Tamanho da fonte: |

Revisada por: Calisto

Última Atualização: 11/08/2024
“They say it’s good to start the story with a tragedy.”
(Fistfight – The Ballroom Thieves)

O céu estava exatamente como você poderia esperar de um dia de Outono em Chicago: as nuvens escuras e a garoa incessante combinavam perfeitamente com o cenário em que se encontravam: um cemitério. estendeu a mão e a entrelaçou com a de , tentando lhe passar confiança, ela sabia o quanto ele precisava dela nesse momento. aceitou a sua mão, a segurando com mais força do que o comum, mas seus olhos continuavam distantes, avistando ao longe sua família e amigos em volta do caixão sendo enterrado, e um gosto amargo se apossou de sua boca. Ele conseguia distinguir a figura de sua irmã mais nova, Gabrielle, abraçando sua mãe com força, enquanto a segunda se debulhava em lágrimas. sabia que deveria estar lá com elas, mas ele simplesmente não conseguia reunir forças o suficiente para se mover do lugar. compreendia, ela já estivera na mesma situação do amigo e sabia o quão difícil era enfrentar sorrisos falsos e frases vazia de apoio que em nada ajudavam. Ela olhou uma vez mais para fora, ouvindo as gotas batendo no teto do seu Porsche 911, e assim que notou a famiglia se dissipando, voltou seu olhar ao amigo.
— Só mais um minuto. — O ouviu falar com dificuldade, a voz embargada pela vontade de chorar reprimida. O silêncio reinou novamente, e estava tudo bem, pois apesar da falta de palavras, eles entendiam um ao outro, e jamais estiveram tão conectados quanto naquele instante, em que ambos entendiam a dor da perda.
Quando o murmúrio de vozes se fez distante e já não havia mais ninguém como testemunha, saiu do carro e caminhou em passos decididos até o túmulo do seu pai. se manteve distante, lhe dando espaço para se despedir, saiu do carro e se sentou no capô, percebendo que já não garoava mais. Sua mão coçava com a necessidade de acender um cigarro e foi exatamente o que fez, levando-o aos lábios pintados de vermelho e tragando como se ele fosse a solução para seus problemas. De longe, olhou para a figura do amigo e se perguntou o quanto a morte de Giuseppe afetaria a famiglia, e acreditava que não gostaria da resposta.
se aproximou algum tempo depois, as mãos nos bolsos, os ombros encurvados com um peso invisível, e seus olhos não encontraram os de quando falou:
— Você tem ideia do quão... — ele pausou, tentando organizar seus pensamentos, sua voz mais aguda do que o normal — do quão difícil é aceitar que ele se foi, sabendo que não era a hora dele? Sabendo que um verme desgraçado fez isso? Sabendo que foi traição?
Ao fim do discurso, seus olhos encontraram os de , ela conseguia ver a fúria neles, uma raiva alarmante que não era comum em sua feição normalmente branda.
— Nós vamos encontrar o culpado, e eu juro que ele vai pagar pelo que ele fez — falou com convicção, ela jamais descansaria enquanto não encontrasse o responsável pela morte de Giuseppe. riu com escárnio, uma risada que desfigurou seu rosto normalmente amigável, uma risada que não se encaixava nas feições do amigo. o olhou, preocupada.
— Nós sabemos exatamente quem foi, . — Ele se aproximou, os olhos fixos nos dela, e ela entendeu o que ele quis dizer, o nome pairando invisível no ar.
não tem nada a ver com isso — disse por entre os dentes, se sobressaltando ao ver o olhar de repulsa que lhe lançava.
— Mas é claro que você vai defender seu queridinho... pelo visto a foda foi tão boa que você já se esqueceu até dos seus próprios princípios, né? Talvez você seja mesmo filha do seu p... — A fala foi interrompida pelo tapa que lhe deu, seu olhar também carregado de raiva. voltou seu olhar para a amiga novamente, limpou o sangue que se formou no canto dos lábios enquanto o olhar abrandou um pouco.
— Não se atreva a terminar essa frase, , ou eu juro por Deus que... — As palavras morreram quando notou que a raiva no olhar do amigo se dissipava e dava lugar à dor. Ela suspirou, se aproximando do amigo e acariciando seu rosto, vendo uma lágrima traiçoeira escorrer de seus olhos.
— Me desculpa, desculpa, eu só... — Antes que ele terminasse de falar suas mãos envolveram a cintura de em um abraço e seu rosto se afundou no ombro de sua melhor amiga, enquanto seu corpo convulsionava em soluços. o abraçou de volta, com toda a força e amor que conseguia reunir em seu peito.
— Shh...tudo bem, vai ficar tudo bem. — se apegou à essas palavras, tentando se convencer de que tudo, de fato, ficaria bem. E, enquanto seus braços envolviam o corpo de e o cheiro dela era tudo que conseguia sentir, tudo parecia realmente estar bem.
_____________________________________________________________________

Ambos estavam novamente no carro, em silêncio. dirigia mais rápido do que seria prudente, especialmente agora que a garoa se tornara uma chuva forte e constante, mas não conseguia prestar atenção nisso, seus olhos estavam fechados e sua mente se perdia entre a preocupação pela mãe e as lembranças do pai. Apesar da velocidade em que dirigia, não estava ansiosa para chegar ao seu destino: a mansão dos Pellegrini.
A mansão dos Pellegrini era um monumento digno dos filmes de Hollywood, tão massiva que, mesmo sendo um tanto afastada do centro da cidade, podia ser vista a quilômetros de distância. dirigiu um pouco mais devagar ao chegar no portão principal, mas não precisou parar para se apresentar aos guardas que protegiam a entrada, aquela havia sido sua casa por anos após a morte de sua mãe; e tinha um rosto e um temperamento difíceis de se esquecer.
Havia carros de luxo estacionados por todos os lados, evidenciando a importância do evento ocorrido. Giuseppe era o tesoureiro da famiglia, sua morte certamente traria consequências desagradáveis à família e seus sócios, diretos ou não. estacionou seu Porsche próximo da saída da ala leste, não pretendia ficar mais tempo do que estritamente necessário e não gostaria de perder tempo com encontros casuais no meio do caminho.
foi a primeira a sair do carro, sendo seguida por , que ainda se encontrava perdido em seus próprios pensamentos. Ele ainda não se sentia preparado para enfrentar os sorrisos falsos dos supostos amigos de seu pai, e ainda temia as consequências que a morte dele traria para sua família. Eles caminharam juntos até a entrada da casa e acendeu outro cigarro para acalmar seus nervos, sabia o que e quem encontraria quando entrasse na propriedade.
Assim que chegaram na porta de entrada, foi arrastado por sua irmã, Gabrielle, que precisava da sua ajuda para acalmar a mãe. paralisou ao se ver sozinha, contemplando se conseguiria manter a paz de espírito e o autocontrole quando se visse em meio aos lobos e cobras que havia lá dentro. Com um último trago e um último suspiro, se livrou do cigarro na lixeira mais próxima e adentrou o hall. Em menos de cinco minutos, se sentia em estado de alerta, observando as pessoas vestidas como se fossem à uma festa exclusiva, contrastando com seu jeans preto e jaqueta de couro, mas deu de ombros e continuou sua caminhada, seguindo direto para a sala de estar, sabendo exatamente do que precisava para acalmar seus ânimos.
O bar na sala de estar constava com a presença de um barman que se ocupava em preparar as bebidas para os convidados, mas dispensou sua ajuda, ignorando os protestos do rapaz enquanto o contornava e se servia de uma dose generosa de whiskey, virando tudo em um só gole e servindo uma nova dose imediatamente. não havia reparado ao redor, tão focada estava em sua busca, mas um par de olhos a seguia fixamente desde que entrara no recinto, olhos que pertenciam a um belo rapaz de sorriso leve e despreocupado, o qual se aproximou sorrateiramente de .
— Cuidado, se você se embebedar na frente de toda essa gente, talvez eu tenha que cuidar de você. — A voz aveludada atingiu em cheio, e demorou alguns segundos para que ela pudesse esboçar a reação que causou comoção nas pessoas à sua volta, embora tenha apenas sorrido largamente ao sentir o whiskey molhar seu rosto e sua camisa Armani. — Vejo que continua a mesma gata selvagem que sempre adorei — disse o rapaz, não resistindo a estender a mão e tocar em uma mecha de cabelo que cobria os olhos da garota, sentia falta do toque sedoso dos seus cabelos e de seu olhar penetrante.
— E você continua um idiota como sempre — replicou , dando um tapa na mão do rapaz e se afastando apressadamente, levando a garrafa de whiskey consigo e maldizendo o universo por ter sido forçada a ficar tão próxima do rapaz novamente; seu coração palpitava apressado e suas mãos tremiam o suficiente para fazê-la ter vontade de fumar de novo. Andando a passos largos, logo se enfiou em um dos quartos de limpeza da mansão, fechando a porta e voltando a respirar profundamente. — Merda — xingou baixinho ao perceber que, por mais que os anos passassem, ainda a afetava como ninguém.
tomou um longo gole da garrafa, sentindo a queimação na garganta ajudar a acalmar seus nervos, pois era exatamente disso que precisava: amortecer seus sentimentos e enterrá-los bem fundo para manter a fachada dura e distante que construíra ao longo dos anos, sabia que só assim sobreviveria a mais um incontro di famiglia.



“Every single one’s got a story to tell”. (Seven Nation Army – The White Stripes)
se olhou no espelho do lavabo, prestando atenção no maxilar travado que denunciava seu estresse. Jogou água no rosto e se permitiu respirar fundo uma vez mais, organizando seus pensamentos e tentando ignorar as memórias que invadiam sua mente.
____________________________________________________________________________________
Flashback on (’s POV)
Corri portão adentro como se minha vida dependesse disso, apressada demais para me preocupar em respirar como um ser humano normal. Hoje era o último das férias de e eu teria que esperar até o próximo verão para encontrá-lo novamente. A saudade já começava a comprimir meu peito, mas eu não pensaria nisso, ao menos não agora. Um riso escapou meus lábios quando toquei o relicário em meu bolso, sabendo que havia arriscado demais invadindo a casa de Luigi para “roubá-lo”. Não era como se tivesse alguma serventia para ele e eu tinha certeza que minha mãe iria querer que eu o pegasse, ela sempre dizia que um dia ele seria meu.
Passei pela porta do hall de entrada e continuei correndo, dessa vez escada acima, em direção ao quarto de hóspedes onde ele deveria estar. Entrei sem bater, sem me preocupar com formalidades bobas, e meus olhos quase saltaram para fora ao notar somente com uma toalha enrolada em sua cintura. Ao me ver, o sorriso largo e maroto de costume brotou em seu rosto e ele caminhou em minha direção.
— Está tentando tirar minha inocência? — Abaixei os olhos, sentindo minhas bochechas esquentarem de vergonha ao senti-lo se aproximar cada vez mais. Sua mão direita segurou meu queixo, me forçando a olhar em seus olhos. — Tudo bem, eu deixo — disse, com uma piscada de olho, aproximando o rosto do meu e selando nossos lábios em um beijo suave.
— Tenho algo para você — falei por entre o beijo, a ansiedade sendo maior que a vontade de agarrá-lo. Ele se afastou um pouco, levando as mãos à minha cintura e arqueando a sobrancelha em questionamento. — Um presente de despedida.
— Me seduzindo com presentes? Eu gosto — disse, me arrastando consigo em direção à cama, mas modifiquei nossa trajetória no meio do caminho, sabendo muito bem que a cama me faria perder o foco rápido demais. O empurrei na poltrona de veludo verde no canto esquerdo do quarto e apreciei a visão do cabelo ainda úmido do banho caindo sobre seus olhos , que me olhavam com um fascínio que deveria ser muito parecido com o meu por ele. Me lancei sobre seu colo, colando nossos lábios em um beijo apaixonado, tentando memorizar cada aspecto dos seus lábios colados aos meus, cada sensação que eu sentia com seu corpo tão próximo, seu cheiro dominando meus sentidos. Suas mãos deslizaram dos meus cabelos para minhas costas e pairaram sobre meu bumbum, me levando a soltar um leve gemido de aprovação, que se seguiu à minhas mãos espalmando seu peito definido, o empurrando para nos distanciarmos um pouco.
— Comporte-se — murmurei, me esquivando quando ele se inclinou em minha direção tentando capturar meus lábios uma vez mais. Ele aguardou com um olhar impaciente enquanto eu procurava o item no bolso do meu casaco, retirando-o dali e entregando em suas mãos mordendo o lábio inferior em expectativa.
me olhou confuso por um instante e — então — notou o mecanismo que permitia abrir o relicário, olhando com um misto de surpresa e comoção para a nossa foto juntos no início do verão, quando decidimos fugir dos olhares atentos da famiglia e fomos parar na trilha de Dells Canyons, onde, depois de nos perdemos e darmos voltas intermináveis, conseguimos finalmente encontrar a trilha do rio e apreciar uma das cachoeiras do local. Tiramos a foto para celebrar nossa conquista.
Tentei encontrar os olhos de para ver se as emoções que encontraria lá seriam as mesmas que eu sentia, e seus olhos intensos encontraram os meus, acompanhados de um sorriso largo.
— Esse foi meu dia favorito do ano — disse, fechando o relicário e o colocando no pescoço. — Vou usar todos os dias, para sempre te ter comigo — complementou, tocando meu rosto e encostando seus lábios nos meus tão sutilmente que mais parecia uma carícia.
Flashback off
______________________________________________________________________

Uma batida insistente na porta a trouxe de volta à realidade, afastando das memórias que agora pareciam um sonho distante. Respirando profundamente mais uma vez, abriu a porta, encontrando o rosto juvenil de Luca, o desordeiro da família — como geralmente o chamavam —, mas certamente um dos poucos de quem genuinamente aguentava estar por perto.
— Hey, ! — disse, mais alegre do que deveria, considerando a ocasião, a puxando para um abraço, enquanto a loira que estava atrás dele deu um passo para trás, desconfortável. — Quanto tempo! Esteve se escondendo de nós? — Lançou uma piscadela, sabendo exatamente de quem ela tentava manter distância nos últimos anos.
— Bom te ver, Luca — disse, já se afastando para não ter de se render ao falatório inconsequente do garoto.
— Vê se não some de novo — respondeu, voltando-se novamente para a loira que o aguardava impaciente, a puxando consigo para o lavabo que ocupava minutos antes.
se permitiu um sorriso leve ao relembrar a época em que via Luca com mais frequência do que gostaria, considerando o quanto o garoto era apegado ao irmão, sempre o perseguindo por todos os cantos. O sorriso se esvaiu no momento que se lembrou novamente de e — quase que inconscientemente — olhou ao redor, procurando pela figura do rapaz, mas só o encontrou novamente quase duas horas depois, quando a multidão começou a diminuir e o momento que mais temia chegou.

A sala de reuniões era tão grande quanto os outros cômodos da mansão. O cheiro de mogno e charuto escocês permeava pelo ar, e a luz do lustre pendurado no teto iluminava a mesa oval de quase três metros rodeada por poltronas de couro. As paredes revestidas de isolamento acústico e a falta de janela davam ao ambiente um ar ligeiramente opressor, mas extremamente seguro. se mantinha em pé, recostada na parede ao lado da porta, observando com atenção os rostos ansiosos na sala. Essa era uma reunião excepcional, necessária devido aos últimos acontecimentos, mas ainda assim, os convidados foram cuidadosamente escolhidos pelo próprio Don Pellegrini.
Todos aguardavam em silêncio pela chegada do Don, essa seria uma de suas raras aparições em público, uma vez que se mantinha à espreita na maior parte do tempo, preferindo deixar que seus filhos cuidassem das questões cotidianas. Seu filho mais velho, Vincenzo, circundava a cadeira no topo da mesa com seu usual olhar de cobiça, lançando olhares furtivos à porta principal. Duas cadeiras à sua direita, seu irmão mais novo — Ângelo — tamborilava os dedos na mesa com certa impaciência, seu olhar calculista migrando entre os outros presentes à mesa. Luigi Mancini, sentado à esquerda da cadeira do Don, como de costume, tentava manter sua postura austera e olhar indiferente, embora o peso da idade e a perda de um de seus melhores amigos o afetava mais do que gostaria de admitir; ocasionalmente ele lançava um olhar furtivo em busca de sua filha, , a qual se esforçava para fingir que não o via.
Seguindo Luigi, havia a figura imponente de Paola Pellegrini — irmã de Don, mãe de e Luca — que olhava a todos como se fossem vermes embaixo de seu salto Louboutin. Ao seu lado, sempre parecia sério e desconfortável, dessa vez tentando se ocupar com o copo de conhaque em sua mão e se esforçando para não olhar na direção de . Do outro lado da mesa, ao lado de Ângelo, parecia um peixe fora d’água, trocando olhares de questionamento com , que também não entendia muito bem o que ela própria fazia ali.
Don Pellegrini entrou com passos lentos e cadenciados, olhando com calma e atenção para cada rosto presente, era impressionante seu magnetismo e todos na sala automaticamente pareciam compelidos a se ajeitar melhor na cadeira, procurando parecer atentos e polidos. Vincenzo finalmente se afastou da cadeira destinada ao pai e se sentou ao seu lado direito, observando o patriarca se aproximar e ficar de pé ao topo da mesa. sentiu todos os olhos em si quando Don virou-se para ela, sorrindo como se ela fosse uma criança teimosa.
— Sente-se, minha querida. — Apesar do apelido carinhoso, sua voz era fria como gelo e não deixava qualquer margem para recusa. se empertigou ligeiramente, ajeitando a jaqueta preta nos ombros e se apressando para se sentar ao lado de . — Meu caros — continuou Giorgio —, é um prazer estar com vocês novamente, embora a circunstância seja pesarosa.
O silêncio reinou na sala por alguns segundos, enquanto Don Pellegrini deixava a máscara de bem-estar vacilar um pouco, aparentando suas sete décadas de vida.
— Apesar da tristeza que assola a famiglia, é de suma importância pensarmos em como seguir adiante, e tenho certeza de que muitos questionamentos devem ser respondidos. Luigi, por favor, tome a palavra.
— Por certo, Giorgio, obrigada — murmurou Luigi antes de continuar. — A primeira medida que discutimos na maior parte da manhã e da tarde foi acerca de nossas finanças. Vocês devem ter notado que seguimos adentrando e saindo de reuniões com nossos amigos russos e sírios, eles estão preocupados, é claro, com o quanto a morte de nosso tesoureiro irá afetar os negócios; e precisamos nos certificar e assegurá-los de que esse... contratempo — franziu a testa com a palavra escolhida — não será um problema.
— O que vamos fazer? — perguntou Ângelo, impacientemente aguardando pela decisão de seu pai.
Luigi desviou seu olhar para o jovem com certa irritação, antes de direcioná-lo à , encontrando o olhar gélido da filha, e — finalmente — encarar , que parecia encolher sob o olhar minucioso do Consiglieri.
— Bom, Giuseppe sempre foi muito precavido e é claro que todas as suas ações foram sempre cuidadosamente registradas, sendo fácil, portanto, continuar seguindo seus planos. Além disso, como vocês sabem, ele sempre preferiu manter o negócio em família, e aqui — apontou para o rapaz — sempre esteve a par de todo o trabalho do pai, não é mesmo, meu jovem?
O rosto do rapaz se fechou em uma careta ao perceber onde o mais velho queria chegar com todo aquele discurso. Era evidente, enfim, porque fora chamado para aquela reunião, na qual nunca pôde fazer parte, nunca havia sido importante, mas agora precisavam dele. Seus pensamentos foram interrompidos pelo riso maquiavélico de Paola.
— Vocês querem deixar o dinheiro da famiglia nas mãos de uma criança? — questionou com amargura. — Giorgio, você não pode estar falando sério.
O maxilar de travou com a zombaria da mulher à sua frente, mas se manteve calado. Don Pellegrini olhou para a irmã com irritação.
— Sorella, quando a convidei para a mesa foi em respeito a seu marido, que não pôde estar aqui hoje, então por que não faz as honrarias de uma boa esposa e stai zitto, anotando tudo para entregar a ele depois?
Paola olhou para o irmão com uma raiva voraz fervilhando em seus olhos, mas apertou os lábios com força e se recostou na cadeira, mantendo-se calada, conhecia o irmão suficiente para saber que seu tom de voz era definitivo. O silêncio pairou no ambiente mais uma vez, sendo quebrado por um pigarro de Luigi que continuou seu discurso como se nada o tivesse interrompido.
— Como dizia, foi preparado por Giuseppe para este momento, ele sabe tanto quanto o pai e temos certeza de que fará um ótimo trabalho como novo tesoureiro da famiglia. Amanhã faremos sua cerimônia de iniciação.
olhou para com um olhar desolado, não tinha certeza de que seguir os passos do pai era seu desejo, mas não parecia haver qualquer margem para que tivesse alguma escolha. Ela o entendeu, mesmo sem palavras, e sua mão esquerda deslizou até a mão do amigo por debaixo da mesa, apertando-a suavemente para mostrar seu suporte.
— Muito bem, agora ao próximo tópico. Vincenzo. — Don cedeu a palavra ao filho mais velho, que apresentou um sorriso falso em agradecimento ao pai antes de iniciar seu discurso com a malícia usual.
— Grazie, papà. O próximo problema a ser resolvido... — pausou propositalmente, tentando causar algum suspense enquanto lançava um olhar calculista aos presentes — é a punição do traidor.
Ângelo sorriu ao lado do irmão, enquanto Don Pellegrini franzia o nariz em desgosto.
— Como vocês já devem imaginar... tudo indica que meu próprio irmão, , foi o causador dessa tragédia. — engoliu em seco observando o olhar calculista de Vicenzo, que tentava forçar uma mágoa inexistente. — Após refletirmos exaustivamente, chegamos à conclusão de que sua fuga foi praticamente uma confissão, o que nos resta agora é caçá-lo e puni-lo por sua traição.
A tensão na sala pareceu crescer ainda mais após as últimas palavras de Vincenzo, o coração de palpitava inquieto enquanto ela sentia a mão de envolver a sua com mais firmeza, e por mais que tentasse se concentrar no resto do discurso que Vincenzo continuava a fazer, sua mente perambulou pela última imagem que tinha de , a última vez que tiveram a oportunidade de estar sozinhos, a última vez que ouviu sua voz; e simplesmente não conseguia associar tudo que sabia dele com a imagem que agora tentavam pintar, a de um traidor. Ela se encontrava tão perdida em pensamentos que se surpreendeu ao perceber o rumo que o discurso de Vincenzo tomava.
— ... Por conta disso, chego à conclusão de que a melhor pessoa para o trabalho é, sem dúvidas, . — A reação na sala foi tão divergente que a própria levou um tempo a mais para processar o que acontecia. Luigi arfou como se tivesse levado um soco no estômago, vociferando como se a decisão de Vincenzo fosse uma ofensa pessoal.
— Mas o que é isso, Vincenzo? Deseja matar minha filha? — exclamou, recebendo o sorriso cínico do mais novo como resposta.
— Muito pelo contrário, Luigi, tenho absoluta confiança na competência de , tenho certeza de que esse trabalho não será nada extraordinário.
— Isso é insano — disse, surpreendendo a todos, se inclinando para a frente e tentando encontrar os olhos de . — , você não pode fazer isso. — A garota notou um misto de medo e aflição no olhar do rapaz, mas o que realmente chamou sua atenção foi o relicário pendurado em seu pescoço, o mesmo que ela o havia dado há tanto tempo, que mais parecia um sonho do que uma memória. Ela desviou os olhos do rapaz, focando novamente em Vincenzo enquanto ouvia a voz arrogante de Paola.
— a mãe do rapaz advertiu, transparecendo em sua voz o desgosto que essa atitude lhe trazia. Don permanecia em silêncio, assistindo com atenção o desenrolar dos fatos, mas após fitar a figura atlética e desafiadora de com um pouco mais de atenção, virou-se para o filho.
— Figlio, o que o faz pensar que é a pessoa certa para o trabalho? — Giorgio havia acompanhado à certa distância o desenvolvimento de : da menina rebelde e agressiva à uma profissional forte e imponente, mas sobretudo extremamente eficiente. Sempre ouvira sem dar muita atenção que, bastava ser designada a eliminar alguém, esse alguém certamente teria seus dias contados.
— Papà, eu mesmo me certifiquei de analisar todos os registros guardados por acerca de seus soldados e, ao menos nisso preciso dar o crédito a ele, os dados são muito bem-organizados e não resta dúvida de que os resultados de se destacam em relação aos demais. Além disso, ela foi pessoalmente treinada pelo meu fratello, como o senhor sabe, portanto ela deve saber como ninguém como ele pensa, estrategicamente falando. Do mais, creio que tenhamos de manter a missão em famiglia, quanto menos pessoas envolvidas nessa busca, mais controle teremos de seus desdobramentos, non è vero?
Luigi abriu a boca em sinal de contestação, mas antes que pudesse falar, foi interrompido por Giorgio, o qual tocou no ombro do amigo em advertência.
— Lui, mio amico, entendo sua preocupação, mas se é nossa melhor arma, temos de usá-la, independente dos riscos. Prima la famiglia.
A decisão de Don era sempre final, não havia margem para contestação ou argumentos. não teve chance de aceitar ou não sua nova missão, Luigi abaixou a cabeça, evitando o olhar da filha, sentindo que falhara com ela uma vez mais. , ao lado da mãe, não se atreveu a fazer nenhum outro comentário, mantendo os olhos fixos no copo de conhaque vazio que segurava com toda força. mantinha sua mão firmemente entrelaçada à de sua amiga, acariciando sua palma. Vincenzo sorria vitorioso, sabia que essa era a melhor estratégia para encurralar seu irmão.

— Bene, isso é tudo por hoje. , Luigi irá ajudá-lo nessa fase de transição enquanto você se adapta à sua nova função. , você responderá à Vincenzo, e somente a ele. Estão todos dispensados.
Enquanto todos saíam, se perguntava que tipo de controle Vincenzo esperava manter sobre ela, esquematizando o quanto poderia se manter independente, fingindo fazer o trabalho conforme suas ordens, mas ao mesmo tempo dando mais tempo para que pudesse se esconder e reunir — ela esperava — o máximo de provas possíveis da sua inocência. Se despedindo de com um abraço no hall de entrada, se dirigiu a seu Porsche apressadamente, sua mente maquinando e traçando rotas. Ela sabia que, se não quisesse ser encontrado, essa jornada provavelmente seria completamente em vão; mas uma parte de si gostava de acreditar que ele ansiava por vê-la tanto quanto ela ansiava por ele, e assim bastaria rastrear as “migalhas de pão” que ele jogara pelo caminho.


Continua...


Nota da autora: Sem nota.

Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.