Codificada por: Lightyear 💫
Última Atualização: 14/04/2025Eu e sempre estivemos presentes uma na vida da outra. Nascemos no mesmo ano, com apenas alguns meses de diferença, e nossas mães também eram grandes amigas desde a adolescência. Crescemos praticamente como irmãs, compartilhando aniversários, feriados e até viagens em família. Nossas infâncias foram entrelaçadas de forma tão natural que, em muitos momentos, era difícil saber onde a história de uma terminava e a da outra começava.
Lembro-me de como passávamos tardes inteiras planejando nosso futuro, prometendo que estaríamos juntas em cada etapa da vida. E agora, lá estava ela, prestes a se casar, enquanto eu seguia meu caminho ao lado de . A cada passo em direção ao salão, uma mistura de nostalgia e felicidade me preenchia. Era estranho pensar em como o tempo havia passado rápido, mas também era reconfortante saber que algumas amizades realmente resistem a tudo.
Assim que entramos no salão, avistei , o noivo de e também meu amigo de infância. Seu sorriso se abriu ao me ver, e eu não hesitei em abraçá-lo apertado.
— ! — ele disse com a voz calorosa, mas havia algo em seu tom que me fez franzir o cenho. — Eu preciso falar com você... a sós.
Antes que eu pudesse questionar, ele se virou para com um sorriso amigável.
— Será rapidinho! Preciso da ajuda dela com uma surpresa para a .
assentiu sem desconfiar de nada, e me puxou gentilmente pelo braço para fora do salão. Meu estômago se revirou com a expressão séria dele.
— , o que foi? — perguntei, já preocupada.
Ele segurou meus ombros com firmeza, me fitando nos olhos.
— O , ... ele veio.
— O quê? — soltei, sentindo o mundo girar por um instante.
Minhas pernas vacilaram e me apoiei nos braços de , tentando recuperar o equilíbrio. Senti a pressão baixar, e por um momento, o salão ao nosso redor pareceu distante.
Imagens de invadiram minha mente: nós dois rindo na infância, dividindo segredos na adolescência, e eu, completamente apaixonada por ele, mesmo sem coragem de admitir. E então, como um estalo, a lembrança do dia em que ele simplesmente desapareceu, sem explicações, há três anos…
— Como... como a sabia onde ele estava? — minha voz saiu fraca, quase num sussurro.
suspirou, apertando levemente meus ombros.
— Calma, . Não é tão simples assim. também ficou sem contato com ele por muito tempo. Ele apareceu de repente e... eu achei que você precisava saber antes de vê-lo.
Tentei controlar a respiração, mas meu coração batia acelerado. Parte de mim queria ir embora dali, mas outra parte... outra parte precisava entender o motivo de estar ali agora.
— Meu Deus , o que eu faço agora? — minha voz saiu embargada.
soltou um suspiro pesado e passou a mão pelos cabelos.
— Olha, fugir não vai resolver. Você sabe disso. Ele está aqui, e você vai acabar cruzando com ele em algum momento. É melhor encarar isso de frente.
— E se eu não conseguir? — sussurrei, sentindo o peito apertar.
— Você é mais forte do que pensa. Respira fundo, volta para o salão e tenta agir naturalmente. Se ele quiser falar com você, você decide o que fazer. Mas fugir agora só vai piorar as coisas.
Fechei os olhos por um instante, tentando absorver suas palavras. estava certo. Não tinha como evitar. Precisava enfrentar aquilo, por mais que doesse.
— Tudo bem, vou tentar. — minha voz ainda tremia, mas forcei um sorriso fraco.
sorriu de volta, apertando de leve meus ombros antes de me soltar.
— Eu estou aqui, qualquer coisa me chama, ok?
Assenti e, com o coração ainda acelerado, comecei a caminhar de volta para o salão, tentando reunir a coragem que eu sabia que precisaria.
Assim que entrei novamente no salão, meus olhos procuraram por — não, por . Lá estava ele, me esperando pacientemente com aquele sorriso calmo. Sem pensar duas vezes, caminhei até ele e o abracei com força, enterrando o rosto em seu peito. Como se aquele gesto pudesse me ancorar no presente, como se, ao sentir seu calor, eu pudesse afastar os fantasmas do passado.
me envolveu nos braços, surpreso com a intensidade do abraço, mas logo afagou meus cabelos.
— Está tudo bem? — ele perguntou baixinho.
Fechei os olhos por um segundo e respirei fundo.
— Está sim — respondi, sem muita convicção, mas precisava acreditar nisso. Porque naquele momento, era o meu agora. E eu precisava me lembrar disso.
Quando ergui o olhar, encontrei do outro lado do salão. Nossos olhos se cruzaram e, naquele instante, não foram necessárias palavras. Ela caminhou até mim e me envolveu em um abraço apertado. Não precisávamos dizer nada; aquele gesto dizia tudo. Ela entendia o turbilhão que se passava dentro de mim, e eu sabia que podia contar com ela.
Ficamos assim por alguns segundos, apenas nos apoiando em silêncio, até que sussurrou:
— Vai ficar tudo bem.
— O salão está lindo, . Estou tão orgulhosa de você. Você e o merecem toda a felicidade do mundo. — sorri, apertando-a com carinho.
sorriu emocionada, seus olhos brilhando.
— Obrigada, . Ter você aqui comigo faz tudo ser ainda mais especial.
, com um sorriso animado, cumprimentou calorosamente.
— Vocês precisam ser os próximos, hein! — brincou, lançando um olhar divertido.
riu, passando o braço ao redor da minha cintura.
— Não pretendo demorar. — disse com convicção.
Soltei uma risada nervosa, apoiando-me nos ombros dele. Ele não percebeu nada, mas eu sentia o nervosismo crescendo em meu peito.
Logo depois, seguimos juntos cumprimentando os conhecidos pelo salão. Cada sorriso trocado e cada palavra dita pareciam cada vez mais distantes enquanto meu coração batia descompassado, antecipando um reencontro que eu não sabia se estava pronta para enfrentar.
Enquanto cumprimentávamos os convidados, o salão estava repleto de amigos de infância e novos rostos. Sorrisos eram trocados, memórias compartilhadas. Eu e nos aproximamos de uma mesa onde alguns amigos já estavam sentados. Cumprimentamos todos com abraços e apertos de mão calorosos.
Sentamos lado a lado, e , carinhoso, depositou um beijo leve em meus lábios. Correspondi com um sorriso tênue, mas algo dentro de mim parecia inquieto.
Meus olhos vagaram pelo salão, distraídos, até pararem na mesa de doces. Foi então que o tempo pareceu parar…
.
Ele estava ali, parado, recém-saído do banheiro. Seus olhos estavam fixos em mim e em . Havia surpresa e algo mais naquele olhar — algo que fez meu coração vacilar.
Meu corpo congelou. O passado e o presente colidiram de forma brutal. E eu não fazia ideia de como lidar com isso.
Por um momento, ele permaneceu paralisado, como se estivesse processando o que via. Então, como se despertasse de um transe, piscou algumas vezes. Nesse instante, inclinou-se em minha direção e sussurrou algo em meu ouvido, arrancando de mim um sorriso fraco. Quando voltei a olhar para a mesa de doces, vi ajeitando a postura e caminhando em direção a uma cadeira vaga, exatamente de frente para onde eu e estávamos.
Meu corpo congelou outra vez e eu torci que nem ele, nem percebessem nada.
— ! — o meu nome saiu dos lábios carnudos dele. — Você demorou…
parecia sair de um transe. Seu olhar vacilou, mas logo se recompôs. A voz firme contrastava com o nervosismo que ele tentava esconder.
Minha respiração falhou. Eu não sabia se respondia ou se fingia que não era comigo. Senti apertar de leve minha mão, alheio ao turbilhão que acontecia dentro de mim.
O passado estava sentado à minha frente, desafiando-me a encarar tudo o que eu tentei esquecer.
Minha garganta secou. Senti o peso das palavras dele me atingir, mas reuni coragem e o encarei por alguns segundos. Os olhos de pareciam procurar algo nos meus, como se quisesse decifrar quem eu me tornara.
— ... — minha voz saiu baixa, quase um sussurro.
Ele sustentou meu olhar por um instante antes de desviar, passando a mão pelo cabelo em um gesto nervoso.
— Achei que nunca mais fosse te ver — ele disse, com um sorriso leve, mas havia algo quebrado ali.
Meu peito apertou. Lembrei-me de todos os momentos que passamos juntos, de como ele desapareceu sem explicações.
Antes que eu respondesse, apertou suavemente minha mão sobre a mesa outra vez, alheio à tensão. percebeu o gesto e sua expressão vacilou por um segundo antes de se recompor.
— Também achei que nunca mais fosse ver você… três anos não são três meses não é? — respondi depois de engoli seco, deixando transparecer um pouco demais minha frustração há tanto tempo contida.
arregalou levemente os olhos, claramente não esperando a minha investida. Mas ele optou por apenas balançar a cabeça, concordando.
— Concordo… em três anos muita coisa pode mudar, não é ? — os olhos dele desceram para minha mão entrelaçada a de .
Eu apertei a mão de que apertou-a de volta como se naquele momento entendesse um pouco da tensão do momento.
— Com licença, eu vou ver se precisa de ajuda com alguma coisa. Você pode vir comigo, ?
Com um suspiro discreto, me levantei da cadeira, tentando disfarçar o nervosismo que me corroía por dentro. me seguiu sem hesitar, mas antes de dar os primeiros passos, ele lançou um olhar rápido para , como se tentasse entender o que estava acontecendo, mesmo sem conhecê-lo direito. O gesto foi sutil, mas o suficiente para eu sentir um frio na espinha. Ele estava alerta, e isso só aumentava a tensão que já estava presente entre nós três.
Ao sairmos, fui diretamente até a cozinha, tentando focar no que estava à minha frente. Quando passei pela porta, o ambiente mais calmo me ajudou a respirar um pouco melhor. Ainda assim, meu corpo estava tenso, como se cada movimento fosse monitorado.
— Alguma coisa sobre esse cara que você queira me contar? — perguntou, com um tom mais suave, mas a pergunta parecia um peso, a voz dele carregada de curiosidade e algo mais. Ele se aproximou, buscando meus olhos, e eu sabia que ele não iria desistir de obter uma resposta.
Parei por um momento, encarando a bancada da cozinha. Minhas mãos estavam tremendo um pouco. Eu queria ser honesta, mas, ao mesmo tempo, não sabia se estava pronta para compartilhar tudo. A dor do passado parecia pronta para explodir, e eu não queria que ele fosse vítima disso. Ou pior, que ele se afastasse por não entender as complexidades do que a volta de havia causado em mim.
— Não é nada, … — Minha voz saiu mais fraca do que eu esperava, e mesmo sabendo que ele não iria aceitar uma resposta simples, o silêncio entre nós era denso demais.
se aproximou ainda mais e, antes que eu pudesse reagir, segurou minha mão, agora visivelmente mais apreensivo.
— Eu entendo, . Mas me avise quando você se sentir pronta para falar. Eu estou aqui para você, sempre estarei.
Eu olhei para ele, as palavras ficaram presas na garganta, mas naquele instante, percebi que ele não estava apenas tentando me proteger, mas se oferecendo para estar ao meu lado, independentemente de tudo o que eu passava. Isso me trouxe um conforto imenso, e, por mais que não tivesse encontrado palavras para expressar isso, meu olhar disse tudo.
Olhei para e, antes de seguir, dei-lhe um beijo lento na bochecha, como se tentasse afastar o turbilhão de pensamentos que se acumulava dentro de mim. Ele me olhou com um sorriso gentil, apertando suavemente minha mão antes de eu me afastar.
— Você precisa de ajuda com alguma coisa, ? — perguntei, tentando manter a voz firme, mas o nervosismo ainda me traía.
sorriu para mim, como sempre, e, com um gesto acolhedor, respondeu:
— Você é minha convidada, ! Vá se sentar e se divertir, por favor. Eu já tenho ajuda com tudo aqui.
Eu senti o peso das palavras dela, e um pequeno sorriso apareceu no meu rosto, um sorriso que tentei fazer parecer genuíno. Agradeci com um gesto e me afastei, caminhando na direção oposta. Quando passei pela porta da cozinha, vi e conversando entre si em um canto do salão, mas não consegui ouvir o que diziam. Era como se a conversa deles fosse a última coisa que eu conseguisse processar naquele momento.
Voltei à mesa e sentei-me novamente, sentindo a tensão voltar a me consumir. Cada respiração parecia mais pesada. , que estava se divertindo com alguém na mesa, se virou para me olhar de maneira debochada, como se tivesse esperado o momento certo para lançar sua provocação.
— Não vai me apresentar seu namorado, ? — ele perguntou, seu tom irônico, deixando claro o prazer que ele tinha ao me fazer sentir desconfortável.
Fui tomada pela raiva, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de impotência. Em vez de responder à provocação, optei por ignorá-lo, como se ele não fosse mais uma parte do meu mundo. Não valia a pena ceder àquilo. Fiquei em silêncio, tentando desviar o olhar, mantendo-me focada no que estava à minha frente.
O silêncio entre nós dois foi o suficiente para mostrar que, para mim, o passado estava fechado.
— Precisamos conversar … não pode fugir de mim o tempo todo!
Eu respirei fundo, tentando acalmar a tempestade que se agitava dentro de mim, e o encarei. Meu coração batia forte, como se protestasse contra a proximidade dele.
Meus olhos passearam por seu rosto, absorvendo cada traço com uma mistura de familiaridade e estranheza. Ele estava mais velho, mas ainda era . O mesmo olhar intenso, os lábios sempre prontos para um sorriso irônico, a postura descontraída como se o mundo não pudesse abalá-lo. Mas havia algo diferente—uma sombra no brilho de seus olhos, um peso invisível que antes não estava ali.
Os anos tinham passado, e embora ele ainda carregasse a essência do garoto que partiu sem olhar para trás, eu conseguia ver as mudanças sutis. O maxilar parecia mais marcado, os traços mais maduros, e até a forma como ele me olhava carregava uma profundidade que antes eu não reconhecia.
Eu umedeci os lábios, sentindo minha garganta seca. Parte de mim queria perguntar o que ele estava fazendo ali, por que tinha voltado, mas a outra parte se recusava a lhe dar essa satisfação.
— Eu não estou fugindo de você. — Minha voz saiu firme, mas baixa, como se temesse que alguém mais ouvisse.
Ele soltou um riso abafado e apoiou o cotovelo na mesa, inclinando-se ligeiramente em minha direção.
— Ah, … — ele suspirou, balançando a cabeça devagar. — Ainda mente muito mal.
Engoli em seco, mantendo o olhar preso ao dele. Eu não podia demonstrar fraqueza. Não depois de tudo.
— Quem foge aqui é você … — eu sussurrei para que só ele pudesse ouvir e o vi abaixar o olhar, parecendo ofendido.
— E eu tive inúmeros motivos para isso. Espero que possa me ouvir, em algum momento. Mas por hora, acho melhor nós não estragarmos o noivado da e do .
— Você já estragou, ainda não entendeu? — Me levantei bruscamente, fazendo a cadeira soltar um rangido seco e estridente, raspando contra o piso polido do salão.
O som ecoou pelo ambiente, cortando por um instante o burburinho das conversas ao redor. Algumas pessoas se viraram para olhar, mas eu não me importei. Meu peito subia e descia rapidamente, a raiva pulsando em minhas veias.
O barulho pareceu chamar a atenção de que olhou na minha direção e depois na direção de , e então eu caminhei na direção do meu namorado que acabou vindo em minha direção também, com o semblante preocupado. , percebendo o que podia ter acontecido, soltou um suspiro e então foi em direção à Suno.
— O que aconteceu? Qual é a de vocês com aquele cara ? Porque está me escondendo alguma coisa?
O tom na voz de era sério, mas não soava como uma acusação. Havia preocupação ali, um cuidado genuíno que fez meu peito apertar. Ele não parecia irritado, nem ofendido, apenas confuso e tentando entender o que estava acontecendo.
Engoli em seco, sentindo meu coração acelerar. Eu não queria mentir para ele, mas também não sabia como dizer a verdade. Como explicar ? Como colocar em palavras tudo o que aquele reencontro significava para mim?
— … — comecei, mas minha voz falhou.
Ele segurou minha mão com delicadeza, os olhos buscando os meus.
— Você está tremendo — ele constatou, apertando meus dedos com mais firmeza. — , me diz… quem é ele?
Minhas mãos ficaram geladas. Eu sabia que precisava responder, mas as palavras pareciam presas na minha garganta.
Ao longe, vi se aproximando de e dizendo algo em um tom baixo, mas firme. Meu peito subia e descia de forma irregular. Tudo isso estava acontecendo rápido demais.
esperava, paciente, sem soltar minha mão.
Eu precisava dizer algo. Mas será que estava pronta para isso?
’s POV:
— , por favor! — colocou uma das mãos sobre meu ombro com firmeza — Vamos tomar um ar? Vem.
Ele fez um sinal indicativo com a cabeça para a parte de fora do salão e eu, ainda atônito com toda a atenção sendo desperdiçada para mim, apenas me levantei e o segui.
Chegando lá fora, eu e nos encaramos e ele soltou um longo suspiro.
— Me desculpe hyung. Eu não deveria ter aparecido do nada, eu deveria ter confirmado a minha presença e aviso á vocês dois com antecedência que estaria aqui… na verdade, agora eu me pergunto se fiz bem em ter voltado. Não pareço mais ser querido aqui, então pode ter sido uma perda de tempo.
A dor evidente em minha voz soou de forma surpreendente até para mim mesmo, e eu engoli o choro que se formava em minha garganta, não querendo parecer ainda mais patético.
— … — se aproximou de mim, voltando a colocar sua mão em meu ombro — Não foi uma perda de tempo. Você é muito querido e muito bem vindo no meu noivado e da , nós sentimos muito a sua falta. Agora é como se finalmente estivéssemos todos aqui onde deveríamos ter permanecido, é como se estivéssemos completos com você de volta.
— Não parece! — sussurrei voltando a encher os olhos de lágrimas — A , ela…
Minha voz falhou, e eu senti as lágrimas teimosas escorrerem antes mesmo de poder contê-las.
não hesitou. Em um movimento firme, mas cheio de cuidado, ele me puxou para um abraço apertado, deixando uma mão em minha nuca e a outra dando leves tapinhas reconfortantes em minhas costas. Fechei os olhos, sentindo o calor do gesto, mas isso só fez com que as lágrimas caíssem ainda mais rápido.
— Tá tudo bem, — ele murmurou, sua voz baixa e compreensiva. — Você não precisa carregar tudo sozinho. A , ela… ah cara! Vocês eram melhores amigos, moravam lado a lado, e eram muito grudados, ela nunca aceitou a sua partida repentina.
Quando nos separamos, ainda me olhava nos olhos enquanto eu enxugava as lágrimas.
— A gente nunca entendeu o que aconteceu, os seus pais só disseram que você decidiu estudar fora e nem eles passavam notícias suas para a gente. Foi muito difícil para a , ela sofreu muito cara, você não faz ideia do quanto.
Eu sabia! Era claro que eu sabia que, para ela, mais do que para qualquer um dos nossos amigos, teria sido mais difícil. sempre foi intensa em tudo que fazia, sempre demonstrou seus sentimentos de forma tão genuína que era impossível não sentir a profundidade deles. E eu conhecia aquele coração melhor do que ninguém.
E foi exatamente por isso que também foi insuportável para mim.
Eu não parti por querer. Eu não cortei o contato porque quis esquecê-los. Eu fui arrancado da minha vida, do lugar onde cresci, das pessoas que eu amava. E o pior de tudo? Fui arrancado dela.
Nos primeiros meses, cada dia longe foi uma tortura. Eu acordava e, por um segundo, esquecia que estava em outro lugar. Instintivamente, pegava o celular para mandar uma mensagem para ela, contar sobre algo idiota que me fez lembrar dela, perguntar como estava seu dia… Mas então a realidade me atingia como um soco. Eu não podia falar com ela. Eu não podia falar com ninguém.
Eu sabia que me odiaria. Eu sabia que ela se sentiria abandonada, e esse pensamento me corroía por dentro. Porque, se para ela foi difícil, para mim foi um inferno.
E agora, vê-la me olhando daquela forma, com mágoa, raiva e talvez até desprezo, me fazia perceber o quanto eu realmente tinha perdido.
— Dá um tempo para ela! Ela precisa se acostumar com sua volta tão repentina quanto a sua ida, sabe?
— A vida dela seguiu… — Voltei a limpar uma lágrima silenciosa que escorreu novamente.
— Seguiu , a nossa vida seguiu! A sua também seguiu, não foi?
Eu balancei a cabeça em negativa e então terminei de limpar mais algumas lágrimas.
— Eu não sei, ! A minha vida foi um emaranhado de bagunça e estranhamento depois que eu fugi daqui!
ficou em silêncio, apenas me observando, esperando que eu continuasse.
— Nada nunca pareceu certo, sabe? Como se eu estivesse vivendo a vida de outra pessoa, preso em um roteiro que eu nunca escolhi. Acordava todos os dias e fazia o que esperavam de mim, mas nada realmente me preenchia. Era como se... como se eu estivesse sempre esperando algo que nunca chegava.
Eu soltei um suspiro pesado, passando as mãos pelo rosto.
— Eu tentei seguir em frente, juro que tentei. Fiz novos amigos, aprendi coisas novas, conheci lugares que nunca imaginei… Mas no final do dia, a sensação era sempre a mesma: de que eu estava deslocado, vivendo no piloto automático. A casa nova nunca foi um lar. As pessoas ao meu redor nunca foram realmente meus amigos. E, por mais que eu tentasse, nenhuma delas era a ou o , e nenhum de vocês.
Eu ri sem humor, olhando para .
— Engraçado, né? Passei anos tentando acreditar que fiz o certo, que fui forte o suficiente para seguir em frente… Mas bastou olhar para ela de novo para perceber que eu só estava fingindo esse tempo todo.
— Vocês precisam de uma conversa . Uma conversa sincera. Mas dê tempo ao tempo.
— Mais? Hyung, já foram três anos. Ela está namorando…
Balancei a cabeça, incrédulo, como se dizer aquilo em voz alta tornasse aquela realidade ainda mais dura de encarar.
— O é um cara bacana, você vai gostar dele.
— Eu acredito que ele seja, a não namoraria qualquer um. Mas, gostar dele?
Cruzei os braços abaixo do peito, balançando a cabeça devagar. O gesto era automático, quase infantil, e por um momento me senti como uma criança birrenta que não aceitava perder seu brinquedo favorito.
Gostar dele? Como eu poderia? poderia ser um cara bacana, eu suspeitava disso, mas isso não mudava o nó no meu estômago ao vê-lo ao lado dela. Não mudava a sensação de que eu havia chegado tarde demais, de que tudo aquilo que um dia foi nosso já não me pertencia mais.
suspirou ao me observar, como se pudesse ler cada pensamento que passava pela minha mente. Ele sempre teve esse dom.
— …
— Eu sei, hyung. — O interrompi antes que ele tentasse dizer algo para me confortar. — Eu sei que sou eu quem está errado aqui. Não tenho o direito de sentir nada disso, muito menos de esperar qualquer coisa dela depois de tanto tempo.
Minha própria voz soava frustrada, cansada. Passei uma mão pelos cabelos, tentando aliviar a pressão que parecia crescer dentro de mim.
— Mas como eu faço para simplesmente… parar?
— E pior. Como vai ser quando você ver o depois de todo esse tempo de novo? Pensou nisso?
Fechei os olhos com força, como se isso pudesse bloquear a tempestade de sentimentos que o nome dele despertava em mim.
…
Eu não tinha pensado nisso até agora. Ou melhor, tinha evitado pensar. Evitei tanto que a simples menção do nome dele fez minha respiração vacilar por um segundo.
não era só um amigo de infância, ele era o amigo. O meu melhor amigo. E, ao mesmo tempo, a origem de todas as dúvidas que me assombraram desde que fui embora.
Nós crescemos juntos, dividimos segredos, risadas, sonhos... e, um dia, dividimos algo mais. Um beijo.
Foi "por curiosidade", — pelo menos foi o que dissemos um para o outro. Só uma experiência, nada demais. Mas, a partir daquele momento, nada mais foi como antes para mim.
Porque eu continuei pensando nisso.
Porque me peguei olhando para ele de um jeito diferente.
Porque me perguntei, inúmeras vezes, se aquilo significava algo mais.
E então… eu fugi.
A verdade é que ir embora não foi só sobre . Foi sobre ele também.
E agora eu estava de volta. E teria que encará-lo também.
ainda me olhava nos olhos, com as mãos nas minhas, o cenho franzido e eu devia uma explicação á ele. Mas eu não podia terminar de estragar o noivado da e do , não era justo nem em um milhão de anos.
— … — minha voz saiu baixa, quase num sussurro. — Ele era meu melhor amigo de infância.
Vi o franzir do cenho dele se intensificar, mas ele permaneceu em silêncio, me deixando continuar.
— Nós éramos vizinhos. Ele é o filho do senhor e da senhora , que moram até hoje ao lado da casa dos meus pais… a gente cresceu juntos, praticamente grudados. — Desviei o olhar por um momento, tentando manter a compostura — E então, há três anos, ele simplesmente… desapareceu.
As palavras pesaram entre nós. Voltei a olhar para , com um nó apertado na garganta.
— Ele foi embora sem dizer nada. Nenhuma despedida, nenhuma explicação. Só... sumiu.
Soltei um suspiro, apertando de leve as mãos dele entre as minhas.
— E isso me feriu mais do que eu consigo explicar.
Era tudo o que eu conseguia dizer. Tudo o que eu podia revelar naquele momento, sem virar a noite de alguém que não merecia carregar meu passado.
ficou em silêncio por alguns segundos, e eu temi que ele estivesse tentando absorver tudo. Seu olhar baixou para nossas mãos entrelaçadas, e então voltou para o meu rosto. Mas o que eu vi ali não foi julgamento — foi empatia.
Ele respirou fundo antes de dizer, com a voz tranquila:
— Obrigado por me contar isso.
Minha garganta apertou.
— Eu sei que não é fácil falar sobre certas coisas… principalmente quando elas ainda machucam.
Ele levou uma das mãos ao meu rosto, com um carinho que me desmontou por dentro.
— Eu não vou te pressionar, . Mas quero que saiba que estou aqui, tá? Do seu lado.
Fechei os olhos por um instante, absorvendo aquelas palavras e o toque dele. Eu não o merecia. Não depois de tudo o que estava sentindo. Mas no fundo, era justamente por ele ser assim — inteiro, sincero, disposto — que tudo parecia tão confuso agora.
— Obrigada, . — murmurei.
Ele apenas sorriu e me puxou de leve para um abraço. E eu me permiti, mesmo com o coração bagunçado. Porque, naquele momento, era o melhor que eu podia fazer.
Voltamos juntos para o salão. A música suave preenchia o ambiente, os convidados riam, brindavam, e tudo parecia ter voltado ao seu ritmo normal — menos meu coração, que ainda batia em descompasso.
entrelaçou os dedos aos meus, e seguimos até a mesa onde alguns amigos comentavam sobre a decoração, a comida e o quanto estava linda naquele vestido branco com detalhes em renda. Eu tentava sorrir, responder a todos com simpatia, mas minha atenção estava fragmentada.
Foi quando meus olhos se moveram instintivamente para o outro lado do salão.
E lá estava ele.
havia voltado para a festa. Agora estava próximo dos pais do , em pé ao lado do casal, trocando algumas palavras com um sorriso discreto no rosto. Seus ombros ainda pareciam tensos, mas ele mantinha uma postura educada, cordial, quase como se estivesse acostumado a fingir que tudo estava bem.
Como se sentisse meu olhar, ele ergueu os olhos e me viu.
E de novo, o tempo pareceu pausar.
Não havia raiva no olhar dele. Também não havia arrogância, nem aquele sorriso provocador que ele costumava lançar quando queria me desequilibrar. Havia algo mais simples — uma tristeza quieta, uma saudade silenciosa que atravessou o salão e se instalou em mim como uma brisa gelada.
Nossos olhares se prenderam por tempo demais para ser casual.
Até que puxou levemente minha mão, distraído, pedindo algo sobre os docinhos da mesa.
Desviei os olhos de imediatamente, como quem acorda de um devaneio. E sorri, respondendo a qualquer coisa sobre os brigadeiros, como se meu peito não estivesse prestes a desabar.
Mas, por dentro, eu sabia. Nada estava igual.
E não havia mais como fingir.
— Finalmente! — apareceu ao meu lado como um furacão vestido de branco e brilho nos olhos. — Eu estava prestes a arrastar vocês dois pela gravata e pelo braço!
riu, erguendo as mãos em rendição.
— A culpa foi minha. Roubei sua madrinha por uns minutos, precisava de um tempinho com ela.
arqueou uma sobrancelha, divertida, e então me olhou com mais atenção. Seus olhos, treinados por anos de amizade, varreram meu rosto até encontrar o vestígio do que eu tentava esconder.
Ela não disse nada de imediato. Apenas segurou minhas mãos com força, como se fosse capaz de me ancorar com um simples toque.
— Tá tudo bem? — perguntou em voz baixa, só para mim.
— Tá. — assenti com um sorriso que não enganaria ninguém — Ou pelo menos vai ficar.
Ela me abraçou com força, como se não precisasse de mais explicações.
— Você sabe que eu tô aqui, né? Sempre. — murmurou contra meu ombro.
— Eu sei, Min. — sussurrei de volta, deixando o queixo descansar um segundo em seu ombro antes de soltá-la. — E você tá linda. Isso aqui tudo tá lindo. Eu tô tão feliz por você.
Ela sorriu largo, os olhos marejados.
— Eu tô feliz por mim também. E por ter você aqui. Mesmo que a vida insista em testar a gente de vez em quando...
Não era apenas sobre o casamento. Era sobre também. Ela sabia. sempre soube mais do que dizia em voz alta.
— Agora — disse ela, animando-se — vamos aproveitar, pelo amor de Deus! Daqui a pouco vai começar a dança dos noivos, e depois disso ninguém segura minha mãe com o microfone.
Rimos, e por alguns instantes o peso no meu peito pareceu mais leve. Mas, mesmo com o salão voltando a girar em risos e luzes ao nosso redor, eu sabia que a noite estava longe de terminar.
Porque o passado estava ali. E mais cedo ou mais tarde, ele me alcançaria de novo.
A música suave começou a tocar e as luzes do salão se ajustaram, criando uma atmosfera romântica, envolta por pequenos pontos dourados vindos da iluminação decorativa.
e foram os primeiros a ocupar o centro do espaço reservado para a dança. Ele a girou com leveza, e o sorriso dela — tão aberto, tão genuíno — contagiou todos ao redor. Logo depois, os casais começaram a ser convidados a se juntar a eles. Risos, olhares cúmplices e mãos entrelaçadas preencheram o salão.
se voltou para mim com a mão estendida e aquele sorriso carinhoso no rosto.
— Me concede essa dança, senhorita?
Soltei uma risadinha, mesmo com o coração ainda um pouco apertado.
— É claro, cavalheiro da fila dos doces.
Fomos juntos até o centro do salão e, em poucos segundos, ele me puxou delicadamente pela cintura, me conduzindo com facilidade pelos primeiros passos da música. Ele me olhava com atenção, como se o mundo à nossa volta tivesse se dissolvido.
Seus dedos firmes em minha cintura me guiavam com segurança. Seus olhos, atentos aos meus. Em certo momento, ele deslizou a mão até o meio das minhas costas, puxando-me com mais carinho, e depositou um beijo leve no topo da minha cabeça. Logo depois, sua boca roçou minha bochecha, e, quando nossos olhos se cruzaram, ele sorriu e beijou suavemente meus lábios.
Eu retribuí. Ou ao menos tentei.
Mas algo em mim parecia distraído demais para estar inteira ali.
’s POV:
Do outro lado do salão, em meio a conversas dispersas e a trilha romântica que preenchia o ar, eu observava.
Meus olhos estavam nela.
.
Ela dançava com ele como se aquilo fosse natural, e talvez fosse. Talvez agora o corpo dela já estivesse acostumado a ser guiado por outra presença. Talvez os passos combinassem, o toque fosse familiar, e o beijo, previsível.
O tal a conduzia com leveza, como se soubesse exatamente o tempo do corpo dela, como se cada curva, cada suspiro, fosse algo que ele já havia decorado. Suas mãos apertavam a cintura dela com firmeza e cuidado. E então, como se aquilo fosse corriqueiro, ele beijou sua cabeça. Depois, sua bochecha. E por fim… seus lábios.
Engoli em seco.
Um nó se formou na minha garganta e me vi paralisado, como se minha presença ali não tivesse mais propósito.
Três anos. Três anos e eu ainda não tinha conseguido me envolver com ninguém. Nem mulher. Nem homem.
Lembrei de quando beijei aquela garota aleatória no último ano da escola, só porque “era o que todo mundo fazia”. Só porque eu queria “perder o BV de mulher”. Mas não conseguia nem lembrar da sensação daquele beijo. Não havia gosto, não havia calor. Apenas uma pressão social absurda que me fez sorrir falsamente no dia seguinte.
Desde , eu nunca mais me atraí por nenhuma garota.
E agora, vendo ela nos braços de outro cara, me perguntei: qual seria mesmo a sensação de ser desejado de volta por ela? De ser tocado com aquela mesma ternura, de merecer aquele tipo de atenção?
Meus pensamentos estavam a mil, desorganizados, confusos. E então, como se o nome estivesse trancado em algum lugar da minha mente, ele apareceu: .
Um novo tipo de nó se apertou no meu peito.
O primeiro beijo que me desestabilizou. O que não deveria ter significado nada, mas significou tudo. Ele riu depois, me dando um tapa leve na cabeça e dizendo “curioso, né?”, como se fosse qualquer coisa. Mas pra mim, aquilo não foi “só curiosidade”. Aquilo foi o começo da confusão que me acompanharia por todos os anos seguintes.
Era . Era . Era eu. E era o vazio no meio disso tudo.
A música seguia, os casais giravam, os sorrisos surgiam como flashes. Mas dentro de mim, o caos permanecia — silencioso, sufocante, e ainda sem resposta.
Estava tão imerso nos meus próprios pensamentos que quase não percebi quando a porta lateral do salão se abriu discretamente. Apenas ouvi o leve ranger da madeira e um burburinho abafado que se seguiu. Mas algo me fez virar o rosto naquela direção. Talvez instinto. Talvez… destino.
E lá estava ele.
.
Mais alto, mais maduro… mas ainda com aquele mesmo jeito despreocupado de quem chega sorrindo para o mundo. Os cabelos estavam um pouco mais compridos, caindo de leve sobre a testa, e ele usava um blazer escuro por cima de uma camiseta branca simples, como se aquele equilíbrio entre o casual e o elegante fosse algo natural.
Por um instante, o tempo pareceu parar — de novo.
Meus olhos ficaram presos nele como se eu tivesse visto um fantasma. E, de certa forma, tinha mesmo.
O fantasma de quem eu fui ao lado dele.
Vi alguns dos nossos amigos de infância o notarem e acenarem animados. , do outro lado do salão, abriu um sorriso largo e foi em sua direção para abraçá-lo. também se aproximou, dizendo algo que o fez rir. O som da risada dele, mesmo abafado pela distância, mexeu em algo dentro de mim. Algo que estava adormecido, mas nunca esquecido.
ainda não me viu. Ou se viu, fingiu muito bem.
E talvez fosse melhor assim.
Meu estômago se revirava. A presença dele misturava-se ao caos que já habitava meu peito desde que reencontrei . As memórias não pediram permissão para retornar.
A noite em que nos beijamos “por curiosidade”.
O jeito como eu fiquei calado por dias depois.
O quanto me senti culpado por ter gostado.
E o quanto me senti ainda mais perdido quando ele agiu como se não tivesse significado nada.
Mas significou tudo.
E agora, os dois estavam ali. , dançando com outro homem. , entrando de novo na minha vida com aquele sorriso despreocupado.
E eu?
Eu era só o cara que ficou preso no tempo.
’s POV:
— Até que enfim, hein! — disse assim que me viu cruzar o salão, os braços já abertos para um abraço apertado.
— Demorei, mas cheguei inteiro — brinquei, retribuindo o gesto com carinho.
veio logo atrás dela e me deu um soquinho no ombro, seguido por um daqueles abraços rápidos de quem tem história demais pra resumir em palavras. Era bom estar ali. Era bom ver que, apesar do tempo, algumas conexões permaneciam intactas.
— E aí, onde tão os outros? Cadê o pessoal?
— Todo mundo espalhado pelo salão — respondeu com um sorriso. — Você chegou bem na hora da dança.
— E falando em todo mundo… — cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, o tom brincalhão sumindo da voz — tem alguém aqui que acho que você não esperava ver.
franziu a testa.
— Quem?
e trocaram um olhar breve. Ela foi quem falou:
— O . Ele veio.
Por um instante, tudo pareceu ficar em silêncio.
piscou algumas vezes, como se o nome tivesse sido jogado ao acaso e ele precisasse de um tempo para processar.
— …? — repetiu baixo, quase num sussurro. — Ele tá aqui?
assentiu devagar.
— Foi um dos primeiros a chegar. De surpresa. Tá… ali. — Ele fez um leve movimento com o queixo, indicando uma das mesas próximas à pista de dança, onde ainda observava tudo em silêncio.
Minhas pernas pareciam coladas ao chão, mesmo com minha cabeça implorando para que eu me movesse dali. Parte de mim queria atravessar o salão, chamar pelo nome dele e fingir que tudo aquilo não tinha sido tão grande. Mas a outra parte, a que estava quieta por anos, sussurrava que não ia ser simples assim.
Eu não fazia ideia de como ele reagiria. Nem de como eu reagiria, se ele me olhasse nos olhos e sorrisse daquele jeito meio tímido que só ele tinha. Ou pior… se ele fingisse que nada nunca aconteceu.
Passei uma das mãos na nuca, tentando aliviar a tensão que se acumulava ali. O ambiente parecia quente demais de repente.
O beijo veio à mente de novo. Quase como um flash.
A gente rindo de algo idiota, as luzes da sala apagadas, só a televisão ligada. O silêncio que caiu do nada. E depois… O beijo.
Curto. Cauteloso. Mas cheio de algo que eu, na época, não soube nomear.
Nós dois, especialmente eu, disse que era só curiosidade. Que era coisa de amigos, de moleques crescendo, aprendendo.
E eu quis acreditar nisso. Quis muito.
Mas passei dias depois me perguntando se ele sentiu o mesmo calor que percorreu meu corpo. Se ele também ficou encarando o teto, madrugada adentro, pensando no gosto daquilo.
E então ele sumiu.
Sem aviso, sem bilhete, sem despedida.
Levou com ele as respostas que eu nunca tive coragem de pedir.
— Você tá bem? — perguntou, me tirando dos pensamentos.
Assenti com a cabeça, mas ela me olhou como quem sabia que não era bem assim. também, mais quieto agora.
— Eu preciso de um minuto — falei, com a voz mais baixa do que pretendia. — Só um minuto.
Saí andando antes que eles tentassem me convencer do contrário. Meus passos me levaram até uma das varandas do salão, onde a brisa noturna bateu no meu rosto e trouxe algum alívio.
Fechei os olhos.
Como se olha de novo pra quem bagunçou tudo dentro de você?
E pior…Como se encara alguém que talvez nem saiba o estrago que causou?
O ar do lado de fora estava um pouco mais frio, o que me ajudava a manter o controle. A brisa batia no meu rosto, bagunçando meus cabelos e empurrando pra longe, ainda que por pouco tempo, a confusão que rodava dentro de mim.
Apoiei os braços no parapeito da varanda e olhei para o céu escuro. Nenhuma estrela visível — só nuvens e aquele típico brilho urbano que tornava tudo menos romântico e mais real.
Fechei os olhos, respirei fundo.
Queria tempo. Tempo para voltar a entender o que sentia, o que aquilo significava.
Mas o tempo não parecia disposto a colaborar.
Ouvi passos atrás de mim. Leves, mas hesitantes.
Não precisei me virar para saber. Eu sabia.
Minha espinha enrijeceu, os dedos se apertaram sobre o parapeito. E, ainda assim, não me virei de imediato. Parte de mim precisava ter certeza de que não era apenas mais um fantasma na minha cabeça.
— ...
A voz dele.
A mesma.
Baixa, suave, como se estivesse pisando em terreno sagrado.
Me virei devagar. Não queria que ele visse o quanto minhas mãos tremiam.
Ele estava parado a poucos passos de mim, as mãos enfiadas nos bolsos da calça, o olhar perdido entre mim e o chão.
— Eu... te vi sair — ele disse, como se aquilo justificasse tudo. Como se só o fato de me ver indo embora fosse razão suficiente para me seguir.
Esperei que ele continuasse. Mas ele não disse nada.
Era o mesmo de três anos atrás. Tão presente e, ao mesmo tempo, tão ausente.
— Por que veio? — minha pergunta saiu antes que eu pudesse impedir. Baixa, firme. Quase amarga.
Ele ergueu os olhos para mim. E pela primeira vez naquela noite, ele realmente me olhou. Como se tivesse coragem de me encarar.
— Porque... — ele hesitou, mordeu o lábio inferior e desviou o olhar de novo. — Porque fugir de novo seria ainda pior do que ter sumido uma vez.
Aquilo me atingiu mais do que eu gostaria. Respirei fundo, sem saber ainda se sentia raiva ou alívio por ele estar ali.
— Você não me deve explicações — eu disse, mesmo que uma parte de mim desejasse o contrário. — Mas se veio aqui achando que as coisas vão voltar a ser como eram… não vão.
assentiu lentamente, o olhar cheio de alguma dor que ele tentava esconder.
— Eu sei.
O silêncio caiu entre nós como uma cortina pesada. E mesmo assim, ele ficou.
E eu também.
Como se, mesmo com o passado gritando entre a gente, nenhum dos dois tivesse coragem de dar o primeiro passo para ir embora.
O silêncio entre nós se estendeu por mais tempo do que qualquer um ousaria chamar de confortável. Ele não parecia saber como começar, e eu… já estava cansado de esperar por palavras que nunca vinham.
Cruzei os braços sobre o peito, tentando manter a postura, mesmo com o coração pulsando alto demais no peito.
— Sabe… eu passei meses achando que você ia voltar. — Minha voz saiu mais firme do que imaginei. — Que ia aparecer qualquer dia desses e me dizer que foi tudo um mal-entendido idiota.
ergueu o olhar, mas não disse nada. Apenas… ouviu. E, por algum motivo, isso me deu força para continuar.
— Depois vieram os meses em que eu achei que talvez você tivesse me odiado por algo. Fiquei revendo nossas últimas conversas, tentando encontrar algum motivo, algum erro meu. Até cogitei que aquele beijo tivesse te assustado — falei, num tom baixo, mas firme, sem mais rodeios. — Que talvez eu tivesse feito algo errado.
Vi quando ele se encolheu um pouco, como se minhas palavras o atingissem por dentro.
— E então veio o pior estágio de todos. — Olhei diretamente pra ele. — A indiferença. Ou pelo menos, a tentativa de parecer indiferente. Eu comecei a agir como se você nunca tivesse existido. Como se o da minha infância, das madrugadas jogando videogame, dos segredos compartilhados, do beijo “por curiosidade”… tivesse simplesmente evaporado.
Meus olhos arderam, mas eu pisquei forte, me recusando a ceder às lágrimas.
— Mas a verdade é que você me deixou com perguntas demais. E nenhuma chance de resposta.
Ele continuava parado. Silencioso. Mas agora, visivelmente afetado. Seu peito subia e descia com mais intensidade, como se engolisse cada palavra que eu jogava no ar.
— Eu só queria que você tivesse dito qualquer coisa. Qualquer maldito “adeus”.
Soltei um riso fraco, sem humor, e dei um passo para trás, cruzando os braços com mais força.
— E o pior de tudo? É que, mesmo depois de todo esse tempo, eu não sei o que é mais difícil de engolir. O fato de você ter ido embora… ou o fato de que, agora que voltou, parece que ainda consegue me paralisar como se nada tivesse mudado.
A verdade estava ali. Crua. Sem filtros.
E agora, era ele quem precisava decidir o que fazer com ela.
’s POV:
Cada palavra que saiu da boca de foi uma lâmina fina, precisa, cortando partes de mim que eu passei anos fingindo que já tinham cicatrizado
Mas não tinham.
Elas estavam ali. Todas. Intactas. Como se o tempo tivesse parado exatamente onde eu larguei tudo.
E ele…
Ele ainda me olhava como se estivesse tentando entender por que o melhor amigo dele virou um estranho da noite pro dia.
Eu quis dizer que não foi fácil. Que eu não planejei nada daquilo. Que eu também sofri. Mas nenhuma dessas frases parecia suficiente, ou justa. Porque o sofrimento dele era real. Eu via nos olhos dele. E ele tinha todo o direito de me odiar.
Respirei fundo, tentando achar uma forma de começar, e só consegui balbuciar:
— Me desculpa.
Minha voz saiu baixa, quase engasgada. Eu não sabia se ele acreditaria, mas não podia deixar aquilo preso mais uma vez.
— Me desculpa, . Por ter ido embora sem avisar, por não ter te dado nenhuma explicação, por ter… te deixado sozinho com tantas dúvidas.
Abaixei o olhar, incapaz de sustentar o dele por mais um segundo.
— A verdade é que eu fui covarde. Fui embora com medo. Medo do que eu estava sentindo… de mim mesmo. Medo de que aquele beijo não fosse só curiosidade.
Engoli em seco, e quando voltei a falar, a voz saiu mais trêmula, mas mais honesta do que nunca:
— Depois daquela noite, tudo dentro de mim entrou em conflito. Eu passei a me questionar o tempo todo, me olhar no espelho como se estivesse tentando descobrir quem eu era de verdade. E quanto mais tentava entender, mais assustado eu ficava. E… eu não soube lidar. Não tive coragem de falar com ninguém. Nem com você. Principalmente com você.
Levantei o olhar, forçando-me a encará-lo de novo.
— E eu sinto tanto por isso. Por ter ido embora quando você mais precisava de respostas. Quando eu mais precisava de você.
Dei um passo à frente, sentindo o coração pesado, mas aliviado por finalmente estar dizendo aquilo:
— Eu passei três anos tentando enterrar tudo o que aconteceu. Fingindo que podia seguir. Mas toda vez que eu pensava em me envolver com alguém — com qualquer pessoa — seu rosto aparecia primeiro. Seu riso. Seu jeito de me cutucar quando eu dizia alguma bobagem. O gosto do beijo. A dúvida. A culpa. O medo.
Fechei os olhos por um instante.
— Eu não sei o que você sente hoje. Nem se tem espaço pra mim em alguma parte da sua vida… mas eu precisava dizer. Que eu me arrependo. Que eu sinto. Que você não foi só um capítulo que eu deixei pra trás.
Abri os olhos, mais vulnerável do que estive em anos.
— Me perdoa, . Por ter sumido. E por nunca ter dito o quanto você sempre foi importante pra mim.
O silêncio dele foi ensurdecedor.
Eu conseguia ouvir apenas meu coração batendo forte demais, rápido demais, como se cada batida fosse uma sentença me lembrando de tudo o que eu causei. não dizia nada. Apenas me olhava. E aquilo doía mais do que qualquer palavra.
Por um instante, achei que ele fosse embora. Que fosse me deixar ali, com meu pedido de perdão suspenso no ar, sem resposta, como um reflexo do que eu fiz com ele anos atrás.
Mas então ele respirou fundo, e sua voz finalmente veio. Baixa. Dura. E carregada de algo que me cortou como faca:
— E a ?
Eu pisquei, confuso, mas ele não me deu tempo de perguntar o que queria dizer.
— Ela sempre foi apaixonada por você, .
As palavras dele me atingiram com força, mas ele seguiu, sem me dar chance de me esconder.
— E você simplesmente... sumiu. Não só da minha vida, mas da dela também. Sem uma explicação, sem uma palavra.
Engoli em seco, mas ele não parou.
— Você não faz ideia do quanto ela sofreu. Do quanto chorou, do quanto se culpou, do quanto esperou. E eu vi tudo. Eu estava lá. Porque o seu silêncio nos machucou, mas também nos aproximou.
Ele deu um passo à frente, o olhar firme no meu.
— Hoje ela é a minha melhor amiga. E eu sou o dela. E isso não foi só por afinidade, … foi por necessidade. A gente se segurou um no outro pra não desabar.
As palavras dele começaram a apertar meu peito de um jeito que eu não estava preparado.
— E o mais triste? — ele continuou, a voz embargando — É que, por mais que ela sofresse, por mais que ela estivesse em pedaços, nunca falou mal de você. Nunca te odiou.
Fechei os olhos, incapaz de suportar aquilo por mais tempo.
— Você nunca se importou, né? — ele sussurrou. — Nunca pensou no que deixava para trás.
Aquelas palavras não vinham de alguém com raiva. Vinham de alguém ferido. Alguém que cuidou dos estilhaços que eu deixei. Alguém que viu a dor da enquanto eu fingia que fugir era o suficiente.
E eu soube, naquele instante, que minha ausência não tinha destruído só uma coisa.
Ela tinha destruído duas.
Eu tentei ouvir. Tentei aguentar.
Mas chegou um ponto em que meu corpo reagiu antes de mim.
— Chega! — gritei, a voz ecoando pela varanda com mais raiva e dor do que eu queria deixar escapar. — Para!
Levei as mãos aos ouvidos, como se pudesse, de alguma forma, calar as vozes que estavam só dentro de mim. As dele. As minhas. As do passado inteiro gritando tudo ao mesmo tempo.
— Vocês também não sabem! — minha voz saiu embargada, ofegante. — Não fazem ideia de como foi pra mim!
me olhou, surpreso com a explosão, mas não disse nada. Talvez ele estivesse esperando por isso.
— Eu não sumi porque quis machucar ninguém! Eu sumi porque eu... — minha voz falhou, e eu abaixei as mãos, sentindo os dedos trêmulos. — Eu estava me despedaçando por dentro.
Fechei os olhos com força.
— Eu fui arrancado da minha casa, da minha vida, dos meus amigos, de vocês… de tudo o que me fazia sentido. Eu tive que lidar com uma nova cidade, uma nova escola, uma família que fingia que tava tudo bem quando não tava. E ainda tinha isso tudo aqui dentro de mim, essa confusão, esse peso de não saber quem eu era… ou do que eu gostava…
Abri os olhos, encarando com mais sinceridade do que jamais encarei qualquer um.
— Você acha que eu não pensei na ? Que não pensei em você? Eu pensava. O tempo todo. Mas pensar doía. Lembrar de vocês… doía demais. E era mais fácil fingir que esquecer era a única saída.
Respirei fundo, tentando acalmar o tremor na voz.
— Eu não sou a vítima aqui, eu sei disso. Mas, por favor... não finge que foi simples pra mim também. Porque eu tô tentando juntar meus cacos desde o dia que fui embora.
Fiquei ali, parado, vulnerável, sentindo o peso do mundo em cima dos ombros. Esperando que ele dissesse alguma coisa. Qualquer coisa.
Mas também com medo da única coisa que ele pudesse querer: ir embora de novo.
Como eu fui.
O silêncio que se instalou depois do meu desabafo era denso. Quase palpável. Eu me sentia exposto, esvaziado, como se tivesse virado pelo avesso diante dele. ainda não tinha dito nada, mas seus olhos... estavam cheios. Não de lágrimas, mas de tudo aquilo que ele ainda não sabia se queria dizer ou gritar.
Eu mal conseguia respirar direito.
E então, a porta da varanda se abriu com um rangido leve e a voz firme de cortou o ar entre nós como uma lâmina fina:
— Tá tudo bem aqui?
não gritou. Não brigou. Mas só o tom da sua voz fez nós dois endireitarmos a postura, como se fôssemos garotos pegos no flagra. olhou de um para o outro, os olhos indo de mim para , depois de volta para mim. O peso do que ele viu em nossos rostos era óbvio.
Ele fechou a porta atrás de si e se aproximou devagar, mantendo as mãos nos bolsos, tentando não tornar tudo ainda mais sufocante.
— Eu... senti a tensão daqui de dentro. E, bom... ninguém sentiu falta de vocês dois porque tá todo mundo ocupado dançando e rindo. Mas eu senti. E como eu conheço vocês há tempo demais, achei melhor vir ver.
se afastou um passo de mim, sem dizer nada, os ombros tensos. o olhou com atenção, depois voltou o olhar pra mim — e, por um segundo, parecia que ele enxergava tudo. Não só o que havia acontecido agora, mas o que a gente nunca teve coragem de contar a ninguém.
— Vocês não precisam resolver tudo hoje — ele disse, com calma. — Mas, talvez, não deixem tudo pra amanhã de novo.
As palavras dele foram simples. Mas acertaram direto.
passou a mão pelo rosto, virando de lado, como se precisasse de um segundo pra respirar. Eu apenas assenti, sem forças pra dizer nada.
deu um tapinha no ombro dele e outro no meu, tentando aliviar a tensão.
— Vão com calma. A festa ainda não acabou. Mas se vocês se quebrarem de novo… vai ter gente aqui pra ajudar a juntar os pedaços.
E então ele nos deixou ali, novamente no silêncio — mas agora um pouco menos carregado.
Porque alguém finalmente tinha acendido a luz no meio do caos.
’s POV:
A música havia mudado. Agora era uma balada mais lenta, quase melancólica, que contrastava com os risos e conversas leves das mesas ao redor. As luzes seguiam baixas, suaves, e eu tentava me distrair, conversando com uma amiga da faculdade que havia me apresentado há poucos minutos.
Mas era impossível estar ali por completo. Meu corpo estava na festa, mas minha mente… ela insistia em voltar para a varanda.
Para onde e tinham ido.
Eu tinha visto. Eu estava de costas, mas conhecia bem demais os dois para não perceber o silêncio que pairou quando se olharam, o desconforto que cresceu quando os passos os levaram para longe dali.
E desde então, meu peito estava apertado.
Como se algo estivesse prestes a acontecer. Ou a ruir.
Foi quando, ao virar o rosto na direção da entrada do salão, eu os vi.
e .
Juntos.
Voltando.
Havia uma distância respeitosa entre eles, mas eles caminhavam lado a lado — não como quem está reconciliado, mas como quem está tentando não quebrar o pouco que ainda resta.
Meu corpo reagiu antes mesmo da minha mente processar.
Levantei da cadeira em um impulso, quase tropeçando no salto, ignorando a chamada de atrás de mim. Corri em direção aos dois, com o coração disparado, o ar falhando nos pulmões.
E fui direto para .
— Você tá bem? — minha voz saiu afobada, um pouco mais alta do que eu gostaria, mas cheia da preocupação que me consumia.
Ele mal teve tempo de responder. Me envolvi em um abraço apertado, sentindo o alívio percorrer meu corpo como um choque morno. Apoiei meu rosto em seu ombro, só para ter certeza de que ele estava ali, inteiro. Que estava… comigo.
— Tá tudo bem, — ele sussurrou, a voz baixa, mas firme. — Eu tô aqui.
E foi só então, ainda com o rosto escondido no ombro do meu melhor amigo, que me permiti, de relance, olhar por cima do ombro dele… e encontrar os olhos de .
Ele estava parado, apenas observando.
E, pela primeira vez, eu vi.
Vi a dor. A culpa. O arrependimento.
Vi o garoto que foi embora, e que agora parecia não saber se ainda tinha o direito de voltar.
E eu não fazia ideia do que fazer com aquilo.
Ainda com os braços ao redor de , demorei alguns segundos para me afastar. Não queria soltar. Não queria deixá-lo sair do raio da minha proteção, mesmo que eu soubesse que era ele quem sempre me protegia.
Quando finalmente nos separamos, ele me olhou nos olhos — e ali, naquele olhar, eu soube. Algo tinha acontecido. Algo grande.
— O que foi? — perguntei baixo, ainda com as mãos em seus braços. — Você… vocês conversaram?
Ele assentiu lentamente, o semblante sério, mas mais leve do que antes.
— Foi difícil — respondeu, a voz mais baixa ainda. — Mas necessário.
Minhas sobrancelhas se juntaram em preocupação.
— Ele te machucou de novo?
— Não. — balançou a cabeça, rápido, como se a ideia o incomodasse. — Na verdade… foi o contrário. Ele... se abriu.
Meu coração bateu mais forte. Por um momento, me vi presa entre o alívio e a insegurança. A vontade de apoiar meu melhor amigo e, ao mesmo tempo, o peso do nome que ainda doía dentro de mim.
— Você tá mesmo bem? — insisti.
Ele respirou fundo e olhou rapidamente para o lado, onde ainda estava, quieto, olhando para o chão como se quisesse cavar um buraco e desaparecer.
— Eu tô. Não tô inteiro… mas tô melhor agora. Acho que... precisava ouvir o que ele tinha pra dizer, mesmo que tarde demais.
Abaixei os olhos por um momento, tentando conter a mistura de emoções que aquilo despertava em mim. Quando voltei a encará-lo, deixei escapar:
— E eu?
arqueou levemente uma sobrancelha, confuso.
— Eu também preciso ouvir o que ele tem pra dizer?
Ele me olhou por um segundo, e então deu um pequeno sorriso — triste, compreensivo, mas amigo até o último fio de cabelo.
— Isso só você pode responder, .
Eu assenti, sentindo um nó crescer na garganta.
E então, me virei devagar… e encontrei os olhos de mais uma vez. Dessa vez, ele não desviou.
E eu soube que, mais cedo ou mais tarde, a nossa conversa também viria.
E que eu precisava estar pronta.