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Codificada por: Cleópatra

Finalizada em: 01/08/2024
Não sei dizer quantas vezes a palavra idiota já passou pela minha cabeça. Esse maldito orgulho sem valor, que me faz tomar decisões duvidosas, ainda vai me matar.

Era para ser um fim de semana diferente. Quando sugeri, para o seleto e incrível grupo de amigas que tinha, subir uma montanha e comemorar os 10 longos anos de amizade, a resposta foi positiva. Devia saber que na semana anterior ao evento, de repente iriam surgir compromissos de todos os tipos as impedindo de comparecer.

Por um certo ponto até compreendo, quem iria levar a sério uma promessa firmada com três garrafas de vinho no organismo e uma súbita dose de aventura? Aparentemente, apenas eu. Que apesar de protestos e pedidos para que não fosse, insisti em fazer a trilha sozinha. Na minha mente fantasiosa e tola voltaria com uma incrível história que as faria se arrepender de não ser minha companhia nessa jornada.

Uma revelação dos céus, um momento etéreo e inexplicável no monte que quase tocava as nuvens. Ao contrário do sonho, o que veio de encontro a mim foi uma tempestade.

Um trovão, alto e poderoso me fez encolher os ombros, os galhos acima da minha cabeça se agitaram fortemente junto vento, fazendo cair gravetos e folhas soltas. Molhada até praticamente os ossos, posso garantir que o lamento é inteiramente meu.

Um choque de dor corria a minha panturrilha a cada passo, subia do calcanhar me fazendo ter vontade de parar ali no meio do caminho, aguardar a chuva passar e pedir socorro.

Mas é claro que não ia acontecer, não é a melhor ideia usar um aparelho eletrônico na chuva, e também, não daria ainda mais assunto para que minhas amigas pegarem no meu pé.

No topo da montanha havia um restaurante, um dos motivos de escolher esse local em específico, assim que chegasse lá poderia recuperar a dignidade e continuar a minha história de superação.

— Nem mesmo o vento cortante ou a lama que impede os passos de avançar foram o suficiente para me derrubar — disse para mim mesma, apoiando numa árvore e parando de andar por um instante para recuperar meu fôlego. Falando com o mais completo nada como se fosse um conselheiro — Se eu montar uma história com isso, as garotas podem até se emocionar. Quem não se identifica com uma personagem cheia de dificuldades? É uma pena que o meu poder de protagonismo dessa vez parece inexistente.

Do alto, algo soou, um grasnar agudo que me fez levantar a cabeça imediatamente. Nos galhos mais baixos da árvore em que estava apoiada havia uma águia imponente, a cabeça repleta de penas alvas e o restante do corpo escuro como se tivesse mergulhado em tinta nanquim.

Os olhos dourados miravam os meus, engoli seco quando vi o animal abaixar a cabeça e as garras se movimentarem no galho na minha direção. As íris ferozes da ave pareciam furar todas minhas defesas, julgando com intensidade as camadas de personalidade que juntas formam um ser humano.

Magnífica, e, ao mesmo tempo, assustadora.

Mais uma vez o bico se abriu, acompanhando um raio poderoso que pareceu cair naquela mesma montanha. O barulho foi estrondoso e o clarão vindo do relâmpago iluminou por um segundo toda área.

A cada momento que se passa, a situação parece ficar ainda mais perigosa. Respirei fundo mantendo as mãos nos ouvidos por alguns segundos, acalmando meu coração e também recobrando meus objetivos.

Mesmo que tivesse presenciado a força da natureza a ave não se mexeu, ainda de peito estufado tinha uma postura quase orgulhosa. Foi então que vi que em uma de suas asas havia um graveto preso, entre as penas, quase atravessando.

— Ugh, isso deve doer — comentei em voz alta, sem estar esperando uma resposta. Por alguns minutos ficamos nos olhando, a chuva ainda caía torrencialmente. Se a águia não demonstrou nenhuma intenção de me atacar, podia tentar ajudar.

Torci os cabelos e ajustei os fios grudados no meu rosto para trás antes de erguer a mão na direção da ave. O movimento fez com que se mexesse, as asas abrindo um pouco como se quisesse parecer mais intimidadora. Recolhi a mão instintivamente.

— Estou tentando te ajudar, um de nós preso na montanha já é o suficiente — ralhei esfregando as pontas dos dedos juntos e estiquei o braço mais uma vez a fim de pegar a ponta presa à asa.

Se tinha a habilidade de compreender minha boa intenção? Não sei, mas consegui tirar o graveto e manter todos os dedos da mão. Ao menos essa vitória posso chamar de minha.

Um clarão surgiu novamente, em seguida o barulho violento, esse pareceu ser ainda mais próximo que o anterior, pois senti o chão embaixo dos meus pés tremer. Cobri as orelhas e pressionei os olhos me encolhendo no tronco em seguida buscando uma proteção inexistente.

Preciso chegar ao topo da montanha o quanto antes.

A águia não estava mais no galho, deve ter se assustado e com a asa livre, voou. Esfreguei as mãos na roupa molhada, e me levantei de uma vez. Se for para morrer com um raio na cabeça, que seja com honra.

Em momentos como esse gostaria de ser um pouco como as personagens que escrevo, que apesar das grandes dificuldades e empecilhos sempre conseguem atravessar suas atribulações. Fortes, fazendo seu próprio destino, conquistando seu espaço. Sem precisar se preocupar em mudar apenas para ser aceita por um estranho.

O mercado editorial é mais cruel do que se pode imaginar, sem perceber estava escrevendo para agradar outras pessoas e não o que realmente queria.

Comecei como uma saída pessoal, evolui, minha motivação sendo os sorrisos que vinham com as linhas tortas que contam histórias. Quando vi, humildemente estreava no mercado com um romance, nem um grande sucesso e nem um completo desconhecido, mas uma história de amor que fez as pessoas continuarem a olhar meu trabalho.

Só que as tendências mudam, é necessário travar os dentes quando dizem que deve apenas desistir e continuar.

Consegui manter o nível nas publicações posteriores, mas dessa vez o que estão me cobrando é a criação de algo que mais ninguém pode fazer. Antigamente poderia considerar ser um incentivo, um voto de confiança, porém hoje, já não tenho bravura o suficiente para sonhar dessa maneira.

Arrependimento existe, não posso ousar dizer que não. Contudo, mais do que lamentar pelo que não posso mudar, prefiro acreditar que dessa vez posso criar algo realmente valioso. Sem me preocupar com o dinheiro, glória, ou a maldita editora sanguessuga que só se importa com a quantidade de vendas.

Subir a montanha devia ser o meu primeiro passo da mudança, antes de passar meses mergulhada numa nova história.

Um passo torto e acabei escorregando por conta do caminho lamacento, os joelhos batendo com força no chão e as mãos apoiando sobre as pequenas pedras impedindo que caísse de rosto na sujeira. A chuva gelada batia nas minhas costas, o cabelo preso se soltou fazendo as pontas completamente encharcadas se misturarem com a terra.

Frio, mal sentia as pontas dos dedos. Sob a tempestade meu corpo tremia e o único calor vinha das lágrimas que caíam dos meus olhos.

— Parece que nem essa pequena felicidade me é permitida.

— Precisa de ajuda?

Primeiro vi o par de tênis na minha frente, surpresa por ter uma segunda pessoa na montanha levantei o rosto. Foi nesse instante que um novo raio atingiu o chão, iluminando as costas da silhueta, trovão vindo logo em seguida. Da sombra escura apenas dois olhos amarelos permaneceram brilhantes, um calafrio percorrendo a minha espinha e medo impedindo qualquer movimento.

— Desculpe, mas ficar no chão numa tempestade como essa não é seguro — a voz grossa tinha um tom leve e animado por trás que pareceu cortar até mesmo o som da chuva. Suas mãos se ergueram para a cabeça puxando o capuz revelando cabelos acinzentados que variam de tons. Não muito mais velho, ou mais novo que eu. O homem se ajoelhou sem se importar com o lamaceiro ou suas roupas.

— Está ferida? — perguntou olhando para meu corpo. — Você está congelando.

Ele tirou a mochila das costas e em seguida a jaqueta, a colocando sobre os meus ombros.

Minha consciência pareceu voltar — Estou bem, só tropecei. Pode ficar com a sua jaqueta.

— Essa blusa é térmica — explicou com um sorriso, indicando a veste escura que protegia do pescoço até os pulsos. — Parece precisar dela mais do que eu.

O tecido era impermeabilizante, parar de ter a chuva caindo nos ombros já foi um alívio e tanto.

— Obrigada — aceitei sua ajuda para levantar.

— Essa tempestade pegou todo mundo desprevenido — disse, ajeitando os cabelos já molhados —, tem uma cabana aqui perto. Estava indo me abrigar lá quando vi você.

— Cabana? Ainda estamos longe do topo.

— Aquele é o restaurante, essa, os antigos guardas florestais costumavam usar de base. Faz alguns anos que venho fazer trilha aqui, então conheço a montanha como a palma da minha mão.

Fiquei um pouco incerta sobre sua fala, porém não parecia ter nenhuma má intenção em sua voz, ou qualquer gesto que me deixasse em alerta.

— Não é muito, mas melhor do que ficar na chuva não acha?

— Sim — respondi ainda com desconfiança e olhando para céu de nuvens escuras —, parece que não vai parar tão cedo.

— É perto, consegue andar até lá? — o tom de preocupação se fez presente, seu rosto muito expressivo validou o sentimento. Pois suas sobrancelhas caíram e o meio de sua testa franziu.

Levantei a mão para a alça da mochila a apertando assentindo positivamente, a jaqueta dele era tão grande que me cobria por inteiro mesmo com o peso extra nas costas.

A chuva fria e impiedosa que havia nos castigado até aquele momento, também não cessou, pelo contrário pareceu ficar ainda mais intensa. O homem estava certo quando disse estar perto, após passar alguns metros de trilha horizontal no meio das árvores apareceu uma cabana de madeira.

Avermelhada, e visivelmente abandonada. Se não fosse o desconhecido que apareceu, nunca ficaria sabendo daquele lugar. E quem sabe o que poderia acontecer na minha caminhada até o restaurante no topo.

— Parece trancada — anunciou assim que subimos a varanda, as madeiras rangeram pelo nosso peso, parecia em melhores condições do que imaginei.

O homem abaixou e abriu a própria mochila, tirando de dentro um equipamento de montanhismo que se assemelhava a uma garra, tinha o cabo curto e torto ajustado para o formato da mão e na ponta se abria um aparente bico serrilhado.

— Você vai arrombar? — perguntei apertando o tecido da jaqueta entre os dedos, repentinamente surpresa por sua ação. Posicionado ao lado da porta ele de alguma maneira conseguiu inserir a ponta da ferramenta no vão.

— Posso me resolver com o pessoal depois, não podemos ficar no frio — com o ombro pressionado na madeira e um movimento de alavanca a fechadura cedeu com um estalo abafado. Quando a porta abriu ele se desequilibrou um pouco para dentro, se não fosse seus reflexos, teria caído de uma maneira fe nal.

— Foi mais fácil do que pensei — limpou a garganta o rosto ficando levemente corado de vergonha.

Poeira e coisas velhas, mas sem goteiras, apesar da umidade estar presente por conta do material da cabana, o interior estava seco. Sem esperar muito o homem já começou a rumar pelo local, não que houvesse muito para ver. Era um grande cômodo, uma lareira no centro e uma porta que provavelmente levava para um banheiro ao lado de uma segunda que até então tinha seu interior desconhecido.

— Pelo menos madeira é o que não falta — minha companhia comentou agachado na frente da lareira. De novo ele tirou algo da mochila, conseguindo acender um fogo intenso não muito depois.

— Você parece ter de tudo dentro dessa bolsa — comentei olhando com mais cuidado a sua forma agora iluminada.

Ele era alto, ombros largos e músculos bem definidos. Com a roupa térmica colada em seu corpo era como observar uma estátua feita de obsidiana.

Seus olhos dourados desceram e subiram a minha figura — É a sua primeira vez? É um pouco de loucura subir sem estar apropriadamente vestido, principalmente na trilha profissional.

Então algo clicou na minha cabeça, quando cheguei eu devia ter visitado a entrada e recebido orientação dos guias. Mas ainda irritada por estar ali sozinha, ignorei. Esse é o motivo de terem dois caminhos.

Abaixei a cabeça — Sou uma idiota.

— Por favor, não foi isso que eu quis dizer! — exasperado ele balançou as mãos — Acontece, eu mesmo já fiz muita besteira até aprender.

Respirei fundo voltando a sentir as lágrimas queimar o canto dos meus olhos — Se eu não fosse tão teimosa, nada disso teria acontecido.

— Posso ouvir sua história se quiser me contar, mas tem algo que precisa fazer antes.

— O quê? — sequei o rosto com as costas da mão.

— Tirar a roupa.

Todos os livros e documentários de crimes que li ou assisti na vida, vieram à mente. Teria eu andado direto para um assassino?

O coração acelerou e eu dei um passo para trás, o martelo de montanhista estava no chão e longe do meu alcance. Ele seguiu meu olhar e de repente deu um pulo para trás.

— Não é isso! Está completamente molhada, a temperatura vai cair, se não se secar pode ficar seriamente doente. Olha só — e então ele puxou a barra da blusa térmica a arrancando de uma vez, revelando o torso atlético. Os músculos do abdômen bem definidos e o peito firme me saltando os olhos.

Senti o rosto ficar vermelho — Você é um pervertido ou o quê?

— Estou falando a verdade — ele se abaixou e pegou o martelo empurrando na minha direção —, pode ficar com isso se te fizer ficar mais segura.

Até agora, não tinha nenhum motivo para desconfiar de suas ações, mas ser extremamente persuasivo é uma característica da maioria dos assassinos em série. Essa conversa doce que acaricia os ouvidos e consegue tudo o que deseja.

Peguei a ferramenta do chão — Não vou pensar duas vezes em te acertar com isso.

— Aposto que não — concordou levantando as duas mãos no alto —, mas de verdade, você devia tirar a roupa.




Graças aos céus que naquele dia resolvi colocar um top esportivo e debaixo da calça trilha vestia um shorts do mesmo tecido. A bolsa e as roupas encharcadas foram estendidas próximas ao fogo para secar. O cômodo desconhecido se revelou ser um quarto, o homem que estava mantendo sua distância como o prometido, tirou o colchão velho e fino da cama e o colocou na frente da lareira, a fim de podermos aproveitar seu calor ao máximo.

Sentada abraçando os joelhos, mirava as chamas se erguerem da madeira e a brasa fluorescente crepitar. O martelo estava firme na mão, pronto para entrar em ação a cada movimento suspeito.

Fiz aulas de luta para conseguir descrever com mais propriedade cenas de ação, ao menos um bom golpe para salvar a minha vida sabia dar.

Sentado do meu lado esquerdo, também com o mínimo de roupas, minha companhia estava calada. Tentando miseravelmente fazer um curativo no braço. Só depois que os corpos esquentaram e ele parou, foi que descobriu um corte no braço esquerdo e seu sangramento.

— Me dê isso — pedi de uma vez quando ele não conseguiu finalizar pela terceira vez.

Movi para perto tomando de sua mão, ajoelhada ao seu lado terminei o curativo, era um corte relativamente fundo que parecia ter sido feito por algo pontiagudo — Como conseguiu o machucado?

— Não vi uma ponta de galho.

Ele manteve sua resposta curta e o rosto voltado para a frente, agradecendo com voz baixa em seguida.

Voltei para a ponta do colchão segurando o martelo com as duas mãos, o silêncio apenas não era completo pela tempestade e pelo estalar do fogo.

— Então… — ele foi que começou a tentar puxar assunto — Por que estava chorando?

Esfreguei o cabo emborrachado do martelo de montanhista com o dedão, ponderando se eu devia realmente contar minha história para um estranho. Apoiei a testa no joelho um segundo para depois levantar os olhos para as chamas novamente.

— Era para eu vir com um grupo de amigas, mas todas elas desistiram durante a última semana. Talvez eu quisesse provar algo para elas e para mim mesma vindo sozinha.

Respirei fundo — No fim, atestei minha tolice.

Ele me olhou com certa pena e esticou a mão para a bolsa, tirando dela uma embalagem pequena e colorida — Pode comer, vai te fazer sentir melhor.

Sem forças, o chocolate foi mais que bem-vindo.

— Essas suas amigas são de verdade mesmo? Não parecem ser confiáveis.

Dei risada — São. Foi uma promessa feita enquanto bêbadas, não posso cobrar muito também. Se a bateria do meu celular não tivesse acabado, alguma delas já estaria aqui para me resgatar e em sua defesa, tentaram me impedir.

— Então você é do tipo teimosa.

Abri o chocolate — Mais do que realmente gostaria. Por que você subiu a montanha?

Quebrei a barra no meio e estendi metade em sua direção, ele pegou agradecendo, jogando na boca sem um segundo pensamento.

— Vou sair do país um tempo — respondeu —, meu pai costumava me trazer aqui. Foi a última chance que tive de me despedir.

Com o rosto apoiado na mão ele sorriu em direção às chamas — Sabia que o tempo estaria ruim, resolvi ignorar mesmo assim. E que bom, caso contrário realmente estaria morrendo de hipotermia caída na trilha.

— Tem o costume de tirar sarro das pessoas que acabou de conhecer?

— Só as que me interessam — senti ele me encarando pelo canto de olho — o que faz da vida?

Resolvi ignorar a primeira parte, pelo bem da minha sanidade — No momento nada, na verdade, estou para entrar num projeto. Mas não sei ainda como será.

Um resmungo soou em resposta — É um segredo?

— É incerto. Preciso de uma ideia, mas ainda não a tive.

O homem cruzou as pernas e em seguida os braços, os músculos se contraindo e tomando forma quando o fez. — Trabalha com a criatividade então? É uma artista?

Não queria dar informações reais sobre a minha vida, ainda não havia descartado completamente a ideia dele ser um assassino em série.

— Algo como isso. Disse que vai deixar o país, para onde vai?

— Atenas — respondeu —, tenho alguns assuntos para resolver por lá.

— É… Longe.

Um riso ecoou, acariciando meus ouvidos e fazendo subir um arrepio pela minha coluna.

— Um pouco — concordou —, se tiver a chance de ir algum dia. É deslumbrante, principalmente a parte histórica, os templos e mitos. Conhece?

É engraçado pensar que existe alguém que não conhece a mitologia grega e suas origens, está tão presente na cultura, em diversos filmes e livros, que ao menos uma vez na vida houve contato.

Como alguém que escreve, é inevitável visitar hora ou outra os contos gregos. A criação do mundo, seus titãs, deuses e heróis. São tantas camadas e histórias que naquela época surgiram para explicar o mundo e sua natureza, que é loucura não achar no mínimo interessante.

Percebi não ter respondido o homem — Sim, não muito profundamente. Só as histórias principais.

Mordi o chocolate sentindo a doçura derreter na língua, a mente ficando limpa de pensamentos e sensações por um segundo.

— Dos doze olimpianos, qual seu favorito?

— Favorito? Não acho que tenha um — girei o martelo de montanhista na mão —, acho a história do Hefesto interessante. A disparidade entre habilidade e beleza é uma boa crítica, tudo bem que ele tentou se vingar pelos métodos errados. Porém, realmente não o julgo.

— Estava esperando uma resposta mais comum, como Apolo, já que disse ser uma artista.

Fiz uma careta — Se fosse traduzir para a atualidade, não acho que eu gostaria de ter por perto.

— É uma boa escolha, mais algum que chama a sua atenção? Talvez um que seja responsável por essa mesma tempestade?

Só havia uma possibilidade, aquele que diziam ser o dono de trovões, relâmpagos, chuvas e ventos. Alguém que foi chamado de pai, tanto dos deuses quanto dos homens.

— Zeus? — assim que o deixou minha boca o cômodo foi tomado por uma luz clara, fazendo as janelas já fracas tremerem pela intensidade.

Arrepio tomou meus braços, apesar de estar perto do fogo. Fiquei encarando a janela por um instante.

— Isso foi estranho — voltei a me virar para o homem e quando vi seus olhos percebi um brilho diferente, como se a energia dos relâmpagos estivessem presos atrás de suas íris. Por um momento me senti refém, pela segunda vez no dia algo estava olhando para o fundo da minha alma, descobrindo até os pensamentos perdidos no meu subconsciente.

Só quando ele desviou os olhos dos meus foi que consegui retomar controle do meu corpo e ações.

— Quem consegue garantir que são lendas e não verdade — disse —, talvez esteja te escutando. Então seja gentil.

— Gentil? Depois de toda a humilhação que passei na trilha? No mínimo merecia um chute na bunda.

Antes que eu pudesse registrar minha fala, as palavras saltaram da minha boca, para a surpresa da minha companhia. Uma gargalhada estrondosa ecoou e o homem tombou a cabeça para o lado.

— Certamente, é alguém diferente. Gostaria de ver você tentar.

Um pensamento impossível passou pela minha cabeça, rápido como os mesmos raios que estavam caindo na montanha. Balancei a cabeça, completamente insano, não teria como…

— Fica para a imaginação, já que ele não vai aparecer na minha frente. Não é? — indaguei, meu interior se retorcendo ansiando pela resposta.

— Sim, apenas um devaneio — concordou. Sua postura mudando repentinamente, menos esmagadora e mais simpática.

Senti meu corpo relaxar, e junto com ele veio alguns tremores e calafrios. Nisso minha companhia se levantou, andando até a jaqueta e a estendendo pela segunda vez.

— É melhor proteger suas costas.

— Obrigada.

As apoiei nos ombros, cruzando as pernas em seguida — Qual o seu favorito?

Ele me olhou confuso, por esse motivo refiz a pergunta voltando para nosso assunto anterior.

— Seu olimpiano favorito — expliquei.

— Zeus mesmo — ele jogou mais alguns pedaços de madeira para alimentar o fogo — se acredita que do topo do Monte Olimpo ele vigia os assuntos dos homens, recompensando a boa conduta e punindo o mal. Dizem que tem uma forte ligação com a justiça, também protege as cidades, hóspedes e suplicantes.

— Quando não está traindo Hera ou seduzindo uma mortal, pode até ser — reclamei — ele é mais famoso pelas suas diversas relações amorosas não matrimoniais e sequestros. Qualquer ato de benevolência acaba ofuscado, deixando a imagem de um grande babaca.

— Isso também é verdade. Discorda da minha escolha?

— Gosto é gosto — expliquei —, as representações na cultura são até legais, mas só isso.

Quando voltou a se sentar, ficou mais perto de mim. Como estava sentado o mais longe possível, sua aparência ainda estava um pouco pálida, mas os cabelos estavam secos apesar de bagunçados.

— É a primeira vez que vejo um cabelo como o seu — comentei —, é natural?

Sua mão se levantou puxando uma pequena mecha — Sim, minha família inteira tem os cabelos assim.

— Posso? — apontei para a sua cabeça.

— Fique à vontade.

Me ajoelhei ao seu lado, empurrando os cabelos para o lado. Eles realmente pareciam nascer da raiz naquela tonalidade, alguns lugares mais claros e outros de um cinza mais escuro. É uma boa característica para personagem.

Acabei colocando a mão em seu ombro, e percebi estar gelado. Tirei a jaqueta e vesti em seus ombros.

— Já não estou com frio, é melhor você se cuidar. Já que precisa viajar.

— Obrigado — ele virou o rosto para esconder as bochechas avermelhadas, porém as orelhas acabaram denunciando sua vergonha.

Pela primeira vez o martelo foi colocado de canto, puxei minha própria mochila e junto dela um caderno de rascunhos. A chuva ainda estava intensa do lado de fora, então aproveitei para fazer algumas anotações. Descrições da chuva que levei, de como as chamas pareciam esquentar até os meus ossos, sobre o cheiro forte da madeira úmida e o estalar constante do fogo.

A luz que sai da lareira ilumina apenas o que está no seu entorno, próximo do seu centro quente e brilhante, num degradê suave o alaranjado das suas chamas perde para as sombras frias da cabana abandonada.

Os pingos de chuva castigam o telhado num ritmo rápido, se assemelha ao digitar constante e incansável de um datilógrafo experiente. Do tipo que nem precisa olhar para um teclado para digitar, que não perde tempo, com plena confiança das suas habilidades.

Longe e fraco escondido pelo barulho da tormenta o farfalhar das folhas é intenso. As mais fracas e galhos soltos se desprendem caindo no chão, dando lugar para novos ramos crescerem e o ciclo continuar. Tempestade implacável, cruel, segurando em cada nuvem escura uma chance de mudança.



— Você tem certo jeito com palavras, essa é sua arte?

Estava tão entretida com a escrita que acabei esquecendo estar acompanhada. A voz soou perto do meu ouvido e como reflexo acabei me afastando, ele encarava por cima do meu ombro olhando as folhas repletas de palavras com certa curiosidade.

Fechei o caderno, o segurando contra o peito. Ninguém sabia o que rabisquei naquelas páginas amareladas, nem mesmo minhas melhores amigas. Era uma coletânea dos meus pensamentos mais íntimos e sensações.

— Não é educado ler as coisas do outro sem permissão.

Ele se aproximou — Posso ver?

— Não também — rebati.

O homem riu e tentou pegar o caderno, movimento esse que me fez afastar segurando o caderno longe.

— Sabe que isso só me fez ficar mais curioso? — um sorriso largo puxou o canto da sua boca dando para ele uma expressão ardilosamente sedutora. Me forcei a engolir, nossos corpos estavam próximos, mais uma vez afastei o caderno segurando distante dele.

— Problema seu.

Usei um tom de voz que o fez rir e tentar alcançar o caderno novamente, nesse ponto a disputa pelos meus pensamentos escritos estava quase perdida. Ele era bem maior que eu, a mão já estava segurando a capa de couro escura, enquanto a outra segurava minha cintura no lugar.

Praticamente em cima de mim sentia o calor flutuar do seu corpo para o meu, o rosto próximo o suficiente para nossos narizes se tocarem.

— Posso desistir do caderno se você me dar um beijo.

— E se eu não quiser?

— Vou ficar bem triste, porque eu realmente quero te beijar agora — seu olhar baixou para a minha boca. E quando voltou a me olhar nos olhos meu fôlego foi roubado por sua intensidade.

— Bisbilhotar foi só uma desculpa, não foi? — o meu aperto no caderno afrouxou.

— Talvez.

O desejo entrelaçado na voz sedosa foi o suficiente para me fazer soltar o caderno e me inclinar para frente. A mão dele que então segurava de leve meu pulso pressionou meu pescoço quando sua boca deslizou sobre a minha.

Seu gosto engoliu todos os meus pensamentos e as mãos que dedilhavam minhas curvas fez sumir todas as sensações. Bastou um toque e estava completamente à sua disposição, nossas bocas se separaram por um instante apenas para dar lugar para um beijo mais profundo.

Um puxar em sua direção e estava sentada em sua cintura, a frente do corpo completamente colada com a dele. Seu toque era suave, acariciou meu pescoço jogando para trás parte do cabelo ainda úmido e embaraçado. A tensão do seu corpo reverbera contra o meu, sentia o contrair dos músculos a cada pequeno movimento.

— Nem nos conhecemos — afastei o rosto não conseguindo segurar a vontade de pentear seus cabelos com os dedos.

— E também não precisamos, mas é um prazer.

Mais uma vez ele me beijou apertando num abraço sem deixar espaço ou ar para uma resposta. É uma loucura completa, e ainda assim excitante.

Seus dedos deslizaram pela lateral da minha cintura, sumindo para dentro do top esportivo pressionando com os polegares a curva do seio esfregando os mamilos rijos por debaixo do tecido. Um suspiro escapou da minha boca.

Com esforço separei minhas mãos dele e ergui os braços para tirar a peça de roupa, arrepio surgiu como um choque na base da minha coluna quando seus lábios beijaram minha clavícula descendo entre os seios. Bastou uma mordida para fazer minha cabeça girar e o corpo esquentar de dentro para fora.

Tortuosamente ele brincava alternando entre estímulos com a língua e carícias, minhas mãos em seus ombros exploravam os músculos ocasionalmente puxando os cabelos claros em sua nuca.

O ponto sensível entre as minhas pernas pressionado pela ereção contida dentro da roupa térmica me fez tomar consciência do quanto meu próprio corpo estava querendo aquilo. Um afago, uma carícia, ainda que fosse apenas por um dia.

Meu quadril se moveu para sentir mais, um resmungo e um respirar profundo acertou meu pescoço.

— Eu não estou com pressa, temos uma noite inteira pela frente linda — sua mão desceu para minha bunda a apertando —, mas se continuar se esfregando assim em mim não respondo por minhas ações.

— Ou você não gosta do jeito que eu estou fazendo? — perguntou — Além de teimosa também é impaciente?

Tombei a cabeça pro lado — Até amanhecer, vai descobrir todos meus adjetivos.

— Espero que resistente seja um deles.

Ele deitou no colchão surrado a jaqueta servindo de lençol, ambas mãos estavam pressionadas no seu peito. Sentia o tórax subir e descer conforme sua respiração acontecia, necessidade brilhava em seus olhos e mesmo assim silenciosamente ele me deu o controle da situação.

Essa é uma primeira. Os caras com que saí até o dia de hoje todos queriam provar terem o melhor sexo da face da terra. Controladores e não tão bons quando acreditavam ser.

Estar em cima com ele preso entre as minhas pernas, fez-se revirar meu interior como um redemoinho. Peguei as mãos que estavam pousadas na minha cintura e as levantei até que estivessem acima de sua cabeça.

A luz da lareira iluminou seu rosto lateralmente criando uma pintura completamente deslumbrante. Uma estátua viva esculpida pelo melhor dos artistas, com olhos de ouro e corpo de mármore.

Segurando suas mãos movi o quadril uma vez, os tecidos tremendo por conta do movimento. O abdome dele contraiu e os olhos fecharam por um momento, o pomo de adão se mexeu num engulo seco. Baixei em sua direção beijando a base do seu pescoço, sem deixar de me mover friccionando nosso sexo.

Suas mãos se fecharam em punho e a respiração ficou descompassada, as pernas também se mexendo embaixo de mim, começando a desejar mais do contato.

Mordi a ponta da sua orelha — Você vai gozar para mim?

Era uma deliciosa provocação que o fez respirar fundo, provavelmente tentando retomar o controle do próprio corpo.

— Tenho mais dois adjetivos para você — disse entre dentes, resmunguei beijando sua bochecha — cruel e dissimulada.

Soltei um riso sincero — Aceito esses dois.

— Foda-se — ele se sentou, se virando e dessa vez me deixando deitada sobre a jaqueta.

— Não foi você que disse para ir devagar?

— Mudei de ideia.

Com certo exaspero ele segurou a borda do meus shorts o deslizando até as coxas para depois remover tudo. Um gemido ficou travado quando os dedos gélidos pressionaram o ponto sensível entre minhas pernas.

Ele já estava despido da cintura para cima há muito tempo, mas quando tirou a parte de baixo precisei engolir, a pele pressionada contra a minha era excitante, mas nada se comparava às estrelas que surgiram na minha visão quando seu quadril se chocava com o meu.

Qualquer pensamento racional se dissipa no calor que fazia meu corpo querer explodir de dentro para fora. Dos sussurros doces e mentirosos que escorregaram dos meus ouvidos para os toques firmes que exploravam cada curva.

Mais duas vezes ele se empurrou para o meu interior, seu pênis apertando as paredes quentes do meu interior causando tremores. Estranha sensação que fez soar um gemido feroz quando contraído envolta do próprio sexo.

Provei de todos os gostos, faminta por seu toque e sabores.

Gemidos e resmungos regados pelo suor, ondas de mais ondas de tremores que perduraram durante o sexo. Uma, duas, três, até que não houvesse mais força em nossos corpos para sequer falar.

Seu corpo estava caído sobre o meu, a respiração tão exasperada quanto. Fechei os olhos aproveitando seu calor, do lado de fora quase já não podia ouvir a chuva estava fraca, o suficiente para servir de canção de ninar.

— Não durma agora — senti um beijo estalado no meu rosto — vai ficar doente do mesmo jeito e todos os meus esforços pra te esquentar serão em vão.

— Então tudo isso foi por preocupação de eu ficar doente? — abri um olho.

Não me respondeu, apenas deixou nos meus lábios um selinho longo e bem mais comportado. Seu calor se foi e logo as minhas roupas foram jogadas em cima do corpo nu.

— Use a camiseta para se limpar, já está seca.

Segui sua indicação e me vesti — Até onde vai sua experiência com montanhas? Parece acostumado demais com a situação.

— Transar com alguém foi a primeira vez, o resto é senso comum — ele virou o colchão e voltou a se sentar na frente do fogo, indicando para eu fazer o mesmo.

Assim que sentei, ele puxou minha cabeça para encostar no seu ombro. Foi quando me lembrei de algo importante que até o momento não havia perguntado, não sabia seu .

Porém, antes de perguntar, o sono me levou, terminando o meu dia com uma pergunta sem resposta.




Enquanto Aeres estava no topo do monte Olimpo, uma poderosa onda de energia percorreu suas veias. A batalha contra Cronos foi longa e árdua, mas ele emergiu vitorioso, derrotando o titã do tempo e restaurando o equilíbrio no cosmos.

Os deuses, maravilhados com sua força e determinação inabaláveis, curvaram-se diante dele, reconhecendo seu lugar legítimo como o Rei dos Deuses. Aeres sabia que seu destino ia além do mero domínio sobre os reinos divinos. Ao olhar para o reino dos mortais, ele viu o mundo destinado a proteger, um mundo onde humanos e deuses coexistiriam em harmonia.

Descendo dos céus, Aeres caminhou em direção ao reino mortal, onde as pessoas o aguardavam com esperança e reverência. Ele dirigiu-se à multidão, sua voz ressoando com poder e compaixão.

— Hoje, eu me apresento diante de vocês não apenas como seu rei, mas como seu guardião e aliado —, proclamou. — Juntos, forjaremos uma nova era, onde nossos destinos se entrelaçam e construímos um futuro de união e prosperidade.

A multidão rompeu em aplausos, a partir desse momento, guiou tanto os deuses quanto os humanos, aproximando os reinos divinos e mortais. Sob sua liderança, a paz e a prosperidade floresceram, enquanto ele usava sua sabedoria e compaixão para governar com justiça e equidade.

Aeres cumpriu a profecia que previa um salvador de trazer equilíbrio ao mundo. Por meio de sua dedicação inabalável e seu amor pelos deuses e humanos, se tornou o farol de esperança que trouxe uma nova era.

Enquanto olhava para o horizonte vasto, Aeres sabia que sua jornada estava apenas começando. Com seus pais observando-o dos céus, seu amor e orientação eternamente gravados em seu coração, ele continuaria a proteger e nutrir os laços entre deuses e humanos.

E assim, Aeres, o Rei dos Deuses e dos Humanos, embarcou em sua busca eterna para garantir que o amor, a compaixão e a união prevalecessem em um mundo onde os reinos dos deuses e dos mortais se entrelaçam, moldando para sempre o destino de ambos.





Aplausos romperam dentro do auditório assim que li a última página do meu mais recente romance. Aquele que fechava minha trilogia. Foi um mês intenso de entrevistas e sessões de leitura durante a turnê de divulgação. O cansaço dela contudo é algo bom, a cada dia ficava mais contente pela minha última saga estar recebendo tanto amor.

Agradeci aqueles que compareceram e saí do palco do teatro girando o pescoço — Acho que vou precisar de relaxantes musculares e uma massagem. O apoio estava muito baixo, meu pescoço está destruído.

— Infelizmente não conseguimos trocar dessa vez, vou buscar os remédios para você — meu assessor ajustou os óculos e sorriu —, enquanto isso tem alguém no camarim ansioso para te ver.

Um sorriso apareceu no meu rosto, sabia exatamente quem era, e a saudade rompeu meu peito. Abri a porta que tinha meu escrito, vendo um emaranhado de cabelos cinzas no sofá. Assim que ele me viu, levantou para vir em minha direção.

— Mamãe!

Abaixei para receber seu abraço beijando cada uma de suas bochechas e o segurando com força. Era como ter o próprio sol nos meus braços.

— Meu bebê, eu senti tanto a sua falta — acariciei seu rosto olhando com atenção cada pequena mudança. Durante essa última semana, para não dizer o mês, tivemos poucos momentos juntos.

— Eu também — sorriu abraçando meu pescoço novamente. Me levantei segurando o pequeno nos braços vendo uma segunda figura sentada no canto da sala.

— Ele se comportou?

ergueu as mãos — Claro que sim, eu sou a tia legal, não tem motivos para ele não se comportar. Fizemos uma festa do pijama, comemos pipoca, desenhamos. O que mais poderia pedir?

— Chocolate! — meu filho ergueu a cabeça do meu pescoço. — Estou com vontade de comer chocolate.

— Claro que está — afaguei suas costas, sabendo ser uma vontade constante dele.

— Podemos ir até a conveniência do teatro — Milo, meu assistente sugeriu — o que acha Arie?

— Sim! — ele balançou as pernas.

— Fique de olho nele — pedi acariciando seus cabelos. Os dois saíram e eu me deixei deitar no sofá.

Minha amiga cruzou as pernas e em seguida os braços — Quem diria que uma noite quente com um desconhecido ia te render três livros de sucesso e um filho.

Fechei os olhos, aquele dia na montanha já tinha mais de quatro anos. Quando acordei na cabana já estava sozinha, para trás ficou apenas a jaqueta e as lembranças. Naquele dia não sabia, mas algo ainda mais especial que viria para mim em nove meses.

— Se tivesse que voltar no tempo faria tudo novamente — confessei.

A mulher riu — Sei que sim, nosso Arie é um fofo. Não consigo imaginar esses anos sem ele, confesso que quando disse que estava grávida do cara fiquei preocupada e com raiva. De mim mesma também, porque se eu tivesse ido com você na montanha nada disso teria acontecido.

balançou a mão e girou na cadeira balançando a mão — Mas você desceu de lá com sua própria fantasia, então acho que no fim você tem que me agradecer por não atrapalhar a sua transa.

Peguei a almofada e taquei em sua direção — Pare de falar bobagens.

Não estava de toda errada, foram as experiências vividas que me fizeram escrever o primeiro livro da série Tempestade e Ruínas.

Num mundo onde deuses e mortais se entrelaçam, o poderoso rei do Olimpo, Zeus, torna-se encantado pelo espírito extraordinário de uma jovem mortal chamada Cadie. Mas Cadie não é uma simples donzela — ela possui uma vontade indomável e uma coragem que rivaliza até mesmo com os mais poderosos deuses. Percebendo seu imenso potencial, Zeus não só fica cativado por sua beleza, mas também inspirado por sua força.

Zeus, consumido por um amor fervoroso por Cadie, ludibriado com uma aposta feita com Hades — o senhor do submundo —, embarca em uma busca arrebatadora para conquistar Cadie. Abandonando sua estatura divina, ele desce ao reino mortal disfarçado, determinado a ganhar Cadie. No entanto, em sua busca, Zeus inadvertidamente descobre um plano sinistro que ameaça não apenas o não florescido amor deles, mas o próprio equilíbrio de poder entre os deuses.

À medida que o amor de Zeus e Cadie se aprofunda, eles se encontram no centro de uma batalha cataclísmica entre as forças do Olimpo. Hera, a implacável e vingativa rainha dos deuses, visa esmagar o espírito de Cadie. Mas, desconhecida por Hera, Cadie desbloqueou um poder adormecido dentro de si mesma — um poder que rivaliza até mesmo com o dos deuses. Com suas novas habilidades, ela se torna um farol de esperança tanto para mortais quanto para imortais, conseguindo moldar o destino do próprio cosmos.

Num conflito de forças divinas, Zeus e Cadie devem desafiar a própria essência dos céus para forjar um amor que transcende os caprichos de deuses e deusas. Enquanto a batalha se desenrola, alianças são testadas, profecias são quebradas e os destinos de deuses e mortais se entrelaçam. A ordem estabelecida se desfaz alterando para sempre o destino do reino mortal e divino.

Nesse último livro, vinte anos se passaram desde a morte prematura de Zeus e Cadie, deixando seu jovem filho, Aeres, órfão aos cinco anos de idade.

Criado por mentores sábios que guardavam em segredo sua verdadeira linhagem, Aeres se tornou um grande guerreiro. Porém, conforme amadurece, é atormentado por visões e sussurros do passado de seus pais, despertando um desejo profundo de desvendar a verdade por trás de suas mortes.

Impulsionado por uma sede insaciável por conhecimento e justiça, ele embarca em uma perigosa jornada para desvendar os segredos ocultos. Ao longo de sua jornada, ele desvenda antigas profecias, decifra enigmás e enfrenta poderosos inimigos que desejam explorar sua herança para seus próprios fins.

Quando enfim mergulha nos reinos sombrios dos deuses, Aeres descobre verdades que abalam suas crenças sobre seus pais e quais seus papéis na complexa teia divina.

Existe uma pequena semelhança com o que eu vivi na montanha, por algumas semanas minha mente ficou traçando paralelos entre o cara misterioso e todas as pistas de Zeus. A águia, a conversa que tivemos, a viagem para Atenas… E os trovões poderosos que castigaram o local durante a grande parte do dia e noite.

! — alguém entrou no camarim exasperado, me fazendo pular de susto.

— Céus, o que foi? — meu coração se apertou imaginando ter acontecido algo com meu filho.

— Você precisa vir agora — minha secretária me puxou sem deixar responder, me seguiu e imediatamente saímos dos fundos do teatro indo direto para a frente.

Meu filho estava junto de Milo, e além deles mais dois homens. Um deles reconheci como sendo Akaashi um dos garotos que trabalhava na editora, e ao seu lado…

Zeus.

Ar fugiu dos meus pulmões, quatro anos não trouxe nenhuma mudança em sua aparência. Ainda expressivo, sorriu em minha direção com os olhos dourados vestidos de culpa e vergonha.

Arie não parecia compreender a situação, felizmente ele estava mais entretido com a barra de chocolate do que com o homem que tinha os cabelos iguais aos seus. segurou meu braço fazendo um lapso de lucidez correr pelo meu corpo como um choque.

Um burburinho intenso naturalmente nasceu entre as pessoas que seguiam para a saída, aquela exposição não seria boa pra nenhum de nós.

mantenha ele distraído — pedi me aproximando de Milo.

— Não precisa dizer duas vezes — respondeu e se abaixou dizendo qualquer coisa para o pequeno, tentando o convencer a voltar para o camarim.

— Já? Acabamos de sair — Arie questionou se virando para mim em seguida fazendo um pedido silencioso com os olhos.

Meu coração se apertou e eu abaixei para ficar na sua altura. Me inclinando como se fosse contar um segredo.

— Sabe, a tia tem medo de ficar sozinha. Mamãe precisa falar com o tio Milo e o tio Akaashi, pode fazer companhia para ela? Por mim.

— Sim! — ele juntou as mãos na frente do corpo segurando o chocolate como se a vida dependesse disso. — Tia , vou proteger você.

— Sorte a minha —, ela se abaixou pegando meu filho no colo. Antes de se afastar completamente, ela deu uma boa olhada no cara desconhecido e fez uma careta desgostosa.

— Melhor sairmos da entrada — Milo comentou olhando para Akaashi.

— Parece ser o ideal.

De repente me sentia como uma adolescente de novo, não alguém que passou os últimos anos construindo paredes de confiança. Vulnerável, despida de todas as proteções que pensei ter.

É a tempestade da montanha pela segunda vez me tirando toda a dignidade.

As mãos fechadas em punho permaneceram ao lado do corpo, segurando desesperadamente o que me restava de racionalidade. Haviam tantas perguntas sem respostas e gritos travados entre os dentes que o meu silêncio se tornou uma chancela.

— Desculpe, devia ter sido mais cuidadoso — Akaashi disse levemente envergonhado.

Respirei fundo tentando trazer a maturidade de volta para a cabeça, eu gosto do garoto, costuma sempre ser respeitoso. E os autores que ficam sob seus cuidados costumam falar muito bem de suas ações. Logo, sei que não foi de propósito e que ele não queria causar uma cena.

— Não se preocupe Akaashi, somos todos adultos. Podemos lidar com uma situação como essa agindo como tais.

Ele não precisava saber que é mais um mantra para mim do que uma opinião formada. Milo nos levou até uma sala de espera dentro do teatro, onde a ‘staff’ de espetáculos geralmente aguardava.

— Acho que não precisamos tornar isso mais estranho do que já é — anunciei —, vocês se importam?

Meus olhos provavelmente disseram tudo que se passou na minha cabeça, pois os dois assistentes saíram da sala me deixando sozinha com o fantasma de uma noite.

Ambas as mãos estavam dentro dos bolsos do casaco escuro, nervosamente olhava para os lados evitando a minha figura a qualquer custo, sonoramente me sentei no sofá e cruzei os braços, em seguida as pernas.

— Qual seu ? — a pergunta que devia ser feita há quatro anos e que pouparia muitas das minhas frustrações. — Nunca me disse, e eu também não me importei em perguntar.

— Bokuto — respondeu e limpou a garganta para dizer mais uma vez — Bokuto Koutarou.

Achei que estava pronta para ouvir sua voz novamente, mas não estava, ainda tinha a mesma força de trovões. Entraram pelos meus ouvidos causando um choque de memória, um riso seco e sarcástico escapou da minha boca.

— Diferente, eu te chamei de “aquele cara” por todos esses anos. Acho que me acostumei. — seus olhos caíram, mostrando pesar. — Imagino que não preciso responder essa pergunta de volta.

— Não, Akaashi me disse. Descobri não faz muito tempo, literatura não está muito no meu campo de interesses.

— Considerando que ele é seu conhecido, ainda parece um pouco estranho ter sumido por tanto tempo — talvez minha fala tenha saído mais ressentida do que eu realmente gostaria.

— Passei praticamente quatro anos fora do país, nem teria como ele comentar. Mesmo sendo um amigo desde a época de colégio — explicou se sentando do meu lado. — Não fiz um retrato falado seu, aquele dia ficou guardado só para mim por muito tempo.

— De repente, um romantista.

— meu escorregou da sua boca com um tom sofrido —, eu tentei te encontrar. Esperei você me encontrar mas-

Uma gargalhada rompeu, cortando sua fala no meio — E como eu faria isso?

Bokuto alcançou algo dentro do casaco — Eu deixei uma nota na última folha do seu caderno, aquele dia. Mas parece que você nunca viu.

Em suas mãos havia uma brochura de capa escura e manchada, junto de folhas enrugadas e amareladas.

— Ainda estava na cabana — explicou —, um ano depois, no mesmo dia voltei até lá. Numa falha esperança de te encontrar novamente, achei ele no lugar.

Peguei o caderno folheando as páginas duras, até chegar a última com escritos, depois das minhas anotações havia um , um telefone e um pedido de desculpa.

Engoli seco, eu acordei tão possessa que apenas agarrei o que estava na vista e saí da cabana descendo a montanha com a força do ódio. Quando não vi as anotações dentre os meus pertences cheguei a conclusão mais fácil.

— Eu te odiei por muito tempo, até abandonar qualquer lembrança.

— Sei disso. Sua personagem Cadie, xinga Zeus de várias formas no seu livro. Não posso negar que me senti pessoalmente atacado — Bokuto levantou a mão para os cabelos mesclados —, Akaashi me fez ler todos os volumes. Demorou um pouco, mas eventualmente cheguei numa cena… Conhecida.

A primeira noite de Zeus e Cadie, durante uma tempestade com trovões e relâmpagos rasgando o céu seguindo os comandos de seu deus.

— Não estou esperando nada de você, também não preciso de desculpas sua. Aconteceu, foi um lance de uma noite.

Pela primeira vez eu vi uma sombra do cara da montanha — Mesmo quando teve um filho meu? Exceto se dormiu com algum dos meus primos, não teria como ele nascer com cabelos cinzas.

— Quer virar pai do ano agora?

— É um pouco difícil conseguir fazer algo quando não se sabe de nada — rebateu com a voz ficando também mais alta. Com as duas mãos ele jogou os cabelos para trás e respirou pesadamente — Não foi pra isso que vim aqui, sei que você está muito bem sozinha, também não estou cobrando nenhuma ação sua. Só quero… Fazer o certo.

— Para depois sumir de novo? Meu filho não precisa conhecer esse tipo de dor.

— Não vai acontecer — sua voz completamente entrelaçada com tristeza —, sou montanhista e participava de competições e eventos. Até ter um acidente, sair do país não está nos meus planos.

Essa pequena informação explica muito, apesar que eu tenha feito algumas suposições, não é qualquer um que anda completamente equipado. Só não pensei ser um profissional.

— Sinto muito por isso — disse por fim. Não sou uma pessoa completamente desalmada, posso me identificar com a dor de perder algo que se ama.

— Eu também.

Silêncio.

Estávamos sentados um do lado do outro, se tivesse uma fogueira na nossa frente. Seria como uma versão atualizada de uma memória distante.

— Ele tem seus olhos — comentou mexendo os dedos.

— Só o formato — ponderei por um instante cedendo um pouco. — É Aaris, o dele.

— Parece com o do seu personagem.

— O personagem do livro é tudo que desejo que ele seja, forte independente da história dos pais, com erros ou acertos — confessei.

— Espero que ele não tenha que passar por tudo que Aeres passou — respondeu com um riso —, gostaria de ficar vivo também.

— É um bom desejo — respondi folheando as páginas do caderno velho, me lembrando vagamente das anotações —, você leu, não leu?

— Estava tentando achar alguma informação sua — se desculpou, continuando em seguida —, posso fazer uma pergunta? Zeus tem alguma coisa a ver com o que conversamos aquele dia?

— Dentre outras coincidências — respondi —, antes de te encontrar vi uma águia. Ela estava com um galho preso na asa, depois você apareceu com o braço machucado. Além da conversa vaga sobre mitologia, também disse ir para Atenas.

— Para uma competição, sim — riu — e o machucado foi realmente de uma batida. Ainda tenho a cicatriz. Se não for pedir muito, eu gostaria de te levar para jantar e Aeres também.

De certa forma saber que ele está interessado em Arie, me conforta, ao mesmo tempo que me deixa preocupada.

— Acho que é um pouco cedo para ele — respondi —, é melhor introduzir a ideia aos poucos.

— Isso significa que você aceita sair comigo? — rebateu com um sorriso galante. — Tenho quatro anos de encontros imaginários acumulados. Se quiser pode usar no seu próximo livro.

Ele se levantou, ajeitando as vestes.

— Precisa ser algo extraordinário então.

— Vou me esforçar.

Naquele momento, parece que quatro anos se fizeram de quatro minutos. Tudo havia mudado, ao mesmo tempo que não. Alguns sentimentos momentâneos e escondidos voltaram a aparecer.

Números foram trocados e promessas foram feitas. Akaashi se despediu e Milo me levou de volta para o camarim praticamente escoltada. Quando abri a porta, que estava desenhando junto de Arie no verso de folhas de discurso perguntou.

— Como foi?

— Melhor do que eu esperava.

Me sentei ao lado deles, Arie imediatamente vindo para meu colo me abraçando, mirando os olhos dourados nos meus.

Beijei seu rosto, afaguei seus cabelos, reparando muito mais traços parecidos com os do pai. O futuro é incerto, mas não existe motivo para negar a realidade.

— Mamãe, o que está pensando? — meu filho encostou a testa na minha.

— Que talvez meu próximo livro seja sobre Afrodite.






Fim.


Nota da autora: Obrigada por ler até aqui!
Até mais, Xx!!

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