Tamanho da fonte: |

Codificada por: Sol ☀️

Última Atualização: 11/06/2025.

Eu segurei o braço dela antes mesmo de pensar no que estava fazendo.

Era impulso. Era instinto. Era... ela.

parou, rígida, como se estivesse decidindo entre me encarar ou continuar seguindo em frente como se eu fosse só mais uma lembrança ruim. Mas ela virou. Lenta. Hesitante. E os olhos dela — aqueles olhos que eu jurava já ter aprendido a decifrar — eram uma bagunça de coisas que ela não sabia como esconder.

Raiva.

Tristeza.

Saudade.

Medo.

— O que você tá fazendo aqui? — minha voz saiu mais rouca do que eu gostaria. Ela ergueu o queixo, a armadura intacta, mas eu conhecia as rachaduras.

— Vim... — a palavra vacilou nos lábios dela, coisa rara — Vim te parabenizar. Pelo novo trabalho. — Forçou um meio sorriso que não chegou nem perto dos olhos, mostrando o vinho que estava na mão direita. — Mas vejo que você já... seguiu em frente.

A forma como ela olhou brevemente para a porta aberta atrás de mim — onde a risada abafada da Clara e do Marcos ainda ecoava — foi como levar um soco sem usar as mãos.

Respirei fundo.

— A Clara é minha irmã, . — falei, baixo, para não assustar o que ainda existia entre nós. — Aquele cara na sala é o namorado dela.

— Ah. — ela soltou, tão baixinho que pareceu mais pra ela mesma do que pra mim. O rosto dela perdeu parte da cor.

Soltei devagar o braço dela, como quem solta algo frágil demais para se arriscar a quebrar.

— Vem. — pedi, em voz baixa. — Vamos conversar. Por favor.

hesitou. A velha — a que calculava todos os riscos — teria dado meia-volta na hora. Mas essa ... essa que estava parada na minha frente, com o coração nos olhos mesmo que tentasse esconder... ela só assentiu, sem palavras.

Dei um passo para o lado, abrindo espaço para que ela entrasse. E, quando ela passou por mim, o perfume dela — familiar e devastador — me acertou em cheio.

Fechei a porta da sala devagar. O silêncio entre nós era tão denso que eu podia quase tocá-lo.

Não queria que a Clara e o Marcos ouvissem — ou vissem — o que estava prestes a acontecer. Então, sem soltar a mão dela, fiz um gesto com a cabeça em direção ao corredor, porque certas conversas merecem ser protegidas do resto do mundo. Mesmo que o que estivesse para acontecer ali, entre quatro paredes, fosse doer pra caralho.

— Vamos pro meu quarto. — falei, num tom que não aceitava muita discussão.

hesitou por um segundo. Só um segundo. Depois assentiu. O caminho até lá foi curto, mas parecia que cada passo pesava toneladas.

Empurrei a porta e entrei primeiro, abrindo espaço pra ela passar. O quarto estava do jeito que sempre foi: simples, pequeno, meio bagunçado — mas cheio de pedaços meus: fotos pregadas na parede, um sketchbook aberto na escrivaninha, a cama desfeita e uma camisa jogada na cadeira.

entrou devagar e olhou tudo. Como se absorvesse cada detalhe. Como se, pela primeira vez, estivesse realmente vendo quem eu era fora das gravatas, fora das paredes de vidro da empresa.

Ela parou diante da parede de fotos. Fotos de família. Eu pequeno na praia. Clara de chapéu de aniversário. Meus pais sorrindo em algum Natal antigo. Eu fiquei ali, encostado na porta, só observando. Deixando ela ver.

Sem máscaras. Sem cenário.

Só eu.

virou lentamente para mim. E pela primeira vez naquela noite, ela parecia... perdida.

— Você... — ela começou, a voz rouca — ...você tem tanto aqui. Tanta vida. Tanta... história.

Dei um passo pra mais perto dela.

— E você, ? — perguntei, baixo. — O que você tem?

Ela piscou rápido. Como se quisesse afastar algo que ameaçava transbordar.

— Não vem aqui só pra fugir, . — insisti, minha voz saindo mais firme agora. — Você veio porque precisa dizer algo. Então diz. Eu tô aqui. Eu aguento.

Ela fechou os olhos com força. Respirou fundo. Quando abriu, havia uma dor crua brilhando neles.

— Eu sou uma covarde. — sussurrou. — Eu... — a voz falhou e ela engoliu em seco — eu estraguei tudo porque não sei amar. Porque amar, pra mim... sempre significou perder.

Fiquei em silêncio. Deixei ela falar. Deixei ela se despedaçar. Porque às vezes... é só assim que a gente consegue juntar os pedaços de volta.

— Meu pai... — ela começou, o queixo tremendo — ele foi embora. Me deixou. Deixou a minha mãe. Saiu daquela casa como se a gente fosse nada.

se abraçou, como se ainda sentisse o frio daquele dia.

— E minha mãe... — continuou, a voz um fiapo — ela nunca me abraçou pra dizer que ia ficar tudo bem. Ela me ensinou a ser dura. A desconfiar. A não precisar de ninguém. — Fechou os olhos de novo. — Porque depender de alguém... significa dar a eles o poder de te destruir.

Ela tremia.

— Então eu cresci assim. Me armando. Me blindando. Construindo um mundo onde ninguém podia me alcançar.

Dei mais um passo.

— Até você. — ela disse, num sussurro quebrado.

O peito doía só de vê-la assim.

— Você me viu. Você... me desarmou. E eu não soube lidar. — ela apertou as mãos contra o peito, como se quisesse se segurar. — Então eu fiz o que sempre fiz. Empurrei. Fingi que não importava. Fingi que era só mais um erro que podia consertar com silêncio.

As lágrimas desciam agora. Silenciosas. Sem drama. Só... verdade.

Eu não aguentei.

Dei os últimos passos e a puxei pra mim, sem pedir permissão. Ela desabou nos meus braços, o rosto enterrado no meu peito, os ombros sacudindo com o choro contido por anos — décadas.

Passei uma mão pelos cachos dela, sentindo a textura suave, apertando-a contra mim como se pudesse, de alguma forma, protegê-la de tudo que já doeu.

Ficamos assim.

Ali.

No meio do meu quarto bagunçado. No meio de todos os medos dela. No meio de tudo que nunca foi dito.

Só eu e ela.

Só a verdade.

Depois de um tempo — minutos, talvez horas — ela ergueu o rosto, os olhos vermelhos e a expressão vulnerável de um jeito que eu nunca tinha visto.

— Me desculpa. — ela sussurrou, a voz embargada. — Por tudo. Pelo medo. Pela covardia. Por ter te ferido quando tudo que eu queria... — a voz quebrou de novo — era te amar do jeito certo.

Segurei o rosto dela entre as mãos, forçando-a a me olhar.

— Você ainda quer tentar? — perguntei, baixo, rouco, sentindo cada palavra nascer direto do peito.

fechou os olhos, e uma nova lágrima rolou, mas quando abriu... havia algo novo ali. Algo mais forte que o medo.

— Quero. — ela disse, sem hesitar dessa vez.

E eu… eu a beijei.

Mas não foi só um beijo. Foi um mergulho. Uma rendição.

Beijei como quem volta pra casa depois de se perder por tempo demais. Como se, naquele toque, eu pudesse apagar cada palavra não dita, cada medo que a afastou de mim.

Os lábios dela tremiam contra os meus no começo — hesitantes, como se ainda lutassem contra a própria vontade. Mas quando suas mãos se agarraram aos meus ombros, como se precisassem de algo para se ancorar, eu soube.

Ela estava ali. Inteira. Pra mim.

Minha mão subiu pela curva delicada das costas dela, puxando-a ainda mais para perto, sentindo o calor, a entrega. se encaixou em mim como se nunca tivesse pertencido a outro lugar.

O beijo se aprofundou, urgente e doce ao mesmo tempo, como se dissesse tudo que a boca dela sempre teve medo de falar.

Não era só desejo.

Não era só saudade.

Era amor. Cru, vulnerável, inegável.

Sem máscaras, sem defesas.

Só nós dois.

Finalmente.

De verdade.

O beijo foi se desfazendo devagar, como quem ainda tentava se manter preso ao momento por mais um segundo, mais um suspiro, mais uma batida de coração.

Nossas testas se encostaram. A respiração dela batia quente contra a minha pele. E então, com a voz rouca e embargada, ela disse:

— Eu amo você, . — Aquelas palavras saíram baixas, mas carregadas de uma força quase física. — Eu amo você... muito. Mais do que eu sei lidar. Mais do que eu pensei que fosse capaz de amar alguém.

Fechei os olhos, sentindo o peso e a leveza que vinham junto com aquela confissão. Porque vindo dela, que ergueu muralhas tão altas e paredes tão frias, aquelas três palavras valiam mais do que qualquer promessa no mundo.

— Você não tem ideia... — minha voz saiu rouca, falhada — não tem ideia do quanto eu esperei pra ouvir isso de você. Eu te amo.

Segurei o rosto dela entre as mãos, com uma ternura desesperada, como quem segura algo precioso demais para deixar escapar.

— Não importa o tempo que leve — continuei, os olhos cravados nos dela — eu vou passar o resto da vida te provando que amor não é abandono. Não é dor. Não é perda. É isso. — beijei a testa dela. — É a gente. Aqui.

soltou um soluço baixo, se permitindo se aninhar contra mim, como se, finalmente, estivesse aceitando que podia descansar. Que podia confiar. Abracei-a forte, sentindo seu cheiro, sua pele quente, o tremor leve que ainda percorria seu corpo.

Ela era minha.

E, agora, sabia disso também.

Terminamos o nosso abraço, ajeitou a blusa com discrição, passando a mão pelos próprios cabelos, enquanto eu apenas observava — ainda meio zonzo com tudo o que tínhamos dito e sentido minutos atrás.

Ela deu um passo em direção à porta, mas hesitou. Olhou para mim por cima do ombro, os olhos escuros brilhando com uma mistura de nervosismo e doçura que era rara de se ver nela.

— Eles vão te amar. — murmurei, caminhando até ela, com um sorriso que eu mal conseguia segurar.

Ela então parou de novo. Respirou fundo. E antes que eu pudesse abrir a porta, a mão dela tocou meu braço, me detendo.

... — disse, hesitante, baixando um pouco o tom de voz — Antes de... antes de eu sair dessa porta e me apresentar pra sua família... — ela mordeu de leve o lábio inferior, procurando as palavras — me fala um pouco sobre ela. Sobre vocês.

Eu pisquei, surpreso pela pergunta tão simples e tão... íntima.

— A Clara? — sorri de leve, apoiando o ombro na parede, só pra me manter em pé enquanto olhava pra ela. — Minha melhor amiga antes de ser minha irmã. Vive me infernizando, me provocando... mas é metade do que me mantém são nesse mundo. É como... — procurei uma comparação à altura — como uma âncora. Não importa quão perdido eu esteja, ela me puxa de volta.

abaixou os olhos por um segundo, como quem grava algo precioso.

— Eu quero conhecê-la. — murmurou, tão baixo que parecia um pedido. — Quero conhecer tudo. — levantou o olhar e, por um segundo, não havia muralhas ali, só a vulnerabilidade crua dela. — Não só... — ela respirou fundo — ...não só o seu corpo, . Eu quero conhecer cada partezinha da sua vida. Cada pedaço que você deixou escondido até agora.

Meu peito apertou. De um jeito bom. De um jeito que só ela conseguia. Dei um passo para mais perto, segurando o rosto dela entre minhas mãos com delicadeza.

— Então vem. — sorri, encostando minha testa na dela por um instante. — Deixa eu te apresentar direito pra tudo que é meu.

fechou os olhos por um segundo, se permitindo apenas sentir. Depois, assentiu, com aquele sorrisinho que era só dela — metade arrogante, metade vulnerável.

Abri a porta do quarto, e o cheiro de pizza e risadas invadiu o corredor.

— Sobrevivência básica: não estranha o jeito da Clara. — sussurrei no ouvido dela, enquanto saíamos do quarto

Quando chegamos à sala, Clara estava de costas para nós, terminando de colocar os pratos na mesa improvisada da cozinha. Marcos estava do outro lado, tentando abrir uma garrafa de refrigerante como se fosse uma operação cirúrgica.

Foi Clara quem nos viu primeiro. Ela se virou, deu uma olhada rápida — e quase deixou o prato cair.

— Opa! — soltou, com um sorrisão de quem já estava armando alguma. — Temos visita. Oficialmente, agora?

Ergueu uma sobrancelha para mim de um jeito tão óbvio que eu quis cavar um buraco no chão e me esconder.

— Boa noite. — disse, tão educada quanto elegante, estendendo a mão para a Clara.

Minha irmã aceitou o cumprimento, mas com aquele brilho travesso nos olhos.

— Clara. E você... bom, você é a , né? — riu. — Já ouvi muita coisa sobre você. Tipo... muita mesmo.

Eu pigarreei, tentando abafar o constrangimento. Marcos, coitado, parecia não saber se ria ou se mantinha neutro para não apanhar de ninguém.

— Espero que tenha ouvido as partes boas. — respondeu, com um sorriso que surpreendeu até a mim: genuíno, leve, com aquele toque afiado que só ela tinha.

Clara riu, já se sentando à mesa como se nada fosse mais natural.

— Algumas partes boas... outras traumatizantes. — provocou, lançando um olhar significativo pra mim. — Mas relaxa, eu também sou ótima em pegar no pé do .

— Já percebi. — respondeu, os lábios curvando em um sorriso divertido.

Sentamos à mesa e o jantar começou meio atrapalhado — Marcos tentando servir as fatias de pizza, Clara derrubando guardanapos, e eu tentando impedir que minha irmã transformasse aquilo num circo, mas não adiantou muito.

— Então, já posso saber? — Clara perguntou, com aquele ar de quem estava apenas esperando a hora certa de atacar. — Vocês tão namorando oficialmente ou a gente ainda chama de "amizade colorida 2.0"?

Eu abri a boca para desconversar, enrolar, sair pela tangente como sempre. Mas antes que eu pudesse emitir qualquer som, — impecável, segura e mais linda do que nunca — cruzou as pernas com elegância e disse:

— Estamos namorando. — como quem afirma uma sentença sem medo.

Eu pisquei, pego totalmente desprevenido. Clara deu um gritinho de comemoração, batendo palmas como uma criança.

— Eu sabia! — exclamou, quase derrubando o copo de refrigerante. — Marcos, anota aí: eu sabia!

— Eu... tô anotando. — respondeu Marcos, rindo baixo, provavelmente aceitando que naquela casa, era mais seguro só seguir o fluxo.

Enquanto Clara comemorava como se tivesse ganhado na loteria, eu olhei para . Ela só me encarava, calma, tranquila, como se dizer aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

E naquele olhar dela — sem muralhas, sem máscara — eu entendi. Ela não só queria estar ali. Ela escolheu estar ali. Conosco. Comigo.

A noite seguiu com pizza, piadas ruins e lembranças de infância que a Clara insistia em jogar na roda, só pra me envergonhar mais a cada fatia devorada.

— Vocês sabiam que o tinha um ursinho chamado Sr. Fofura até os doze anos? — Clara disparou, com a boca cheia de pizza.

— Clara! — reclamei, jogando um guardanapo nela.

, sentada ao meu lado, soltou uma gargalhada verdadeira — aquela que eu raramente ouvia.

— Sr. Fofura? — ela repetiu, ainda rindo, virando-se para mim com um brilho nos olhos que eu não via há muito tempo. — Isso explica tanta coisa...

— Traição dentro da própria casa. — murmurei, fingindo indignação enquanto pegava outra fatia de calabresa.

Marcos riu junto, completamente à vontade. apoiou o cotovelo na mesa, inclinando o queixo na mão, e me olhou como quem olha um segredo que acabou de desvendar.

— Eu gosto disso. — disse, num tom baixo que talvez só eu tenha escutado. — De ver você assim. Rindo. Relaxado. Sem o peso do mundo nos ombros.

— Isso aqui é quem eu sou de verdade. — falei, de volta, sem filtros.

Ela sorriu pequeno, aquele sorriso de canto que dizia tudo sem precisar de tradução. Marcos levantou a taça de refrigerante como se fosse um brinde improvisado:

— Então... a nós! — disse, meio encabulado, mas sincero.

— A nós. — repetimos, quase em uníssono, rindo, brindando com copos de vidro e latas amassadas de refrigerante.

E eu... eu só conseguia pensar em como era fácil amá-la daquele jeito.

Sem esforço.

Sem medo.

Talvez, pela primeira vez, eu estivesse vendo a que ela sempre guardou — e ela estivesse, finalmente, se permitindo ser vista.

E era lindo.

Tão lindo que doía, mas doía do jeito certo.

O jantar já tinha virado mais conversa do que comida. As risadas diminuíram, a luz amarelada da cozinha deixava tudo com um clima aconchegante, e eu sabia que era hora de encerrar a noite. Pelo menos, para os convidados.

Empurrei a cadeira para trás e olhei para , que ainda segurava a mão entrelaçada à minha.

— Vamos? — perguntei, com um sorriso leve. Ela assentiu, ajeitando discretamente a bolsa no colo. — Vou te levar em casa. — completei, já me levantando.

Foi aí que Clara soltou uma risada alta e debochada, segurando a barriga.

— Levar? — perguntou, ainda rindo. — Você vai pegar carona, isso sim! O carro é dela, gênio.

Marcos, que tentava se conter, lançou um olhar cúmplice para Clara e riu junto, com aquela risadinha maliciosa que só tornava a cena mais óbvia. ergueu uma sobrancelha, divertida, e eu revirei os olhos, cruzando os braços.

— Vocês são insuportáveis. — murmurei, fingindo irritação, o que só fez eles rirem mais.

apenas se levantou, com aquela compostura elegante de sempre, como se estivesse acima daquela bagunça toda — mas o sorriso escondido no canto da boca a entregava.

— Vamos. — disse ela, olhando pra mim de um jeito que só nós entendíamos agora.

Peguei a chave do carro que ela estendeu pra mim e seguimos até a rua, ela tinha deixado estacionado em frente a nossa casa. Clara ainda soltava uns "boa sorte, hein!" entre risinhos enquanto fechava a porta.

No carro, a atmosfera mudou. O silêncio entre nós era confortável. Expectante. colocou uma playlist baixa no celular — jazz suave — e eu dirigi pelas ruas adormecidas da cidade, uma mão no volante, a outra sobre a perna dela, num toque discreto, mas cheio de significado.

Quando estacionei em frente ao prédio dela, olhei para a fachada iluminada, depois para ela.

— Eu não tô pronto pra te deixar ir ainda. — confessei, a voz rouca de tão sincera.

tirou o cinto devagar, se inclinou na minha direção e sussurrou:

— Então... não deixa.

Sem pensar duas vezes, desliguei o motor e seguimos para o apartamento dela. Nenhum dos dois precisava dizer nada — estava escrito na maneira como nossas mãos se encontraram no elevador, na forma como ela encostou a cabeça no meu ombro no caminho até a cobertura.

A porta da cobertura se fechou atrás de nós com um clique suave, abafando o mundo lá fora.

Ficamos ali, parados no corredor iluminado pela luz baixa. Olhando um para o outro como se, de repente, não soubéssemos como atravessar o pequeno espaço que nos separava. Ou talvez... soubéssemos bem demais.

deu um passo na minha direção. Pequeno, quase imperceptível, mas foi o suficiente para quebrar o feitiço.

Fui até ela.

Minhas mãos encontraram seu rosto, moldando as linhas suaves que eu já conhecia tão bem. E, dessa vez, ela não recuou. Não levantou muralhas. Apenas fechou os olhos sob meu toque e se entregou.

Aproximei meu rosto do dela e, por um segundo, apenas respirei seu cheiro — aquela mistura inconfundível de sabonete caro e algo que era só dela. Meu coração batia forte, rápido, urgente.

... — ela sussurrou, a voz rouca de emoção.

E então eu a beijei.

Não como quem toma. Não como quem rouba.

Beijei como quem agradece.

Foi um beijo lento, profundo, carregado de tudo que a gente tinha guardado — a saudade, o medo, o amor recém-confessado. Minhas mãos deslizaram pela sua cintura, sentindo a curva quente do corpo dela se moldar ao meu. Ela se pendurou no meu pescoço, puxando-me para mais perto, como se tivesse medo que eu escapasse de novo.

Entre beijos, tropeçamos rindo baixinho até o quarto.

se sentou na beira da cama, puxando-me pela camisa, desabotoando cada botão com uma delicadeza quase reverente. Como se estivesse, de fato, me descobrindo pela primeira vez.

Eu a observei, hipnotizado, enquanto ela tirava os próprios sapatos, a blusa branca simples deslizando pelos braços até cair no chão, suas roupas íntimas tendo o mesmo destino. O cabelo solto, bagunçado, emoldurava o rosto dela de um jeito tão bonito...

Me ajoelhei na frente dela, com as mãos firmes em suas coxas, e beijei seu ventre exposto, seu estômago, seu coração. Sentia cada arrepio dela sob meus lábios. Cada suspiro dela se misturava ao meu.

Desci os beijos até sua boceta, com a reverência de quem sabe exatamente o valor do que tem nas mãos.

se apoiou para trás, os dedos cravando nos lençóis, o corpo arqueando na minha direção como se fosse impossível resistir. Seus gemidos, primeiro contidos, logo se tornaram mais audíveis, mais desesperados, à medida que ela se rendia ao que sentia — a nós.

, eu quero tanto te chupar… — murmurei, com a voz rouca de desejo.

Os olhos dela, brilhando com fome e entrega, encontraram os meus. E, sem hesitar, se moveu, posicionando-se sobre mim, as coxas firmes ao redor da minha cabeça, o perfume dela me deixando bêbado antes mesmo do primeiro toque.

Quando ela abriu as pernas, eu mergulhei fundo, faminto.

Lambi sua boceta com a devoção de quem tinha encontrado a melhor parte do mundo ali. Cada gemido que escapou dos lábios dela era como combustível correndo pelas minhas veias, me fazendo querer mais, me fazer melhor.

... — ela gemeu, arrastado, a voz embargada pela necessidade. — Mais... mais rápido, porra!

O sorriso que se formou em meus lábios se perdeu entre suas curvas.

Acelerei os movimentos, focando em seu clitoris, explorando cada reação, cada tremor. se movia sobre mim, se esfregando, procurando mais, buscando seu próprio ritmo, enquanto eu a incentivava, a segurava, a puxava para mais perto da minha cara, se é que aquilo era possível.

Meus dedos deslizaram para dentro de sua boceta no mesmo compasso da minha língua em seu clítoris, aprofundando o prazer, arrancando gemidos ainda mais altos — gemidos que ela não tentava mais conter.

Ela se entregava inteira. E eu a levava até o limite, com gosto, com fome, com amor.

— Meu Deus, eu tô quase… — Ela falou, enquanto gemia alto. Cada suspiro, cada rebolada dela contra a minha boca, cada súplica rouca, era como escrever na pele dela que ela era minha — e eu era dela.

Quando senti os tremores intensos atravessando o corpo dela, diminuí o ritmo, prolongando a onda de prazer que a dominava, lambendo sua boceta com mais suavidade até senti-la quase desabar sobre mim.

ofegava, os olhos fechados, o corpo ainda em espasmos leves, as coxas tremendo ao redor da minha cabeça. Um sorriso satisfeito se formou nos meus lábios antes de, com cuidado, segurá-la pela cintura e guiá-la de volta para a cama.

Subi devagar, beijando sua barriga, passando pelos seus seios, onde eu suguei rapidamente seu mamilo direito, até finalmente encontrar seu rosto. abriu os olhos, ainda turvos de prazer, e sorriu — um sorriso pequeno, terno, verdadeiro. Um sorriso só meu.

Beijei seu queixo, a linha do maxilar, cada pedacinho como se estivesse mapeando seu corpo de novo. Quando nossas bocas finalmente se encontraram, o beijo foi calmo, diferente do primeiro. Um beijo de adoração, de reverência.

Ela me puxou para mais perto com as mãos trêmulas, como se não quisesse — como se não pudesse — me deixar afastar nem um centímetro. Seus dedos entrelaçaram nos fios do meu cabelo, e eu senti seu corpo ainda quente sob o meu.

... — ela murmurou, a voz rouca. — Eu senti tanto a sua falta.

Parei o beijo apenas o suficiente para encostar minha testa na dela.

— Eu também. — sussurrei, olhando nos olhos dela. — Muito.

fechou os olhos por um instante, como se absorvesse minhas palavras. Como se quisesse gravá-las sob a pele.

Ainda colados, nossos corpos buscaram naturalmente mais.

me puxou para si, com as pernas envolvendo minha cintura, um pedido silencioso que eu entendi sem precisar de palavras. Nossos olhos se encontraram — e naquele instante, havia ali uma certeza que nunca existiu antes.

Eu me alinhei a ela devagar, sentindo a ponta do meu pau roçar contra a entrada de sua boceta, e respirei fundo, como se pudesse guardar aquele momento para sempre. Com cuidado, sem pressa, a penetrei, deslizando para dentro dela de forma lenta, profunda, reverente.

soltou um suspiro rouco, arqueando o corpo contra o meu, recebendo-me como se finalmente estivéssemos ocupando o espaço que sempre foi reservado para nós.

Ficamos assim, unidos, apenas sentindo. O calor, o pulsar, o coração dela batendo forte sob o meu peito.

Eu comecei a me mover, lento, ritmado, cada estocada mais uma jura silenciosa, mais uma promessa entre nossos corpos. me acompanhava, os olhos fechados primeiro, depois abertos, fixos em mim, como se estivesse tentando decorar cada traço, cada sensação. Minhas mãos deslizavam por suas costas, seus quadris, sua cintura, como se eu pudesse gravá-la em minhas memórias, tatuá-la em mim.

— Olha pra mim, amor... — pedi, com a voz rouca.

abriu os olhos de novo, tão abertos, tão vulneráveis, tão cheios de amor que me atravessaram como uma lâmina suave.

— Eu tô aqui. — ela sussurrou, com um sorriso trêmulo, como se prometesse mais do que apenas presença. — Sempre estive.

Acariciei seu rosto com as costas dos dedos, sem parar de me mover dentro dela, sentindo cada gemido, cada suspiro arrancado pela minha pele tocando a dela.

— Eu não vou deixar você sozinha. Nunca. — falei contra sua boca, selando a promessa com um beijo terno, desesperado, que misturava tudo que a gente era e tudo que a gente ainda queria ser.

soltou um gemido baixo, os quadris se moldando ao meu ritmo, os olhos cravados nos meus, sem fugir.

— Me ama assim... — ela pediu, quase num choro, a voz falhando entre um suspiro e outro. — Sem medo. Sem parar.

— Eu já amo. — respondi, afundando o rosto no pescoço dela, respirando seu cheiro, seu amor, sua entrega. — Sempre amei.

Aumentei o ritmo aos poucos, sentindo o prazer se construir entre nós com a mesma intensidade de tudo que sentíamos, de tudo que nunca foi dito, mas que agora estava ali, estampado em cada toque, em cada gemido abafado contra a pele do outro.

sussurrava meu nome entre os dentes, como se fosse uma prece. E eu... eu gemia baixinho contra sua boca, perdido nela, perdido naquele amor que era tão grande que parecia impossível caber só dentro de nós dois.

Quando ela gozou, foi lindo. Seu corpo inteiro estremeceu contra o meu, como se cada célula estivesse explodindo de prazer. jogou a cabeça para trás, os lábios entreabertos, e gemeu meu nome — "" — num som sôfrego, rasgado, carregado de entrega e êxtase. Era como se, naquele gemido, ela despejasse tudo: o prazer, o amor, o medo, a entrega que ela nunca tinha permitido a ninguém.

Senti meu próprio clímax se aproximando rápido, avassalador. Foi então que , ainda ofegante, puxou meu rosto com as duas mãos, os olhos brilhando de desejo e algo mais, algo só nosso.

— Goza na minha boca... — pediu, num sussurro rouco, cheio de entrega.

Meu corpo inteiro reagiu. Saí de dentro de sua boceta com cuidado, tremendo, e ela se ajeitou rapidamente, se ajoelhando à minha frente, tão linda, tão minha, olhando pra mim como se eu fosse tudo.

Segurei seu queixo com uma das mãos, tentando prolongar o momento só um pouquinho mais, mas era impossível. Bastou o calor da boca dela se abrindo, a língua úmida tocando meu pau, para que eu me desmanchasse ali, gemendo seu nome, entregando tudo o que eu era.

Ela engoliu tudo, cada parte de mim com a mesma devoção com que me amava — sem medo, sem reservas.

Quando terminei, encostou a testa na minha, os olhos fechados, nossas respirações misturadas, nossos corpos ainda trêmulos, mas tão completos como nunca tinham sido antes.

... — ela sussurrou, a voz rouca pelo prazer. — Você tem ideia do que acabou de fazer comigo?

Sorri contra seus cabelos, beijando o topo da sua cabeça.

— Se for o mesmo que você fez comigo... — murmurei, a voz ainda falha — ...então eu nunca mais vou ser o mesmo.

Ela soltou um riso baixinho, sem forças para mais, e eu senti seus lábios tocarem meu peito, bem sobre onde meu coração batia desgovernado.

Ficamos assim. Só respirando juntos. Só sentindo. Até que, no meio do silêncio confortável, ouvi sua voz de novo — suave, hesitante, mas tão sincera que me desmontou:

— Me promete uma coisa?

Passei a mão em seus cabelos cacheados, afastando-os do rosto dela, antes de responder:

— Qualquer coisa.

ergueu os olhos até encontrar os meus. Brilhavam de um jeito que era só dela, só nosso.

— Não desiste de mim. — pediu. — Mesmo quando eu for difícil. Mesmo quando eu errar. Mesmo quando eu esquecer que posso ser amada.

Apertei-a contra mim, sentindo a garganta fechar com a intensidade do que ela pedia — do que ela se permitia sentir.

— Nunca. — prometi, a voz quase quebrada. — Eu não desisto de você, . Nunca.

E ali, naquele quarto, naquela cama bagunçada, naquele pedaço pequeno de mundo só nosso… Eu soube que, finalmente, ambos tínhamos encontrado o que sempre buscamos sem saber: um lar. Um no outro.

... — ela chamou, com a voz mais inocente do mundo, deslizando uma perna por cima da minha cintura.

— Hm? — murmurei, já desconfiando da travessura. Ela sorriu. Aquele sorriso devastador.

— Acho que a gente merece um segundo round... — sussurrou no meu ouvido, a mão descendo perigosamente pela minha barriga.

Soltei uma risada rouca, puxando-a pela cintura, invertendo nossas posições de um jeito que arrancou um gritinho surpreso dela.

Princesa... — murmurei contra sua boca, antes de beijá-la com fome renovada — ...você vai acabar me matando.

— Que seja uma morte maravilhosa. — ela riu contra meus lábios, entrelaçando as pernas nas minhas costas, puxando-me para ela sem nenhuma vergonha.

E eu... eu mergulhei nela de novo.

Na mulher que eu amava.

Na vida que, finalmente, era nossa.

E, pela primeira vez, o mundo lá fora podia esperar.

👠💻

A noite anterior tinha sido um fio interminável de beijos, carícias e confissões sussurradas. Depois que nossos corpos finalmente se acalmaram, me puxou para o banheiro, onde dividimos um banho quente, lento, cheio de toques que não queriam dizer adeus à pele do outro.

Entre risos abafados e beijos encharcados de espuma, lavei seus cachos com uma delicadeza que arrancou dela um olhar tão doce que meu coração quase se partiu. Ela retribuiu, passando os dedos com calma pelo meu cabelo, como se estivesse tentando memorizar cada traço meu com as mãos.

Voltamos para a cama ainda molhados, apenas enrolados nos lençóis, grudados, o corpo dela colado ao meu de um jeito que parecia feito para caber ali. Dormimos entrelaçados, como se o mundo inteiro tivesse se resumido àquele colchão.

E, pela primeira vez, eu dormi em paz.

Acordei com o calor do sol filtrado pelas cortinas batendo de leve no meu rosto. Mas não foi isso que me despertou. Foi o toque suave dos dedos dela passeando pelo meu peito, seguido de um sussurro rouco no meu ouvido:

... — a voz dela arranhava, preguiçosa, deliciosa — ...quero você de novo.

Abri os olhos devagar, dando de cara com a mulher mais linda que já tinha passado pelos meus sonhos — e agora, pela minha realidade. estava em cima de mim, os cabelos cacheados emoldurando seu rosto ainda amassado de sono, e um sorriso preguiçoso que só ela sabia dar.

— Você não cansa de mim? — brinquei, passando as mãos pela sua cintura nua.

— Nunca. — respondeu, antes de me beijar devagar, com uma doçura que desmontou qualquer tentativa de resistir.

Fizemos amor de novo, mais lento dessa vez, com uma ternura que me deixou sem fôlego. Cada toque dela dizia: "Eu fico." E cada suspiro meu respondia: "Eu quero que fique."

Depois, rindo como adolescentes que sabem que quebraram todas as regras, voltamos para o chuveiro.

Outro banho.

Outra desculpa para não desgrudar.

Ela me lavava com as mãos leves, brincava com os respingos, passava os dedos molhados pelas minhas costas como se pudesse redesenhar meu contorno só para ela. Eu fazia o mesmo, rindo das cócegas, beijando a ponta do nariz dela, o ombro, a clavícula. Era tudo tão simples. Tão íntimo. Tão nosso.

Minutos depois, estávamos na cozinha impecavelmente branca e moderna da cobertura da . O mármore brilhava sob nossos pés descalços, o aroma de café caro se misturava ao perfume suave dela, e a luz natural da manhã filtrava pelas enormes janelas de vidro que cercavam o apartamento.

, usando uma camiseta minha que tinha ficado lá — e nada mais —, tentava, com uma expressão concentrada e divertida, operar a máquina de café automática que, apesar de caríssima, parecia exigir um diploma para ser manuseada.

— Isso aqui é de qual era? — ela resmungou, batendo de leve na máquina, sem muita paciência. — Revolução Industrial?

Soltei uma gargalhada, cortando frutas com uma habilidade que ela, claramente, não dominava.

— É só tecnológica demais pra quem está acostumada a mandar fazer café perfeito, Srta. . — brinquei, piscando.

— Tem personalidade de sucata chique. — retrucou, rindo baixo, antes de aceitar a xícara que estendi para ela.

Sentamos à pequena ilha de mármore, nossos joelhos se tocando de vez em quando, dividindo café, torradas e pedaços de frutas frescas que admitiu não ter comprado — tinha sido a governanta, claro.

A simplicidade daquele momento — mesmo em meio ao luxo — era o que fazia tudo mais perfeito.

Foi no meio de uma mordida num pedaço de mamão que ela soltou, de forma tão casual que quase passou despercebida:

— A gente podia... viajar no próximo feriado.

Pisquei, surpreso, o garfo pairando no ar por um segundo.

— Viajar?

— É. — ela deu de ombros, o tom despreocupado, mas o brilho nos olhos a entregando. — Um lugar só nosso. Onde ninguém conheça a CEO nem o certinho. Só... nós dois.

Meu peito aqueceu.

Era tão simples.

Tão sincero.

Tão diferente de tudo o que já vivi com ela — ou com qualquer outra pessoa. Dei um sorriso torto, sentindo meu coração bater mais rápido só de imaginar.

— Então vamos. — murmurei, deslizando a mão sobre a dela, entrelaçando nossos dedos. — Vamos pra qualquer lugar que tenha você.

desviou o olhar por um segundo, como quem luta contra um sorriso bobo. Um sorriso lindo, meio tímido, meio atrevido — 100% .

E eu soube, naquele instante, com a mesma certeza de quem sente o sol esquentando a pele depois de uma longa tempestade:

Era só o começo.

Nosso começo.


Eu nem sabia exatamente em que momento isso tinha acontecido. Sei apenas que, sem grandes discursos, sem promessas solenes, sem mudanças bruscas, eu simplesmente... comecei a ficar mais na casa dela do que na minha.

Primeiro foi uma camisa esquecida no closet. Depois, um tênis largado ao pé da cama. O relógio que eu sempre tirava antes de dormir, repousado na mesinha de cabeceira dela como se sempre tivesse pertencido ali. O meu perfume favorito, um frasco novo, discretamente surgindo ao lado dos dela, como se o universo estivesse, ele também, se acostumando à ideia de nós dois.

Era natural. Era inevitável. Era… certo.

A cobertura dela, moderna e impecável, agora carregava pequenas assinaturas minhas espalhadas pelos cantos. E , mesmo com todo o seu perfeccionismo, nunca reclamou.

v Pelo contrário: às vezes, quando achava que eu não estava olhando, eu flagrava o olhar dela repousando nesses pequenos vestígios de mim. E ela sorria. De leve. Sutilmente. Mas sorria.

Minha rotina se moldou à dela de um jeito curioso. Durante o dia, eu me perdia entre rabiscos, briefings e telas no estúdio da Bravura. À noite... era ela quem me buscava, pontual e majestosa, parando o carro de luxo em frente à empresa como se fosse o gesto mais banal do mundo.

descia do carro com sua elegância inata — o salto firme, o blazer alinhado, os cabelos sempre emoldurando o rosto como uma obra de arte viva. E, mesmo depois de tudo, mesmo depois de tê-la nua, crua, entregue nos meus braços, cada vez que a via assim — soberana — meu peito disparava como na primeira vez.

Ela nunca se importou com os olhares curiosos. Nunca hesitou. Apenas me esperava ali, do lado de fora, braços cruzados e um sorriso reservado, como se dissesse: "O mundo pode olhar. Eu não me escondo mais."

E eu… eu saía pela porta da empresa todas as noites sabendo que estava indo para casa. Não o lugar físico, mas para ela. Minha casa era ela.

Naquela sexta-feira, por acaso, decidi passar em casa antes de encontrar a . Precisava pegar uns documentos antigos, umas ilustrações que eu queria mostrar pra ela — e, bem, parte de mim sentia falta da minha zona de conforto bagunçada.

Subi as escadas dois a dois, a mochila jogada de qualquer jeito no ombro, as chaves girando entre os dedos. Quando abri a porta do apartamento, fui recebido por uma cena que me fez congelar no batente.

Clara estava no sofá.

Marcos também.

Muito... próximos.

Muito... envolvidos.

Beijos intensos, mãos ousadas, gemidinhos abafados — e uma falta generalizada de noção do ambiente.

— Pelo amor de Deus, crianças! — exclamei, batendo a porta mais forte do que o necessário para anunciar minha presença.

Os dois se separaram como se tivessem levado choque. Clara ajeitou a blusa toda torta e Marcos, coitado, ficou tão vermelho que parecia um tomate prestes a explodir.

— Você podia ter mandado mensagem, né?! — Clara reclamou, tentando arrumar o cabelo desordenado com uma dignidade que já era impossível de recuperar.

— Ah, claro — revirei os olhos, jogando a mochila no chão — porque a casa é de vocês agora?

— Olha quem fala! — Clara retrucou na hora, apontando pra mim como se fosse advogada de defesa. — Você mal pisa aqui, ! Vive acampado na cobertura da Barbie executiva!

— É, velho... — Marcos murmurou, ainda tentando recompor a postura — Só tô aqui porque sua presença virou evento raro.

Eu cruzei os braços, encarando os dois com uma expressão semi carrancuda.

— Tá falando como se fosse mentira — resmunguei, arrancando uma gargalhada alta da Clara.

Ela se levantou, ajeitando a barra da camiseta e vindo até mim com aquele sorrisinho malicioso que era a marca registrada dela.

— A gente tá zoando... — disse, cutucando minha barriga. — Mas sério, você tá feliz, né?

Suspirei, deixando o peso da verdade escapar num sorriso que não consegui — nem quis — esconder.

— Tô. — admiti. — De um jeito que nem sabia que era possível.

Clara sorriu largo, e eu vi um brilho orgulhoso nos olhos dela. Um daqueles momentos silenciosos que diziam mais do que qualquer zoeira.

— Então... fica lá. — ela piscou. — Mas, se puder, avisa antes de vir.

— Principalmente se for de surpresa. — completou Marcos, rindo, puxando Clara de volta pro sofá, dessa vez de forma mais comportada.

Revirei os olhos mais uma vez, pegando o que eu precisava no armário da sala.

— Dois adolescentes sem controle... é isso que vocês são. — murmurei, saindo pela porta.

Clara ainda gritou atrás de mim:

— A gente aprendeu com o melhor, ! Você e a são pura inspiração!

Eu só levantei a mão em despedida, sem coragem de olhar pra trás. Porque, no fundo, ouvir isso… também me deixou feliz.

Ridiculamente feliz.

👠💻

A vida, pela primeira vez em muito tempo, tinha encontrado um ritmo que fazia sentido para mim. Meus dias na Bravura se tornaram uma sequência de pequenos momentos de felicidade que eu nunca tinha imaginado sentir no trabalho.

Logo cedo, eu chegava no estúdio com meu sketchbook debaixo do braço, cumprimentava a equipe que, aos poucos, foi se tornando mais do que colegas — foram virando parte da minha história nova.

O espaço era leve, cheio de mesas bagunçadas com canecas de café, computadores lotados de referências, pranchetas improvisadas nos cantos e pôsteres de arte moderna pelas paredes.

Era... vivo.

Era criativo.

Era meu.

Trabalhava em campanhas publicitárias para marcas grandes — ilustrando conceitos, criando personagens que transmitissem o espírito de cada projeto. Mas o que realmente me fazia sorrir era outro trabalho: pequenas séries de ilustrações para livros infantis.

Eu desenhava histórias sobre dragões tímidos, meninas astronautas, florestas encantadas... E cada traço carregava algo que eu nem sabia que estava guardado em mim.

Sensibilidade.

Sonho.

Esperança.

Recebia feedback positivo dos colegas e dos meus chefes — gente como a Marina e o Sr. Navarro, que não economizavam elogios quando algo realmente os tocava.

— Você tem sensibilidade, . — ouvi uma vez da Marina, enquanto analisávamos as páginas coloridas de um projeto novo. — Não é só técnica. Você... sente o que desenha. E isso não se ensina.

Em outra manhã, durante uma reunião de revisão, Navarro passou os olhos por uma série de ilustrações que eu havia feito para um livro sobre amizade e disse, com aquele jeito sóbrio e direto dele:

— Você entende de alma humana, garoto. E isso vale mais que qualquer diploma.

Teve também a Laura, uma colega de equipe que, ao ver uma sequência de esboços para uma campanha de outono, largou o café na mesa e soltou:

— Caramba, ! Seus desenhos fazem a gente querer entrar dentro da cena. Tipo... morar nela.

Saí desses momentos querendo guardar cada palavra num potinho. Porque, pela primeira vez, eu me sentia exatamente onde deveria estar.

Pertencendo.

Sendo visto.

Sendo valorizado não só pelo que eu fazia... mas pelo que eu era. E parte dessa confiança, eu sabia, vinha do amor que, agora, também morava dentro de mim.

.

Meu presente, meu futuro.

O que antes parecia impossível — ser feliz de verdade — agora era minha realidade de todo dia.

Feliz.

Realizado.

Inteiro.

Minha vida não era perfeita. Ainda havia dias difíceis, prazos apertados, noites sem inspiração. Mas agora, tinha um lugar para onde eu queria voltar. Tinha braços me esperando. Tinha um amor que, contra todas as probabilidades, tinha encontrado um jeito de existir.

Um jeito bonito. Simples. Real.

E isso mudava tudo.

Meu celular vibrou no bolso justo no meio dos meus devaneios.

Amor: "Vem pra cá no seu horário de almoço. É urgente."

Pisquei, confuso.

Urgente? Com ela?

Respondi que iria e, sem nem terminar de almoçar, corri.

O elevador parecia mais lento do que nunca. Minhas mãos suavam levemente enquanto atravessava o saguão da empresa dela. Era bizarro como, mesmo agora, a simples ideia de estar naquele território me deixava meio elétrico. Mas... urgente? Entrei direto para o andar da diretoria — e então vi.

estava em pé, num pequeno círculo de conversa com três chefes de área, todos rindo, papéis em mãos, clima casual de uma reunião pós-apresentação. Ela usava um conjunto azul-marinho que parecia desenhado no corpo, cabelo preso num coque despojado que deixava sua nuca à mostra — e, como sempre, irradiava aquela mistura única de elegância e poder.

Antes que eu pudesse sequer abrir a boca, ela me viu. E, sem hesitar, caminhou até mim, pegou a minha mão com naturalidade — e, virando para os presentes, falou:

— Para quem ainda não conhece oficialmente: esse é . Meu ex-secretário, e agora meu namorado.

O chão sumiu por um segundo.

Senti o rubor subindo pelo pescoço, tomando o rosto inteiro. O zum-zum-zum foi imediato.

Olhares arregalados. Pessoas trocando mensagens discretamente. Sussurros atravessando a sala feito corrente elétrica.

Eu fiquei ali, sem saber se sorria, se falava algo, se cavava um buraco para me enfiar. Mas ... não vacilou nem por um segundo. Ela manteve a postura reta, impecável, um leve sorriso no canto dos lábios, mas era nos olhos — só nos olhos — que eu via.

Vi o que ela queria me dizer sem palavras:

"Eu não vou te esconder."

"Eu escolho você."


Meus dedos apertaram de leve a mão dela, sem pensar.

Era simples.

Era direto.

E, ainda assim, era o gesto mais grandioso que ela podia fazer.

— Muito prazer — murmurei, meio sem ar, cumprimentando os poucos que ainda tentavam disfarçar o espanto.

— Ele trabalha com ilustrações agora, na empresa Bravura que admiro muito — continuou, natural como se estivesse apresentando o novo CFO da companhia. — E é... a melhor parte dos meus dias.

Senti meu coração bater no ritmo errado.

Porra, .

Ela sorriu pra mim, breve, privada, daquele jeito que só eu conhecia. Que só existia para mim. E naquele instante, no meio de cochichos, olhares curiosos, e celulares vibrando com fofocas internas, eu soube:

Ela não estava apenas me apresentando.

Ela estava me assumindo.

Nos assumindo.


Sem medo. Sem reservas.

E a parte mais bonita? Ela não disse isso com promessas ou declarações melosas. Disse com um gesto. Com a coragem de ser vista ao meu lado.

Respirei fundo, com o peito tão cheio que parecia que ia explodir.

E sorri.

Sorri como quem finalmente entende que, às vezes, os reparos mais profundos vêm em silêncio — mas deixam marcas eternas.

👠💻

O sábado parecia normal.

Eu estava jogado no sofá da cobertura da , sketchbook no colo, rascunhando qualquer coisa sem muita pretensão. O sol da tarde entrava pelas janelas enormes, banhando a sala num dourado preguiçoso. O cheiro de café vinha da cozinha, e por um segundo, tudo parecia absurdamente em paz.

Até ela aparecer.

cruzou a sala com passos leves, os passos ecoando no piso de mármore, e parou na minha frente, cruzando os braços de um jeito que só ela conseguia fazer parecer natural e autoritário ao mesmo tempo.

— Troca essa roupa aí. — ordenou, com um sorriso pequeno e perigosamente adorável. — Vamos sair. Quero fazer uma coisa diferente.

Ergui uma sobrancelha, desconfiado, olhando para minha camiseta velha e o short de moletom.

— Diferente tipo... o quê?

Ela apenas piscou, divertida, e se jogou de lado no sofá, roubando espaço e fingindo estudar meu desenho.

— Confia em mim, lindo.

Suspirei, já rindo. Era impossível dizer não para ela — principalmente quando usava aquele apelido de propósito, só pra me provocar.

Larguei o sketchbook na mesinha de centro e fui me trocar. Quando voltei, ela já batucava os dedos no braço do sofá com uma impaciência divertida.

A viagem foi tranquila. dirigia com a mesma elegância que fazia tudo na vida — segura, decidida, impecável. Eu tentei arrancar alguma dica sobre o destino, mas ela apenas ria e desviava, jogando o cabelo para trás como quem escondia o segredo mais valioso do mundo.

Foi só quando viramos uma esquina que eu entendi.

— Parque Marisa? — perguntei, surpreso, olhando as luzes coloridas e meio gastas, a roda-gigante girando contra o céu azul-acinzentado.

— Sim. — ela sorriu, desligando o motor do carro de luxo que destoava completamente dos outros no estacionamento de terra batida. — Achei que a gente merecia uma tarde sem regras. Sem cobranças. Só... diversão.

Meu peito apertou com uma ternura quase adolescente.

. No Parque Marisa.

Deixei que ela puxasse minha mão e nos guiasse entre as barraquinhas de algodão doce, crianças correndo, cheiro de pipoca e carrossel tocando música velha.

E foi mágico.

, que normalmente era a própria definição de autocontrole, soltou um grito agudo na primeira volta da roda-gigante, agarrando meu braço com tanta força que eu achei que ia perder a circulação.

! — ela exclamou, com os olhos arregalados, a mão espalmada contra o meu peito. — Eu odeio altura, você não me avisou que balançava tanto!

Soltei uma risada baixa, puxando-a mais para perto.

— Você quem quis vir, amor. Agora aguenta. — provoquei, beijando de leve sua testa.

bufou, mas se aninhou ainda mais contra mim, os dedos cravados no meu casaco. E, quando a roda-gigante começou a descer suavemente, ela soltou uma risada nervosa — daquelas que escapam sem querer, quebrando toda a pose.

Descemos, e ela, já mais corajosa, me puxou pelo braço em direção aos carrinhos bate-bate, a expressão agora desafiadora.

— Vamos ver se você é tão bom no volante quanto fala. — disse, arqueando uma sobrancelha.

— Tá me desafiando, ? — perguntei, rindo.

— Tô te avisando. — ela retrucou, piscando.

Entramos em carrinhos separados e, no segundo que a buzina soou, ela veio na minha direção como uma bala. O impacto nos fez ricochetear de um lado pro outro, rindo alto, a risada dela mais livre e escandalosa do que eu jamais tinha visto.

— Isso é guerra! — gritei, fingindo indignação enquanto tentava escapar dela.

— Guerra é o que você vai ter se continuar fugindo! — ela gritou de volta, a voz embargada de tanto rir.

Quando finalmente saímos dos carrinhos de bate-bate, o cabelo dela estava todo bagunçado, a jaqueta torta no ombro e os olhos brilhando de adrenalina. E, mesmo rindo, eu só conseguia pensar: estou ferrado.

— Viu só? — disse, ajeitando o zíper com um ar vitorioso. — Quem ri por último, ri melhor.

— É, mas quem bate melhor... — sacudi a cabeça, fingindo dor no ombro — sou eu.

Ela me mostrou a língua, sem um pingo de vergonha, e me puxou pela mão em direção ao próximo desafio: o jogo das argolas.

— Se eu ganhar, quero sorvete. E um pedido de desculpas público. — anunciou, pegando as argolas como se fosse uma atleta olímpica.

— E se eu ganhar? — arqueei a sobrancelha, entrando no jogo.

— Hm... — fingiu pensar, mordendo o lábio de leve. — Eu admito que você é bom em mais de uma coisa.

— Excelente prêmio. — sorri, pegando minhas argolas.

Ela foi a primeira. Mirou com concentração, ergueu a mão… e errou feio. A primeira caiu longe. A segunda quicou fora do alvo. A terceira bateu no suporte e rolou.

— Isso é claramente sabotagem. — murmurou, olhando para as mãos como se elas tivessem a culpa.

— Claro, amor. As argolas se rebelaram contra você. — provoquei, rindo tanto que precisei apoiar as mãos nos joelhos.

Quando chegou a minha vez, acertei logo de primeira. Depois outra. E mais uma.

cruzou os braços, o nariz empinado, a expressão teatralmente ofendida.

— Injusto. Você deve ter treinado escondido.

— Ou talvez eu só seja... talentoso. — falei com falsa modéstia, lançando a última argola direto no alvo.

Ganhei um ursinho de pelúcia de olhos tortos e segurei como se fosse um troféu. Fiz questão de estender pra ela com pompa.

— Agora, cadê meu prêmio?

Vocêébomemaisdeumacoisa. — ela murmurou num sussurro rápido e indecifrável.

— Hein? Repete, por favor. Volume e dicção, docinho. — Ela me fuzilou com os olhos.

— Você é insuportável…

— Mas irresistível. Vai negar?

— Tá bom! — ela bufou. — Você é bom em mais de uma coisa. Satisfeito?

— Muito. — sorri, roubando um selinho rápido antes que ela pudesse fugir. — E o prêmio vai para a dama que perdeu com muita classe.

Entreguei o ursinho com uma reverência exagerada. Ela segurou o bicho com uma expressão de quem queria fingir desprezo… mas não conseguia esconder o sorriso.

— Eu vou guardar. — disse, num tom tão sério que meu peito apertou.

E eu sabia. Ela não falava só do ursinho. Falava daquele momento. Daquela lembrança. Da gente. E eu... eu queria guardar ela. Aquele momento. Aquela que ninguém conhecia — mas que era só minha.

Depois da nossa pequena "competição" nas barracas, com ainda abraçada ao ursinho de pelúcia como se ele fosse feito de ouro, fomos andando devagar pelo parque. O vento da noite já começava a ficar mais frio, trazendo o cheiro doce do algodão doce misturado ao de pipoca estourada.

Ela ergueu o rosto devagar, os olhos nos meus. E então me beijou.

Foi um beijo que veio com calma, mas que cresceu em intensidade a cada segundo. Os lábios dela se moldavam aos meus com precisão quase absurda — como se tivessem sido feitos pra isso. Era um beijo quente, profundo, que trazia saudade e promessa na mesma medida. A ponta dos dedos dela se enroscou na gola da minha jaqueta, enquanto minhas mãos seguravam sua cintura com delicadeza, como se qualquer movimento brusco pudesse desfazer o momento.

Tudo girava — a roda, o mundo, o meu peito — menos a gente.

E então, no auge do silêncio, do encaixe, da certeza… o celular dela vibrou.

afastou os lábios com um suspiro frustrado, encostando a testa na minha. E só então o encanto começou a se desfazer. Ela franziu a testa, relutante. Eu a vi hesitar antes de pegar o aparelho no bolso da jaqueta. Quando olhou a tela, o sorriso sumiu do rosto na mesma hora.

Ela olhou o visor do celular e, por um segundo, hesitou. Depois atendeu, já com a voz mais contida.

— Mãe?

Permaneci em silêncio, apenas observando. Mas era impossível não notar como os ombros dela ficaram tensos quase que imediatamente. A forma como a mão livre apertou o tecido da calça, como se precisasse de um ponto de apoio invisível.

— Sim… — ela disse, a voz firme no início. — Eu apresentei, sim. Na empresa.

Ela desviou o olhar pra janela da cabine, mas não parecia ver nada lá fora.

— O nome dele é .

Meu peito apertou com força. Não pelo nome — mas pela maneira como ela o disse. Como quem tenta manter o controle enquanto o chão racha sob os pés.

— Eu sei o que estou fazendo. — continuou, mais baixo. — É a minha vida. A minha decisão.

As pausas começaram a ficar mais longas. As palavras, mais escolhidas. A cada resposta que ela dava, algo nela parecia encolher. Como se estivesse recuando para dentro de si mesma.

— Mãe… — sussurrou, quase sem som.

Aquilo doeu mais do que qualquer grito. Ela ficou em silêncio por uns segundos, ouvindo, e então disse, com uma calma que me cortou:

— Eu te ligo depois.

Desligou.

Ficou olhando o aparelho na mão, como se esperasse que ele dissesse mais alguma coisa. Depois guardou no bolso da jaqueta e soltou o ar devagar, como quem não sabia mais onde enfiar a dor.

… — chamei baixinho, colocando a mão sobre a dela.

Ela piscou, como se estivesse voltando de algum lugar.

— Tá tudo bem — mentiu, com um sorriso pequeno, amargo. — Só ganhei um novo título, só isso.

— Que título?

Ela me encarou, os olhos ainda carregados da conversa.

— "Erro estratégico". "Erro estratégico". — repetiu, quase rindo, mas o som saiu seco. Irônico. Como se tentasse achar graça só pra não chorar.

Fiquei quieto por alguns segundos. Não sabia se puxava ela pra mais perto ou se dava espaço. Não sabia se falava alguma coisa ou se o silêncio era o que ela precisava, mas ela não me deixou escolher.

— Ela sempre estraga tudo. — disse de repente, com os olhos fixos no vidro da cabine. A roda-gigante continuava girando devagar, como se zombasse da tensão no ar. — Sempre.

...

— Eu não posso fazer nada espontâneo. Nada. — o tom dela era mais alto agora, mas não gritava. Era um tipo de raiva contida, sussurrada com os dentes cerrados. — Se eu tomo uma decisão, tem que ter lógica, estratégia, retorno. Até pra amar alguém, eu tenho que fazer planilha?

Não soube o que responder. Porque, no fundo, eu sabia que essa cobrança que ela carregava nas costas não tinha começado agora. E não era só sobre mim.

Ela passou a mão no cabelo, puxando com força as pontas como se quisesse arrancar a frustração pela raiz.

— Eu tava feliz. Um único momento de paz, de leveza, e ela liga. Como se eu precisasse de autorização pra sentir. Como se tudo que eu faço ainda tivesse que passar pelo crivo dela.

, olha pra mim. — pedi, tocando seu queixo com delicadeza.

Ela relutou por um segundo, mas acabou virando o rosto, os olhos mais marejados do que ela permitiria que alguém percebesse.

— Você quer conversar sobre isso?

— Não. — respondeu rápido, mas sua voz falhou. — Eu só precisava de um dia sem isso. Só um.

Puxei-a pra mais perto, mesmo que ela estivesse meio rígida no início. Aos poucos, seu corpo foi cedendo, e ela se aninhou no meu peito, como antes.

— Não é você. — murmurou, quase um pedido de desculpa. — É ela. Sempre foi ela.

— Eu sei.

Ficamos em silêncio por um momento. A roda-gigante girava, lá embaixo a cidade seguia acesa, ignorando nossas dores pessoais. E então, quase como quem se lembrou de mais um detalhe irritante no meio do caos, ela falou:

— Ah... — o tom agora era levemente sarcástico, como se tentasse retomar o controle pelo humor ácido — Ela quer te conhecer.

Eu arregalei os olhos, surpreso.

— O quê?

— A rainha-mãe quer avaliar o plebeu. — disse, se afastando um pouco só pra me encarar. — Mas não se anima, tá? Não é porque ela se interessou por você. É porque quer descobrir com qual das minhas decisões você vai destruir o legado da família primeiro.

Não consegui evitar um riso nervoso.

— Tá, agora eu tô com medo real.

sorriu de leve, um daqueles sorrisos curtos e cansados, que não disfarçavam a exaustão emocional, mas tentavam.

— Bem-vindo à minha vida, . Quem namora comigo, namora com a sombra da minha mãe também.

— Então deixa eu te dizer uma coisa. — segurei sua mão. — Se for pra estar contigo, eu lido com qualquer sombra. Até a dela.

Ela não respondeu. Mas respirou fundo, encostando de novo no meu peito. E quando não disse nada, eu entendi: o silêncio dela também era uma resposta.

E, naquela noite, bastava.

👠💻

A manhã seguinte chegou mais rápido do que eu gostaria — como se a noite tivesse sido só uma vírgula entre dois parágrafos de ansiedade. Desde a ligação da mãe da , que encerrou nosso passeio na roda-gigante, meu cérebro parecia ter entrado em modo de emergência. Dormir? Só se fosse com o pensamento desligado. E claramente não era o caso.

estava visivelmente irritada — com a mãe, com a situação, com o mundo. Disse que ela estragava tudo. E que agora queria que eu fosse tomar café da manhã… com elas.

Sim. Café. Na casa dela.

Com direito a cara fechada, julgamento silencioso e a sensação de que eu seria escaneado da cabeça aos pés por uma mulher que tratava o coração da filha como um patrimônio de alto valor estratégico.

Talvez por isso — ou talvez porque o clima entre a gente tenha ficado estranho depois da ligação — eu tenha decidido dormir em casa naquela noite. O que era raro, ultimamente. Mas naquela noite... eu precisava do meu quarto. Do sofá da sala. Da torneira que pinga desde 2019. Do café da Clara feito no fim do dia como se fosse um abraço em forma líquida.

Então lá estava eu, na manhã seguinte, no quarto da Clara, com uma camisa social passada, sapato lustrado e um pânico crescente a cada vez que o espelho me devolvia o reflexo.

Eu juro que tentei manter a calma. Mas era como se o colarinho tivesse sido costurado com ansiedade pura.

— Tu vai tirar sangue dela ou só tomar um café, ? — perguntou Clara, parada na porta com os braços cruzados e aquele sorriso debochado de quem se diverte com a tragédia alheia.

— Clara, por favor. — murmurei, tentando ajeitar o cabelo que teimava em cair na testa. — Eu vou conhecer a mãe da . A mulher me vê como se eu fosse… sei lá… uma planilha desatualizada no sistema dela.

— E você não é? — Virei, indignado.

— Muito engraçado. Vai abrir um stand-up? — Ela jogou uma almofada em mim, rindo.

— Relaxa. A te ama. Ela te apresentou pra empresa inteira, lembra? Depois daquilo, é meio tarde pra fingir que você é só o secretário bonitinho.

Suspirei e voltei a encarar o espelho. No fundo, eu sabia que não era só sobre o café. Era sobre o que aquela mulher representava: frieza, lógica, poder. O sobrenome dela abria portas antes mesmo dela bater. E eu? Eu era um ex-secretário, agora ilustrador de um estúdio pequeno, morando num apartamento alugado com a Clara e uma selva de samambaias.

— Eu só… — respirei fundo. — Não queria que ela achasse que eu tô com a filha dela por interesse.

Clara, que ainda ria, parou na hora.

, você foi o único cara que a apresentou pra alguém em anos. Se essa mulher tiver um pingo de bom senso, vai perceber que você não tá ali por status. E se não perceber... — ela deu de ombros. — A que lute.

Não contive o riso, mesmo com o estômago embrulhado.

— E se ela me olhar com aquela cara de CEO do mal?

— Você já sobreviveu a uma CEO do mal. Inclusive, tá dormindo com ela agora.

— Touché.

Clara se aproximou, ajeitou meu colarinho com aquele carinho silencioso que só irmão tem e disse, mais suave:

— Você não precisa ser rico. Nem CEO. Nem ter sobrenome de peso. Só precisa ser o que ama a como ela merece. O cara que não joga charme, mas tem um coração do tamanho do mundo. Isso basta.

— E se ela perguntar onde eu me vejo em cinco anos?

— Aí você mente. Com classe. E depois volta chorando que eu faço chocolate quente.

Suspirei, rindo nervoso.

— Não sei se tô mais pronto… ou mais ferrado.

— Os dois. — ela piscou. — Agora vai. Impressiona a sogra.

A mansão de Regina era exatamente como eu me lembrava da primeira vez que estive ali com a : elegante demais, silenciosa demais, grande demais. Uma daquelas casas em que até o ar parecia pedir permissão para circular. Tudo era imaculado, simétrico, com móveis que pareciam ter saído direto de um catálogo de luxo e uma escadaria digna de final de novela. Nenhum objeto fora do lugar. Nenhum aroma que indicasse que ali vivia, de fato, uma família.

Ela surgiu na sala de jantar como quem presidia uma reunião do conselho — passos firmes, expressão calculada, cabelo impecavelmente preso num coque alto e um conjunto bege tão alinhado quanto os talheres dispostos à mesa.

. — disse, com um leve aceno de cabeça. As sobrancelhas erguidas, os olhos avaliando como se eu fosse um relatório trimestral.

— Dona Regina. Bom dia. — respondi com um sorriso educado, ainda que tenso. Senti o peso de cada letra do meu cumprimento.

Ao meu lado, estava com o maxilar travado. Ombros erguidos. Ela já esperava o embate — só não contava que fosse antes mesmo do café esfriar.

Regina caminhou até a cabeceira da mesa com a mesma precisão meticulosa de antes. Sentou-se com elegância quase ensaiada, cruzou as pernas com delicadeza e, então, ajeitou o guardanapo no colo com a precisão de um bisturi.

Nós a acompanhamos, tomando nossos lugares à mesa logo em seguida. As cadeiras estofadas eram rígidas como o ambiente, e por um momento me perguntei se alguém ali realmente já havia relaxado de verdade naquela casa.

— Nós já nos vimos antes, não foi? — comentou, como se retomasse uma reunião pendente. — Você esteve aqui com a há um tempo.

— Sim, senhora. Foi uma visita breve.

— Hm. Parecia... deslocado.

— Talvez porque eu estivesse. — tentei aliviar com um sorriso, mas ela nem piscou.

— Espero que agora se sinta mais à vontade. — disse, embora seu tom deixasse claro que “à vontade” não era exatamente o que ela esperava de mim.

pigarreou. Quase um aviso.

— Mãe, viemos apenas tomar café. Vamos manter isso simples, por favor?

— Eu prefiro refeições a reuniões. As pessoas se revelam muito mais entre goles e garfadas do que em qualquer sala com ar-condicionado. — comentou, enquanto se servia de frutas com gestos medidos.

Recebi um café das mãos de um dos empregados. O cheiro era forte. Amargo. Tudo a ver com o ambiente.

— Então... — Regina retomou. — Você trabalha como ilustrador?

— Sim. Estou no estúdio Bravura. Trabalho com direção de arte editorial, narrativa visual e projetos gráficos autorais.

— Hm. Imagino que não seja um setor muito… lucrativo.

Ela não perguntou. Afirmou. Engoli em seco e mantive a compostura.

— É uma profissão que exige bastante dedicação. Mas paga as contas, sim.

— Algumas, talvez. — murmurou, mexendo o chá com a colher prateada. — E quanto você ganha, exatamente?

largou o garfo. Não foi sem querer.

— Mãe!

— É uma pergunta simples, . Transparência é essencial em qualquer relacionamento.

— Isso aqui não é uma entrevista de emprego. — rebateu, fria. — E, sinceramente? O valor que ele ganha é mais digno do que muito executivo com sobrenome e cargo herdado.

Regina recostou-se, o sorriso congelado nos lábios.

— Que reação desnecessária.

— Que pergunta desnecessária. — respondeu no mesmo tom.

Tentei amenizar o clima:

— Se não se importa, dona Regina… onde fica o banheiro?

— Segunda porta à esquerda no corredor. — respondeu , com um sorrisinho tenso e olhos que pediam desculpa sem dizer.

Saí sentindo o colarinho apertar. Lavei o rosto, respirei fundo, deixei a água correr pelas mãos como se pudesse dissolver o desconforto.

Na volta, parei no pé da escada. Sem querer. Juro. Mas quando ouvi meu nome no meio da frase, meus pés congelaram.

— …é só isso que estou dizendo. Ele é limitado, . Um rapaz simpático, claro. Mas não é um homem pra você. Você sabe disso.

— Você não o conhece, mãe. E não tem o direito de diminuir alguém que construiu tudo com o próprio esforço.

— Esforço não paga viagens para Genebra. Esforço não garante filhos em boas escolas. Não sustenta estabilidade. Eu te criei para escolher com estratégia, não com carência.

— Não fala comigo como se eu fosse um investimento, Regina. Porque, se for, prefiro cortar o contato de vez.

Silêncio.

— Eu amo o . E se você não consegue aceitar isso, talvez precise se perguntar se ainda faz parte da minha vida. Porque eu não vou deixar você acabar com o que a gente tem.

O vazio que se instalou depois disso parecia denso. Como se ali, entre aquelas palavras, estivessem anos de frustração engolidos.

Afastei-me devagar e voltei a andar com firmeza, os sapatos fazendo barulho de propósito no chão de mármore. As duas se viraram. Regina recompôs o rosto num segundo. nem tentou.

— Tudo certo, ? — ela perguntou, a voz baixa e trêmula.

— Tudo sim. — respondi, encarando-a por um instante. Só pra que ela soubesse: eu tinha ouvido. E estava ali.

Regina ajeitou a xícara com um tilintar suave.

— Como eu dizia… amanhã você almoça aqui, . Só nós duas.

demorou a responder. Quando falou, foi com um olhar afiado:

— A gente conversa depois. Agora… eu quero ir embora.

E eu fui com ela. Porque, mesmo sem dizer nada, ela segurou minha mão com força. Daquele jeito que dizia tudo.




Continua...


Nota da autora: Esse capítulo foi uma mistura de calmaria e terremoto. De um lado, temos o ocupando, de vez, os espaços da vida da , da rotina ao coração. Do outro, temos a mãe dela, jogando aquele balde de água gelada que, no fundo, a gente já esperava. Porque amar é fácil… assumir esse amor diante do mundo (e da família) é que exige coragem.

Escrever essa fase foi como andar na roda-gigante com eles: subidas doces, descidas bruscas, e aquele frio na barriga que não passa. O passeio no parque, o beijo roubado, os sorrisos sinceros… tudo isso existe no mesmo universo onde a palavra "erro estratégico" ainda machuca. E é aí que a história mostra suas camadas.

E, sim, a gente tá mesmo na reta final. Agora não tem mais volta. As peças estão todas no tabuleiro, e o fim se aproxima — com promessas, medos e decisões que não dá mais pra adiar.

Obrigada por estarem aqui.

Beijos <3

☀️


Se você encontrou algum erro de codificação, entre em contato por aqui.
Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.

Barra de Progresso de Leitura
0%