Revisada por: Calisto
Última Atualização: 31/10/2024A multidão, munida com tochas e armas improvisadas, avançava como uma sombra viva, movida pela vingança e pelo medo. As chamas tremulantes registravam as sombras enquanto se aproximavam, numa dança macabra que não parecia ter fim, enquanto os rostos daqueles que o perseguiam se deformavam.
O Fantasma da Ópera estava sendo caçado.
Não era nada diferente do que já havia vivenciado. Desde a mocidade, a perseguição e o ódio o mantinham como refém, envenenavam qualquer resquício de esperança que surgisse.
— Ele está aqui! Acabei de ver a capa! — alguém gritou, e a voz atravessou o teatro como um golpe de faca, uma sentença que, até então, ele se recusava a aceitar.
Aquele seria mesmo o seu fim?
O cheiro acre de fumaça o sufocava. O grupo de caçadores se espalhava pelas passagens secretas, seu labirinto, o domínio que até então era apenas dele, e isso lhe dava um pouco de vantagem. No entanto, tudo estava arruinado, e não teria muito mais tempo.
Escondido nas sombras do palco, o Fantasma observava seus perseguidores. O capuz negro de sua capa cobria parcialmente seu rosto, despido da máscara que carregara por tantos anos. Sua deformidade exposta como jamais imaginaria que aconteceria novamente.
Desde o primeiro dia em que a Ópera de Paris se tornou o seu refúgio, jamais imaginou que voltaria a se sentir como um animal de circo. No entanto, ali estava ele. Acuado, quase rendido e prestes a ceder à derrota.
Um misto de desprezo e tristeza brilhava em seus olhos. Eles nunca entenderiam. Nunca poderiam ver o que ele verdadeiramente era, ou quem havia se tornado. Apenas uma pessoa era capaz daquilo. Apenas uma pessoa o havia visto e o aceitado de corpo e alma.
Não.
Não podia desistir! Não podia sucumbir. Não sem antes encontrá-la.
Será que ela estaria entre a multidão? Estaria também apontando armas para feri-lo?
Uma pontada em seu peito implorou para que estivesse enganado.
O Fantasma se moveu silenciosamente e atravessou o palco principal arruinado, então subiu pela passagem que o levaria aos camarotes. Suas vestes escuras cumpriam o papel de escondê-lo nas sombras.
Ninguém conhecia o teatro como ele. Todas as portas e passagens secretas. Porém aquilo estava prestes a mudar, o que só aumentava o amargor em seu peito.
Seus dedos arranharam as paredes, enquanto se dirigia ao seu último refúgio, o Box 5.
Foi lá que tudo começou. Foi lá onde ele a viu pela primeira vez.
.
O nome dela ressoava em sua mente como uma melodia que nunca parava. Se fechasse os olhos, ainda poderia senti-la e daria qualquer coisa para tê-la para si uma última vez antes de sucumbir.
As lembranças voltaram com uma força avassaladora. Ele podia quase ouvir a voz dela, desafiadora, inabalável, a primeira a ousar enfrentá-lo. Seu sangue fervia ao recordar aquela noite. Ela o tinha enfeitiçado, o arrastado para fora da escuridão.
havia provado do paraíso e do inferno. Navegado por suas curvas. Embalado pela melodia única que apenas sabia entoar.
Nem todas as óperas poderiam descrever o quanto aquela mulher havia o atingido. O quanto revolucionou o âmago de seu ser.
Precisava dela. E de repente sabia que, se estivesse no meio da multidão furiosa, ele não hesitaria em se entregar.
Se aquele fosse o desejo dela, o Fantasma da Ópera o aceitaria de bom grado.
Afinal, não havia nada que não faria por ela, e foi assim desde o princípio.
A porta do camarote se abriu com um rangido suave, em um som muito semelhante a um lamento.
No palco abaixo, o frenesi da multidão se intensificava. A justiça era exigida. Os gritos explodiam como uma bomba relógio e o tic-tac nauseante continuava a soar. Seus batimentos o acompanhavam, suas mãos tremiam e sua boca estava tão seca que o deixava tonto.
Mas não olhava para as pessoas. Não naquele momento.
Seus olhos se fixaram no lugar onde costumava ficar, como se pudesse vê-la uma última vez. Um último suspiro escapou de seus lábios, e ele se permitiu recordar o brilho dela, a forma como a luz dançava em seus cabelos e o modo como desafiava o mundo. A sensação de ser visto e compreendido, mesmo que por um breve momento, era um bálsamo para sua alma atormentada.
Um último suspiro. E então, a porta foi arrombada. A realidade gritou ensurdecedora e , o Fantasma da Ópera, abraçou seu destino.