Tamanho da fonte: |

Revisada por: Júpiter

Última Atualização: 31/10/2024


Em quem você confia
Quando corrupção e luxúria, o credo dos injustos
Te deixam vazio e incompleto?
Quando esse pesadelo vai acabar? Me diga
Quando vou poder esvaziar minha cabeça?

— Black Sabbath, God is Dead?


Motel barato era mesmo a cara de Seth Gecko, principalmente quando estava se escondendo, sem lugar para ficar, ou fugindo de qualquer coisa — fosse física ou psicológica. Fechei a porta atrás de mim e observei-o, estirado na cama, de boca aberta. Não parecia de modo algum um sono normal. Decerto estava drogado e, por isso mesmo, não acordaria tão cedo. Já tínhamos passado juntos por situações assim; eu sabia bem como funcionava.
Olhei ao redor do quarto escuro e bagunçado. Algumas coisas se espalhavam pelo chão e um forte odor de bebida pairava no ar. Uma garrafa vazia de uísque jazia em cima da mesa, caída ao lado de uma seringa usada. Uma pontadinha atingiu meu coração. Ele realmente havia se entregado à heroína outra vez. Revirei os olhos, incomodada com meu próprio sentimento em relação àquela cena. Conhecia Seth o suficiente para saber que de fato fugia de algo psicológico, um sentimento ruim que ele queria evitar mais que tudo.
Cerrei o punho, contendo a minha vontade de socar a cara dele até que ele acordasse apenas para que pudesse continuar o esmurrando ainda mais enquanto o xingava por ser tão besta. Contei até dez para afastar a irritação. Não funcionou. Bufei e passei a bisbilhotar algumas coisas no quarto. Por sorte, encontrei uma garrafa que Seth ainda não tinha conseguido esvaziar. Abri e a entornei, bebendo quase todo o uísque. Não foi muito, porém estava necessitando de ao menos um pouquinho de álcool.
Anos sem ter contato com Seth Gecko e, quando enfim viera até ele, o encontrara assim? Só podia ser uma piada de mau gosto. Ou talvez um castigo por tê-lo deixado. Não. Aí seria eu quem estaria jogada naquela cama, completamente chapada, não ele. Às vezes, me perguntava como teria sido se tivéssemos permanecido juntos.
Ele estava tão bem quando o deixei…
Sentei-me na cama, do lado de Seth, e larguei minha mochila no chão. Já não sabia mais se deveria ficar e esperá-lo acordar para conversar, matar a saudade, receber seus xingamentos… ou então simplesmente ir embora de novo. Dessa vez, ele nem saberia; seria como se nunca tivesse retornado para ele. Suspirei pesadamente. A verdade era que eu nem mesmo deveria ter parado por ali. Estava roubando bancos com outros dois caras nos últimos meses. Não era tão legal quanto nos velhos tempos, afinal, esses caras não eram os irmãos Geckos. E nada — nada mesmo — na minha vida era a mesma coisa sem eles. Jamais seria. Com Seth e Richie, tudo sempre fora mais divertido. De qualquer modo, o que importava naquele momento era o dinheiro, então acabara me juntando a Dom e Josh.
O meu segundo trabalho com esses novos caras não tinha dado muita grana, afinal, foi um banco pequeno no Novo México. Ainda assim, não importava para mim. Eu só queria o dinheiro, então fora nisso que pensei quando roubei a parte dos dois e fugi, deixando-os para trás sem nenhuma recompensa pelo roubo. No dia anterior, já do outro lado da fronteira, eu estava bebendo sozinha como em todas as outras noites quando, de repente, vira Seth Gecko pelas redondezas. Sem nem pensar sobre o assunto, segui-o até aquele motel barato. E foi aí que fiquei indecisa quanto a reaparecer para ele ou apenas ignorá-lo e ir embora, seguir a minha própria vida solitária como eu fizera anos atrás.
Fiz a minha escolha, e era por isso que estava ali. Quis rir de mim mesma. Eu até mesmo tinha pegado o quarto ao lado.
Era um saco ficar sozinha depois dos roubos ou até mesmo antes, para falar a verdade. O tédio me invadia como uma enxurrada durante um furacão, devastando tudo. Se fosse para continuar me sentindo vazia, teria seguido em minha fuga solitária em vez de ter parado por aqui. Porra, Seth podia pelo menos acordar de uma vez antes que eu desistisse de tudo e fugisse! Como essa era uma esperança remota, eu me agarrava a um caminho mais provável, que era o irmão dele entrar de rompante por aquela porta a qualquer instante. Pelo menos assim eu teria alguém para conversar. E Richie não me deixaria fugir; não de novo. Onde Richard estava, afinal? Eu gostaria muito de xingar aquele idiota por deixar seu irmão mais velho acabar daquele jeito outra vez.
— O quê…? — Escutei a voz de Seth e virei o rosto para ele. Sua reação foi ainda mais lenta do que eu me lembrava. — ?
— Não. — Arqueei a sobrancelha e mordi a boca por dentro.
— É você… de verdade? — insistiu, ignorando minha negativa. Suas palavras saíam arrastadas.
— Não, isso é apenas uma alucinação dessa sua mente de drogado, seu desgraçado! — Joguei um travesseiro em cima dele com força. — É claro que sou eu, Seth. E, pelo amor de Deus, você não deveria estar desse jeito!
Bufei, encarando-o de maneira irritada. Odiava vê-lo assim. Ele se esforçou para sentar-se na cama, ainda meio grogue. Revirei os olhos.
— Como…? — Sua voz soava tão perdida quanto seu olhar. Ele ainda parecia não acreditar na minha presença ali. — Como me encontrou?
— Coloquei um rastreador em você, Gecko. — Abri um sorriso cínico.
— Deixe o sarcasmo para depois, — pediu, enfim aceitando que era, de fato, eu. — E o que diabos está fazendo no México?
— Não importa. Eu te vi e precisava ver como estava — confessei, levantando-me em seguida para que ele não pudesse observar minha expressão mudando. Seth me conhecia bem demais, saberia lê-la em um piscar de olhos. — E parece que estava certa em vir, não é? — Apontei para o ambiente ao nosso redor. — Você está se matando, Seth.
— Não — retrucou —, eu não estou.
— Ah, é mesmo? Tudo bem, então, eu não me importo nem um pouco — menti como se aquela fosse a coisa mais simples e natural do mundo. — Cadê o Richie, hein? Ficou no quarto ao lado? — Mudei de assunto com pressa. — Pode ser difícil de acreditar, mas estou com um pouco de saudade daquele filho da puta.
Sorri, recordando brevemente o tempo que passara com os dois. Richie e eu não éramos muito próximos, porém eu até que me divertia bastante com aquele babaca. Percebi, com certo espanto, que o silêncio daquele quarto se tornou quase opressivo. Tudo isso causado pela ausência de resposta de Seth. Virei-me e o fitei. Seu rosto detinha uma expressão estranha de se ver estampada ali, no entanto, era completamente familiar para mim. Eu costumava vê-la em meu rosto refletido no espelho nas noites que passava sozinha, me embriagando. Solidão. Seth Gecko se sentia tão vazio quanto eu um dia já me sentira.
— Richie não está aqui. — Foi tudo o que se permitiu dizer.
— Certo — disse em tom de dúvida. — Sorte a sua que não esvaziei a garrafa. Toma. — Entreguei-lhe o resto de uísque. Sabia que ele iria querer. — Mas, então, quando o seu irmão retorna?
Eles provavelmente estavam brigados, e ele logo estaria de volta. Aqueles eram Seth e Richard, os irmãos Gecko. Eles estavam sempre juntos. Não conseguiam ficar longe um do outro por muito tempo.
— Richie morreu — disse a contragosto.
— Não. — Balancei a cabeça em negativa. — Ele não morreu.
— Ele se foi, , se foi. — Sua voz subiu de tom. — Richard está morto para mim.
— Ah, não me venha com essa! — Revirei os olhos. — Richard Gecko não morreria para você nem mesmo se ele realmente estivesse morto e enterrado.
— Por que insiste nisso? — irritou-se.
— O fato de ele ser um culebra agora não o torna morto. Deixe de ser tão dramático — praticamente implorei. — Eu só não sabia que Richie tinha te deixado para trás, nem pensei que ele fosse capaz. É por isso que está acabando consigo mesmo nesse quarto?
— Como você sabe sobre os culebras? — Estreitou os olhos.
Sua confusão por eu saber da existência daquele era plausível, já que, no tempo em que eu assaltava bancos com eles, nós sequer imaginávamos que alguma coisa assim fosse capaz de assistir no mundo real. No entanto, aquele não era o cerne da questão. Seth estava, obviamente, aproveitando para evitar responder à minha pergunta sobre sua autodestruição particular.
— Sempre soube que sou bem informada, Seth — sorri de lado. — Fiquei sabendo que Carlitos tinha contratado los hermanos Gecko para roubar um banco, e também ouvi sobre o que aconteceu no Titty Twister… e sobre o Richard.
— Você...? — Ele não conseguiu formular seu questionamento.
— É, conheci alguns culebras por aí — contei. — Só que você não respondeu a minha pergunta.
A verdade cruel era que eu já sabia a resposta. Ainda assim, desejava que ele dissesse, me dissesse. Seth precisava falar sobre aquilo, necessitava colocar para fora, pronunciar em voz alta.
O barulho da porta se abrindo assustou-me, ativando os meus melhores reflexos. Saquei a pistola e apontei para a cabeça do convidado indesejado. A garota de cabelos castanhos congelou no mesmo instante, de olhos arregalados. Ela olhou de canto para a bolsa em seu braço e eu apenas neguei com a cabeça, como se a avisasse para ela nem sequer tentar fazer o que se passava por aquela cabecinha jovem e bonita. Ela assentiu de leve, escolhendo a inteligente opção de ficar estática.
— Não atire! — Seth ordenou com rapidez. — Kate é uma amiga.
— Kate? — repeti, olhando para ele com o canto dos olhos, sem ousar baixar a arma.
— É, Kate Fuller — falou como se aquela fosse toda a explicação que eu precisasse. — Baixe a arma, — pediu, mas não o fiz. Ainda tinha minhas dúvidas. Seth levantou-se e parou ao meu lado. — Kate, essa é . Ela é minha…
As palavras pairaram no ar. Seth olhou para o chão e então me fitou, ainda assim hesitando. Não havia encontrado nem palavras certas e nem incertas para completar a frase. Suspirei e revirei os olhos.
— Ex-namorada e ótima assaltante de banco que costumava ser parceira de crime dos irmãos Gecko — expliquei por ele e abaixei a arma, guardando-a. — Me desculpe por apontar a arma para você. Eu só não tinha ideia de quem você poderia ser.
— Sem problemas. — Seu tom demonstrava incerteza. Olhou de mim para Seth duas ou três vezes antes de voltar a falar: — Já estou saindo para comer alguma coisa. Não quero atrapalhar vocês dois.
— Pode ficar, se quiser. Não está atrapalhando ninguém — garanti. — Além do mais, sou eu quem está invadindo.
— Não, não. Eu vou indo — insistiu ela. — Só voltei para ver se Seth ainda estava vivo com toda essa droga que ele anda usando.
— Uau. É sério, Seth? — Espalmei minha mão em seu peito, fazendo-o cair sentado na cama. — Está fazendo uma criança assistir você se drogar? — Mantive meus olhos nele, ainda boquiaberta. — Quantos anos ela tem? Dezessete? Dezoito?
— Na verdade, eu mesma injetei nele. E, se quer mesmo saber, eu não me importo. — Retorceu os lábios. — Ele só está sendo um fraco que não sabe lidar com as coisas. Não tenho paciência.
— Exatamente isso! Gostei de você, garota. — Abri um sorrisinho sincero para ela. — Como diabos você foi acabar logo com Seth Gecko?
— Ei! — Seth resmungou. — Eu estou bem aqui.
— Sabemos disso — respondi a ele. — Agora cale a boca. As garotas estão conversando.
— Eu perdi minha família — contou-me Kate. — O meu irmão… Meu irmão…
Quando vi que ela desviou o olhar e hesitou um pouquinho demais, percebi sobre o que deveria se tratar.
— Virou um culebra que nem o Richard? — sugeri. — Sim, eu sei sobre esse povo. — Fiz sinal para que ela continuasse.
— Eu tive que matar meu pai no Titty Twister por causa disso e, sim, o meu irmão foi transformado em um culebra, assim como o Richie — narrou. — Seth foi tudo o que me restou para que eu não ficasse totalmente sozinha.
— Então ele ficou cuidando de você ou algo assim — constatei.
— É, exceto que está mais para o contrário. — Ela fez careta e então deu-nos as costas e abriu a porta. — Agora, sim, vou deixar os pombinhos a sós.
E saiu. Por mais jovem que fosse, Kate tinha razão sobre Seth.
— Aquela garota lá fora perdeu toda a família e não está desse jeito — xinguei-o, apontando o dedo em sua direção. — Ela é muito mais nova do que você e não fica choramingando por aí e se autodestruindo com essas agulhas.
, pare — ele pediu, sacudindo a cabeça.
— Mas eu estou certa, não estou? — indaguei. — Tudo isso tem mesmo a ver com Richie não estar aqui com você.
— É claro que tem a ver. Sempre fomos nós — deixou sair num rompante de fúria, então respirou fundo para se acalmar. — E agora Richie está sei lá onde com a Santanico e eu estou aqui. — Levantou os olhos até que nosso olhar se cruzasse. — Eu me sinto vazio, , incompleto. Eu estou perdido… Completamente perdido na…
— É, eu também estou perdida na escuridão — desabafei. — Você acha que não me sinto sozinha, que eu não me sinto vazia? Eu me sinto incompleta desde aquele dia, há quase cinco anos, quando virei as costas para você e fui embora — confessei. — Mas eu não estou chorando pelos cantos e não voltei a usar heroína por causa disso.
— Não é a mesma coisa — queixou-se como se implorasse piedade em resposta às minhas palavras. — É complicado.
— Não menospreze meus sentimentos, Gecko — alertei. — E não parece complicado para mim. Richard é um culebra e não está aqui. E daí? Pelo menos ele não está morto, caramba!
— Você não entende, , é só… Você não entende — repetiu como o um disco arranhado.
— Droga, Seth! Você era menos chorão quando a gente namorava. Será que perdeu toda a sua graça? — Irritei-me e saquei a pistola de novo, dessa vez apontando para ele. — Chorar não vai trazer o seu irmão de volta, está bem? Então levanta a bunda dessa cama e vem comigo antes que eu atire em você.
— Você nunca atiraria em mim. — Encarou-me com intensidade.
— Parece muito confiante para quem está acabado e sem o charme de sempre. — Dei-lhe meu melhor sorriso torto. — Você me conhece, Seth. Sabe que eu atiraria.
— Não em mim. Jamais atiraria em mim, . — Ele, enfim, sorriu aquele sorriso que eu tanto adorava. — Não ganharia nada com isso.
— Você é um chato, sabia? — revirei os olhos, guardando a pistola. Era óbvio que eu nunca atiraria nele. Nem se a minha vida dependesse disso. — Um chato que me conhece bem demais.
— Eu sei — disse apenas. — Aonde você quer que eu vá com você?
— Vamos comer um hambúrguer. Estou faminta e sei que deve estar também — indiquei. — E eu preciso de uma cerveja.
— E quando não precisa de uma cerveja? — provocou. — Faz tanto tempo, e você não mudou em nada.
— E nem mudarei, então não precisa se preocupar. — Pisquei para ele. — Vou largar a mochila no meu quarto, tá?
— Pegou um quarto aqui? — Suas sobrancelhas arquearam-se de surpresa.
— Sim, bem aqui, do lado do seu — apontei com o dedo antes de sair do recinto.
Andei até o meu quarto e, quando estava segura do lado de dentro, peguei um bolinho de dinheiro da mochila e a escondi em um canto escuro. Saí, certificando-me de trancar bem a porta. Seth já esperava-me no corredor. Observei seu rosto por um instante antes de sairmos caminhando juntos. Mesmo com a cara meio amassada, ainda era tão lindo quanto eu me lembrava. Não. Isso era injusto. Ele tinha ficado ainda mais bonito com os cinco anos que se passaram.
Entramos no pequeno restaurante de beira de estrada que havia próximo dali e nos sentamos cada um de um lado da mesa. Pedi um hambúrguer e uma cerveja e ele fez o mesmo. Cada momentinho ao lado dele só me fazia recordar os velhos tempos. E pior: me fazia sentir falta daquilo… dele.
— Obrigado — agradeceu a garçonete que deixou nossas coisas sobre a mesa. Quando ela se afastou, ele observou: — Seria fácil assaltar esse lugar.
— Está mesmo fora de forma — debochei antes de dar uma mordida no meu hambúrguer. — Tem seguranças lá fora. Você não os viu, eu sei, mas eles estão lá, acredite. — Ele franziu o cenho, em dúvida. — Eu comi aqui ontem à noite, vi com meus próprios olhos. Você está enferrujado, Gecko.
— Por que está me chamando pelo sobrenome? — Seu tom denotava um tanto de incômodo.
— Porque é o seu sobrenome. — Dei de ombros.
— Você ficava chamando o meu irmão desse jeito — resmungou. — É tão… sei lá, impessoal, eu acho.
— Eu só queria te encher o saco mesmo, Seth — pronunciei devagar, permitindo-me saborear aquele nome saindo dos meus lábios. — Sinto muito.
— Assim é melhor — explicitou. — Mas, então, o que está fazendo aqui? Sem enrolações. Quero a verdade.
— A verdade? Está bem. — Respirei fundo e soltei tudo de uma só vez: — Fiz um trabalho com outros dois caras: Dom e Josh. Eu os roubei e fui embora.
— Ah, isso é mesmo uma surpresa — ironizou. — Você fez exatamente o mesmo com a gente.
— Ei, isso é injusto, Seth. Eu não roubei vocês! — Retorci os lábios. — Peguei apenas a minha parte do roubo e fui embora.
— Você me deixou, . Esse é o ponto. — Levou a mão até o peito, apontando para si mesmo. — Você me quebrou. Foi embora sem nem se despedir. Já fazem quase cinco anos!
— Eu também contei o tempo, se quer saber — confidenciei. — Me arrependo disso todos os dias.
— Se arrepende? — Ele riu, incrédulo. — Quer mesmo que eu acredite nisso?
— Jamais pediria para fazer qualquer coisa depois do mal que te causei. Você tem todos os motivos para não acreditar em qualquer coisa que eu diga, Seth, eu entendo. Realmente entendo. — Tomei o último gole da minha cerveja enquanto assistia Seth deixar de lado o resto do seu hambúrguer e focar apenas na long neck. — Mas sim, Seth, eu me arrependo, de verdade. Não houve um único dia desses cinco anos em que não me arrependesse.
— Estávamos juntos por três longos anos, . Do jeito que o nosso relacionamento crescia a cada dia, era bem provável que logo iríamos noivar ou algo assim. Até mesmo Richie já tinha mencionado o assunto. E então, nós roubamos aquele banco e você se foi, simplesmente desapareceu. — Havia dor em seus belos olhos castanho-esverdeados. — Nunca mais ouvimos de você. Eu nunca mais tive sequer uma notícia sua. Por que, ? É tudo o que quero saber. Por que foi embora daquele jeito sem nem um beijo de adeus ou uma mera explicação?
— Como você mesmo disse, estávamos juntos há anos, você e eu. — Apontei dele para mim e suspirei. — Acho que só fiquei com medo de um compromisso mais sério, sabe? Richard já havia comentado sobre isso comigo também. Foi em uma brincadeira boba, mas fez com que eu ficasse martelando aquilo em minha cabeça por algum tempo e… não sei.
— Caramba, . — Uniu as sobrancelhas. — A ideia disso era tão ruim para você?
— Não, não acho que era ruim. Na verdade, me parecia e ainda me parece uma ótima ideia — assegurei. — Só acho que aquilo me assustou na época de um jeito que sou incapaz de explicar.
— Sabe, às vezes eu me pegava pensando em você e no que poderia ter acontecido — confidenciou. — Se você estava bem, se tinha acontecido algo ruim. Eu me perguntava se talvez algum dia a gente se esbarraria na rua ou, sei lá, se teríamos uma segunda chance.
— Sinto muito por nunca ter dado notícias, Seth. — Agarrei ambas suas mãos por cima da mesa para enfatizar meu pedido de desculpas. — E, bem, no fim das contas, acabamos de fato nos reencontrando.
— E no México! — Obrigou-se a rir, mas não afastou as mãos. — Quem imaginaria isso?
Sorri para ele antes de soltá-lo. Levantei-me e fui até o balcão, onde paguei a conta e convenci a atendente a me vender uma garrafa inteira de uísque. Saímos do local com nossa bebida e de coração um pouco mais leve. Fomos caminhando de volta até aquele motel barato, lado a lado.
— Sabe, eu senti falta de trabalhar com vocês, com os irmãos Gecko. — Meus lábios se curvaram em um sorriso saudosista. — Richard e eu sempre fazíamos alguma coisa errada nos trabalhos e você se irritava muito com a gente. Nós te deixávamos louco, não é?
— Com certeza. E eu não conseguia entender por que diabos você amava a mim, e não a ele — riu um pouco e coçou a cabeça, meio sem graça por admitir aquilo. — Richie e você são tão parecidos nessas coisas.
— Bem, isso é porque Richard e eu somos dois idiotas, óbvio. As coisas nunca funcionariam entre nós — ri e fiz uma careta estranha ao imaginar Richie e eu juntos. Não. Nunca. Eu sempre pertenceria a Seth, mesmo que não estivéssemos mais juntos. — Ah, e só para constar, eu não amava você, Seth. Eu ainda amo, jamais pude deixar de te amar.
— Eu sei. — Abriu um magnífico sorriso convencido. — Você ainda age do mesmo jeito comigo.
— E você também — acusei. — Então quer dizer que…?
— Claro que sim, — soltou. — Como não te amaria?
— Eu também já sabia, mas é sempre bom ter uma confirmação — falei. — Saiba que vou levar o uísque para o meu quarto.
— Deveríamos beber — sugeriu ele —, juntos.
— Também acho, pois é isso que pessoas vazias e incompletas fazem. — Ergui a garrafa em sinal de brinde, fazendo graça.
— Se tornam completas com um pouco de bebida e a companhia um do outro? — perguntou.
— Não, porém fingem que sim. — Deixei uma risadinha escapar. — Ah, se lembra de como você nunca queria que pegássemos reféns? — Toquei no assunto, empolgada com a conversa, e ele confirmou. — O Josh, um desses caras de quem eu roubei, sempre queria fazer reféns. E agora vem a melhor parte: eu ficava muito brava com ele, isso me deixava louca.
Enfiei a chave na fechadura da porta do meu quarto e a girei.
— Ah, que interessante! — Seth entrou antes de mim. — Então significa que parou de pegar reféns e não matou mais ninguém nos trabalhos?
— Isso mesmo, você teria ficado orgulhoso de mim. — Sorri abertamente ao fechar e trancar a porta, largando a garrafa no balcão. O sorriso foi se desvanecendo conforme eu me lembrava da situação atual. — Apesar disso, eu deveria mesmo ter matado Dom e Josh antes de roubar o dinheiro e fugir. Eles estão atrás de mim agora.
— Por que a solução para você é sempre matar, hein? — Virou-se para me encarar.
— Ei, nem sempre. — Aproximei-me com cuidado. — É só que, às vezes, eu não tenho muita opção.
— Você realmente não muda — revirou os olhos, sacudindo a cabeça em negação. — Mas que droga, ! Você me deixa louco, sabia?
— Está se parecendo cada vez mais com o Seth por quem eu me apaixonei anos atrás. — Levei minha mão até a lateral do seu rosto e acariciei o local. — Às vezes me esqueço de que você não gosta de matar.
— Se esquece, é? — Ele abarcou meu rosto com ambas as mãos e eu fechei os olhos, sorrindo.
— Você sabe que nunca me esqueço de nada sobre você, Seth Gecko — confessei em voz alta. — Na luz ou na escuridão, sempre será o meu único amor.
Seus lábios tomaram os meus com uma necessidade nunca antes sentida por nenhum de nós dois. Fazia quase cinco anos, afinal de contas. Deslizei minhas mãos até seu quadril e puxei-o contra mim com voracidade. Queria senti-lo. Precisava de cada pequena parte de seu ser. Seus lábios desceram pelo meu pescoço, causando-me um arrepio gostoso. Ah, meu deus, como eu sentia falta daquilo… dele.
— Eu senti tanto a sua falta, — murmurou contra a minha pele.
Suas mãos subiram pelas minhas costas, levantando minha blusa até que ergui os braços para nos livrarmos dela. Ele afastou seus lábios de mim apenas por tempo o suficiente para tirar sua própria camiseta.
— Eu também senti a sua — sussurrei e nos beijamos outra vez, como se o mundo dependesse daquilo, nossas mãos afoitas tocando cada parte um do outro. — Eu preciso de você, Seth — confidenciei e empurrei-o para a cama.


Coloquei meu relógio e minhas luvas de couro enquanto observava Seth tranquilo na cama. Já era de manhã e ele ainda não havia acordado. Puxei meu cabelo para trás e o prendi de qualquer jeito. Encontrei minha bota de montaria em um canto qualquer do quarto e fui atrás das minhas meias. Não demorei muito para encontrá-las. Suspirei e olhei para Seth outra vez. Agora era só colocar os sapatos, pegar a mochila e sair. Nada demais. Fácil, fácil! Respirei fundo e comecei a calçar as botas.
— a voz sonolenta de Seth chamou o meu nome. Droga! — Aonde você vai?
— Embora. — Evitei olhar em sua direção.
— De novo? — Sentou-se na cama em um movimento rápido. — , você não pode me deixar, não de novo.
— É, eu sei disso — suspirei. — Mas o que vou fazer aqui?
— E o que vai fazer fora daqui sozinha? — objetou. — Não pode voltar para a minha vida depois de todo esse tempo e simplesmente ir embora outra vez.
Negação era a resposta. Ele estava certo e não havia jeito de vencer a discussão. Minha única opção era ignorar a conversa. Então abri minha mochila, peguei alguns dos bolinhos de dinheiro e joguei-os em cima da cama.
— Para você — disse, apontando com o queixo para a grana.
Fechei a mochila e coloquei-a nas costas. Precisava continuar ignorando. Era o único jeito de ir embora e deixá-lo. Inferno, eu estava sendo uma idiota medrosa mais uma vez. Ainda assim, como poderia ceder? Não era para ser complicado, e talvez nem fosse, mas dentro da minha cabeça tudo era uma confusão caótica.
— O que está fazendo, ? — insistiu ele.
— Kate e você não estão muito bem — falei o óbvio. — Estou deixando um pouco do meu dinheiro para vocês. Não me fará falta.
, para com isso. — Passou as mãos por seus cabelos curtos, me fazendo recordar de como eu havia passado minhas mãos por eles diversas vezes na noite passada. — Você não pode ir.
— Sim, eu posso.
Forcei-me a desviar o olhar dele, o que para mim era tão difícil quanto deixar de fitar uma obra de arte que eu tinha vontade de roubar. Caminhei para fora do quarto, agindo contra a vontade do meu próprio coração. Os passos de Seth ecoaram os meus. Olhei por sobre o ombro e o vi, correndo atrás de mim enquanto ajeitava suas roupas recém vestidas.
— Fica com a gente — suplicou —, e podemos tentar encontrar o Richie.
— Para pensar em ir procurar o Richard… — estanquei no lugar e me virei devagar — primeiro você precisa parar de usar heroína.
— Eu posso ficar sóbrio. Já fiquei antes, já ficamos — soou esperançoso. — Isso quer dizer que vai ficar?
— Não sei, Seth, eu não posso. — A luta entre a emoção e uma razão na qual eu não confiava muito quase me deixava tonta. Voltei a caminhar, sem rumo. — Aqueles caras estão atrás de mim. Preciso continuar andando.
— Não se manterá parada se ficar comigo. — Ele segurou meu braço e tomou seu lugar em minha frente, levando a sua mão ao meu rosto com tamanho afeto que me fez suspirar. — Jamais ficamos muito tempo parados no mesmo lugar, se lembra?
— Seth, é complicado — disse a primeira coisa que veio na minha cabeça e coloquei minha mão sobre a sua, fechando os olhos.
— Não parece complicado para mim, — derrubou meu argumento nada sólido.
— Ei! — reclamei. — Está usando as minhas próprias palavras contra mim. Isso é…
O som de um tiro interrompeu bruscamente a minha fala sobre injustiça. Merda! Virei-me ao redor para tentar localizar de onde o disparo havia partido, mas fui surpreendida por outro tiro. Grunhi de dor, levando a mão ao ombro levemente ensanguentado. A bala pegara de raspão no local. Ufa, que tremenda sorte! Seth me agarrou pela mão e puxou-me com ele para trás de um carro qualquer. Levei a mão à cintura em um reflexo, porém não encontrei nada além de pele e roupas. Minha arma! Onde estava a minha pistola?! Decerto me esquecera dela no quarto em meio ao meu desentendimento com Seth. Bati a palma da mão na testa. Era isso que dava ficar dividida entre permanecer ao lado dele e fugir outra vez.
— Quem são esses caras? — gritou Seth enquanto se esforçava para espiar.
— Levando em conta que o tiro foi para mim… — Espiei por cima do carro por um único segundo e eles dispararam de novo. — Josh e o Dom, com certeza.
Ei! — escutei uma voz feminina chamar baixinho. — Aqui!
Procurei de onde o chamado viera e encontrei Kate Fuller abaixada atrás de um muro. Cutuquei Seth e apontei na direção da jovem garota. Ela nos mostrou uma arma — provavelmente a dele — e então, em um movimento rápido, jogou-a para o nosso lado. Fechei os olhos, temerosa, quando mais alguns disparos foram ouvidos. Seth, no entanto, conseguira agarrar a pistola.
— Não. — Segurei o braço de Seth quando ele fez menção de sair de trás do carro. — O que você vai fazer?
— Acabar com isso — anunciou.
— Seth, não! — Tentei impedi-lo, mas era tarde demais.
Ele saiu de trás do carro, já se levantando. Ouvi alguns disparos, mas não quis olhar. Seth não deveria ter ido lá. Eles queriam acertar as contas comigo. Apenas comigo. Ele não tinha nada a ver com isso. Por que diabos eu tive que parar por ali e metê-lo naquela confusão? Seth não merecia. Era a minha confusão. Só minha. Droga! Eu não podia vê-lo morrer, ainda mais se fosse por minha causa. Eu nunca aguentaria. Meu amor… meu único amor. Ele não podia… Não.
— Não, não, não, não, não — choraminguei como uma criança tola.
— Ei, se acalma! — Kate chamou minha atenção quando os disparos pararam. — Você está livre, .
Em seguida, ela se levantou e correu para dentro do motel. Demorei um pouco para processar a informação, os olhos cheios de lágrimas e a imagem de Seth estirado no chão todo ensanguentado ainda assombrando a minha mente. Espera. Eu estar livre significava que Seth estava vivo, não é? Levantei-me, desesperada, e corri até ele, tropeçando-me em meus próprios pés.
— Meu deus, Seth, como você está? — perguntei, inspecionando cada canto de seu rosto, e então eu vi o sangue no seu braço. — Droga, você levou um tiro!
— Você também, e foi só de raspão, viu só? — Ele me mostrou.
— Que nem o meu — constatei, ainda afetada com a possibilidade de perdê-lo, mesmo que ela não existisse mais.
— Que nem o seu — disse calmamente. — E agora você não precisa mais ir embora.
Segui seu olhar até os corpos de Dom e Josh e sorri.
— Pensei que você não gostasse de matar — debochei de maneira forçada, meu coração ainda acelerado.
— Não gosto, mas eles queriam matar você — clarificou. — Eu não podia permitir que isso acontecesse, assim como não posso te deixar ir embora. Eu não vou te perder, , não outra vez.
— Eu não vou a lugar nenhum, Gecko — prometi, sorrindo, e o beijei com vontade. Ele merecia todos os beijos do mundo.
— Vocês podem, por favor, deixar os beijos e a discussão de relacionamento para depois? — Kate voltou com algumas coisas, inclusive a minha pistola. — Nós temos que ir embora... agora.
— Eu gostei dessa garota. — Olhei para Seth com um sorriso radiante no rosto. — Eu já disse que gostei dessa garota?



FIM.


Qual o seu personagem favorito?


Nota da autora: Oiie, tudo bem? Esse é só uma das minhas 5 fics dessa Expedição Sideral de Halloween. Eu dei uma ressuscitada em algumas fics antigas que eu tinha, mudei algumas coisinhas e joguei pro mundo. Essa, em especial, surgiu da vez em que eu estava obcecadíssima com a série de Um Drink No Inferno e me obriguei a escrever um pouquinho com o Seth. Amantes do Richie: me desculpem!!! Talvez um dia com uma pp amiga dessa? hahahah Enfim, espero que tenham gostado da fic mais soft das 5 que enviei pro Halloween. Tia Fran ama vcs <3

Nota da beth: Eu preciso saber o restante da aventura de e do Seth pra ontem, ainda mais depois desse reencontro emocionante! Amei conhecer um pouquinho deles 💜

Barra de Progresso de Leitura
0%


Se você encontrou algum erro de revisão ou codificação, entre em contato por aqui.