Revisada por: Saturno 🪐
Última Atualização: 31/03/2025.Aesthetics:
Félix | Laura | Valery | Thomas | Sal | Max
Eu corro até o prédio. Depois de receber a ligação de Larry, eu consigo sentir que as coisas não estão bem. O farfalhar altos das folhas indica uma tempestade próxima. Eu abro fortemente a porta da frente da construção, subindo e tropeçando nos degraus que vão do térreo até o primeiro andar. Não tenho tempo de pegar o elevador. Minha visão está borrada. Penso em muitas possibilidades que podem ter acontecido para Larry me ligar daquele estado.
— Sally?! Larry?!
Meus gritos ecoam pelas escadas, enquanto eu termino de subir. Minhas mãos tremem no velho corrimão descascado.
Um cheiro de sangue invade meu nariz, junto à cena que eu vejo. Os corpos dos moradores dos apartamentos jogados no chão, cobertos de sangue. Tenho que começar a respirar pela boca também para o ar poder passar direito pelo meu cérebro, mas então meus pensamentos se voltam para Sal. Onde ele está? Ele está bem?
Eu grito o nome dele, enquanto corro novamente pelas escadas, vendo corpos também no terceiro e quarto andar. O que está acontecendo? Eu vou até seu apartamento, entrando na porta entreaberta. Meu olhar dispara para o corpo de seu pai, junto ao de Lisa no sofá, já mortos.
Eu começo a procurar Sal pelo apartamento, rezando para todos os deuses existentes para que ele esteja bem. Quando eu não o acho no apartamento, eu vou até o quinto andar, depois para o telhado.
— Sally?
Eu o vejo sentado lá, sua máscara no chão e suas mãos na cabeça enquanto chora. Ele está coberto de sangue.
— Sally? — eu o chamo de novo, me aproximando.
— Eu... Eu não tive escolha, Max...
Eu entendo o que está acontecendo. Fico à sua frente, minhas mãos deslizam em seus cabelos e eu o abraço. As mãos dele estão tremendo, suas roupas sujas de sangue e sua máscara prostética caída no chão.
— Esses cretinos... O plano deles deu certo então.
— Por favor... Me desculpe, Max.
Eu suspiro, sentindo um nó na garganta. Olho para seus olhos, que agora estão extremamente azuis e cheios de culpa. Isso me corta mais do que qualquer coisa.
— Não foi sua culpa, você não teve escolha. — Minha voz está falha, trêmula e embargada. Suas mãos tremem, deixando sua faca cair no chão.
O som da sirene agora está se aproximando. Eu me assusto e olho para ele, segurando sua mão, o puxando em direção à escada da lateral do prédio.
— Vem! Vamos pela escada de emergência... Eu... — Minha voz começa a aumentar, mas à medida que falo ela abaixa, vendo que Sal nega com a cabeça, com um sorriso fraco e olhos marejados. — Sally? Você só deve estar brin...
Ele me interrompe com um beijo, um momento que faz todo o estresse e ansiedade serem esquecidos. Meus olhos se fecham, com um sentimento de saudade crescendo em mim.
— Eu te amo, não se esqueça disso, Max.
— O quê? Não... não! A gente ainda pode sair dessa. Por favor.
E então eu sinto suas mãos me empurrarem do telhado. Ele sabia que esse é o único jeito de eu não o impedi-lo, e também que eu iria cair em um arbusto grande. Eu levo um momento para entender, o vento levando meus cabelos para cima, e minhas lágrimas traçando um leve caminho. Olho sua silhueta e vejo os fogos de artifício do ano novo brilhando no céu. Minhas mãos ainda estão em sua direção, tentando voltar de algum jeito. Posso ver um pedido de desculpas em seus lábios. Olho uma última vez para aqueles olhos azuis. A dor e o choque me atingem, me levando a uma escuridão profunda e pacífica.
(Oh, eu espero que algum dia eu consiga sair daqui)
Even if it takes all night or a hundred years
(Mesmo que demore a noite toda ou cem anos)
Need a place to hide. But I can't find one near
(Preciso de um lugar para me esconder. Mas não consigo encontrar algum por perto)
Wanna feel alive. Outside I can't fight my fear
(Quero me sentir vivo. Lá fora, não consigo lutar contra o meu medo)
》HWH Luxury Living. Los Angeles — 10 de setembro de 2003 — 06h25am
Os barulhos das notificações me distraem, tirando meu pensamento do Sal ou desse dia. Por favor, me faça esquecer disso. Eu olho para o celular, que ainda está aberto na página da notícia onde tinha Sal nela. Acredito que esse foi o motivo para esse flash passar por minha cabeça. Eu resolvo abrir as mensagens.
Valy
online
Bem... Valery, ou Valy, é meio que a babá das crianças. Ela que sempre cuida delas quando eu preciso fazer viagens para fora da cidade ou coisas do tipo. Ela é extremamente responsável e atenciosa, e as crianças a adoram. Ela também é divertida e energética, fazendo de tudo para manter as crianças entretidas e alegres. Eu olho para os gêmeos, que comem tranquilamente suas torradas, sorriem e fazem brincadeiras entre eles, eu sorrio e levo minhas mãos para as nucas deles, fazendo um pequeno carinho.
— Daqui a pouco eu vou ter que sair, ok?
Eu olho para eles enquanto ando até a cozinha e ligo a torneira para lavar minha xícara.
— Ah, papai... Você disse que a gente iria para a praia. — Lana faz um biquinho muito fofo.
Eu olho para as crianças, me sentindo mal. Eu sei! Eu deveria passar mais tempo com elas..., mas..., mas é difícil. Sempre que eu marco algo em família, acontece algum imprevisto nas gravações e pedem para eu ir até lá.
— Eu sei..., mas ultimamente está muito corrido. Me desculpem mesmo.
Os dois me olham tristes, e eu sinto meu coração quebrar por completo. Eu me aproximo deles e os abraço forte, penso em algo para alegrá-los um pouco.
— Mas... vocês podem ir hoje com a Valy.
— Ebaaaa! — Thomas me abraça mais forte, assim como Lana.
Lana vai falar algo, mas a campainha da casa toca, e eu presumo que Valery está do outro lado. Elas me soltam, eu vou até a porta e a abro para me deparar com Félix encostado no batente da porta, segurando dois copos de café.
— O que você está fazendo aqui?
Eu pergunto, com um esboço de sorriso em meus lábios.
— Eu pensei em dar uma passada aqui antes de você ir ao trabalho e...
— Você sabe que nós meio que trabalhamos juntos, né?
Ele parece apenas tentar dar uma desculpa para irmos juntos ao trabalho. Eu escuto um som baixo de saltos soando pelas escadas e, em alguns segundos, Valery aparece, terminando de subir.
— Max! Eu nunca vou entender o porquê de o elevador do seu prédio nunca funcionar!
Ela coloca as mãos nos joelhos, respirando rápido, aparentando estar cansada depois de subir vários andares de escada.
— Você se acostuma... um dia.
Eu sorrio, pegando o copo de café que Félix oferece para mim. Nós três não temos mais nada para falar, então um silêncio estranho pesa o ar, como se algo estivesse pesando no olhar, uma dúvida ou incerteza. Félix é o primeiro a falar, quebrando a quietude.
— Então... você ainda não viu, né?
Seu tom muda para algo sério, e até preocupado, fazendo eu ter um pouco de medo do que ele vai falar, a bomba que ele vai soltar.
— Como assim? Ver o quê? — Ele me mostra seu celular, em uma matéria de um site famoso, com alguns trechos grifados.
**UM PRESIDIÁRIO QUE TEVE UM CASO COM O ATOR FAMOSINHO DE HOLLYWOOD. VEJA O CASO!**
Que porra de título é esse?
— Espera... É sobre mim?
— Sim, Max... É. Eu sinto muito mesmo — Valery fala, e eu subo minha mão como se quisesse voar sob o aparelho. Pego o celular de Félix, começando a ler aquela merda de manchete.
*Após o começo das investigações mais a fundo sobre o assassinato ocorrido em 1999, nos Apartamentos Addison, na pequena cidade de Nockfell, pôde ser notado que, sim, Sal Fisher, o assassino do massacre, e Max Stiller, o queridinho de Hollywood, se conheceram nesse período.*
Meus olhos pulam alguns parágrafos onde explicavam sobre tudo que eu já sabia, até ler outra coisa.
*Alguns de seus fãs começaram a se perguntar se os dois haviam tido algo nesses anos que se conheceram, depois de tantas fotos e vídeos comprovando sua relação, e até sobre sua própria sexualidade.*
*Algumas fãs ficaram arrasadas com a possibilidade de Max Stiller ser homossexual. Várias dúvidas caíram sobre ele e sua gerente, Laura Moore, e agora esperamos respostas o mais rápido possível.*
Eu não consigo acreditar no que estou lendo, meu coração começa a acelerar lentamente, e um zumbido forte em meus ouvidos me incomoda, até escutar Valery me chamando.
— Max? Max! O que foi?
— Isso... isso não é possível, é? Vocês estão fazendo uma pegadinha, ou algo do tipo? Vocês são tão engraçados... — Eu rio de um jeito anormal e nervoso. Isso só pode ser mentira, não?
— É possível, sim, Max — Félix fala. Seu olhar parece triste e pesa sobre mim. — É uma merda quando espalham coisas nossas assim, mas é o peso que uma pessoa pública tem que carregar. Laura está evitando todo tipo de repórter e está pedindo para você fazer o mesmo até a reunião.
O clima entre nós três fica mais pesado, nenhum fala um 'a' depois de Félix. Minha mente dispara para Sally novamente, tudo o que aconteceu, até eu sentir a porta sendo aberta atrás de mim, e vejo Lana pulando nos braços de Valery, enquanto Thomas apenas sorri. Eu fico feliz que tenha Valery e Félix do meu lado, me dando apoio e suporte. Eu tenho amigos incríveis.
— Eu acho que precisamos ir agora, não é, Max?
— É, você... você tem razão, Félix.
Eu estou física e mentalmente abalado com tudo isso. Nós saímos do prédio e entramos no carro, enquanto Felix dirige. Meu corpo parece ter desligado por alguns minutos, meu ar parece ter acabado, meus pensamentos e fala somem por esse tempo, mas sou tirado de meu transe quando Félix coloca a mão em minha coxa, fazendo um carinho na região.
— Ei? Você não está bem, né?
— Eu... eu pensei que isso já havia morrido, mas sempre volta para me assombrar em sonhos e agora na minha vida. Eu preciso encarar isso dessa vez, mas eu tenho tanto medo.
— Max, não acho que Laura vai te dar um direito de escolha. Ela parecia bem... estressada.
Eu não sei o que responder, apenas fico em silêncio. O rádio do carro dele termina uma música que está tocando, e, para minha infelicidade, o apresentador começa a falar sobre a reportagem. Eu mudo de estação, mas acontece a mesma coisa. Aperto o botão compulsivamente, mas parece que todas as rádios fizeram um complô para falarem sobre isso ao mesmo tempo. Eu apenas desligo o rádio.
Eu me sinto horrível, como se vários segredos meus tivessem sido revelados de uma vez, como se estivesse mais exposto do que nunca. Minha mente está tendo tantos pensamentos agora. Me sinto esmagado por um peso gigante em meus ombros. Eu me assusto quando sinto uma lágrima escorrer pela minha bochecha, me viro para o outro lado, para Félix não me ver chorando, e a limpo com a manga da minha blusa.
》Creative Artistis Agency (CAA) — 10 de setembro de 2001— 06h40am
Nós chegamos ao prédio, e, assim que saio do carro, meu coração começa a bater mais rápido quando vejo que há vários repórteres do lado de fora, as câmeras me cegando por um momento e me paralisando. Isso nunca havia acontecido, normalmente eu sabia lidar com fotos e flashes. Félix me puxa para longe deles, entrando no prédio. A mudança de temperatura por conta do ar condicionado me arrepia, mesmo com uma blusa grossa de frio.
Nós andamos até a frente do escritório principal, onde Laura supostamente está, segundo Félix. Eu observo aquela porta fechada, ela parece o dobro da altura e tudo parece estar borrado. Eu sinto um nervosismo tão grande, uma angústia em meu peito.
— Vamos, Max... Ela vai resolver isso.
Será que ela vai mesmo? Ele tenta segurar minha mão, mas eu a coloco no bolso da blusa, negando seu toque. Minha outra mão vai até a porta e eu bato duas vezes.
Alguns segundos depois, nós entramos. Laura parece que está vivendo à base de café, as bolsas de seus olhos muito mais escuras e inchadas. Ela parece acabada.
— Nossa, Laura, você já esteve melhor!
Félix tenta melhorar o clima, mas só deixa ela mais irritada. Ele se senta na cadeira, e eu faço o mesmo.
Eu só quero sumir agora, desaparecer da face da terra, me enterrar a sete palmos do chão, mas não posso...
— Oi, Max. — Ela sorri, tentando me reconfortar, nem que seja um pouco. Ela pega um tablet e me mostra a notícia, a maldita notícia. — Eu acho que você viu isso. Já fizemos reunião com nossos contatos para mandarem excluir e falar que tudo aquilo foi uma grande mentira e que ele...
Eu a corto, falando algo que fez tanto ela, quanto Félix olharem surpresos para mim.
— Não, Laura... Não é uma mentira, ou uma invenção, e eu... eu não sei. Eu estou confuso! Mas, mesmo assim, eu quero falar a verdade. Não quero mentir nem para os outros, nem para mim mesmo.
Coloco minhas mãos na nuca, puxando a raiz do meu cabelo antes de olhar para frente de novo. Consigo notar o sorriso dela cair por segundos, antes de voltar para a expressão inicial. Ela se aproxima com um olhar afiado.
— Você quer contar a verdade para todo mundo? Tudo bem, não é como se a minha carreira dependesse da sua imagem pública. Com certeza alguém vai querer contratar a agente da celebridade que namorou a porra de um serial killer!
— Laura... Você não está pegando um pouco pesado com ele?
Félix tenta interferir, mas ela o lança um olhar com mistura de ódio e descrença.
— Não vamos poder permitir isso! E se você não gostar, é um problema só seu! Não vamos estragar a imagem da empresa ou a sua por conta de uma besteira como esse problema de sexualidade. Você vai negar e ponto.
O silêncio intenso na sala parece durar mais tempo do que realmente é. Meu olhar desce para o tablet com a notícia, uma crescente expressão de convicção no rosto. Finalmente, respiro fundo e olho para Laura com um olhar penetrante. Decido falar tudo o que tenho vontade, tudo que sempre quis falar e ficava acumulado no fundo de minha garganta, me sufocando.
— Mas isso não é apenas uma 'besteira', como você chama, isso é a verdade... a mais e pura verdade. Eu sou gay. Não posso ficar parado, vendo uma pessoa inocente ser presa injustamente e eu não poder fazer nada. Nós, famosos, deveríamos nos esforçar para tornar o mundo um lugar melhor e mais compreensivo, não nos apegar a essas ideias ultrapassadas e homofóbicas. E se isso significa falar abertamente e ir contra os desejos da indústria, que assim seja... E mais uma coisinha, se for me forçar a escolher entre minha carreira e minha felicidade, então eu escolho a felicidade.
Eu não tenho medo dela. Ela não pode me "demitir", pois sabe que todos cairão matando para serem meus agentes. Às vezes eu amo ser famoso.
Ocorrem alguns segundos em silêncio, até Laura ser consumida pela raiva e começar a gritar comigo. Seu rosto fica mais vermelho à medida que eu falo essas coisas.
— Ninguém aqui é homofóbica, Max... E você ama tanto esse assassino? Tudo bem! Eu apoio totalmente! Na verdade, eu apoio tanto que assim que sair daqui, vou marcar gigante no seu currículo: Sem papéis heterossexuais. Isso pode acabar afetando muito a quantidade de propostas que você vai receber, mas é aquilo, tudo por amor, né?!
Ela aponta o dedo para mim, enquanto grita comigo. Após terminar, ela pega sua bolsa e seu tablet da mesa.
— Eu espero muito que você faça a coisa certa, Max.
Ela fala antes de sair pela porta, a batendo com força. Félix olha para mim com um olhar desapontado, se levantando para sair da sala.
— Quê? Você vai me julgar também?!
Ele não responde e apenas sai da sala. Eu fico um pouco na sala após os dois saírem, minha perna direita treme de ansiedade, então eu apenas levanto e ando de um lado para o outro da sala. Eu quero ajudar Sal a sair da cadeia. Eu sei a verdade! Posso ajudá-lo. Mas se fizer isso, Laura vai simplesmente surtar mais ainda.
Eu olho para a janela. Tem tantas coisas que eu posso fazer agora. Eu posso quebrar o vidro dessa janela e me jogar do 15° andar desse prédio, ou colocar a mão no meu bolso, pegar a caneta que está nele e enfiá-la no meio da minha jugular, ou talvez pegar meus filhos e gatos e fugir para outro país.
Mas não, eu pego meu celular da mesa e vejo uma mensagem.
Valy
online
Sempre que algo dá errado, eu corro para os conselhos da minha amiga, e agora as coisas estão meio que... Horríveis, eu acho?
Olho para a foto de Lana e Thomas dormindo em cadeiras de praia, e meu coração se aquece. Eu faço de tudo por essas crianças. Desço até o térreo, encontrando Félix me esperando. Quando ele me vê, dá um leve sorriso.
— Vai para onde agora?
Minha sincera vontade é de falar que eu vou para a puta que pariu e que é para ele me deixar em paz, mas tento ser educado.
— Vou para casa, mas não preciso de carona, já ocupei muito do seu tempo e eu só preciso ficar um pouco sozinho agora.
Meu dia já está totalmente horrível, apenas não estrague mais ele, por favor, Félix.
— Você sabe que não é nenhum problema para mim, Max. — Ele se aproxima um pouco mais. — Afinal, sou seu... colega, não?
— Eu realmente quero ficar sozinho, Félix, tchau.
Eu me viro para sair, mas sinto ele agarrar meu pulso com firmeza. Eu me viro novamente para ele, olhando em seus olhos.
— Espera... Você ainda gosta dele?! Isso é sério? Que frescura.
— Eu... não! Me solta!
Eu puxo meu braço de seu aperto.
— Eu não acredito. Eu-eu estou aqui, querendo fazer tudo por você, enquanto você está aí pensando naquele esquisito! Parece que você vive no passado, Max!
Algumas pessoas nos observam para escutar a pequena discussão que está acontecendo. Eu me aproximo de Félix, olhando para ele.
— Escuta, Félix, eu não quero brigar, ok? Está tudo uma confusão, e você só está piorando as coisas para o meu lado agora! Eu só não quero conversar com você agora... Hoje não.
Ele olha para mim com raiva e decepção estampadas em seu rosto.
— Ok, então. Vai correndo para os braços daquele assassin... — Antes dele terminar a frase, eu dou um soco em seu rosto. Foi um impulso que cresceu dentro de mim. Ele pode me xingar o tanto que quiser, mas ele não ousará desferir qualquer ofensa para Sal. É uma raiva passageira, que teria passado se ele quisesse me ouvir. Quando vejo o que fiz, eu olho para baixo.
— M-me desculpa... Sério, Félix, foi sem querer.
— Vai se foder então, seu babaca.
— Esse título já pertence a você.
Ele se levanta, limpando um pouco de sangue da sua boca e indo para fora do prédio. Vejo alguém filmando meu rosto e abaixando o celular quando percebe que foi notado.
— Você está olhando o quê, porra?!
Eu saio do prédio, sentindo o sol batendo em meu rosto. Incrível como o dia pode melhorar depois de um pequeno surto. Eu respiro o ar fresco, sentindo um leve vento em meu rosto, bagunçando meu cabelo preto, então começo a andar para casa.
》HWH Luxury Living. Los Angeles — 10 de setembro de 2003 — 07h20am
Eu chego em casa, vendo uma novidade positiva. Estão arrumando o elevador. Eu subo as escadas sem pressa nenhuma e chego à porta de casa, pegando minhas chaves e destrancando a porta.
— Oi, Valy, as crianças estão dormindo? — pergunto, falando um pouco baixo, na possibilidade de meus filhos estarem dormindo. Ela concorda com a cabeça.
— Sim, mas agora eu preciso que você me conte tudo o que aconteceu. Como você nunca me contou que já namorou Sally Face? E por que não me disse que era gay? Isso é verdade?
— Meu Deus, calma. Uma pergunta de cada vez, okay? Eu sinto muito por esconder essa parte da minha vida, eu só achei que ia... ser melhor assim?
— Ah, Max, não se preocupe. Eu não vou cair em cima de você por isso. Só quero que me conte isso agora. Vem cá.
Eu me deito com a cabeça no colo dela, era incrível como uma garota mais nova que eu poderia ter um emocional mais maduro que o meu. Por isso ela cursa psicologia, eu acho.
Eu conto para ela toda a história, claro que resumida, mas toda ela. Até chegar à parte de Félix.
— Eu não queria socar ele, sabe? Mas foi mais forte que eu, como se eu quisesse proteger Sally de todos esses comentários maldosos e de toda essa merda, eu acho.
— E o que o Félix tem a ver com isso? Tipo, por que ele se meteu em algo que nem é da conta dele?
— Bem... digamos que a gente já ficou, tipo, uma, duas... três vezes? Bêbados, em um hotel cheio de repórteres.
— Sério? E ninguém descobriu, seus sortudos. Então ele gosta de você?
— Exato. Mas eu e ele? Sinceramente? Não rola nunca, ele é muito....
Eu tento explicar com minhas mãos, fazendo alguns giros no ar, mas não consigo achar uma palavra boa para descrevê-lo. Ele era bom, mas, ao mesmo tempo, era bem cuzão quando queria.
— Instável? Mas acho que esse título já pertence a você.
Nós dois rimos, aquela foi uma boa quebrada no clima, mas então eu volto a ficar tenso.
— Hoje eu sonhei com ele, o Sally no caso. Você acha que era um sinal do universo de que as coisas dariam terrivelmente errado ou alguma merda assim?
— Eu acredito que sonhos sejam desejos, desejos sobre algo que você queira muito fazer ou ter. Então acho que você apenas sabia que isso iria acontecer, mas que pelo menos abriria portas para você vê-lo novamente. Mas eu não sei, você deveria perguntar a outra pessoa uma segunda opinião. Sonhos são uma parte muito subconsciente, então pode haver vários significados.
— Não. Não precisa. Sua explicação fez total sentido para mim, então seria algo tipo, eu vou sofrer, mas vou gostar disso?
— Eu acho que sim...
Nós dois ficamos quietos depois disso, estamos apenas aproveitando a companhia um do outro. Ela me faz muito bem, e eu espero que eu faça tão bem assim para ela também. Eu adormeci em algum momento, e, quando acordo, estou sozinho no sofá, e o sol já está muito mais claro. Como eu dormi tanto? Eu pego meu celular e vejo uma mensagem de Valery.
Valy
online
Eu acordo e vou para o quarto dos meus filhos. Eles estão brincando com alguns brinquedos.
— Oi, meus amores.
Eu falo e me sento na cama de Lana, me curvando para ficar perto deles. Eu afago o cabelo de Thomas de forma carinhosa.
— Oi, papai! Hoje foi muito legal. A gente entrou no mar e depois comeu batata frita e peixinho.
Lana fala empolgada, e Thomas complementa.
— Daí a gente ficou com sono, e a Valy nos deixou dormir na cadeira de praia.
— A Valy me mandou foto de vocês dormindo. Que dia gostoso que vocês tiveram... Estava pensando em irmos ao mercado mais tarde.
— Sim, sim! Eu quero ir com você.
— Eu também quero! — Lana também fala.
Eu sorrio para os dois, feliz por poder passar um tempo com eles. Eu sinto que antes de irmos eu preciso tomar um banho para acordar melhor, então é isso que eu faço.
— Certo, então. Coloquem uma roupa, eu vou tomar um banho rápido.
Os dois concordam e eu vou para o meu quarto. Quando estou lá, eu me aproximo da cabeceira da cama, onde tem uma foto minha e de Sal. Passo a mão sob o lado dele da foto, como se pudesse sentir sua presença, uma memória vívida e amorosa.
— Eu vou te ajudar... eu prometo.
Entro no banheiro, tirando minha roupa sem pressa alguma. Eu estou me sentindo... oco? Como se algo faltasse dentro de mim. É como se todos os meus órgãos internos estivessem se emaranhado entre eles. Ligo a água, que logo esquenta. Sinto meu corpo relaxar um pouco, eu poderia ficar aqui o dia inteiro.
Há tantas coisas acontecendo agora. Eu não faço ideia do que será de mim daqui a diante. Briguei com minha chefe e com meu melhor amigo no mesmo dia. Soa ótimo para uma situação como essa. Fecho meus olhos, molhando meu rosto com a água do chuveiro, quero apenas esquecer de tudo.
》16h10 — Supermercado Walmart
Eu estou com um carrinho, com as crianças logo ao meu lado e passo por um corredor de pastas, quando alguém na nossa frente fala comigo.
— Ei, você é o Max Stiller? Aquelas coisas sobre você são verdadeiras? Fala aí, cara.
As crianças olham para mim, confusas, segurando na minha roupa. Você precisa se controlar, Max, penso comigo. Conto até dez e o respondo educadamente.
— Eu ainda estou resolvendo isso. Por favor, não me incomode.
Eu passo por ele, saindo do corredor, mas claro que meus filhos não vão deixar isso passar. Thomas pergunta.
— Papai, o que aquele moço queria dizer?
— Uhn... Às vezes, as pessoas querem saber tudo da vida de famosos e se metem demais na privacidade deles, entendem? Algo assim está acontecendo comigo, mas não se preocupem, meus amores, isso já vai passar.
Nós conseguimos fazer as comprar sem mais aquele alvoroço. Quando chego ao caixa, a moça começa a passar as compras.
— Boa tarde. Cartão?
— Sim. — Eu pego o cartão da minha carteira.
— Crédito ou débito?
— Débito.
Entrego meu cartão para a moça, que coloca na maquininha e me mostra para colocar a senha. Termino de digitar e ela continua.
— Quer sua via?
— Não, obrigado.
É tão incrível conversar com alguém como se eu fosse apenas alguém normal, não um famoso em crise, com sua carreira sendo ameaçada com apenas alguns anos de estreia. Pego as compras com uma mão e, com a outra, seguro na mão de Thomas, que dá a mão para Lana. Coloco as compras no carro e depois abro a porta para os dois entrarem. Me acomodo no banco da frente antes de pegar as chaves. No momento que eu vou colocar a chave na ignição, meu celular toca. É um desconhecido, e eu fico muito tentado a não atender.
— Uhn, alô? — Minha respiração fica presa, minha boca fazendo um perfeito 'O'. Tenho que segurar meu celular com mais força para não o derrubar, antes de falar apressado. — Número errado!
Mas claro que tanto eu, quanto ele, sabemos que esse é o número certo. Eu deixo minha cabeça cair sob o volante, buzinando o carro sem querer. Eu respiro um segundo antes de começar a dirigir o carro para casa, só quero que esse dia acabe logo.
》HWH Luxury Living. Los Angeles — 11 de setembro de 2003 — 03h33am
Eu me viro para o outro lado da cama, fazendo o cobertor descobrir meus pés, que logo puxo para dentro novamente, nunca se sabe o que está embaixo da cama. Mais alguns minutos se passam, até eu ter a certeza de que não conseguirei dormir mais nenhum minuto essa noite. Levanto da cama, colocando minhas pantufas, e vou até o caminho da cozinha. Quase não me assusto mais quando vejo um vulto preto, eu ligo a luz, e ele some, como todos os outros que já apareceram.
Eu pego um copo de água, me encosto de costas para o balcão e finalmente penso no alguém impossível de não se pensar. Toda essa história é uma merda. Claro que seria muito mais fácil eu apenas negar, falar que foi uma montagem, uma fake news muito bem feita. Mas que tipo de pessoa eu seria se fizesse isso? Um mentiroso, alguém que carregaria a culpa de algo que poderia ser evitado. Eu fico ponderando isso, enquanto giro meu dedo ao redor do copo gelado de água, até chegar à conclusão. Com certeza todo meu ser já sabia o que eu deveria fazer, e apenas não tinha contado para meu cérebro.
— Foda-se — eu murmuro, antes de largar o copo na pia e voltar para meu quarto. Eu vou para meu quarto também apenas para deitar e ficar olhando para o teto até os primeiros raios de sol começarem a clarear, indicando que a vida está começando novamente. As ruas logo se encherão de carros e pessoas irão para seus trabalhos. Meu celular apita com uma notificação e eu o pego.
Laura Moore
online
Eu apenas visualizo a mensagem, largo meu celular no travesseiro ao lado e levanto da cama para me arrumar no banheiro.
》Creative Artists Agency (CAA) — 11 de setembro de 2001 — 08h13
Eu chego ao local com meu carro e fecho o rosto quando noto Félix à vista. Logo depois, noto Laura próxima a ele. Hesito em cumprimentar qualquer um deles. Em vez disso, simplesmente sorrio e não digo nada. Não consigo evitar olhar para Félix, algo parece ter mudado, embora eu não consiga identificar exatamente o que é.
— Nós vamos para Nockfell para você fazer seu depoimento — Laura fala, sem muita vontade.
— Nockfell? Nós? Vocês vão junto? Por quê?
— Foi o que pediram para mim, não temos muito o que fazer. Nós vamos no meu carro.
Estava meio desconfortável e duvidoso com a situação, mas Nockfell é Nockfell, sempre vai ser algo misterioso. Na frente do carro, Félix tenta ser cavalheiro, abrindo a porta para mim, mas eu nem ligo. Simplesmente sento no banco de trás, sem dizer nada. Depois de um momento meio estranho, ele entra também e senta ao meu lado, enquanto eu olho fixamente pela janela. Sal, Sal, eu murmuro em minha mente o seu nome como um mantra. Como será que ele está? Ele ainda se lembra de mim? Deve lembrar, com certeza deve. A viagem é silenciosa, e nem noto que estou pegando no sono até dormir apoiado na janela. Estava tão cansado que nem tive sonho, apenas uma soneca rápida e necessária.
Eu acordo bem na hora que passamos pela placa de boas vindas da cidade, o 'Nock' na placa foi pichado com um X vermelho, e o 'F' foi trocado por um 'H', ficando uma bela placa escrita "Welcome to hell", algo que, ao meu ver, combina muito com essa cidade de merda. A próxima coisa que vejo é o presídio de Nockfell, e isso já me anima mais. Por que eu estou tão animado? Eu consigo entender que ainda gosto de Sal, mas não deveria me sentir tão animado assim.
Deveria?
(Eu tive tudo e depois a maioria de você)
Some and now none of you
(Um pouco e agora nada de você)
Take me back to the night we met
(Leve-me de volta para a noite em que nos conhecemos)
I don't know what I'm supposed to do
(Eu não sei o que devo fazer)
Haunted by the ghost of you
(Assombrado pelo fantasma de você)
A recepção da prisão é uma sala grande, com cadeiras metálicas que rangem e estalam frequentemente para as visitas aguardarem, enquanto a equipe da recepção cuida da entrada em um balcão com painéis de vidro que separa eles de Félix e Laura, que estão à minha frente. Há um sistema de segurança que está fortemente presente através de câmeras e outros dispositivos de vigilância. O local é iluminado por luzes fluorescentes, e há uma atmosfera de tensão e ansiedade no ar. O local todo tem um cheiro forte de desinfetante. Do lado esquerdo, há uma escada vermelha de metal que dá acesso aos andares superiores. Tudo parece pequeno, apertado e desordenado, uma visão da desorganização da prisão.
Nós somos guiados para uma sala com uma mesa cinza no centro. Do outro lado, há uma porta, provavelmente o caminho para o resto da prisão, onde ficam os presos. Há pessoas entrando com equipamentos profissionais, posicionando câmeras para a mesa ainda vazia.
— Por que eles estão aqui?
Eu pergunto a Laura, mas quem responde é um homem que parece estar no comando.
— Para gravar a sua entrevista com Sally Face.
Isso me atinge de surpresa, e eu odeio surpresas.
— O quê? Não! Isso não foi o que vocês combinaram com a Laura! Eu estou indo embora, eu já não queria isso mesmo.
Eu me viro para a saída apenas para parar segundos depois, ao escutar o dispositivo liberar a porta que liga a sala com o resto do anexo da prisão. Mesmo sem vê-lo ou tocá-lo, eu já consigo sentir sua presença em cada poro meu, como uma névoa densa preenchendo o ambiente. A minha mão no bolso do moletom preto se agita sozinha, enquanto minha respiração acelera e meu coração parece que vai parar. Um turbilhão de emoções acontece em minha cabeça, algo quase insuportável demais para uma única pessoa aguentar. É uma mistura de alívio, incerteza, excitação e tantas outras coisas que nem consigo processar, e acho que não conseguirei por um bom tempo.
Eu olho para ele por cima de meu ombro, é cuidadoso e delicado. Tomo cada detalhe com cuidado, saboreando cada fio de cabelo azul, apenas um pouco maior agora, cada detalhe de seus olhos, apenas mais cansados, cada detalhe de sua respiração, apenas mais agitada. É como, em segundos, ver a mais bela obra de arte que já existiu, e, mesmo assim, não ver nada. Seus profundos olhos azuis olham para mim, apenas por segundos, até se abaixarem novamente... Você não pode fazer isso comigo. Vê-lo depois de tanto tempo é como encontrar uma parte de mim que eu nem sabia que estava faltando, eu me afogaria nessa sensação para sempre.
E então toda minha vontade de ir embora evapora de meu corpo e eu me viro totalmente, olhando para o repórter.
— Eu acho que… por mim, está tudo bem fazer ambas as coisas, depor e aparecer na televisão.
Me levam para me sentar ao lado dele, e eu tenho que me conter muito para não olhar para ele, ou sorrir. Depois todas as explicações são dadas, que será filmado e mostrado ao vivo, sem cortes, e que provavelmente precisará de mais de um dia para a gravação. Nós apenas concordamos.
— Certo, vocês podem começar contando do dia que vocês se conheceram, ok?
Eu fico surpreso por ele não ter começado a entrevista/depoimento perguntando se o vazamento era real ou não, mas acredito que quando eu aceitei fazer essa entrevista foi uma confirmação não dita.
— Errr, você quer…?
— Não, pode começar você primeiro — Sal pela primeira vez fala.
— Ok. Antes de eu começar a contar, eu queria dizer que aconteceram algumas… coisas antes de eu me mudar para os Apartamentos Addison, e eu acho melhor não contar tudo agora.
O repórter não fala nada, apenas acena com a cabeça para eu continuar.
》Hospital Central, Nockfell — 18 de agosto de 1998 — 15h03pm
8 meses
Eu acordo naquela sala branca com cheiro de remédios e um relógio fazendo um tique-taque enlouquecedor no silêncio do quarto. Eu estou em um hospital, e então minhas memórias começam a se formar de novo. Os corpos mortos e o fogo na minha antiga casa.
A informação seguinte cai em minha cabeça como um míssil em queda livre: meu irmão morreu.
Quando eu o encontrei morto, foi quando aprendi o que é o verdadeiro ódio. Estava gelado e avassalador. Espalhava-se por cada centímetro de quem eu era, cobrindo tudo o que seria daquele dia em diante. Isso me consumiu, arranhando meu coração e apertando até que ele parasse de bater. Uma coisa morta e congelada em uma jaula de ossos e frio.
Quando encontrei Nathaniel morto, eu jurei a mim mesmo que iria me vingar. Faria qualquer coisa necessária. Eu farei o que fosse preciso. Nenhuma linha é muito sagrada, nenhum limite é muito difícil. Eu explodirei através de todos eles se conseguir o que quero.
Vingança.
E eu já sei exatamente quem culpar.
Eu me levanto da cama para descobrir que estou ligado a vários tubos em minhas veias, sendo obrigado a deitar novamente para não as romper. Quanto mais eu demoro, mais eles têm chance de escapar, e eu odeio isso.
Eu estou olhando para o teto, quando um homem com aparência cansada, mas conservada, entra no quarto, e eu nunca havia o visto antes.
— Max, muito prazer, meu nome é Elis, e eu estava esperando você acordar.
Isso é um teste? Só pode ser essa a resposta. O que esse homem quer?
— Desenvolva.
— Bem, a partir de hoje, eu vou ficar encarregado de cuidar de você… seu pai já tinha conversado comigo sobre isso.
Então ele e meu pai se conheciam, isso pode ter algum benefício para mim. Eu o espero continuar a me explicar a situação, enquanto apenas fico inexpressivo olhando para ele, mascarando tudo o que eu estou pensando na mente, algo que é desenvolvido bem cedo naquela casa.
— Eu vou garantir que você tenha tudo o que precise. Estava vendo um apartamento antes de ser informado que você acordou.
— E o que eu preciso fazer em troca?
— Nada, eu estou fazendo isso porque seu pai pediu.
— Nós dois sabemos que aquele homem não era de pedir favores sem algo em troca.
— Bem, talvez você não o conhecesse tanto quanto pensa… Eu vou esperar você lá fora.
E então ele sai assim como entrou, silencioso, mas confiante que eu aceitarei. Eu respiro fundo, notando apenas agora que eu estava segurando a respiração. É uma oferta boa, muito boa. Não terei que me preocupar com nada além de recolher informações e planejar minha vingança, enquanto me faço de sonso para o homem. Mas isso não parece tão fácil quanto ele fala… “talvez você não o conhecesse tanto quanto pensa”. Essa frase fica dando voltas e voltas na minha cabeça.
Ele sabe de algo, ele sabe de algo. Ele pode ser uma fonte de informações se você o manipular bem, Max.
A enfermeira entra no quarto para avisar que eu estou liberado e tira com cuidado as agulhas de minha veia, segurando no meu braço. Eu fico mais ansioso quando ela me toca, mas não falo nada, eu consigo aguentar aquilo. Apenas espero aquilo acabar. Ela coloca um curativo redondo idiota de ursinhos e corações. Assim que ela se vira, eu tiro do meu braço, mesmo doendo um pouco pela pele estar sensível. Eu vou aceitar a proposta de Elis, mas vou ficar muito esperto. Se ele acha que pode me enganar, ele está muito, muito errado. Como ele disse, ele estava me esperando na porta do lado de fora do quarto.
— Eu aceito.
— Certo então, a partir de hoje, você está sob minha guarda, e se quiser falar para os outros que eu sou seu pai para não levantar suspeitas, você pode. Como eu disse, eu estava vendo um apartamento para você, meu irmão era dono, mas ele foi preso, então está livre por um tempo. Você tem alguma coisa que queira fazer antes de eu te mostrar?
— Eu quero adotar um gato. Meu pai me falava que eles eram muito idiotas e não via sentido em eu ter um.
Resolvo não citar a parte de que quando eu era mais novo ele mandou eu e meu irmão torturarmos um gato que levamos para casa. Ele não precisa saber disso.
— Claro, eu conheço um lugar perto dos apartamentos. Vamos para o meu carro.
Sigo ele mesmo sabendo que poderia ser um sequestro ou pior. Eu levo minha mão no bolso e sinto meu canivete ainda lá, a única coisa que eu salvei do incêndio, pois era a única coisa que importava naquela prisão de casa, um presente do meu irmão. Ele dirige devagar pelas ruas até um pet shop, e, depois de alguns minutos, eu chego à área de gatos. Fico olhando para eles, até um gato preto e filhote chegar mais perto da grade e eu sei, apenas sei, que é ele. Ofereço minha mão para dar carinho e então toco sua cabeça com cuidado.
— Você vai querer esse?
— Sim, vou.
Pego ele cuidadosamente e o acomodo em meus braços, seguindo Elis até a recepção do lugar. Deixo-o cuidando do resto enquanto entro no carro. Alguns minutos depois, ele aparece denovo.
— Vamos a uma confeitaria para você dar alguns doces para o pessoal do prédio e fazer amizade.
Eu não quero fazer amigos ou conversar com os moradores, quero apenas começar a planejar minha vingança meticulosamente, mas não posso recusar, se não vai parecer estranho demais. Apenas concordo com minha cabeça. Os próximos acontecimentos são que ele para em uma confeitaria e me dá uma forma de brownies que parecem bons, o que me obriga a deixar o gato no colo para segurar a forma direito.
E então ele chega ao prédio, “Apartamento Addison” parece um nome ruim, mas não pior que o prédio, que tem uma energia pesada de longe, uma construção de tijolos não muito alta, mas assustadora.
— Eu acabei de receber uma ligação e não vou poder entrar com você, mas faça você mesmo a exploração. O número do apartamento é 204. — Ele me entrega a chave e uma caixinha pequena. — Use isso quando você puder abrir ela.
E então ele dirige para o horizonte, me deixando na frente do prédio.
— Tudo bem, Max. Apenas entregue o brownie e se apresente como um morador novo. Como alguém normal.
Eu adentro no prédio, cumprimento o porteiro e entro no elevador, apertando o segundo andar para o meu apartamento. É bem óbvio, são 5 andares, e o primeiro número do apartamento sempre indica o andar correspondente, mas não posso deixar de achar algo estranho, é mais fácil apenas usar um número normal.
Me distraio pensando nisso que nem percebo alguém se aproximar até ser tarde e a pessoa esbarrar em mim, desequilibrando a forma em uma de minhas mãos e a fazendo cair no chão.
— Deuses, eu sinto muito mesmo.
O garoto olha para mim. A primeira coisa que noto é uma máscara cobrindo seu rosto e percebo ser uma máscara facial protética que é principalmente branca, mas com uma mancha roxa em seu olho direito. Ele também tem olhos e cabelos azuis.
— Não se preocupe, eu nem queria entregar mesmo.
— Você é o novo morador, né? Meu nome é Sal, mas meus amigos me chamam de Sally Face.
— Max, meu nome é Max.
Eu me abaixo para juntar as fatias do brownie caídas e ele se abaixa para me ajudar, nossas mãos quase se tocam igual aqueles clichês melosos, mas eu a coloco em outro lugar antes disso acontecer. Eu não preciso de mais drama na minha vida, obrigado. Nós seguimos para a lixeira próxima e descartamos no lixo.
— Ainda sobrou um na forma. — Eu seguro melhor meu gato e ofereço para ele o pedaço. — Bem… a gente se vê por aí, Sal.
Giro pelos calcanhares e fico de costas para ele, andando para meu apartamento.
— Obrigado! — ele grita para mim, e eu apenas o ignoro. Garoto estranho. Só entreguei o brownie para causar uma boa impressão, é sempre bom ter pessoas para nos dar informações. E para conseguir isso é preciso uma boa impressão, parecer uma pessoa gentil e amigável.
Eu não consigo conter minha alegria e agradeço muito por minha máscara esconder o sorriso em meu rosto. Tenho que ir esfregar na cara de Larry que eu conheci o morador novo antes dele e contar que ele aparentemente é da nossa idade.
— Você não acredita! — Coloco minha cabeça para dentro do quarto de Larry antes de entrar totalmente.
— A velha da Packerton de matemática morreu?!
Ele está realmente torcendo para ser essa notícia, está estampado em todo seu rosto.
— Não, melhor.
— Estão dando pizza grátis?
Bufo, desistindo desse jogo de adivinhação, já que ele nunca acertará.
— Eu conheci o morador novo. E, Jesus em uma motocicleta, ele é…— Eu jogo meu corpo na cama, enterrando o rosto no travesseiro e gritando.
— Tá… ok. Você está tendo um gay panic, mas o que isso tem a ver comigo?
— Você não entendeu. Ele provavelmente tem nossa idade e provavelmente vai estudar conosco, porque nossa escola é uma das únicas boas de Nockfell.
— Eu acho que boa é uma palavra muito forte, mas é provável. E ele é gente boa pelo menos?
— A gente não conversou muito, e eu meio que fiz ele derrubar uma forma inteira de brownies no chão.
Larry apenas murmura um ‘meu Deus’ e se arrasta para deitar comigo.
— Desde quando você sai por aí achando pessoas, principalmente homens, bonitas?
— Esse é o problema, eu não faço.
Depois disso, nós ficamos apenas em silêncio, às vezes puxando assuntos que morrem rápido assim como começam. Um tempo depois, eu decido ir para casa, me despeço dele e caminho até meu apartamento, dessa vez não encontrando Max no caminho.
Sinceramente, acho que sou um desastre ambulante, ele deve pensar que eu tenho dois pés esquerdos.
— Oi, pai, como você está?
A casa está cheirando uma comida deliciosa, e eu logo sei que ele está de bom humor hoje.
— Oi, Sal. Você já conheceu o novo morador? Pelo o que o síndico disse, é apenas ele morando aqui.
— Só... ele? Mas eu acho que ele tem a minha idade!
— Talvez os pais dele apenas querem que ele já saiba se virar sozinho.
— É, mas mesmo assim isso é estranho.
Nós conversamos mais um pouco sobre as minhas férias da escola já estarem acabando, e que agora será o último ano escolar. Eu sinceramente não estou animado em escolher uma faculdade. Depois disso, eu e meu pai jantamos e eu decido ir para meu quarto.
01h06am
Eu me reviro na cama, já sem sono depois do pesadelo que eu tive. Me levanto e pego uma blusa de frio e me esgueiro para fora do apartamento cuidadosamente para meu pai não acordar. Prefiro subir as escadas quando estou saindo furtivamente para o telhado do prédio. Quando eu paro na porta de emergência, ela já está entreaberta. Meus pés vão para fora do prédio. E porra…
Porra.
Alguém está sentado na beira do telhado e tem o cabelo mais lindo e vermelho bordô que eu já vi em toda minha vida. Ele esvoaçava pelo vento que atinge o telhado na madrugada e eu tenho que me segurar muito para não estender a mão e tocar, mesmo estando longe demais para realmente realizar o ato. Deveria tossir, ou anunciar minha presença pelo menos, mas não consigo, apenas fico observando a silhueta.
— O que você está fazendo aqui?
Ele se vira, e eu vejo apenas por conta da luz da ponta do cigarro que ilumina seu rosto que é Max. Estava esperando vê-lo novamente durante o dia, mas não agora, de madrugada e no escuro da noite. Ele está aqui, em carne e osso, cabelo vermelho, mãos grandes segurando um cigarro, pele clara e olhar vazio…
— Apenas… tomando um ar.
Ele olha para mim como se não acreditasse, mas então vira seu rosto para a frente novamente. Me movo até ficar mais próximo dele e ele me olha.
— O que você veio fazer nessa merda de prédio?
É uma pergunta genuína feita por mim, ele com certeza não parece o tipo que mora em lugares como esse, assombrados e assustadores.
— Não é da sua conta.
Seguro minha risada, porque, por algum motivo, eu acho engraçado ele tentando ser mau comigo.
Ele está sentado em um pilar de concreto que existe no telhado antes dele começar a se inclinar com telhas e terminar com uma canaleta para escoar água. Eu me aproximo mais dele, me sentando ao seu lado no concreto fino demais para se manter por muito tempo sem se desequilibrar. Ele tenta se afastar, mas seu equilíbrio cede e ele escorrega, tendo que apoiar seu pé na telha. Quero avisar que aquelas telhas não são confiantes, mas é tarde demais, o ladrilho desliza pelo pé dele e se arrasta nas telhas molhadas de sereno, enquanto as mãos dele voam à procura de algo para se segurar.
Antes que eu consiga terminar de pensar no que estou fazendo, minha mão agarra a frente de sua camisa, agora em vão, porque nós dois estamos escorregando com os sapatos escorregando para trás. A minha bunda bate no telhado e Max em cima de mim. Nós deslizamos juntos em pânico, com os pés tentando firmar em algo.
Nós vamos cair.
Juntos.
Alguém vai encontrar nossos corpos ao pé da entrada do prédio emaranhados e pensarão que somos amantes desafortunados com um fim trágico?
Meus calcanhares encostam na canaleta e eu coloco cada força existente em mim para me segurar, mas sinto que minhas pernas cederão em breve. Max é maior e mais pesado. Vejo seu braço esticado, músculos e força bruta. Sinto quando ele consegue se apoiar em algo acima de mim, pois minhas pernas não estão fazendo tanto esforço agora. Max está lutando e segurando para que eles não caiam do telhado.
Juntos.
Max se pressiona sobre mim e engancha seu outro braço sob minha axila. Eu me agarro a Max, com meus braços ao redor de seu pescoço.
— Pés seguros?
Ele pergunta a mim, sem fôlego algum.
— Sim.
— No três você empurra e eu puxo a gente para cima.
Ele conta até três e eu empurro meus calcanhares com toda a força que eu consigo enquanto ele grunhe. Não é a hora, realmente não é, mas é sexy para caralho, e eu estaria tendo um surto gay se não estivesse lutando pela minha vida, centímetro por centímetro, grunhido por grunhido. Max nos puxa para cima do telhado com apenas um braço.
A coisa toda dura dois minutos no máximo, mas parece uma vida toda. Eu estou suado e cansado. Ele também está com calor, porque Max aparentemente é a porra de uma fornalha, e ele está agora em cima dele, o observando também suado e ofegante. Quando ele percebe que eu estou em cima dele, seu corpo trava e ele murmura.
— Puta merda… Saia de cima de mim.
Eu rolo para longe dele, deitando ao seu lado, e agora nós dois estamos ofegantes e suados. Quando tive alguma fantasia como essa, eu esperava menos ‘quase morte’ e mais nudez, mas sinceramente? Estou aceitando tudo agora.
— Aliás, isso quase caiu.
Eu viro a cabeça e vejo a mão de Max me oferecendo meu gear boy. Mesmo com todo esse alvoroço ele ainda o segurou, por quê? Estico minha mão, tocando meus dedos no dele levemente, enquanto pego meu vídeo game. Me lembro da vez que Larry perdeu a cabeça quando ficou duro por uma garota ter tocado sua mão. Honestamente? O mesmo. Somos dois adolescentes patéticos, emocionalmente constipados, perdendo a cabeça por um toque.
Max se senta e aproxima os joelhos do corpo, apoiando os cotovelos nele. Sigo com os olhos a curvatura de suas costas, o suéter preto se esticando sobre os músculos que agora conheço por experiência própria que são capazes de puxar duas pessoas. É uma visão quase hipnótica, e percebo que nunca vou encontrar paz enquanto não souber o quão forte Max realmente é. Eu conheci o fruto proibido e entendi completamente porque ele é proibido. Mas compreender e respeitar são coisas diferentes de desejar. O desejo de querer provar é simplesmente forte demais para não pensar.
Percebo que está fazendo alguns movimentos estranhos, como se estivesse manuseando algo invisível.
— O que você está fazendo?
Max suspira, provavelmente para não me dar outra resposta atravessada para me lembrar do quão intrometido eu sou.
— Imaginando um cubo mágico, ainda não tive chance de comprar um e montar.
— Então você gosta… — Ele me corta.
— Não quero falar com você.
— É. É. Eu entendo. Eu só estava… não. Mas eu entendo. Eu vou achar um cubo mágico para você e vou voltar aqui amanhã.
— Talvez eu fale com você então.
— Você é tão confuso, honestamente.
— Isso parece um problema seu.
Nós ficamos em silêncio, apenas nos olhando, e eu gosto disso, ter a atenção de Max treinada totalmente para mim.
— Okay. Então, se eu trouxer um cubo mágico, tudo bem? Você não… é tipo insistente. E eu posso sentar aqui com você e apenas… ser?
Max assente. E é uma pechincha, Max não ganha absolutamente nada com isso, então ele espera que Max ria dele, porque ele poderia estar em qualquer outro lugar, com qualquer outra pessoa. Por que aqui com ele?
— Ótimo! Isso é… eu gostaria disso.
— Há algo muito errado com você, Sal.
— Existe algo de errado com todo mundo, e também muita coisa certa.
— Então você é do grupo do copo meio cheio…
— E você do meio vazio?
— Seco.
Rio sem me conter dessa vez, eu adorei o humor dele.
— Você acha isso engraçado, né?
— Max, sério. O que aconteceu com seu cabelo? Ele estava preto umas 5 horas atrás.
Ele pisca uma, duas, três vezes, confuso com minha mudança de assunto tão drástica.
— Eu quis mudar.
Minha mão se move involuntariamente para tocar seu cabelo, sendo parada por um tapa da mão de Max na minha.
— Tá, entendi… você não gosta de toque.
— Se você tentar isso de novo, eu terei que te jogar do telhado.
Sorrio e me levanto.
— Eu acho que vou ter que ir agora, está ficando meio frio demais…
— Tá bom.
— Até… amanhã?
Ele dá de ombros e eu apenas saio do telhado, dando uma última olhada nele antes de descer as escadas. Chego ao apartamento e finalmente consigo ter um resto de sono bom e tranquilo.
Quando eu acordo, a primeira coisa que faço é correr para Larry.
— Eu preciso de um cubo mágico, você tem um?
Adentro seu quarto, o vendo acordar com um susto e sentar na cama.
— Para quê?
— Eu não posso te contar, mas vai me fazer muito feliz. Você tem um?
— Eu… Talvez na casa da árvore tenha. Vou apenas colocar uma roupa, me espera lá fora.
Eu o espero igual ele me disse, e então seguimos para a casa na árvore ao lado do prédio. Cada passo, um momento mais próximo de poder conversar com Max denovo, observar seus dedos longos envoltos de anéis trabalhando no cubo colorido. Eu estou me tornando um tolo por ele.
— Você realmente não vai me contar para que você precisa?
— Não. Talvez no futuro, mas não posso. — E, na verdade, eu nem tenho muito o que contar.
Agradeço por ele ser meu melhor amigo e apenas me entregar o cubo sem mais perguntas.
— Me conte tudo sobre a pessoa quando você puder.
— Tá… Espera, quê?!
Ele cai na risada.
— Você não esconde as coisas tão bem quanto acha. Mas eu não vou insistir.
Nós seguimos em um silêncio confortável até o quarto dele novamente, e então aproveito para tomar café com ele e Lisa, que não para muito no apartamento desde que ela e meu pai se casaram. Ela faz as melhores panquecas do mundo. Depois de comer, nós voltamos ao quarto de Larry e eu decido contar a ele meu mais novo sonho.
— Ontem à noite eu tive mais um pesadelo, era sobre três livros… um tinha um pentagrama na capa, outro um bode e outro não tinha nada. Eles estão por aí, Larry, eu sinto isso… e estão ficando cada vez mais fortes e prontos para atacar. Uma guerra vai acontecer, nós sabemos.
— Sally, calma, cara. Nós ainda temos tempo… quando nos formarmos, iremos atrás de todos esses filhos da puta de cultistas, mais do que já fazemos.
Meus olhos procuram conforto nos dele, e então estamos se abraçando no momento seguinte. Nós não somos irmãos de sangue, mas se ele precisar do meu, eu darei.
(Eu não sei o que você faz)
It's unbelievable
(É inacreditável)
And I don't know how you get over, get over
(E eu não sei como se supera, supera)
Someone as dangerous, as tainted and flawed as you
(Alguém tão perigoso, contaminado e falho como você)
》Phelps Ministry. Nockfell — 23 de agosto de 1998 — 06h10pm
A cara de espanto de Travis Phelps, seguido pelo sútil desespero nos olhos de seu pai, Kenneth Phelps, foram o suficiente para valer a pena ter acordado tão cedo para ir à igreja. Eu ignoro o velho, apenas olhando para o loiro mais novo, que fica vermelho como um tomate e olha para a partitura novamente. Se ele achou que nunca mais veria meu rosto, ele está muito enganado. Eu não posso julgá-lo. Quando você fica quase um ano transando com uma pessoa, as imagens dela podem aparecer na sua cabeça se vocês ficarem três anos sem se ver. Isso vai ser divertido pra caralho, penso enquanto espero o culto chato acabar. Com os últimos agradecimentos, o pastor agradece a presença de todos, e eu sigo para trás da igreja, onde Travis sabia que eu estaria.
— Eu pensei que você estava morto.
O loiro fala quando se aproxima o suficiente para saber que eu o escuto.
— Pois é, surpresa. — Meu tom é o habitual frio e sarcástico de sempre desde meus 7 anos.
— Eu senti sua falta.
— Não minta, é feio.
— Eu não estou mentindo, você sabe como eu te…
— Se você terminar essa frase, eu vou te socar.
— Max…
— Eu só quero saber se vocês ainda se encontram no mesmo lugar.
— Os Devoradores de Deus?
— Shiu… fala baixo. Eles têm olhos em tudo, principalmente nessa merda de igreja, e você sabe.
— Max… por que você vai continuar indo? Seu pai está morto, e não tem sentido nisso…
— Porque eu quero.
O silêncio é estranho. Ele olha para mim como se não entendesse o que eu estou fazendo, e nem eu entendo.
— Você mudou. Tanto mentalmente quanto… fisicamente.
As suas mãos encostam no meu braço apenas por segundos até eu segurar seus pulsos com força e as afastar de mim.
— Não, a gente não pode.
— Eu só quero ficar com você enquanto a gente resolve essa merda!
E então ele está chorando. É sem aviso nenhum e meu aperto fica mais fraco, mas meu rosto continua inexpressivo. O choro continua por alguns minutos, um homem chorando porque está perdendo seu amor, um homem chorando porque ele está quebrado por dentro, assim como Max e todos os outros.
— Se vai ser assim, então me deixe te beijar uma última vez… Porque eu estava enlouquecendo sem você, e se eu não posso te ter para sempre, me deixe te ter pelo menos por esse minuto.
— Travis, você não está pensando direito, eu não…
Eu não posso mais fazer isso, porque eu preciso te proteger de tudo que está por vir, e o único jeito de fazer isso é te afastando.
Eu queria que não tivesse sido assim.
Minhas mãos seguram seu rosto e eu o beijo, porque eu estou confuso. Porque ele é o único que eu suporto o toque. Porque esse seria o único jeito dele me contar as coisas. Apenas o beijo porque eu estou confuso, e triste, e muito bravo, tudo ao mesmo tempo. Não é um beijo delicado ou amoroso, porque vai ser a última vez, é um beijo desesperado, e molhado, porque ele está chorando. Minha mão segura sua cintura, traçando círculos no osso do seu quadril, que se inclina para frente para nos encostar e eu empurro de volta, o prendendo na parede da igreja, recebendo um som do fundo de sua garganta em resposta.
Quando a gente se afasta, ele está uma bagunça, e eu apoio minhas mãos ao lado de sua cabeça, colando nossas testas, respirando pesadamente.
Travis está lindo, ele é lindo. E eu queria muito continuar com isso, lamber seu pescoço, enterrar meu rosto na curva de seu pescoço e beijar pontos que eu sei que ele gosta. O embalar em meus braços e o proteger de tudo isso. Mas eu não posso, isso só piorará as coisas, isso o colocará em perigo.
— Agora… me conta quando as reuniões são feitas, e onde.
E então ele fala. Lógico que ele fala, porque eu acabei de o beijar como se minha vida dependesse disso, e realmente depende. Porque agora minha vida funciona apenas pela minha vingança, e a minha vingança depende disso.
— Mas, você sabe… depois de você ir, não tem mais volta.
— Perguntei? — Ele suspira, um pouco ofendido, e resolve mudar de assunto.
— Você vai para Nockfell High School? Ou para outra escola?
Merda. Eu ainda tenho o terceiro ano e eu tinha me esquecido. Desde que tudo aconteceu, meus planos mudaram. A melancolia volta para mim e eu percebo que não tem motivo para eu estudar para algo. Eu tenho planos e dificilmente eles acabam comigo vivo, então não há motivos para eu querer seguir meus sonhos, ter uma carreira, uma família.
— Você está bem?
— Eu não sei… eu tenho que ir.
Antes de uma resposta, eu me viro e caminho de volta para o prédio. Aquilo tudo era uma bosta, mas é o único jeito de pará-los, e sou eu quem pode fazer isso, apenas eu. Antes era meu irmão que iria fazer, mas ele morreu. Então só sobrou eu para vingar todo mundo que sofreu nas mãos deles. Eu queria que não fosse eu.
Eu, Nathaniel, Travis, Ophélia.
Tem que ser eu.
Meu caminho muda e em minutos eu estou no cemitério, procurando onde minha família está enterrada. As lápides estão alinhadas. Martin Stiller, Nathaniel Stiller, Ophélia Stiller. Olho para a grama ao lado lápide da minha mãe e algo começa a acontecer — um buraco se abre, revelando uma mão esquelética, que se estica em minha direção. Tento me afastar, porém sinto meu corpo preso, mãos segurando meus braços e pernas, impedindo qualquer movimento. Antes de ser alcançado pela mão do túmulo, volto para a realidade. Levanto-me, ainda trêmulo, amaldiçoando as alucinações horríveis que parecem me perseguir aonde quer que vá. Começo a andar rapidamente para a saída do cemitério apenas para trombar com alguém, que, por reflexo, seguro os braços para não cair. Eu estava muito rápido para a pessoa conseguir manter o equilíbrio.
— Max?
— Porra, a gente tem que parar de se encontrar assim.
Sal Fisher olha para mim e eu solto seus braços, dando alguns passos para trás.
— É, você está certo… e você não foi ao telhado na quarta.
Merda.
— Eu estava ocupado com a mudança.
— Você vai ir hoje?
Merda, merda.
Deveria dizer não, argumentar que ainda faltam alguns detalhes para a mudança. Mas meu tempo está se esgotando, e cada grão de areia da ampulheta que escorre entre meus dedos é precioso. Vou morrer em breve e desejo aproveitar pelo menos uma coisa boa da vida. Então, mesmo com as dúvidas e preocupações, eu me dou conta de que a vontade de viver, mesmo pelos poucos meses que me restam, é forte o suficiente para vencer qualquer vontade de não querer. Aparentemente, meu coração ainda está batendo para esse garoto. Há algo misterioso nele, e eu quero descobrir isso. Eu consigo sentir. A interferência do culto na vida dele.
— Talvez.
Faço meu caminho para a saída do cemitério e passo o resto do dia fazendo anotações sobre o culto, preparando minhas refeições, tocando minha guitarra e indo para minha aula de boxe. Travis mencionou que uma reunião seria hoje e parece uma péssima ideia ir. Mas, como sempre, não sou exatamente conhecido pelas melhores decisões. Então, decido ir, encarando a perspectiva de me intrometer em uma reunião secreta de um culto misterioso.
— Max, você resolveu aparecer.
O líder do culto, Kenneth, se aproxima de mim assim que eu entro onde eles se encontravam. A característica mais marcante de Kenneth é sua máscara de cachorro cinza. Ele usa o tradicional manto preto e azul-acinzentado do Culto, embora com decoração extras, já que ele é o líder, como alguns tecidos a mais em seus ombros. Da mesma forma, em vez das roupas dentro da capa serem pretas igual às de seus subordinados, as dele são de um azul-acinzentado mais claro, com bainhas vermelhas estampadas na saia e na parte inferior das mangas.
E apenas de olhar para ele eu consigo ver meu pai, e isso é horrível.
— Sim, claro que eu vim.
Nós não vamos fazer nada hoje. Ele apenas me leva para um local mais reservado, e consigo ver um leve vislumbre de Travis em sua capa nos observando de longe.
— Você sabe, desde que seu pai morreu, o lugar dele está vago. Você pode ser o novo líder como eu e nós seremos imbatíveis juntos. Você é um menino inteligente, Max.
Minha estratégia está em pleno andamento, seguindo o plano que havia pensado cuidadosamente nessas semanas. Durante metade da conversa, meu cérebro está a mil, mapeando os próximos passos, tomando cuidado para não revelar muito, enquanto parece simplesmente interessado em seguir os passos de meu pai. Na outra metade, eu respondo com falso interesse, simulando interesse na conversa para manter a ilusão e convencer Phelps de minha lealdade. Tudo é parte do meu plano para ascender rapidamente na cadeia de poder e então… xeque-mate, Devoradores de Deus.
— ... nós teremos outra reunião daqui duas semanas. Vamos fazer sua integração nesse dia.
— Claro, eu me sentiria muito feliz.
Não preciso de Kenneth para me explicar o que eles fazem ou qual é o objetivo final do culto, já que vivi aqui a vida toda. Depois de andar até estar longe, me sento no meio-fio da rua, percebendo a loucura daquilo tudo. Não posso fazer tudo isso, não quero ser eu a lidar com isso. Mas a questão é que a vida não se importa com nossos desejos. É minha responsabilidade, quer eu queira ou não. As palavras de Kenneth percorrem em minha mente, me levando a uma espiral de ansiedade. Meu coração dispara e eu começo a me sentir desorientado, agradecendo por já estar sentado. Minha mente fica confusa, incapaz de processar todas as informações e preocupações ao mesmo tempo. Tudo o que consigo pensar é: "Eu não posso fazer isso. Não quero ser eu.” Minha respiração está ofegante, com meu corpo tremendo de ansiedade. Então, sinto um pingo em meu rosto, me atordoando com a mudança repentina de clima. Mais alguns pingos, e logo está chovendo forte, e eu me vejo completamente ensopado pela intensidade da chuva. Pelo menos isso ajudou a dissipar minha ansiedade.
Eu tenho que ir para casa, penso, enquanto me levanto e começo a andar na chuva. Já passa das 10 da noite, então a rua está vazia, todo mundo se preparando para descansar e começar a nova semana. Apenas as luzes das casas mostram algum sinal de pessoas. Está muito frio para o final de agosto.
A chuva para, e então eu sigo obedientemente para o telhado, esperando Max. Ele vai vir, né? Ele tem que vir. Minha cabeça vira para a porta a cada cinco minutos, e então ele aparece. Honestamente, quem permitiu esse homem ser mais lindo do que já é? Ele está todo molhado e o cabelo pinga gotas em seu rosto. Max se aproxima e se senta ao meu lado, olhando para mim nos olhos.
— ... Oi.
— Oi.
A gente não fala mais nada. Ele fica me olhando, apenas olhando, enquanto seu cabelo pinga sob ele. Eu quebro o contato, entregando o cubo para ele. Max murmura um obrigado e fica mexendo nele. Eu decido que não precisamos conversar hoje, apenas temos que deixar ir. Ele só fala comigo quando pega um cigarro no bolso.
— Se importa?
— Não, não se preocupa.
— Você fuma?
— Não, parece que a fumaça comprime minha cabeça e não me faz pensar direito.
Então ficamos em silêncio de novo. Eu estou sentindo o ar batendo em mim, vejo Max trabalhando no cubo, olho para o chão e depois para as estrelas.
Eu o observo. Eu faço muito isso e sei que Max percebe, mas essa é uma coisa que ele simplesmente não reconhece, não liga. E eu digo a mim mesmo que está tudo bem. Eu não preciso saber se Max pensa em mim dessa forma. Na verdade, eu sei que é mais provável que ele não pense. Certo? Exceto que há momentos. E eu estou me apegando a esses momentos como se fossem uma tábua de salvação.
Eu preciso conversar com ele.
— Você gosta de música?
Pergunto a Max, me reclinando para abraçar meus joelhos. Está ficando frio. Ele vira a cabeça para me olhar, uma expressão alarmada no rosto.
— Que tipo de monstro não gosta de música?
Eu sorrio, mesmo ele não conseguindo ver pela máscara.
— Certo, justo. — Eu coloco as mãos atrás da cabeça, tentando relaxar e passar o frio, o que é difícil quando você está lado a lado com o garoto dos seus sonhos. — Algum favorito?
— O que você conhece tanto?
— Bem... Todd ama Bowie. Larry é obcecado por Queen e Sanity's Fall. E Ash gosta de tudo um pouco.
Então ele fixa seus olhos pretos no meus azuis e diz:
— E você? Do que você gosta?
Isso faz eu sorrir para o céu e falar descaradamente.
— ABBA.
E, por alguma razão, é isso que faz Max rir. É apenas uma risada surpresa no começo, como se ele tivesse sido pego de surpresa e tivesse escapado sem sua permissão. Eu olho para ele tão rapidamente que meu pescoço dói, mas eu não me importo, não consigo me importar, porque eu encaro Max e então ele perde a batalha consigo mesmo e começa a rir.
Max está rindo.
É suave e silencioso. Seus ombros estão tremendo e ele está curvado como se quisesse esconder, mas eu posso ver os cantos de sua boca virados para cima.
E eu consigo ouvir.
É como tudo que Max faz. Elegante. Gracioso. A risada de Max é musical, e eu quero morrer de tão adorável que ele é. Eu quero que ele nunca pare de rir. Não importa que Max esteja rindo de mim. Tudo o que importa para mim é que isso está acontecendo, eu fiz isso acontecer e me sinto invencível agora.
— Oi! — eu digo, com mais expressão do que o necessário. — Dancing Queen é a melhor música de todos os tempos, certo? Não aceitarei nenhuma calúnia ao ABBA.
Max faz um som sufocado, como se estivesse tentando parar de rir, mas não consegue evitar. O meu peito está cheio. Cheio de alegria. Cheio de orgulho. Cheio de desejo. Cheio de coisas que eu não consigo nomear.
— Dancing Queen?
Max diz, olhando para cima através dos cílios. Há uma lágrima no canto do olho, e a minha boca se abre. Ele simplesmente… Ele é adorável demais. Ele é perfeito, e ele está aqui comigo, e ele está sorrindo.
— You are the dancing queen. Young and sweet, only seventeen... — eu digo e dou uma pequena sacudida de ombros para garantir. Max ri novamente e esconde o rosto entre as mãos.
Preciso de uma câmera imediatamente. Eu preciso que isso seja imortalizado para a futura geração. Neste momento, bem aqui, Max Stiller sorrindo para mim. Já passei tempo suficiente com Max para saber que isso é especial. Isso é precioso. E é para mim que ele está sorrindo.
Eu quero que Max Stiller sorria para mim todos os dias pelo resto da vida, e a enormidade desse pensamento deveria assustar-me, mas não assusta. Não me assusta porque o que mais eu estou fazendo neste telhado se não... eu não consigo mentir para mim mesmo. Eu quero saber tudo sobre esse garoto. Eu estou aqui por ele. Eu estou aqui por mim mesmo.
— Esse é o seu favorito?
Max pergunta, passando a mão pelo cabelo agora quase seco. Ele recuperou um pouco do controle, então não está mais rindo, mas ainda está meio sorrindo e eu honestamente quero chorar de quão feliz essa coisinha me deixa.
Eu não posso ser culpado, no entanto. Porque Max sorrindo é outra coisa. Seu rosto muda, relaxa. A carranca desaparece e é como se alguém tivesse acendido uma luz dentro dele.
— Não — eu digo a ele. — Minha música favorita não é do ABBA.
— A traição! — Max diz, e eu fico boquiaberto, de boca aberta. Max está... brincando? Ele pode brincar? Comigo. Eu estou começando a me preocupar que ele tenha ficado doente pela chuva que pegou. Ele desvia o olhar.
— Não. — Eu deixo escapar. — Não. Isso foi engraçado. Eu só... não estou acostumado com isso.
Max está olhando para mim novamente, mas ele está carrancudo agora. O que, honestamente? Eu gosto também. Eu acho que só gosto de Max, no geral. Tudo sobre ele.
— Não está acostumado com o quê?
— Você. Assim — eu digo suavemente. — Eu gosto.
Max pega um cigarro e o acende. Após uma grande baforada de fumaça, ele diz.
— Bem? Música favorita?
— Bohemian Rhapsody.
— Sua favorita é da mesma banda favorita de seu meio-irmão? Irônico, mas compreensível.
— Em minha defesa, eu gostava antes... Como você sabe que Larry é meu meio-irmão?
— Você me disse.
— Não disse, não.
Nós nos olhamos, e então ele parece tenso. Um cigarro balança em seus dedos. Ele está usando seus anéis, todos prateados, e um grande suéter marrom. Eu gostaria de abraçá-lo, pedir para sentar entre suas pernas e apenas... ficar ali enquanto ele fuma, na curva do seu corpo. Eu não faço isso, é claro. Mas eu quero.
— Esquece isso. Do que música você gosta?
— November Rain — Max diz. — Você conhece?
— Eu acho que não.
— Seu sem cultura! Não sei por que ainda estou falando com você — Max brinca novamente.
— Como a música soa?
— Triste — ele diz, dando de ombros. — Ouça se puder.
— Essa é a sua favorita?
Ele balança a cabeça, cabelo vermelho voando.
— Meu favorito é... — Ele para. Olha para mim. — Não importa. Sim. Esse.
— Não pode ser pior que ABBA. Prometo não rir de você.
Max suspira, vira os olhos para cima. Uma gota cai em sua testa. Eu olho para cima também. Minha máscara é atingida. Está começando a chover de novo e parece que vai ser forte. Eu sinto a irritação rastejar em minhas veias. Isso é uma piada? Eu quero sacudir o punho para o céu. As coisas estavam indo tão bem. Nós estávamos se divertindo, e Max estava sorrindo! Por que o universo me odeia? Max se levanta.
— Certo. Bem.
Eu pulo de pé, quase perdendo o equilíbrio. Ele retifica no último minuto, bem a tempo de eu estender a mão e impedir Max de andar em direção a qualquer lugar e ir embora.
— Espera!
Eu pareço um pouco sem fôlego. A chuva está ficando mais espessa. Minhas roupas estão começando a ceder e meu cabelo está grudando na máscara. O cabelo de Max também está pesando de novo. Mas ele para e vira o rosto para olhar para mim, embora uma gota de chuva esteja escorrendo pelo seu nariz. Eu tenho uma vontade louca de beijá-lo. Não seria algo? Um beijo na chuva. Porra. É como um daqueles romances românticos que a minha mãe gostava de ler.
— Qual é sua música favorita, Max?
Ele olha para mim por um longo momento, procurando meus olhos. De alguma forma, nós nos aproximamos, até que eu consiga ver as pequenas gotas de água grudadas nos cílios de Max. E ele está apenas... olhando. Ele está sendo ousado sobre isso também, traçando as linhas da minha máscara com seus olhos. Eu fico parado, deixo Max fazer o que quiser. Eu sei que se ele me tocasse, ou me beijasse, eu simplesmente deixaria. Na verdade, quero que ele faça isso. Os olhos dele caem para onde a minha boca estaria atrás da máscara e meu coração pula uma batida. Depois outra. Mas Max olha para cima novamente, pisca.
— Je Te Laisserai Des Mots — Max responde suavemente. Então, ele se vira e vai até a porta sem olhar para trás.
Eu fico. Eu fico muito tempo depois que minhas roupas estão encharcadas e grudadas em minha pele. Eu fico mesmo que meu corpo comece a tremer. Eu fico, porque Max Stiller aparentemente fala francês e ele falou um pouco de francês comigo. Era isso, certo? Isso significa que a música favorita dele é em francês? Eu vou ter que investigar. Eu vou aprender francês também. Estou decidido. Porque quando Max disse essas palavras, soou tão bem que me quebrou e me reconstruiu do zero.
08h15am
Ponho minha mochila na mesa e apoio a cabeça nela. Ainda acredito que a noite passada foi um sonho, o melhor que eu já tive. Ele lá, simplesmente lindo, e nós conversando. Foi a melhor conversa que já tivemos e quero conversar com ele novamente. Aquela ligação entre nós era como nenhuma outra que eu já tinha experimentado. Sento ali, desejando, mais uma vez, que tudo tivesse sido real.
— Você ao menos está nos escutando, Sal?
A voz de Ashley me tira do transe, e eu levanto meu olhar para meu grupo de amigos, onde todos estão olhando para mim.
— Não, com certeza ele não estava.
Todd fala, após olhar para mim por alguns segundos, e arruma seu óculos. E depois foi a vez de Larry olhar para mim e falar.
— Eu já sei o que aconteceu com ele! Ele está pensando na garota misteriosa que ele está conhecendo.
— Garota misteriosa?
A morena pergunta, e eu enterro minha cabeça na mochila, soltando um longo gemido de frustração misturado a um suspiro. Depois disso, nego com a cabeça e afirmo.
— Não tem garota nenhuma, gente.
— Então para quem era aquele cubo mágico?
Antes de eu responder, Ashley levanta da cadeira, a fazendo arranhar o chão. A observo sair da sala e trombar com um garoto.
Max?!
Ele olha para mim por alguns segundos e depois se desculpa com Ashley, abrindo caminho para ela passar.
— Max!
Eu me surpreendo por não ser eu quem chama seu nome, e sim, Todd, que se levanta para cumprimentá-lo.
— Todd, bom te ver de novo — Max o cumprimenta educadamente.
— Como vocês se conhecem?
Larry pergunta, e eles explicam. Eu não consigo prestar atenção, porque Max Stiller parece iluminar a sala inteira assim que entra nela, e então eu percebo o problema que eu mesmo criei.
Estou gostando de um cara hétero.
Todd e Max falam algo sobre curso de química no ano passado, e que Max era alguém bom para fazer trabalhos.
— Aliás, esse é Larry. E aquele ali é Sal.
— É um prazer conhecer vocês.
Ele olha profundamente nos meus olhos enquanto diz. Deveria me machucar um pouco, ele dizendo isso como se não me conhecesse, mas não machuca. Porque ele sorriu quando disse isso, e eu adoro o sorriso dele. Aquilo era quase como uma provocação, uma pequena fagulha de intimidade entre nós, mesmo com ele fingindo não me conhecer. Mas sua expressão alegre e o fato de ele estar aqui, olhando para mim, é o suficiente para fazer meu coração apertar.
— Max!
Um grupo de garotos no fundo da turma chamam ele, e em resposta eles obtêm um sinal de mão indicando que ele já iria.
— Eles te conhecem? — Larry pergunta, se inclinando para falar mais baixo.
— Eles são… eram amigos do meu irmão.
— Bem, eles são meio barra pesada.
— Eu sei. Eu vou ver o que eles querem.
E então ele se afasta, mas antes olha uma última vez para mim. Max chega ao grupinho deles, e um deles passa um braço em volta do ombro dele como se fossem velhos amigos, e o olhar mortal que ele recebe de volta arrepia até a mim. Eu quero gritar com ele, dizendo que Max odeia toques de alguém e que ele não tem permissão de o tocar, mas quando me dou conta desse pensamento, eu percebo o quão afundado eu estou em relação a ele. Deito novamente minha cabeça na carteira e deixo uma única palavra sair.
— Merda…
— Eu acho que eu já entendi o que está acontecendo aqui — Todd fala, e Larry olha para todos os cantos, procurando o que Todd viu para entender algo.
— O quê? O que está acontecendo?
Interlúdio: Todd’s POV
Eu observo quando Max é praticamente arrastado contra sua vontade para fora da sala de aula pelos seus novos “amigos”. Sou amigo dele o suficiente para entender quando ele está desconfortável, ainda mais com pessoas que ele nem conhece o tocando. Me levanto e arrumo meus óculos, me despedindo brevemente de meus amigos.
— Max! Você está ocupado agora?
E então eles param e olham para mim, e depois para Max, que nega com a cabeça.
— Não, não estou ocupado. A gente conversa depois, ok, gente?
E, antes deles responderem, Max se solta dos braços de um garoto e vai em minha direção enquanto eles se afastam.
— Todd, acho que você é um anjo. Obrigado.
— Não precisa agradecer, Max.
— Eu queria falar com você mesmo.
— Sim, pode falar.
— Eu… preciso da sua ajuda. — Reprimi um suspiro de surpresa por Max ter engolido seu orgulho e pedido ajuda, mas ele consegue ler meu rosto. — Todd, é sério. Eu já te contei sobre o culto, e você provavelmente deve ter ligado alguns pontos, então eu tenho um plano. Mas não consigo sem você.
08h36am
— Você enlouqueceu.
— Não, é sério. Nós conseguimos fazer isso.
— Acho que você está querendo morrer e não sabe como.
Max vai falar algo, mas o sinal toca, indicando que as aulas começarão em breve.
— Confia em mim.
(Você não é bom para mim)
Baby, you're no good for me
(Querido, você não é bom para mim)
You're no good for me
(Você não é bom para mim)
But baby, I want you, I want
(Mas querido, eu quero você, eu quero)
— Você me ensinaria a montar um cubo mágico?
Eu pergunto depois de ficarmos apenas sentados no telhado, enquanto Max fuma e monta o cubo mágico.
— Eu posso te mostrar alguns movimentos básicos.
— Sim! Isso... Claro.
Nós passamos o resto do tempo comigo prestando atenção em como seus lábios se movem quando ele fala sobre algo que gosta, eles ficam mais felizes, de algum jeito. A carranca de seu rosto também some, ele me explica enquanto olha para o horizonte e às vezes para mim. Ele me ensina a estrutura, os movimentos e algumas dicas que, segundo ele, aprendeu depois de montar vários tipos diferentes de cubos.
— Você vai vir amanhã, não vai? Eu vou tentar montá-lo amanhã.
— Sim, eu venho.
Ele mantém sua palavra e aparece no telhado na terça-feira à noite. Nós nos sentamos, e ele fuma. Eu trabalho no cubo mágico. Nós não conversamos muito nesse primeiro dia, como se precisássemos deixar ferver. Eu consigo sentir que ele ainda não confia em mim, o que é bom. Eu posso ser paciente. Eu vou ganhá-la. Algo em meu intestino me diz que Max vale a pena, se ao menos eu puder tirar um tempo para me esgueirar pelas pequenas rachaduras em suas paredes.
Quarta-feira à noite é melhor. Max me pergunta sobre guitarras, enquanto eu trabalho no cubo mágico. Eu estou ficando melhor nisso, mais rápido, е então nós passamos quase duas horas discutindo marcas, modelos e especificações. É a conversa mais longa que eu e ele já tivemos.
Max me insulta, ou mais especificamente, minha escolha de marca, mas eu não me importo, porque a voz de Max tem menos mordida.
O resto da semana passa, e nós nos encontramos no telhado quase toda noite. No sábado, nós concordamos em faltar, porque meus amigos iriam dormir na minha casa e eles descobririam se eu desaparecesse na madrugada sem deixar rastros. A ideia foi de Max, já que eu nem havia pensado nisso, mas concordo imediatamente.
No domingo, nós nos encontramos novamente. E na segunda. E na terça. Nós falamos sobre música e instrumentos musicais. Sobre teoria do caos (onde Max explica o efeito borboleta para mim, e percebo que já havia pensado sobre isso, mas nunca desenvolvi um pensamento ou uma pesquisa). Max também conta sobre física quântica, onde na maioria do tempo eu só consigo pensar o quão inteligente ele é, me sentindo cada vez mais atraído por esse homem. E ele também fala sobre sua paixão em atuação e que ele adoraria ser ator algum dia, e não posso deixar de notar uma leve tristeza em seu olhar enquanto ele fala. Eu conto a Max sobre os espíritos do prédio, porque ele parece alguém que gostaria disso, explico que encontrei um cartucho de um jogo estranho para meu Gear Boy, onde provavelmente conta a história dessas pessoas mortas do prédio, mas que achei muito difícil de terminar. Ele se prontifica a me ajudar a passar as fases se eu quiser.
Nós falamos sobre fofocas da escola, porque sou amigo de Larry, e ele é uma velha fofoqueira amiga de todos, então eu sei de tudo. Max fica chocado ao saber que há rumores de que a professora de Geografia está tendo um caso com a de História, embora todos suspeitem que ela esteja apaixonada pelo professor de música em meio período.
Na segunda quarta-feira, eu resolvo o cubo mágico quase sem olhar para ele, e Max comenta sobre o fato de que eu o domino. Ele diz isso de uma forma que deixa ambíguo o suficiente para que eu não saiba se estou sendo elogiado ou insultado, mas eu gosto mesmo assim. Eu o coloco entre nós, e nós não falamos nada por um tempo. Eu percebo que serviu como uma espécie de amortecedor, porque se eu estava ocupado resolvendo enquanto nós conversávamos, então não havia espaço para mais nada. Mas agora que não há mais sentido em mexer com isso, bem. Parece um pouco diferente, mas de um jeito bom.
Quinta-feira à noite, eu sento-me mais perto de Max do que antes. O outro garoto não reconhece, mas também não se afasta. Eu conto isso como uma vitória. Já é setembro e o outono está chegando, as folhas ficando escuras e a temperatura mais amena.
— Você quer sair dar uma andada por aí? — Max pergunta, olhando para a rua lá embaixo e depois para mim. — A gente pode comer uma pizza ou algo assim.
— É sério?
— Sim, eu estou com fome mesmo.
— Bem, então claro, vamos.
Eu e ele saímos do prédio usando as escadas laterais para não encontrar ninguém indesejado a essa hora da noite. Caminhamos e conversamos um pouco. Ele para para comprar a pizza para dividirmos e insiste em pagar, já que a ideia foi dele.
— Eu fui convidado para participar do time de futebol americano da escola.
Max diz, depois de morder uma fatia de pizza. O pessoal do time não é muito gente boa, mas são realmente bons no esporte.
— Isso é legal. Você vai participar?
— Acho que sim, eu tenho que fazer um teste ainda, mas… — Ele para de falar e vira seu rosto para o lado esquerdo, onde há uma pequena floresta. A cada quadra que passamos, a cidade fica mais pacata e silenciosa. — Você escutou isso?
— Não.
Mas, segundos depois, eu escuto, parece algo se arrastando para fora das árvores, alguns rugidos e respirações, um brilho meio esverdeado também aparece cada vez mais à medida que a coisa sai da mata.
E lá está, começando a se revelar pela mata. Um brilho estranho e esverdeado, acompanhado de rugidos e sons arrastados. Uma sensação fria percorre minha espinha, enquanto eu observo a coisa se aproximando. Max, ao meu lado, murmura.
— Sally, você também está vendo, não é?
Está mais próximo agora, e posso ver mais detalhes da criatura. A face parece pertencer a uma espécie de cachorro do mato, só que maior e meio translúcida, com aquele brilho verde estranho. Os olhos são profundos e parecem absorver a cena ao redor, enquanto a boca deixa à mostra presas estranhamente afiadas. Um sentimento de pavor e fascínio me invade ao mesmo tempo, e eu não consigo desviar o olhar.
— Corre.
Max me puxa pelo pulso quando a besta começa a correr atrás de nós. Ela é mais alta e maior que nós, e claramente não é amigável. Nós começamos a correr o mais rápido que podemos, tentando escapar do inesperado perigo. O som de galhos se quebrando e gemidos atrás de nós é quase palpável, instilando um terror ainda maior em nossos corações. Eu corro sem olhar para trás, concentrado apenas em seguir Max e fugir dessa criatura.
Corremos até chegar ao muro do cemitério da cidade. Max é habilidoso, fazendo um degrau com as mãos para que eu possa subir rapidamente. Assim que estou seguro, estico a mão para ele, o puxando com toda a força. Nós dois ofegamos, tentando recuperar o fôlego enquanto observamos a besta se aproximar lá embaixo, mas incapaz de nos alcançar devido ao muro. Ficamos ali, respirando fundo, aliviados por estarmos seguros, pelo menos por enquanto.
Antes que possa respirar aliviado, escuto outra besta atrás de nós. Ela parece ter se aproximado silenciosamente, enquanto estávamos distraídos observando a primeira. Ela de algum jeito consegue me pegar e me puxar para dentro do muro. Não tenho tempo de reagir enquanto sou agarrado pela segunda, que solta um rugido ameaçador para Max. Eu estou no chão do cemitério agora, lutando contra a segunda besta. Tento desesperadamente empurrar a cabeça dela longe, lutando contra as poderosas mandíbulas que se fecham na minha direção. O cachorro do mato fantasma solta rugidos e latidos furiosos, tentando alcançar com seus dentes afiados. Eu luto pelo meu espaço, tentando com todas as forças me soltar dessa situação perigosa e desesperadora.
— Max!
Max chega e consegue empurrar a besta para longe de mim, mas logo ela avança nele também. Ele é mais forte do que eu, então consegue afastar melhor a criatura. Enquanto Max luta contra o cachorro do mato, eu procuro alguma coisa perto de mim para tirar a atenção da besta, mas paro quando escuto um grunhido, depois outro vindo da criatura. Consigo ver que Max tira um canivete no bolso e rapidamente consegue fazer vários golpes na fera. A besta finalmente cai no chão, se afastando de nós de vez.
Vendo a besta no chão, eu posso finalmente ver que é realmente um cachorro, e a sensação de alívio dá espaço às memórias ruins que sempre surgem quando eu vejo um cachorro. Um sentimento de pavor começa a crescer dentro de mim, trazendo à tona imagens que eu tento muito esquecer. As imagens dolorosas invadem minha mente, e eu começo a tremer e a me afastar rapidamente da besta no chão. Minha mãe…
Minha respiração começa a ficar ofegante, enquanto tento desesperadamente me afastar da criatura que jaz no chão. O pavor se agrava e eu sinto meu coração bater forte no peito. Minhas mãos tremem de medo, e eu quero fugir daqui assim que possível. A imagem do cachorro no chão é uma lembrança constante das imagens da minha mãe morta, e agora parecem estar sendo revividas.
— Ei, Sal…, o que foi?
Não consigo responder, apenas me jogo desesperadamente nos braços dele, sem conseguir falar nada. Os traumas e o medo ainda permeiam minha mente, fazendo com que eu queira apenas ficar próximo de alguém, qualquer um. Apenas alguns segundos depois, eu lembro: Max odeia toque físico. Eu aguardo a rejeição iminente, o empurrão que me jogará de volta no chão, mas, para minha surpresa, não acontece. Em vez disso, ele permanece parado, e, segundos depois, suas mãos hesitantes encostam em minhas costas.
— Q-quê?
— Está tudo bem, Sally. Respire.
Eu perco a noção de tempo enquanto choro nos braços dele, minha percepção do entorno já turva. Passado algum tempo, eu me dou conta de que estamos nos locomovendo, mas eu não estou mais no chão, com os pés na calçada. Max me carrega aparentemente sem esforço algum. Estou extremamente cansado e no caminho de volta eu acabo adormecendo em seus braços, me sentindo seguro e acolhido em seu abraço.
》Apartamento 204. Apartamentos Addison. — 4 de setembro de 1998 — 07h03am
Patas macias e fofinhas me acordam, ou melhor, me cutucam no nariz. Eu passo a mão no pelo fofinho, mas logo noto que não é o meu gato, Gizmo, e sim outro. Meus olhos se acostumam com a claridade, e então eu lembro.
Não estou em casa.
Eu dormi no colo de Max.
A segunda coisa que eu noto é que não estou usando minha máscara, o que significa que ele a tirou enquanto eu dormia. Esse pensamento deixa minha mente turva por um momento. Só saio de meu devaneio quando a porta do quarto é aberta.
— Eu acho que meu gato te acordou. — Ele se aproxima e pega o gato de cima de mim, falando com ele. — Isso é falta de educação, Jinx.
Eu observo enquanto Max gentilmente levanta o gato para longe da cama. Eu respiro fundo, tentando reunir meus pensamentos.
— Eu... eu estou no seu quarto? Max, o que aconteceu ontem à noite? A última coisa que eu lembro é... a criatura no cemitério. Você... você me carregou de volta — digo suavemente, minhas bochechas corando ao lembrar de um momento tão próximo com Max. — Por que você me trouxe aqui? Quero dizer... obrigado, mas... por quê?
Eu olho ao redor da sala novamente, meu olhar se demorando nos pertences e toques pessoais de Max. Sinto uma mistura de curiosidade e incerteza, meu coração batendo forte enquanto eu aguardo a explicação de Max.
— Bem, eu não iria bater no seu apartamento e te entregar desacordado para seu pai no meio da madrugada.
Ele responde, a mordida em sua voz voltando como no primeiro dia nosso no telhado. Mas talvez ele esteja apenas estressado depois de tudo de madrugada, então não ligo muito.
Estremeço levemente com o tom da voz de Max, mas não consigo deixar de sentir uma pequena sensação de alívio por não ter sido deixado sozinho depois de uma experiência tão traumática. Eu concordo, entendendo o raciocínio de Max para me levar para seu quarto.
— Eu... eu agradeço, Max. Sério. Eu só... eu não tinha certeza se você me queria no seu espaço pessoal assim. Desculpe se te deixei desconfortável. Sei que você não gosta de ser tocado...
A minha voz some, e eu olho para baixo, meu coração disparando enquanto penso sobre o abraço compartilhado no cemitério. Apesar do meu próprio medo e dor, eu aprecio aqueles poucos momentos de proximidade com Max. O garoto se vira e sai do quarto. Da cozinha, ele fala para mim.
— Deveria ir para seu apartamento. Seu pai deve estar preocupado, e temos aula daqui a pouco. Sua máscara está aqui na cozinha.
Eu assinto, levantando da cama e alisando minhas roupas amarrotadas. Vou até a cozinha, meu coração pesado com uma mistura de gratidão e incerteza. Enquanto Max me entrega a máscara, nossos dedos se roçam brevemente, enviando um arrepio pela espinha.
— Obrigado, Max. Por tudo. Eu… É, obrigado.
Eu digo suavemente, minha voz cheia de apreciação genuína. Eu hesito por um momento, meu olhar permanece no rosto de Max. Eu quero dizer mais, expressar a profundidade dos meus sentimentos por ele, mas as palavras ficam presas na garganta. Em vez disso, simplesmente aceno e me viro para sair, meu coração doendo com um desejo que não consigo compreender.
Caminhando de volta para meu apartamento, minha mente está cheia de um turbilhão de emoções. Os eventos da noite anterior, as criaturas aterrorizantes, a proximidade inesperada com Max, todos se misturam, criando uma mistura confusa de medo, alívio e algo mais profundo que não consigo nomear.
Eu faço uma pausa do lado de fora da porta, respirando fundo antes de entrar. Meu pai não está em lugar nenhum, provavelmente já fora para o dia. Sou grato pela solidão, precisando de um momento para processar tudo o que aconteceu.
Sentado na beira da cama, passo as mãos pelo rosto, sentindo o peso da máscara contra a pele. Fecho os olhos, lembrando da sensação dos braços de Max ao meu redor, a suavidade de sua voz enquanto ele me assegurava que tudo ficaria bem.
Um pequeno sorriso puxa o canto de minha boca sob a máscara. Talvez, apenas talvez, essa experiência nos tenha aproximado, talvez seja um marco na nossa amizade.
15h33pm
Eu espero todo mundo sair do vestiário depois da aula de educação física para poder ficar sozinho nele. Eu também gosto de me trocar em paz, sem meus amigos brincando ao seu redor. É o pouco de tempo sozinho que tenho, e eu o saboreio. Ninguém imaginaria que eu gosto de silêncio. Se você perguntasse aos meus amigos, eu ficaria mais feliz em um lugar agitado. Contando piadas e fazendo as pessoas rirem. Isso é correto. Mas eu também gosto de momentos sozinho. Silêncio. Uma pausa das expectativas que vêm com todos os olhos em mim. É diferente para Larry, porque Larry não pode ser deixado sozinho. Eu sei e entendo isso. Larry tem demônios empoleirados em seu ombro e se ele está sozinho, eles sussurram em seu ouvido. Ele melhorou em lutar contra eles, mas eu suspeito que a batalha do irmão com o trauma é para a vida toda. Eu queria o livrar de todos os traumas, mas não posso, então eu faço barulho com Larry para manter os demônios afastados. E os poucos momentos de silêncio que tenho aqui e ali são bons. Um descanso. Alguns momentos para me recompor para que eu possa continuar lutando por meus amigos.
Eu tiro a roupa fresca para praticar esportes e a jogo em uma pilha, sem perder tempo para vestir meu usual jeans. Estou apenas fechando os botões na frente da minha calça, quando ouço o som inconfundível e francamente perturbador de um chuveiro. Não deveria haver ninguém aqui. Ninguém mesmo. O time anterior a ter treinos terminados há muito tempo. Eu programo isso de propósito. Não há absolutamente nenhuma razão para alguém ainda estar aqui.
Quem diabos está perturbando o meu silêncio? Absolutamente inaceitável. Calçar e amarrar as botas demora mais do que eu gostaria, então eu mal consigo dar um passo à frente quando o intruso sai do chuveiro.
E bem.
Porra.
Tipo. Sério. Posso sentir meu queixo praticamente bater no chão. Minha boca fica seca. É um milagre que eu ainda esteja de pé. Como alguém poderia ser confrontado com um Max Stiller molhado, usando apenas uma toalha pendurada nos quadris, e sobreviver ileso é um mistério para mim. Porque eu não sou e nunca mais serei o mesmo. Esta imagem tatuou-se atrás de minhas pálpebras para sempre.
Eu quero dar em cima dele. Quero dar uma olhada, um sorriso, uma tentativa de flerte. Inferno, pelo que eu sei, Max nem gosta de garotos. A maioria das pessoas acha isso errado. Nojento. E sabendo o que eu sei sobre Max, há uma grande chance dele me amaldiçoar por sequer sugerir que eu poderia achá-lo atraente.
Então eu simplesmente fico ali, com um milhão de pensamentos passando pela minha cabeça e incapaz de me mover, respirar, ou funcionar, porque há gotas de água grudadas nos planos do corpo de Max e captando a luz, e Deus tenha misericórdia, eu não estou bem. Max não se incomoda e não percebe meus pensamentos frenéticos. Ele para por um segundo, uma mão alojada em seu cabelo vermelho molhado, olha para mim com uma leve confusão, como se tentasse adivinhar por que eu estou aqui tarde, franze a testa um pouco e então caminha até uma fileira de armários sem dizer uma palavra. Sua pele é perfeita pra caralho. Sem manchas, apenas as sardas que também estão em seu rosto. Ele é só... Eu acho que Max é o ser humano mais lindo que eu já vi.
— Vá embora.
Max diz bruscamente, olhando por cima do ombro. No tempo em que estava tendo uma crise interna, ele vestiu uma calça preta. Ele para por um momento, estica os braços sobre a cabeça. Minha respiração falha enquanto ele arqueia um pouco as costas, descuidado, como se ele não desse a mínima de eu estar ali. Max pega uma camisa.
— Eu só... eu não achei que alguém ainda estaria aqui — eu digo, mesmo sem saber o porquê. Eu deveria apenas me virar. Andar até meu canto. Terminar de me preparar e ir para casa. — Por que você ainda está aqui?
Max não se incomoda em olhar para mim dessa vez.
— Não é da sua conta.
Acontece que isso foi a pior coisa que Max poderia ter dito, porque agora estou curioso e fascinado pelas maneiras como a pele de Max se move sobre seu corpo enquanto ele se veste. Eu percebo, em algum lugar no fundo da minha mente, que não deveria estar assistindo. Mas também, Max não reclama na verdade. Ele não está nem um pouco incomodado, até onde posso perceber. Talvez porque ele é gostoso e ele saiba disso.
— Estou curioso — eu digo a ele. Honesto. Aberto. Sempre funcionou para mim. Eu sou um péssimo mentiroso. — É melhor você me contar para que eu possa parar de ficar curioso e o deixar em paz. Caso contrário, vou te importunar até obter uma resposta.
Max se vira de costas para mim, e eu fico feliz, porque eu não posso e não vou tocá-lo, mas enquanto ele me permitir, eu continuarei a olhar, porque esse garoto é um presente absoluto das divindades.
— Fisher, você tem cinco segundos para se retirar da minha presença antes que eu comece a remover seus membros do seu corpo.
Max diz. É cortante e frio. Como se ele quisesse dizer isso. Alguma coisa aconteceu, porque ontem nós estávamos bem e conversando, e hoje ele voltou à frieza de antes. É insano, eu penso. Sei que Max não pode fazer algo assim. Nós estamos na escola, há regras, limites.
Além disso, ele não faria isso. Ele só... faria?
Meu intestino revira e é tanto medo quanto excitação. Algo está muito errado comigo, mas ainda consigo dizer se uma ameaça é ou não vazia.
Uma parte minha quer acreditar que Max não me machucaria de verdade, mas não tenho certeza, e isso é... bem. Eu não deveria gostar tanto disso, disso eu tenho certeza.
Assim, eu não poderia ficar brincando e descobrir. Porque esse é Max, e ontem mesmo ele lutou contra uma fera maior e mais pesada que ele e a matou. E hoje ele está aqui, sem nenhum arranhão em seu perfeito corpo.
Eu recuo. Max volta a se vestir.
Leva apenas dois segundos para que meu cérebro comece a sair pela tangente. Por que Max está sozinho aqui tão tarde? Ele realmente me machucaria?
Ele é lindo do jeito que as coisas perigosas são. Facas. Penhascos. Fogo. Rochas irregulares golpeadas pelo oceano.
Max muda e fica mais distante, como se ele estivesse tentando me afastar.
— Por que você está assim?
Ele se aproxima de mim, suspirando pesadamente.
— Eu não sou essa pessoa que você idealiza. Já tentei de todas as formas possíveis te manter longe. Te afastei, te ignorei, te disse coisas cruéis. E mesmo assim você voltou…
— Você acha que eu não percebi? Eu notei, Max. Notei tudo. Mas eu também notei outras coisas, além dessa sua fachada, seu lado gentil e suave. O Max que se permite rir de coisas idiotas e falar sobre o que gosta. E é com essa parte que eu quero estar… mesmo que essa outra parte também me agrade um pouco.
Então o olhar de Max muda de apático para algo entre uma ameaça de morte e um desejo intenso, talvez seja um desejo intenso de me matar. A essa altura, já havia terminado de me trocar, então apenas ando até a porta, ajustando minha máscara no rosto. Lanço um último olhar para ele por cima do ombro e saio do vestiário.
—————
Larry Johnson.
Depois de procurar Sal pela escola toda, eu o vejo saindo pela porta do vestiário do outro lado do campo.
— Sal! — grito seu nome, na intenção de chamar sua atenção, enquanto corro pelo campo para alcançá-lo. — Sério, por que você demorou tanto?
Ele vai começar a se explicar, mas uma voz do vestiário fala por ele.
— Me desculpa por tomar o tempo dele, Larry.
O garoto sai completamente da sala e segue seu caminho, olhando de canto diretamente para Sal. Eles estavam aprontando algo.
— Que porra foi essa? Desde quando você fica sozinho com Max em vestiários?
— É, pois é, eu acho que… desde hoje?
Aquela pequena interação foi o suficiente para que, pela próxima semana, Sal me arraste para todos os lados atrás de Max pela escola, quase como um stalker maluco.
》Campo esportivo. Nockfell High School. — 9 de setembro de 1998 — 15h07pm
— Eu realmente acho que ele é tipo 100% hétero.
Concluo, depois de Sal me fazer assistir todos os treinos de futebol americano de Max embaixo das arquibancadas. Apoio minha cabeça em uma das estruturas.
— Ah é? Por quê?
— Bem, vamos começar pelo básico. Ele anda com o time de futebol, ou seja, nas festas deles só tem garotas gostosas. Se isso não é motivo suficiente, ele toca guitarra. Que gay que toca guitarra, Sal Fisher?!
— Uhn, bem. Eu toco guitarra.
— Você é bissexual, não conta.
Ele apenas bufa em resposta por eu não concordar com o seu ponto de vista.
— A gente poderia… Na real, a gente não pode fazer nada — Sal fala, seguindo meu movimento e se encostando na barra de metal, sua cabeça fica em meu ombro. — Me apaixonei por um garoto hétero.
Apenas encosto meu queixo em sua cabeça, em sinal de conforto. Sinceramente, só quero que Sal fique longe de Max para não se machucar mais.