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Codificada por: Cleópatra

Finalizada em: 01/08/2024
Para alguém que passa a maior parte do ano com chuva e frio extremo, ter meros 23°C como temperatura é uma vitória. Nem estava com um casaco pesado, apenas uma blusa fina de mangas três-quartos foi o suficiente para desfrutar do verão londrino.

Muitas pessoas, jovens em sua maioria, estavam pelas ruas. Fosse seguindo para a escola ou para qualquer outra atividade matinal, o bairro de Tottenham era bem movimentado da perspectiva jovem. Apesar de ser conhecido pelo time e estádio de futebol, o bairro cresceu nas sombras de Walthamstow Village com quem divide fronteira e é um epicentro do movimento ‘Arts and Crafts’. Que preza pelo trabalho das artes com ofícios manuais.

Tottenham é um bairro que não foi monopolizado pelos grandes prédios, ainda é o que podemos chamar de suburbano. O aluguel é mais barato, a criatividade toma a rua em forma de galerias e apesar de ter a criminalidade de certa forma ativa, continua sendo um bom lugar.

Também é o único que tenho para morar.

Uma chance, e dar a cara a tapa. De arrumar quartos em hotéis como camareira para sustentar um bom curso de fotografia, finalmente consegui um estágio digno e importante para minha carreira. No mesmo clube que movimenta o trânsito em dias de jogos.

prepare o equipamento, temos que fotografar um novo jogador e filmar o primeiro dia para alimentar as redes sociais.

Engoli o bom dia de quando entrei no departamento e segui para minha pequena e humilde mesa. O moderador do site que ficava ao meu lado riu quando coloquei a bolsa na cadeira, me cumprimentando com um bom dia.

— Será um dia cheio hoje, preciso de fotos para a matéria, então faça um bom trabalho.

— Sou apenas a estagiária, no máximo vou acender as luzes do ‘softbox’ e evitar que os cabos de energia fiquem arrastando no chão — respondi em voz baixa. — Mas vou dar o meu melhor.

— Esse é o espírito.

Não querendo pegar uma segunda chamada do meu chefe, me aproximei do depósito pegando o necessário. Coloquei a bolsa no ombro com os equipamentos e desci as escadas que acabara de subir, tinha uma sala que podíamos usar para as sessões já era onde normalmente se fotografava os uniformes em começo de temporada.

Depois de entrar na sala e arrumar as luzes vi que faltava uma extensão para poder ligar a segunda luz, foi quando tive que voltar a subir para o escritório e pegar um novo fio. Na descida escutei uma risada familiar e um idioma também familiar.

Uma figura desconhecida ao contrário do meia, e atacante, Lucas. Ele estava parado no corredor cumprimentando o — suposto —, novo jogador. Também estavam bem na frente da sala.

— Ei nossa tropa tá aumentando — disse Lucas apontando para o rapaz —, os brasileiros tão tomando tudo.

Eu o conhecia, era o atacante do Everton. Bom, pelo jeito ex-atacante e artilheiro que defendia os ‘Toffees’, se eu não me enganava, seu nome era Richarlison. Clicou em minha mente a menção de seu nome nos bastidores, alguém da assessoria comentou, mas com tantas coisas para fazer acabei me esquecendo.

— Bem-vindo aos ‘Spurs’.

O rapaz era mais alto do que eu, mas nada respondeu a princípio. Quem fez a ‘jogada de meio-campo’ foi Lucas.

— Ela tira fotos.

Balancei a cabeça com uma careta — Mais ou menos, faço o que me mandam.

Richarlison riu — É bom que se minhas fotos saírem estranhas já sei com quem falar.

— Ela também consegue umas coisas boas.

O novato do Tottenham virou o rosto surpreso — Tá doido? Eu não curto essas paradas não.

Sabia que o tom ambíguo foi proposital, afinal Lucas gargalhou com a reação do mais novo.

— Não esse tipo de coisa — expliquei —, está mais para paçoca e doce de leite.

— Ah, sim, aí sim. Que susto maluco, tá me tirando de doido? — ele empurrou o, agora, companheiro de time para o lado.

Nisso meu chefe chegou à porta dizendo para entrar e já tirar essa tarefa da frente. Por ser a primeira atividade do dia ele ainda teve que se trocar para o uniforme, o agente acompanhou e quando voltou as câmeras estavam prontas e principalmente. As luzes acesas.

Do canto fiquei observando auxiliando no posicionamento da iluminação e com os fios, as fotos estavam sendo tiradas uniforme a uniforme e ele também estava fazendo alguns pequenos vídeos. Como de comemoração e caretas para serem usadas nas edições do canal principal. Existia um charme no jeito que ele que mexia que era realmente o jeitinho brasileiro, uma presença quente no meio dos frios londrinos da equipe.

Vez ou outra me peguei segurando o riso por algum comentário trocada com o seu agente que estava acompanhando a visita.

Às 9 da manhã ele já tinha sido liberado, pelo que escutei ele iria direto das fotos para a ala médica fazer uma avaliação. Enrolei o último cabo quando uma editora apareceu na porta.

— John, precisamos de você lá em cima, tivemos um problema com o servidor, não conseguimos acessar as fotos e todas as imagens do site caíram.

Entre resmungos carregados de sotaque, John entregou a câmera em minha mão, me mandando acompanhar a equipe de filmagem. Só que tirando fotos.

Não tive muito tempo para pensar porque o tempo corria e a agenda estava cheia de compromissos, peguei as baterias da bolsa da câmera e me preparei deixando até mesmo minhas preciosas luzes para trás.

— Me faz sair bem nas fotos ‘ein. Clube novo tem que marcar presença. — comentou mesmo andando alguns passos a frente e lançando um breve olhar por cima do ombro com um riso.

— É para isso que estou aqui, registrar o dia do novo ‘galo’.

Richarlison balançou a cabeça resmungando negativamente — O mascote pode ser um galo, mas continuo sendo o ‘Pombo’.

Aqueles que o acompanhavam riram, e eu fiquei sem entender. Tendo um pouco de piedade da minha confusão, me explicaram que o apelido surgiu em 2018 quando publicou um vídeo dançando “A dança do pombo”, foi um sucesso tão grande que se tornou sua comemoração.

Os exames levaram algum tempo para serem feitos, foram desde medições simples até um ultrassom doppler, onde se olha o coração. Estava tirando as fotos com cuidado, era minha primeira chance de mostrar ser boa em algo além de organizar os fios. E se não fizesse um bom trabalho, seria a última.

Era uma típica primeira visita, apresentando as instalações, o campo onde treinavam, as áreas dos jogadores. Como a primeira interação com Lucas não foi gravada e foi breve, quando eles voltaram se encontrar eles trocaram algumas palavras a mais.

— E aí já aprendeu a jogar truco, ou não?

— Que truco o que, aprendi nada — o tom amigável me fez sorrir atrás das lentes, ele se inclinou para frente como se estivesse espiando por cima do ombro de alguém em sua frente — fico só vendo. Só vejo.

Quando o meio-dia chegou, ele se juntou ao grupo para o almoço. Claro que tudo foi bem supervisionado pelos nutricionistas dos ‘Spurs’.

Constantemente os jogadores paravam para o cumprimentar, além de Emerson que era a terceira coluna do nosso ‘grupo’ de brasileiros. Outros como o irlandês Matt Doherty e o americano Brandon Austin também pararam para cumprimentar o novo integrante do grupo.

Existiu uma pausa, até porque a equipe precisava se alimentar. Fui dispensada momentaneamente, tendo que retornar até o campo de treinamento à 1:30 da tarde para o primeiro treino real. Tinha meia hora de descanso, engoli um almoço cafajeste em quinze minutos e nos outros quinze dei um descanso para meus pés.

Entre Lucas e Emerson, o novato treinou com o restante do time. Aqueles que não o cumprimentaram anteriormente reconheceram sua presença desejando boas-vindas.

O garoto que estava fazendo as filmagens, estava tendo um dia mais agitado que o meu, se deitando no campo e fazendo inserções que seriam bem aproveitados pelo competente time de editores. Quanto a mim, alguns passos e um bom posicionamento me renderam ótimas fotos.

Quando o treino foi dado por finalizado, Lucas puxou uma pequena festa para Richarlison que pareceu envergonhado momentaneamente de estar no meio da atenção do grupo. Foi com o som de risos altos que voltei para o escritório a fim de entregar o material.

John mal esperou eu sentar para baixar as imagens no computador, fez isso ele mesmo, olhando minuciosamente o meu trabalho. Olhando foto por foto, dando zoom, arrastando, uma avaliação milimétrica feita durante o que pareceu ser uma eternidade.

— Parecem boas, vamos mandar para o tratamento. Está dispensada.

Reconhecimento frio, mas ainda uma vitória. Manteria meu trabalho e quem sabe teria uma nova chance. Poderia até mesmo dançar de felicidade ali na frente de meus colegas, mas tinha uma entrega a fazer.

— Ainda bem — Emerson juntou as mãos na frente do corpo —, se eu voltar para casa sem esse doce de leite, minha namorada me mata.

O trio de brasileiros provavelmente ficou conversando por ali enquanto o mais novo me esperava. Com 23 anos, o lateral-direito

— Quem vai me matar vai ser os nutricionistas se eles me virem contrabandeando doce, isso sim.

— E minha paçoquinha , não esquece da minha paçoquinha — Lucas cobrou —, não posso deixar minhas crianças com vontade.

— Vai chegar hoje a noite — o tranquilizei.

— Acho bom mesmo.

— Mas viu, onde você encontra essas coisas? — Richarlison perguntou genuinamente curioso.

— Latin Village é uma comunidade gastronômica e cultural da América latina. Como fica no meu caminho de volta, faço o serviço de entrega para os queridos. Para não falar outra coisa.

— Olha a má criação — Lucas apontou —, consegue qualquer coisa. Realiza todos os sonhos de consumo.

— Qualquer coisa?

O tom zombeteiro estava presente, de maneira sutil, mas estava ali, passei tempo demais com garotos para saber identificar os sinais entre eles. Embora soubesse que Lucas disse aquilo pensando em doces e qualquer tranqueira de comida vinda de terras brasileiras.

— Depende — respondi —, algumas demoram mais tempo e outras precisam de um bom papo.

Dei risada alto vendo como ele ficou vermelho e passei pelo grupo seguindo para a saída, Emerson e Lucas tirando sarro dele pela tirada que dei. Parei apenas para dar meia volta.

— A propósito, obrigada por sair bonito nas minhas fotos. Apesar de ser a minha especialidade, quem realizou meu sonho hoje foi você.

Uma piscada de olho e um último aceno, desejando um bom descanso e agradecendo pelo dia. Uma última frase alcançando meus ouvidos.

— Achei que o atacante era eu.






Fim.


Nota da autora: Obrigada por ler até aqui! Até mais, Xx!!

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