Revisada: Lightyear 💫
Finalizada em: Fevereiro/2025De um lado, o romance de uma época de fantasias; do outro, a podridão acumulada entre séculos de mundo. Realeza e decadência, juntas, como desde o começo da humanidade.
Se parasse para prestar atenção, podia ouvir os gritos de prazer e de terror que um dia ecoaram dentre os caminhos que levavam à Praça de São Marcos. Não diferentes dos que se podia encontrar hoje — se antes era cobiça de joias e ouro, hoje buscavam-se aparelhos eletrônicos e dinheiro. Além da carne, que nunca deixou de ser objeto de desejo dos devoradores.
Batidas ecoaram na porta do hotel de luxo, de aparência vitoriana, no centro histórico da cidade. Uma permissão dada em voz alta, e então aquele que interrompeu seus pensamentos entrou em seu campo de visão.
— Mare. — Moreno entrou no quarto com um aceno de cabeça. — Conti retornou dos preparativos.
Em silêncio, encarou a figura conhecida do seu eterno cão de guarda, em épocas distantes, Alessi estaria vestido com uma baúta, uma capa que cobria o corpo todo, não num terno de grife especialmente escolhido pelas suas mãos a fim de o fazer irresistível.
— Antigamente, as mulheres que escolhiam sair às ruas para o Carnevale di Venezia, usavam uma máscara que as impedia de falar. Uma moretta, não tem fitas nem elásticos para se prender ao rosto, mas sim um botão, que devia ser segurado entre os dentes para sustentar o adereço no rosto. — escutou Moreno fechar a porta atrás de si enquanto voltava a encarar as ruas agitadas da janela de sua hospedagem. — Sem voz, só se resta o corpo para transmitir uma mensagem; enquanto isso, as máscaras dos homens apenas alteravam o som de suas vozes.
Seus dedos se curvaram sobre os tecidos da cortina, puxando-a de uma vez para o lado, interrompendo a luz que atravessava a janela e colocando-a de volta nas sombras.
— Mistério ou não, com a desculpa de ser um jogo de sedução ou uma tentativa de submissão. Máscaras só têm uma função: oferecer um convite para ser alguém que você não é.
Alessi escutou em silêncio, sem saber exatamente o que responder. Desde que assumiu o lugar do pai, muita coisa aconteceu. Uma vez que o velho Mare estava obcecado com a ideia de vingança, foi muito fácil para os conselheiros que cobiçavam seu lugar criarem alianças secundárias e roubar o que nunca deveriam ter visto. Segundo a chefe Dellariva, eram aves carniceiras que comeram demais e se tornaram incapazes de voar; naquele mar preso sob seu controle, não havia espaço para incompetência, injustiça e, muito menos, traição.
— Se me permite, Mare… — Moreno colocou as mãos atrás das costas, olhando para o chão por um momento. — Talvez nem a nossa sombra saiba realmente quem somos.
riu, afastando-se da janela e pegando uma bolsa cravejada de brilhantes que estava em cima da cama. Seu vestido de tecido leve a fez parecer uma antiga divindade, uma deusa cultivada em um templo de mármore; bela, porém cruel, apenas saciada com um sacrifício feito de sangue.
A mulher parou a poucos centímetros dele — A primeira máscara que vemos é sempre aquela refletida no espelho. — Seu polegar traçou a própria boca, coberta por batom carmesim, apenas para, em seguida, colocar um pouco de cor nos lábios de Moreno.
— Devemos ir, caso contrário, vamos perder a reserva no restaurante. — Suas reflexões foram subitamente interrompidas pelo tom de ordem.
Conti, que estava na sala adjacente, lançou um olhar para Alessi e, em seguida, curvou-se para cumprimentar sua Mare, tomando-lhe a mão e beijando o anel da família Dellariva.
— Lady Mare, aqui. — O mais velho tirou de dentro do terno um papel dobrado, entregando-o em sua direção. Moreno não sabia dizer o que estava escrito, não estava próximo o suficiente para isso, mas sabia ser algo satisfatório pela expressão da mulher.
— Sabe o que fazer. — amassou o bilhete e o devolveu, em seguida, pegando o lenço disposto no bolso do paletó. Ela esfregou o tecido, limpando o dedo ainda tingido de carmesim, e continuou: — Nos encontramos depois.
Ele acenou uma vez e então sacou um isqueiro do bolso para queimar o papel, e essa foi a última coisa que Alessi viu o primo de segundo grau fazer antes de deixar o quarto de hotel. curvou o braço no seu, apoiando o corpo levemente em sua direção enquanto andavam em sincronia até a recepção. Lá, um veículo de luxo foi apresentado. Alessi tomou o lugar do condutor depois de abrir a porta para sua Mare, e então conduziu o veículo pelas ruas.
O restaurante ficava à beira da lagoa de Veneza. Barcos deitavam-se às margens enquanto o pôr do sol começava a tirar do céu as cores do dia e a pintá-lo com os tons da noite. Laranja e vermelho brilhavam no horizonte, mas não tanto quanto a porcelana cuidadosamente pintada à mão. Naquele lugar, de céu etéreo, tinha início seu baile de máscaras.
— Dellariva, que surpresa esplêndida a encontrar nas ruas de Veneza.
A chamada veio de um homem já em seus cinquenta anos, de cabelos grisalhos, mas com o rosto e o físico que apenas dinheiro e clínicas de estética podem comprar. Um falso galã, moldado às custas da modernidade.
— Sr. Pisani — lhe deu a mão. — Devo dizer o mesmo. A última informação que tive é que estava aproveitando um bom período de descanso na velha Germânia.
— Della honra, chama riva. — O homem beijou seu anel. Em seguida, arrumando a postura e também desviou os olhos para a lagoa por um momento. — E é a verdade, retornei à cidade ontem pela manhã. Estive com minha esposa viajando entre a Bélgica e a Suíça.
De igual elegância, a mulher que até então estava apagada e quase invisível, se apresentou, cumprimentando com o mesmo decoro. Diferente de Alvise Pisani, ela era realmente bonita. Ainda que tivesse quase dez anos a mais do que , carregava uma aura jovial e elegante.
— Cateri — chamou seu nome. — Não nos falamos desde as comemorações de Natal, como tem estado?
— Excepcional, Mare — respondeu, sem deixar de dar uma olhada para o marido, como quem buscava aprovação. — Se soubéssemos que estava na cidade, teríamos oferecido um de nossos prédios para estadia.
— Não é necessário — A chefe Dellariva acenou. — Por ora, aceito um pouco de companhia, vim a Veneza também aproveitar alguns momentos de calmaria. Ter rostos conhecidos por perto traz uma sensação agradável.
— Seria uma honra, conheço o chef do restaurante, tenho certeza de que pode nos arrumar um ótimo lugar. — Dito isto, Pisani chamou maître, que parecia conhecê-lo, e, não muito tempo depois, os quatro já estavam acomodados numa mesa de vista excepcional.
Não foi até pedirem as bebidas que a conversa voltou, agora centrada em Alessi, que estava cuidadosamente sentado ao lado de .
— Conti é uma figura conhecida, desde os tempos do seu pai, mas é a primeira vez que o vejo de perto — Pisani comentou, olhando para Alessi. — A família Moreno é realmente notável por seu… vigor, entre outros atributos, é claro.
— Naturalmente, a família Dellariva se cerca apenas dos melhores — respondeu. A mulher, com um gesto calculado, ergueu os dedos, contornando os cabelos de Alessi, imaginariamente os ajeitando atrás de sua orelha. — Até hoje, foi o melhor presente que ganhei.
Para as pessoas de fora, uma declaração; para quem conhecia as regras que comandavam os mares da família, uma constatação.
— Também posso atestar o vigor da família, um Moreno nunca desaponta.
O mais velho ergueu a taça de vinho até a boca, não deixando os olhos saírem de Alessi um único momento. Apesar disso, se manteve em silêncio, o comentário veio de Cateri, que tinha as bochechas levemente coradas com a informação.
— Lady Mare parece valorizar o Sr. Moreno.
— Cateri, não seja desrespeitosa — alertou o marido em voz baixa.
então afastou a mão que fazia um carinho nos cabelos de Alessi, voltando-se para a italiana com cabelos cor de ouro.
— Como qualquer outro da família Dellariva, a lealdade é recompensada. Apenas isso. Tenho certeza que Moreno serviria qualquer pessoa tão bem quanto eu. Se desse a ordem, certo?
O homem ao seu lado abaixou a cabeça por um momento.
— Sigo o que a Mare desejar.
A loira abanou o rosto com um leque.
— Interessante… não ficaria chateada se eu roubasse seu cão de guarda por uma noite?
bateu as pontas das unhas na mesa, enquanto os garçons começavam a trazer os aperitivos escolhidos, com os vinhos de acompanhamento.
— Deve ter entendido errado. Se minha fala soou como caridade, não faço negócios onde não ganho nada em troca. Em respeito à longa relação entre sua família em Turim e os Dellariva, devo avisar… — Sua voz soou mais baixa à medida que sua cabeça se inclinou, dando uma aura absoluta e ameaçadora à mulher. — É tolice sequer pensar em encostar algo que esteja em minha posse sem permissão. Esteja avisada.
— Perdoe minha esposa por não saber controlar a boca, Mare — Pisani lançou-lhe um olhar opressivo. — Tenho certeza que suas falas são levadas pela curiosidade.
sorriu e se encostou na cadeira.
— Então me diga, Alvise, o quanto está disposto a pagar pela resposta? — Dessa vez, seus dedos envolveram a haste da taça de cristal lentamente antes de a levantar e girar o líquido em espiral.
A feição de princesa, cultivada entre máscaras de enganação, tinha uma expressão divertida, inofensiva. Porém, assim como o mar antes de recuar para causar uma catástrofe, era também bela e imprevisível.
Aquele que controlava os negócios em Veneza olhou para Moreno mais uma vez, dessa vez não escondendo o desejo lascivo de provar um pouco daquele vigor da família Moreno. O mais velho ergueu a taça até a boca antes de, enfim, colocar as cartas na mesa e engaja-se na negociação.
— O que deseja, Dellariva?
— Algo de mesmo valor — sua resposta foi rápida, sem um pingo de hesitação. olhou por um momento para a esposa e então voltou a sorrir. — Me fale dos negócios de Bolonha, não Turim.
Aqueles olhos fundos, muito mais velhos do que o corpo, por um momento ficaram tomados de receio, mas logo foi substituído novamente pela vontade.
Desprezível, era isso o que Alvise Pisani era, em todos os sentidos das palavras. Mantinha uma esposa para o acompanhar em dias oficiais e tinha uma amante — natural de Bolonha —, que atendia outros tipos de necessidades. Incluindo o de prover o velho com acompanhantes masculinos, uma mulher de cabelos cor de cobre e corpo feito de ondas era quem detinha seu interesse.
Cateri é filha de um magnata de Turim, alguém envolvido na máfia de colarinho branco. Fraudes financeiras e exploração do mercado alternativo de tecnologia eram exatamente o tipo de coisa que a família dela tinha controle sobre. No começo, Alvise começou a relação buscando abocanhar uma parcela dos negócios, mas, sem ser o suficiente, encontrou em Bolonha um pouco mais de notoriedade.
sabia absolutamente tudo sobre seus associados; os meses mapeando a bagunça de seu pai foram mais do que necessários e a colocaram numa posição de poder elevado, onde a moeda de troca era a informação. Com poucas palavras ela podia extorquir, controlar e fazer verdade todos os seus desejos.
Para a família Pisani, era definitivamente uma questão a ser resolvida. Debaixo dos panos, ele se colocou no centro de uma trindade. Sendo natural de Veneza, estava, por óbvio, num centro turístico e comercial; Turim era polo industrial e financeiro, já Bolonha servia para lavar todo o dinheiro que conseguia das outras cidades em projetos de infraestrutura, imobiliários e até mesmo acadêmicos.
Os olhos de miraram a faca apoiada na mesa, encarando seu reflexo na prata polida. Sua língua percorreu os lábios rubros e, então, ela se voltou para os acompanhantes da mesa. — Espero que a refeição seja satisfatória, estou faminta.
Qualquer um deles que ouvisse aquelas palavras poderia interpretá-las de uma maneira: fosse literalmente sobre negócios atuais, ou as trocas de acompanhantes firmadas entre falas veladas.
A refeição, feita com doses suaves de mentiras, terminou quando a noite escura já preenchia por completo o céu acima de suas cabeças, e as ruas estavam tomadas pelas festividades do feriado, repleto de cores e de mascarados.
— Acredito ser agora que nos separamos — anunciou assim que a conversa já não tinha mais nada a oferecer. Com cuidado, ela se levantou, tomando o braço de Alessi, correndo os dedos por sua extensão. — Fale com Conti para fazer as preparações.
O homem se levantou com tanta animação que até chutou a mesa, e o que restou das louças tilintou com o movimento, criando um barulho desnecessário. Seu rosto, lavado por uma expressão primal, estava distante da falsa postura de homem de negócios; aquela persona foi lavada pelo álcool e agora o que restava era uma besta desesperada para saciar suas vontades.
— Sim, Lady Mare. Farei isso.
deu uma última olhada em Cateri, com certa pena. Sua cabeça estava baixa e os olhos perdidos nas águas escuras da lagoa; afinal ela sabia de tudo e talvez um pouco mais. Da troca ao desprezo, a esposa provavelmente tinha que viver os dias em silêncio, contemplando a própria miséria em uma gaiola dourada, vendida para um tolo que buscava apenas seu nome e roubou sua dignidade.
Ao retornar para o hotel, a primeira coisa que Dellariva fez foi se lavar. Não apenas fisicamente, mas também deixar que os pensamentos que julgava inúteis também fossem dissipados pela água. Para ela, perfeição não era uma opção, mas sim uma obrigação. Não havia espaço em seu mundo para erros; qualquer deslize não tomaria apenas a sua vida, mas levaria para um buraco famílias inteiras.
Por mais que odiasse admitir, entendia o conceito da frase que seu pai repetiu de maneira incessante até ser devorado pela terra: “Crime são negócios. Máfia é família. Ordem depende de regras. Lealdade é conquistada. Morte é inevitável.”
O roupão que vestia seu corpo era denso, o quarto estava aquecido, mas, mesmo assim, ela se sentia fria.
— Está bravo comigo, Alessi? — a pergunta foi inútil, afinal sabia que ele nunca iria responder com a verdade.
Moreno estava sentado com as costas apoiadas na cabeceira da cama de luxo, também vestido apenas com um roupão, enquanto , montada em sua cintura, traçava as linhas de seu rosto com os dedos.
— Não tenho motivos.
sorriu, encostando sua testa na dele, descendo as unhas para seu pescoço e fechando a mão ali. — Mas deveria. Sabe por quê? Porque eu te negociei com aquele asqueroso do Pisani como um pedaço de carne, te entreguei tão facilmente quanto um par de sapatos.
A pouca luz no quarto não era suficiente para que ela pudesse se enxergar refletida nos olhos dele, mas deixava aceso nas íris de Moreno um ponto de luz: a chama que ela cobiçava e não tinha.
— Pode latir para ele, abanar o rabo, enfeitiçar o velho de carcaça podre com palavras doces — ela apertou a mão a medida que o quadril se moveu para frente. — Mas se ele ousar encostar em você… Vai morder não vai? Afinal, é meu bom garoto.
As mãos dele seguraram sua cintura com firmeza, o peito se erguendo, mas trancando o suspiro entre os dentes. Sua reação fez Mare sorrir, inclinando a cabeça para deixar os lábios encostarem no dele, leves, sem tempo para sentir seu gosto na língua. Fazendo-o buscar mais de seu toque, mas sem permissão, apertou seu pescoço de leve, empurrando-o para trás.
— Não seja impaciente, Alessi, temos tempo o suficiente para me gravar em você de todas as formas. — A voz suave não eliminava o desejo incendiado pela pequena fagulha presa atrás dos olhos de Moreno. — Mesmo longe de mim, tudo o que vai ficar na sua mente é como me fodeu gostoso.
— Você sempre está nos meus pensamentos, . De todos os jeitos, de todas as formas. — A fala veio como uma confissão não planejada, tão sincera que os manteve em silêncio por alguns instantes.
A chama emprestada, esquentando o interior frio de , tremulou, lutou para ganhar força, mas perdeu, subjugada pelo inverno que eram seus pensamentos.
Não devia e não podia, ou se tornaria um eco da loucura de Colter Dellariva. A mão no pescoço dele se manteve firme, a mulher testando sua força, pressionando-o a ponto de sentir as veias sob a palma. Se quisesse, poderia ir até o fim — Alessi estava pronto para deixar a vida em suas mãos —, mas ela não queria isso. Era como cortar o único fio que a segurava de despencar de um prefácio em direção à completa perdição.
Alessi era seu protetor, tinha a função de salvá-la do mundo e também de si mesma.
Quando o aperto afrouxou, Moreno tinha o maxilar travado, mas estava numa tentativa de recuperar o fôlego. segurou o rosto dele em suas mãos — Chega de falar.
Dessa vez, ela se deixou cair em sua boca, aproveitando de todo seu calor. Alessi não foi o único homem com quem se deitou, mas era definitivamente o melhor deles. Ele a devorava além da carne, podia ser sem palavras, com força ou devagar. Moreno entendia as curvas do seu corpo mais do que ela mesma.
Arqueou para trás quando a língua dele percorreu o cumprimento do seu sexo. O roupão terminou de cair de seus ombros enquanto os fios do topo de sua cabeça o segurava no lugar. O teto decorado com arabescos a fazia sentir-se uma jovem do século passado entregando seu dote. Se estivesse naquela época, seria condenada por pelo simples ato de pensar.
O rosto de Alessi se levantou do meio de suas pernas, seus olhos parecendo faróis em mar aberto, a língua molhou os lábios e, então, ele se curvou novamente sobre a mulher, trilhando o caminho do seu ombro com beijos.
— Fique de frente para mim, quero ver seu rosto hoje — mandou, correndo as unhas pela lateral do corpo do homem.
A posição era íntima, ia além do ato, da ação; frente a frente era a oportunidade de sentir o prazer do outro em reflexo ao seu. Moreno tinha as mãos na cintura da mulher e, apenas pelo toque, ele estava à sua mercê. O som era obsceno e apenas mostrava como ela estava pronta para ele, envolvendo-o até a base em seu centro quente. Um gemido baixo e contido escorregou para fora da boca dele quando mexeu o quadril a primeira vez. Satisfeita, ela se deixou afastar para encontrar um pedido silencioso no rosto tão contido do homem.
— Mesmo sem falar, eu consigo ler todos os seus pensamentos. — Provocou, movendo o quadril mais uma vez. — Não fique ambicioso porque vou dar o que você quer essa noite.
Era raro que Alessi ganhasse uma permissão como aquela. que mantinha o ritmo e ele acompanhava, mas, aparentemente, a vontade de se cravar na mente dele permitiu uma mudança. Suas mãos a puxaram para perto, os dedos desceram para segurar seu quadril, apertando a carne com força, se Moreno ia guiar naquela noite também tinha um pouco de interesse em se deixar na mente de sua Mare.
O ritmo era constante, firme e controlado — ele sabia saciar o desejo e, ao mesmo tempo, alimentá-lo. Aos poucos, sua dona foi ficando impaciente, clamando por mais, clamando por ele e chamando seu nome entre suspiros entrecortados.
Contudo, como ela havia avisado, havia um limite. Moreno espalmou a mão na base de sua cintura quando a sentiu tremer, segurando-a perto, com ele ainda dentro. A respiração rápida e quente batia contra a pele suada de seu ombro.
Ele sempre queria mais quando o assunto a envolvia, ser mais por ela. Mas, por hora, tê-la desejando-o e escolher permanecer nos seus braços durante a noite era mais do que o suficiente.
Quando acordou, o sol já havia passado do meio do céu. Alessi não estava em nenhum lugar a vista, tampouco Conti. Não era para menos, ambos estariam bem ocupados — por motivos diferentes — nas próximas horas, e ela também. Mare encarou o teto por alguns momentos, lutando com a preguiça que envolvia seu corpo, antes de se levantar de uma vez.
Na sala, do lado de fora de seu quarto, agora havia uma arara com um bonito vestido de gala pendurado. Aos pés da saia, havia um par de saltos igualmente sofisticados e solto sobre uma mesa, dentro de uma caixa de presente, uma máscara de veludo preta, sem decoros. Uma releitura de uma máscara moretta.
Apesar das comemorações de rua serem comuns, o Carnaval de Veneza, também detinha, em sua origem, um viés aristocrata — onde bailes de gala eram feitos em castelos, com jogos de identidade e caráter teatral. Enquanto corria os dedos pelo tecido, duas batidas na porta soaram antes de se abrir e revelar Alessi.
— Mare — ele abaixou a cabeça em sua direção num cumprimento, antes de fechar a porta atrás de si e ajustar a capa com suas vestimentas para noite no braço. — Conti está fazendo tarefas, deve retornar em breve.
— Sei disso — respondeu, olhando-o da cabeça aos pés. — Já almoçou? Não me importo de pedir algo do serviço do hotel.
Moreno pendurou o terno na extremidade da arara, o mais longe possível do vestido dela. — Não, não almocei.
— Ótimo — deu um salto e ajeitou o roupão nos ombros, passando por Alessi e erguendo os pés para deixar um beijo estalado em sua bochecha. — Vai ser como quando éramos crianças, experimentando todos os pratos desconhecidos.
Aqueles dias estavam tão distantes e pareciam tão irreais que sequer fazia surgir em Moreno o sentimento de nostalgia. A mulher pegou o cardápio em mãos e então fez a chamada para o serviço de quarto, fazendo os pedidos no italiano original de Trieste, cidade originária da família Dellariva.
Dentre todas as imoralidades que aprendeu sendo um cão de guarda, Alessi também teve algumas aulas de história.
Trieste ficava localizada no extremo nordeste da Itália, um ponto de encontro entre as culturas italiana, eslava e germânica. Na cidade, repleta de canais, docas e armazéns, a família Dellariva se fez realeza entre os mercadores e contrabandistas, controlando as rotas comerciais e a influência portuária. Durante séculos, a família, originalmente donos de estaleiros, ascendeu às custas de sua influência sobre o porto.
Foi apenas no cenário pós-guerra que expandiram seus negócios de contrabando para um império logístico global. Tanto ele quanto nasceram nos Estados Unidos, depois que a família e seus associados se firmaram em Seattle, Washington, cumprindo um papel fundamental nas importações e exportações vindas da Ásia e América Latina.
Até Colter Dellariva, o pai de , morrer, Alessi não sabia muito sobre o organograma dos negócios. Contudo, depois que ela assumiu, ele descobriu que a família operava por regiões, a chefe das Américas era Mare, mas na Europa quem controlava as operações era Il Capitano, o Capitão.
— — Alessi chamou, depois que ela terminou a ligação. — Não tem perigo em atravessar os negócios com o Capitão? Afinal, a Itália está no território dele.
— É um pouco tarde para cair nessa realização — ela riu e se aproximou, abraçando sua cintura e apoiando o queixo em seu peito. — Mas gosto quando você pensa, e a resposta é não. Vincenzo sabe o que estou fazendo; Pisani foi inteligente o suficiente para formalizar o juramento nos Estados Unidos e depois retornar para tomar a parte da família dele em Veneza.
A mulher fez um carinho em suas costas e então se afastou, andando para o lado oposto, onde havia um divã posicionado próximo à janela.
— Não estaríamos andando tão soltos se meu primo não tivesse autorizado antes. Fazer bagunça no território um do outro é estritamente proibido. Somos família, mas, além disso, sócios. Cada um tem sua função. — deu uma leve olhada para o lado de fora. — Sabe que matamos por muito menos do que uma disputa regional, e com certeza nenhum de nós quer se meter em problema com as Âncoras.
Alessi percebeu uma careta franzir o meio de sua testa, quando ambos estavam sozinhos, ela se tornava bem mais expressiva e solta, apesar de ainda manter uma boa parte da alma presa num lugar onde ele não podia alcançar.
— Já basta ter que lidar com os velhos dos meus associados, não preciso do conselho ancião da família Dellariva travando as negociações do meu lado do mundo. — seu tom de voz soou mais como um pensamento escapando pela boca do que realmente um comentário.
A personalidade leve se foi num segundo, trazendo para seus olhos uma sombra que ele já conhecia. Sua Mare estava pronta para falar de negócios. Sabendo disso, ele se aproximou sentando numa poltrona adjacente dando a ela toda sua atenção.
— O que está combinado para mais tarde?
Moreno travou a mandíbula, abaixou a cabeça por um momento e desviou os olhos para onde estava pendurado o terno escolhido para noite. — Pisani enviou um endereço e uma chave de acesso. Vou dirigir até o local enquanto isso, Conti está agilizando o seu encontro com a encomenda.
passou a língua pelo lábio e, em seguida, sorriu, levantando-se e andando até onde ele estava. Sentou-se em seu colo e o segurando com o rosto próximo ao seu. — Perfeito. Vamos aproveitar nossa refeição e então partir para nossos pequenos encontros.
— Volte vivo para mim, Alessi — o tom de ordem ecoou como um trovão, com a ameaça envolvendo sua língua em cada palavra. Não era uma promessa feita, mas sim uma imposição empurrada para sua boca através dos lábios dela.
Nas próximas horas, Moreno deixou o hotel em que estava originalmente hospedado e seguiu para a cova onde Pisani estava escondido. Conti retornara antes dele sair, lançando-lhe um olhar traduzido em boa sorte.
Honestamente, ele odiava a situação, de todas as formas. Não era a primeira vez que pedia para ele servir de distração para um homem, mas o pensamento de estar longe dela naquela situação o deixava profundamente inquieto. Sem contar que Alvise era imprevisível.
Estava a par das investigações desde o início. O velho — como chamava —, não era um homem e sim um predador. Usando todas as forças possíveis para subjugar aqueles que ele considerava frágeis, fosse por meio de força física ou ameaças em voz. Do momento em que colocaram os pés na Itália, todos os movimentos foram calculados. Sua Mare sabia que ele tinha retornado de uma viagem, que estaria no restaurante naquela noite e que ele mesmo iria chamar a atenção de Pisani.
Alessi se fez irresistível para servir de isca, enquanto resolvia outras questões que lhe foram negadas. Ele tinha uma tarefa, e só isso que importava.
O homem deu uma olhada no espelho antes de sair do carro, depois de estacionar no lugar indicado. Conti já havia feito um filtro anteriormente; entre os muitos locais que Alvise escolhia para seus encontros, a casa de veraneio, longe do centro turístico da cidade, era uma de suas favoritas.
Sua mão alcançou a bolsa no banco do passageiro, saindo do veículo e caminhando, em seguida, por uma via de pedras. Não foi necessário tocar a campainha; Pisani abriu a porta enquanto ainda havia metade do espaço para percorrer. O roupão de seda azul mal cobria suas coxas e, evidentemente, ele fez questão de deixar explícito que não havia nenhuma peça de roupa por baixo.
Enquanto andava, o mais velho encarou Moreno da cabeça aos pés, levando o copo de uísque, que tinha na mão livre, até a boca. Alessi teve que se controlar para não fazer uma careta e, sim, responder com expectativa.
Precisava cumprir seu trabalho o mais rápido possível e voltar para seu mar.
Do outro lado da cidade, se encontrou num hotel que outrora foi um palácio veneziano. Envolvendo seu corpo havia um vestido de busto justo, escuro como as sombras numa noite sem lua, que se derramava em camadas até os pés. O tecido ia clareando à medida que se aproximava do chão, até ganhar um tom completamente branco, transformando uma colombina de rua numa princesa.
segurou a máscara na frente do rosto; parecia uma personagem saída diretamente de um teatro clássico. A porta recebeu duas batidas num ritmo específico, revelando, em seguida, Conti, que chegava com a sua encomenda.
— Mare — o homem a cumprimentou e, então, deu passagem para a amante.
Entendia a fixação de Pisani com ela; sua presença, por si só, era deslumbrante. Sua figura dotada de uma sedução natural, que exalava classe a cada passo. A mulher não estava coberta de ouro ou joias; comandava a sensualidade com o simples fato de existir. Seu vestido era de um tom de cobre elegante, que quase sumia em sua pele beijada pelo sol. Longos fios de cabelos castanhos caíam em seus ombros, emoldurando um rosto com olhos cor de amêndoa.
— Pisani certamente tem bom gosto — voltou a olhar para o espelho, vendo a mulher adentrar o local com uma confiança falha. Conti se manteve na porta, com as mãos cruzadas à frente do corpo.
Sua convidada olhou por cima do ombro e, vendo que o segurança não tinha a intenção de se mexer, se apresentou. — Sou Kassandra, Lady Mare. Estou à sua disposição essa noite.
— É claro que está, querida — Mare se virou pela primeira vez. — Não estaria aqui se não fosse para ser assim. Conti, por favor.
Ao ter seu nome chamado, o segurança andou até o espaço da lareira, inclinou-se em direção ao seu centro apagado e puxou, detrás de uma placa solta, um envelope. Conti tirou um lenço do bolso e limpou o material antes de entregá-lo à Dellariva.
— Sente-se — mandou, após fazer o mesmo e cruzar as pernas. — Não gosto de ninguém me olhando de cima.
Kassandra o fez, apesar de parecer nervosa pela repentina mudança de situação. Pisani devia ter dito a ela para satisfazer a chefe da família de todas as formas possíveis. Porém, não era esse o objetivo original da Dellariva.
— Kassandra, originalmente Kassidy Montanari — leu —, vendida para um bordel aos quinze anos depois que o pai afundou o nome da família em jogos de azar. Uma dama da noite que, de um dia para o outro, virou uma famosa e respeitada cortesã.
Sua convidada respirou fundo, olhos tremendo sem saber para onde olhar, tomados por confusão, mas tentando se manter firme perante a situação. Lady Mare respeitava isso, apesar da afronta direta.
— Posso contar tudo que quiser sobre mim, não precisa de um relatório para isso. — Kassandra fez menção de se mover, porém Conti colocou a mão em seu ombro, segurando-a no lugar.
— Desculpe se deu a impressão de que pode responder. Não é uma conversa — até mesmo o segurança engoliu com aquelas palavras. A garota era uma Dellariva até os ossos. — Pode falar quando eu deixar você abrir a boca.
O mais assustador na situação é que estava vestida como uma boneca, tinha o rosto de uma boneca, mas uma tempestade rugindo em cada fala.
"No dia 18 de julho, Kassidy iniciou um relacionamento com Francesco Venturi, um acadêmico recluso vinculado à Universidade de Bolonha. Fontes indicam que Venturi, um homem reservado, encontrou na vida noturna um refúgio para sua solidão. Ele assumiu o papel de patrono e protetor, prometendo a Kassidy uma nova vida longe do circuito noturno.
Os registros sugerem que o casal formalizou uma união discreta, sem cerimônia pública, no dia 4 de novembro do mesmo ano. O matrimônio aconteceu longe dos holofotes, sem testemunhas verificadas, mas foi devidamente protocolado na Justiça e oficializado perante a lei italiana.
Apenas um mês após o casamento, no dia 5 de outubro, Francesco Venturi faleceu sob circunstâncias misteriosas. O óbito ocorreu dois dias antes do fim do contrato de Kassidy com seu antigo empregador. Até o momento, a causa da morte permanece indeterminada, e não há registros oficiais de autópsia disponíveis.
Com a morte do Sr. Venturi, Kassidy Venturi herdou sua fortuna e bens, consolidando sua independência financeira. Pouco tempo depois, fundou um estabelecimento sob o nome Kassandra, atuando como uma casa de acompanhantes de alto padrão."
— Uma tola e fantasiosa história de amor — anunciou . — Venturi era filho da máfia de Bolonha, trabalhava vendendo projetos da universidade, era tido como um verme pelas outras facções. Especialmente, as que operam em Veneza.
Kassidy estava com a cabeça erguida, e lágrimas lutavam para não cair de seus olhos. — Francesco era um homem justo. Entre o lixo que encontrei durante a minha vida, o melhor deles. Podia não ser bom perante a lei, mas ele era bom para mim.
— Tenho certeza que sim — soltou os documentos na mesa. — Foi por isso que o velho Pisani mandou matá-lo em primeiro lugar. Ele não podia perder a joia da boêmia de Bolonha de suas mãos.
— Se está esperando eu abrir a boca em troca de vingança, se engana. — Kassandra passou a mão pelo rosto e voltou a erguer as proteções que criou ao redor de si. — Alvise Pisani é um homem poderoso, alguém que não quero me envolver mais do que já estou.
Mare a olhou por um momento.
— Primeiro, não pedi nada a você. Sua vida não me importa, tampouco sua vingança. Segundo, sua língua vai cair da sua boca no momento em que responder algo que não perguntei de novo. — estalou o dedo para Conti e fez uma menção de cabeça em direção à porta — Busque nossa contratante. Seus acertos, Kassidy, não são comigo.
Em poucos momentos, o segurança deixou o quarto e retornou com Cateri. A esposa e a amante se encontrando bem na frente de seus olhos. Kassidy se levantou exasperada pela aparição repentina, completamente sem reação. Em resposta a isso, a loira avançou em sua direção.
observou a ação sem se mexer. Em filmes, momentos como aquele estariam repletos de gritos e acusações, porém, não era o caso. Cateri segurou o rosto da mulher com as mãos, chorando copiosamente, e então deixou um beijo sofrido em sua boca antes de segurá-la contra o corpo, como se ela pudesse desaparecer a qualquer instante.
— Lady Mare, obrigada. Muito obrigada! — Cateri caiu de joelhos ao seu lado segurando sua mão, beijando seu anel Dellariva.
— Sugiro explicar a situação rapidamente para sua namorada antes de continuarmos. Ainda temos negócios a tratar.
O segurança colocou duas taças com bebidas na frente das convidadas enquanto a atual esposa de Pisani explicava a situação. Já fazia anos que Alvise a traía, com homens e mulheres, o ato nunca fez muita diferença para ela, contudo, quando seus desejos começaram a ficar mais violentos e a loira presenciou o primeiro garoto morrendo pelas mãos do marido, uma alerta surgiu em sua cabeça.
Deve ter sido depois da morte do segundo ou terceiro rapaz que ela encontrou Kassidy pela primeira vez. Apesar da sua fama, a mulher, que já tinha visto o pior lado da noite, cuidava dos seus, provia moradia e uma vida estável até que estivessem preparados para partir. Por contrato, seus acompanhantes não forneciam encontros noturnos fora das instalações. Mas Alvise conseguia contatá-los por fora das regras do estabelecimento e, deslumbrados pela quantidade de dinheiro oferecida, os rapazes aceitavam os termos do velho sem saber estarem caminhando, talvez, para sua última noite.
O infortúnio aproximou a esposa e amante. Ambas tinham muitas contas para acertar com Pisani, porém a maior preocupação ficava com os garotos que apenas queriam sobreviver. A vontade fez surgir um sentimento entre os espinhos, e o amor levou Cateri até a Lady Mare com um pedido.
Foi durante as festividades de fim de ano que a loira implorou para tomar uma ação. Estava disposta a entregar todo o legado de negócios de Pisani em troca da liberdade de Kassidy e o fim da morte dos inocentes. Apenas o assassinato deliberado de garotos já era o suficiente para a família tomar uma atitude, mas se ela estava disposta a colocar Turim e Bolonha nas mãos da família Dellariva, não ia negar.
Eles não tinham muitos meses de preparo. Ter um grande evento turístico como o Carnevale di Venezia era a desculpa perfeita para um assassinato. Quando as cortinas do palco se abrissem, Alvise Pisani seria o personagem principal numa peça de tragédia ambientada num baile de máscaras.
Ao fim das explicações, se levantou — Conti vai verificar os documentos e garantir que as transferências sejam feitas. Devemos ter notícias até de manhã.
— Sim — Cateri limpou o rosto e puxou da bolsa uma pilha de documentos com uma recém-encontrada determinação. — Vamos formalizar os contratos até o seu retorno, Mare.
— Assim espero — afinal, se elas desistissem agora, Conti teria certeza de limpar a bagunça enquanto ela fazia um álibi inquestionável no baile de gala daquele mesmo hotel.
A máscara cobriu seu rosto e seus pés a levaram para um sonho, longe de mentiras e traições. Fazia anos que não ficava sozinha daquela maneira, que não saía da casca que criou para si e fingia ser alguém normal. Para cada pergunta feita, uma resposta; para cada olhar, um gesto. Apenas por uma noite, deixou um fantasma em cada conversa.
Sua situação a fez lembrar de sua história favorita, não que fosse uma exímia leitora. Contudo, em dias de juventude, um livro lhe proveu companhia. Era sobre a vida de um homem que, traído por três, é preso, se liberta e escolhe a vingança a longo prazo, destruindo seus inimigos a proporção de sua culpa e pela própria arma. Em certo momento, ele já não era homem, mas um espectro de muitas faces. Um conjunto de máscaras sobrepostas, criadas apenas para cumprir seu objetivo e que escondia seu eu verdadeiro.
Quando as badaladas soaram próximas à meia-noite, ela sabia que devia se livrar da fantasia de liberdade em terra e voltar para o mar. Porém, ainda se permitiu tomar uma última bebida no bar. Sua voz atravessou a música e conversa alta ao fazer um pedido, e o barman logo colocou uma taça com líquido cintilante em sua frente.
— Um brinde ao Conde de Monte Cristo — disse em voz baixa, num murmúrio para si em memória da vingança de Edmond Dantés, personagem principal de um dos romances de aventura do escritor Alexandre Dumas, o qual também teve sua parcela de divertimento no carnaval de Roma no século XIX, alimentando sua trama com um sequestro planejado.
Talvez eles não fossem tão diferentes assim, a diferença era que não tinha ninguém para se vingar, a não ser ela mesma.
A taça foi deixada sobre o balcão e ela se afastou, dando lugar para um estrangeiro com tatuagens no pescoço e uma máscara preta com flores de cerejeira fazer seu pedido.
andou até o saguão do hotel, onde seguiu pela lateral, até o acesso aos quartos. O cartão acionou o elevador e logo ela já estava do lado de dentro, encarando o seu reflexo de boêmia no espelho. Num segundo, os cabelos foram presos no topo da cabeça e a máscara que cobria sua face arrancada. Se Conti não havia a acionado, os negócios haviam sido finalizados em bom-tom, ambas mulheres estavam vivas e capazes de retornar para o quarto de Cateri com as próprias pernas.
— Enquanto esteve fora, Moreno confirmou o serviço. — Conti disse, depois de recolher o vestido do qual ela havia se livrado.
— Ótimo — ela jogou os cabelos por cima dos ombros ajeitando a gola de uma camisa mais casual. — Podemos voltar para nossa estadia original. Um dos garotos de Vincenzo deve estar por perto esperando os documentos, Donovan já tem uma cópia presumo.
— Sim, Mare, tudo conforme o plano.
Saber que Alessi havia concluído sua tarefa a fez andar com confiança pelos corredores, sem preocupações, ansiando pelo retorno de seu cão de guarda. Entretanto, a madrugada frenética de uma cidade que entrava no último dia de uma de suas maiores festas, devolveu para ela um Moreno diferente.
Ele já não estava com o brilho que geralmente tinha, a chama que emprestava seu calor para as águas frias contidas atrás dos olhos da Mare estava fraca. Em adição, Alessi tinha um machucado na altura da têmpora que começava a ganhar alguns tons de verde.
— Céus, o que aconteceu com você? — o tom de preocupação era genuíno. — Conti, pegue os primeiros socorros.
— Não precisa — o homem respondeu, aproveitando o toque suave em seu rosto. — Tenho um relatório para dar.
reparou num corte no supercílio dele, que provavelmente deixaria uma cicatriz. Sabia que Pisani estava morto, mas mesmo assim não pode deixar de passar por um turbilhão de pensamentos criminosos.
— Só morrer foi uma punição leviana demais para Alvise. — seus dedos seguraram o queixo do homem, virando de leve seu rosto para ter uma visão melhor do ferimento.
O meio da testa de Moreno franziu e então ele puxou a mão de sua Mare para baixo — Alvise está morto. Sim. Mas não pelas minhas mãos.
Veneza, a cidade de ruas estreitas e canais silenciosos, lugar feito de mistérios, onde os sussurros correm por debaixo das pontes escondendo suas verdades no reflexo das águas. Cidade onde máscaras possuem máscaras e as passagens levam ou para o passado, ou esquecimento, pois o presente era dúbio e inesperado. Era, sim, um palco de vinganças calculadas, atos refinados e, principalmente, reviravoltas.
Enquanto o sol pintava a manhã com cores claras, levantando uma neblina leve sobre as ruas, Moreno relatou os acontecimentos que se arrastaram até a madrugada daquele mesmo dia.
Após sua chegada na mansão de Pisani, ele teve um tempo para preparar o terreno, esquivando das investidas do velho com maestria enquanto alimentava seu interesse. Porém, o plano mudou quando o local foi invadido por quatro homens mascarados, vestidos de preto da cabeça aos pés. De acordo com Alessi, o velho sabia exatamente sobre o que era, pois entrou em pânico no momento em que eles emergiram como sombras dentro das paredes de sua casa. Ele parecia dever, e muito.
— Quando entraram na casa, revidei, foi como ganhei isso — indicou o rosto. — Mas eles eram rápidos, e me acertaram com uma escultura de metal que servia de decoração. Minha visão ainda estava mexida, mas vi eles colocarem um saco na cabeça de Alvise e depois o enforcar com uma corda.
As unhas de bateram no estofado. Ela conhecia algumas outras facções pelo mundo, algumas quais teve contato, outras não. Ter qualquer um deles interferindo num plano seu, era mais do que atravessar uma regra. Podia ser um aviso, ou pedido.
— O arrastaram para fora depois disso.
— Deixaram algo ou disseram mais alguma coisa? — não havia emoção em sua voz. A Mare Dellariva já estava traçando diversas possibilidades e probabilidades dentro de sua cabeça, a maioria sendo potencialmente problemática.
Alessi então se mexeu e tirou de dentro do bolso da calça, um objeto. Era uma placa de acrílico, similar a um cartão de visita, transparente, sem escritos. Tinha em seu meio uma flor de aparência rosada, com cinco pétalas arredondadas. Imediatamente, sua mente se lembrou do estrangeiro que cruzou com ela no bar, a princípio pensou ser apenas uma casualidade.
A mulher se levantou de uma vez, andando até a janela, observando a parcela da cidade que começava a acordar. Atrapalhar seus planos era burrice; se aproximar e brincar com ela, audácia. Se a intenção era chamar sua atenção, conseguiram.
, Mare di la famiglia Dellariva, olhou para o horizonte sabendo ter apenas uma solução. Visto que atrás da pequena placa, desenhada sobreposta a flor de cerejeira, tinha a gravação de uma clássica máscara de demônio japonesa.
— Conti — de virou e jogou a placa para seu ajudante. — Me coloque em contato com a Yakuza.
Aquele espetáculo, que teve como palco o Carnaval de Veneza, estava pronto para seu segundo ato.