai atrás dele? — perguntou de repente. — Do garoto louco?
— Você sabe que isso é sobre o Campbell, não sobre o “garoto” — lembrei-o.
— Isso poderia ser resolvido em dois segundos — insistiu. — Victor poderia matar o Campbell e o clube seria seu.
— Não! — o cortei. — Eu tenho que fazer isso. É por mim, Oswald, só por mim. Eu tenho que ir.
— Não acredito que fará mesmo isso. — Ele voltou a se sentar, resignado. — Você é mais louca do que eu pensava — suspirou e, em vez de eu aproveitar o momento para me afastar, me aproximei, fazendo careta. E ele continuou: — Esse garoto fugiu de Arkham, ! Isso não é motivo o suficiente para ficar o mais longe possível dele e de seus problemas?
— Dá pra parar com todo esse drama todo, Oswald? Por favor — implorei. — Está me chateando.
— Você gosta mesmo dele? — Encarou-me, as sobrancelhas arqueadas.
— Claro que não! Ele é jovem demais. Oswald, você sabe que só existe uma pessoa que tem o meu coração. — Respirei fundo e segurei sua mão em um gesto afetuoso. — Você sabe que Jerome é só parte do meu plano.
— Eu não gosto disso — reafirmou sua posição.
— Você tem sua vida de crime, de Rei de Gotham, e eu tenho a minha. — Dei de ombros. — Tenho que fazer o meu próprio negócio.
— , você sabe que pode ficar aqui. — Ele segurou firme na minha mão, me impedindo de ir embora. — Pode participar de tudo isso… comigo.
— Sinto muito, Oswald — lamentei. — Isso é algo que eu preciso fazer por conta própria, sem suas amarras.
Desvencilhei nossas mãos e caminhei para fora do cômodo em passos pesados. O momento tinha sido intenso, intenso até demais. Um sentimento estranho me implorava para voltar, para senti-lo em meus braços outra vez, mas coloquei-o de lado. Eu estava tentando fazer o que era certo para mim. Nada daria errado. Eu faria Jerome me ajudar a chegar até o Sr. Campbell matando alguns caras. Então eu acabaria com Campbell e tomaria o seu lugar.
Era tudo sobre me provar. Depois de tudo isso, talvez até tivesse uma chance de juntar meus negócios aos do Pinguim. Pinguim… Nunca me acostumaria a chamá-lo assim. Simplesmente não conseguia fingir que não era íntima o suficiente para chamá-lo pelo nome.
Tudo bem, foco! Eu preciso de foco.
Ruas de Gotham | Quarta-feira, 19:29
Tinha que encontrar Jerome Valeska o mais rápido possível. Eu só sabia que ele me ajudaria porque o garoto gostava de morte. Isso o divertia. Eu o conhecera há algum tempo, quando o circo ainda estava em Gotham, antes de Jerome matar a desgraçada da mãe dele. E, claro, ontem estávamos causando alguns tumultos pela cidade. Esse era o motivo de eu ter passado a noite presa — e passaria bem mais tempo por lá, se não fosse por Oswald fazer Gordon mudar de ideia e me soltar. Fui até a rua de sempre, bem debaixo do metrô. Costumava encontrá-lo pelas redondezas vez ou outra. Talvez o encontraria de novo, já que deve ter ouvido que eu não estava mais na delegacia.
— Eeei. — A voz de Jerome irrompeu o ar ao meu redor, e eu me virei para encará-lo. — Ouvi que te deixaram sair da cadeia.
— O que posso dizer? — Dei de ombros, rindo. — Tenho alguns amigos importantes.
Amigos era uma palavra leve para definir o que Oswald e eu éramos um para o outro, mas isso não era importante no momento. Precisava me provar para mim mesma e, só assim, poderia pensar em Oswald Cobblepot.
— Até que demorou para aparecer — comentou ele. — Achei que viria mais rápido.
— E por que pensou isso? — Investiguei.
— Porque você gosta de problemas. — Inclinou a cabeça para o lado, como se me analisasse.
— E você é um? — Arqueei as sobrancelhas, quase sorrindo.
— Não exatamente. — Ele abriu um sorriso psicopata. — Mas posso arranjar alguns.
— Viu só — falei. — É por isso que eu gosto de você.
Inclinei-me na direção do garoto e o beijei. Era estranho não sentir nada além do físico. Sem contar que ele tinha só dezoito anos, quase uma criança. Uma criança que adorava arranjar problemas. E era por isso que eu precisava fazer o possível para mantê-lo ao meu lado enquanto ainda precisasse dele. Eram apenas algumas mortes. Nada mais do que isso. Jamais teria sentimentos por Jerome. Não por ele.
— E em que problema você quer entrar hoje, ? — perguntou, ao afastar seus braços da minha cintura.
— Quero sua ajuda para tomar um lugar aí — comentei, como se fosse uma coisa qualquer. — Vai vir comigo?
— Vamos matar alguém? — Seu sorriso tornou-se animado, quase insano.
— Ah, meu bem, isso é óbvio. — Revirei os olhos, rindo. — De outro modo, nem teria te envolvido nisso.
— Mal posso esperar — disse. — Vamos!
— Ué, você não tem que pedir permissão para aquele cara doido que quer causar pânico na cidade? — indaguei.
— Eu não respondo a ninguém. — Jerome revirou os olhos de uma maneira teatral. — Ele só decide que tipo de problema causaremos… E onde.
— Se você diz — suspirei, duvidando muito daquilo. — Achei que ele mandasse em vocês.
— Foda-se aquele cara! — Seu rosto bonito retorceu-se em uma careta impaciente. — Ei, garota, vamos causar algum problema.
— Certo — assenti. — Você tem armas?
— Sim, você precisa de uma?
— Não, eu sempre carrego a minha. — Sorri de lado.
— Ah, isso é bom! — Ele riu. — Onde estamos indo?
— Só me siga. — Caminhei pela rua, o puxando pela mão até uma escada que descia. — Aqui. Nós vamos tomar esse lugar.
— Só isso? — Jerome fez cara de decepção. — Você só quer um bar?
— Não é só um bar, é o Campbell's! — argumentei, mas ele ainda parecia entediado. — Tanto faz. Vai ter bastante capangas no caminho. Vamos!
— Como quiser.
E nós fomos.
Campbell's Night Club | Quarta-feira, 19:38
Entramos cobertos em silêncio — o que achei que Jerome seria incapaz de fazer, afinal, se empolgava demais com essa coisa de morte. Havia dois guardas logo na entrada… Só dois, um para mim e outro para Jerome. Com pouca luta — apenas dois pescoços quebrados — chegamos ao outro cômodo, o bar. Campbell não estava entre os vários ali presentes. Jerome começou a atirar maniacamente, como quase tudo o que fazia, e aqueles que eram apenas clientes fiéis saíram correndo. Deixei-os ir, afinal, não me importava com eles.
— Preciso chegar até o Campbell — falei em tom baixo para Jerome.
— Eu cuido desses aqui. — Ele riu, apontando as pessoas que restavam. — Vai na frente.
Assenti e segui o meu caminho, me apressando para atacar um dos capangas. Desarmei o maldito e pressionei o cano da minha arma em sua cabeça.
— Leve-me ao seu chefe… agora — ordenei, aumentando a pressão. — Leve-me ao Campbell ou você será morto.
Ele me levou por um corredor escuro até o local reservado em que o chefão permanecia. Sem nem hesitar, atirei na cabeça do cara que me levara até ali, disparando em seguida contra a mulher que acompanhava o maldito Campbell.
— O que diabos está acontecendo aqui, hein? — Campbell perguntou, olhando para a pistola que eu agora apontava para ele.
— Temos negócios a tratar, Sr. Campbell. — Abri um sorriso mínimo.
— Ah, mas o que foi agora? — Revirou os olhos, inquieto, o desdém preenchendo sua voz. — O Pinguim mandou você? Achei que ele mesmo resolvia essas coisas de dívida, mas parece que agora manda as vadias dele.
— Uau, acha mesmo que vai me irritar dizendo que sou uma vadia do Pinguim? Acha que sou fraca assim, queridinho? Você não me conhece… e nem vai. — Caminhei na direção dele em passos lentos. — Estou aqui para te matar e tomar o seu lugar. Nada a ver com Oswald. Ele nem mesmo queria que eu viesse.
— Vai ver é porque o maldito é mais inteligente do que você — provocou-me.
— Pensa mesmo que minhas palavras são vazias? — Bufei, apertando o gatilho e sentindo prazer quando a bala se cravou em sua testa. — Não consigo te ouvir agora, seu filho da puta.
Observei o rosto sem vida do homem, a expressão de surpresa que ficara em seu rosto por eu ter, de fato, puxado o gatilho. Revirei os olhos. Que cara mais fraco e sem visão! Sua morte seria ótima para Gotham. O negócio agora seria meu e, assim, eu poderia arrumar as coisas e pensar em minha reaproximação com Oswald.
Uma mão envolveu minha cintura, me arrancando de meus devaneios com um susto. Virei-me, dando de cara com Jerome Valeska.
— Você o matou. — Seu tom era quase de dúvida, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele pressionou seus lábios contra os meus. — Você. O. Matou. — Cada palavra vinha carregada de uma fúria incomum.
— O quê…? —
Grunhi de dor quando algo perfurou a minha barriga. Uma faca. A faca de Jerome.
— Ah, … Você acabou com a melhor parte. — Ele fez um biquinho de desapontamento. — Tirou toda a graça da coisa. Ele era meu, eu queria matá-lo. Seria a melhor parte. Mas você tinha que estragar isso, não é mesmo?
— Você é louco — murmurei.
E Jerome riu, riu maniacamente enquanto girava a lâmina dentro de mim. Então ele tirou a faca com um puxão dolorido e a jogou no chão, mas já era tarde para mim. Desvencilhou seus braços de mim e me empurrou. Levei as mãos sobre a barriga ao cair de costas no chão. Jerome deu uma última olhadinha em sua nova obra de arte e saiu. Eu ainda podia ouvir sua risada.
— Vá atrás dele, Victor — gritou alguém, mas parecia distante. — Vá atrás de Jerome!
Poucos segundos depois, Oswald Cobblepot estava agachado ao meu lado. Eu nem mesmo percebera sua chegada. Talvez meu estado já fosse mesmo horrível.
— Oswald… — Foi tudo o que eu consegui dizer por um breve momento. Seu nome. O nome daquele que… Grunhi com a intensidade da dor, sentindo o gosto de sangue na minha boca. Que patética. Eu, , a Garota da Balaclava, sendo morta por um maniacozinho de dezoito anos.
— Sabia que você faria isso! Sabia! Eu disse para ficar lá comigo, . — Ele envolveu minha mão ensanguentada na sua, um toque de calor bem-vindo. — Poderíamos ter tudo, você e eu, mas tinha que tentar fazer tudo sozinha, não é? Droga, ! Olhe para você agora.
— Você ainda não entende — esforcei-me para falar.
— Por que queria tanto fazer isso? — perguntou-me, sua voz lamentosa. — Eu poderia ter mandado Victor matar o Campbell, ou eu mesmo teria feito e então você poderia cuidar dessa parte dos negócios para nós. Eu faria qualquer coisa por você.
— Eu sei, mas precisava fazer isso por mim mesma. Quantas vezes vou ter que repetir? — insisti. — Eu queria sentir isso.
— Aquele ruivo maníaco! — esbravejou. — Vou matar ele!
— Oswald, não vá — implorei, impedindo que ele saísse dali. — Não me deixe sozinha. Não quero morrer sozinha.
— Você… — Ele fechou os olhos e respirou fundo. — Droga, ! Não precisava ter acontecido dessa forma, você sabe disso.
— Eu sei. — A dor me consumia cada vez mais, tornando minha fala dificultosa. — Se eu… Se pudesse fazer… tudo de novo… Eu mudaria quase tudo. — Sorri para ele em um último esforço. — Eu teria ficado.
Pisquei os olhos algumas vezes, devagarinho, mas cada vez parecia mais impossível mantê-los abertos. Não conseguiria mais. Oswald Cobblepot sempre esteve certo. Eu não deveria ter feito isso. Deveria ter ficado lá, ficado com ele. Jamais deveria ter acabado com o que tínhamos na noite em que cantamos “Heart and Soul” um para o outro. E agora eu não podia mudar isso, mesmo que desejasse.
Para além do turbilhão de emoções, minha vida se esvaía, escapando por entre meus dedos ensanguentados que Oswald ainda segurava firme. Ele inclinou-se na minha direção e beijou minha testa… O toque de seus lábios foi a última coisa que senti antes do meu encontro com a morte. A minha última lembrança dessa vida.
Ela teve que derrubá-lo com jeito
E meter uma bala no seu cérebro
Ela disse: “porque ninguém acredita em mim”
— Aerosmith, “Janie's Got A Gun”
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Arkham Asylum | Segunda-feira, 18:24
Fitei o homem parado em minha frente com clara dúvida.
— Você realmente está me deixando sair? — Franzi o cenho.
Ele suava e se continha para não tremer. Tudo isso por eu estar bombardeando-o com perguntas. Isso me fazia ter uma enorme vontade de continuar. Eu adorava deixar as pessoas desconfortáveis. Ironicamente, porém, acabara me apaixonando pelo único cara que jamais conseguira deixar desconfortável. Mas isso não vinha ao caso.
— É o que parece, Srta. — disse apenas.
— Pode me chamar de . — Pisquei para ele.
O cara que havia acabado de me entregar uma folha de papel era Charles, o diretor de Arkham. Observei o enorme portão sombrio que dizia “Arkham Asylum” bem em cima. Parecia uma pegadinha estar do lado de fora dele, afinal de contas, eu era uma criminosa que fora considerada louca, insana. Por que iriam me deixar ir embora de uma hora para outra?
— Você está livre — Charles repetiu.
— E você ainda não está fazendo sentido algum. — Estreitei os olhos. — Este papel diz que estou sã.
— Você está — afirmou ele.
— É um certificado de sanidade. — Ri do quanto aquilo soava tolo. — Por que me daria isso?
— Porque, como já disse algumas vezes, você está sã — soou impaciente, mas havia um pouquinho de medo no fundo de seus olhos.
Aquele homem e eu tínhamos definições bem diferentes sobre o que era ser uma pessoa insana. Eu jamais havia sido insana, tivera meus motivos para o que fiz. Desde que peguei em uma arma pela primeira vez, nunca mais fui a mesma. Ainda assim, sempre tive a minha mente no lugar. Continuei naquilo porque gostei. Adorava o calor das chamas e o quanto elas pareciam vibrar e dançar em frente aos meus olhos e também amava o som de quando apertava o gatilho para colocar uma bala no cérebro de pessoas que mereciam.
Para mim, isso não se encaixava na definição de insanidade. No entanto, abracei como "insanidade" tudo o que eu havia feito quando descobri que isso não me mandaria para a prisão. Bem, isso me fez acabar em uma prisão do mesmo jeito, mas uma prisão diferente. E depois de três longos anos — e algumas coisas boas entre todas as ruins —, estava sendo liberada sem mais nem menos. O homem que, com toda a certeza do mundo, ainda pensava que eu era insana estava me mandando de volta para as ruas de Gotham.
Não tinha como ver nem sequer um sentido nele.
— Você sabe, assim como todo mundo, que eu sou a Dama de Preto, o que significa que deve saber sobre o incêndio, não é mesmo? — perguntei e ele acenou com a cabeça. — Também sabe dos outros incêndios que vieram depois e o modo como peguei uma arma e acabei com algumas vidas por aí?
— Você estava insana, doente — explicou, hesitante.
— E agora…? — Fiz sinal para que continuasse.
— Está curada — falou. — Sã.
Estava prestes a deixar Charles ainda mais desconfortável quando uma buzina me assustou por um mísero segundo. Olhei por cima do ombro para o carro escuro, que aguardava alguém. Encarei o diretor de Arkham, enfim entendendo a situação. Alguém me queria fora dali e, assim, tinha obrigado o pobre Charles a me libertar, assinando um certificado de sanidade.
Abri um sorriso orgulhoso para Charles e lhe dei as costas, seguindo o meu novo caminho. Ainda que eu não tivesse ideia de quem fizera aquilo, não poderia ser pior do que viver o resto da minha vida em Arkham, certo? Eu esperava que sim. Os vidros do carro eram escuros e, ao caminhar em sua direção, percebi que só havia o motorista lá dentro. Entrei, me sentando no banco de trás.
— Quem me tirou daqui? — Investiguei. — Para quem você trabalha?
— Fui contratado para te levar aonde você me dissesse para levá-la — disse o motorista. — Não para responder perguntas.
— Como eu deveria saber para onde ir se nem sequer sei quem me tirou desse lugar de merda? — Bufei, estressada.
— Eu não sei, Srta. — respondeu calmamente. — Me disseram que saberia.
Soltei um longo suspiro, me irritando levemente com aquilo. Eu deveria ser adivinha, por acaso? Quando cansei de reclamar mentalmente da situação, finalmente olhei para o lado e o vi. O véu negro… O meu véu. A pessoa que resolvera fazer a boa ação de me tirar de Arkham sabia que eu era a famosa Dama de Preto. Boa ação era apenas um modo de falar, claro. Aqui era Gotham, e em Gotham as pessoas não fazem uma "boa ação" sem esperar algo em troca. Talvez a pessoa precisasse dos serviços da Dama de Preto… Ou eu apenas estava sendo um tantinho otimista.
Coloquei o véu negro em minha cabeça, um sorriso enorme dançando em meus lábios. Senti falta disso, de me sentir assim. Era incrível. A Dama de Preto estava de volta! Peguei o cartão que ficara no banco e o observei. Estava escrito "Me siga..." na frente. Seguir o quê, exatamente? A quem? Bufei e abri o cartão para ler o que estava lá dentro.
Eu posso trazer um sorriso ao seu rosto,
uma lágrima ao seu olho,
ou mesmo um pensamento em sua mente.
Porém, não posso ser vista.
Quem sou eu?"
— E como é que eu vou saber? — murmurei baixinho, bufando em seguida.
Sempre detestara charadas. Só conseguia gostar delas quando saíam dos lábios de uma única pessoa. Edward Nygma era o nome dele — e ele era a pessoa por quem eu havia me apaixonado. E essa era só mais uma ironia na minha vidinha medíocre. Charadas me lembravam de Ed, mas não podia ser ele, afinal, saíra de Arkham há pouco tempo. Eu duvidava muito que Charles deixaria Ed chegar perto dele para convencê-lo a me deixar sair. Ele morria de medo de Ed.
Li aquele cartão mais duas vezes. Se tinha entendido bem, o lugar que eu tinha que "seguir" era a resposta da charada. Foi apenas quando li pela quarta vez que finalmente descobri a resposta. Sorriso no rosto; lágrimas nos olhos; pensamento em minha mente; não pode ser vista. Memórias! Eram memórias.
Mas de que isso me ajudava? Como eu seguiria uma memória? Pensei mais um pouco. Tinha que haver uma memória em especial. Ah, claro! Não podia ser diferente, não é? A memória de quando me tornei quem sou hoje. De quando peguei uma arma e acabei com a vida da pessoa que estragou com a minha. O fogo… Onde tudo aconteceu.
Abri um sorriso que eu consideraria um tanto quanto maníaco se o visse nos lábios de outra pessoa e anunciei:
— Eu sei para onde vamos.
Antiga Casa dos | Segunda-feira, 19:03
Assim que fechei a porta do carro, o motorista dirigiu para longe. Eu não deveria ter ficado surpresa por isso, mas meus olhos arregalados denunciavam-me. Talvez apenas precisassem do meu trabalho mesmo, não é? Ou talvez haviam me trazido aqui para me matar. Ai, Deus! No que estou pensando? Por que algum idiota teria o trabalho de fazer o diretor de Arkham me liberar apenas para me matar nas ruínas da casa onde passara minha infância?
Chutei uma pedra para longe, bufando pela milésima vez naquele dia. Segui-a com os olhos até o que restou de uma das paredes chamuscadas da minha antiga casa. Levantei o olhar e vi o papel verde que estava colado na parede por um pedaço de fita. No meio dele havia um ponto de interrogação preto desenhado. Respirei fundo. Eu não sabia lidar com aquele tipo de coisa. Não estava entendendo merda nenhuma. Caminhei até lá em passos lentos e o tirei da parede. Desdobrei o papel verde e observei atentamente aquelas únicas três palavras escritas em uma caligrafia de se invejar.
— O quê? — Foi tudo o que saiu de meus lábios.
Um barulho capturou minha atenção e me voltei com rapidez para o buraco no lugar onde um dia ficara a porta de entrada. Alguém colocou a cabeça para fora, me espiando. Meu queixo caiu. Edward Nygma. Era mesmo ele! Eu não podia acreditar. Ele fez sinal para que eu o seguisse para dentro do que havia restado da construção, e foi exatamente isso o que fiz. Só parei quando ele também parou e se virou para me olhar. Estávamos no meio do que costumava ser a sala de estar.
— Sou o melhor companheiro e o pior inimigo — Ed disse. — Respiro oxigênio, mas não tenho boca. Eu posso iluminar os momentos mais escuros, mas também posso arruinar momentos bons. Quem sou eu?
— Fogo! — Abri um sorriso enorme. Odiava charadas, mas não quando vinham dele. E, além disso, essa combinava muito comigo. — Então foi realmente você quem me tirou de Arkham?
— Eu não poderia te deixar lá por mais tempo, ainda mais agora que eu saí. — Ele sorriu daquele jeito que eu adorava. — E você não é louca, , só é incompreendida.
— Minha velha amiga costumava dizer isso. — Corri até ele e selei nossos lábios. — Amo você, Edward Nygma, e eu estava com saudades.
The Sirens | Sexta-feira, 23:11
— Aqui está, Srta. . — Barbara Kean, a própria dona do Sirens, me entregou o copo de bebida que eu havia pedido. — E então, o que achou?
— O quê? — perguntei, incerta sobre o seu questionamento.
— Sempre tão desligada — debochou. Eu havia vindo ao Sirens com frequência durante os meus quatro dias de liberdade. A mulher já estava acostumada ao modo que às vezes eu costumava agir. — Perguntei o que achou do espetáculo.
— Ah, é claro. Sinto muito, Barbs. — Ri de mim mesma. — Eu gostei daquele cara, o Jervis Tetch.
— Ótimo! — Ela abriu aquele sorriso típico dela, que a fazia parecer meio maníaca. — Porque ele vai voltar por aqui.
— Legal — comentei sem prestar muita atenção.
Aquilo irritou Barbs somente um pouquinho. Pelo que conhecia dela, sabia que não lidava muito bem com qualquer tipo de rejeição, por menor que fosse.
— Ah, , você está me irritando — resmungou. — Fale logo! Por que está tão desligada? No que está pensando?
— Escutei a conversa de alguns caras. Estavam falando sobre o submundo da cidade, nada fora do normal, ao menos a princípio — expliquei. — Mas aí eles mencionaram uma garota usando uma balaclava pelas ruas de Gotham.
— Ah, então é isso? Ela era sua amiga, né? Quer saber um pouquinho mais? — ofereceu-me, com um sorriso empolgado no rosto. — Não é uma garota qualquer, é a Garota da Balaclava. A primeira e única. Exceto que agora está usando uma balaclava preta. — Abanou o ar com a mão, como se aquilo não fosse nada demais. — Sinceramente, eu preferia a rosa. Tinha muito mais estilo.
— Isso é impossível! — Bebi todo o uísque que restava em meu copo, algo além da bebida queimava em meu interior.
— Tabs me disse que é ela — informou. — Esses caras aí não sabem de nada.
— Eu… — hesitei. — Acho que tenho que ir.
— Você deveria acreditar em Tabitha. — Foi tudo o que ela disse, antes de virar as costas e me deixar sentada ali, completamente sozinha.
Era impossível que essa tal mulher usando uma balaclava preta fosse mesmo . Eu sabia que ela tinha morrido. Mesmo que me sentisse em casa nessa cidade, aqui era Gotham, afinal de contas. Todo mundo acabava morrendo uma hora ou outra. Respirei fundo e passei a mão em meus cabelos. Mesmo com a ausência daquela mulher incrível que costumava ser, eu sabia que devia minha liberdade a ela. Nygma pedira a Oswald Cobblepot para convencer o diretor de Arkham a me liberar. Porém, ele contou que tinha certeza de que o Pinguim só concordara com isso porque, quando estava em Arkham e me conheceu, soube que eu era a a qual sua amada havia mencionado uma vez.
Levantei rapidamente para enfim sair daquele lugar, mas fiquei um pouco tonta. Aquele copo de uísque puro — junto aos que havia tomado antes — tinha começado a surtir efeito. Que droga! Caminhei em direção à saída e acabei dando de cara com o tal do James Gordon.
— Olá, Jim. — Sorri abertamente. — Ouvi falar sobre você.
— Tanto faz — falou de modo arrogante.
— Ah, está impaciente mesmo, Jimmy Boy. Não foi assim que te descreveram. — Fiz careta e dei de ombros. — Veio aqui para beber? Eu sempre venho aqui para tomar uísque e tudo o mais, mas não parece o seu tipo de lugar.
— Estou aqui a trabalho — soou cansado.
Ele tentou passar por mim, mas fui para o mesmo lado que ele, o impedindo.
— Você até que é bonito mesmo — observei-o bem. — Barbs tem bom gosto.
— E você realmente gosta de falar, não é? — Revirou os olhos.
— Sabe quem eu sou? — quis saber.
— É claro que sei. Você é a Dama de Preto. — Retorceu os lábios. — Sei o que te colocou em Arkham e também sei o que fez no passado. Ter a frieza para matar o seu pai daquele jeito sendo que ele era a única família que lhe restava? — Olhou bem para mim. — Sei que não se arrepende e, por esse motivo, não sei por que te deixaram sair de Arkham. Você é…
— Louca? — sugeri. — Era isso que ia dizer, não era?
— Apenas a verdade — indicou.
— Sei que você nunca vai querer acreditar em uma criminosa como eu, afinal, você é James Gordon, não é mesmo? — Fiz um gesto displicente de pura zombaria. — Quase ninguém acreditou em mim, nem antes e nem depois do que fiz. Eu só sou o que o tempo e a consequência fizeram de mim — suspirei. — Meu pai era a pior pessoa do mundo para as pessoas próximas a ele. Então, sim, Jimmy Boy, você está certo em pelo menos uma coisa: jamais me arrependerei por ter colocado uma bala bem no cérebro dele e depois ter queimado a casa em que passei meus piores momentos, porque queria apagar aquela parte da minha vida.
Minha voz saiu mais amarga do que eu pretendia. Já estava mostrando muito de mim para aquele policial.
— E de que adiantou tudo isso se você se tornou uma pessoa tão ruim quanto ele? — falou de uma maneira séria e, ainda assim, pareceu estar debochando. — Isso não soa como progresso para mim.
— Ah, Jim, eu desisto. — Pousei minha mão sobre seu ombro. — Você jamais entenderia.
— Outra coisa que eu não entendo é Nygma e você — acrescentou, não sendo nada específico. De qualquer modo, eu tinha certeza de que sabia exatamente sobre o que ele estava se referindo.
— Os ricos querem, os sábios conhecem. Todos os pobres precisam e os homens bons o mostram — falei quase que automaticamente, me amaldiçoando por estar citando uma charada. — Posso te fazer chorar e posso te deixar triste. Posso te fazer sorrir e te dar coragem. Quem sou eu?
— Eu odeio charadas — resmungou.
— É, eu também, mas estou acostumando. — Dei de ombros, com um sorrisinho. — A resposta dessa charada é o amor, Jim. É por isso que Ed e eu estamos juntos.
— É, tanto faz. Estou indo. — Bufou, revirando os olhos. — Tenho que trabalhar. — Ele seguiu seu caminho, e eu fui em direção à porta sem olhar para trás.
— Ei, — alguém me chamou. — Por que está com essa carinha?
Levantei a cabeça e avistei Harvey Bullock parado ali, escorado no carro. Provavelmente estava com Gordon e optara por não entrar e o deixar resolver as coisas sozinho lá dentro.
— Ah, apenas o seu amigo Jimmy Boy me dando dor de cabeça. — Retorci os lábios.
— Nada fora do comum, então. — Ele riu do próprio comentário, me fazendo rir também.
— Foi bom te encontrar aqui, a propósito, porque preciso compartilhar uma informação — relatei. — Estão dizendo por aí que a Garota da Balaclava está de volta.
— Impossível! — falou no mesmo instante.
— Foi o que eu disse, mas até mesmo Barbara Kean insistiu nisso.
— Olha, eu vi o corpo dela, . Jerome a esfaqueou — disse com convicção. — Ela sangrou até morrer nos braços do Pinguim.
— Espera aí, Jerome Valeska a matou? — Meu queixo caiu. — Por que ninguém nunca me contou isso? Eu gostava tanto daquele cara no tempo que ele passou em Arkham, apesar de ele ser louco, é claro.
— Não posso acreditar que estou ouvindo isso. — Harvey fez careta, sacudindo a cabeça.
— Apenas ignore — aconselhei. — Sei que ela morreu, mas será que não é verdade que ela está de volta? Porque bem, você sabe, teve toda aquela coisa de Indian Hill.
— É melhor torcer para que não seja — alertou-me. — Porque ela não seria mais a nossa .
Gabinete de Campanha de Oswald Cobblepot | Domingo, 20:36
— Se você me quebrar, eu não vou parar de trabalhar. Se você puder me tocar, meu trabalho está feito — Edward Nygma ia dizendo, mas eu o impedi de continuar.
— Ed, amor, eu já sei a resposta dessa charada. — Segurei a mão dele.
— Mas eu nem acabei! — reclamou.
— E nem precisa. Esse é o seu jeito de me dizer que eu tenho o seu coração, não é? — Sorri de lado. — Porque estou gostando muito disso.
— Está mesmo? — questionou-me.
Apenas o beijei em resposta. Eu não precisava confirmar verbalmente. Na verdade, não era necessário nenhum tipo de confirmação. Ele sempre sabia quando eu estava gostando de algo. De algum jeito estranho, Ed parecia me conhecer muito bem desde o primeiro dia em que nos falamos dentro do Arkham Asylum.
— Ei, vou lá na entrada fumar um cigarro — anunciei e então baixei minha voz. — O Pinguim vai continuar por muito tempo sem acreditar no que falei sobre a Garota da Balaclava estar de volta?
— Provavelmente — disse Nygma.
— Ainda acho que deveríamos ir atrás dela. — Respirei fundo. — Se for mesmo a … Sei que você não a conheceu, mas se for mesmo ela, precisamos trazê-la de volta. Ela é importante para mim, e talvez até mais ainda para o Oswald, ao que parece.
— Pois é, mas ele está em completa negação — comentou.
Bufei, e então dei de ombros. Pressionei meus lábios sobre os de Ed e, enfim, fui para a rua. Pegar um ar era bom, por mais poluída que Gotham fosse. Abri o isqueiro e risquei a pedra, observando a breve faísca se tornar uma chama brilhante. Aquilo me agradava. Acendi um cigarro e só então percebi que não estava sozinha.
— Victor Zsasz! — o chamei. — É bom ver você.
— E aí, garota do fogo — cumprimentou-me, sua expressão um tanto estranha.
— Por que está me olhando desse jeito? — Arqueei a sobrancelha.
— Não me leve a mal, garota do fogo. Eu até gosto de ver as coisas queimarem, mas prefiro armas de fogo — enfatizou. — Você deveria andar com uma pistola. Leva menos tempo para puxar o gatilho do que para riscar um fósforo.
— Eu sempre ando com uma arma, Victor. — Mostrei minha pistola a ele e abri um sorriso mínimo. — Parece que você não me conhece muito bem.
— É. Faz quanto tempo que apareceu por aqui? Uma semana? — Olhou bem para mim. — Não sei muitas coisas sobre você, mas acho que não é nada mal, afinal, era sua amiga.
— Ah, … Sinto falta dela. — Dei uma tragada no meu cigarro, pensando de modo saudoso em minha falecida amiga; ou talvez nem tão falecida assim. — A propósito, como era o seu relacionamento com ela?
— Bem, nós bebíamos uísque e falávamos algumas merdas um para o outro. — Retorceu os lábios. — Eu não chamaria isso de relacionamento.
— Está brincando comigo — falei. — Isso é a base de qualquer relacionamento!
— É, parece que você tem uma visão bem distorcida das coisas — observou, revirando os olhos. — Não sei por que perco o meu precioso tempo falando com você.
— Porque eu sou muito legal — me gabei, dando uma piscadela para ele. — Mas, voltando a falar da nossa amiga em comum, estão dizendo que ela está de volta. Ficou sabendo?
— Eu soube — revelou. — Uma pena que vou ter que matá-la.
— O quê? De jeito nenhum! — Encarei-o, boquiaberta. — é nossa amiga, Victor! Por que mataria ela?
— Escuta, garota do fogo — pediu. — Se eu precisar enfrentá-la no campo de batalha, tenho certeza de que não restará nadinha dela para contar histórias.
— Do que você está falando, afinal? — questionei. — Por que se enfrentariam?
— Ouvi dizer pelas ruas de Gotham que ela está trabalhando para Emilie Velasquez — explicou.
— E você agora trabalha para o Sr. Pinguim — constatei aonde ele queria chegar. — Rivais, entendi.
— Espero que não chegue a isso. Seria uma pena — finalizou e me deu as costas, me deixando sozinha na companhia apenas do meu cigarro.
Eu também esperava que não, afinal, minha liberdade não era a única coisa que eu devia a ela. Eu jamais me esqueceria do dia em que nos conhecemos, quando ela salvou a minha vida. Suspirei alto antes de dar a última tragada e jogar o toco do cigarro para longe.
Entrei e tomei meu rumo para o lugar onde Ed permanecia.
— Eu tenho uma para você! — falei assim que parei ao lado dele.
— Você tem? — perguntou. Como sempre, ele sabia do que eu estava falando.
— Tão destrutivo quanto a vida, tão cicatrizante quanto a morte. Sou um institucionalista de conflitos, assim como estou propenso a abençoar — recitei. — Sou tudo o que é bom, ainda que tenha uma tendência para o mal. Assim como fui o começo das coisas, também posso ser o fim. — Sorri abertamente. — Quem sou eu, Ed?
— O fogo — Edward sorriu. — Você é…
Nosso momento íntimo foi interrompido por Oswald. E ele estava muito, mas muito bravo. Ele provavelmente descobrira o que Edward fizera mais cedo. Eu não tinha nada a ver com isso, então não falaria uma palavra.
Observei o Pinguim xingar Nygma pelo que havia feito. Eu entendia o ponto dele, é claro. Por que não deixar Butch comprar o comitê para garantir que ele ganhasse as eleições para prefeito? A verdade era que Edward Nygma acreditava que o Sr. Pinguim poderia vencer essas eleições sem precisar roubar. Oswald nem mesmo acreditava em si mesmo. Optou por concorrer nessas eleições, mas não acreditava que poderia vencer honestamente. Eu mesma acreditava que o Pinguim podia vencer, mas não ousaria falar alguma coisa naquele instante. Apesar da minha leve preocupação com Ed, não podia me intrometer. Ninguém deveria entrar no caminho de Oswald Cobblepot quando ele estava claramente irritado.
Os xingamentos pararam assim que a televisão anunciou o resultado final das eleições. O Pinguim era o novo prefeito de Gotham. Ele voltou-se para mim e para Ed outra vez.
— Não posso ser comprado, mas posso ser roubado com um olhar. Sou inútil para um, mas impagável para dois — citou a charada que Ed tinha falado para ele mais cedo. — Amor! — constatou ele, e eu pude ver a felicidade em seu olhar. — Eles me amam.
Sim, o povo o amava. E ele precisava saber disso.
— É bom, não é? — Abri um sorriso sincero e pude vê-lo concordar comigo.
— Eu venci — repetiu ele, um sorriso feliz estampado em seu rosto.
— Você venceu mesmo. Meus parabéns. — Levantei o olhar e avistei a dona daquela voz conhecida; a mulher a quem eu devia a minha vida. — Mas e daí, querido? — Ela tirou a balaclava preta e revelou seu rosto pálido. — Você vai morrer de qualquer jeito, Sr. Pinguim.
Ela apontou uma arma para ele. No mesmo instante, seus capangas destravaram as armas e apontaram para ela. Victor Zsasz surgiu ao meu lado, apontando sua pistola para a cabeça de . Ele não erraria.
— Eu avisei — falou para mim, usando um tom baixo. — É realmente uma pena.
— Pare com isso! — murmurei de volta. — É a !
A garota, que agora tinha cabelos tão escuros quanto os meus, parecia não se importar nem um pouco com todas aquelas armas apontadas diretamente para ela. Ela fez uma careta que demonstrava apenas uma coisa: tédio.
— Não atirem! — Pinguim ordenou, sua voz ressoando pelo gabinete de campanha inteiro. — Você está… está…?
Oswald Cobblepot hesitou, incrivelmente surpreso. Não deveria ter ficado tão surpreso assim, já que eu havia o alertado sobre o que estavam falando sobre a Garota da Balaclava, que ela estava de volta e tudo o mais. Ele não quis acreditar em mim, claro. Não tínhamos um bom histórico, afinal, era tudo muito recente. E, bem, aquela mulher que estava em nossa frente tinha sangrado até morrer nos braços dele vários meses antes.
o observou por alguns segundos, de olhos estreitos. Em seguida, olhou de canto para a televisão que ainda estava ligada.
— O povo de Gotham te ama. — Ela riu de um modo extremamente debochado. — Eu não sei o que uma pessoa tem na cabeça para amar alguém como você.
Ela cuspira a última frase. Aquelas não eram palavras boas de serem ouvidas em nenhum tipo de momento. Elas feriam como balas. Proferidas por aqueles lábios, então, deveriam machucar até mesmo alguém como Oswald Cobblepot, disso eu tinha certeza. Ainda mais com todas as coisas que eu ficara sabendo que aconteciam entre os dois. Eu não duvidaria se me dissessem com todas as palavras que eles de fato se amaram. E agora ela estava de volta, ali, parada na frente dele, cuspindo dizeres frios e cortantes como a lâmina de uma adaga.
— Como... Como pode dizer isso, ? — Oswald tinha um olhar que eu jamais vira cruzar seus olhos desde que o conhecera. Ele parecia chateado e muito, mas muito magoado.
— Por que me chamam de , afinal? — Ela revirou os olhos, impaciente. — Ah, querido, meu nome é Lainey.
— O que eles fizeram com você? — questionou e então virou-se, com um olhar insano, como se buscasse a resposta mais importante do mundo em mim. — O que diabos fizeram com ela, ?
— Sinto muito, Oswald — lamentei —, mas eu não tenho a mínima ideia.
E eu de fato não tinha. Infelizmente.