Codificada por Lua ☾
Última Atualização: 15/01/2024
Ainda faltava um semestre para que eu acabasse o curso e conciliar isso com o estágio era difícil. Ainda mais depois de um coração partido. Depois que Seungcheol disse que ele e estavam namorando, eu tinha ido ao aquário e contado a ela. Ela pediu um milhão de desculpas com a voz embargada e eu lhe garanti que não era culpa dela. Eu esperava de verdade que ela e Seungcheol fossem felizes, eles mereciam. Mas ver meu amor de infância partindo assim não foi fácil. Só me restava agora seguir em frente.
E era exatamente isso que eu estava fazendo ali.
Sexta era dia de happy hour e a galera do trabalho estava reunida no bar de sempre, reclamando das coisas de sempre e ameaçando o chefe. Eu tinha saído do estágio mais cedo porque tinha que resolver uma coisa na universidade, mas tinha combinado de encontrá-los ali, então tinha passado na modesta casa que agora eu dividia com Seungcheol e tinha ido andando, morávamos perto dali, afinal.
Estava tomando uma cerveja quando uma das garotas da empresa se aproximou de mim e sentou ao meu lado. Eu não a conhecia, provavelmente ainda não tinha passado no setor dela, então não dei tanta atenção.
— O que você faria se seu vizinho fosse um psicopata? — ela perguntou de repente. Era jovem e bonita, mas parecia levemente alcoolizada.
— Boa noite? — respondi em tom de pergunta, claramente sem entender o que ela tinha perguntado.
— É sério, o que você faria? — ela insistiu.
— Chamaria a polícia? — perguntei.
— Eu já fiz isso, desligaram na minha cara depois da sexta ligação. — ela deu de ombros. — O que a gente faz quando a polícia ignora a gente? — ela voltou a perguntar.
— Não insiste. — respondi.
— É verdade, preciso de provas. — ela respirou fundo e seu olhar se iluminou.
— Quê? Moça, eu não disse isso. — tentei apagar o brilho no olhar dela, sabendo que coisa boa não sairia dali.
— E você vai me ajudar. — ela sorriu e tomou minha mão na sua. Levantou do banco onde tinha sentado no início daquela conversa sem noção e começou a andar em direção à saída.
— Ajudar em quê? Moça, pelo amor de Deus, eu... Eu nem sei seu nome. — tentei argumentar.
— . — ela parou de repente e me encarou. — Agora me ajuda.
, agora eu sabia, me arrastou para fora do bar e começou a caminhar em direção à esquina da rua. Virou à direita, seguiu caminhando e virou à direita no final da rua de novo. Se aproximou de um arbusto e me puxou para baixo.
— Ali. Ele mora ali. — ela apontou para uma casa do outro lado da rua. — As luzes estão sempre apagadas.
— Ele deve estar dormindo. — apontei.
— Não... Hansol, né? — ela perguntou.
— Hansol Chwe. — respondi. — Mas...
— As luzes realmente nunca se acendem. Tá sempre tudo escuro, mesmo pela manhã. — ela sussurrou, me interrompendo.
— E como você sabe disso? — perguntei.
— Eu tento observar ele às vezes, mas nunca consigo ver nada. — ela suspirou frustrada.
— , você sabe que isso é crime, né? — perguntei.
— Só se ele me descobrir. — ela sorriu. — Que cheiro é esse? — ela perguntou. Inspirei ao redor, tentando sentir o que ela sentia, mas só consegui sentir o cheiro da grama, como se ela tivesse sido aparada recentemente. De repente, colou o nariz no meu pescoço e respirou fundo, fazendo minha pele arrepiar. — É seu perfume, Hansol. Você cheira bem. — ela disse com a voz parecendo embriagada.
— , que tal se eu te levar até a sua porta? — perguntei com um fio de voz. Precisava voltar ao bar, mas ela já estava passando do ponto, tinha que ir para casa. E talvez eu também.
— Minha porta é essa aqui. — ela apontou para trás.
— Você observa o vizinho daqui? — perguntei. Parecia meio longe.
— Eu tenho um binóculo. Uma lente está meio desfocada, mas serve. — ela explicou e levantou. — Depois vamos falar sobre isso, Hansol. Você não vai fugir de mim.
— Certo, . Depois falamos sobre isso. Mas agora você precisa dormir. Nos vemos na segunda? — perguntei sem querer saber a resposta.
— No café. Eu te acho. — ela procurou a chave na bolsinha e, com esforço, abriu a porta.
A observei entrar em casa e, em seguida, comecei a caminhar de volta ao bar pensando que tinha arrumado um grande problema no momento em que se apresentou.
Estava sentado em uma das mesas do café, observando as pessoas entrando e saindo do prédio quando sentou ao meu lado, descabelada e parecendo acabada.
— Que diabos aconteceu com você? — perguntei. Se nosso chefe a visse assim, ela, no mínimo, levaria uma advertência.
— Não dormi. O vizinho chegou de madrugada e entrou em casa sem acender as luzes. — ela começou a explicar. — Quem anda em casa sem acender as luzes? Isso mesmo! Um psicopata.
— Mas você o viu? Digo, na rua? Conseguiu ver o rosto dele?
— Não. Estava escuro demais e eu não estava enxergando muito bem por conta do... Enfim. — ela suspirou. — Passei a noite olhando a casa dele, ou pelo menos tentando, mas o meliante é sorrateiro, ardiloso.
— , quanto café você ingeriu? — perguntei temendo a resposta.
— Duas garrafas... e meia. E tem uns adesivos de cafeína colados na minha bunda, mas isso não vem ao caso. — ela deu de ombros.
— Por que na... ?
— Cara, foca aqui que eu quero falar do psicopata do meu vizinho. — ela baixou o tom de voz, como se fosse me contar um segredo.
— , você precisa parar. — alertei.
— Hansol, né? — ela perguntou.
— Hansol Chwe, mas pode...
— Então, eu sou viciada em casos criminais. — ela me interrompeu, pois, como sempre, parecia não me ouvir. — Eu não vou parar até pegar ele. — ela bateu a mão em punho na mesa, assustando os presentes.
— Escuta. Vou falar sério agora. — respirei fundo. — Primeiro, para sua segurança, acho que não é uma atitude sábia abordar pessoas no bar e depois levá-las até sua casa. — ela respirou para me interromper, mas levantei a mão para que ela parasse o que nem tinha começado. — Somos todos da mesma empresa, mas até sexta eu não sabia seu nome.
— Você tem um ponto. — ela admitiu.
— Segundo, falando como alguém que conhece pessoas do jurídico, você precisa parar. Tenho quase certeza de que stalking é crime previsto em lei. — expliquei devagar, como se falasse com uma criança.
— Hansol, é sério, eu sei do que eu tô falando. — ela passou as mãos sobre o rosto. — O cara chegou tem uma semana e nesse tempo o cachorro da vizinha sumiu. Simplesmente sumiu! — ela elevou a voz para falar a última frase.
— O cachorro não pode simplesmente ter fugido? — perguntei. Era uma hipótese válida.
— Ou o vizinho do 88 pode ter matado ele. O que o configuraria como um verdadeiro psicopata. — ela apontou como se fosse óbvio. — É um bom nome de caso: “o vizinho do 88”. — ela abriu as mãos como se esticasse uma faixa e eu segui seu olhar perdido.
— A vizinha do 107 também vai ser um bom nome de detenta se você for presa. — apontei.
— Eu não vou. Porque você vai me ajudar. — ela sorriu para mim. — E eu moro no 103.
— E como eu vou te ajudar? — perguntei. — O máximo que eu posso fazer é te arrumar um advogado se te pegarem.
— Eu vou reunir minhas provas e vamos montar um dossiê para apresentar à polícia. — ela sorriu satisfeita.
— Você nem sabe a identidade... , veja bem onde está se metendo. — alertei.
— Primeiramente, me chame de . Pare de ficar repetindo “ isso, aquilo”, me dá nos nervos. — ela suspirou. — Em segundo lugar... Você sabe de alguma coisa, Hansol? Porque parece que não está me contando algo. — ela apoiou os cotovelos na mesa e aproximou o rosto do meu, esquadrinhando minha expressão como a polícia analisa um suspeito.
— Se está suspeitando de mim, não deveria ter me levado até a sua porta na sexta. — cruzei os braços sobre o peito.
— Você tem um ponto. De novo. — ela ponderou. De perto, os olhos amendoados pareciam cansados, porém alertas. — Mas ainda me parece suspeito.
— Eu só tô tentando fazer com que você não seja presa e cause um escândalo. — lembrei. — Trabalhamos em uma empresa de segurança. Imagine o caos se você for presa por perseguir uma pessoa.
— O namorado da Bee é do Direito. Ela consegue me tirar de lá sem levantar poeira. — ela cruzou os braços sobre o peito com uma expressão vitoriosa no rosto.
— A Bee herdeira da Bee’ Safe Private Security & Investigations? — perguntei um pouco chocado.
— Eu tenho meus contatos, Hansol. — ela deu de ombros. De repente, seu semblante franziu. — Que cheiro é esse?
Ri sozinho porque ela tinha feito a mesma pergunta antes, mas provavelmente estava bêbada demais para lembrar. descruzou os braços, inclinou o corpo por cima da mesa novamente e, como antes, cheirou meu pescoço. Se eu achava que a atitude anterior tinha sido por conta do álcool, eu estava enganado. Aparentemente era apenas sendo ela mesma.
— Seu cheiro é bom, Hansol. — ela elogiou perto do meu ouvido e se afastou. Tentei controlar o arrepio na minha nuca e desviei o olhar. — Vai ser interessante trabalhar nesse dossiê com você. — ela sorriu de lado.
— Preciso ir, . Ainda sou um estagiário aqui. — levantei, pronto para ir para a sala lotada de papeis que com certeza estavam me esperando. — Se precisar de mim...
— Eu vou te achar. Não se preocupe. — ela piscou.
— Stalking é crime. — reforcei.
— Bom dia, Hansol. — ela acenou.
Dei as costas e fui para a “minha sala”. Estava estagiando na Contabilidade. As contas estavam uma bagunça. Assim como eu.
88
A casa ainda estava um caos, eu estava atolado até o pescoço com o trabalho. Quase duas semanas e eu não tinha tido tempo de esvaziar as caixas ou limpar as janelas, ou mesmo trocar as luzes queimadas. A pouca iluminação entrava pelas persianas quebradas das janelas da sala por onde eu agora olhava a vizinha da frente que tentava me espiar com... Um binóculo?
— O que ela está fazendo? — meu amigo que dividia a casa comigo perguntou atrás de mim. Tomei lentamente o café da minha xícara e estreitei os olhos para ela.
— Não faço ideia. — respondi a ele.
— Eu já limpei o porão. — ele anunciou.
— Ótimo. Hora da nossa corrida matinal? — perguntei e bebi o resto do café na xícara.
— Não com você sem blusa, garanhão. — meu amigo me deu um tapinha no ombro. O olhei por cima do ombro o encontrando também sem blusa.
— E quanto a você? — perguntei.
— Eu gosto da liberdade do vento batendo no peito enquanto corremos entre as árvores. — ele suspirou.
— O que você é, um quileute? — gargalhei. Ele apenas deu de ombros. — Vista uma roupa e vamos. Não queremos matar ninguém hoje.
Eu estava do lado de fora da minha casa, vendo uma movimentação na casa da frente, mas tudo ficou quieto de repente. Sem sombras, sem barulhos. O cachorro da vizinha continuava sumido e Hansol, apesar das minhas inúmeras tentativas, não estava me ajudando em absolutamente nada.
Continuei a varrer a calçada sem realmente varrer a calçada, apenas observando qualquer movimento suspeito com o binóculo. Já estava ali há bons 40 minutos.
— , o que diabos você está fazendo? — uma voz masculina perguntou atrás de mim e eu pulei de susto, o que me fez jogar o binóculo em um dos arbustos na frente da minha casa. Provavelmente devo ter quebrado a lente que já não estava boa.
— Puta merda, Hansol! Que susto do caralho. — ralhei, me virando para encontrá-lo com o cachorro da vizinha no colo. — Quando você chegou e por que tá com o Buzz no colo?
— Eu tava caminhando um pouco e o encontrei próximo a uns arbustos. — ele explicou com os olhos beirando a inocência.
— Caminhando por aqui? — perguntei e tomei o cachorro de seus braços. Buzz já começava a espernear e daqui a pouco começaria a latir.
— Eu moro aqui perto. — ele explicou simplista.
— Você tá bem? — perguntei ao cachorro, o analisando de perto para ver se não tinha de fato nada errado com ele. Buzz estava imundo, mas parecia bem.
— Sim, só um pouco dolorido por causa do trabalho. — Hansol respondeu e movimentou os ombros largos.
— Eu perguntei ao Buzz, Hansol. — avisei. — Mas que bom que está bem. Agora vem, vamos devolver esse bebê para a mãe dele.
Comecei a caminhar em direção ao final da rua, não sem antes dar uma olhada na casa da frente, procurando qualquer movimento suspeito. Hansol caminhou atrás de mim, quase respirando no meu pescoço. Bati na porta da senhora Martín e ela abriu no segundo toque.
— Buzz, por Deus. Você está imundo, mas está vivo! — ela tomou a bolinha de pelos dos meus braços. — Ah, minha querida. Que bom que o trouxe de volta. — ela me abraçou desajeitada.
— Na verdade, senhora Martín, foi meu amigo que o encontrou. — avisei e apontei para Hansol atrás de mim.
— Um bom e belo rapaz. Obrigada, meu anjo. — ela o abraçou. Pude ouvir a risada contida dele enquanto ele repetia “não foi nada”. — Desde que Genevive se casou, Buzz tem sido meu companheiro.
— A filha da senhora Martín é autora, sabia? Eu amo os livros dela, principalmente Boss. — expliquei a Hansol.
— A Gen é casada com um asiático. Jackson, da China. De onde você é, querido? — ela perguntou a Hansol.
— Daqui mesmo. Minha mãe é norte-americana e meu pai é sul-coreano. — Hansol sorriu.
— Senhora Martín, e quanto ao vizinho do 88? A senhora viu alguma coisa? — toquei no assunto que mais me interessava.
— Não, minha querida. Meus horários estão complicados, não consigo reparar muito bem nos vizinhos. — ela suspirou. — Mas o que tem ele?
— Ele me parece suspeito. — baixei a voz.
— Você o viu? — ela arregalou os olhos.
— Não. Ele entra e sai sem ser notado. E isso está me matando.
— Deveríamos levar algum prato de boas-vindas, . Pode ser uma boa. — a senhora Martín lançou a ideia.
— Eu vou pensar sobre isso, senhora Martín. Obrigada. — agradeci de coração. Ela reforçou o agradecimento a Hansol e fechou a porta. — O que será que um assassino come, Hansol?
— , pare com isso. — ele riu ao meu lado. — Você sequer o conhece. Como pode saber que é um assassino?
— Sabendo, Hansol! — quase gritei. — Eu vou acabar pirando, sabia?
— E você já não é pirada? — ele cutucou meu ombro. O olhei sem expressão e seu sorriso de dentes bonitos murchou. — Vamos, eu te deixo na sua porta. Preciso ir à academia.
A semana tinha acabado e eu seguia pensando em como executar a ideia da senhora Martín. Resolvi usar de todos os meus dotes culinários e assar alguma coisa.
Enquanto preparava uma bandeja de muffins, minha cabeça oscilava os pensamentos entre o assassino do 88 e Hansol, que parecia não conseguir sustentar o olhar de cor de chocolate no meu.
— Ted, a mamãe vai ficar louca. Sério. — murmurei para o meu gato, minha única companhia naquela casa.
Tirei a bandeja do forno e a coloquei sobre o balcão. Estava pensando no que fazer quando finalmente visse o vizinho do 88, mas todas as ideias sumiram da minha cabeça. Usei uma luva para pegar os muffins e os colocar em um prato que comprei especialmente para isso. Reuni toda a minha coragem, peguei o prato, atravessei a rua e, em um rompante de coragem, bati na porta do 88.
— Oi. — uma moça de cabelos escuros abriu a porta. Não estava com uma cara de muitos amigos.
— Eu te conheço? — franzi o cenho para ela. Algo nela me era familiar.
— Receio que não. — ela me encarou com seriedade.
— Você mora aqui?
— Ah, não. Só estou...
— E onde está o dono da casa? — a interrompi sem me preocupar se aquilo tinha soado mal-educado.
— Vernon saiu cedo e não sei que horas ele volta. — ela explicou.
— Vernon. — repeti, o nome soando estranho aos meus ouvidos.
— Isso é pra ele? — ela estendeu a mão para pegar o prato e eu o entreguei.
— São de chocolate com recheio de frutas vermelhas. — expliquei.
— Eu aviso que você veio. Qual o seu nome? — a moça quis saber.
— , do...
— Do 103. Vernon já falou de você. — ela sorriu pequeno.
— Ele já falou de mim? — perguntei assustada.
— Sim, algumas vezes. Você é exatamente como ele descreveu. — ela aproximou um pouco o rosto e eu dei um passo para trás. — É impressionante a riqueza de detalhes.
— Ah. Então tá. Bom dia. — dei as costas e saí dali o mais rápido que pude.
Vernon.
Soava como Venom, e me lembrava sangue e morte.
Balancei a cabeça para espantar os pensamentos. Vai ver ele nem era nada disso e Hansol estava certo.
Ou vai ver ele era e eu estava certa. E ele estava me observando.
Peguei o celular e liguei para Hansol.
— , eu tô um pouco ocupado. — ele atendeu no segundo toque.
— Eu fui no 88. Uma moça me atendeu. Disse que o vizinho me descreveu para ela. Com detalhes, Hansol. Eu tô em pânico total! — gritei a última parte.
— Tá, fica calma. Quer vir até a empresa? Eu tô aqui. Pelo menos você não fica sozinha. — ele ofereceu.
— Chego em 15 minutos.
Desliguei o celular, entrei em casa correndo e quase tropecei em Ted.
— A mamãe já volta. — avisei ao meu gatinho. Conferi rapidamente as janelas, peguei a bolsa e saí. Tomei um táxi e cheguei à empresa antes do previsto. Subi para o andar de Hansol e, sem pensar muito bem, corri até ele e o abracei pela cintura.
— Hey! Tá tudo bem. Fica calma. — ele me abraçou de volta. Mesmo sem ver, eu sabia que ele estava sorrindo e aquilo me tranquilizava um pouco.
— Me desculpe. — soltei o abraço e me afastei, só então reparando bem nele. Hansol vestia uma camisa branca com as mangas dobradas, a gravata pendia frouxa no pescoço e os primeiros botões estavam fora das casas.
— Você tá bem? — ele perguntou enquanto me analisava, me segurando pelos ombros.
— Eu tô bem. Só tô em pânico. — respirei fundo. — Eu vou pegar um café para mim. Você quer?
— Por favor. — seu sorriso contido espalhou uma estranha onda de tranquilidade no meu corpo.
Desci até a sala de descanso e enchi dois copos de café, voltando à sala de Hansol e o encontrando em meio a pilhas de papéis, uma expressão de cansaço no rosto.
— Aqui. — o entreguei o café. — O que tem nesse monte de papel?
— Bagunça. Isso aqui tá uma bagunça. — ele afrouxou mais a gravata.
— Se eu fosse você, começaria tirando essa gravata. É sábado. Você é estagiário, nem deveria tá aqui. — apontei. Hansol riu, mas tirou a gravata e abriu mais um botão, a pele do pescoço ficando cada vez mais exposta. Eu estava com uma séria e estranha vontade de aproximar meu nariz daquela pele e sentir o cheiro bom que eu sabia que estava ali.
— E agora, , qual a dica? — ele quis saber.
— Se você me disser o que fazer, eu posso ajudar. — Hansol me encarou com as sobrancelhas franzidas. — O que foi? Eu trabalho no setor de aquisição de materiais e faço minha pós nessa área, mas eu sou formada em Administração, tá? Assim como você, eu entendo de números, Hansol Chwe. E eu me formei antes do tempo. — apontei convencida.
Com um sorriso que eu julguei sacana, Hansol me entregou uma pasta da pilha e me disse o que estava fazendo. Ele basicamente estava checando se havia falhas nas compras ou nos pagamentos dos funcionários, alguém devia estar desconfiando de alguma coisa. Depois de incontáveis horas, fomos tirados do nosso silêncio pelo som da minha barriga roncando.
— OK, acho que já deu por hoje. Segunda eu termino. — ele sorriu. — Vamos, eu pago seu almoço.
— E me leva em casa? — arrisquei.
— E te levo em casa. — ele confirmou.
— E...
— Sim, . Eu fico um tempo com você. — ele adiantou minhas palavras. — Só vamos ter que ir de ônibus. Eu deixei o carro na oficina e só fica pronto mais tarde.
— Tudo bem. Vamos. — juntei minhas coisas. Hansol recolheu o terno e a gravata largada, a colocou na mochila e nos levou ao elevador.
Durante o almoço, o atualizei sobre minhas recentes suspeitas a respeito do vizinho do 88 e ele opinou no que achou relevante. Decidi chamar um táxi até em casa e fiz questão de pagar. Assim que saltamos do carro, olhei para minha porta e notei algo estranho. Me aproximei e encontrei um post-it amarelo pregado lá.
“Vim deixar o prato e vi que você esqueceu a chave do lado de fora da porta. Venha buscar junto com seu prato.
88.”
— Mas nem fodendo! — gritei, assustando Hansol. Ele se aproximou o suficiente e leu o bilhete.
— , como você pretende entrar em casa?
— Pela janela. Nem é tão alta. Vamos, me ajude. — me adiantei na direção da janela e ele me segurou pelo braço.
— E depois?
— Depois nós trocamos a fechadura. Eu já tava querendo comprar uma fechadura digital mesmo. — dei de ombros. — Vamos, me ajude aqui.
— Você deixou alguma janela aberta? — ele questionou.
Parei para pensar e a resposta é: não. Eu lembro de ter trancado todas as janelas antes de sair para evitar que Ted fugisse.
— Droga! Não. Que inferno. — resmunguei. — Já sei. Vou abrir com o canivete.
— , você anda com um canivete na bolsa? — ele perguntou parecendo preocupado.
— Claro, Hansol. — afirmei enquanto já começava a procurar o dito canivete na bolsa. — Às vezes ele demora para abrir porque é uma avaria da empresa, mas funciona.
— Então é para cá que vêm as avarias da empresa?
— Não todas. — me abaixei para tentar enfiar a ponta do canivete no buraco da chave. — Faça silêncio, Hansol. Preciso me concentrar.
Mexi a ponta do canivete para um lado e outro, tentando fazer a porta destravar. Quando notei uma movimentação nas engrenagens parei por um momento.
— Hansol, use um cartão para abrir. Passe de cima para baixo. Com calma. — pedi. Ele fez exatamente o que eu pedi e com um movimento pequeno, ouvi o clique da porta. Testei a maçaneta e a porta se abriu. — Bem-vindo.
— Você é assustadora às vezes, . — ele sorriu e entrou na minha casa.
— Obrigada.
Quando entrei, Ted apareceu na porta e encarou Hansol com um olhar de julgamento.
— , você tem um gato! — Hansol exclamou. Parecia animado.
— E que tipo de solteira viciada em casos criminais eu seria se não tivesse um gato? — fechei a porta atrás de mim. Olhei para Ted e o vi se aproximando lentamente de Hansol, como se fosse atacar. — Hansol, não se mexa. Deixe-o reconhecer você. Ele não tá acostumado com machos no território dele. — alertei.
Hansol mal respirou durante um minuto inteiro, enquanto Ted o cheirava aqui e ali, como que para reconhecer se ele era um humano aceitável. Quando ele finalmente esfregou a cabeça nas pernas de Hansol, eu quase pude ouvir seu suspiro de alívio.
— OK, você passou. Hansol, esse é o Ted. — sorri para Hansol. — Oi, meu amor. — fiz um carinho atrás das orelhas do meu gato.
— Como o ursinho? — Hansol perguntou com um sorriso fofo.
— Não. Como o assassino, Ted Bundy. — expliquei.
— Eu sempre me pergunto como eu vim parar nessa situação. — ele resmungou.
— Que situação? — perguntei já com a mão na cintura.
— Nessa, . Com você totalmente doida das ideias. — ele riu.
— Você já não consegue viver sem mim, Hansol. — peguei Ted no colo enquanto o ouvia resmungar alguma coisa em um idioma que eu desconhecia. — Fale num idioma que eu entenda, Hansol.
— Não foi nada importante. Esquece.
— Quer beber alguma coisa? — mudei de assunto.
— Não, preciso sair para buscar o carro. Você está segura aqui com Ted, não é? — ele quis saber.
— Eu vou colocar um móvel contra a porta só por precaução. E amanhã eu vou comprar outra fechadura. Então acho que sim?
— Então eu estou indo. — Hansol se adiantou e segurou meu ombro com uma mão, rapidamente se aproximando e deixando um beijo na minha testa. Levantei o rosto para encará-lo e ele desviou o olhar. — Se precisar de mim, é só me ligar. Tchau, Ted.
E se foi, saindo rápido como uma bala.
— Tio Hansol está birutinha, Ted. — ri para meu gato e ele miou como se concordasse. — Agora vamos nos preparar. Vai ser uma longa noite.
Continua...
Nota da autora: sem nota!
Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.
0%