Codificada por: Polaris 👩🏻🚀
Última Atualização: 27/05/2025Mesmo distraído pela música que tocava em seus ouvidos incessantemente, ele não deixou de nota-lá chegando.
ajeitou a alça da mochila no ombro, fingindo estar apenas aguardando o próximo trem. Na verdade, seus olhos discretos seguiam a garota que acabava de entrar na estação, com o olhar focado em algum ponto à frente. Ele a notara muitas vezes antes, a mesma garota com o cabelo escuro solto, quase sempre vestida com roupas confortáveis e um caderno em mãos. Ela parecia estar sempre pensando em algo distante, o que a fazia se destacar no meio da correria da estação.
Era a segunda vez naquela semana que a via por ali. Coincidência? Talvez. Mas, de alguma forma, ele começava a esperar esses encontros casuais. A presença dela era intrigante. Não era só por ser bonita, mas havia algo na maneira que ela se movia, na forma que franzia o cenho ao olhar o letreiro dos trens, como se estivesse decifrando um enigma que apenas ela conseguia ver.
Em silêncio, ele observava cada detalhe: o jeito que ela puxava a alça da bolsa quando o trem se aproximava, o olhar atento ao redor, como se procurasse alguém ou alguma coisa. não sabia por que, mas sentia que havia uma história ali, uma narrativa que ele desejava compreender.
Na manhã seguinte, ajeitou o cachecol ao redor do pescoço enquanto esperava o trem, o ar frio de Tóquio quase congelando a ponta de seus dedos. Ele olhou ao redor, como fizera nos últimos dias, quase sem perceber que a estava procurando. Mas, como sempre, ela não estava ali.
Era curioso. Ele a via com frequência à noite, quando voltava da faculdade, mas de manhã, nunca. A ausência dela fez com que ele começasse a se perguntar, intrigado, sobre como seria a rotina dela. Será que trabalhava em algum lugar próximo? Ou estudava, como ele? Que curso fazia? Talvez fosse daquelas pessoas que ficavam em casa durante o dia e saíam à noite, ou talvez tivesse uma rotina completamente oposta à dele.
imaginou qual seria o destino dela todas as noites quando se esbarravam, em quais pensamentos ela se perdia enquanto observava o letreiro das estações. Havia algo fascinante naquelas pequenas coincidências. Quanto mais ele pensava, mais desejava saber um pouco mais sobre aquela garota misteriosa que ele encontrava só ao anoitecer, como um sonho que desaparecia pela manhã.
passou o dia em sua rotina de sempre, mas com uma sensação de inquietação que não conseguia explicar. Suas aulas na universidade eram intensas, repletas de leituras e projetos, mas, entre um intervalo e outro, ele se pegava pensando na garota da estação. Enquanto tomava um café rápido no refeitório ou trocava algumas palavras com os colegas, sua mente sempre voltava para a pergunta que o incomodava desde a manhã: quem era ela?
Entre as atividades do dia, ele revisava anotações, assistia a palestras, e, em algum momento, foi até a biblioteca para buscar material para um ensaio. Cada momento preenchido pela rotina, mas ela permanecia lá, como um borrão constante no fundo de seus pensamentos. se surpreendia ao perceber que, mesmo sem nunca terem trocado uma palavra, ela tinha um lugar ali, na confusão de sua mente.
Quando o dia finalmente terminou e ele saiu da universidade, o céu já estava escurecendo, e o pensamento inevitável o atingiu: será que a encontraria na estação?
acordava cedo, pouco depois do amanhecer, para começar sua rotina. Ela dividia o apartamento com uma amiga, que geralmente já havia saído para o trabalho antes que ela tivesse sequer levantado. O silêncio da manhã lhe dava um raro momento de paz. Ela preparava um café forte, sentava-se na pequena mesa da cozinha, e organizava mentalmente as tarefas do dia: aulas na universidade, algumas horas de estágio em uma editora local, e, se sobrasse tempo, uma parada rápida na biblioteca.
Seu curso de literatura preenchia a maior parte de sua rotina. Na maioria das vezes, ela se perdia entre páginas e páginas de textos, tanto nos livros que lia para as aulas quanto nos manuscritos que revisava como estagiária. Havia uma beleza naquele trabalho minucioso e solitário que ela amava, uma espécie de tranquilidade que a fazia se sentir em casa, mesmo nas movimentadas ruas de Tóquio.
Quando o sol começava a se pôr e o expediente na editora terminava, aproveitava a viagem de trem de volta para relaxar, às vezes observando as luzes da cidade pela janela ou se perdendo em pensamentos. Era nesse horário que ela costumava ver aquele rapaz na estação, com os grandes fones sobre os ouvidos e um olhar que parecia perdido, mas atento. Ele era apenas uma face familiar em meio a tantas, mas, com o tempo, havia algo reconfortante em vê-lo ali.
E assim, entre o frenesi do dia e o silêncio da noite, seguia sua rotina, sem saber que sua presença estava despertando as mesmas questões que ela, às vezes, fazia sobre ele.
Naquela noite, aguardava o trem na estação de Akihabara como de costume, o fluxo de passageiros se movendo apressado ao seu redor. Ele tentava parecer distraído, mas estava atento, os olhos discretamente buscando entre as pessoas. E então, como se surgisse do meio das luzes da estação, ela apareceu.
estava ali, segurando a alça da bolsa com uma mão e o caderno com a outra. Seu olhar parecia perdido em pensamentos, até que, em um instante, seus olhos encontraram os dele. Foi um momento breve, um segundo suspenso no ar, mas que pareceu se alongar no tempo. Os dois pararam, presos em um silêncio cheio de palavras não ditas, uma troca de olhares carregada de um reconhecimento quase íntimo, como se já se conhecessem.
sentiu o coração acelerar, surpreso com a intensidade do olhar dela, que sustentou o dele com uma mistura de curiosidade e leveza. Havia algo ali, um entendimento silencioso, que nenhum dos dois ousava interromper. Ele quase sorriu, um reflexo inconsciente de se sentir notado, e viu o canto dos lábios dela se levantar, um sorriso tímido e sutil.
Mas antes que ele pudesse reagir, o trem dela chegou. desviou o olhar, e com um último aceno quase imperceptível, entrou no vagão. permaneceu ali, observando as portas se fecharem, com a sensação de que algo pequeno, mas importante, acabara de acontecer.
— Por que eu me esqueci de carregar justo hoje, com essa chuva terrível? — murmurou para si mesma, guardando os fones inutilmente na bolsa.
A tempestade lá fora parecia apenas piorar, as gotas grossas de chuva batendo com força contra os telhados e os vidros da estação. suspirou, ajustando o guarda-chuva molhado que segurava. A estação estava incomumente tranquila. Talvez fosse o barulho constante da chuva ou o clima pesado, mas algo parecia diferente naquela noite.
Ela olhou ao redor e percebeu que, ao contrário do habitual, a plataforma estava quase vazia. Geralmente, as noites eram um mar de pessoas correndo, falando, rindo ou apenas apressadas para pegar o último trem. Hoje, havia apenas algumas figuras dispersas, os sons abafados pelo rugido distante dos trovões.
“Será que os trens estão atrasados por causa da chuva?” Ela pensou, seu olhar automaticamente indo para o painel eletrônico. Nada de alarmante, mas a ansiedade típica começou a surgir. A chuva era torrencial o suficiente para causar atrasos, e a ideia de passar mais tempo ali a deixou inquieta.
se sentou em um dos bancos metálicos, cruzando os braços para afastar o frio que parecia penetrar até seus ossos. Seus olhos vagaram distraidamente pelo ambiente, até que, de repente, pararam em uma figura familiar.
Ele estava lá novamente. Os fones grandes sobre os ouvidos, a postura um tanto relaxada, e aquele jeito de quem parecia sempre absorto em um universo particular. A chuva fazia parecer que tudo ao redor estava em câmera lenta, e, por um instante, esqueceu sua irritação.
tentou desviar os olhos assim que percebeu quem ele era, mas não conseguiu. Havia algo nele que sempre prendia sua atenção, algo que ela ainda não conseguia explicar.
Ele parecia completamente alheio ao caos lá fora, perdido em seus próprios pensamentos ou talvez na música que ouvia nos fones enormes. A postura despreocupada contrastava com o ambiente pesado da estação. Enquanto todos pareciam ansiosos para escapar da chuva, ele estava ali, imóvel, como se tivesse todo o tempo do mundo.
Ela o observou com cuidado, sem querer ser notada. Ele tinha um jeito peculiar de carregar a mochila, uma alça pendurada no ombro enquanto a outra balançava livremente. As mãos estavam enfiadas nos bolsos do casaco, e ele mantinha o olhar fixo em algum ponto distante, como se o universo inteiro pudesse se resumir àquele momento.
“Ele sempre parece tão tranquilo...” pensou , mordendo de leve o lábio inferior. Uma curiosidade crescente começou a tomar conta dela. Quem ele era? O que ouvia nos fones que parecia transportá-lo para outro mundo? Ele era um estudante como ela ou trabalhava?
Seu olhar deslizou para o tênis dele, desgastado nas laterais, e para a forma como ele ajustava o pé no chão, batendo levemente a ponta no ritmo de algo que provavelmente tocava nos fones. Era um gesto tão pequeno, mas que, de alguma forma, ela achou fascinante.
“Por que estou tão interessada em alguém que nem sei o nome?” A pergunta ecoou em sua mente, mas ela não tinha uma resposta. Talvez fosse o mistério, a familiaridade estranha de vê-lo quase todos os dias na estação. Ou talvez fosse apenas o fato de que, em meio à multidão de rostos apressados de Tóquio, ele parecia diferente.
A chuva aumentou lá fora, e ela estremeceu ao ouvir o som de um trovão próximo. Ele, no entanto, não pareceu reagir, apenas continuou no mesmo lugar, como uma figura inabalável em meio à tempestade.
Sem perceber, deixou escapar um pequeno sorriso. Havia algo quase reconfortante em sua presença.
deu uma olhada no relógio do celular. O ponteiro já passava do horário habitual, o que o fez franzir levemente a testa. Aquele era o momento em que, geralmente, ela já estava ali, próxima à mesma extremidade da plataforma, esperando seu trem.
Com um movimento quase automático, seus olhos começaram a percorrer a estação. Apesar da chuva forte, não demorou muito para que ele a encontrasse.
Ela estava sentada em um dos bancos metálicos, com os braços cruzados e uma expressão que oscilava entre aborrecimento e distração. O cabelo, ligeiramente úmido nas pontas, dava a ela um ar casual que ele não sabia que achava tão cativante.
Sem perceber, fixou o olhar nela por tempo demais. E então aconteceu… Como se sentisse sua atenção, ergueu a cabeça, e seus olhos se encontraram.
Por um instante, o barulho da chuva, o som abafado das conversas distantes e até o eco dos passos pela estação desapareceram. Era apenas o olhar dela preso ao dele, como se o tempo tivesse decidido parar ali, só para os dois.
não desviou imediatamente, e isso pegou de surpresa. Havia algo no olhar dela que parecia desafiador e curioso ao mesmo tempo, como se ela estivesse tentando decifrar os pensamentos dele.
Ele sentiu o coração acelerar, um nervosismo repentino o atingindo. A troca de olhares parecia durar mais do que deveria, como se os dois estivessem esperando quem desviaria primeiro.
Por fim, piscou, como se acordasse de um transe, e virou ligeiramente o rosto, mas não antes de deixar escapar um sorriso breve e tímido. , por sua vez, se pegou sorrindo de volta, sem pensar.
A chuva continuava a martelar os vidros da estação, mas, para ambos, aquele momento havia sido a verdadeira tempestade.
desviou o olhar rapidamente, voltando a encarar a plataforma à sua frente. O brilho dos trilhos molhados pela chuva refletia a luz fraca dos postes, criando um efeito hipnótico. Ele respirou fundo, tentando retomar o controle dos próprios pensamentos, mas o nervosismo insistente ainda estava ali, apertando seu peito de forma inesperada.
Ele esfregou a nuca com uma das mãos, um gesto inconsciente de desconforto, e então olhou para os telões suspensos acima da plataforma. Os anúncios rotativos estavam lá como sempre, mas agora o aviso de "atrasos devido às condições climáticas" piscava em vermelho vibrante, confirmando o que ele já imaginava.
“Ótimo. Como se essa noite já não fosse suficiente,” pensou, soltando um suspiro baixo. Seu olhar retornou ao painel eletrônico, como se checar os horários várias vezes pudesse magicamente fazer o trem chegar mais cedo.
No entanto, ele sabia que sua impaciência não era só sobre o atraso. Ele ainda sentia o peso daquele encontro visual. Cada vez que fechava os olhos por um segundo, parecia reviver a intensidade do olhar dela preso ao dele. A forma como ela não desviou de imediato, o pequeno sorriso... tudo isso ecoava em sua mente como um filme sendo reproduzido repetidamente.
deu mais um passo à frente, posicionando-se mais perto da borda da plataforma, mas mantendo uma distância segura. Seus olhos tentaram focar no escuro do túnel à frente, como se o trem pudesse surgir a qualquer momento para livrá-lo do turbilhão de pensamentos.
Ele respirou fundo novamente, os dedos tamborilando no cabo da mochila. O som abafado da chuva contra o telhado da estação continuava, trazendo consigo uma estranha mistura de calmaria e tensão.
Mas, mesmo enquanto tentava se concentrar na chegada do trem, ele sabia que seus pensamentos continuariam voltando para ela.
suspirou e se deixou cair no banco de metal, cruzando as pernas e tirando o celular do bolso. A tela se acendeu, e ela passou os olhos pelas notificações acumuladas. Nenhuma parecia interessante o suficiente para prender sua atenção, mas mesmo assim abriu um aplicativo qualquer, tentando, inutilmente, se distrair.
Enquanto o dedo deslizava pela tela, sua mente insistia em vagar. Não importava o quanto tentasse focar nos posts ou nas mensagens, sua atenção sempre acabava desviando para ele.
Sem levantar totalmente a cabeça, ela olhou por cima do celular. Ele ainda estava parado próximo à beira da plataforma, o olhar perdido, aparentemente fixo no túnel à frente. O jeito como ele mexia distraidamente no cabo da mochila chamou sua atenção, um movimento pequeno, mas que parecia carregar consigo uma ansiedade que ela reconhecia.
“Será que ele está tão impaciente quanto eu?” pensou, um sorriso mínimo surgindo em seus lábios antes de voltar o olhar para o celular, como se tivesse medo de ser pega no ato.
Do outro lado, também estava inquieto. Ele se forçava a olhar para o túnel, para os telões, para qualquer coisa que não fosse a garota no banco. Mas era inevitável. Quase como um ímã, seus olhos voltavam para ela, mesmo sem querer.
Ele percebeu que ela mexia no celular, o polegar deslizando distraído pela tela. O leve franzir de suas sobrancelhas e o jeito como mordia o canto do lábio inferior indicavam que ela estava incomodada com algo — ou talvez apenas entediada.
Então, como se pressentisse, ela ergueu o olhar novamente. Seus olhos se encontraram por um breve momento, e ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha.
desviou rapidamente, mas não rápido o suficiente para esconder o leve rubor que subiu às suas bochechas. Ela voltou o foco para o celular, mas seu coração batia mais forte, e ela sabia que ele havia notado.
, por outro lado, sentiu uma onda de nervosismo misturada com curiosidade. Ele não sabia o que aquela troca de olhares significava, mas algo dentro dele dizia que talvez aquela noite fosse mais do que apenas um atraso nos trens.
E assim, entre olhares furtivos e silêncios compartilhados, a chuva continuava caindo do lado de fora, enquanto algo inexplicável parecia começar a surgir entre os dois.
Ela guardou o celular no bolso e olhou ao redor. A estação estava vazia, mas algumas lojas ainda estavam abertas. “Pelo menos isso,” pensou, decidindo procurar algo para comer enquanto esperava o trem.
Do outro lado, também notava o aviso nos telões. Ele soltou um som abafado de frustração, coçando a nuca enquanto sentia seu estômago vazio começar a reclamar. A ideia de buscar algo para comer parecia uma boa distração enquanto o tempo passava, então ele seguiu para uma das pequenas lojas da estação.
Os dois caminharam em direções diferentes, mas acabaram escolhendo a mesma loja, uma pequena cafeteria que ainda mantinha as luzes acesas apesar do horário.
Quando entrou, notou que não estava sozinha. já estava parado no balcão, examinando as opções no menu iluminado acima do caixa. Ela hesitou por um segundo, mas a fome falou mais alto. Com passos cuidadosos, posicionou-se ao lado dele, tentando ignorar a estranha coincidência.
O atendente, um jovem com um avental azul, perguntou primeiro a o que ele gostaria de pedir. Antes mesmo de ele terminar de responder, sentiu um movimento ao seu lado e, quando olhou, viu ali, tão próxima que ele pôde notar os pequenos detalhes — os cílios longos, o brilho leve do cabelo ainda úmido, e o jeito como ela segurava a bolsa com força contra o corpo.
Por um segundo, ele esqueceu completamente o que estava pedindo.
, percebendo o olhar dele, se virou lentamente, encontrando os olhos de mais uma vez. A surpresa estava estampada nos rostos de ambos, mas, dessa vez, havia também um toque de diversão no canto dos lábios dela, como se estivesse prestes a rir da situação.
— Você de novo… — ela murmurou, mais para si mesma do que para ele, mas alto o suficiente para que ouvisse.
Ele piscou, um pouco sem jeito, e abriu um sorriso contido.
— Parece que sim… — respondeu, a voz baixa, mas carregada de um tom amigável.
Ambos ficaram em silêncio por um momento, até que o atendente chamou novamente, trazendo-o de volta à realidade. Ele completou o pedido rapidamente, ainda sentindo o peso da presença dela ao seu lado.
Quando foi a vez de fazer o pedido, ela lançou um último olhar para ele antes de se virar para o atendente, notando que ainda havia um leve sorriso nos lábios de enquanto ele se afastava para esperar seu pedido.
Era uma coincidência, mas, ao mesmo tempo, não parecia ser apenas isso.
Ela parecia nervosa. A forma como mexia na alça da bolsa, passando-a de um ombro para o outro, e o jeito como seu olhar vagava pela cafeteria sem nunca realmente se fixar em nada denunciavam sua inquietação.
Heesung notou o leve rubor nas bochechas dela, e isso o fez sorrir involuntariamente. Era um contraste interessante com a imagem segura que ela parecia carregar antes, enquanto mexia no celular ou sentava-se na plataforma.
Ele tentou não encará-la descaradamente, desviando o olhar sempre que ela parecia se virar na direção dele, mas não conseguia evitar espiar de tempos em tempos. Algo nele estava intrigado por ela — pelo jeito como parecia tão próxima e, ao mesmo tempo, inalcançável.
Já sentia como se estivesse sendo observada, embora evitasse confirmar isso olhando diretamente para ele. Seu coração ainda batia rápido, e ela odiava como parecia óbvio que estava sem jeito.
“Por que ele ainda está aqui?” pensou, mordendo o canto do lábio enquanto fingia ler um cartaz na parede. Ela sabia que era uma pergunta tola — afinal, ele também estava esperando o pedido. Mas, mesmo assim, o simples fato de que ele ainda estava ali, tão próximo, a deixava estranhamente consciente de cada movimento que fazia.
Um pequeno ruído de pratos vindo da cozinha a trouxe de volta ao presente, e ela deu um passo para o lado, ajustando a bolsa novamente. No entanto, ao fazer isso, acabou lançando um olhar rápido na direção dele — e foi o suficiente para que seus olhos se encontrassem mais uma vez.
Dessa vez, não desviou. Seu sorriso foi discreto, quase imperceptível, mas estava lá. E, apesar de sua vergonha, sentiu os cantos dos lábios se curvarem minimamente em resposta antes de voltar o olhar para o chão, fingindo interesse no azulejo abaixo de seus pés.
Heesung ergueu a mão ligeiramente, caminhando até o balcão para pegar o pedido. Ele agradeceu educadamente e olhou ao redor, notando que o pequeno local estava quase vazio. Escolheu uma mesa próxima à parede, onde poderia observar o movimento da chuva pelas janelas, mas não muito distante da entrada.
Ele se sentou, ajustou a bandeja na mesa e abriu a tampa do copo para soprar o vapor que subia da bebida quente. Seus olhos, porém, voltaram automaticamente para o balcão, onde ainda esperava pelo pedido.
— Pedido 33… — O atendente anunciou pouco depois.
pegou sua bandeja e olhou ao redor. Seus olhos pousaram em Heesung quase no mesmo instante, e ela percebeu que ele também estava olhando para ela. Ele desviou rapidamente, fingindo concentrar-se em mexer na bebida, mas a troca de olhares foi o suficiente para acelerar o coração dela.
Havia várias mesas vazias no pequeno espaço. Ela poderia facilmente escolher qualquer uma longe o suficiente para evitar mais constrangimentos. Era o lógico a se fazer. Mas, ao mesmo tempo, havia algo que a puxava na direção dele.
Ela apertou a alça da bolsa, mordendo o lábio enquanto ponderava. Sentar-se com ele não fazia sentido nenhum — eles eram completos estranhos, apenas duas pessoas que se esbarravam frequentemente na estação. Mesmo assim, a ideia de se sentar sozinha parecia... errada.
“Você está sendo ridícula,” pensou, mas, ao mesmo tempo, seus pés hesitavam em mover-se para outro lugar. A ideia de ignorar completamente aquele momento parecia quase como desperdiçar uma oportunidade que ela nem sabia explicar.
Heesung, sentindo a hesitação dela, levantou o olhar mais uma vez, e seus olhos se encontraram de novo. Desta vez, ele não tentou disfarçar. Ele apenas a observou, com uma expressão calma, quase como se estivesse esperando para ver o que ela faria.
O que faria agora?
As mãos dela suavam levemente de nervosismo e nem ela havia entendido aquele impulso.
Assim que se sentou, percebeu a intensidade do momento. Seus olhos encontraram os de diretamente, e, por um breve instante, nenhum dos dois desviou. Era como se aquele olhar dissesse tudo o que as palavras não conseguiam naquele momento — surpresa, curiosidade, hesitação e, acima de tudo, uma conexão silenciosa.
O tempo pareceu se estender, mas, eventualmente, abaixou o olhar, focando na bandeja à sua frente. Seus dedos ainda estavam um pouco trêmulos quando ela pegou o copo com ambas as mãos, tentando esconder o nervosismo.
, por outro lado, permaneceu observando-a por mais alguns segundos antes de finalmente pegar seu próprio sanduíche. Ele não disse nada, apenas desviou o olhar casualmente para a janela, como se tentasse tornar a situação menos estranha.
E então, sem que combinassem, começaram a comer em silêncio.
O único som entre eles era o leve tilintar dos copos ao serem colocados de volta na mesa e o murmúrio distante da chuva lá fora. Nenhum dos dois sabia exatamente o que dizer, mas, de alguma forma, o silêncio não parecia sufocante. Era diferente.
, ainda sem entender completamente o porquê de estar ali, brincava com o guardanapo entre os dedos, enquanto mordia distraidamente o sanduíche. De vez em quando, seus olhos se erguiam, apenas para flagrar fazendo o mesmo — observando-a em silêncio antes de rapidamente desviar o olhar de volta para a comida.
Era estranho. Mas, ao mesmo tempo, parecia certo.
E assim, sem nenhuma palavra trocada, apenas compartilhando um espaço, uma refeição e uma presença, eles ficaram ali.
Juntos.
O coração de batia apressadamente dentro do peito enquanto ele tentava fingir uma normalidade que ele sabia não existir. Era a primeira vez que os dois ficavam tão perto assim, frente a frente. Ele se permitiu observá-la melhor enquanto ela comia e desviava os olhos dele sempre que eles se encontravam. também, não queria parecer um maníaco.
tentou manter o olhar casual, como se estivesse apenas perdido em pensamentos enquanto comia, mas a verdade era que ele não conseguia ignorá-la.
Agora que estavam tão próximos, ele podia observar melhor os detalhes do rosto de . Seus olhos tinham um brilho sutil sob a iluminação suave da pequena cafeteria, e, mesmo enquanto desviavam dele repetidamente, carregavam algo cativante — uma mistura de hesitação e curiosidade.
Ele notou como os cílios dela tremiam levemente sempre que abaixava o olhar, como se tentasse se concentrar na refeição, mas fosse incapaz de ignorar completamente sua presença. As bochechas dela tinham um leve tom corado, talvez pelo frio lá fora ou pelo desconforto da situação inesperada. E seus lábios, levemente úmidos pelo café quente que ela acabara de beber, moviam-se de forma hesitante antes de cada mordida no sanduíche.
Era engraçado. Eles já haviam se visto tantas vezes, esbarrado na estação, trocado olhares rápidos entre um vagão e outro. Mas ali, sob aquela luz mais intimista e sem a pressa do metrô, ela parecia diferente. Mais real. Mais bonita.
Ele sentiu o coração bater mais rápido ao se dar conta disso.
Sem perceber, seus olhos baixaram para as mãos dela, que brincavam com o guardanapo dobrado, uma clara demonstração de nervosismo. Por algum motivo, aquilo fez esboçar um sorriso discreto.
Ela estava tão nervosa quanto ele.
Isso o fez relaxar um pouco, embora ainda não tivesse ideia do que dizer.
Ele poderia simplesmente quebrar o silêncio agora. Fazer um comentário qualquer sobre a chuva, sobre o atraso dos trens, sobre o fato de que, por alguma razão, os dois estavam ali, dividindo uma refeição sem nem ao menos se conhecerem.
Mas, por algum motivo, ele hesitou.
E então, como se atraído por uma força invisível, ele a olhou novamente. E dessa vez, não desviou.
Nem ela sabia mais uma vez de onde havia saído aquela coragem. Heesegung pigarreou, parecendo pego de surpresa pela interação repentina e quis que um buraco se abrisse debaixo de sua cadeira.
piscou algumas vezes, processando o fato de que, depois de tantas trocas de olhares silenciosas, ela havia finalmente falado com ele.
A voz de era mais suave e fina do que ele imaginava, mas, ao mesmo tempo, tinha um certo peso que ele não esperava. Por algum motivo, ele pensava que seria um pouco mais grave, talvez porque sempre a via séria, com fones enormes nos ouvidos e um olhar distante. Mas ali, naquele tom baixo e hesitante, havia algo diferente. Algo que fez o coração dele bater mais forte.
Ele pigarreou, ajeitando-se sutilmente na cadeira, como se estivesse tentando se recompor antes de responder.
— Hm… sim — ele finalmente disse, a voz saindo um pouco mais rouca do que pretendia. — Parece que vai demorar mais do que esperávamos.
olhou para o telão novamente, como se precisasse confirmar a informação, mas, na verdade, estava apenas tentando se distrair da súbita consciência de que eles estavam, de fato, conversando.
Quando voltou a encará-la, assentiu de leve e baixou os olhos para sua xícara de café, brincando com a alça do copo. Ela parecia tão incerta quanto ele.
Por um instante, considerou dizer mais alguma coisa, puxar outro assunto, tentar prolongar aquele momento de interação. Mas, ao mesmo tempo, ele se perguntava se deveria.
Então, sem perceber, ele fez algo que nunca tinha feito antes: sorriu de leve.
Nada grande, nada óbvio. Apenas um pequeno sorriso, quase imperceptível, mas que estava lá.
E quando finalmente levantou os olhos e o viu, ela pareceu prender a respiração por um segundo.
— Eu gosto de chuvas, mas tempestades assim podem ser assustadoras, não é?
Assim que as palavras saíram de sua boca, arregalou os olhos, surpresa com o próprio comentário.
Ela nem tinha pensado antes de falar. Apenas abriu a boca e disse.
Como se aquele pensamento, que deveria ter ficado dentro da sua mente, tivesse simplesmente escapado por vontade própria.
Seu coração acelerou, e ela quis se encolher no lugar. Por que ela disse aquilo? Era uma frase tão aleatória, tão sem contexto, que de repente pareceu ridículo.
Se tivesse como voltar no tempo, ela definitivamente se impediria de falar qualquer coisa.
Por reflexo, abaixou a cabeça e apertou um pouco mais a alça da xícara entre os dedos. Seu rosto esquentou, e ela sentiu uma vontade absurda de fingir que nada aconteceu.
Mas , ao contrário do que ela temia, não pareceu achar estranho.
Ele a observou por um momento, reparando no jeito como ela agora evitava encará-lo.
Foi aí que percebeu algo curioso: ela parecia ser impulsiva quando estava nervosa.
Assim como ele.
E, por alguma razão, aquilo o fez relaxar um pouco.
— Sim… — ele finalmente respondeu, olhando para a grande janela do estabelecimento, onde a chuva castigava as ruas com violência. — Tempestades são imprevisíveis. Acho que esse é o problema.
Ele virou o rosto para encará-la novamente e, dessa vez, o olhou de volta, meio hesitante.
— Mas, às vezes, até coisas assustadoras podem ter seu lado bom.
Ela franziu ligeiramente a testa, como se ponderasse o que ele quis dizer com aquilo.
não explicou.
Apenas voltou a beber seu café, como se não tivesse acabado de falar algo que, ironicamente, também tinha saído mais como um pensamento em voz alta do que como uma resposta ensaiada.
E, pela primeira vez desde que aquela noite começou, sentiu os cantos dos lábios ameaçarem se curvar em um sorriso.
Ou talvez fossem como um doce tradicional, daqueles que derretem na boca e deixam um gosto viciante para quem prova.
piscou, afastando o pensamento antes que ele pudesse ir longe demais.
Mas, ainda assim, não conseguiu evitar que seus olhos permanecessem ali por mais um instante, preso na ideia de como seria sentir aqueles lábios de perto.
Sentindo que era a vez dele puxar algum assunto, resolveu perguntar mais diretamente:
— Está voltando do trabalho? — foi a vez dele brincar com o guardanapo, mas sem deixar de olhar para ela.
assentiu que sim e ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Sim. E eu estou tentando ir para a faculdade, mas acho que não vou conseguir chegar a tempo. Isso se as aulas não forem canceladas.
— Provavelmente, a tempestade parece não ter hora para passar.
Os segundos em que se encararam pareceram mais longos do que realmente eram. Havia algo intrigante no silêncio entre os dois, como se ambos estivessem esperando que o outro dissesse algo a mais.
foi a primeira a se mover, desviando os olhos e soltando um suspiro baixo antes de pegar sua bandeja. observou o gesto, sentindo um pequeno desconforto no peito que ele não soube explicar de imediato.
Quase como um reflexo, ele também pegou sua própria bandeja, acompanhando o movimento dela.
Quando se aproximaram da área de descarte, seus ombros quase se tocaram. Por um instante, sentiu o perfume suave dela misturar-se ao cheiro de café e chuva que impregnava o ambiente.
E então, sem que nenhum dos dois soubesse o que fazer a seguir, ficaram ali, lado a lado, enquanto a tempestade continuava rugindo lá fora.
— Eu me chamo … — ela estendeu a mão levemente na direção dele, ainda com medo da reação dele.
observou a mão dela erguida de forma tímida em sua direção e ele, engolindo seco de nervosismo, ergueu a sua também e encostou na dela.
— .
Os dedos de eram finos e frios, provavelmente por causa do vento úmido que vinha da rua. O toque foi breve, mas sentiu um leve arrepio subir por sua nuca, como se a pele dela tivesse deixado um rastro invisível sobre a sua.
Para , a mão dele era quente, contrastando com a sua própria. O toque firme, mas hesitante, fez um nó de ansiedade se formar em seu estômago. Não era nada demais, apenas um cumprimento, mas a simples sensação da pele de contra a sua fez seu coração dar um salto estranho dentro do peito.
Quando soltaram as mãos, ambos pareceram respirar ao mesmo tempo, como se tivessem prendido o ar sem perceber.
E, por um instante, foi como se o barulho da tempestade e da estação ao redor tivesse desaparecido completamente.
Os dois continuaram se encarando profundamente durante mais alguns segundos, até que alguém querendo usar a lixeira também, acabou pigarreando e então, como se tirados de um transe, eles se moveram juntos, voltando para a mesa onde antes estavam sentados.
Ambos recolheram suas mochilas, colocando-as nas costas, e juntos, lado a lado, saíram da cafeteria, encarando o caos que a estação havia se transformado enquanto tomavam seus cafés.
A estação, antes relativamente tranquila, agora estava um completo caos. A multidão crescia a cada minuto, com passageiros frustrados tentando se proteger da chuva torrencial que batia contra a entrada principal. Algumas rajadas de vento faziam com que gotas invadissem o interior da estação, encharcando partes do piso e obrigando as pessoas a se aglomerarem nos poucos espaços secos.
Anúncios constantes ecoavam pelos alto-falantes, informando novos atrasos e cancelamentos, enquanto algumas telas piscavam, sobrecarregadas com atualizações. O som da chuva forte misturava-se ao burburinho de conversas impacientes e ao farfalhar de guarda-chuvas sendo fechados e sacudidos.
Perto das plataformas, algumas pessoas sentavam-se no chão, resignadas à espera, enquanto outras tentavam, sem sucesso, conseguir informações com funcionários sobre quando poderiam seguir viagem.
e trocaram um olhar antes de voltarem a observar a movimentação intensa ao redor. O calor do momento entre eles havia sido substituído pelo frio do ambiente úmido e pelo peso da realidade. Eles estavam presos ali, sem previsão de saída.
estava absorvendo o caos ao seu redor quando sentiu algo quente envolver sua mão. Seu coração deu um salto quando percebeu que era .
Sem dizer uma palavra, ele a puxou delicadamente, guiando-a por entre a multidão. O toque não era forte o suficiente para ser considerado urgente, mas também não era fraco o bastante para dar espaço a hesitações. Era seguro, decidido.
Ela deixou que ele a conduzisse, desviando das pessoas apressadas, das poças d’água espalhadas pelo chão e dos olhares curiosos. A chuva batia com força contra os vidros da estação, e o ar abafado carregava o cheiro de umidade e café recém-passado.
Aos poucos, os sons ensurdecedores da estação pareciam se afastar, substituídos por um silêncio quase confortável. só parou quando encontrou um canto mais tranquilo, próximo a uma das janelas grandes, onde o movimento era menor.
Soltando a mão dela devagar, ele se virou, como se tentasse confirmar que aquele era um lugar melhor para esperarem. Mas nem se importava com isso agora. Tudo o que conseguia pensar era no calor que ainda sentia na palma da mão.
— Um pouquinho longe do caos… você é coreana? Tem um sotaque…
Ele fez um gesto como se aquela observação fosse só alguma nota casual, não queria parecer que estava reparando em tudo sobre ela. Mas deixou um sorriso escapar quando percebeu que ele havia reparado em um detalhe que poderia ter passado despercebido por qualquer outra pessoa.
— Sou de Seul, mas moro aqui no Japão há cerca de três anos. E você? Também parece ser coreano, pelo nome.
deslizou as alças da mochila para fora dos ombros com um movimento leve, sentindo o peso aliviar. Com cuidado, abaixou-se um pouco e a colocou no chão, bem ao lado de seus pés, garantindo que ficasse próxima o suficiente para não atrapalhar ninguém que passasse por ali.
Ao se endireitar, ajeitou rapidamente a barra da blusa e voltou a encará-lo, esperando sua resposta.
— Eu sou de Daegu e já moro aqui há algum tempo. Engraçado, não é? Dois coreanos se cruzando todos os dias em um país estrangeiro, sem nunca terem trocado uma palavra até agora…
encarou os olhos escuros dele que pareciam brilhar com algo que ela não conseguiu nomear muito bem, e as palavras dele lhe tocaram profundamente, tanto que seu coração voltou a saltar dentro do peito.
— Curioso, para dizer no mínimo. E porque o Japão?
Ela cruzou os braços abaixo do peito, genuinamente curiosa e ainda sem acreditar que finalmente os dois estavam conversando.
passou a mão pela nuca, como se organizasse os pensamentos antes de responder.
— Sempre fui fascinado pela cultura japonesa, sabe? Desde criança, eu assistia animes e lia mangás, mas com o tempo, meu interesse foi crescendo. Comecei a estudar o idioma, aprender mais sobre a história e os costumes… Então, quando surgiu a oportunidade de estudar e trabalhar aqui, eu não pensei duas vezes.
Ele soltou um pequeno riso, como se lembrasse de algo.
— Meu plano inicial era ficar só por um tempo, mas acabei gostando mais do que imaginava. E você? O que te trouxe para cá?
sorriu de leve ao ouvir a explicação dele.
— No meu caso, foi um pouco diferente. Eu sempre quis sair da Coreia, buscar algo novo, ser independente de verdade. Então, quando surgiu a oportunidade de estudar aqui, eu simplesmente fiz as malas e vim.
Ela fez uma breve pausa, olhando para o chão como se refletisse sobre suas próprias palavras antes de voltar a encará-lo.
— No começo, foi assustador, claro. Estar sozinha em um país diferente, sem família por perto… Mas depois, percebi que era exatamente disso que eu precisava. Construir minha própria vida, fazer minhas escolhas sem depender de ninguém.
Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios, quase nostálgico.
— E agora, estou terminando minha graduação em Literatura. No começo, parecia loucura deixar tudo para trás e recomeçar em um país diferente, mas, olhando para trás, acho que foi a melhor decisão que já tomei. Aqui, pude realmente me encontrar, descobrir o que quero para o meu futuro sem a sombra das expectativas da minha família.
voltou a arregalar os olhos. Porque ela estava se abrindo e despejando aquilo tudo para um estranho? Aliás, porque ela sentia que não parecia um estranho?
— Desculpe. — Ela levou uma das mãos aos lábios, cobrindo-os.
riu baixinho, achando-a graciosa sem nem se dar conta. Havia algo genuíno na maneira como ela se expressava, como se cada palavra fosse carregada de verdade.
— Pelo quê? — ele inclinou levemente a cabeça, os olhos curiosos e divertidos. — Estou adorando.
— Eu não costumo ser tão falante assim, não sei o que me deu.
balançou a cabeça, como se estivesse repreendendo a si mesma e voltou a assegurar que estava tudo bem.
— Nós dois estamos presos aqui, a chuva lá fora não para, então eu não vejo problema nenhum em nos conhecermos melhor. Se te faz ficar mais confortável, eu também estou me graduando, mas em Engenharia da Computação, pela Universidade de Tóquio. E também tive que aprender a me virar sozinho, mesmo achando que seria impossível. Eu estou muito feliz aqui em Tóquio.
deixou um sorriso sincero escapar dos lábios enquanto repetia o mesmo gesto dela de deslizar as alças da mochila para fora dos ombros colocando-a no chão.
— Me mudando para cá eu descobri que não gosto só de tecnologia, sabe? Aqui tudo é tão bonito e urbano que acabei me tornando fotógrafo amador.
ficou visivelmente surpresa, os olhos brilhando com o que ele dizia. Ela soltou um pequeno "uau", admirada.
— Isso é incrível! Eu sempre achei fascinante como as pessoas conseguem transformar coisas do cotidiano em arte. Eu, por exemplo, adoro escrever. Não sou uma grande autora, mas gosto de escrever contos e reflexões. É o meu jeito de organizar os pensamentos, sabe? Às vezes, uma história acaba saindo do nada e eu me perco nas palavras.
Ela sorriu timidamente, um pouco envergonhada com a sinceridade.
Foi quando um estrondo pode ser ouvido, reverberando por toda a estação — um trovão que fez com que as pessoas se assustassem tamanha intensidade. As luzes da estação vacilaram e em poucos segundos basicamente todas elas se apagaram, seguidas de um novo estrondo, que fez se assustar.
O som do trovão fez o coração de disparar, e sem pensar, ele estendeu a mão em direção a . O ambiente escureceu rapidamente, e a única luz que restava era a intermitente das lanternas de emergência, deixando tudo ainda mais tenso. Ele a encontrou no escuro, tocando levemente sua mão antes de puxá-la pela cintura, trazendo-a para mais perto de si. O movimento foi instintivo, uma reação ao medo crescente com o estrondo e o aumento da chuva.
ficou surpresa com o gesto, mas antes que pudesse protestar ou reagir, sentiu seu corpo quase automaticamente se encostar ao dele, as mãos dele firmes ao redor de sua cintura. O som da tempestade, agora mais forte e ensurdecedor, preenchia o espaço. Eles estavam próximos o suficiente para que ela pudesse sentir a respiração dele acelerada.
Ele olhou para ela, uma expressão de preocupação estampada no rosto, mas também algo mais. Algo que ela não conseguia definir. O pânico da situação parecia ter levado a uma nova proximidade entre os dois, como se, por um momento, o mundo lá fora estivesse completamente fora de controle.
— Meu Deus! — ele a ouviu dizer — E agora?
— Eles devem ter geradores de energia, já já a luz deve voltar. — intensificou o aperto na cintura dela conforme o barulho ao redor deles aumentava.
As pessoas começavam a ligar as lanternas de seus celulares e tudo parecia ainda mais caótico do que quando eles saíram da cafeteria.
observou a curva do pescoço de , que estava bem próxima de seu rosto, e então acabou envolvendo a cintura dele com suas mãos também, permitindo-se aconchegar no corpo dele.
O calor do corpo de contra o dela era reconfortante em meio ao caos ao redor. A chuva parecia não dar trégua, e o som do vento contra as paredes da estação fazia com que tudo ao redor se tornasse ainda mais distante. fechou os olhos por um instante, tentando se concentrar na presença dele, no toque firme que ainda a envolvia. Algo ali estava diferente — mais intenso, mais próximo.
Ele a segurava como se quisesse protegê-la do mundo lá fora, e, por mais que ela tentasse não se deixar levar, o conforto daquela proximidade estava começando a ultrapassar qualquer barreira que ela costumava colocar entre si e os outros. Sua respiração se acalmou aos poucos, enquanto ela sentia a batida do coração de perto de sua orelha, como se ambos tivessem se desconectado do mundo real por aquele breve momento.
— Vai ficar tudo bem — ele sussurrou, a voz suave contra o ouvido dela.
não respondeu, mas seu corpo, ainda colado ao dele, parecia entender aquilo como um consolo. O mundo podia estar virado de cabeça para baixo, mas por ali, sob a chuva e o caos, ela sentia que, por algum motivo, tudo ia se ajeitar.
As luzes piscaram mais uma vez, e logo as lâmpadas voltaram, fracas, mas funcionando. As pessoas começaram a se dispersar, voltando à normalidade, mas para e , o que acontecia ali entre eles parecia ser algo só deles.
Finalmente, ela se afastou um pouco, o corpo de ainda perto do seu. Os olhares dos dois se encontraram por um segundo. Não havia mais palavras a serem ditas, pois o que eles sentiam parecia ir além da necessidade de explicações.
E com a chuva lá fora e o trem ainda longe, eles permaneceram ali, quietos, compartilhando um silêncio que os conectava de uma maneira única, enquanto o resto do mundo seguia. Ambos, lado a lado, e o caos da estação já não parecia tão importante assim.
Ainda próximos um do outro, soltou um suspiro leve antes de perguntar, com um tom mais suave:
— Em qual bairro você mora?
demorou um segundo para responder, como se ainda estivesse processando o que acabara de acontecer entre eles.
— Em Setagaya. Perto do Gotokuji Temple. E você?
assentiu lentamente.
— Eu moro em Kōenji, na linha Chūō. Não é tão longe, mas com essa chuva... parece outro continente.
Ela riu, e ele sorriu ao vê-la mais relaxada.
— Setagaya parece um lugar tranquilo — comentou ele.
— É, eu gosto de lá. Bastante residencial, tem muitas árvores. Às vezes me dá a sensação de que estou em outro tempo… você conhece?
— Já passei por lá uma vez ou outra, mas nunca explorei de verdade — respondeu ele, observando-a com atenção. — Agora tenho um bom motivo.
sentiu as bochechas esquentarem, mas não desviou o olhar.
Foi ali, entre anúncios abafados, pingos de chuva que ainda escapavam pelas janelas mal vedadas, e o vai e vem das pessoas retomando suas rotinas, que uma conexão simples começou a ganhar forma.
E, mesmo sem perceberem ainda, tudo começava a deixar de ser coincidência — para virar escolha.
Ainda lado a lado, os dois caminharam lentamente de volta para a plataforma. A chuva lá fora continuava forte, mas o caos inicial já havia cedido espaço a uma inquietação mais controlada. A maioria dos trens ainda estava atrasada, segundo os telões, e o tempo de espera parecia indefinido.
encostou-se a uma das colunas e, ao perceber que hesitava, estendeu a mão em um gesto sutil, como se dissesse "fica aqui comigo." Ela se aproximou sem dizer nada, apoiando-se de leve ao lado dele, observando as luzes trêmulas da estação refletidas nas poças no chão.
— E se os trens não voltarem hoje? — ela perguntou, com um sorriso cansado nos lábios, tentando dar leveza à situação.
— Bom... — ele olhou para ela com um brilho brincalhão nos olhos — aí talvez a gente tenha que dividir um táxi até Setagaya. Ou até Kōenji. A gente joga uma moeda.
riu de verdade dessa vez, jogando a cabeça para trás levemente. Era estranho como se sentia à vontade com alguém que mal conhecia — ou talvez estivesse começando a conhecer, de verdade, agora.
Mas antes que pudesse responder, um alarme agudo soou na estação.
Ambos olharam para os lados, atentos, enquanto uma voz feminina ecoava pelos alto-falantes, desta vez com mais urgência:
“Atenção, passageiros. Por precaução, as plataformas 2 e 3 estão sendo evacuadas temporariamente por conta de um curto-circuito no sistema de energia. Pedimos que todos se dirijam para as áreas de espera da entrada principal.”
e trocaram um olhar rápido. Ele se afastou da coluna, instintivamente estendendo a mão de novo para ela.
— Vem comigo — disse, sério agora, mas ainda calmo.
Ela não hesitou, entrelaçando os dedos nos dele.
— Parece que vamos precisar de um plano B — murmurou ela, enquanto os dois seguiam com a multidão para fora da plataforma.
— Ou talvez isso seja só o universo insistindo para que a gente continue essa conversa em outro lugar — ele respondeu, com um meio sorriso.
E, mais uma vez, como se algo além da coincidência movesse tudo aquilo, eles deixaram a estação juntos, com os passos sincronizados e uma história começando a tomar forma em meio à chuva.
puxou instintivamente para mais perto, tentando protegê-la do vento com o próprio corpo, mas não havia muito o que fazer — em poucos segundos, ambos estavam completamente encharcados.
As ruas em volta da estação estavam tomadas. O trânsito era um mar de luzes vermelhas dos farois, paralisado por engarrafamentos que pareciam não ter fim. Algumas pessoas corriam de um lado para o outro, protegendo-se como podiam com sacolas plásticas ou casacos improvisados sobre a cabeça.
Um grupo de trabalhadores usava lanternas para sinalizar uma árvore caída em uma das vias laterais, o tronco atravessado como se tivesse sido arrancado por pura fúria da natureza. Era o tipo de cenário que só se via em filmes. Mas ali, era real.
olhou em volta, tentando encontrar algum lugar que ainda estivesse aberto, algum abrigo, um toldo, uma entrada de loja, qualquer coisa.
— Vem, por aqui! — ele disse, segurando firme a mão de , a voz mal audível sob o barulho da chuva.
Ela seguiu sem hesitar, os passos apressados, os tênis já encharcados fazendo "splash" a cada poça. As roupas coladas ao corpo e o cabelo escorrendo água a faziam tremer de frio, mas também havia algo de estranho... quase vivo, naquela noite.
Depois de virarem uma esquina, encontraram uma pequena entrada recuada de um prédio comercial — provavelmente um conjunto de escritórios — com um toldo generoso que os protegia da chuva. A porta estava trancada, mas ao menos ali havia um pouco de abrigo.
Ofegantes, molhados da cabeça aos pés, os dois se encostaram na parede fria, ainda de mãos dadas.
olhou para ele com um sorriso cansado, o cabelo grudado no rosto, as bochechas vermelhas pelo frio.
— Isso definitivamente virou o encontro mais esquisito que eu já tive — disse, soltando uma risada incrédula.
a encarou por um momento, o peito subindo e descendo com a respiração pesada. O sorriso dele surgiu devagar, mas cheio de sinceridade.
— Então isso é um encontro? — perguntou, arqueando uma sobrancelha, divertido.
fingiu revirar os olhos, mas não conseguiu conter o riso.
— Não sei... talvez o universo tenha decidido por nós.
Eles ainda tremiam, os corpos encostados na parede, pingando água, o mundo à volta um caos. E ainda assim, nenhum dos dois parecia querer estar em outro lugar.
Ele puxou um pequeno lenço — mais decorativo do que funcional — e, sem pensar muito, se aproximou e o passou com cuidado sobre o rosto dela, afastando os fios molhados que grudavam em sua pele.
— É inútil com toda essa água, mas… — ele murmurou, os olhos fixos nela, o gesto delicado e natural.
segurou o punho dele por um breve momento, fazendo com que ele parasse. O toque de seus dedos sobre a pele fria dele fez prender a respiração. Ela o encarou, os olhos escuros brilhando à luz fraca que escapava da rua.
— Obrigada — disse baixinho, a voz firme apesar do tremor do corpo.
sorriu, um sorriso calmo, mas carregado de algo mais — uma ternura que ela não esperava, mas que a envolvia de um jeito reconfortante.
Eles estavam tão perto agora que podia ver os pequenos pingos escorrendo da ponta do nariz dele, o brilho úmido nos cílios, e o calor que, mesmo através das roupas molhadas, parecia emanar entre os dois.
— Se essa noite não tivesse dado errado de todos os jeitos possíveis… — ela começou, a voz saindo em meio a um suspiro.
— …a gente ainda estaria fingindo que não se vê todos os dias na estação — ele completou, com um meio sorriso.
riu, dessa vez com suavidade, e inclinou um pouco o rosto, como se estivesse tentando decifrar o olhar dele.
— Acho que foi a tempestade mais bonita que já enfrentei — ela sussurrou, surpresa com as próprias palavras, mas sem recuar.
O silêncio que se seguiu foi denso, mas não desconfortável. ergueu a mão devagar, e com um gesto hesitante, afastou mais uma mecha do rosto dela, os dedos deslizando por sua bochecha.
— A minha também — ele respondeu, baixo.
E ali, naquele refúgio improvisado entre prédios e trovões, com as roupas coladas ao corpo e o frio dançando sobre a pele, os dois apenas se olharam, como se todo o resto tivesse ficado do lado de fora da curva do toldo.
Como se o mundo inteiro, por alguns minutos, tivesse se resumido àquele espaço apertado e ao silêncio entre dois corações acelerados.
O toque dele em sua pele foi breve, mas parecia ter deixado um rastro de calor que contrastava com o frio da noite. sentiu seu coração bater mais forte, como se cada batida ecoasse nos ouvidos. Ela não se afastou, mas também não se aproximou mais. Ficou ali, entre o impulso e a cautela.
parecia na mesma frequência. Seu olhar vagava entre os olhos dela e seus lábios, como se lutasse contra algo que também queria muito. A tensão entre eles era quase palpável, uma linha invisível esticada até o limite, prestes a se romper a qualquer segundo.
Mas não se rompeu.
Em vez disso, ele abaixou a mão lentamente, voltando a colocá-la dentro do bolso, como se estivesse se protegendo de um impulso mais forte que ele mesmo.
mordeu o lábio inferior com leveza, desviando o olhar por um segundo, e quando voltou a encará-lo, havia um brilho divertido em seus olhos, como se dissesse: "Eu percebi." O silêncio entre eles agora era carregado de significado. Eles não disseram nada, mas tudo estava ali — no espaço entre os corpos, nos olhares prolongados, nos dedos que se roçaram por acaso quando ela se apoiou na parede ao lado dele.
Mais um trovão ribombou ao longe, como se lembrasse os dois de que ainda estavam no meio de uma tempestade.
— Quando tudo isso passar — disse , com um tom tranquilo, mas cheio de intenção —, a gente continua essa conversa?
assentiu, com um sorriso de canto.
— Continua.
E ali ficaram, ombro a ombro, dividindo o mesmo abrigo e o mesmo silêncio cheio de possibilidades, enquanto a cidade à sua volta continuava a lavar seus excessos sob a chuva, como se abrisse espaço para um novo começo.
encostou um pouco mais na parede, puxando os joelhos até o peito, em um gesto inconsciente de se aquecer. , ainda ao lado dela, ajeitou o corpo devagar, tentando não parecer invasivo, mas também não querendo se afastar.
— Você sempre parece tão... tranquilo. Na estação, quero dizer — ela começou, virando o rosto levemente para ele. — Como se estivesse sempre em paz no meio da confusão.
riu com o comentário, deixando a cabeça encostar na parede atrás de si.
— Engraçado você dizer isso. Eu fico ouvindo música alto demais só pra fingir que estou tranquilo. — Ele olhou para ela de lado. — O metrô, a multidão, os horários... me deixam mais ansioso do que eu gostaria de admitir.
— Achei que só eu fazia isso — ela respondeu, sorrindo com cumplicidade. — Eu finjo que tô lendo ou escrevendo no celular, mas, na verdade, tô só tentando sobreviver até a próxima estação.
Os dois riram juntos, e algo no ar mudou mais uma vez — dessa vez mais leve, mais próximo.
— E o que você escreve? — ele perguntou, curioso.
— Histórias. Algumas bobagens, outras… nem tanto. Às vezes escrevo sobre pessoas que observo. Às vezes sobre mim, mas com nomes falsos — ela disse, com um sorriso pequeno, quase cúmplice. — Inclusive, acho que você já apareceu em alguma nota minha.
ergueu as sobrancelhas, surpreso.
— É mesmo? E o que dizia?
— Que você parecia meio distraído, mas era o tipo de pessoa que provavelmente reparava em mais coisas do que deixava transparecer.
Ele piscou devagar, assimilando o que ouvira. E então sorriu.
— Acho que você acertou.
Por alguns instantes, não disseram nada. Apenas ficaram ali, observando a cidade molhada através da abertura do toldo, enquanto algumas buzinas e o farfalhar das árvores preenchiam o ambiente.
— Eu gosto de escrever porque me faz sentir que entendo o que está acontecendo, mesmo quando não entendo — ela disse mais baixo, agora mais íntima, mais honesta. — Quando escrevo, eu consigo colocar ordem nas coisas.
virou o rosto para ela, os olhos fixos.
— Eu tiro fotos pelo mesmo motivo. É como se, por um segundo, tudo parasse. Como se eu pudesse guardar o mundo do jeito que ele era naquele instante... e tudo fizesse sentido.
o encarou em silêncio, absorvendo cada palavra. E naquele instante, percebeu que havia algo nos dois que se refletia — como espelhos com formatos diferentes, mas que refletiam a mesma luz.
permaneceu em silêncio por alguns segundos após ouvir as palavras dele. Olhou para frente, como se estivesse tentando organizar os próprios pensamentos — e talvez, o próprio coração também.
— Eu escrevi uma vez sobre uma estação de trem — começou, a voz baixa, quase como se estivesse testando a própria coragem. — Era sobre uma garota que sempre embarcava no mesmo horário, no mesmo vagão. Mas ela não ia pra lugar nenhum, só andava em círculos.
virou-se um pouco mais para ela, atento, sem interromper.
— Ela não sabia pra onde estava indo... só sabia que precisava seguir. E todo dia ela se sentava no mesmo banco, perto da janela, e imaginava vidas diferentes para as pessoas ao redor. Famílias que se reencontravam, casais que estavam começando algo, estudantes voltando para casa cansados.
Ela suspirou, o olhar ainda longe.
— E no fundo, ela só queria se sentir parte de alguma dessas histórias. Como se, ao observar, pudesse ser notada também.
ficou em silêncio por um momento, tocado mais do que demonstrava.
— E você se sentia assim também? — ele perguntou com cuidado.
hesitou antes de responder, e então assentiu levemente.
— Às vezes, sim. Quando me mudei pra cá, parecia que todo mundo já tinha um lugar, uma direção. E eu estava ali, tentando fingir que sabia o que estava fazendo, só pra não desmoronar.
não disse nada de imediato. Apenas estendeu a mão devagar, encostando com delicadeza na dela, como se aquele gesto dissesse: eu entendo.
— Você parece forte. Mais do que pensa.
Ela olhou para a mão dele sobre a sua, e depois para os olhos dele. Não havia julgamento ali, nem pena — apenas compreensão.
— Acho que a gente se engana bem, né? — ela disse, com um sorriso pequeno, quase triste. — Mas agora... não parece mais que eu tô andando em círculos.
Ele apertou de leve sua mão, com um meio sorriso.
— Talvez você só tenha encontrado uma nova estação.
O silêncio que veio depois não foi de desconforto — foi daqueles silencios bons, que acolhem.
E ali, mesmo com a chuva ainda presente e o frio grudado na pele, sentiu algo dentro de si aquecer.
ergueu os olhos para o lado de fora do toldo e, depois de alguns segundos em silêncio, disse:
— Acho que tá diminuindo.
assentiu com um olhar esperançoso. O abrigo improvisado tinha sido quase mágico, mas a realidade logo chamaria de volta. Ele se levantou e rapidamente fez a mesma coisa.
— E a estação… deve continuar um caos por um bom tempo — ele completou, franzindo o cenho. — Talvez a gente consiga pegar um ônibus. É mais lento, mas pelo menos sai do lugar.
Ela sorriu, sacando o celular do bolso com dificuldade, já que ainda estava meio úmido.
— Vamos ver o que conseguimos.
Ambos abriram seus aplicativos de transporte e, lado a lado, começaram a procurar rotas. Após alguns minutos analisando as opções, soltou um pequeno suspiro.
— Meu ponto mais próximo é a umas três quadras daqui, na direção oposta da estação. Linha 26.
olhou o próprio trajeto e riu baixinho, quase com ironia.
— O meu é pra lá — apontou na direção contrária à dela. — Claro que seria.
Ela o olhou de lado, com um sorriso nos lábios.
— Bom... acho que é aqui que nos separamos, então.
Mas antes que ela pudesse começar a se mover, balançou a cabeça com leveza.
— Nem pensar. Eu vou com você até o seu ponto.
— Você não precisa — ela começou, mas ele a interrompeu com um olhar firme e gentil.
— Eu sei. Mas quero.
As palavras simples fizeram engolir seco, mais tocada do que queria demonstrar.
— Tá bom... — respondeu baixinho, enquanto pegava sua mochila no chão e ajeitava a alça sobre o ombro.
— Até porque, depois de tudo que a gente passou hoje, te deixar sozinha agora seria quase um crime — ele brincou, oferecendo um sorriso antes de sair debaixo do toldo.
Ela o acompanhou, e os dois caminharam pelas ruas ainda molhadas, desviando de poças e de alguns galhos caídos. A chuva agora era apenas uma garoa leve, que tornava o ar fresco e o silêncio mais confortável.
Ao encontrarem o ponto de ônibus, olhou o letreiro iluminado. Faltavam cerca de oito minutos. Ela se sentou no banco de metal enquanto permaneceu de pé ao lado, apoiado na estrutura do ponto, as mãos nos bolsos e os olhos no horizonte.
— Você realmente não precisava ter vindo — ela disse de novo, quase como um sussurro.
Ele se virou para ela com aquele mesmo sorriso tranquilo que já começava a lhe ser familiar.
— Eu sei.
E foi só isso. Mas era tudo.
Os minutos pareceram passar mais rápido do que esperavam. Sentados no ponto, envoltos pelo silêncio suave da noite encharcada, eles compartilhavam o tipo de quietude que só duas pessoas conectadas de verdade conseguem dividir — aquela em que o silêncio não pesa, apenas conforta.
abraçava a mochila contra o colo, as mãos ainda frias, mas o peito aquecido por dentro. estava sentado ao lado agora, com os ombros levemente inclinados em direção ao dela. Eles ainda estavam úmidos, mas já não se importavam tanto com isso.
— Sabe... — ela murmurou, olhando para frente, sem encará-lo — se alguém tivesse me contado hoje de manhã que eu terminaria o dia assim, eu teria rido.
— Eu também — ele respondeu. — Na verdade, se alguém me dissesse que a tempestade mais caótica do mês me faria conhecer alguém assim... eu teria pedido mais trovões.
virou o rosto devagar, os olhos se encontrando com os dele sob a luz amarelada e trêmula do ponto de ônibus. Um sorriso involuntário tomou seus lábios, e, por um instante, ela apenas o olhou. Sem dizer nada. Sem precisar.
O som do motor do ônibus ao longe interrompeu o momento, mas de forma suave, como se até ele soubesse que não devia ser abrupto. se levantou devagar, os olhos ainda nele, e fez o mesmo.
— Parece que chegou minha carona — ela disse, em um tom leve, mas com uma pontinha de... decepção contida.
— Parece.
Ela ficou ali parada, observando as luzes do ônibus se aproximando, e então se virou para ele uma última vez.
— Obrigada... por tudo hoje.
inclinou levemente a cabeça, o olhar firme, porém suave.
— Foi o melhor acaso da minha semana. Talvez do mês.
O ônibus parou. As portas se abriram com um chiado sutil.
subiu o primeiro degrau, mas antes de se afastar completamente, se virou novamente, agora já dentro do ônibus. Hesitou um segundo.
— Você... vem sempre aqui?
soltou uma risada surpresa, e ela sorriu largamente, claramente satisfeita com a própria ousadia.
— A partir de hoje, com certeza — ele respondeu.
Ela balançou a cabeça, divertida, e entrou por completo, sumindo aos poucos dentro do veículo. ficou parado na calçada, observando o ônibus partir, os olhos fixos na última janela do lado esquerdo, onde ela ainda olhava para ele.
Quando a curva da rua levou o ônibus para longe, ele suspirou fundo e sorriu, sentindo que aquela noite tinha mudado algo. E que, de alguma forma, aquele encontro não terminaria ali.
Não podia.
Estava em casa. Estava seca, aquecida, segura.
Mas alguma coisa não estava no lugar.
As imagens da noite anterior voltavam em fragmentos: os trovões, o escuro repentino, o abrigo improvisado, a mão dele segurando a sua com firmeza... e depois, o jeito como ele a olhou quando o ônibus se aproximava.
Teria sonhado aquilo tudo?
Levantou devagar, os músculos ainda pesados do frio da noite anterior. Caminhou até a cozinha, colocou água para ferver, e, enquanto esperava, abriu o aplicativo do transporte no celular — por pura força do hábito.
A notificação estava lá: “Linha 26 — trajeto normalizado”.
Ela sorriu de lado, sem motivo aparente.
Ou melhor… com motivo.
E então se perguntou, pela primeira vez: Será que vai estar lá hoje?
O despertador tocou e ele não ouviu. Ou ignorou. só se levantou quando a luz da manhã já invadia o quarto pelas frestas da cortina.
Jogou água no rosto, olhou-se no espelho e soltou um riso abafado. Seu cabelo ainda estava estranho da chuva — o topete levemente desalinhado —, e havia uma sensação boba no peito que ele não sabia nomear.
Passou o café com pressa, sentou-se à mesa com o notebook aberto, mas a tela ficou esquecida diante dele por minutos. Em vez disso, puxou o celular e foi direto para a galeria.
Uma das últimas fotos era da chuva na calçada, tirada minutos depois de vê-la entrar no ônibus.
Abriu a imagem e ficou olhando por um tempo.
Será que ela também está pensando em mim?
Fechou os olhos por um instante. E então, ao abrir novamente, soltou em voz baixa:
— Tomara que esteja.
Ela estava sentada perto da janela da sala, observando o movimento lá fora mais do que os slides projetados. A chuva havia cessado por completo, mas o céu ainda estava cinzento, como se o mundo estivesse em transição. Assim como ela.
Tocou de leve o próprio pulso, lembrando-se do calor das mãos dele segurando as suas. Um arrepio sutil percorreu sua espinha. Aquela conexão tinha sido real demais para simplesmente ignorar.
No intervalo, quando uma colega comentou sobre o tempo estranho da noite anterior, apenas assentiu, com um sorriso enigmático. Não contou nada. Ainda não conseguia.
Ao voltar para seu apartamento mais tarde, abriu um caderno velho de anotações e rabiscou no canto de uma página:
“Ele parecia o tipo de silêncio que me entende.”
E fechou logo depois, como se estivesse revelando demais.
A outra metade da mente dele ainda estava sob o toldo daquela entrada comercial, ouvindo o som da chuva e a voz de dizendo que escrevia para se sentir parte de algo.
Quando um colega perguntou pela terceira vez:
— , tá tudo certo com esse trecho aqui?
Ele piscou, voltando à realidade com um sorriso constrangido.
— Ah, sim. Tá... quase pronto.
No intervalo do almoço, abriu o Instagram e procurou por variações do nome dela — . Nada. Talvez ela não tivesse, ou talvez ele não estivesse escrevendo certo. Ou talvez ela simplesmente fosse daquele tipo que aparece e desaparece, como chuva.
Mesmo assim, enquanto comia devagar um onigiri da loja de conveniência, ele murmurou, como se quisesse invocar alguma coincidência:
— Que você apareça hoje.
, do outro lado da cidade, fechou o notebook e guardou os fones. Olhou para a mochila, hesitou, e então decidiu: vou passar na estação, só por acaso.
E assim, como se guiados por algo que não sabiam nomear — curiosidade, saudade, esperança — os dois começaram a traçar caminhos que, mais uma vez, poderiam se cruzar.
chegou alguns minutos antes do horário de sempre, o coração mais acelerado do que gostaria de admitir. Escolheu seu lugar habitual, perto da coluna ao lado do letreiro eletrônico. Fingiu olhar o celular, mas os olhos desviavam de tempo em tempo para o caminho por onde ele costumava aparecer.
— Ridículo, você tá sendo ridícula — murmurou para si mesma, envergonhada. E foi nesse instante que ouviu passos conhecidos.
Levantou os olhos devagar.
estava ali. A mochila pendurada no mesmo ombro de sempre, os fones pendurados no pescoço dessa vez, como se nem tivesse tido coragem de usá-los. Ele olhava ao redor, mas com uma calma falsa, como quem procura algo e finge que não.
Os olhos dos dois se encontraram quase no mesmo instante. E, por um momento, nenhum dos dois se moveu.
Ele foi o primeiro a sorrir — aquele sorriso pequeno, inclinado, carregado de alívio.
— Você veio — ele disse, como se estivesse tentando confirmar que ela era real.
— Eu poderia dizer o mesmo — respondeu, sentindo o peito apertar e aliviar ao mesmo tempo.
se aproximou devagar, com os passos firmes, mas o olhar suave. Parou diante dela, ainda mantendo uma distância segura, mas próxima o bastante para que o ar entre os dois parecesse diferente.
— Não achei que seria hoje — ele continuou. — Mas... eu vim mesmo assim. Vai que.
— Vai que — ela repetiu, e o sorriso surgiu quase sem esforço.
Ficaram em silêncio por alguns segundos, observando o letreiro indicar que o próximo trem viria em sete minutos. Sete minutos parecia pouco demais, e ao mesmo tempo, o suficiente.
— Quer... andar até a última plataforma? — ele perguntou, como quem sugere algo simples, mas com um peso escondido.
assentiu sem hesitar.
— Quero.
E os dois começaram a caminhar lado a lado, os passos lentos, como se o mundo ao redor estivesse em outro ritmo.
Eles não sabiam o que viria depois. Mas sabiam — com aquela certeza silenciosa que a gente sente no peito — que aquela noite de tempestade não havia sido um fim.
Era só o começo.
— Eu quase não vim — ela confessou, depois de um tempo. — Fiquei pensando que talvez tivesse sido só um momento... que talvez você nem lembrasse direito.
parou, virando um pouco o corpo na direção dela.
— Eu lembrei de tudo. Desde o primeiro olhar até o último passo que você deu no ônibus.
sentiu o estômago revirar. O jeito como ele a olhava... era como se ela fosse um detalhe que ele vinha observando há muito tempo e só agora começava a entender.
— Eu também lembrei — ela disse, baixinho. — De tudo.
Continuaram andando mais um pouco. Um trem passou ao longe, o som suave demais para interromper o momento.
— Ontem foi... inesperado — ele disse. — Mas hoje, estar aqui... parece escolha.
— Parece — ela concordou.
Silêncio outra vez. Mas não era o mesmo de antes. Agora era carregado de um novo tipo de tensão: aquela que antecede algo inevitável.
Eles pararam bem na ponta da plataforma, onde poucas pessoas esperavam. De lá, conseguiam ver parte da cidade se estendendo além das janelas de vidro da estação.
— Eu pensei em te procurar — ele continuou, depois de um tempo. — Mas percebi que... parte de mim queria que, se a gente se encontrasse de novo, fosse do jeito mais simples possível. Como ontem.
— Como hoje — ela completou.
riu, quase sem som, os olhos nela.
— E agora que estamos aqui? — ele perguntou, com sinceridade.
o olhou por um momento, o rosto sereno, mas o coração acelerado.
— Agora... acho que a gente pode começar de verdade.
Ele assentiu devagar.
— Então... oi. Eu sou . Estudante de Engenharia, quase fotógrafo, e um pouco perdido desde ontem.
Ela riu, sentindo o peito aquecer.
— Oi. Eu sou . Estudante de Literatura, quase escritora... e um pouco menos sozinha desde ontem.
E ali, naquela plataforma esquecida da pressa, o mundo se ajeitou mais uma vez só para os dois.
O trem chegou, cortando o silêncio. Mas eles não entraram.
Ainda não.
— A gente podia... sair daqui, né? — ele sugeriu, com um tom leve, quase tímido. — Não que eu tenha algo contra estações de metrô, mas acho que seria bom te conhecer em outro lugar que não envolva blackout, sirenes e goteiras.
riu com a lembrança, e seus ombros relaxaram.
— E onde seria esse novo cenário?
— Um café. Ou um bar pequeno, se você preferir. Conheço um lugar tranquilo a umas duas quadras daqui. Serve chá quente, café forte e música baixinha. Acho que combina com a nossa... narrativa.
— Nossa narrativa? — ela arqueou uma sobrancelha, divertida.
— É, tipo... capítulo dois — ele disse com um sorriso torto.
Ela pensou por um segundo e então assentiu.
— Capítulo dois, então.
Caminharam lado a lado até as escadas rolantes, com passos mais firmes, mais soltos. O clima parecia ter virado junto com a conversa: o ar entre eles agora era leve, como se estivessem descobrindo um novo território juntos.
Mas, assim que saíram pela entrada principal da estação, notaram o vento mais forte, cortando as calçadas e balançando com violência os galhos das árvores ao redor. O céu, antes apenas nublado, agora escurecia num tom denso, quase roxo.
Um trovão estrondou, cortando o céu como uma ameaça antiga.
parou por um segundo, olhando para o alto.
— Não é possível. Mais uma?
olhou o horizonte com a testa levemente franzida, e então soltou um suspiro resignado.
— Aparentemente, o universo não gosta de cafés em tempo seco.
Ela riu, mesmo que um pouco preocupada, abraçando o próprio corpo quando sentiu os primeiros pingos grossos começarem a cair.
— Você acha que dá tempo de chegar?
olhou em volta, calculando as opções, e então respondeu:
— Dá. Mas a gente vai correr.
— De novo.
— De novo — ele repetiu, estendendo a mão para ela sem pensar.
olhou para a mão dele por um segundo — e então segurou firme.
E antes que o céu desabasse de vez, os dois começaram a correr pelas ruas molhadas, rindo entre os pingos, como se estivessem fugindo da tempestade e correndo, ao mesmo tempo, direto para o próximo capítulo.
— É sempre assim com você? — gritou por cima do som da chuva, ofegante e com os cabelos grudados no rosto.
— Eu juro que não! — respondeu, rindo. — Você deve ser meu talismã de tempestades!
Quando viraram uma ruazinha mais estreita e calma, ele apontou para uma fachada com luz baixa e janelas embaçadas pelo vapor quente lá dentro. Na placa de madeira, o nome discreto: Himitsu Coffee & Bar.
— Chegamos! — ele anunciou, puxando a porta com pressa e segurando para que ela entrasse primeiro.
O sino acima da porta tocou suavemente quando cruzaram a entrada. O contraste era imediato. Lá dentro, o ambiente era quente e aconchegante, com luzes âmbar pendendo do teto e uma música instrumental suave preenchendo o espaço como um sussurro.
Poucas pessoas estavam ali — dois casais conversando baixo em mesas de canto e um atendente atrás do balcão, que os cumprimentou com um aceno simpático.
respirou fundo, sentindo o cheiro de café recém-passado misturado com o leve aroma de madeira e baunilha. A sensação era a de ter entrado num refúgio secreto.
— Isso aqui é perfeito — ela disse, baixinho, ajeitando os cabelos molhados para trás.
— Sabia que você ia gostar — respondeu, também passando a mão pelos fios úmidos e rindo da própria aparência. — A gente tá parecendo dois sobreviventes de um apocalipse molhado.
— Um ótimo título para uma crônica, aliás — ela brincou.
Sentaram-se em uma mesinha próxima da janela, onde podiam ver os pingos da chuva escorrendo lentamente pelo vidro. A garçonete veio com dois cardápios plastificados e um sorriso gentil, e eles fizeram os pedidos sem pressa — um cappuccino para ela, um chá quente para ele.
Enquanto esperavam, a observou por um momento mais longo do que deveria. Não era só por causa da luz quente que refletia nos olhos dela, nem pela curva discreta do sorriso contido nos lábios. Era porque, mesmo encharcada, mesmo tremendo de frio... ela parecia mais viva do que qualquer coisa ao redor.
— Agora é oficial — ele disse, baixando o olhar para a xícara vazia à sua frente como se falasse mais para si mesmo. — Capítulo dois.
o olhou com suavidade, inclinando o rosto como quem começa a ler uma frase interessante num livro novo.
— E você acha que já dá pra saber o enredo?
— Ainda não. Mas eu sei que não quero que seja curto.
Ela não respondeu. Apenas sorriu. Um sorriso inteiro, sincero, como aqueles que se dão quando a gente sabe que está exatamente onde deveria estar.
levou a xícara aos lábios, assoprando levemente antes de dar o primeiro gole. O sabor doce e aveludado do cappuccino combinava perfeitamente com a atmosfera, e com o jeito como ela se sentia: quente por dentro, apesar da tempestade por fora.
— Então... você realmente tira fotos ou foi só charme de estação? — ela perguntou, com um olhar provocador por cima da borda da xícara.
riu, encostando-se melhor à cadeira.
— É real, eu juro. Não sou bom como os fotógrafos de verdade, mas tenho umas fotos legais no celular. Algumas até foram impressas numa exposição estudantil uma vez — disse com modéstia, mas um leve orgulho vazando nas palavras.
— Agora você vai ter que provar — ela respondeu, estendendo a mão aberta, esperando.
— Agora? — ele fingiu surpresa, mas já puxava o celular do bolso.
Desbloqueou a galeria e deslizou algumas imagens antes de virar a tela para ela. As fotos eram delicadas, cheias de enquadramentos inusitados e detalhes que, sozinhos, talvez passassem despercebidos: reflexos em poças d’água, o balanço de roupas em varais, mãos cruzadas no colo de alguém no metrô.
— Você tem um olhar bonito — ela murmurou, sem tirar os olhos da tela. — Não no sentido romântico. Quer dizer… também pode ser, mas... é bonito porque vê beleza no que os outros não vêem.
ficou quieto por um instante, absorvendo as palavras com mais impacto do que esperava. E então, de forma quase tímida, perguntou:
— Você deixa eu ler algo seu?
ergueu os olhos. A pergunta a pegou de surpresa — de verdade.
Ela não costumava mostrar seus escritos a quase ninguém. Mas ali, diante dele, a recusa não fazia sentido.
— Talvez… um dia — ela respondeu, sincera. — Quando eu sentir que alguma das histórias me parece boa o suficiente pra ser lida por alguém que olha tanto.
sorriu com a resposta. Não insistiu. Apenas continuou observando-a, curioso com as camadas que ela revelava e escondia.
— Você sempre foi assim? — ele perguntou. — Tão... reservada?
pensou por alguns segundos antes de responder.
— Acho que sim. Mas não por medo dos outros. É mais porque, quando você mostra demais, as pessoas acham que podem te definir. E eu sempre odiei ser definida antes de estar pronta.
assentiu lentamente, como se entendesse mais do que palavras podiam dizer.
— Eu sempre fui o contrário — ele admitiu. — Sempre tentei mostrar demais. Preencher o espaço. Mas no fundo, acho que era só medo do silêncio. Medo de que, se eu ficasse quieto demais... ninguém notaria que eu tava ali.
Ela o encarou com mais profundidade agora, tocada por aquela vulnerabilidade.
— Eu teria notado — disse, num tom suave.
O silêncio que seguiu não foi mais de contemplação, mas de aceitação. Como se, de algum jeito, algo importante tivesse sido compartilhado entre os dois. Algo que nenhum deles saberia traduzir tão cedo.
Lá fora, a tempestade seguia seu curso. Mas dentro daquele pequeno café escondido, entre duas xícaras e palavras cuidadosamente escolhidas, havia um abrigo muito mais forte do que qualquer toldo.
traçava desenhos invisíveis com a ponta do dedo sobre a lateral da xícara, e a observava com um meio sorriso no rosto, como quem sabe que está diante de algo raro. Algo que não aparece duas vezes da mesma forma.
— Você tem medo de se apegar? — ele perguntou, quase num sussurro.
Ela levantou os olhos, não assustada com a pergunta, mas surpresa por ela ter vindo tão cedo.
Pensou um pouco antes de responder.
— Tenho mais medo de me perder dentro de alguém do que de me apegar.
assentiu, e por um segundo pareceu querer dizer algo mais, mas desistiu.
— E você? — ela devolveu.
— Eu me apego fácil demais — ele admitiu, com um sorriso tímido. — Só que, por muito tempo, me apeguei às pessoas erradas. Agora, prefiro esperar. Ver se vale o mergulho.
desviou o olhar por um instante. Aquilo a tocou mais do que ela gostaria de admitir. A música ambiente tocava algo instrumental, suave, e lá fora a tempestade havia se transformado apenas numa garoa. O vidro da janela ainda carregava gotas preguiçosas que escorriam devagar, como se também não quisessem apressar o fim daquela noite.
Quando terminaram suas bebidas, o relógio já se aproximava das 21h.
— Quer voltar pra estação? — ele perguntou, num tom calmo, mas com uma nota de incerteza.
Ela assentiu, sem dizer nada, mas com os olhos ainda fixos nele.
Pagaram a conta, agradeceram ao atendente e saíram de volta para a rua. A brisa agora era fria, úmida, mas não agressiva. Apenas... presente.
Caminharam devagar, dessa vez sem precisar correr. Nenhum dos dois parecia ansioso para chegar à estação. O tempo, ali entre eles, parecia suspenso.
E então, no meio do caminho, ao passarem por uma ruazinha silenciosa com luzes amareladas e calçadas ainda molhadas, ele parou.
Sem dizer uma palavra.
Ela também parou, sentindo o coração bater mais forte com aquele gesto mudo. O silêncio voltou, mas era outro. Um silêncio que respirava entre os dois, como se dissesse “agora.”
se virou, o olhar firme, mas não impositivo. A mão dele procurou a dela, devagar, e quando os dedos se tocaram, entrelaçaram-se como se já se conhecessem.
— Você deixa? — ele perguntou, a voz baixa, como se não quisesse quebrar o momento. — Se eu quiser te beijar agora?
sentiu o coração disparar. Não pela dúvida, mas pela intensidade. Pela forma como ele não a tocou sem permissão. Como esperou.
Ela assentiu. Um movimento pequeno, mas suficiente.
se aproximou devagar, a mão livre subindo para tocar de leve a lateral do rosto dela, afastando uma mecha úmida que se prendia ao queixo. O polegar roçou com delicadeza a pele fria dela, e então, seus olhos se encontraram mais uma vez.
O beijo não foi apressado.
Foi um toque de descoberta. Lento, cuidadoso, como se os dois estivessem tentando memorizar a sensação. Os lábios dele encaixaram nos dela com precisão serena, e o mundo pareceu ficar em suspenso. A mão dele desceu para sua cintura, firme, mas suave, e a dela se apoiou em seu peito, sentindo o ritmo acelerado do coração dele sob os dedos.
A respiração entre os dois se misturou, quente apesar do frio da noite, e por um breve instante, eles apenas se olharam. A mão de continuava apoiada suavemente na cintura dela, como se a estivesse protegendo do mundo — ou do que viesse depois daquele momento.
Quando seus lábios se encontraram de novo, o tempo pareceu parar.
O toque foi delicado, quase incerto, como se ele pedisse permissão uma segunda vez — não com palavras, mas com o jeito que seus lábios tocaram os dela com uma reverência silenciosa. E correspondeu com a mesma suavidade, como se tivesse esperado exatamente por aquele gesto, naquela rua, naquela noite.
Mas logo, o beijo deixou de ser hesitante.
A mão dele subiu pela lateral das costas dela, sentindo o tecido molhado da blusa colado à pele, até alcançar a curva de seus ombros, onde parou — firme, cálida, acolhedora.
, por sua vez, deixou a mão subir do peito dele até o pescoço, os dedos se enroscando levemente no cabelo ainda úmido, puxando-o um pouco para mais perto, mais fundo. Ela se encostou nele, sentindo a firmeza do corpo dele contra o seu, o coração batendo acelerado sob o toque.
O beijo se intensificou, não pela urgência, mas pela entrega. Era como se cada movimento, cada roçar de lábios, cada leve mordida, cada respiração entrecortada, dissesse aquilo que ainda não sabiam colocar em palavras.
Ele a puxou pela cintura, colando-a mais ao seu corpo, e ela suspirou contra os lábios dele, sentindo o calor de sua pele mesmo sob as roupas molhadas.
A rua ao redor sumiu. A cidade desapareceu.
Só restavam os dois.
O beijo durou o tempo certo de quem queria ficar ali por horas. E quando enfim se afastaram, ainda ofegantes, as testas se encostaram suavemente, como se aquele contato fosse necessário para voltar à realidade.
manteve os olhos fechados por alguns segundos, sentindo os dedos dele ainda acariciando de leve suas costas, como se não quisessem ir embora.
— Eu não sei o que está acontecendo com a gente... — ela sussurrou, a voz rouca, trêmula de emoção.
— Eu também não — ele respondeu, ofegante, com um leve sorriso. — Mas quero descobrir. Com calma. Com você.
Ela abriu os olhos devagar, os rostos ainda próximos, o coração batendo alto demais dentro do peito.
E naquele silêncio cheio de promessas, a garoa fina voltou a cair. Mas nenhum dos dois parecia se importar.
As mãos ainda entrelaçadas, os corpos se encostando sutilmente a cada passo. A chuva agora era só uma garoa calma, e a cidade parecia mais tranquila, como se respeitasse o que quer que estivesse nascendo entre eles.
Quando chegaram novamente à entrada da estação, o letreiro eletrônico indicava que o próximo trem de chegaria em três minutos. Ele soltou um suspiro leve, quase arrependido por o tempo ter passado tão rápido.
parou ao lado da catraca, sem soltar a mão dele.
— Então esse é o fim do capítulo dois? — ela perguntou, com um tom provocador, mas os olhos levemente tristes.
— Acho que é o começo do capítulo três — ele respondeu, aproximando-se de novo.
E, sem dizer mais nada, inclinou o rosto para beijá-la mais uma vez.
Dessa vez foi um beijo curto, mas carregado de carinho. Os lábios dele encontraram os dela com doçura, como se quisesse guardar aquele gosto por mais algumas estações. A mão dele subiu até o rosto dela, o polegar roçando de leve sua bochecha antes de se afastar.
Quando se separaram, ele ainda estava sorrindo.
— Me encontra de novo amanhã?
Ela assentiu com um brilho nos olhos.
— Te encontro.
passou pela catraca, mas não sem olhar para trás uma última vez antes de descer para a plataforma. E quando acenou discretamente para ela, sentiu que, por mais imprevisível que fosse, algo havia começado ali.
Algo real.