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Codificada por Lua ☾
Última Atualização: 15/02/2025

“Era por volta das dez da noite quando Leonard voltava de mais um dia cansativo de trabalho. Lidar com os clientes desesperados da renomada farmácia local não era nada fácil. Todos os dias ele enfrentava algum problema diferente: fosse algum paciente reclamando a ausência dos efeitos desejados nos medicamentos, fosse o desespero pela cura de alguma doença rara, algum cliente implorando por um preço reduzido ou quem sabe alguma reação alérgica causada pelos produtos – e este último lhe causava uma tremenda dor de cabeça para resolver. Desde que seu chefe, o senhor O’Connell, havia viajado e lhe deixado no comando de tudo, ele não tinha sequer uma boa noite de sono sem pensar em todos os problemas que precisaria resolver no dia seguinte. Se ele soubesse pelo menos um décimo do que passaria aceitando aquele cargo, talvez não o tivesse feito e se sentido tão honrado por ser o escolhido. Em dias como aqueles em que estava vivendo, na verdade, ele havia recebido uma cruz para carregar.
Tentando afugentar aquele tipo de pensamento, Leonard soltou um suspiro resignado, enquanto sentia seus passos diminuírem. Por mais pressa que ele tinha de chegar em casa, o cansaço lhe dominava e travava o trabalho de seus músculos, os fazendo queimar e latejar de dor. O acúmulo de ácido lático gritou na forma de um princípio de câimbra que o fez bufar, enquanto seus pés mal conseguiam mantê-lo de pé, porque Leonard havia passado o dia todo sem se sentar por nenhum minuto. Sua preguiça era tanta que ele nem ao menos se despediu dos outros funcionários antes de sair do lugar que já não aguentava mais ver, mas era forçado porque dependia daquele emprego.
Seus pensamentos estavam concentrados em um único objetivo: se jogar em sua cama e se render ao cansaço, finalmente fechar os olhos, que pesavam e insistiam por um descanso, e relaxar sua mente perturbada por todos os problemas enfrentados naquele dia. A exaustão era tanta que Leonard mal se importava com seus sentidos anuviados pela fome, a dor em seu estômago e a pontada de enjoo a embrulhá-lo, quase trazendo a bile até a garganta em uma típica contração reflexa.
Merda! Ele odiava vomitar! Principalmente quando não tinha nada além de água em seu estômago.
Mais um longo suspiro escapou de seus lábios, e Leonard se praguejou mentalmente por isso, pois o enjoo aumentou, então respirou fundo e puxou a maior quantidade de ar que podia para oxigenar seu cérebro de forma apropriada. Parou por alguns segundos e apoiou as mãos em seus joelhos quando a tontura aumentou. Se sentiu bastante patético e particularmente idiota por ter ignorado seu organismo por tantas horas e deixado seu horário de lanche de lado para atender a Senhora Crasswell, uma madame, que além de ser irritantemente barraqueira, era casada com um dos homens mais poderosos da cidade, o dono da maioria das terras naquela região e que inclusive tinha seus olhos gananciosos vidrados na casa de medicamentos do senhor O’Connell. Leonard tinha receio do que seria de si se o chefe resolvesse fechar aquela venda, mas pelo amor que o outro demonstrava pela manipulação de produtos medicinais, o rapaz achava pouco provável que o Senhor Crasswell fosse bem-sucedido.
Embora antenado com os acontecimentos ao seu redor, Leonard às vezes podia ser tremendamente ingênuo.
Sua reflexão sobre o quanto era tolo e idiota foi interrompida quando a lamparina da rua deserta em que se encontrava piscou e apagou subitamente, o deixando apenas com a luz do luar para acompanhá-lo pelo restante do caminho.
— Perfeito! Como se já não me bastassem minhas pernas me deixarem à míngua! — a voz de Leonard ecoou rouca e exausta, e ele estreitou os olhos, já prejudicados pelo problema de visão que se recusava a corrigir com óculos de grau, ao tentar focar em algum ponto que pudesse orientá-lo,
Decidiu então por segui-lo, mesmo que não tivesse certeza. Fazia aquele mesmo caminho todos os dias nos últimos dois anos, jamais se perderia, por mais que sua casa não fosse exatamente perto de seu local de trabalho.
O barulho de seus pés se arrastando era a única coisa que podia ser ouvida àquela hora, já que uma boa parte da população da cidade já estava recolhida em suas residências, enquanto a outra desperdiçava seu dinheiro em algum cabaré lotado de belas donzelas. Se não estivesse tão cansado, talvez ele mesmo se presentearia com uma boa companhia para esquentar suas partes e satisfazer as necessidades que com toda certeza equivaliam a quase oitenta por cento de seu mau humor.
Uma risada falha e engrolada escapou de sua garganta, o fazendo tossir como se fosse um velho bêbado, e Leonard pigarreou em seguida para se livrar da sensação incômoda. Como se não bastassem todas aquelas sensações que o faziam desejar morrer, suspeitava que um resfriado também ameaçava acometê-lo.
Mais alguns passos daquele martírio sem fim, e ele se obrigou a diminuir ainda mais o ritmo, o que o deixou mais irritado consigo mesmo, então o clima deserto daquela rua e a ausência de ruídos trouxe um certo incômodo em seu peito. Se sentindo bastante covarde por seus batimentos acelerarem e ecoarem em seus ouvidos de forma vergonhosa, quase gritou de forma triunfante quando teve sensação de que um vulto havia passado bem rente ao seu lado esquerdo, e o teria feito se a reação mais óbvia de seu organismo não fosse a de paralisar todos os seus músculos.
Parecia que seu coração havia saltado até sua garganta enquanto Leonard tentava se mover sem o maldito sucesso.
Como numa brincadeira de péssimo gosto, viu a lamparina piscar, acender por breves segundos e se apagar novamente. Aquilo só poderia ser coisa de sua cabeça, mas Leonard não questionaria, mesmo que aquele fosse algum sinal de que estava ficando maluco. Então olhou rapidamente ao seu redor e conseguiu enxergar pouquíssima coisa, porém constatou algo que o fez odiar a si mesmo novamente: ele havia conseguido se perder.
Tantos anos sempre pegando o mesmo maldito caminho e conseguiu o feito em questão de minutos.
— Imbecil, babaca, idiota! — Definitivamente, estava ficando maluco.
Novamente, a sensação do vulto passando ao seu lado tomou conta de si, desta vez do lado oposto ao anterior, e Leonard se preparou para praguejar novamente, imaginando uma série de xingamentos que agora seriam dirigidos ao seu chefe, porém não houve chance para tal.
Agora tinha a sensação vívida de que algo havia passado por suas costas, o cercava, e, em vão, o homem tentou olhar em volta para identificar o que por fugazes segundos imaginou ser uma brincadeira de péssimo gosto.
Encontrou apenas o vazio.
O vento frio lhe atingiu o rosto.
Suspirou resignado e voltou a virar para frente, a fim de esquecer aquela paranoia repentina e se localizar para que finalmente pudesse ir para casa.
Seus músculos voltaram a paralisar e Leonard se sentiu tão gelado que naquele momento não lembrava da sensação aconchegante de suas extremidades aquecidas.
Um pouco adiante dele, em meio às copas das árvores, dois imensos olhos vermelhos o encaravam com ódio explícito. Seu corpo tremeu e seus joelhos fraquejaram, o que quase ocasionou sua queda, e ele engoliu em seco, sentindo um nó se formar em sua garganta.
Nunca havia visto tal criatura, que consideraria humana, se não fosse pelo longo focinho e os dentes arreganhados, e ela emitiu um rosnado que fez o corpo do rapaz tremer ainda mais.
Ao conseguir forças de um lugar que desconhecia, Leonard tornou a virar na direção oposta e correu desesperado. Seus músculos protestaram, seus pulmões imploraram por oxigênio e seus olhos ficaram embaçados pela tontura, que não havia o abandonado por momento algum.
Leonard não teve tempo para ir muito longe. Não teve tempo ao menos para sonhar com sua salvação, ou para ver o famoso filme que diziam passar na cabeça das pessoas quando a morte lhe abraçava. Ela veio brusca, num golpe doloroso e barulhento que o lançou de cara na estrada de terra, num baque que fez o osso de seu nariz estalar, enquanto seu peito era poupado de ser esfolado por causa do tecido de suas roupas, mas isso pouco importava, porque suas costas doíam feito o inferno. Cortes profundos haviam sido abertos em sua carne e ele sabia que a criatura havia o acertado com suas garras.
Tentou buscar ar, mas tudo que foi ouvido foi apenas um som semelhante a um engasgo de sua parte, sufocado por um uivo a cortar a noite.
A enorme pata atingiu sua região lombar e Leonard quase desfaleceu de dor quando sua coluna partiu e o imobilizou da cintura para baixo. Num resquício de loucura, tentou se arrastar e engasgou pela última vez quando mais um golpe o atingiu na cervical e cortou de uma vez por todas seu oxigênio.
Leonard nunca teve chance alguma e, por fim, a morte o abraçou.
Porém a criatura não parou por aí. O corpo do rapaz foi virado em decúbito dorsal e suas vísceras não demoraram a ser expostas para que toda a essência vital de Leonard alimentasse a fome desenfreada daquela que dali para frente todos passariam a conhecer como ‘A Besta de Loches’. Aquela que estaria presente nos contos das velhas senhoras, em volta de fogueiras, e estampada nas manchetes dos jornais.
Quando a escuridão dominava o coração dos mais frágeis e os gritos cortavam a noite, a besta se levantava para aniquilá-los e satisfazer seus desejos mais selvagens.
Com o sangue de suas vítimas a tomar seus lábios, caminhava sedenta por mais... Deixando um rastro sangrento de caos e destruição por onde passava.
O ser humano, arrogante como era, tinha, mais uma vez, sua inteligência posta à prova.
O que era aquela criatura? Haveria uma solução? Uma forma de pará-la?
A enorme poça do sangue de Leonard manchou a estrada, que nunca fora palco de uma morte tão grotesca, e várias horas depois, quando os passarinhos cantavam o despertar da aurora, o grito de uma donzela alertou a população.”





O barulho da máquina de escrever ecoava por todo o recinto, intercalado por algumas pausas, que se tornavam cada vez mais longas conforme as palavras fugiam de seus pensamentos. Um suspiro ecoou de seus lábios pelo que ele imaginava ser a milésima vez naquela tarde, e, com um baque irritado nas teclas, o rapaz encarou a janela de seu escritório, encontrando um céu nublado e sem o mínimo resquício da luz do sol.
Totalmente inspirador.
Voltou seu olhar para onde deveria estar o seu trabalho e uma careta de frustração se formou em seu rosto. O papel estava preenchido por apenas três linhas.
Três linhas.
Três malditas linhas que não formavam nem cinquenta palavras.
E quanto mais ele tentava fazer com que aquelas míseras linhas evoluíssem para páginas, mais seu cérebro se embolava e mais frustrado ele se tornava. O que havia de errado com ele?
Já fazia semanas que situações como aquela se repetiam, e, conforme aquilo se prolongava, o dinheiro que possuía ia se esvaindo e ele sabia que uma hora ou outra chegaria ao fim. Então teria duas soluções para que não passasse fome: ou teria de arranjar um emprego em um botequim qualquer, ou sairia pedindo esmolas na rua, e a segunda opção parecia ser a mais provável se levasse em consideração que precisava pagar o aluguel da estalagem na qual morava desde que havia decidido se mudar para Loches, na França, com seu irmão mais novo.
As coisas não haviam sido fáceis para os dois rapazes desde muito jovens, quando um acidente misterioso levou consigo seus pais, os deixando à mercê de uma tia solteirona e nada maternal, que os mantinha por perto por um simples motivo: a gorda herança dos .
Porém aquilo não durou muito tempo, e assim que o mais velho completou seus dezoito anos, carregou o mais novo, junto à uma bolsa contendo tudo o que eles precisariam dali para a frente, inclusive os direitos da mulher de administrar tudo o que os rapazes possuíam. O problema era que já havia sido tarde demais e quase toda a herança havia sido torrada em coisas fúteis, o que deixou os dois irmãos com o suficiente para apenas se instalarem em uma nova morada. Dali para frente, tudo havia ficado inteiramente por sua conta e risco.
Por muitas noites, o mais velho se perguntava se havia feito o certo, ou se havia jogado todo o seu futuro e o de seu irmão pelo ralo, e em momentos como aquele não podia deixar de se sentir extremamente estúpido pela atitude adolescente e impensada. Não podia deixar seu irmão passar fome. Não era para isso que ele havia enfrentado sua tia e os vários quilômetros que percorreram até chegarem ali.
Num ímpeto de raiva, levou as mãos aos cabelos e os puxou sem delicadeza alguma, grunhiu irritado e se levantou bruscamente. As mãos imediatamente se ocuparam em derrubar cada objeto que aparecia em seu campo de visão, os vários papeis voaram em todas as direções e, com enorme estrondo, ele tratou de quase destruir seu instrumento de trabalho.
Encarou a máquina de escrever tombada no chão e mais um grunhido escapou de seus lábios.
— Que desatino é este, ? — Com um susto tão grande que fez o rapaz pular e encarar a porta em choque, a figura descrente de Alastair o encarava com uma expressão inquisidora.
então se deu conta do que havia acabado de fazer e mais um suspiro frustrado ecoou de seus lábios.
— Eu é que pergunto. O que fazes aqui, Hughes? — chamou o outro pelo sobrenome, numa tentativa de demonstrar que não estava contente com a visita repentina. Naquele dia, pensava que quanto mais isolado estivesse de qualquer organismo vivo, melhor seria para ele. Estar bloqueado na escrita era tão inaceitável para ele que queria se bloquear para todo o resto. Maldita tendência ao drama!
— Aparentemente, estou aqui em boa hora. Visto o seu ataque gratuito aos seus pertences, meu convite para vir até a taverna beber até destruir seus miolos vem bem a calhar. Você está precisando — Alastair dizia, enquanto caminhava tranquilamente pelo cômodo, desviando dos pertences de e o encarando com o cenho franzido quando o outro recusou veementemente.
— Não vou a lugar algum. Tenho muito o que fazer, Alastair. Não posso perder meu tempo com bebidas. — suspirou e se abaixou para começar a juntar e arrumar aquela bagunça. Quanto mais rápido o fizesse, mais rápido poderia voltar ao trabalho e talvez dessa vez conseguisse algum progresso.
— Mas podes perder tempo quebrando todas as suas coisas, como um adolescente revoltado com os pais? Pare de falar asneiras, , e coloque um casaco porque está frio. — revirou os olhos ao ver a expressão irônica de Alastair, desejando desferir um soco com toda a sua força no nariz do melhor amigo. Talvez, se quebrasse seus ossos em pequenos pedacinhos, o outro pararia de incomodá-lo e desistiria de torrar sua paciência.
Ou não. Alastair Hughes conseguia ser um energúmeno insuportável quando queria.
— Não posso demorar muito, Alastair. Você sabe muito bem que...
— Você precisa de uma ideia milagrosa para que volte a vender bem feito o bastardo sortudo de antes. Já lhe ocorreu que uma boa caneca de cerveja e um belo par de peitos balançando em sua cara podem ser sua mais nova fonte de inspiração? Estou te fazendo um favor! Agora mexa logo esse traseiro daí, não tenho a noite toda para esperar você sair da crise existencial. — Bufou ao puxar a capa do amigo do cabideiro e atirar na direção de , que a segurou por puro reflexo e a vestiu, rosnando com irritação e seguindo Alastair para fora.
— Já te falaram que és um filho da puta chato para cacete? — resmungou, enquanto os dois seguiam pelas ruas frias em direção à taverna.
— Cale a boca, . Depois vais me agradecer — Alastair retrucou, risonho, puxou um cantil do bolso interno de sua capa e bebeu alguns goles. franziu o cenho, mas logo puxou o objeto da mão do outro, sentiu o gosto do uísque queimar sua garganta logo em seguida e depois devolveu para Hughes, que apenas riu da expressão emburrada de .
— Gostou? Este vem de um estoque especial de papai. — O sorriso atravessado de Alastair denunciou o que já imaginava.
— Imagino que ele vá meter a garrafa em um lugar onde a luz do sol não bate quando descobrir que anda furtando seus melhores uísques. — A gargalhada do rapaz acabou contagiando , que balançou sua cabeça em negação.
Durante o trajeto, os dois se mantiveram calados, o que permitiu a refletir um pouco e chegar à conclusão de que Alastair estava certo. Sua obsessão com o novo livro era tanta nas últimas semanas que ele sentia sua cabeça doer constantemente, sem dar uma trégua, o que só piorava as coisas ainda mais para si. Talvez, se ele parasse um pouco de pensar sobre aquilo, as coisas acabariam se resolvendo e uma ideia genial resolvesse brotar do nada em sua cabeça, acompanhada pelo enredo que o traria de volta à ativa.
Era desanimador sentir vontade de rir ao pensar daquela forma. A verdade era que deveria ter desistido da escrita há muito tempo, tinha mais uma boca para alimentar e não podia se arriscar como estava fazendo ultimamente.
Era isso, ele pararia de escrever e buscaria um emprego decente antes que fosse tarde demais. Embora odiasse, tinha uma certa habilidade com números, o que poderia lhe trazer alguma oportunidade no banco local.
A ideia de se tornar um banqueiro soava desanimadora, mas estava decidido. não podia mais se dar o luxo de pensar apenas em si mesmo.
Assim que adentrou a taverna com Alastair, não demorou a identificar a bela figura ruiva encostada no balcão do bar e quase fazendo o barman engolir seus peitos enquanto murmurava alguma coisa, que foi totalmente esquecida quando os olhos dela vagaram na direção da porta.
Alastair soltou um longo suspiro, o que fez rir, já um pouco mais descontraído do que antes. Ele realmente precisava relaxar, o amigo tinha toda razão, e quer maneira melhor de fazer isso do que assistir aquela donzela esgotar cada vestígio da sanidade do filho do delegado?
, finalmente saiu da toca! Já falei o quanto fica delicioso com essa capa? — Ele observou um copinho estendido em sua direção e encarou a ruiva dos pés à cabeça antes de pegar a bebida, a virar toda de uma vez e se aproximar para receber o abraço da jovem.
— Não adianta repetir isso toda vez que me vê, Clarissa. Não te levarei para a cama — respondeu, em tom de brincadeira, quando se desvencilhou da jovem, que apenas riu e passou a língua lentamente pelos lábios.
— Uma pena! Eu duvido que isso estragaria nossa amizade, muito pelo contrário, a tornaria ainda mais especial. — Ela o olhou sugestiva, então desviou o olhar e piscou na direção de Alastair, deu poucos passos para se aproximar do rapaz e lhe cumprimentou com um beijo no rosto. — Boa noite, Alastair. É a você que devo agradecer o milagre? — Sorriu sedutora.
Alastair arqueou uma sobrancelha, sabendo muito bem que a garota fazia de tudo para atraí-lo. Muitas vezes ela conseguia, ele não podia negar o quanto Clarissa era atraente.
— Elementar, minha cara Buckingham. Mas então, o que acha de me arrumar uma daquelas também? — Indicou o segundo copinho de dose que largava no balcão do bar e observou Clarissa aumentar seu sorriso e fazer um sinal para que ele a acompanhasse.
— Vamos lá, bonitão. — E sorriu maliciosa enquanto ele a seguia.
balançou a cabeça negativamente, então se encaminhou ao balcão do bar a fim de pedir algo para beber e relaxar mais. Sabia que os dois não demorariam muito, já que Alastair conseguia ser bastante cretino quando queria. Estava bastante claro para que sua melhor amiga mandava todos os sinais possíveis para demonstrar seu interesse em Alastair, mas, por mais que percebesse todas as evidências que faiscavam em sua direção, não tomava nenhuma atitude, o que fazia refletir se o rapaz fazia isso para incitar ainda mais a senhorita Buckingham, ou se o fazia porque não tinha interesse na moça. A última opção era a menos provável, Clarissa era uma das mulheres mais belas que eles conheciam e sabia muito bem disso, além de ser uma pessoa extremamente agradável, risonha e extrovertida, em quem confiava muitas vezes até mais do que em Alastair. Não sabia explicar, mas, desde que se conheceram, estabeleceram um vínculo bastante forte, e duvidava que um dia seria quebrado. Ele também não queria, a amizade de Clarissa lhe fazia um bem inestimável.
Permaneceu por alguns minutos encostado ao bar, perdido em seus próprios pensamentos e bebendo longos goles da caneca de cerveja que havia pedido. Sentia a temperatura da bebida refrescar sua garganta e espalhar a sensação de leveza por todos os seus poros. Tudo bem, dessa vez ele tinha que dar o braço a torcer e admitir que Alastair havia salvado seu humor. Não havia nada melhor do que aquilo, e ele precisou de bastante determinação para conter a vontade de revirar seus olhos pelo prazer que aquilo lhe proporcionava. Por que antes ele estava tão irritadiço mesmo?
— Não me diga que vai ficar bancando o bom moço, ! Sabe que não combina com você! Cadê seu uísque? — A voz de Clarissa despertou o rapaz de seus pensamentos, e ele deu um pequeno pulo que fez com que o conteúdo de sua caneca escorresse por seu queixo. Era impressão sua ou naquele dia em especial todos estavam empenhados em assustá-lo?
Ele conteve um suspiro e passou a mão pelo local onde a bebida havia escorrido, enxugando enquanto encarava a senhorita Buckingham com uma sobrancelha arqueada.
— Preciso voltar ao trabalho ainda hoje, Clarissa. Não posso cair na farra e esquecer quem eu sou. — Sua voz soou mais desanimada do que ele gostaria, o que fez a garota revirar os olhos e bufar, fazendo sinal para que um dos garçons se aproximasse.
— Ah, cale a boca, . Você pode muito bem deixar esse seu livro de lado por uma noite. Não é como se uma história incrível fosse brotar no meio da madrugada. Quanto mais você forçar, pior será, e eu não estou nem um pouco atraída pela ideia de bancar a enfermeira, por mais que eu deva ficar incrivelmente sedutora numa roupa daquelas e... — a garota disparou a falar, arrancando algumas risadas de , que acabou desviando sua atenção quando a música preencheu o ambiente. Um artista local havia recém iniciado sua apresentação e, como um bom apreciador, ele manteve seus olhos ali, assentindo para uma coisa ou outra que ouvia a amiga dizer.
Clarissa empurrou outra dose na mão de e ele deu de ombros. Resolvendo seguir o conselho da amiga e virou seu conteúdo, percebendo de imediato que era seu uísque preferido. Ele lhe lançou um sorriso de canto e viu a garota piscar em sua direção antes de se afastar para puxar Alastair de volta ao grupo.
— Vai me dizer que arrumou alguém tão rápido para esquentar as partes, Hughes? — soltou e ouviu o amigo rir com malícia assim que se encostou ao seu lado no balcão.
— Eu não duvidaria, se fosse você. As donzelas fazem fila para se deitarem nos lençois do filho do delegado. — O rapaz lançou uma piscadela na direção de antes de virar uma dose que havia trazido consigo, fazendo com que o amigo o encarasse sugestivo e soltasse uma risada baixa, balançando a cabeça em negação e imitando o gesto de Alastair. Clarissa apenas revirou os olhos e fez sinal para que o garçom enchesse mais seu copo, bufou segundos depois e puxou a garrafa das mãos do rapaz.
— Se não vai caprichar, deixa logo a garrafa aqui, meu bem. — Encarou o jovem com pouco caso e arqueou uma de suas sobrancelhas quando Alastair a encarou em dúvida. — O quê? — questionou, sem entender.
— És maluca. — Ele balançou a cabeça em negação e soltou uma risada baixa. Novamente, Clarissa revirou os olhos e encheu o copo do rapaz com o conteúdo da garrafa, virou para e fez o mesmo com o copo do amigo.
— Cale a boca e beba de uma vez. Quem sabe depois eu lhe mostre como me agradecer. — Ela sorriu maliciosa e ouviu gargalhar logo em seguida, olhou para o rapaz e mostrou a língua para ele.
— Para que uma fila de donzelas, quando tens Clarissa Buckingham lhe propondo um agradecimento especial? — disse e lançou um olhar sugestivo ao melhor amigo que dizia claramente que ele estava jogando a moça em seus braços.
Clarissa em nenhum momento reprovou a atitude do rapaz. sabia bem dos interesses dela por Alastair, e, quando o amigo demonstrava atitudes como aquela, sua vontade era a de pular em seu colo e o encher de beijos.
— E que tipo de agradecimento especial seria esse, senhorita Buckingham? — Alastair virou mais uma vez o copo recém preenchido pela bebida e se aproximou devagar de Clarissa, de forma que seus corpos quase se tocassem. A moça sorriu de canto e esperou ele diminuir a distância, então inclinou minimamente seu tronco para encostar os lábios na orelha de Alastair e murmurar uma resposta, que foi bruscamente interrompida por um estrondo ecoando de algum ponto da taverna. Num ato reflexo, ela se afastou do filho do delegado e imediatamente olhou na direção do barulho, imitando a expressão confusa de , que tentava identificar o que diabos era aquilo.
Mais um estrondo pôde ser ouvido, como se cadeiras houvessem sido jogadas com violência, e em seguida uma voz masculina gritou com fúria, seguida dessa vez pelo som de vidro se quebrando.
— Última chance para dar o fora, moleque! — Nenhum dos três conseguiu reconhecer a voz, então Alastair franziu o cenho, tentando se desviar de algumas cabeças que atrapalhavam sua visão.
— Ou vai fazer o quê? Nada feito! É melhor você ficar longe dela! — fez uma careta ao identificar prontamente a voz que ecoou em resposta.
— Pelos deuses, Aeryn! — grunhiu, irritado, largando seu copo em cima do balcão, e se adiantou para tentar chegar até o local da confusão.
Sentiu uma das mãos de Clarissa impedi-lo, tocando seu peito.
... — ela começou, mas logo em seguida mais um estrondo pôde ser ouvido e se desvencilhou da maneira menos rude que pôde, correndo logo em seguida e dando de cara com seu irmão mais novo embolado em uma briga com um outro rapaz que nunca havia visto. O outro tinha uma garrafa quebrada em mãos e tentava acertar Aeryn, que se esquivava e empurrava o outro contra as mesas sempre que tinha oportunidade.
simplesmente não conseguia acreditar na cena que estava vendo. Ao ver o irmão avançar como um louco na direção daquele desconhecido, ele sentia vontade de segurar os dois pelo pescoço e bater suas cabeças uma na outra, só assim quem sabe se dessem conta da cena ridícula que estavam fazendo.
Um grito feminino ecoou logo atrás de e ele identificou de imediato a garota irritantemente idiota que tentava se enfiar no meio dos dois rapazes para apartar a briga.
— Parem! Parem com isso! Solte ele, seu brutamontes... Aeryn, não! — A voz da moça expressava agonia.
revirou os olhos e se adiantou no exato momento em que a garrafa quebrada foi golpeada na direção de Aeryn. Um urro de dor ecoou de sua garganta quando ele sentiu o vidro cravar em sua mão direita e rasgar sua carne, então o ódio lhe cresceu instantaneamente. Não bastava ele estar com aquele maldito bloqueio criativo, agora, por culpa de Aeryn , havia ganhado um belo rasgo em sua mão.
Ignorando a dor lancinante e o sangue que imediatamente começou a verter de seu ferimento, fechou a mão em punho e acertou em cheio o maxilar do outro, que soltou uma espécie de ganido assustado ao sentir seu osso estalar e se afastou imediatamente, largou a garrafa no chão e levou as mãos ao queixo.
virou furioso na direção de seu irmão mais novo e praticamente cuspiu as palavras em sua cara.
— Mas que despautério vocês pensam que estão fazendo? — Lançou um outro olhar rápido na direção do rapaz que brigava com seu irmão e seu sangue ferveu ainda mais. Sua vontade era de quebrar o restante dos ossos de seu rosto. — Não importa! Apenas dê o fora da minha vista antes que eu termine de arrebentar suas fuças!
Sem discutir, ainda segurando o queixo e com uma expressão confusa, o rapaz irrompeu pela multidão, esbarrando em um Alastair surpreso, que encarava a cena junto às outras pessoas amontoadas em volta da briga.
. — O mais novo tentou dizer com dificuldade devido ao ar que lhe era escasso no momento devido ao esforço físico de antes.
— Não quero ouvir uma palavra de sua boca. Eu devia quebrar sua cara também por se meter nessas merdas outra vez, Aeryn! Por acaso lhe faltam miolos na cabeça? Vá logo lavar esse rosto! — grunhiu, sentindo o sangue escorrendo por seu braço e fez uma careta ao vê-lo ensopar sua camisa de mangas longas e pingar no chão do estabelecimento. Aeryn hesitou, encarou o irmão em dúvida e deu passos vacilantes em sua direção, porém Alastair pigarreou, enquanto olhava com uma expressão de alerta para o melhor amigo.
— Vamos lá, rapaz. Chega de trazer problemas para seu irmão. — Se aproximou do garoto e o puxou pelos ombros para conduzi-lo até o banheiro. bufou irritado, então Clarissa entrou em seu campo de visão e se adiantou até o homem com o que ele identificou ser um pano branco.
— O espetáculo acabou, meus caros! Voltem a qualquer coisa que estavam fazendo. A não ser que queiram, é claro, me ver costurando a mão do bonitão aqui — ela disse aos curiosos, que logo se dispersaram, então soltou um suspiro e fez um sinal com a cabeça para que a acompanhasse. Ele bufou, inconformado com aquela situação toda, e acompanhou a garota até uma das mesas da taverna.
— Consegue acreditar nisso? E quando eu digo que não quero sair de casa, você e Alastair vêm com aquela conversa de que preciso me divertir! — Revirou os olhos e fez mais uma careta quando Clarissa puxou sua mão para analisar o ferimento. A música local voltou a tocar minutos depois, o que fez com que os dois tomassem um pequeno susto.
— Ah, não. Não irei deixá-lo se culpar e nem fazer drama com isso, ! Os irresponsáveis são seu irmão e, obviamente, a idiota da Levinski, que não consegue vir a uma festa sem fazer dois babacas brigarem por ela. — Revirou os olhos ao avistar a garota logo adiante, que estava do lado de fora dos banheiros e andava impaciente de um lado para o outro.
— Ele é meu irmão mais novo, Clarissa. Será que não percebes que esse comportamento dele é minha culpa? Aeryn só tem dezessete anos! O certo é deixar para lá toda essa história de livro e cuidar direito do garoto. Sou a única família que ele tem. — A voz de misturava o ódio que ainda sentia com a decepção consigo mesmo. Definitivamente, ele estava falhando em seu papel como irmão e pai, levando em conta que havia criado o mais novo durante a maior parte de sua vida. Não era fácil para ele ter que admitir que tinha falhado e a quantidade, ainda que razoável, de álcool que havia ingerido parecia acentuar ainda mais seus sentimentos.
— Eu juro que se ouvir você dizer uma sandice dessas outra vez, arrebento todos os seus dentes e rasgo o que falta de sua mão, ! — A ruiva o encarou com profunda indignação e apertou a mão do rapaz de propósito, o que o fez recolhê-la enquanto resmungava de dor. — Não seja estúpido desse jeito! Todo mundo sabe o quanto você faz por aquele garoto. Pare de se culpar! Inferno, eu vou matar Hazel Levinski! — Lançou um olhar mortal na direção da moça, que estava totalmente alheia ao que acontecia. abriu a boca para protestar, mas foi interrompido quando Clarissa voltou a fazer o curativo em sua mão. Ainda que improvisado, aquilo resolveria o sangramento por hora, porém ela sabia que ele precisava ir a um hospital. — Você vai ter que levar pontos aí. — Fez uma careta, porque sabia que o amigo detestava qualquer tipo de agulha.
— Porcaria! Que disparate eu cometi para merecer isso! — exclamou, enquanto passava a mão saudável pelos cabelos e bufou, sentindo uma vontade súbita de fumar. Se não bastasse tudo o que estava passando, ele ainda tinha aquele vício nojento para sustentar. — Que se explodam esses pontos! Não vou passar o resto da noite costurando minha mão. Onde está aquela garrafa que pegastes do bar? — ele questionou e sabia que soava extremamente bipolar, mas não deu a mínima para isso.
Clarissa apenas revirou os olhos, optando por não discutir com o rapaz, porque acabaria lhe arrastando para o hospital pelos cabelos. Na verdade, uma parte de si também comemorava o fato de ele decidir relaxar, já que antes não parava de falar na porcaria do livro.
Quando Alastair e Aeryn retornaram à mesa, no entanto, encontraram um gargalhando feito um louco, enquanto virava o que deveria ser a quinta dose de uísque e lançava um olhar esperto em direção à Clarissa. No entanto, ficou subitamente carrancudo quando avistou o irmão.
, me deixe explicar, eu... — o irmão mais novo começou a falar, completamente atrapalhado e nervoso com a possível reação do irmão.
— Não quero explicação nenhuma. Está bem óbvio que você estava brigando de novo por Hazel Levinski. Quantas vezes vou precisar repetir que essa garota não presta? — retrucou, em tom de irritação.
— Só porque ela não quis se deitar contigo, não quer dizer que não presta! — Aeryn replicou, prontamente.
— E o que te faz pensar que nunca se deitou com a Levinski? — Clarissa saiu em defesa do amigo, num tom claro de deboche. Aeryn olhou um tanto surpreso para o irmão, que apenas deu de ombros e virou mais uma dose de uísque, deixando que um sorriso malicioso brotasse em seus lábios enquanto os efeitos do álcool começavam a fazer efeito em seu sistema.
— Relaxa, irmãozinho. Foi apenas uma vez. — Gargalhou ao ouvir o irmão bufar e se virou para puxar assunto com Alastair. Só então percebeu que este encarava algum ponto do bar com um olhar vidrado.
acompanhou o olhar do outro, a fim de identificar o motivo de tamanho aturdimento, mas não precisou procurar muito, porque, no momento seguinte, o grito entusiasmado de Hazel ecoava pelo local. Ela disparou na direção da porta, esbarrou em Alastair e quase o carregou consigo, antes de se atirar nos braços da loira dotada das curvas mais deliciosas que já havia visto.
Ele sabia perfeitamente a quem pertenciam aquelas curvas, jamais as esqueceria, assim como o timbre da risada que conseguiu distinguir, mesmo que a música dificultasse um pouco o processo.
Era ela.
.
Ele a reconheceria em qualquer lugar.
Talvez estivesse ficando louco porque aquilo não era possível. havia partido há um bom tempo e sido enviada para estudar em uma escola de freiras, onde os pais esperavam que ela tomasse jeito e virasse uma moça de família.
Não, definitivamente, aquela não era .
— Vai ficar mesmo aí parado, com essa cara de paspalho e fingindo que não me conhece, ? — E ele foi trazido à realidade. Um sorriso torto moldou seus lábios ao perceber que a loira havia caminhado até ele e agora estava em sua frente.
— Só se eu fosse um tremendo idiota, — ele retrucou imediatamente, se recuperou da surpresa e se aproximou da garota para envolver sua cintura fina com seus braços fortes, sentindo ela jogar os dela em seu pescoço e afundar o rosto em seus ombros.
— Senti sua falta — ela murmurou, num suspiro aliviado por finalmente estar de volta.
— Garanto que eu senti mais. — Soltou uma risada rouca antes de eles se afastarem e analisou a loira de cima a baixo com pouca discrição, sabia que com não havia necessidade. — O colégio de freiras lhe fez bem — soltou, passando a língua pelos lábios e desceu uma das mãos pela lateral da cintura da garota, que gargalhou gostoso antes de formar uma expressão um tanto carrancuda ao fitar algum ponto próximo a ele.
— Pena que seus velhos hábitos não mudaram nem um pouco.
sabia muito bem ao que a garota se referia, ele nem ao menos precisou olhar para o lugar que encarava para saber que era onde Clarissa estava. Sabia também que sem dúvida alguma a melhor amiga partilhava a expressão da loira, o que só se confirmou quando esta passou pelo rapaz e fez uma expressão de que iria vomitar pelas costas de , enquanto se afastava para conversar com outros conhecidos espalhados pelo lugar. não sabia ao certo o motivo, mas as duas não se davam nada bem desde que ele as conhecia. Um dia teria cara de pau o suficiente para perguntar a uma das duas e insistir em uma resposta mais clara do que “é uma história longa”, mas por hora se contentaria com a irritante dúvida, embora toda aquela rivalidade o incomodasse profundamente. O mundo já era injusto demais com as mulheres para que ficassem de picuinhas entre si.
se limitou a apenas soltar uma risada baixa para disfarçar o desconforto enquanto formulava uma resposta.
— Bom, nem os seus. — Por fim, indicou Hazel com um aceno de cabeça, vendo a moça praticamente colada a Aeryn. Ainda se sentia irritado com a garota por fazer seu irmão mais novo entrar em mais uma briga.
— É sério isso? O que Hazel fez dessa vez para lhe deixar com essa cara? — Ela encarou com confusão.
— Ah, você sabe, nada demais. Só fez com que meu irmão entrasse em outra briga idiota para disputá-la. — Revirou os olhos, voltou a pegar seu copo de bebida e o ofereceu a , que aceitou e virou uma dose, então entregou o copo de volta a para que ele também bebesse, só então notando a faixa improvisada em sua mão.
— Deixe-me adivinhar. Aí você resolveu bancar o irmão super-herói e foi defender Aeryn. Já não lhe passou pela cabeça que ele pode se virar sozinho? Vamos lá, ! Está na hora de você pensar mais em si mesmo — a garota disse, com uma ponta de irritação na voz. Por mais que estivesse longe de por alguns anos, o conhecia bem demais para saber que aquele também era um péssimo hábito que ele não havia abandonado. Em sua opinião, chegava a ser ridícula a forma como o rapaz deixava as coisas de lado apenas pelo benefício do irmão mais novo.
— Eu... — soltou um suspiro resignado, sabendo que a moça tinha razão, mas sentiu uma vontade automática de protestar. — Não consigo — por fim, admitiu. — Aeryn precisa de mim, . Nós só temos um ao outro. — Sorriu fraco para ela.
— Outch! E eu sou o quê? Muito obrigada pela consideração. Já que sou nada, vou contar o que aconteceu comigo durante esse tempo fora para aquele seu belo amigo ali — indicou Alastair, que até então apenas observava a cena, bebendo sem conseguir desviar o olhar da loira por muitos segundos, o que deixou Clarissa, que vez ou outra olhava na direção dos três, mais irritada ainda. Maldita .
— Alastair Hughes. Não culpo por ter escondido você de mim assim, . — O rapaz prontamente se aproximou dela, estendeu sua mão e sorriu charmoso. A loira o retribuiu, analisando Alastair e riu baixo ao aprovar a visão.
. Já deve ter percebido que não sou o tipo de garota que conseguem esconder. — Piscou para Alastair e pegou o copo de , bebeu mais um pouco e deixou um sorriso esperto em seus lábios.
— Definitivamente, não é — murmurou, risonho, sentindo que seu humor mudava gradativamente graças à presença dela. Por muito tempo, ele havia esquecido o quanto se sentia bem com a moça por perto, e pensar que agora teria aquilo de volta lhe trazia um certo alívio. — O que achas de parar com o drama e nos contar por que você foi expulsa do colégio de freiras? — questionou e arqueou uma sobrancelha.
— O que eu fiz? Nada demais. Apenas me deitei com um dos padres — retrucou, ao passar a língua pelos lábios, o que fez Alastair se engasgar com a bebida e soltar uma sonora gargalhada quando se recuperou. Sem dúvida alguma, aquela donzela era diferente de qualquer outra que ele havia conhecido.
— Disso, eu não duvido nem um pouco — comentou em tom de diversão, ao saber que a amiga brincava e esperou pela real resposta, que nunca veio, porque desviou o assunto discretamente, engatando uma conversa onde contava detalhes de como havia sido sua vida durante aquele tempo todo.

🐺


Em outro local da taverna, Amelie Dupont sentia seus olhos se fecharem involuntariamente, sentada em um dos bancos, enquanto ouvia parcialmente a conversa dos amigos. Talvez ter saído escondida de seus pais não tivesse valido tanto à pena como ela esperava. A noite estava completamente entediante e nem beber havia melhorado seu humor.
Levantou-se do banco quando seus olhos piscaram demoradamente pela quarta vez e se ajeitou, alisando os cabelos e as roupas, ao notar que havia chamado a atenção dos amigos com o ato.
— Não consigo mais me manter acordada e meus pais não podem perceber que eu saí — se justificou. — Vou para casa.
De imediato, um dos rapazes se prontificou.
— Eu a levo, Amelie. — Era Jean, que sempre demonstrava um cuidado maior com a garota, deixando que ficasse bem claro que nutria sentimentos por ela e esperava desposá-la muito em breve.
— Não precisa, Jean. Vocês estão todos se divertindo, não irei atrapalhá-lo. — Tocou o peito do rapaz e espalmou sua mão quando ele fez menção de acompanhá-la.
— Eu insisto, Amelie. É perigoso para uma dama como você andar sozinha na calada da noite — ele protestou e viu a loira negar veementemente.
— Por favor, não insista. Eu vim sozinha até aqui e sei me cuidar muito bem. Não sou nenhuma princezinha indefesa, Jean. — Ficou um tanto irritada pela insistência do rapaz, que soltou um suspiro resignado e por fim concordou.
Amelie então se despediu do restante dos amigos e se afastou, enquanto ouvia um último resmungo de Jean.
Ainda não gosto da ideia de Amelie perambulando sozinha e desprotegida por aí.
Aquilo fez com que ela revirasse os olhos e apressasse seus passos antes que ele resolvesse ignorar os protestos dela e a acompanhar de qualquer jeito.
Desviou de alguns rapazes embriagados que tentaram agarrá-la e finalmente mergulhou na noite, sentindo o ar um tanto gelado devido ao sereno e soltando um suspiro enquanto seguia na direção de sua casa.
A caminhada não era muito longa. Ela não fazia ideia do horário, mas sabia que precisava ser breve, pois não podia deixar que amanhecesse ou estaria encrencada.
O barulho de seus saltos baixos ecoava pela estrada de terra, que estava deserta, o que teria a assustado se não estivesse tão determinada a chegar em casa de uma vez.
Decidiu pegar um atalho que a levaria até sua casa com ainda mais rapidez, por mais que soubesse que aquela região era pouco iluminada, e mantinha seus olhos atentos ao seu redor, sabendo que precisava ser cautelosa, embora achasse pouco provável que algo lhe acontecesse.
Faltava pouco para que ela chegasse ao final da rua, o que fez com que um suspiro aliviado escapasse seus lábios, enquanto ela passava a mão pelos cabelos. Aquele trecho era um pouco mais escuro, porém não se importava muito porque estava acostumada a passar por aquele local desde pequena.
Então, subitamente, seus músculos se retesaram e um frio percorreu sua espinha quando ela teve a impressão de que um vulto se movia por entre as árvores.
Parou, ao sentir seus batimentos acelerarem imediatamente. Encarou o local com desconfiança, esperando que fosse apenas coisa de sua cabeça, e sentiu uma pontada de medo começar a dominá-la quando percebeu que não estava enganada, realmente havia algo a encarando por entre as árvores.
Por que não conseguia se mover? Devia correr o mais rápido que pudesse. Ficar ali parada como uma estátua poderia lhe custar caro. Toda a sensação de segurança que ela sentia antes havia se esvaído em questão de segundos e suas mãos começaram a tremer. Na verdade, parecia que seu corpo inteiro tremia.
Sua voz havia sumido, a garganta se fechado e seus pensamentos gritavam o mesmo mantra, na esperança de que em algum momento ela conseguisse reagir.

Mova-se. Mova-se, Amelie. Você precisa se mover.


Estaria ficando louca ou o que ouvia era um rosnado?
A resposta fez-se ouvir com mais nitidez, arrepiando ainda mais cada célula de seu corpo e seus lábios tremeram, numa vontade súbita de chorar porque ela não conseguia sair dali.
Seus olhos estavam arregalados na direção do vulto e apenas depois de alguns segundos naquela situação que ela se perguntou por que continuava parado ali em vez de seguir na sua direção para lhe fazer o mal que seu corpo alertava que faria.
Observando melhor o formato da sombra ela reparou, em choque, que não era um animal, como ela havia imaginado ao ouvir o rosnado.
Era humano.
Ou pelo menos era o que parecia, talvez o medo estivesse distorcendo sua visão, ela não saberia dizer.
O estalo de um galho pôde ser ouvido e ela engoliu em seco quando, como se lesse seus pensamentos, a criatura resolveu se mover. Um brilho sinistramente alaranjado denunciou os olhos, que a encaravam com uma expressão faminta.

Mova-se, Amelie! Corra! Você vai morrer!
Morrer.
Você vai morrer.


Então o alerta finalmente fez com que suas pernas se movessem e ela reprimiu um grito, enquanto começava a correr, sentindo suas bochechas molhadas de lágrimas. Só então notou que chorava de pavor.
Seus músculos protestavam, enquanto ela buscava desesperadamente o resquício de luz ao qual não havia dado muita importância minutos antes.
Ela levou alguns segundos então para perceber que o vulto não havia a seguido, embora o olhar faminto houvesse a acompanhado. Seu rosto se virava constantemente para trás, a fim de ter certeza de que se afastava e quando, por fim, ela se deu conta de que a iluminação havia se tornado mais forte e a sensação de proximidade com a criatura havia diminuído, também diminuiu seus passos.
Seu rosto se desviou para frente e novamente ela paralisou, dessa vez deixando o grito que havia reprimindo antes ecoar desesperado, cortando o silêncio da noite outrora tranquila.
Por pouco, ela não havia tropeçado sobre o corpo estraçalhado de Leonard LeGrant.





Continua...


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Nota da autora: Cheguei aqui com o primeiro capítulo dessa fic que amo demais. Espero muito que vocês gostem. Esses personagens têm o meu coração.
Comentem o que acharam!
Beijos e até a próxima,
Ste a.k.a. Saturno. ♥

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