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Última Atualização: 12/05/2025.A cafeteria recém aberta estava sendo o maior sucesso da cidade, e aquilo era indiscutível. passeou os olhos pelo lugar assim que botou os pés lá dentro. As paredes eram revestidas com tijolos aparentes, pintados em tons claros de creme, criando um contraste acolhedor com o teto em madeira escura. O ambiente era iluminado por luminárias pendentes com luz quente, que jogavam um brilho suave sobre as mesas de madeira rústica.
Uma grande estante de livros ocupava uma das paredes, repleta de volumes antigos e modernos, além de pequenos vasos de plantas que adicionavam um toque de frescor. Perto da entrada, um balcão de mármore branco com detalhes em cobre exibia doces artesanais e pães frescos, enquanto a máquina de café cintilava atrás dele, como o coração pulsante do lugar.
As janelas amplas deixavam a luz natural entrar, revelando uma vista encantadora da rua arborizada de Seogwipo, com as montanhas ao fundo. Almofadas coloridas decoravam os assentos junto às janelas, convidando os clientes a relaxarem com uma xícara de café quente enquanto observavam o movimento da cidade. No ar, o aroma de grãos moídos na hora misturava-se ao cheiro de baunilha e canela, criando uma sensação de lar que tornava difícil querer ir embora.
escolheu um lugar da cafeteria para sentar-se, deu sorte que apesar de bem cheia, ainda sobraram alguns lugares ao fundo da mesma. Depositou a bolsa sobre a mesma e pegou o cardápio entre as mãos sentindo o alívio gostoso daquele ser ainda um dos poucos lugares da cidade que os cardápios não eram em QR code.
Ela passou os dedos pela superfície do cardápio de papel, sentindo a textura levemente áspera sob a ponta dos dedos. Ela sempre teve uma preferência por coisas tangíveis, que traziam um certo charme nostálgico em um mundo cada vez mais digital. Para ela, segurar um cardápio físico era quase como folhear as páginas de um livro: dava tempo para apreciar cada detalhe, os pequenos desenhos ilustrativos, as fontes cuidadosamente escolhidas e até os cantos levemente desgastados que contavam histórias de quantas mãos já haviam passado por ali.
Além disso, gostava da sensação de pausa que um cardápio de papel proporcionava. Não era necessário desbloquear uma tela, lidar com conexões de internet ou ser distraída por notificações indesejadas. Era algo simples e direto, uma ponte entre o presente e um passado mais tranquilo, onde as coisas pareciam menos apressadas. Ali, com aquele cardápio físico em mãos, ela podia se desconectar do mundo lá fora e mergulhar por completo na atmosfera acolhedora da cafeteria.
caminhava pela cafeteria com passos calmos, mas atentos. Ele observava cada detalhe do ambiente, como fazia religiosamente desde o dia da inauguração. Conferiu se as mesas estavam limpas, se o balcão continuava impecável e se o aroma do café ainda preenchia o ar com a mesma intensidade. Um sorriso discreto surgiu em seus lábios ao perceber que tudo estava exatamente como ele gostava: convidativo, aconchegante e fluindo perfeitamente, mesmo com o movimento intenso daquela tarde.
Foi quando seus olhos pousaram em uma figura no fundo da cafeteria. Ela estava sentada sozinha, com o cardápio nas mãos, completamente alheia ao burburinho ao redor. Havia algo familiar nela – o jeito como inclinava ligeiramente a cabeça ao observar as palavras, como se estivesse perdida em um universo à parte. estreitou os olhos, tentando encaixar o rosto em alguma lembrança, mas sem sucesso imediato. Mesmo assim, um impulso o levou a caminhar até ela.
— Olá, bem-vinda — disse ele com a voz gentil, interrompendo os pensamentos dela. — Posso ajudá-la com alguma recomendação?
ergueu os olhos do cardápio, e por um instante ficou estática, como se estivesse vendo um fantasma do passado. Aqueles olhos calorosos, o sorriso meio tímido… era impossível não reconhecê-lo. , o garoto que estudara com ela desde a infância até o fim do ensino médio. Naquele tempo, ele era apenas um garoto magricela, com os cabelos sempre desalinhados e um jeito tranquilo que contrastava com a agitação dos outros colegas.
— ? — ela perguntou, a surpresa evidente em sua voz.
Os olhos dele se arregalaram levemente antes de um sorriso cheio de reconhecimento tomar conta de seu rosto.
— ?
Ela assentiu, e um turbilhão de memórias a invadiu. Lembrou-se das manhãs em que cruzavam os corredores da escola, dos trabalhos em grupo que ele sempre parecia assumir o controle de forma calma e eficiente, e das conversas ocasionais que tinham quando esbarravam na biblioteca. Depois do ensino médio, ela havia se mudado para Seul para cursar a faculdade, e os dois nunca mais haviam se encontrado. Mas agora, ali estava ele, dono de uma cafeteria tão encantadora quanto parecia ser sua própria personalidade.
— Você sumiu depois do colégio — ele comentou, ainda um pouco incrédulo, mas claramente feliz em vê-la.
— Eu que o diga — ela respondeu, rindo suavemente. — Nunca imaginei que te encontraria... aqui, de todos os lugares.
sorriu novamente, e por um momento, o tempo parecia ter voltado à adolescência. Mas, ao mesmo tempo, a realidade do presente era inegável. Ele não era mais o garoto magricela da escola, e ela também havia mudado muito desde então.
— Então, o que posso trazer para você? Vou fazer questão de preparar pessoalmente — disse ele, com um brilho divertido nos olhos, como se o reencontro fosse a desculpa perfeita para um gesto especial.
sentiu as bochechas esquentarem, mas conseguiu esconder seu embaraço ao voltar a olhar para o cardápio, dessa vez com um sorriso discreto no rosto.
— Surpreenda-me — respondeu, enquanto pensava em como aquele encontro inesperado prometia mudar o rumo de sua tarde... e talvez até mais do que isso.
assentiu com um sorriso caloroso, como se tivesse aceitado um pequeno desafio.
— Certo, . Vou trazer algo que eu tenho certeza de que você vai gostar.
Ele se afastou em direção ao balcão, ainda com a expressão de leve incredulidade e felicidade em seu rosto. Enquanto isso, o acompanhava com o olhar, seus pensamentos já mergulhando nas lembranças do passado. Era engraçado como a vida funcionava. Quem diria que, anos depois de terem seguido caminhos completamente diferentes, ela acabaria reencontrando ali, naquela cafeteria charmosa e cheia de personalidade que parecia refletir tanto quem ele era?
Sua mente vagou para os dias de escola. Ele sempre foi reservado, o tipo de garoto que não chamava atenção em meio ao barulho dos colegas. Mas, ao mesmo tempo, havia algo nele que sempre a intrigava: a calma, a inteligência e o sorriso gentil que aparecia nos momentos mais inesperados. Ela se perguntava o que havia acontecido com ele depois da formatura. Pelo visto, ele ficou em Seogwipo, enquanto ela seguiu para Seul em busca de seus próprios sonhos.
olhou ao redor da cafeteria novamente, reparando nos detalhes que pareciam ter o toque pessoal de : as plantas estrategicamente posicionadas, o quadro-negro no canto com frases motivacionais escritas à mão e até as luminárias que jogavam uma luz suave e aconchegante no ambiente. Era um espaço acolhedor, e agora, saber que ele era o responsável por tudo aquilo fazia sentido.
Não demorou muito para que voltasse, equilibrando habilmente uma bandeja com uma xícara de café com leite e um pedaço de bolo de limão. Ele parou na frente dela, colocando o pedido na mesa com o mesmo cuidado que ela se lembrava de vê-lo demonstrar em tantas outras situações.
— Aqui está — disse ele, com um brilho divertido nos olhos. — É uma das combinações favoritas dos nossos clientes.
sorriu, sentindo o aroma cítrico do bolo misturado com o cheiro reconfortante do café.
— Parece delicioso, obrigada.
hesitou por um segundo, como se estivesse ponderando se deveria dizer algo a mais, mas acabou se inclinando levemente para frente.
— Eu espero que você goste. Se precisar de mais alguma coisa... bem, eu estarei por aqui.
Ele se afastou, voltando ao balcão, mas não conseguia tirar os olhos dele. Enquanto ele falava com um dos funcionários e organizava algo no caixa, ela não pôde deixar de notar como ele parecia ter mudado e, ao mesmo tempo, continuava o mesmo.
Tomou um gole do café e experimentou o bolo, sentindo-se confortada pelo sabor simples, mas perfeito. Seus pensamentos continuavam girando, agora mais focados em como a vida o havia moldado. Aquele encontro inesperado estava prestes a reabrir portas para memórias adormecidas – e, talvez, criar novos capítulos que ela nem sabia que queria viver.
Do outro lado da cafeteria, a observava de relance, com um sorriso pequeno no rosto. Ele também estava perdido em seus próprios pensamentos, se perguntando como aquele reencontro poderia mexer tanto com ele depois de todos aqueles anos.
Enquanto ajeitava algumas xícaras no balcão, seus olhos voltaram a deslizar até , que parecia completamente imersa no café e no bolo. Um sorriso discreto surgiu em seu rosto enquanto ele observava o jeito que ela levava o garfo à boca, inclinando levemente a cabeça em aprovação. Ela não havia mudado muito – ainda tinha aquele mesmo jeito delicado, mas com uma aura mais madura, mais confiante.
Ele se lembrou dos tempos de escola. nunca fora o tipo de garoto popular ou que conseguia facilmente chamar atenção, mas, para ele, sempre foi impossível de ignorar. Ela era brilhante, cheia de vida, e, de alguma forma, sempre parecia saber exatamente o que queria. Era como se ela tivesse um brilho próprio que fazia todos ao redor gravitarem em sua direção – inclusive ele.
Havia uma memória específica que sempre voltava à sua mente: o dia em que a viu pela primeira vez na biblioteca da escola, inclinada sobre uma pilha de livros, com uma expressão de concentração enquanto mordia levemente o lápis. Ele se lembrava de como havia parado no corredor, quase tropeçando nos próprios pés, apenas para observá-la. Desde aquele momento, ele sabia que tinha um crush nela – um segredo que guardou tão bem que duvidava que ela tivesse sequer suspeitado.
Ele também se lembrava de como os encontros casuais nos corredores da escola faziam seu coração acelerar. Havia tantas vezes em que ele quis se aproximar, dizer algo além de um tímido “Oi” ou “Bom dia”, mas nunca encontrou coragem. sempre achou que ela estava fora de seu alcance, vivendo em um universo diferente do dele.
E agora ela estava ali, sentada em sua cafeteria, como se o tempo tivesse decidido lhe pregar uma peça. Ele se perguntou se tinha alguma ideia do quanto ele gostava dela naquela época. Será que ela já tinha notado os olhares furtivos? Ou os momentos em que ele inventava desculpas para passar perto do grupo dela, só para ouvi-la falar ou dar uma risada?
suspirou, encostando-se no balcão e cruzando os braços enquanto a observava. “E pensar que, depois de tanto tempo, ela está aqui, na minha frente.”
Mas havia outra questão que rondava sua mente: o que teria acontecido com ela depois do ensino médio? Ele sabia que ela havia se mudado para Seul para estudar – todo mundo na cidade comentou na época –, mas o que mais ela teria feito? Que tipo de vida ela havia construído?
Ele se pegou imaginando como seria a vida dela na cidade grande. Será que ela estava feliz? Será que estava de volta a Seogwipo apenas de passagem? Ele não conseguia deixar de sentir uma pontada de curiosidade, misturada com algo que ele não conseguia exatamente nomear.
Sacudindo a cabeça, decidiu não se perder tanto em suas próprias lembranças. Tinha uma cafeteria para administrar, afinal. Mas, enquanto ele continuava a trabalhar, a presença de parecia trazer à tona sentimentos e pensamentos que ele não tinha há anos – e, por mais que quisesse, não conseguia ignorá-los.
terminou o pedaço de bolo lentamente, apreciando cada garfada. O sabor doce e reconfortante parecia embalar seus pensamentos enquanto olhava distraída pela grande janela da cafeteria. Ela sorriu para si mesma, satisfeita com a escolha do lugar. Era como se aquele ambiente aconchegante tivesse se tornado uma espécie de refúgio temporário.
Ao terminar o café, ela colocou a xícara vazia de lado e pegou o celular, verificando as mensagens. Uma notificação lembrava-a da reunião online que teria em breve. Suspirando, ela decidiu que ficaria ali mesmo para participar. O ambiente era calmo o suficiente, e ela não queria voltar correndo para casa.
olhou em volta, à procura de , que estava conversando com um funcionário próximo ao balcão. Sem hesitar, ela levantou a mão para chamar sua atenção.
— ! — chamou, um tom gentil na voz.
Ele virou-se imediatamente, notando o gesto dela, e caminhou até a mesa com um sorriso caloroso.
— Posso ajudar com mais alguma coisa?
— Na verdade, sim — respondeu ela, devolvendo o sorriso. — Eu vou ficar mais um tempo aqui, preciso participar de uma chamada. Será que posso pedir outro café? O mesmo de antes.
— Claro. Vou preparar pra você. — Ele anotou o pedido em um pequeno bloco, mas parou por um instante, franzindo o cenho como se ponderasse. — Na verdade, a reunião que você mencionou é muito importante?
Ela inclinou a cabeça, surpresa pela pergunta, mas respondeu com uma risadinha.
— Na verdade, é. Por quê?
— Ah, só pensei... — Ele deu de ombros, ainda sorrindo. — Se precisar de um lugar mais tranquilo, temos uma sala pequena ali no canto. Não é exatamente uma sala de reuniões, mas tem uma mesa e é bem mais silenciosa.
piscou, surpresa pela gentileza.
— Isso seria incrível, . Obrigada!
— Vou preparar seu café e, enquanto isso, arrumo o espaço pra você.
Ele saiu em direção ao balcão, e o observou enquanto ele se afastava. Havia algo tão natural e caloroso em , algo que ela não lembrava de ter notado quando eram mais novos. Ele era atencioso de um jeito que a fazia se sentir confortável, como se estivesse em casa.
Enquanto ele preparava o café, começou a organizar suas coisas para a reunião, posicionando o celular e o fone de ouvido sobre a mesa. Ela olhou novamente para e se pegou pensando no quanto a vida pode dar voltas inesperadas. Quem diria que o garoto tímido e quase invisível da escola agora era o dono de um lugar tão acolhedor?
Poucos minutos depois, voltou com o café em mãos.
— Aqui está. E a sala já está pronta, se quiser ir pra lá. É só me chamar se precisar de qualquer coisa.
— Você está realmente salvando meu dia, . Muito obrigada.
Ele sorriu, um pouco envergonhado com o elogio, e apenas acenou com a cabeça.
— Bom trabalho na sua reunião, .
Com isso, ela pegou o café, sua bolsa e o celular e seguiu até o espaço que ele havia indicado. Era um pequeno cômodo com paredes claras, decorado com algumas plantas e quadros minimalistas. Havia uma mesa com duas cadeiras e uma janela que dava para o jardim lateral da cafeteria.
Assim que se acomodou, respirou fundo, relaxando no ambiente acolhedor. Ela tomou um gole do café, sentindo-se pronta para enfrentar a reunião. E, ao abrir o aplicativo no celular, não pôde evitar que um pequeno sorriso escapasse ao pensar em como havia feito algo simples parecer tão especial.
A reunião de começou pontualmente. Ela ajustou o celular em um suporte improvisado sobre a mesa e colocou os fones de ouvido, focando na conversa com os colegas de trabalho. Discutiram prazos apertados, ideias criativas para um projeto em andamento e algumas mudanças no planejamento que ela precisava implementar. Apesar da atenção que dedicava ao trabalho, vez ou outra sua mente vagava para o ambiente ao redor. O cheiro de café fresco, a tranquilidade da pequena sala e a gentileza de criavam uma sensação de acolhimento que tornava tudo mais suportável.
Enquanto isso, do lado de fora, continuava em sua rotina. Ele circulava pela cafeteria com a mesma dedicação de sempre: verificava se os clientes estavam sendo atendidos, conferia os pedidos na cozinha e até ajeitava alguns detalhes decorativos em mesas que haviam sido desocupadas. Porém, por mais que tentasse focar em suas tarefas, sua mente sempre voltava para .
Ele se perguntava como ela tinha mudado tanto desde os tempos de escola. A de antes era sempre sorridente, cercada de amigos e com uma energia que parecia iluminar qualquer ambiente. Agora, ela parecia mais madura, mais tranquila, mas ainda carregava aquela mesma essência que ele sempre admirou. Será que ela nunca percebeu o quanto ele gostava dela naquela época? Ele suspirou, distraído, e quase derrubou uma bandeja ao desviar de um cliente apressado.
"Concentre-se, ", murmurou para si mesmo, tentando afastar os pensamentos. Mas era inútil. A presença dela parecia ter acendido algo nele, algo que ele nem sabia que ainda existia.
Quando a reunião terminou, suspirou aliviada, sentindo o peso das responsabilidades deixar seus ombros por um momento. Guardou os fones e o celular na bolsa, pegou o copo de café vazio e saiu da pequena sala. Decidiu que era hora de ir, mesmo que, no fundo, tivesse vontade de ficar mais tempo naquele lugar.
Ao chegar ao caixa, ela olhou em volta, procurando por . Havia um certo incômodo em ir embora sem vê-lo novamente. A funcionária no balcão sorriu para ela.
— Gostaria de pagar agora?
— Sim, por favor — respondeu , ainda lançando olhares pelo ambiente. Mas não estava em lugar nenhum.
Depois de pagar a conta, ela agradeceu à funcionária e pegou a bolsa, pronta para sair. Foi quando ouviu uma voz familiar atrás dela.
— Vai embora sem se despedir?
virou-se rapidamente e encontrou parado ali, com as mãos nos bolsos e um sorriso fácil no rosto.
— Ah, achei que você estivesse ocupado — disse ela, sorrindo de volta.
— Estou sempre ocupado, mas nunca tão ocupado assim.
Ela riu, sentindo o calor subir ao rosto.
— Obrigada por hoje. A sala foi uma ideia perfeita. Acho que vou começar a frequentar mais sua cafeteria.
— Eu ficaria feliz com isso — respondeu ele, e havia algo no tom de sua voz que parecia mais do que simples cordialidade.
— Até a próxima, então. — Até a próxima, .
Ela deu um último sorriso antes de sair, e ficou ali, observando-a atravessar a porta. Quando ela desapareceu de vista, ele voltou para o balcão, mas sua mente estava longe.
Enquanto continuava suas tarefas, ele se pegou pensando em como aquele dia tinha sido inesperado. Era estranho como alguém do passado podia reaparecer e bagunçar tudo tão rapidamente. Ele balançou a cabeça, um sorriso discreto surgindo em seus lábios.
“Até a próxima”, repetiu em sua mente. E, pela primeira vez em muito tempo, ele percebeu que estava ansioso pelo amanhã.
Os dois não eram exatamente melhores amigos, até porque nunca fez esse tipo de escolha durante o ensino fundamental ou médio, ele tinha seu grupinho de amigos, é claro, mas nunca havia elegido nenhum deles como “melhor amigo” ou algo do gênero. Hoje cada um deles trilhava seu próprio caminho e desse pequeno grupo só havia permanecido e ainda morava em Seogwipo.
puxou o celular do bolso enquanto mantinha um ritmo constante na corrida pela orla. O céu estava azul, a brisa marítima refrescava seu corpo aquecido pelo exercício e, mesmo suado, ele sentia-se leve.
Desbloqueou a tela e viu uma notificação de Moonbin no grupo de mensagens da cafeteria.
Moonbin: “Tudo tranquilo por aqui. Movimento normal pra um começo de manhã. Pode terminar sua corrida sem preocupação.”
sorriu de forma relaxada. Era bom saber que podia confiar em sua equipe. Desde que abriu a cafeteria, raramente conseguia desligar-se completamente do trabalho, mas com Moonbin gerenciando as coisas, ele conseguia momentos como aquele—em que apenas respirava e sentia o mundo ao seu redor.
Guardou o celular e continuou correndo, sentindo a areia fina se misturar ao concreto do calçadão conforme se aproximava de um quiosque. O local era simples, mas charmoso, com guarda-sois coloridos e um pequeno balcão de madeira onde eram servidos sucos naturais e cafés gelados.
Decidiu que era um bom momento para uma pausa e caminhou até lá, passando a toalha pelo rosto antes de fazer seu pedido.
— Um suco de maracujá, por favor. — Ele se apoiou no balcão, sentindo o suor esfriar sob a brisa do oceano.
Enquanto esperava, seu olhar vagueou pelo lugar e, para sua surpresa, encontrou uma figura familiar sentada em uma das mesas de madeira, absorta na tela do celular.
.
Ela usava óculos escuros e uma roupa confortável, o cabelo preso de qualquer jeito, como se tivesse saído de casa sem pensar muito no visual. Mesmo assim, havia algo cativante na despreocupação dela.
Antes que pudesse decidir se devia chamá-la ou não, ela ergueu a cabeça, sentindo-se observada. Quando o reconheceu, os lábios dela se curvaram em um sorriso surpreso.
— ?
Ele pegou seu suco do balcão e se aproximou com um meio sorriso.
— Parece que estamos destinados a nos esbarrar por aí.
— Ou Seogwipo continua pequena como sempre. — Ela brincou, batendo de leve na cadeira ao lado. — Quer se sentar?
Ele hesitou por um segundo, mas então se acomodou ao lado dela.
— Eu poderia dizer que estou surpreso, mas depois de ontem, acho que já devia esperar algo assim.
Ela riu e deu um gole em sua própria bebida, os óculos escuros ocultando qualquer emoção mais profunda nos olhos.
— E você, costuma correr por aqui sempre?
— Quase todo dia. A vista ajuda a começar bem a manhã.
— Hm. Talvez eu devesse adotar esse hábito também.
ergueu uma sobrancelha.
— E levantar cedo deixaria de ser um sacrifício para você?
riu, balançando a cabeça.
— Pegou minha fraqueza rapidamente, hein?
Ele apenas sorriu e tomou um gole de seu suco. Por mais que estivesse acostumado a conversar com clientes todos os dias, estar ali com ela, de maneira tão casual e inesperada, fazia algo estranho dentro dele se agitar.
Talvez Seogwipo não fosse tão pequena assim. Talvez fosse o destino, afinal.
— Você ainda mora com seus pais? — As unhas finas de bateram contra o tampo da mesa de madeira, fazendo um barulho baixo.
— Não mais. Tenho um apartamento aqui perto, bem perto mesmo. Meus pais estão na Rua Baekhyun, ainda na mesma casa de sempre.
— Uau! Nunca morei sozinha, quando fui embora para Seul dividi apartamento com outras garotas, mesmo depois de formada.
— E você voltou para a casa dos seus pais? Faz muito tempo que eu não os vejo, eles estão bem?
respirou fundo, desviando o olhar por um instante antes de responder, como se estivesse escolhendo as palavras certas.
— Na verdade, não... — Ela soltou um suspiro discreto, apoiando as mãos sobre a mesa. — Meu pai está em tratamento por conta das complicações da diabetes. Já perdeu a visão de um dos olhos.
franziu o cenho, a expressão serena dando lugar a uma preocupação genuína.
— Sinto muito, ...
Ela assentiu levemente, esboçando um sorriso fraco.
— Obrigada... Por sorte, o trabalho que consegui lá em Seul me permite trabalhar de casa. Então, resolvi voltar para ajudar minha mãe a cuidar dele.
observou-a por um momento, como se tentasse encontrar algo a mais por trás de suas palavras. Ele se lembrava de seus pais como pessoas gentis e acolhedoras, e saber que estavam passando por dificuldades o fez sentir um aperto no peito.
— Deve estar sendo difícil para você...
deu de ombros, tentando minimizar o peso da situação.
— Faz parte da vida, né? A gente aprende a lidar...
— Você está sentindo falta de Seul?
girou levemente o copo com as mãos antes de responder, refletindo sobre a pergunta.
— Às vezes, sim. — Ela sorriu de canto. — É uma cidade cheia de oportunidades, tem sempre algo acontecendo... Mas, ao mesmo tempo, pode ser solitária. Aqui em Seogwipo tudo é mais calmo, mais familiar.
assentiu, levando o copo de suco de maracujá até os lábios e bebendo um gole. O sabor doce e levemente ácido combinava com a sensação estranha que ele sentia naquele momento—uma mistura de nostalgia e algo que ele não sabia nomear.
— Eu entendo. Seul tem essa energia única, mas também pode ser cansativa. Quando fui para lá algumas vezes, senti que a cidade engole a gente se não tomarmos cuidado.
— Exato. — riu baixinho. — Mas e você? Nunca quis sair daqui?
Ele terminou o restante do suco antes de responder, deixando o copo vazio sobre a mesa.
— Quis, sim. Só que, no fim, percebi que meu lugar era aqui. Gosto do ritmo da cidade, gosto da minha cafeteria... Não me vejo em outro lugar agora.
assentiu devagar, como se absorvesse cada palavra.
— É bom quando a gente encontra um lugar assim, onde se sente realmente em casa.
sorriu de leve, mas logo olhou o relógio e soltou um suspiro discreto.
— Eu preciso ir... A cafeteria me espera.
Ele queria ficar mais um pouco, queria continuar conversando e ouvir mais sobre a vida dela. Mas o trabalho o chamava.
— Claro. — sorriu suavemente. — Foi bom te encontrar assim, por acaso.
— Foi mesmo. — Ele se levantou, pegando o copo vazio e dando um último olhar para ela antes de se afastar.
Enquanto caminhava de volta para a cafeteria, sentiu um peso estranho no peito. Algo dentro dele dizia que aquela conversa ainda não havia terminado.
Cumprimentou os clientes que estavam na parte da frente da cafeteria, aproveitando para sondar com eles como estavam as coisas e se precisavam de mais alguma coisa e depois que entrou cumprimentou alguns dos funcionários do turno da manhã que encontrou no caminho até a despensa.
pegou um avental limpo pendurado no suporte próximo à despensa e o vestiu com movimentos automáticos, já acostumado com aquela rotina. Amarrou as tiras na cintura e, em seguida, colocou a touca para manter tudo conforme os padrões de higiene da cafeteria.
Antes de ir para a cozinha, parou para conferir os estoques. Passou os olhos atentos pelas prateleiras organizadas, verificando os pacotes de farinha, açúcar, café e outros ingredientes essenciais. Anotou mentalmente o que precisaria ser reposto nos próximos dias e, satisfeito com o controle, seguiu para a cozinha.
Ao entrar, o cheiro de manteiga derretida e baunilha o envolveu de imediato. O chef da cafeteria, um senhor de meia-idade chamado Dongmin, estava finalizando uma fornada de pães doces.
— Bom dia, chefe. — cumprimentou, pegando um avental menor para proteger as mangas da camisa.
— Bom dia, . Veio colocar a mão na massa de novo? — Dongmin brincou, erguendo uma sobrancelha enquanto retirava os pães do forno.
— Você sabe que não consigo ficar longe daqui. — sorriu, já pegando uma tigela para começar a preparar a massa de cookies. Ele gostava de cozinhar os doces servidos na cafeteria, especialmente os que levavam chocolate, seu ingrediente preferido.
Enquanto misturava os ingredientes, sentiu sua mente vagar por um instante. Lembrou-se do encontro com naquela manhã e da conversa que tiveram. Havia algo nela que ainda o intrigava, algo que o fazia querer saber mais.
Mas, por ora, ele focou na massa. Afinal, nada como cozinhar para organizar os pensamentos.
O sol já estava se pondo quando chegou em casa, sentindo o cansaço pesar sobre os ombros. A casa dos pais ficava em um bairro tranquilo, longe do centro movimentado de Seogwipo. O cheiro de chá de gengibre e ervas tomou conta do ar assim que ela entrou, e, como de costume, sua mãe estava na cozinha, preparando algo para o marido.
— Chegou cedo hoje. — A mãe comentou, lançando-lhe um olhar rápido enquanto mexia a panela no fogão.
— Resolvi terminar algumas coisas em casa. — respondeu, colocando a bolsa sobre uma cadeira e se aproximando da geladeira para pegar um copo de água.
Ela ouviu um murmúrio vindo da sala e virou a cabeça, vendo seu pai sentado na poltrona com uma manta sobre as pernas. Desde que as complicações da diabetes haviam piorado, ele passava boa parte do tempo ali, ouvindo rádio ou simplesmente descansando.
— Appa, quer mais alguma coisa? — perguntou, se aproximando dele.
— Não, filha, estou bem. Você já trabalhou muito hoje, não precisa se preocupar tanto. — A voz dele era baixa, mas carregava um carinho que sempre a fazia se sentir criança de novo.
sorriu, mas não conseguia evitar a preocupação constante. Respirou fundo e foi para o próprio quarto, onde ligou o notebook e se acomodou na cadeira. Seu trabalho remoto permitia que estivesse ali para ajudar os pais, mas isso não significava que fosse fácil.
Abriu sua caixa de e-mails e começou a responder mensagens pendentes. Sua profissão exigia criatividade, mas também muita paciência. Ela revisava documentos, criava relatórios e participava de reuniões online com a equipe de Seul.
O tempo passou rápido enquanto digitava, até que sua mãe apareceu na porta, chamando-a para jantar.
— Só mais cinco minutos! — respondeu, terminando de anexar um arquivo importante.
Quando finalmente desligou o computador e foi até a cozinha, percebeu como o dia tinha sido longo. Mas, por mais cansativo que fosse, estar ali, perto da família, ainda parecia a escolha certa.
A cafeteria já estava quase vazia, com apenas alguns clientes terminando seus pedidos enquanto os funcionários começavam a limpar as mesas e organizar tudo para o dia seguinte. secava as mãos depois de lavar alguns utensílios quando seu pensamento voltou para a conversa que teve mais cedo com .
Ele lembrava do jeito como ela falou do pai, da preocupação sutil que tentava esconder, mas que transparecia no olhar. Seus olhos correram para o balcão, onde alguns doces sem açúcar e sem lactose ainda estavam intactos. Seria um desperdício jogá-los fora quando poderiam ser úteis para alguém.
— Hum… — ele murmurou, pegando uma pequena caixa e começando a embalar os doces.
— Tá falando sozinho? — A voz de Moonbin o tirou de seus pensamentos. O gerente estava terminando de fechar o caixa e olhou para ele com um sorriso divertido.
— Só estava pensando… — resmungou, ainda concentrado. — Na verdade, vou levar isso para a e a família dela. O pai dela está com diabetes, achei que ele poderia gostar.
Moonbin arqueou as sobrancelhas, surpreso.
— ? Fazia tempo que não ouvia esse nome.
assentiu, mas então franziu a testa.
— O problema é que… eu nem sei onde eles estão morando agora.
— Eles quem? — Moonbin perguntou, cruzando os braços.
— A e os pais dela.
Moonbin piscou algumas vezes antes de soltar um riso leve.
— Ah, isso eu sei. Eles moram numa rua acima da minha casa. Eu posso te mostrar o caminho se quiser.
sorriu, aliviado.
— Ótimo. Então acho que já tenho um destino para depois do expediente.
Com a cafeteria devidamente fechada, conferiu as trancas da porta pela última vez antes de se virar para Moonbin, que o esperava do lado de fora, esfregando as mãos para espantar o frio da noite.
— Pronto? — perguntou, guardando as chaves no bolso do casaco.
— Pronto. — Moonbin assentiu. — Mas você tem certeza de que quer aparecer lá na casa dela a essa hora?
soltou uma risada nasal.
— Não é tão tarde assim. E, sinceramente, não custa nada tentar. Se não der, pelo menos fica o gesto.
— Justo.
Ambos seguiram até o carro de , um modelo simples, mas bem cuidado. A viagem até a casa de Moonbin foi rápida, com os dois conversando sobre o movimento do dia e algumas mudanças que poderiam fazer no cardápio para o próximo mês. Quando pararam na frente da casa dele, Moonbin apontou para uma rua mais acima.
— A casa da fica naquela rua ali. É a terceira à direita.
— Valeu, cara. Até amanhã.
— Até. Boa sorte aí, quem sabe você não ganha uns pontos com ela.
riu, balançando a cabeça, e esperou Moonbin entrar em casa antes de seguir seu caminho.
À medida que se aproximava do endereço, sentiu uma leve inquietação crescer dentro de si. Não era como se estivesse nervoso, mas havia algo na ideia de reencontrar pela segunda vez no mesmo dia que o deixava um pouco ansioso. Ele nunca foi do tipo que ficava remoendo esse tipo de coisa, mas agora se pegava se perguntando como ela reagiria ao vê-lo ali.
Ao parar em frente à casa, desligou o motor e pegou a pequena caixa com os doces. Respirou fundo antes de sair do carro e caminhar até a porta, batendo levemente três vezes.
Agora era esperar para ver quem atenderia.
A porta se abriu lentamente, revelando uma mulher de meia-idade com olhos gentis e um sorriso discreto. Era a mãe de .
— Sim? — ela perguntou, analisando com curiosidade.
Ele ajeitou a postura e sorriu educadamente.
— Boa noite, senhora . Sou , um amigo da do tempo da escola. Eu… — levantou a pequena caixa em suas mãos. — Trouxe alguns doces sem açúcar e sem lactose da minha cafeteria. Achei que poderiam gostar, especialmente seu marido.
Os olhos da mulher brilharam com surpresa e um pouco de reconhecimento ao ouvir o nome dele.
— Ah, ! Claro que me lembro de você! Meu Deus, como o tempo passa... Você era um menino na última vez que o vi!
Ela abriu um sorriso caloroso e deu um passo para o lado.
— Entre, por favor.
hesitou por um instante, mas logo aceitou o convite, entrando na casa. O ambiente era acolhedor, com móveis de madeira bem cuidados e o cheiro sutil de chá de ervas pairando no ar.
— está no quarto dela, mas eu posso chamá-la.
— Não se preocupe, eu só queria deixar isso aqui. Não quero incomodar.
A mãe de sorriu de canto.
— Ora, não é incômodo nenhum. Fique um pouco, eu insisto. Vou avisá-la que você está aqui.
E, com isso, ela se afastou, deixando sozinho na sala, onde ele não pôde evitar de olhar ao redor, sentindo a estranha familiaridade de estar ali depois de tantos anos.
Ele havia estado lá algumas vezes em que teve que fazer trabalhos em grupo com e outros colegas.
O corredor de entrada era estreito, com paredes em um tom suave de bege e um pequeno aparador de madeira ao lado da porta, onde descansavam algumas chaves e uma tigela com doces embalados. Um cabideiro simples segurava alguns casacos e bolsas, e um tapete escuro cobria parte do chão de madeira polida.
Ao dar alguns passos à frente, alcançou a sala de estar. Era um ambiente acolhedor, iluminado por uma luminária de canto que emitia uma luz amarelada e aconchegante. O sofá de tecido azul-claro parecia bem cuidado, e sobre ele repousavam algumas almofadas floridas, bem alinhadas. Uma mesinha de centro de vidro exibia alguns livros, além de uma xícara vazia e um par de óculos dobrado cuidadosamente ao lado.
À sua esquerda, uma estante de madeira repleta de livros e pequenas lembranças de viagem se estendia até quase o teto. Fotos emolduradas decoravam o espaço, e percebeu algumas imagens antigas da família — uma delas mostrando ainda criança, segurando um troféu escolar, e outra mais recente, onde ela estava ao lado dos pais.
Ele se pegou sorrindo de leve. Tudo ali parecia carregar histórias e memórias, e de certa forma, trazia um calor nostálgico.
ouviu passos vindos do corredor e engoliu seco. E se já estivesse quase dormindo? E se ela o achasse inconveniente por estar ali aquela hora?
Antes que pudesse pensar em mais desculpas para dar meia-volta e ir embora, os passos se aproximaram, e logo surgiu no corredor.
Ela usava um moletom folgado e calças de tecido leve, o cabelo preso de qualquer jeito no topo da cabeça, e seus olhos ainda carregavam vestígios de cansaço do dia longo. Quando viu parado ali, segurando a sacola com os doces, piscou algumas vezes, claramente surpresa.
— ? — A voz dela saiu levemente rouca, como se já estivesse relaxando para dormir.
Ele coçou a nuca, sem saber ao certo como começar.
— Ei… Eu estava fechando a cafeteria e me lembrei do seu pai — ele levantou um pouco a sacola, como se para ilustrar sua intenção. — Sobrou alguns doces sem açúcar e sem lactose, achei que vocês pudessem gostar.
Os olhos de passaram da sacola para ele, e por um instante, ela apenas ficou ali, olhando-o como se tentasse compreender o gesto. Então, um pequeno sorriso apareceu em seu rosto.
— Você veio até aqui só para isso?
Ele deu de ombros.
— Achei que seria um desperdício deixar lá.
Ela suspirou, balançando a cabeça de leve antes de dar um passo para o lado.
— Entra mais um pouco.
hesitou.
Não quero incomodar…
— Não está incomodando. — Ela cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha. — Além disso, se fosse o contrário, você não ficaria feliz em ver alguém trazendo doces para a sua família?
Ele riu baixinho, assentindo.
— Tá bom, tem razão.
Ele entrou mais uma vez na casa dos , sentindo o mesmo calor acolhedor de antes. Enquanto ela fechava a porta, notou que sua mãe já havia voltado para o quarto, e o silêncio da casa indicava que o pai de já estava dormindo.
— Quer um chá? — ela perguntou, já indo em direção à cozinha.
sentiu que negar seria inútil.
— Aceito.
E então ele a seguiu, percebendo que, mesmo depois de tantos anos, estar na presença de ainda lhe causava aquela estranha sensação de nostalgia e conforto ao mesmo tempo.
Na cozinha, abriu um dos armários e pegou uma caixinha de chá de camomila, enquanto se encostava na bancada, observando-a com um pequeno sorriso. O ambiente era aconchegante, com tons suaves e uma iluminação quente que tornava tudo ainda mais acolhedor.
— Então, você ainda gosta de chá de camomila? — Ele perguntou, lembrando-se de vê-la tomando exatamente o mesmo durante os intervalos na escola.
riu baixinho, enquanto colocava a água para esquentar.
— Algumas coisas nunca mudam — ela respondeu, apoiando-se na pia por um momento. — E você? Ainda é viciado em café?
assentiu, cruzando os braços.
— Viciado é pouco. Agora eu praticamente vivo disso.
Ela sorriu e balançou a cabeça.
— Eu deveria imaginar. Você sempre aparecia na escola com aquele café instantâneo horrível…
— Ei, na época era o que dava para ter! — Ele protestou, rindo. — Além disso, não era tão ruim.
— Era sim — ela retrucou com convicção, e então olhou para ele com um brilho divertido nos olhos. — Você lembra quando tentou fazer café na sala de química e quase botou fogo no laboratório?
cobriu o rosto com a mão, soltando uma risada envergonhada.
— Por favor, não me lembra disso. Eu juro que achei que sabia o que estava fazendo…
— Sim, claro — debochou. — Sorte sua que o professor gostava de você, senão teria levado uma suspensão.
— Verdade. — Ele respirou fundo, como se ainda pudesse sentir a tensão daquele dia. — E você? Qual foi o seu pior momento na escola?
franziu os lábios por um instante, pensativa, antes de rir sozinha.
— Ah, teve uma vez em que eu tropecei na escada bem na frente de todo mundo e derrubei todos os meus livros. Foi humilhante.
riu, lembrando-se da cena.
— Eu lembro disso! Mas, se serve de consolo, acho que ninguém riu porque ficou com medo de você…
— Eu não era tão brava assim!
— Era sim — ele afirmou, sorrindo.
Ela revirou os olhos, mas o sorriso em seu rosto mostrava que estava gostando daquela troca de lembranças. Quando a chaleira apitou, ela se virou para preparar as xícaras.
a observava em silêncio agora, e por um momento, percebeu o quanto era estranho e ao mesmo tempo familiar estar ali com ela, como se o tempo não tivesse passado.
— Você sente falta da escola? — ele perguntou, baixando um pouco a voz.
suspirou, colocando uma das xícaras na frente dele antes de pegar a sua.
— Às vezes — confessou. — Mas não necessariamente das aulas ou das provas… Acho que sinto falta da época, sabe? Da sensação de que ainda tínhamos todo o tempo do mundo pela frente.
Ele assentiu, compreendendo exatamente o que ela queria dizer.
— Eu também.
Por alguns segundos, o silêncio entre eles não foi desconfortável, apenas carregado de nostalgia. Então, ergueu a xícara.
— Bom, pelo menos agora você não precisa mais tomar café instantâneo horrível.
riu e ergueu a xícara também.
— E você não está mais tropeçando nas escadas.
Ela fez uma careta.
— Não apostaria nisso.
Os dois riram juntos, e pela primeira vez em anos, sentiu que talvez ainda houvesse algo ali, algo que o tempo não havia apagado completamente.
— Obrigada. — ele soprou a fumaça que saía da xícara antes de colocá-la sobre a mesa.
O silêncio se instalou entre os dois, confortável, mas carregado de uma certa atenção silenciosa. envolveu sua própria xícara com as mãos, sentindo o calor contra a pele, e permitiu-se observá-lo com mais atenção agora que estavam ali, sem pressa.
Era curioso como ainda tinha o mesmo rosto de quando eram adolescentes — o olhar tranquilo, os traços suaves, o jeito contido de quem preferia observar mais do que falar. Mas havia algo diferente nele agora. Talvez a postura mais firme, ou o modo como mantinha o olhar com segurança. Ele parecia mais inteiro, mais... maduro.
E bonito.
Ela nunca havia pensado exatamente nele dessa forma antes, não com a clareza com que pensava agora. Talvez na escola ele estivesse sempre à sombra dos outros, discreto demais para ser notado por olhares como o dela, sempre distraída com os mais falantes, os mais ousados. Mas agora... ali, sob a luz morna da cozinha e com aquela expressão serena enquanto soprava o chá com calma, ele parecia ter crescido exatamente na direção certa.
desviou o olhar rapidamente, como se tivesse sido pega em flagrante por um pensamento que nem ela sabia se queria ter. Bebeu um gole do chá, tentando disfarçar a súbita aceleração do coração.
Do outro lado da mesa, continuava tranquilo, sem saber que, por um breve momento, ela o havia visto sob uma nova luz. Uma luz que, até então, ela mesma não sabia que existia.
recostou-se levemente na cadeira, cruzando uma perna sobre a outra, com a xícara ainda entre as mãos.
— É engraçado pensar em como a gente era naquela época… — ela comentou, lançando-lhe um olhar de canto. — Parece outra vida.
sorriu, acompanhando o tom nostálgico.
— Às vezes eu penso nisso também. Em como tudo parecia tão importante, sabe? As provas, as apresentações, os bilhetes passando escondidos na aula…
— E os grupinhos — ela completou, rindo. — Todo mundo tinha o seu.
— Você sempre estava cercada de gente — ele disse, encarando-a com um sorriso discreto. — Era difícil até conseguir falar com você.
arqueou uma sobrancelha, divertida.
— Está me dizendo que você queria falar comigo, mas não falou?
Ele riu, olhando para a xícara por um instante antes de levantar o olhar para ela. Havia um brilho diferente ali, uma mistura de leveza com sinceridade.
— Na verdade… sim.
Ela piscou, surpresa, e ele continuou:
— Eu tinha um crush em você. Grande, para ser honesto. Mas era tímido demais pra fazer qualquer coisa a respeito.
— Sério? — levou a mão ao peito, como se tentasse processar a informação. — Você? Em mim?
— Aparentemente eu fui muito discreto. — Ele riu, um pouco sem graça. — Mas sim. Achava você inteligente, engraçada… e bonita.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo aquelas palavras, depois balançou a cabeça com um sorriso suave.
— E eu aqui achando que você mal notava minha existência.
— Eu notava. Até demais. Só que… — ele deu de ombros — você parecia estar sempre num mundo muito mais interessante do que o meu.
— Eu estava perdida como todo mundo, . Só disfarçava melhor.
Ele riu com sinceridade, e os dois se olharam por alguns segundos em silêncio, o clima entre eles mudando sutilmente. Não havia mais apenas nostalgia ali — havia uma ponte sendo construída entre o passado e o agora.
— Se eu soubesse disso naquela época… — murmurou, dando um gole no chá.
— Teria mudado alguma coisa? — ele perguntou, curioso, mas sem pressão.
Ela não respondeu de imediato, apenas olhou para ele com um sorriso misterioso no canto dos lábios.
— Talvez. Mas, quem sabe, agora seja o tempo certo para algumas coisas que não aconteceram antes.
sentiu o peito aquecer. E, pela primeira vez naquela noite, ele não sabia exatamente o que dizer — e nem precisava. O olhar dela já dizia o bastante.
terminou o último gole do chá e, em silêncio, se levantou da cadeira, pegando sua xícara. Caminhou até a pia com naturalidade, como se aquela cozinha já lhe fosse familiar há tempos.
o observou em silêncio por um instante antes de também se levantar, levando a própria xícara.
— Ei — ela disse suavemente, tocando levemente o braço dele com os dedos. — Não precisa. Você é visita.
O toque foi breve, mas suficiente para fazê-lo parar. olhou para a mão dela sobre seu braço, sentindo o roçar leve e quente dos dedos contra o tecido da camisa. Era um gesto simples, mas carregado de uma delicadeza que o desestabilizou por um segundo.
Ele ergueu os olhos para ela, os cantos da boca se curvando num sorriso calmo.
— Eu tô acostumado, . Não se preocupe.
E, sem esperar mais protestos, pegou a xícara das mãos dela com cuidado, deixando seus dedos tocarem os dela de passagem.
— Além disso — ele completou, já voltando-se para a pia — foi você quem preparou o chá. Acho justo eu lavar a louça.
Ela ficou ali por um instante, observando-o de costas, ouvindo o som da água correndo e o leve tilintar da cerâmica sendo lavada.
Por algum motivo, aquela cena tão doméstica e tranquila mexia com ela mais do que gostaria de admitir.
— Você vai correr amanhã? — fecho os olhos, com medo de parecer muito evasiva com a pergunta e ele achar estranho.
terminou de enxaguar a última xícara, desligou a torneira e se virou para ela com um pano de prato em mãos, secando o que acabara de lavar.
— Vou, sim. — respondeu com naturalidade, apoiando as xícaras limpas no escorredor. — Quase sempre corro de manhã cedo. Me ajuda a organizar os pensamentos antes de começar o dia.
Ele notou o jeito como ela evitava encará-lo diretamente, os olhos semicerrados como se estivesse tentando esconder algo por trás da pergunta.
— Por quê? — ele perguntou, encostando-se de leve na pia, o pano agora entre as mãos. — Tá pensando em se juntar a mim?
abriu um sorriso pequeno, meio envergonhado, e passou uma das mãos pelos cabelos presos.
— Talvez. Mas sem prometer nada, ainda sou péssima com compromissos matinais.
— A gente pode começar devagar — respondeu, com um tom leve, mas cheio de intenção. — Nem que seja só pra caminhar. Ou pra tomar um café depois.
Os olhos dela, agora abertos, encontraram os dele por alguns segundos a mais do que o habitual.
— Caminhar… ou café. Parece justo.
E o silêncio que se seguiu não foi desconfortável — foi uma espécie de acordo silencioso. Algo entre o fim do dia e o começo de algo novo.
— Bom, já está relativamente tarde, eu vou indo. — disse, com um sorriso gentil. — Não deixa de me dizer se o seu pai gostou dos doces.
sorriu antes de se desencostar da bancada da pia e se levantou da cadeira pronta para acompanhá-lo até o portão.
Eles caminharam juntos pelo corredor estreito de volta à sala, e, para surpresa de , a mãe de estava sentada no sofá, com um novelo de lã no colo e as agulhas de tricô se movendo em um ritmo calmo e constante.
Ela ergueu os olhos assim que percebeu a presença dos dois, o rosto iluminado por uma expressão afetuosa.
— Já está indo, ?
— Sim, senhora . Está ficando tarde.
Ele se aproximou um pouco, mantendo a postura respeitosa.
— Obrigado por me receberem. Foi bom revê-la.
— Ora, querido, quem agradece somos nós. — Ela parou por um instante com o tricô, olhando para ele com carinho. — E obrigada pelos doces. Tenho certeza de que o meu marido vai adorar.
— Espero que sim.
— Volte quando quiser, viu?
assentiu, e abriu a porta para acompanhá-lo até o portão. Enquanto saíam, o som suave das agulhas voltou a preencher o silêncio da sala, como uma música de fundo discreta para um momento que parecia, de alguma forma, especial.
Já no quintal, caminhando lado a lado até o portão de ferro, o silêncio entre os dois foi confortável, como se não houvesse necessidade de preencher o espaço com palavras. Quando chegaram à saída, parou e se virou para ele, ainda com aquele sorriso sereno no rosto.
— Obrigada, . — disse, com sinceridade na voz. — Por ter vindo, pelos doces… e pela conversa.
Ele a encarou por um momento, como se estivesse memorizando o jeito que ela falava, a forma como o cabelo caía solto em alguns fios perto da testa, e respondeu com um sorriso suave.
— Eu que agradeço. Foi... bom te ver.
— Foi mesmo. — ela murmurou, encostando uma das mãos no portão entreaberto.
Por um instante, parecia que nenhum dos dois queria ir. Mas então, respirou fundo e assentiu, dando um passo para trás.
— Boa noite, .
— Boa noite, .
Ele deu mais um passo, caminhando lentamente em direção ao carro. Ela ficou ali, parada, observando-o se afastar até que as luzes do veículo se acenderam.
, do lado de dentro, lançou um último olhar pelo espelho retrovisor antes de dar partida.
E enquanto dirigia pela rua tranquila, o sabor do chá ainda presente na boca, e a lembrança do toque leve dos dedos dela no braço, ele só conseguia pensar em uma coisa: como era estranho — e bom — reencontrar alguém e sentir que, de algum modo, tudo ainda podia acontecer.
O sol ainda mal havia nascido quando prendeu o cabelo em um rabo de cavalo frouxo e calçou os tênis de corrida. A casa estava silenciosa, o céu do lado de fora tingido por um azul tímido, ainda lutando para se libertar da escuridão da madrugada.
Ela ajustou os fones no pescoço, respirou fundo e se olhou rapidamente no espelho do corredor. Calça legging, blusa leve, rosto limpo. Tudo certo.
Era uma decisão pequena, quase banal. Colocar os tênis e sair para correr. Mas, no fundo, ela sabia que havia mais por trás daquela escolha.
“Você vai correr amanhã?”
A pergunta que havia feito na noite anterior ecoava em sua mente. Na hora, quis parecer casual, como se estivesse apenas puxando assunto. Mas agora, ali, parada na porta de casa com o coração acelerado antes mesmo de dar o primeiro passo, ela sabia que aquele "talvez" já havia se transformado em certeza no momento em que ele respondeu “vou, sim”.
desceu os degraus da varanda com passos determinados, mas por dentro, tudo era um redemoinho leve — ansiedade, curiosidade, um quê de expectativa boba. E, acima de tudo, a lembrança ainda vívida de dizendo, com toda calma do mundo, que havia tido um crush nela.
“Achava você inteligente, engraçada… e bonita.”
Ela havia dormido com essas palavras rondando seus pensamentos, e agora, com o ar fresco da manhã preenchendo seus pulmões, parecia que elas continuavam ali, correndo com ela, marcando o ritmo de cada passo que daria.
Ela não sabia ao certo se iria encontrá-lo naquele dia. Mas estava disposta a descobrir.
seguiu em silêncio pelas ruas ainda adormecidas de Seogwipo, com os primeiros raios de sol começando a despontar por trás das montanhas. O céu tingia-se de tons dourados e rosados, enquanto a brisa da manhã carregava o cheiro suave do mar misturado ao frescor das árvores ainda úmidas de orvalho.
A orla não ficava muito longe de sua casa — uma caminhada tranquila de menos de quinze minutos. À medida que se aproximava, o som das ondas quebrando suavemente nas pedras ia crescendo, preenchendo o silêncio da cidade que ainda despertava devagar.
Quando enfim chegou, seus passos diminuíram. O calçadão se estendia à frente, margeado por bancos de madeira e quiosques ainda fechados. Algumas poucas pessoas caminhavam por ali — dois senhores mais velhos com roupas esportivas, um jovem andando de bicicleta, e uma mulher correndo com fones de ouvido.
Mas não era nenhum deles que seus olhos buscavam.
Foi automático. Quase involuntário. Assim que avistou o mar, os olhos de percorreram a orla com atenção contida, procurando por uma silhueta específica, uma postura familiar, um ritmo de corrida calmo e determinado.
Ela odiava admitir, mas estava ansiosa. Era como procurar uma lembrança viva — e saber que talvez, apenas talvez, ela estivesse prestes a acontecer de novo.
E então, ao longe, viu uma figura correndo em direção contrária à sua. O moletom leve, os fones no pescoço, os cabelos bagunçados pelo vento.
Seu coração bateu mais forte. Era ele. .
E ele ainda não a tinha visto.
permaneceu parada por alguns segundos, como se precisasse daquele tempo para se preparar. Respirou fundo, ajeitou os fones ao redor do pescoço e então retomou os passos — agora mais firmes, mais certos, seguindo pelo calçadão em direção a ele.
À medida que se aproximavam, ela percebeu o quão igual e ao mesmo tempo diferente ele parecia sob a luz da manhã. Havia algo tranquilo no modo como corria, como se aquele fosse um dos poucos momentos do dia em que realmente se desligava do mundo.
Foi só quando estavam a poucos metros de distância que ele finalmente a viu. diminuiu o ritmo, os olhos arregalando-se levemente ao reconhecê-la, e um sorriso imediato surgiu em seus lábios.
— Achei que fosse uma promessa vazia. — disse ele, ainda ofegante, desacelerando por completo e parando ao lado dela.
riu, empurrando de leve o ombro dele com o cotovelo.
— E perder a chance de caminhar... ou tomar café? Nem pensar.
— Bom ponto. — Ele a olhou de cima a baixo, analisando o visual esportivo improvisado. — Primeira vez correndo nessa orla?
— Primeira vez correndo. Ponto. — ela respondeu, rindo. — E não me julgue. Só estou aqui por culpa sua.
— Culpa minha? — ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— Você me fez parecer preguiçosa ontem. Fiquei com isso na cabeça.
— Não foi minha intenção — disse ele, em tom divertido. — Mas fico feliz em ter esse tipo de influência.
— É, não se acostume.
Eles riram juntos, e então começaram a andar lado a lado pela orla, em um passo leve e sincronizado. A cidade ainda se esticava, bocejando com preguiça, e o mar sussurrava calmamente ao fundo.
Naquele instante, percebeu: talvez aquele reencontro estivesse mesmo se transformando em algo mais. E o mais estranho — ou mais bonito — era que ela não se sentia com medo disso. Não agora. Não ali. Com ele.
Após alguns minutos de caminhada leve e conversas dispersas, parou, respirando fundo.
— Ok, confesso que não esperava sobreviver tão bem. — disse, com um sorriso vitorioso nos lábios.
— Você foi melhor do que eu esperava. — respondeu, com um brilho divertido nos olhos. — E olha que não é qualquer um que merece um café pós-corrida na minha cafeteria.
— Uau, me sinto honrada.
— Mas… — ele coçou a nuca, olhando para as próprias roupas suadas — será que você se importa se passarmos no meu apartamento antes? Só pra eu tomar um banho rápido e trocar de roupa? É bem perto daqui.
— Tudo bem. Eu espero. Desde que tenha café depois.
— Tem. Prometo.
Poucos minutos depois, eles subiram as escadas de um prédio baixo e discreto, com fachada de tijolinhos claros e varandas com samambaias penduradas. O apartamento de ficava no segundo andar, e assim que ele abriu a porta, foi recebida por um aroma suave de café misturado com lavanda.
— Pode entrar. Fica à vontade. — ele disse, deixando os tênis perto da porta. — Tem água na geladeira se quiser, eu já volto.
Ela assentiu e entrou, os olhos explorando com curiosidade o espaço que, de alguma forma, parecia exatamente como ela imaginava.
O apartamento era simples, mas cheio de personalidade. As paredes tinham tons neutros, decoradas com quadros minimalistas e fotos emolduradas — algumas da cafeteria, outras de paisagens naturais. A estante da sala estava repleta de livros de culinária, arquitetura e alguns romances clássicos, empilhados de forma organizada, mas vivida.
Havia uma pequena vitrola em um canto, com discos cuidadosamente empilhados ao lado. Uma luminária de pé jogava uma luz suave sobre um sofá cinza, coberto por uma manta de crochê em tons terrosos. O espaço era limpo, funcional, mas com detalhes que revelavam quem ele era: as plantas bem cuidadas na janela, a caneca com pequenos trincos usada como porta-lápis, o bloco de anotações com rabiscos e receitas presas por um clipe.
se aproximou de uma prateleira onde havia uma fileira de porta-retratos. Um deles mostrava ainda adolescente, sorrindo tímido ao lado de um grupo de colegas — entre eles, ela própria.
Ela sorriu, surpresa.
— Você guardou isso...
— Guardei o quê? — a voz dele surgiu atrás dela, já mais próxima.
Ela se virou e viu saindo do corredor, os cabelos ainda úmidos e uma camiseta limpa colada ao corpo.
— Essa foto. A gente devia ter o quê? Dezessete?
Ele olhou e sorriu, meio envergonhado.
— É. Foi num dos trabalhos de história, acho.
— Eu nem lembrava que existia uma foto nossa.
— Pois é. Tem coisas que a gente guarda sem nem perceber.
desviou o olhar, sorrindo.
— Seu apartamento parece com você.
— Isso é bom ou ruim?
— É bom. Tranquilo. Cuidadoso. Cheio de detalhes...
cruzou os braços, recostando-se no batente da porta.
— Fico feliz que tenha vindo.
— Eu também.
Ele estendeu a mão em direção à porta.
— Vamos? Seu café te espera.
Ela sorriu, caminhando até ele.
— E eu espero que você sirva o melhor da casa.
— Por você? Claro que sim.
E juntos, eles saíram, lado a lado, com o dia só começando e um novo capítulo se insinuando entre os dois.
Seguiu até uma mesa mais afastada, e reparou com um sorriso quando ele puxou a cadeira para ela se sentar.
— Obrigada… você costuma ser atencioso assim com todas as suas clientes? — brincou, soltando uma risada curta, jogando levemente a cabeça para trás.
— Você não é só uma cliente … — Os dois se olharam e ele sentiu as bochechas esquentarem.
— Ah não? — engoliu seco, parecendo surpreendida pela resposta dele.
— Eu já volto com o seu café, espera aqui. Não foge!
observou se afastar apressado em direção à cozinha, quase tropeçando nos próprios pés ao desviar de um garçom que vinha do balcão. Riu sozinha, mordendo levemente o canto dos lábios antes de apoiar os cotovelos sobre a mesa.
As palavras dele ainda ecoavam em sua mente: “Você não é só uma cliente.”
Ela não esperava por aquilo. Não com aquela firmeza, nem com aquele olhar — como se cada palavra tivesse sido arrancada de dentro dele sem filtro, no impulso de quem não sabia mais como disfarçar.
“Você não é só uma cliente.”
Sentiu o estômago revirar num misto de surpresa e... outra coisa. Uma coisa que fazia seu coração acelerar mesmo enquanto sentada. Tão diferentes de Seul, aqueles momentos. Lá, tudo era prático, corrido, ensaiado. Aqui, com ele, parecia que tudo saía do controle — mas de um jeito bom.
olhou ao redor. A cafeteria seguia cheia, com risadas discretas, xícaras tilintando, vozes trocando histórias de manhãs comuns. Nada extraordinário acontecia para os outros. Mas dentro dela, algo estava mudando.
Na cozinha, jogava ingredientes no balcão com mais pressa do que o normal.
— Tá tudo bem? — perguntou Moonbin, sem nem levantar a cabeça dos papeis.
— Tá, tá sim — respondeu rápido demais, girando a máquina de espresso com um movimento quase impaciente.
Preparar café era algo que ele fazia todos os dias, quase de olhos fechados. Mas naquele momento, as mãos pareciam um pouco mais trêmulas.
“Você não é só uma cliente, .”
Ele sabia que foi direto demais. Talvez até corajoso demais. Mas ver o jeito como ela sorriu naquela hora, e como ela parou de brincar — mesmo por um segundo — o fez pensar que tinha feito certo.
Enquanto preparava a bebida dela, adicionando canela em pó no topo como ela havia dito gostar no dia anterior, sentiu um calor subir pelo peito.
Não era só sobre café. Não era só sobre o passado.
Era sobre agora. Sobre tentar, mesmo sem saber onde aquilo ia dar.
Ele ajeitou os dois copos na bandeja com um cuidado quase cerimonial e respirou fundo antes de voltar para a mesa.
Ela ainda estava lá.
E o sorriso dela quando o viu voltando dizia tudo.
— Uau! O que temos aqui? — Ela observou com um sorriso genuíno enquanto ele colocava as bandejas sobre a mesa.
— Bom, eu preparei um latte com canela para você beber, você tinha dito anteriormente que gosta de canela, então preparei um latte cremoso, com espuma de leite e canela polvilhada no topo.
O latte estava exatamente como ela gostava, e o aroma da canela subiu até ela como um abraço morno, despertando uma sensação quase esquecida de familiaridade e conforto.
alargou o sorriso ao se dar conta que ele havia prestado de fato atenção e ainda memorizado aquele fato, e os olhos dela brilharam quando pousaram pelo pratinho com fatias de bolo caseiro de limão e no cantinho, escrito com chocolate derretido haviam as palavras: "Bem-vinda de volta."
Ela ficou sem reação por alguns segundos. A frase era curta, mas dizia tudo. Era como se alguém tivesse lido seus pensamentos, atravessado a muralha de sorrisos educados e frases genéricas, e alcançado exatamente o ponto vulnerável que ela tentava esconder desde que havia retornado para Seogwipo.
sentiu o peito apertar de um jeito bom — um calor que subiu devagar, como se ocupasse cada espaço vazio que a cidade grande tinha deixado nela.
A maioria das pessoas a havia recebido com frases como “quanto tempo!” ou “não sabia que tinha voltado”. Palavras rasas, protocoladas. Mas …
Ele não só percebeu que ela tinha voltado.
Ele a fez sentir que era bem-vinda. Que ainda tinha lugar ali.
Engoliu em seco, sem saber ao certo o que dizer. Sentiu os olhos arderem por um breve momento, mas manteve o sorriso. Um sorriso que agora vinha de um lugar mais profundo — o tipo de sorriso que a gente dá quando o coração reconhece algo que nem sabia que estava esperando.
Ela ergueu os olhos para ele, que a observava em silêncio, como se também estivesse tentando decifrar a reação dela.
— Isso é… — ela começou, a voz mais baixa, quase trêmula de emoção contida. — É o gesto mais bonito que alguém já teve comigo em muito tempo.
sorriu, sem precisar dizer nada. E naquele momento, o café, o bolo, a canela… tudo se tornou um pretexto delicado para algo muito maior que estava começando a acontecer entre os dois.
se sentou em frente a ela, e puxou a outra bandeja para mais perto de si, ele havia escolhido algo simples para si mesmo: croissant recheado com queijo cremoso e um chá gelado de hibisco com limão.
Os dois deram as primeiras mordidas em silêncio, ambos apreciando os sabores que tinham à sua disposição.
cortou um pequeno pedaço do bolo de limão com o garfo e levou à boca. A massa era macia, úmida, e o sabor cítrico explodiu de maneira delicada em sua língua, equilibrado pelo toque doce do glacê fino que derretia quase instantaneamente. A canela do latte completava a experiência, envolvendo seus sentidos com um calor reconfortante. Era como se cada mordida e cada gole dissolvessem um pouco mais das tensões que ela ainda carregava nos ombros desde que voltara para casa.
Do outro lado da mesa, deu uma mordida generosa no croissant. A massa folhada desmanchou sob a pressão dos dentes, leve e amanteigada, revelando o recheio cremoso e suave de queijo. Era um sabor simples, mas cheio de textura, conforto e aquele toque artesanal que só quem colocava carinho no que fazia conseguia oferecer.
Ele tomou um gole do chá gelado de hibisco, sentindo o frescor cítrico do limão contrastar com o leve amargor floral da bebida. A acidez despertava seus sentidos suavemente, como a brisa da manhã tocando a pele depois de uma longa corrida.
o observou por cima da borda da xícara, sem disfarçar o sorriso pequeno que brotou em seus lábios ao vê-lo tão concentrado, tão tranquilo em algo tão simples quanto uma refeição. E de repente, ela se deu conta de que sentia exatamente isso ali com ele: tranquilidade.
Cada sabor, cada gole, cada respiração compartilhada parecia dizer sem palavras: você está no lugar certo.
E no meio da vida que ela vinha levando, tão cheia de correria e ruídos desnecessários, aquele silêncio repleto de significado parecia ser exatamente o que ela mais precisava. E nem sabia. Até agora.
terminava de passar o garfo pela última migalha do bolo no prato, um sorriso leve ainda pairando em seu rosto, quando o celular, largado sobre a mesa, começou a vibrar.
Ela e se entreolharam brevemente antes de ela puxar o aparelho para si. Era o número da casa dos pais. Seu peito apertou instintivamente.
— É minha mãe. — murmurou, já deslizando o dedo pela tela para atender.
se endireitou na cadeira, imediatamente atento à mudança na expressão dela.
“Oi, omma?” — falou, tentando soar tranquila.
Mas à medida que escutava do outro lado da linha, a linha de sua boca foi se tornando mais tensa, o sorriso desaparecendo lentamente.
“Ah... ele está passando mal de novo?” — a voz dela baixou ainda mais. — “Agora? Sim, claro, eu já estou indo. Fica calma, eu chego rápido.”
Ela desligou o telefone com movimentos contidos, respirando fundo uma vez antes de levantar o olhar para , que a observava com uma preocupação silenciosa.
— Meu pai... — ela começou, a voz embargada. — Ele passou mal. Minha mãe disse que não é grave, mas ele está sentindo muita tontura e fraqueza.
— Quer que eu te leve? — se adiantou imediatamente, já pegando a chave do carro que havia deixado sobre a mesa.
— Eu... — hesitou, dividida entre não querer incomodá-lo e aceitar a ajuda. Mas bastou olhar para o rosto dele — firme, decidido, sem a menor sombra de obrigação — para ela simplesmente assentir. — Eu agradeço muito.
— Vamos.
Sem perder tempo, levantou-se, os pratos sobre a mesa e fez um sinal para os funcionários recolherem depois, e abriu caminho para ela, sempre um passo à frente, como se quisesse protegê-la de tudo que pudesse dar errado no meio do caminho.
No carro, o silêncio entre eles era diferente daquele da cafeteria. Não era mais tranquilo — era carregado de preocupação. manteve uma mão firme no volante, os olhos atentos à estrada, enquanto fitava a janela com as mãos trêmulas pousadas no colo.
— Ele vai ficar bem — disse, em um tom baixo, mas seguro.
Ela apenas assentiu, sem conseguir dizer nada por alguns segundos. Mas saber que não estava sozinha, que havia alguém ao seu lado naquele momento — alguém que não a fazia se sentir como um peso, mas como uma prioridade — foi um alívio que ela nem sabia que precisava tanto até sentir.
Quando finalmente chegaram, parou o carro em frente à casa dela e desligou o motor rapidamente. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, ele já estava abrindo a porta para ajudá-la.
— Se precisar de mim, eu estou aqui — ele disse simplesmente, sem grandes promessas, mas com uma verdade que se instalou direto no peito dela.
E naquele instante, em meio ao medo e à preocupação, sentiu algo muito mais forte nascer ali — algo que ia além da gratidão.
Algo que tinha tudo a ver com ele. E com ela. E com a forma inesperada e bonita como a vida começava, pouco a pouco, a uni-los de novo.
atravessou o portão quase correndo, destrancando a porta de casa com mãos apressadas. Assim que entrou, encontrou a mãe na sala, de pé ao lado da poltrona onde o pai estava sentado, com os olhos fechados e um semblante cansado.
— Appa... — ela murmurou, se aproximando imediatamente.
— Ele está melhor agora — a mãe garantiu, tentando manter a calma, mas era evidente a tensão em sua voz. — Eu medi a glicose, estava um pouco baixa, então preparei algo doce e ele já está respondendo melhor.
se ajoelhou ao lado do pai, pegando com delicadeza a mão dele entre as suas.
— Pai, você me assustou.
Ele abriu os olhos devagar, forçando um sorriso fraco.
— Desculpa, filha... só foi uma tontura. Não precisa ficar tão preocupada assim.
— Sempre precisa — ela respondeu com a voz baixa, e beijou a mão dele antes de se levantar.
Foi até a cozinha, buscou um copo d’água, verificou os remédios organizados sobre a bancada e conferiu mais uma vez a glicose no visor do aparelho da mãe. Os números haviam estabilizado. Sentiu os ombros relaxarem só então.
Foi só quando se lembrou de que se virou para a janela da frente. Ele ainda estava lá, parado do lado de fora do carro, com as mãos nos bolsos da jaqueta e o olhar pousado na fachada da casa, como se esperasse algum sinal.
apertou os lábios e passou pela sala, saiu de novo, fechando a porta atrás de si. Caminhou até ele com passos mais lentos dessa vez, mas com os olhos mais suaves.
— Ele tá melhor. Foi só uma queda na glicose. Já passou. — ela disse, a voz agora aliviada, mas ainda trêmula do susto.
— Fico feliz em ouvir isso. — respondeu, e depois de uma pausa, acrescentou com um sorrisinho discreto: — Eu tenho uma coisa aqui no carro... não sabia se você ia precisar, mas sempre carrego comigo.
Ele abriu a porta do passageiro e tirou de lá uma sacolinha de pano reutilizável. De dentro dela, tirou uma garrafa térmica e um pequeno recipiente com tampa.
— Chá de camomila com gengibre, não muito quente. E alguns biscoitos de arroz integral — disse, meio sem jeito, estendendo para ela. — Lembro que você falou que sua mãe gosta de chá, e achei que talvez... não sei.
o encarou, primeiro surpresa, depois emocionada.
— ... você não precisava...
— Eu sei. Mas quis fazer.
Ela segurou a sacolinha com cuidado, como se fosse algo frágil e precioso — e de certa forma, era.
v — Obrigada. De verdade.
Os olhos dela diziam mais do que as palavras. Havia uma ternura silenciosa ali, e também uma nova camada de carinho crescendo entre os dois.
Por alguns segundos, eles ficaram apenas se olhando, como se entendessem que algo importante havia se firmado ali, mesmo sem precisar ser dito.
— Vai descansar um pouco, — ele disse, por fim. — E qualquer coisa… me chama.
Ela assentiu, segurando a sacola com mais firmeza.
— Bom dia, .
— Boa dim.
Ele entrou no carro, mas antes de dar partida, lançou um último olhar para ela pelo retrovisor.
E, mesmo com o coração ainda acelerado pelo susto da noite, sentiu que havia encontrado um tipo raro de presença: alguém que não a deixava mais sozinha, mesmo no meio do caos.
E era impossível não se perguntar: quando foi mesmo que ele passou a ser exatamente o que ela precisava, sem que ela tivesse pedido?
Ao voltar para casa, ela se sentou no sofá ao lado da mãe, observando o pai começando a cochilar. Sentiu uma das mãos da mãe lhe tocarem o ombro, e quantos e virou a mãe sorria:
— Está de namorico com o , filha? Ele virou uma rapazote tão formidável, querida, faço muito gosto.
sentiu as bochechas esquentando e sabia que estava com elas vermelhas e o pai abriu os olhos, pigarreando.
— Quem é esse? Você não vai apresentá-lo aos seus pais ? — O mais velho cruzou os braços, aparecendo analisá-la e até um pouco emburrado.
Antes que pudesse abrir a boca para responder os pais, a mãe se adiantou:
— Querido, ele trouxe aqueles doces zero açúcar para você! Já está querendo conquistar o sogro. — A mãe piscou para ele e soltou uma risada nervosa.
— Não é nada disso, pelo amor de Deus! Eu e ele estudamos juntos durante todo o fundamental e médio e agora que voltei nos reaproximamos, só isso. Não estou de namorico nenhum, mãe.
— Os doces estavam uma delícia! Aonde ele conseguiu? — O pai se ajeitou no sofá, relaxando a postura depois de a filha ter esclarecido as coisas.
— Ele mesmo deve ter feito, são da cafeteria dele. A cafeteria nova da cidade, é dele.
A mãe abriu a boca num completo O e ela e o marido se olharam, antes de sentir um tapa de leve na parte interna de sua coxa esquerda, dado pela mãe.
— A cafeteria do momento é do seu namoradinho?
fechou os olhos com força e bufou.
— Do meu amigo! Somos amigos, mãe!
— Você deveria se casar com ele, imagina eu comendo aqueles doces todos os dias?
não resistiu e gargalhou, tombando a cabeça para trás.
— Há minutos atrás o senhor não parecia aprovar nada sobre o fato de eu estar namorando — disse, entre risos — mesmo que eu não esteja… e agora já quer comer os doces do todo dia?
O pai fez uma careta fingidamente pensativa, coçando o queixo com teatralidade.
— Olha, eu não disse se aprovava ou não. Só achei estranho não conhecer o rapaz. Mas se ele faz uns doces assim... pode ser considerado.
— Pode ser considerado, pai? — ela repetiu, escandalizada. — Vocês estão insuportáveis!
A mãe gargalhou, jogando a cabeça para trás, visivelmente satisfeita com a provocação.
— Estamos apenas dizendo que você poderia olhar com mais carinho pra esse menino, só isso. — Ela piscou. — Ele te olhava diferente na época da escola, lembra?
levou a mão ao rosto, já sentindo as bochechas esquentarem de novo.
— Mãe!
— O quê? Eu reparava. Ele era quietinho, mas sempre prestava atenção em você. Nunca disse nada, claro… mas o olhar entregava.
— Bom, agora ele tá bem falante — resmungou , ainda sorrindo.
O pai resmungou, semicerrando os olhos.
— Só não vem trazer vagabundo pra dentro de casa. Mas se ele continuar mandando esses doces aí… — ele ergueu as mãos em um gesto de rendição. — A gente conversa.
— Appa! — riu de novo, quase derrubando a cabeça no colo da mãe.
— Estou brincando, filha. — ele disse, e, pela primeira vez naquela noite, sorriu abertamente. — Só quero ver você bem. E hoje você chegou com um olhar diferente… mais leve.
Aquela frase cavou fundo. Mais do que qualquer brincadeira, aquilo tocou exatamente no ponto que ela não queria admitir em voz alta. Ela estava mesmo mais leve. a fazia sentir isso.
— Eu estou bem, pai. — ela respondeu, depois de um instante. — Por enquanto, só isso importa.
O silêncio que se seguiu foi tranquilo, preenchido pelo som do relógio da parede e da respiração ritmada do pai voltando a cochilar. A mãe acariciava o braço dela com suavidade, e fechou os olhos por um momento, sentindo o alívio do susto passar por fim.
Era bom estar em casa.
E talvez — só talvez — também fosse bom ter reencontrado alguém que fizesse aquilo tudo parecer ainda mais certo.