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Revisada/Codificada por: Calisto

Última Atualização: 19/07/2024

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Acordei com Duda pulando de um degrau a outro na escada que servia de teto para o meu “quarto”. Eu sabia que era seu aniversário, mas ele fazia questão de gritar aos quatro cantos, com o único objetivo de torturar os meus ouvidos que estavam acabando de acordar. Desde muito novo, ele sempre foi muito mau comigo, vivia pregando peças e me tornando alvo dos seus insultos. Sem aguentar mais um segundo deitada com poeira caindo em cima de mim, levantei do colchão improvisado e procurei pelos meus óculos. Tateei o chão em busca das minhas meias e as encontrei cheias de teias de aranha como a maioria das coisas ficava quando entrava em contato com aquele armário. Eu abri a pequena porta e suspirei aliviada por não encontrar Duda, seguindo depois para a cozinha, onde encontrei todos: tio Válter, tia Petúnia e o Duda. Eles conversavam entretidos sobre os acontecimentos do dia e então pararam de falar assim que eu apareci. Cada um me encarou com um tipo de expressão, mas todas desdenhosas no fim das contas.
— Isso são horas de acordar? Acha que está em um hotel? — tia Petúnia disse ferozmente.
— Desculpe, tia — disse com a cabeça baixa.
— Olhe o bacon no fogo e não os deixe queimar.
Quando cheguei perto da panela, o bacon estava perto do ponto ideal, me poupando tempo. Peguei um garfo e os virei. Enquanto observava e contava mentalmente o momento certo para tirar a panela do fogo, atentei a parte da conversa que continuava; tio Válter tinha prometido a Duda que o levaria ao zoológico naquele dia, e tia Petúnia falava sobre ele ser o anjinho da mamãe. Revirei os olhos ao escutar o que tia Petúnia falava, anjinho estava bem longe da realidade. Coloquei os bacons no prato e fui em direção a tio Válter, que estava sentado na sua poltrona de sempre em frente à televisão, com um jornal aberto. Quando me aproximei, recebi uma careta, estendi o braço e ele pegou o prato das minhas mãos.
Saí rapidamente do seu campo de visão e me sentei à mesa, partindo imediatamente para a tigela que já estava servida com leite e cereal. A marca não era uma das melhores, eles pareciam moles antes de serem mergulhados no leite, mas eu estava faminta. Depois que eu devorei o meu café da manhã, levei tudo para a pia e estava terminando de lavar metade da louça quando escutei o chilique de Duda sobre a quantidade de presentes que ele tinha ganhado naquele ano. As caixas amontoadas ao canto davam a impressão de ter o dobro de presentes que tinha, e Duda, mesmo com tudo que havia ganhado, reclamava sobre não ter a quantidade que ele queria. Me distraí enquanto terminava de lavar a louça e só escutei os passos de tia Petúnia em minha direção quando ela já estava perto demais. Os seus saltos faziam barulho quando ela andava, e eu podia imaginar a sua pose de madame, a mesma que ela tentava passar para os vizinhos.
! O que pensa que está fazendo? — Pensei em responder o óbvio, mas sua carranca não toleraria brincadeiras. — Adiante, nós não temos o dia todo.
— Estou terminando, tia.
— A Sra. Figg ligou, ela não poderá ficar com você, está doente. — Eu concordei e continuei a lavar o último copo segurando o sorriso que se formava nos meus lábios.
Tia Petúnia saiu do meu lado e voltou para perto de tio Válter, que aparentava estar muito irritado com aquela notícia. Eles olhavam na minha direção e praguejavam com a possibilidade de não ter com quem me deixar, e eu estava agradecida. Não pelo ocorrido com a Sra. Figg, mas não poderia negar que passar um ano sem escutar as mesmas histórias sobre seus animais de estimação que tinham morrido me deixava alegre. Eu iria adorar assistir televisão se eles me deixassem sozinha ali. Eu sempre assistia um pouco na casa da Sra Figg quando ela estava ocupada fazendo biscoitos, que na maioria das vezes não davam para comer de tão duros que eram. Ela era uma boa mulher, um pouco louca, mas uma boa mulher. Deixei eles discutirem as possibilidades e me mantive neutra.
— Deixá-la aqui seria muito arriscado? — Ela o olhou como se esperasse o pior.
— Nem pensar, ela vai destruir a casa — tio Válter disse, me encarando.
— Podemos deixá-la trancada no carro — tia Petúnia continuou com as sugestões.
— Não vou deixá-la no meu carro novo — tio Válter disse com desespero.
Foi então que eu percebi que o assunto estava encerrado. Eu iria sair com eles; iria ao zoológico pela primeira vez.

***

Passei o percurso até o zoológico em silêncio, enquanto Duda não parava de falar sobre não me querer na sua programação de aniversário. Sua voz era tão irritante que eu tinha vontade de fazê-lo ficar mudo. Então de repente, o carro ficou em um silêncio quase absoluto. Eu olhei para Duda e ele ainda falava, mas as palavras que saíam da sua boca não tinham som; ele parecia assustado e sem saber o que fazer, já que seus pais olhavam para frente e não prestavam atenção nos seus protestos mudos. Quando tio Válter parou em uma vaga na frente do zoológico, a voz de Duda voltou e ela estava um pouco chorosa devido ao evento anterior. Sem saber explicar o ocorrido, ele saiu do carro quase de imediato. Eu o olhava com satisfação, mas também não sabia o que tinha acontecido. Ele foi na direção de tia Petúnia, que prometeu mais uma vez vários presentes, e tio Válter me parou enquanto eu descia do carro e batia a porta.
— Se você fizer alguma gracinha para estragar o dia do Duda, ficará de castigo para sempre. — Eu concordei com um aceno de cabeça e ele continuou. — Estou de olho em você.
Ele andou para encontrar os outros dois que já estavam na entrada e eu segui atrás, nem muito perto e nem muito longe, mas o suficiente para não perdê-los de vista. Arrumei a minha camiseta listrada de mangas que servia de casaco e arrumei o short que mais parecia uma calça; como a maioria das roupas que eram de Duda e passavam para mim, elas eram enormes, mesmo ajustadas o máximo que minha tia tentava. As únicas peças que eu tinha um pouco de liberdade de desfrutar sozinha eram as íntimas.
Quase uma hora depois, tínhamos visitado quase todos os animais, menos os répteis, o que não demorou muito, e lá estava Duda batendo no vidro para incomodar os animais e choramingando por sua estratégia não ter funcionado.
Me aproximei do vidro de uma cobra gigantesca e a observei com atenção, percebendo um pouco depois que ela retribuiu a atenção. Ela também me observava e eu sentia como se tivéssemos ligadas de alguma forma, e podia imaginar o que ela estava passando por estar trancada ali dia após dia tendo que aturar várias pessoas batendo em seu vidro.
Notei que aos poucos a cobra saía de sua postura inerte e levantava a cabeça até ficar mais ou menos a minha altura. Ela piscou em minha direção e eu recuei um pouco, era estranho ter em mente que a cobra estava tentando se comunicar. Sustentei o seu olhar e pisquei também. Um sussurro leve me atingiu como se a cobra estivesse falando comigo. "Isso acontece todos os dias", pensei ouvi-la dizer e acenei com a cabeça.
— Eu entendo. Você deve sentir saudade de casa.
A cobra apontou para uma placa e então eu pude ler que ela tinha nascido em cativeiro. Aquilo era tão triste. A voz estridente de Duda nos assustou quando ele partiu de uma vez para o vidro e me empurrou. Eu bati em um baque com a bunda no chão e a raiva me consumiu quando o vi socando o vidro para que a cobra se mexesse mais. Eu respirei fundo e desejei do fundo do meu coração que a cobra pudesse sair e viver livre, então o vidro em que Duda se apoiava sumiu, e ele caiu para dentro.
A cobra se desenrolou e saiu depressa, passando por mim. Eu ainda estava caída no chão, e o leve sussurro estava ali novamente quando pensei ouvi-la dizer "Lhe agradeço, amiga". A cobra partiu em direção a saída do zoológico, tirando vários gritos de pânico por onde passava. Eu ainda não entendia o que tinha acontecido, provavelmente estava em choque, mas estava contente que a cobra teria chances melhores que as minhas dali por diante. Virei o rosto na direção em que Duda estava, e tio Válter me olhava como se eu fosse a culpada. Eu sabia que poderia imaginar o pior castigo de todos.

***

Como eu imaginava, o pior castigo de todos veio. Tio Válter foi o primeiro a me acusar; ele não conseguia explicar como eu poderia ter feito algo tão extraordinário assim, mas afirmava com muita convicção quando me mandou ir para o armário sem ao menos jantar antes. Tia Petúnia me olhava horrorizada e não parava de dizer a Duda que tudo iria se resolver, que me deixaria perto dele. No meu ponto de vista, tio Válter estava sendo injusto; como eu poderia fazer algo tão mágico? Como eu poderia fazer algo assim e não saber antes? Tantas coisas se passavam na minha cabeça, e eu só conseguia pensar em como seria se meus pais estivessem vivos. Talvez eles pudessem me explicar todas as coisas estranhas que aconteciam comigo por perto, ou eles confirmariam a minha estranheza.
Eu não sabia que horas poderiam ser, mas muito tempo tinha se passado desde o último rangido no piso. Minha barriga começou a roncar e eu tive a certeza de que não ficaria nem mais um minuto naquele castigo sem fundamento; os Dursley deveriam estar no vigésimo sono.
Abri devagar a porta do armário e coloquei a cabeça do lado de fora, esperando escutar qualquer coisa que pudesse me provar do contrário. Com rapidez, passei pelo corredor e em instantes, estava na cozinha. Escutei a minha barriga roncar mais uma vez. Eu não tinha muito tempo, teria que pegar qualquer coisa que fizesse o mínimo barulho possível. Visualizei um pacote solitário de algum biscoito que Duda não tinha gostado e o peguei. Quando eu estava prestes a voltar para o armário, escutei passos vindos da escada. Abaixei ao lado oposto a ilha da cozinha e me preparei para correr a qualquer sinal de passos para naquela direção, e então numa passada rápida corri de volta para o armário, e de relance pude notar quem quer que fosse chegando até a pia. Eu não sabia se tinha sido tia Petúnia ou o tio Válter, mas estava aliviada por não ter sido descoberta. Abri a porta do armário devagar e fechei do mesmo modo me sentando no colchão.
O biscoito murcho era melhor do que passar aquela noite sem nada, então comi devagar para não fazer ruídos, e me perdi em pensamentos mais uma vez, imaginando se algum dia saberia mais sobre meus pais, já que tia Petúnia nunca falava deles e tinha me proibido de perguntar. Eu tinha milhares de perguntas sobre como eles morreram e eu sobrevivi, e sobre os meus sonhos com um lampejo ofuscante de luz verde. Tia Petúnia me disse que foi um acidente de carro. Embora quisesse a resposta para todas aquelas perguntas, eu as trocaria por uma foto deles, ou pelo menos a chance de vê-los. Uma foto dos meus pais para que eu enfim parasse de pensar tanto nos detalhes do tal acidente e pudesse imaginar como seria vê-los pessoalmente. Eu vivia com os Dursley a tanto tempo, os aturando mesmo sendo minha única família, e não consegui pensar numa justificativa para me tratarem tão mal. Eles deveriam se importar comigo? Eu merecia todos os castigos e todas as falas de desgosto?

***

Quando finalmente saí do meu castigo por causa do zoológico, as férias de verão já haviam começado. Duda parecia disposto a quebrar todos os presentes que ganhara de aniversário e, sempre que tentava brincar com algum deles na rua, acontecia alguma tragédia, como no dia em que derrubou uma de nossas vizinhas com a sua bicicleta enquanto a mesma tentava atravessar de uma calçada a outra, ou quando atropelou um pobre cachorro. Eu agradecia imensamente por não ter mais aulas, contudo ainda tinha que me esquivar de Duda e seus amigos que o visitavam quase todos os dias, o que não me afetava muito, porque não os veria na minha nova escola; Duda iria para a mesma escola que tio Válter tinha estudado, por isso não era difícil de notar o quão bobos os meus tios tinham ficado com a transferência de Duda e a prova do novo uniforme. A cada dia uma bobagem diferente sobre como ele estava crescido e o quão estavam orgulhosos.
Um dia, eu entrei na cozinha pela manhã, como sempre fazia, e me dirigi ao fogão. Ele já estava apagado e não tinha nenhuma comida para que eu pudesse terminar de olhar ou de fazer, bem como o meu café da manhã já estava posto. Me sentei à mesa e comecei a procurar o que estava diferente naquele dia além do fato de tia Petúnia não me pedir para fazer nada, então um cheiro horrível me atingiu e eu achei a sua fonte dentro da pia. Dava para ver alguns trapos amontoados e não me contive de curiosidade.
— Tia Petúnia, o que é aquilo na pia? — Ela contraiu os lábios e tentou conter a careta que se formava.
— O seu uniforme novo, para a escola.
— Ele vai ficar assim fedido quando secar?
— Chega de perguntas! — ela disse muito irritada. — Era do Duda, você tem sorte de poder usar algo decente depois que eu terminar de tingir.
Olhei para o meu café da manhã e continuei a comer, enquanto me imaginava chegando na escola secundária no primeiro dia e sendo motivo de muitos risos mesmo com Duda e sua trupe longe. Minhas esperanças de fazer pelo menos um amigo tinham ido pelos ares. Observei tio Válter e Duda entrarem na cozinha, franzindo o nariz ao mesmo tempo e olhando para minha direção, possivelmente imaginando que eu fosse a fonte do mal cheiro. Tio Válter se sentou na sua poltrona de sempre, e Duda bateu na mesa com a bengala da sua nova escola. Ele não desgrudava dela por nada. Então, alguns minutos depois, escutei o clique da portinhola para as cartas e a correspondência caindo.
— Vá apanhar o correio, Duda — tio Válter disse enquanto lia seu jornal.
— Mande a ! — Duda gritou.
Levantei da mesa a contragosto e fui em direção a porta. Havia três coisas no capacho: um postal da irmã do tio Válter, Guida, que estava passando as férias em algum lugar que eu não fazia ideia, um envelope pardo que parecia uma conta e uma carta para mim. Me assustei quando li o meu nome no papel e senti meu coração acelerar, meu corpo todo vibrava e eu tinha quase certeza que tinha congelado enquanto olhava a carta.

A Srta. Potter
O Armário sob a Escada
Rua dos Alfeneiros 4
Little Whinging
Surrey

Eu não tinha amigos, outros parentes e não era associada em nenhum lugar. Não fazia ideia de quem pudesse ser, mas engano estava fora de cogitação; o meu nome estava escrito com todas as letras. O envelope era grosso e pesava um pouco na minha mão. Estava endereçado com tinta verde, uma cor bem bonita e não tinha carimbo. Virei o envelope devagar e pude notar um lacre de cera com um brasão: um leão, uma águia, um texugo e uma cobra circulando a letra H.
— Ande depressa, pirralha! — Escutei tio Válter gritar da cozinha e dizer mais alguma coisa, mas só escutei a sua risada.
Voltei para a cozinha ainda encarando a carta com o meu nome, sem conseguir acreditar que, depois de todo esse tempo, alguém havia se lembrado de mim. Entreguei a outra carta e o postal para tio Válter, e me sentei na cadeira que estava na outra extremidade. Abri lentamente o envelope e escutei o tio Válter rasgar o dele.
— Guida está doente. — Escutei ao longe ele dizer à tia Petúnia.
— Pai! — Duda o chamou, desesperado. — A recebeu uma carta — ele terminou a sua frase e então eu despertei, mas Tio Válter tinha tomado a carta da minha mão no mesmo segundo.
Quando eu estava prestes a abrir e saber o que dizia e o paradeiro de quem tinha me enviado, eles tinham tomado de mim. E se fosse algo relacionado aos meus pais? Eles não tinham esse direito.
— A carta é minha! Tem meu nome nela. — Me levantei e tentei recuperar a carta num impulso.
— Quem escreveria para você? — tio Válter sacudiu as mãos no ar e Duda deu uma risada zombeteira. O seu pai desdobrou a carta e então o seu rosto começou a mudar de cor, seus olhos arregalaram e ele foi de vermelho para pálido em fração de segundos. Ele passou a mão pelo rosto em claro sinal de desespero e chamou a tia Petúnia que veio correndo.
— Válter! Não é possível! — ela disse, desesperada também, e eles se encararam e, por um segundo, se esqueceram que Duda e eu estávamos ali.
— QUERO A MINHA CARTA! — gritei com todas as minhas forças para chamar a atenção dos dois.
— Me deixa ver também — Duda exigiu ao passo que acertava o pai com a sua bengala e batia os pés no chão.
— FORA! — berrou tio Válter e agarrou cada um pelo colarinho da camisa, nos deixando no corredor e batendo a porta da cozinha. Duda tomou conta da fechadura da porta e eu tentei pela fresta entre a porta e o chão. Me esforcei para escutar o que tia Petúnia dizia no seu fio de voz e fiquei intrigada com a parte da conversa que consegui entender.
— Olhe o endereço, eles sabem onde ela dorme. Acha que estão nos vigiando? Acha que estão vigiando a casa?
— Mais do que vigiando, estão nos espionando, nos seguindo… — tio Válter disse com a voz trêmula.
— O que vamos fazer? Responder e dizer que não queremos?
— Não! Vamos ignorar, porque se não receberem uma resposta, irão parar.
— Mas… — tia Petúnia tentou falar, mas foi cortada.
— Não vou ter um deles em casa. Juramos acabar com toda essa bobagem quando a recebemos. — Eu suspirei e me levantei do chão. Eles não sairiam tão cedo, então voltei para o meu armário.
Meu coração estava apertado e minha cabeça confusa, porque nada do que tinha acontecido fazia qualquer sentido. Alguma coisa acontecia lá fora também e eles estavam me escondendo. Peguei no sono devido ao cansaço de montar milhares de teorias na minha cabeça e sonhei com várias cartas chegando pela fresta da porta do meu armário. Eram cartas iguais às que tio Válter tinha pegado de mim. O seu brasão era sem dúvidas algo único.
Acordei com batidinhas na porta do armário e me sentei no colchão, abrindo-a no segundo seguinte. Tomei um susto quando identifiquei o rosto de tio Válter e rosnei em sua direção.
— Onde está a minha carta?
— Foi um engano — ele disse, secamente. — Eu a queimei.
— Ela era minha, não foi um engano! — eu disse, tentando conter o nó que se formava na minha garganta. — Tinha o endereço do meu armário — insisti.
— Calada! — tio Válter gritou, e eu me encolhi. Ele respirou fundo e forçou um sorriso. — , escute. Sobre esse armário, sua tia e eu estivemos pensando, que você está ficando grande demais para ele, precisa de um pouco mais de espaço e achamos que seria bom se você mudasse para o segundo quarto de Duda.
— Por quê? — eu questionei.
— Não me faça perguntas! Junte todas as suas coisas e suba.
Eu juntei todas as minhas coisas sem demora num pequeno caixote e subi as escadas em direção ao último quarto. Entrei no quarto e identifiquei de imediato vários brinquedos quebrados e esquecidos, coisas que Duda tinha deixado de lado e coisas que não cabiam no seu outro quarto. A filmadora que só tinha um mês de uso estava jogada em cima do tanque que um dia Duda atropelara o cachorro do vizinho; no canto, a televisão, e em outro, uma gaiola de pássaros, antes habitada por um papagaio. As prateleiras cheias de livro eram as únicas coisas intactas ali, e eu poderia jurar que ele nunca tinha nem ao menos as tocado. Comecei a arrumar as minhas poucas coisas naquele quarto e a juntar em um canto toda aquela tralha quando escutei os berros de Duda.
— Eu não quero ela lá. Mande-a sair, eu preciso daquele quarto.
Há uns dias, eu daria qualquer coisa para estar ali, mas naquele momento eu só queria estar com a carta em mãos, mesmo que ainda tivesse que ficar no armário.

***

Na manhã seguinte, tudo estava quieto e Duda estava em estado de choque por ter feito tanta coisa, e mesmo assim não ter conseguido seu quarto de volta. Eu continuava a pensar na carta e que deveria ter aberto assim que a peguei na portinhola. Quando o correio chegou outra vez naquele dia, tio Válter pediu para que Duda fosse buscar, acho que numa tentativa falha de se desculpar comigo, mas eu revirei os olhos e encarei outro canto que não fosse a sua cara rosada. Escutamos Duda passar pelo corredor, batendo com a sua bengala nas coisas, e então ele gritou do hall:
— Chegou outra carta para !
Tio Válter deu um grito sufocado e saltou da cadeira saindo como um foguete. Eu o segui e encontrei lutando para tirar a carta das mãos de Duda. Ele se endireitou e me encarou.
— Vá para seu quarto!
Eu passei pelos dois, batendo o pé fortemente no chão, e subi a escada, me dirigindo para o meu novo quarto.
A pessoa que me mandou a carta no dia anterior sabia de algum modo que eu tinha me mudado do armário e que tinha sido impedida de receber a carta; o que implicava numa nova tentativa de entrega. Eu me ajeitei da melhor maneira na minha cama e mergulhei em várias ideias que pudessem me fazer pegar a carta primeiro que tio Válter.
Acordei no outro dia pela manhã um pouco antes do despertador das 6 horas tocar e levantei-me da cama rapidamente. Passei pelo corredor em silêncio e desci as escadas sem acender nenhuma luz. Iria sair e esperar o carteiro na esquina. Meu coração acelerou quando eu desci o último degrau e senti minhas pernas ficarem bambas. Andei em direção ao hall e então pisei em algo grande e mole.
Recuei no mesmo instante e então a coisa urrou; era tio Válter. Ele estava deitado no chão em frente a porta e levantou quando percebeu que tinha sido eu a pisar nele, então praguejou e gritou comigo até ficar sem ar e me mandar fazer o seu chá na cozinha. Eu fiquei claramente insatisfeita com o andamento do meu plano e alguns minutos depois escutei o correio chegar enquanto eu estava na cozinha fazendo o chá; o tio Válter tinha recebido a carta. Eu fui em sua direção, no entanto, era tarde demais, pois ele estava rasgando todas as três cartas endereçadas a mim.
Tio Válter não foi trabalhar aquele dia e, depois do almoço, ele pregou a portinhola, para que não passasse mais nenhuma carta. Tia Petúnia o olhava aflita, sem saber o que dizer ou fazer, mas ele parecia determinado.
— Se não puderem entregar, irão desistir — ele disse para minha tia.
— Válter, essa gente é diferente.
Na sexta-feira, tio Válter ficou em casa outra vez, e chegaram mais doze cartas endereçadas a mim, e como não passavam pela portinhola, tinham sido empurradas por baixo da porta, e algumas até foram forçadas pela janelinha do banheiro no térreo. Ele queimou cada carta e pregou mais uma vez a porta e a janelinha, de modo que nada pudesse nem sair ou entrar. No outro dia, eu comecei a ficar assustada porque as coisas estavam fugindo do controle, e por mais que eu quisesse a carta, eu queria que minhas perguntas fossem respondidas, e aquilo não estava contribuindo com nada, até a tia Petúnia estava ficando louca — tinha destruído várias cartas usando o triturador de comida.
Então chegou o domingo, tio Válter parecia muito cansado, mas ao mesmo tempo sustentava um sorriso no rosto, como se alguém o tivesse contado uma piada.
— Hoje é domingo e sabe o que não tem aos domingos? — ele perguntou, mas ninguém se atreveu a responder. — Não tem correio — ele continuou a dizer ao mesmo tempo em que gargalhava.
Então, no minuto seguinte, alguma coisa desceu chiando pela chaminé do fogão e bateu com força em sua nuca. Nos assustamos com o barulho, mas ninguém se levantou; as cartas saíram velozes da lareira como se fossem tiros. Não dez ou vinte, eu poderia chutar que tinha saído mais de cinquenta. Os Dursley se abaixaram e eu aproveitei a oportunidade para pegar uma, então saltei da cadeira em direção ao ar, mas fui parada por tio Válter que me apanhou, no meio do percurso. Fomos todos para fora da cozinha e a tia Petúnia fechou a porta abraçando um Duda choroso. Tio Válter passou as mãos pelo rosto e começou a andar de um lado a outro muito nervoso e vermelho, enquanto nós três o encaramos sem entender. Escutei o ricochetear das cartas no chão e nas paredes da cozinha, e tio Válter disse, tentando se acalmar:
— Já chega!
— Válter… — tia Petúnia tentou falar com ele, mas foi interrompida.
— Quero todos aqui em 5 minutos. Ponham algumas roupas na mala, vamos viajar — ele disse mais uma vez.
Subimos a escada correndo e eu só peguei um casaco, saindo logo de imediato do quarto. Notei que Duda estava logo atrás e então descemos. Tia Petúnia chegou um pouco depois, e então tio Válter tirou as tábuas da porta para que pudéssemos passar. Entramos no carro e tio Válter deu partida para algum lugar que eu não fazia ideia.
Viajamos de carro por horas sem parar e até a tia Petúnia não se atreveu a falar nada. Eu observei a paisagem passando pela janela e só conseguia pensar em quem estava me enviando aquelas cartas de maneira tão insistente. Quando a noite caiu, Duda começou a reclamar sobre aquele dia ser o pior dia da sua vida e choramingou sobre brincar e assistir televisão.
Paramos em um hotel na estrada e fomos encaminhados para dois quartos, sendo um dos meus tios, e outro meu e de Duda. Naquela noite, eu não consegui dormir direito, então fiquei no peitoril vendo os carros passarem pela rua, ao passo que tentava tirar o foco dos roncos altíssimos vindos do meu primo. Na manhã do outro dia, tomamos um café da manhã suculento estilo Dursley: cereal velho e torradas com tomates enlatados frios. Uma mulher, que se apresentou como a proprietária do hotel, se aproximou da nossa mesa e perguntou:
–—Tem alguma Potter com os senhores? — Tio Válter arregalou os olhos e tia Petúnia levou as mãos a boca, num claro sinal de espanto.
A moça mostrou o verso da carta e lá estava escrito em tinta verde:

Srta. Potter
Quarto 17
Railview Hotel
Cokeworth

Eu me levantei para pegar a carta, mas tio Válter tomou a minha frente. Ele pegou a carta e então a moça saiu, nos lançando um olhar estranho. Ele a seguiu ao longe, e tia Petúnia respirou fundo.

***

Depois da cena no hotel, tio Válter seguiu estrada adentro e eu me mantive quieta. Aquilo era perturbador. Depois de alguns minutos, tio Válter começou a agir ainda mais estranho. Em um momento, ele parava na estrada e saía do carro, em outro voltava o caminho, parecendo que estava perdido, mas ele ainda sustentava o mesmo olhar determinado do dia anterior.
A nossa última parada foi num litoral, tio Válter desceu do carro e foi em direção a um homem. Duda cochichava algo com a mãe e eu tentava saber o que os dois homens estavam conversando do lado de fora. Começou a chover, então Duda choramingou sobre ser segunda-feira e ele querer assistir um programa de televisão que só passava aquele dia.
Sua fala, no entanto, despertou-me. Em poucas horas seria o meu aniversário. Será que os Dursley lembram? Será que tia Petúnia faria algo? Nos anos anteriores, eu só havia recebido coisa velha e usada. Tio Válter voltou para o carro com um pacote fino e abriu a minha porta.
— Saiam todos! Encontrei um lugar perfeito — ele disse enquanto sorria satisfeito. — Esse homem irá nos emprestar o seu barco para que possamos chegar na casa que aluguei. Ouvi dizer que o correio não vai até lá — ele continuou a falar e olhou diretamente para mim quando terminou a sua frase.
Eu senti minhas mãos ficarem trêmulas e o nó na minha garganta surgir. Queria que aquilo fosse mentira, mas aquele lugar parecia o fim do mundo. Um vento forte nos atingiu e eu me encolhi.
— Todos a bordo! Os nossos mantimentos já foram comprados — tio Válter disse.
Segui Duda e tia Petúnia para dentro do barco, e tio Válter foi o último. Fazia ainda mais frio no barco, e a água gelada do mar salpicava a gente. Ele nos levou até a casa e essa parecia que cairia a qualquer momento de tão velha. Entramos na moradia e ela parecia ainda pior por dentro: cheirava a algas marinhas, o piso rangia a cada passo que dávamos e a lareira parecia imprópria para uso, como se a água do mar entrasse por ali e a molhasse.
Tio Válter distribuiu o mantimento entre nós quatro e tentou ligar a lareira úmida. Ele fez uma piada sobre as cartas fazerem falta e desistiu de tentar ligar a lareira um tempo depois. Tia Petúnia arrumou uma cama para Duda com uns cobertores velhos que estavam na sala e le se acomodou no sofá pequeno morfado. Os outros dois se dirigiram ao único quarto da casa que ficava no andar de cima e me deixaram ali, no meio da sala, com o que parecia ser um pano de chão. Eu me acomodei na parte mais macia do assoalho e me enrolei com aquele pedaço de pano, estava agradecida por ter trazido meu casaco, mesmo que fino.
A noite caiu e a tempestade prometida começou a rugir lá fora, as ondas batiam nas pedras com força como se fosse na parede da sala, e o vento forte sacudia as janelas. Continuou assim à medida que ficava mais tarde, e eu não conseguia dormir. O barulho que toda aquela chuva fazia só era abafado pelo ronco de Duda deitado no sofá. Me revirei um pouco e me encolhi mais, estava sentindo muita fome e frio, a minha barriga roncava e o suco ácido voltava a minha garganta de hora em hora. Olhei para o relógio no braço pendurado de Duda e não acreditei que faltavam somente 10 minutos para o meu aniversário. Pensei em meus país mais uma vez e lá se foram 5 minutos. Os Dursley me tratariam melhor? E então 3 minutos. Eu poderia pregar uma peça em Duda. Faltavam dois minutos e eu lembrei do remetente das cartas.
Suspirei derrotada e então escutei alguma coisa estalar lá fora, depois parecia algo triturando. Uma rocha talvez? Não era possível isso acontecer só com uma tempestade. Olhei novamente para o relógio de Duda, faltavam poucos segundos e então os números zeraram, indicando meia noite. Me assustei com as batidas firmes que vinham da porta e Duda despertou, procurando o barulho estrondoso. Alguém queria entrar. Levantei do chão e andei devagar em direção a porta, e a pessoa do outro lado bateu novamente, causando uma movimentação atrás de mim. Tio Válter e tia Petúnia estavam no pé da escada e o primeiro segurava uma espingarda. Ele passou por mim e parou alguns passos da porta.
— Quem está aí? Eu estou armado! — ele gritou para quem quer que fosse.
Tudo ficou em silêncio e eu até respirava mais devagar, também estava com medo do que pudesse ser. A porta levou uma pancada violenta e caiu em um baque no chão. Observei com atenção o homem parado à porta, ele parecia um gigante. A sua juba parecia brigar por espaço com a sua barba emaranhada por um lugar no seu rosto. Recuei um pouco, junto com tio Válter, e o homem entrou na casa, revelando melhor seu rosto e suas afeições. Eu não o conhecia. Ele se abaixou para pegar a porta no chão e a encaixou de volta.
— Olá, Dursley! Não tem ao menos um chá para a recepção? — o homem disse, e tio Válter resmungou algo. — Não foi uma viagem fácil, se quer saber — ele continuou falando enquanto ia em direção ao sofá.
O homem se sentou ao lado de Duda, que saiu correndo para perto da tia Petúnia, parada ao pé da escada. Ele encarou um por um no cômodo e parou seu olhar em mim. Suas feições suavizaram e eu pude notar pelos seus olhos que um sorriso tinha se formado nos seus lábios escondidos pela barba.
— Aí está você, ! — ele disse, ainda sorrindo. — Da última vez em que eu a vi, você era um bebê. Agora você está crescida e parece muito com sua mãe, os olhos são dela, sem dúvidas — ele continuou, e eu sorri.
Escutar aquilo aquecia meu coração. Eu parecia com meus pais. Tio Válter fez um barulho estranho com a boca e chamou a nossa atenção.
— Saia imediatamente! Você invadiu a minha casa — ele rosnou para o homem. O desconhecido não se abalou nem um pouco com a ameaça de tio Válter.
— Cala a boca, Dursley, antes que lhe ensine a fazer isso — o homem disse e arrancou a arma da mão de tio Válter, a quebrando no meio e jogando no canto.
Depois disso, meus tios estavam mais assustados do que tudo e Duda choramingava sem parar. Eu escondi um sorriso satisfeito com as mãos e o tal homem voltou sua atenção para mim.
— Em todo caso, . Feliz aniversário. Tenho uma coisa para você aqui; talvez tenha sentado nela sem querer, mas o gosto continua bom — ele disse enquanto vasculhava a parte interna do seu casaco.
Por um momento, eu pensei que ele pudesse ser o remetente da carta, mas então ele tirou uma caixa preta um pouco amassada e abriu. Dentro havia um grande e fofo bolo de chocolate com a frase Feliz Aniversário, escrita em verde. Por mais que tudo aquilo parecesse super estranho, eu me sentia feliz. Ninguém nunca tinha me dado nada assim.
— Gostou? Não é grande coisa, mas eu mesmo fiz — ele disse depois que eu o encarei com que parecia ser uma careta.
Eu estava me segurando para não chorar na frente dos Dursley, então sorri para o homem e peguei o bolo de suas gigantescas mãos.
— Obrigada, senhor — eu disse, sorridente —, mas quem é o senhor? — eu perguntei cuidadosamente, porque não queria de modo algum magoá-lo. Ele estava sendo tão gentil.
— Claro! Como pude esquecer, não me apresentei. — Ele gargalhou com a sua própria frase e continuou. — Sou Rúbeo Hagrid, Guardião das Chaves e das Terras de Hogwarts.




Por

O gigante que tinha se apresentado com o nome de Hagrid parecia muito empolgado com o que seguia, apesar da carranca e falas mal educadas do tio Válter direcionadas a ele. Tia Petúnia e Duda se encontravam ainda ao pé da escada e ambos sustentavam expressões assustadas. Eu também estava com medo e até assustada, mas o Sr. Rúbeo Hagrid emanava confiança e eu só queria me sentar e escutá-lo falar sobre todas as coisas que o trouxeram até ali. Ele tinha mencionado os meus pais, e parecia ter sido muito próximo deles, então nada mais justo do que eu aproveitá-lo ali para responder todas as minhas perguntas.
Observei o Sr. Hagrid se sentar no sofá e tirar todo tipo de coisa do seu casaco cheio de bolsos para fazer o chá. Percebi que um sorriso maroto se formava nos lábios do homem quando ele apontou o seu guarda-chuva rosa para a lareira e ela magicamente acendeu. Eu estava olhando o tempo todo e sentia que tinha deixado algo passar. O fogo logo preencheu toda a lareira úmida e meu corpo aqueceu rapidamente. Enquanto Rúbeo Hagrid preparava o chá e colocava a salsicha no espetinho para fritar, os Dursley ficaram em silêncio, assim como eu. Alguns minutos depois, Hagrid me ofereceu um dos espetinhos com a salsicha já frita e o tal chá, me fazendo deixar o bolo de lado. Estava faminta e me sentia muito grata por aquela simples refeição com o recém conhecido e gentil homem. Eu nunca tinha feito nenhuma refeição tão tranquila. Duda se contorceu ao lado dos pais e eu notei pelo canto do olho tio Válter brigando com ele, para que se mantivesse afastado da comida.
— Não vou dar nenhum petisco para esse esfomeado, Dursley. Fique tranquilo — disse Hagrid, risonho.
Tudo estava quieto outra vez, e a comida estava acabando. Eu mastiguei a última salsicha e me virei na direção de Hagrid, já que estava sentada ao seu lado.
— Rúbeo, me desculpe mais uma vez. Ainda não sei quem você é.
— Eu sou o Guardião das Chaves e das Terras de Hogwarts, como já lhe disse — ele continuou a tomar seu chá tranquilamente.
— E Hogwarts seria? — tentei questionar da maneira mais gentil possível.
— Vocês não contaram nada para ela? — Hagrid se dirigiu a tio Válter e tia Petúnia. Os dois o olharam com os olhos semicerrados, como se tentassem se conter.
— Ela sabe o que deveria saber. Deixe-a! — bradou a tia Petúnia.
Você é uma Bruxa, .
— Uma bruxa?
— Sim! E será tão incrível como seus pais eram antes de tudo acontecer. — Hagrid afagou o meu ombro em simpatia.
— Como assim antes de tudo acontecer? — eu perguntei, pasma.
Pensava que ele iria responder todas as minhas perguntas, não fazer com que elas dobrassem de quantidade.
— Uma coisa de cada vez — pedi.
— Você é uma bruxa — ele repetiu.
— E os meus pais?
— Eles também eram.
— Já chega! Pare de encher a cabeça da menina com essas bobagens — Tio Válter bravejou mais uma vez.
— Quieto, Dursley! Você recebeu a carta que Dumbledore deixou para ela. Eu estava lá. — Tio Válter recuou mais uma vez e Hagrid voltou a prestar atenção em mim.
Que carta foi deixada? Uma que nem as que tio Válter estava fazendo questão de não me deixar ler?
— Seus pais eram bruxos e aprenderam tudo em Hogwarts, assim como você aprenderá. — Ele sorriu para mim e se remexeu no sofá enfiando a mão mais uma vez no bolso do casaco tirando uma carta. — Veja! É a sua carta de aceitação em Hogwarts.
Ele me entregou o envelope e eu senti um sorriso maior que tudo se formar no meu rosto. Finalmente eu abriria a carta que recebi no hall da casa dos meus tios. Não demorei muito nos seus detalhes tão conhecidos por tanto ansiar aquele momento.

A Srta. Potter,
O Soalho, Casebre-sobre-o-
Rochedo, O Mar.

Eu abri o envelope com cuidado tentando conter a minha empolgação, um misto de sensações me atingiu e eu só conseguia pensar que aquilo era um sinal dos meus pais para que eu finalmente soubesse mais sobre eles. Então eu iniciei a minha leitura:

ESCOLA DE MAGIA E BRUXARIA DE HOGWARTS
Diretor: Alvo Dumbledore
(Ordem de Merlim, Primeira Classe, Grande Feiticeiro, Bruxo Chefe, Cacique Supremo, Confederação Internacional de Bruxos)

Prezada Srta. Potter,
Temos o prazer de informar que V. Sa. tem uma vaga na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Estamos anexando uma lista dos livros e equipamentos necessários. O ano letivo começa em 1°de setembro. Aguardamos sua coruja até 31 de julho, no mais tardar.

Atenciosamente,
Minerva McGonagall
Diretora Substituta

— Isso torna tudo real — eu disse para Hagrid. — Mas eu não sei o que significa “aguardamos a sua coruja”.
— Isto me lembra uma coisa — disse Hagrid, batendo a mão na testa com força. — Tenho que mandar um bilhete ao professor.
Hagrid tirou uma coruja viva do seu bolso interno e meu queixo caiu. Me aproximei mais quando notei que o homem rabiscava com uma pena em um pedaço de pergaminho. Aquilo era tão peculiar e incrível. O pergaminho dizia:

Prezado Professor Dumbledore,
Entreguei a carta a . Vou levá-la amanhã para comprar o material.
O tempo está horrível. Espero que o senhor esteja bem.
Hagrid.

Ele enrolou o pergaminho e o entregou a coruja, que prendeu o pedaço de papel no bico. Hagrid foi até a janela com a ave em mãos e a soltou na tempestade. Aquilo tudo era muita informação e eu sentia que iria explodir com tanto detalhe.
— Nossa!!
— Então, onde eu parei?
— Ela não vai! Não vai para essa escola de aberrações — tio Válter se manifestou.
— Eu gostaria de ver um grande trouxa como você impedi-la — Hagrid disse.
— Trouxa? — eu perguntei.
— Nos referimos assim a quem não é bruxo como nós — ele disse simplesmente, como se não estivesse aborrecido com tio Válter.
— Juramos que acabaríamos com essa palhaçada quando a aceitamos aqui. Eu não vou concordar com isso. — Tio Válter se aproximou de mim e gritou na minha direção.
— Você não vai! — ele gritou para mim.
Eu me encolhi ao lado de Hagrid, e ele apontou o seu guarda-chuva rosa para tio Válter.
— Se afaste dela! Estou avisando. — Tio Válter acatou a fala do gigante e então eu falei com eles pela primeira vez desde as revelações de Hagrid.
— Tios! Vocês sabiam de toda essa história sobre eu ser bruxa? A carta que receberam era sobre isso? — eu perguntei o mais calma que conseguia, já tinha muita tensão entre os dois lados para que eu piorasse as coisas.
— Claro que sabíamos. Como você poderia não ser igual a eles? A aberração da minha irmã recebeu uma carta igual quando tinha a sua idade e estão sumiu, foi para aquela escola — tia Petúnia falava muito rápido e a sua voz estava carregada de raiva. O seu olhar focado em mim dizia que o seu ódio pela minha mãe não era só por ela ter recebido uma carta como eu e ter ido estudar magia.
— Ela voltava para casa nas férias com os bolsos cheios de ovas de sapo, transformando xícaras em ratos, e meus pais se enchiam de orgulho por ter uma bruxa na família, mas eu era a única que a via como ela era...um monstro! — Segurei o choro que insistia em sair por causa das palavras de tia Petúnia e senti a mão de Hagrid apertar o meu ombro.
— Tia Petúnia, pare… — eu disse num fio de voz, e quase não me escutei.
— Então ela conheceu Potter na escola e eles saíram de casa, casaram e tiveram você, e então ela vai e me faz o favor de se explodir e nos deixar entalados com você! Além de ser a cópia dela, é tão anormal e esquisita quanto.
— Recebemos a tal carta, e só confirmava as nossas suspeitas sobre a aberração que você se tornaria — tio Válter completou o discurso de tia Petúnia.
— Como assim eles explodiram? Vocês disseram que eles morreram num acidente de carro — perguntei, enxugando as lágrimas.
— Acidente de carro?! — Hagrid gritou, exasperado. — Um acidente de carro não poderia matar Lily e James. Isso é um absurdo.
— Hagrid, me conte. O que aconteceu com meus pais? — Eu olhei de tia Petúnia para Hagrid ao meu lado.
— Eu nunca esperei isso — Hagrid disse numa voz contida e preocupada. — Eu não fazia ideia do quanto você desconhecia, e não sei se sou a pessoa certa para lhe contar.
— Eu só preciso saber o que aconteceu com eles — suspirei, cansada de toda aquela história. Eu me sentia mais confusa do que tudo. Minha cabeça estava prestes a explodir.
— Começa com uma pessoa chamada… — Ele fez uma parada proposital.
— Hagrid! — chamei a sua atenção.
— Não gosto muito de dizer o nome dele.
— Por quê?
— As pessoas ainda estão muito apavoradas… eu estou apavorado. Olha, havia um bruxo que virou mau. Tão mau quanto alguém pode virar. O nome dele era… — Hagrid fez mais uma pausa e me olhou com uma cara de pura aflição.
— E se você escrever? — eu sugeri, mas Hagrid negou com a cabeça meio desconcertado.
— Eu não sei soletrar o nome dele — ele disse. Eu sorri para incentivá-lo e ele continuou a falar. — Bem, o nome dele é Voldemort. Não me faça repetir, .
— Tudo bem — eu disse finalmente.
— Foram dias sombrios, há uns vinte anos, ele estava procurando por seguidores, e aqueles que o seguiam faziam tanta crueldade quanto ele. Estavam sedentos por poder e ele estava ficando mais poderoso com o passar do tempo. Ninguém sabia mais em quem confiar e quem se voltava contra Você-sabe-quem, morria.
— E os meus pais faziam parte do grupo de pessoas que se voltaram contra Você-sabe-quem?
— Nossa! Você pega as coisas bem rápido. — Hagrid sorriu. Parecia mais feliz, como se nem tudo estivesse perdido. — Sim! Eles eram os melhores bruxos que eu já conheci. Eu tenho uma teoria de que Você-sabe-quem nunca tentou convencer os dois a se aliar a ele antes, porque provavelmente sabia que eram muito chegados a Dumbledore para querer alguma coisa com o lado das Trevas, mas que queria tirá-los do seu caminho. — Hagrid estremeceu e eu engoli em seco.
— Mas como aconteceu tudo? Meus pais não estavam com Dumbledore?
— Não! — Ele respirou fundo. — O professor estava em Hogwarts, um dos únicos lugares seguros que tinha restado. Você-sabe-quem não ousou se apoderar da escola.
— Então meus pais estavam desprotegidos?
— Essa é uma outra história, . O que eu posso dizer é que ele apareceu na vila em que vocês estavam morando, num dia das bruxas, faz dez anos. Na época, você só tinha um ano. Ele foi à sua casa e… — Hagrid fungou no seu casaco e se desculpou. Eu o entendia, mais do que todo mundo até, e não conseguia acreditar em um pesadelo daqueles. Os meus pais tinham sido tirados de mim por um bruxo sedento por poder, que eu sequer lembrava por ser muito nova.
— Está tudo bem Hagrid — disse a fim de o acalmar.
— Mas o verdadeiro mistério eu ainda não contei. Ele tentou matar você, , e você era só um bebezinho. Não sei se ele queria fazer o trabalho completo ou tinha gostado de matar. Nunca se perguntou sobre essa cicatriz? Ela não é um simples corte, é o que se ganha quando um feitiço poderoso e maligno atinge a gente.
— Por isso eu sou famosa no mundo bruxo?
— Sim, . Ninguém nunca sobreviveu depois que ele decidia matar, ninguém a não ser você, e ele já havia matado alguns dos melhores bruxos da época e você era apenas um bebê, e sobreviveu.
— Isso é realmente impressionante. E tem mais alguma coisa que você possa me contar?
— Eu mesmo a retirei da casa destruída, por ordem de Dumbledore, e trouxe você para essa gente… — Ele olhou com desgosto para os Dursley encostados no canto da sala.
— Muito obrigada, Hagrid — disse, realmente me sentindo agradecida.
— Um monte de bobagem — tio Válter disse.
— Hagrid, o que aconteceu com Você-sabe-quem?
— Alguns dizem que ele morreu, mas eu não acredito nessa teoria. Outros dizem que ele está vagando por aí esperando o momento certo para voltar, eu discordo, alguns de seus seguidores voltaram para o nosso lado alegando estar sob algum feitiço e eu acho que não fariam isso se não acreditassem na sua derrota, mas a maioria de nós acha que ele ainda anda por aí, mas que perdeu os poderes.
— Isso não faz muito sentido para mim, você disse que ele estava mais poderoso do que todos e que conseguia mais poder a cada dia. Como pode algo assim acontecer tão de repente? — Na minha opinião, alguma coisa não estava no lugar certo.
— Acredito que algo em você o enfraqueceu. Aconteceu algo naquela noite que ele não estava contando. — Percebi que com a lembrança daquele último fato, o rosto de Hagrid se iluminou e ele me olhava com admiração.
Saber de todas aquelas coisas que envolviam a minha vida e que tinham acontecido quando eu tinha apenas um ano de idade era surreal, e o sentido passava muito longe. Eu sempre fui o saco de pancadas e ofensas de todos; não poderia ser uma bruxa e muito menos alguém que conseguiu derrotar um grande bruxo das trevas. Mais uma vez eu respirei fundo e encarei Hagrid. Esperava que ele continuasse paciente com as minhas dúvidas.
— Não acredito que eu seja uma bruxa e que muito menos fui capaz de fazer tais coisas quando bebê — eu disse, soltando a respiração. Hagrid me encarou com compaixão e sorriu.
— Nunca fez nada acontecer quando estava apavorada ou zangada? — Hagrid perguntou, mantendo um sorriso suave no rosto.
Imediatamente eu me lembrei do dia em que o vidro sumiu no aquário da cobra e quando desejei que Duda ficasse mudo ou quando consegui fugir da sua turma estando cercada. Todas as coisas estranhas que deixavam meus tios furiosos aconteciam por eu ser bruxa e não por azar de estar na hora errada e no lugar errado; era tudo por minha causa. Correspondi ao sorriso do homem.
— Tem razão, Hagrid.
— Sim! Não existe algo mais certo do que Potter ser uma bruxa. Você será muito famosa em Hogwarts.
— Eu já disse que ela vai ficar e ir para a escola secundária. Eu li a carta sobre um monte de lixo que teria que comprar. — Me assustei com a manifestação de tio Válter. Tudo estava indo tão bem e então ele aparecia e se colocava no meio de todas aquelas coisas boas que poderiam acontecer comigo finalmente.
— Se ela quiser ir, eu quero ver um trouxa de araque como você tentar impedir — Hagrid disse raivoso e avançou para mais perto dos Dursley. — Ela é filha de Lily e James Potter, tem uma vaga naquela escola desde que nasceu. Sete anos lá e mal se reconhecerá, será a melhor bruxa e estudará com o maior mestre que Hogwarts já teve: Alvo Dumbledore… — O discurso de Hagrid foi interrompido por um tio Válter que esqueceu completamente com quem estava falando.
— Não vou pagar a nenhum velho biruta para ensiná-la alguns truques de mágica. — No mesmo momento que tio Válter parou de falar, senti Hagrid reunir todas as forças para não o atacar.
— NUNCA INSULTE ALVO DUMBLEDORE NA MINHA FRENTE — Hagrid bravejou, então tudo aconteceu muito rápido. O homem apontou seu guarda-chuva para Duda e uma luz violeta saiu da ponta do objeto, fazendo com que meu primo começasse a gritar segundos depois. Um rabo cor de rosa saia por um buraco em suas calças. Os Dursley olharam aterrorizados para Hagrid e subiram as escadas para o quarto no cômodo de cima quase se atropelando. Eu não sabia o que achar, mas uma vez naquela noite eu estava sem palavras. Ficamos eu e Hagrid na sala e eu suspirei.
, peço que não comente nada disso em Hogwarts. Eu não tenho permissão para fazer mágicas. Me permitiram algumas coisas mais simples para que pudesse te localizar, mas nada a mais.
— Por que o senhor não pode?
— Eu estive em Hogwarts quando mais jovem, mas fui expulso no terceiro ano e eles partiram a minha varinha. O professor Dumbledore me deixou ficar como guarda-caça.
— Ele deve ter um coração muito bom. — Senti que com a menção a sua expulsão, o gigante ficou um pouco quieto e eu poderia dizer que até sem graça, então não fiz mais nenhuma pergunta sobre isso ou o seu período na escola de magia.
— Bem, está tarde. Amanhã temos que acordar cedo para comprar o seu material em Londres — Hagrid disse ao passo que tirava o seu casaco e me estendia. Eu o peguei da sua mão e me cobri com ele, me acomodando no assoalho perto da lareira. O homem se deitou no sofá e quebrou o silêncio um pouco depois.
— Não esqueça de comer um pedaço do bolo amanhã, ele está realmente muito bom.

***

Demorei para pegar no sono depois de toda aquela enxurrada de informações, e quando acordei pela manhã com a claridade, não tardei em abrir os olhos, tinha que conferir se tudo que eu tinha descoberto não passava de um sonho e eu estava de volta ao meu armário. Abri os olhos e a primeira coisa que vi foi a figura de um grande homem dormindo no sofá. Rúbeo era real, assim como a escola de magia. Suspirei aliviada e então notei uma coruja bicando a janela. Eu a destravei e a ave voou, deixando um jornal no colo de Hagrid que ainda dormia e então pousou próxima a mim. Nos encaramos um pouco e percebi que ela esperava algo; talvez um petisco. Busquei por qualquer petisco em um dos bolsos do casaco de Hagrid por alguns minutos até ele gritar que ela queria o seu pagamento. Procurei algo que se assemelhasse a dinheiro e encontrei moedas de vários formatos e cores.
— Dê a ela cinco nuques — disse Hagrid, ainda sonolento.
— Nuques?
— As moedinhas de bronze.
Depositei as moedas na pequena bolsinha que a coruja carregava próxima a sua asa e a ave voou janela a fora. Fui em direção ao meu bolo de aniversário que estava no canto da mesa e peguei um pedaço. Ele estava muito bom e eu sorri com a lembrança de que ele tinha sido feito especialmente para mim. Notei que Hagrid tinha despertado e lia o jornal intitulado Profeta Diário enquanto resmungava sobre o ministério da magia. Ele me explicou que a principal tarefa do ministério era nos manter fora do alcance dos trouxas.
Continuamos a conversar enquanto fazíamos o caminho para Londres, primeiro de barco e depois de metrô. Eu fazia de tudo para controlar a quantidade de perguntas que eu tinha, mas Hagrid era muito prestativo e pude perceber que ele até gostava de me contar todas aquelas coisas. Estávamos no metrô havia alguns minutos e Hagrid tricotava algo amarelo. Já tínhamos discutido sobre muitas coisas e a última delas tinha sido o dinheiro bruxo e onde ele era guardado. Rúbeo disse que a nossa primeira parada seria lá.
— Rúbeo, meus pais deixaram algum dinheiro bruxo guardado nesse banco? Você viu o que tio Válter disse, ele não vai pagar por nada — eu perguntei baixinho, tomando cuidado para que ninguém escutasse.
— Claro que seus pais deixaram dinheiro para você, . Não se preocupe com isso. — Hagrid olhou para o seu lado no banco onde eu estava e continuou. — Acho que você pode querer passar melhor o tempo dessa viagem vendo um pouco mais sobre a escola. A sua lista de materiais está no envelope. Você trouxe a sua carta?
— Trouxe sim. Vou fazer isso, Rúbeo. Obrigada pela dica. — Eu ri baixinho e o homem voltou a sua atenção ao que estava fazendo.
Eu peguei o envelope no bolso da minha calça larga e puxei um papelzinho que eu não tinha dado muita atenção na noite passada. Ele dizia:

ESCOLA DE MAGIA E BRUXARIA DE HOGWARTS

Uniforme
Os estudantes do primeiro ano precisam de:
1. Três conjuntos de vestes comuns de trabalho (pretas)
2. Um chapéu pontudo simples (preto) para uso diário
3. Um par de luvas protetoras (couro de dragão ou similar)
4. Uma capa de inverno (preta com fechos prateados)
As roupas do aluno devem ter etiquetas com seu nome.

Livros
Os alunos devem comprar um exemplar de cada um dos seguintes:
Livro padrão de feitiços (1a série) de Miranda Goshawk
História da magia de Batilda Bagshot
Teoria da magia de Adalberto Waffling
Guia de transfiguração para iniciantes de Emerico Switch
Mil ervas e fungos mágicos de Fílida Spore
Bebidas e poções mágicas de Arsênio Jigger
Animais fantásticos & onde habitam de Newton Scamander
As forças das trevas: Um guia de autoproteção de Quintino Trimble.

Outros Equipamentos
1 varinha mágica
1 caldeirão (estanho, tamanho padrão 2)
1 conjunto de frascos
1 telescópio
1 balança de latão
Os alunos podem ainda trazer uma coruja OU um gato ou um sapo.

LEMBRAMOS AOS PAIS QUE OS ALUNOS DO PRIMEIRO ANO NÃO PODEM USAR
VASSOURAS PESSOAIS.

Quando terminei de ler e analisar toda a lista tentando assimilar o que cada coisa queria dizer, chegamos. Eu tinha dúvidas de que acharíamos tudo aquilo em Londres, mas Hagrid dizia que só era ir no lugar certo. O segui por algumas ruas e com facilidade pudemos caminhar pela cidade movimentada, já que o homem que me acompanhava tinha quase o dobro do tamanho das pessoas ali. Andamos por uma rua na qual tinha muitas lojas, e eu fiquei imaginando como os bruxos esconderam um banco cheio de duendes por ali.
Hagrid parou na frente de um bar velho com o nome de Caldeirão Furado e me indicou com a cabeça. O lugar parecia ser invisível aos olhos de todos, mesmo que estivesse entre duas lojas que pareciam super movimentadas. Segurei na mão de Hagrid antes de entrar e ele abriu a porta. O lugar parecia ainda mais velho e caindo aos pedaços por dentro e sua iluminação era muito ruim. Quando entramos todas as conversas cessaram e eu pude notar os seus olhares sobre nós. As pessoas pareciam conhecer Hagrid e o cumprimentavam quando ele passava do lado delas. Um homem careca atrás do balcão perguntou se ele queria beber o de sempre e Hagrid encheu o peito orgulhoso ao falar.
— Hoje não. Estou em uma missão de Hogwarts, ajudando a jovem Potter a comprar o seu material — ele disse, sorridente.
?
Potter?
— A filhinha dos Potter?
— Que grande honra!
Me encolhi ao lado de Hagrid enquanto escutava todas aquelas exclamações quanto ao meu nome. As pessoas começaram a se aproximar e me cumprimentar, lançando diversos elogios e alguns apertavam minha mão duas vezes enquanto faziam questão de entrar na fila que tinha se formado. Eu me sentia um pouco assustada com toda aquela comoção, mas a mão de Hagrid não deixou o meu ombro um só momento. Depois de apertar a mão de praticamente todas as pessoas, conversar com algumas delas, fui apresentada ao professor Quirrell ,que parecia ser muito legal e foi muito simpático com a gente. Ele ensinava Defesa Contra as Artes das Trevas em Hogwarts e estava atrás de um livro sobre vampiros. Seguindo Hagrid até os fundos, me deparei com uma parede de tijolos.
— Três para cima e dois para o lado — ele disse muito concentrado e então tocou no último tijolo da sua contagem. Eles estremeceram e começaram a se mexer, formando uma espécie de arco.
— Bem-vinda ao Beco diagonal, .
— Uau! Isso é simplesmente fantástico — eu disse muito abobada com todas as coisas ao meu redor. As lojas vendiam praticamente todas as coisas que se podia imaginar, desde caldeirão a vestes e vassouras. Hagrid me despertou de meus pensamentos e seguimos para Gringotes, o banco dos bruxos.

***

Depois de passar em Gringotes e imaginar milhares de maneiras em que uma pessoa poderia ficar presa naquele labirinto de cofres, eu aproveitei a minha sacola cheia de moedas para finalmente comprar meu material. Passávamos pelas lojas, e Rúbeo me explicava o que cada uma vendia. Eu queria entrar em todas, mas decidimos que começar pelos uniformes era mais fácil.
Hagrid me deixou na loja de roupas e disse que iria voltar ao Caldeirão Furado para beber um tônico, ele ainda estava se recuperando da nossa viagem com o vagonete no túnel dos cofres.
— Tudo certo, Hagrid.
— Escute. As moedas de ouro são galeões — disse ele, continuando a sua explicação logo depois. — Dezessete sicles de prata fazem um galeão e vinte e nove nuques fazem um sicle, é bem simples.
— Entendi. — Eu sorri para ele. — Pode ir, eu dou conta.
— Certo, isto deverá ser suficiente para uns dois períodos letivos — Hagrid falou a última parte mais para si mesmo e se despediu de mim.
Parada na frente da loja eu pude perceber alguns detalhes. O seu letreiro dizia: Madame Malkin – Roupas para Todas as Ocasiões. Eu entrei e um aroma doce me atingiu, a decoração rosa clara e bem acolhedora, logo uma mulher baixinha e rechonchuda se aproximou.
— Hogwarts, querida?
— Sim.
— Me acompanhe, por favor — ela disse sorridente enquanto me guiava para um canto. — O que acha de algumas roupas do seu tamanho? Tenho alguns vestidos e peças que você goste?
— Pode ser — eu disse um pouco sem graça.
— Não se acanhe, minha jovem. Madame Malkin está aqui para te ajudar.
Alguns minutos depois e já vestida com uma das roupas que ela trouxe, eu disse que queria mais algumas roupas parecidas, algo mais estilo trouxa, e ela foi buscar, me deixando em pé num banquinho com uma veste que parecia ser a de Hogwarts flutuando a minha frente enquanto uma fita marcava a bainha na altura certa e fazia ajustes sozinha. Comecei a pensar no vestido que ela me trouxe e em como eu me sentia à vontade com ele, O seu tom de verde era quase igual aos meus olhos e esse detalhe me fez imaginar como era ser uma menina normal, que combinava as cores das roupas. Alguns minutos de puro silêncio em que eu observava as minhas vestes bruxas se ajustando à base de um feitiço, escutei uma voz atrás de mim.
— Olá! Hogwarts também?
Olhei para trás no mesmo momento, um pouco assustada por ter sido tirada dos meus devaneios, e analisei o menino que aparentava ter a mesma idade que eu. Ele era pálido e seus cabelos eram de um loiro quase branco. Sorrimos um para o outro amigavelmente e eu respondi.
— Sim.
— Gostei da cor do seu vestido, ele combina com seus olhos.
— Obrigada. — O seu elogio tinha me deixado quase sem palavras.
— Sabe o que mais combinaria? — ele me perguntou.
— O quê?
— O uniforme da Sonserina!
— Por quê? — perguntei, curiosa.
— Porque ele é verde — ele respondeu, confuso. — Você já sabe para qual casa você vai, não é?
— Não.
— Eu acho que vou ficar na Sonserina, ela é a melhor. Toda a minha família foi para lá. Imagina ficar na Lufa-Lufa, lá só tem bobões, eu sairia da escola — o menino disse.
A sua voz transmitia o quão imponente ele estava sendo, e isso me incomodava muito e toda aquela recepção começou a cair no esquecimento, porque as falas do menino me lembravam Duda.
— Você tem vassoura? Depois daqui vou arrastar meus pais para a loja de vassouras de corrida e vou convencê-los a comprar uma para mim. Acho um absurdo não permitirem que alunos no primeiro ano levem suas vassouras.
— Não tenho, não — respondi de forma negativa mais uma vez, ficando bem sem graça.
— Sabe jogar quadribol? — ele perguntou e continuou falando sobre jogar no time dessa tal Sonserina e outras coisas que eu não prestei atenção, porque fiquei pensando sobre o significado de tudo. O que era quadribol?
Observei um pouco de longe em frente à vitrine, Hagrid acenando para mim. Meu rosto se iluminou com a possibilidade de sair dali, e então o tal menino fez uma piada sobre o gentil homem que me esperava. Eu queria lhe dar uma boa resposta, mas me contentei em encará-lo com o meu olhar mais frio. Madame Malkin chegou e dispensou o garoto, que se despediu com um até logo. A mulher então aproveitou que estávamos nós duas e arrumou as minhas roupas novas em uma sacola bem fácil de carregar. Roupas simples embaixo e uniforme em cima. Nos despedimos e eu fui ao encontro de Hagrid.
— Trouxe sorvete. Você gosta, não é? — ele me perguntou enquanto estendia um pequeno pote.
— Gosto sim.
— O seu vestido é bonito. Agora você está ainda mais parecida com sua mãe.
— Obrigada, Hagrid — eu disse, de cabeça baixa enquanto cutucava o sorvete. Normalmente eu ficaria muito animada com todos aqueles elogios.
— O que aconteceu, ? Está se sentindo bem? — Hagrid perguntou, parecendo estar realmente preocupado.
— O que é quadribol?
— Quase esqueci que você não sabe das coisas do nosso mundo.
— Boa observação, senhor Rúbeo — eu disse, tentando descontrair.
— Desculpe — ele disse, segurando o riso. — É difícil de lembrar quando a vejo tão interessada por tudo e se esforçando para entender sozinha.
— Pelo menos não sou um completo desastre. — Suspirei.
— Quadribol é um esporte bruxo, é parecido com o futebol trouxa, só que um pouco mais complexo.
— E Sonserina e Lufa-Lufa?
— São casas na escola. No total, elas são quatro. Todos dizem que na Lufa-Lufa só tem panacas… — Ele meneou com a cabeça ao dizer a última parte.
— Esse pensamento não é nada legal e imagino que os alunos de lá não gostem nada de escutar isso.
— Bem, eu… — Rúbeo ficou sem graça, e eu me apressei em dizer.
— Não se preocupe, Hagrid. Eu sei que você não disse por mal.
— Poxa vida, tenho quase certeza que você passará bem longe da Sonserina.
Começamos a andar e eu me senti mais leve. Contei a Hagrid que todo aquele questionamento era por causa do menino pálido que eu encontrei na loja de roupas, e o gigante me contou alguns fatos sobre a Sonserina. Fiquei sabendo que Você-sabe-quem estudou em Hogwarts e foi daquela casa, me deixando muito surpresa. Dei continuidade à lista de materiais e seguimos para as outras lojas.
Os meus olhos brilhavam mais do que joias e o sorriso não cabia no meu rosto. Compramos livros gigantes e em capa dura na Floreios & Borrões, depois um Caldeirão de estanho — mesmo eu achando o de ouro maciço muito lindo —, ingredientes para poções e um telescópio desmontável. Eu já estava bem cansada, então entramos numa farmácia e Hagrid comprou o restante dos ingredientes para as porções.
— Agora só falta a Varinha — eu disse, suspirando aliviada.
— E eu vou comprar o seu presente de aniversário.
— Não precisa se preocupar, eu gostei muito do bolo.
— Vamos fazer o seguinte, vou comprar um bicho para você. O que acha de uma coruja?
Depois de ir ao Empório de corujas com Hagrid, e sair de lá com uma coruja branca como a neve dormindo em sua gaiola, seguimos para a loja de varinhas. O seu letreiro dizia: Olivaras: Artesãos de Varinhas de Qualidade desde 382 a.C.
Eu segui em direção à porta com Hagrid logo atrás, e assim que entrei na loja, notei uma parede totalmente coberta por várias caixinhas empilhadas, deixando o lugar com a aparência ainda mais minimalista e simples. O gigante que me acompanhava se sentou em uma poltrona que estava intencionalmente postada em frente a um balcão escuro. Eu estava perdida nos detalhes daquele lugar até ser despertada por um homem de meia idade que me encarava de forma curiosa com seus olhos cinzentos através dos seus óculos que pendiam no seu nariz.
— Senhorita Potter, pensei ter tido um vislumbre da sua mãe. É tão parecida com ela — o homem disse de maneira cordial. — Lembro-me de quando a vendi sua primeira varinha; vinte e seis centímetros de comprimento, farfalhante, feita de salgueiro.
— O senhor tem uma memória impressionante, parabéns! — Eu estava agradecida por ter sido comparada a minha mãe mais uma vez, e estava realmente impressionada com o jeito que aquele homem se lembrava dos detalhes envolvendo uma varinha.
— Obrigado, senhorita. Eu me lembro de todas as varinhas que já vendi. O seu pai deu preferência a uma varinha de mogno; vinte e oito centímetros. Flexível — o homem disse nostálgico mais uma vez.
— Eu não sei como cada um desses ingredientes funciona na varinha, mas eu queria uma parecida com a deles.
— Ooh, querida, me desculpe. Acho que me entendeu mal quando disse que ele preferiu. A varinha que escolhe o Bruxo, afinal. — Eu fiquei um pouco sem graça e até um pouco insegura. Ainda não acreditava totalmente que era uma bruxa.
— E se nenhuma me escolher?
— Não tem como isso acontecer você sendo filha de quem é — Hagrid disse ao fundo, despertando a atenção do homem para ele.
— Hagrid! Que bom vê-lo outra vez — o Sr. Olivaras cumprimentou o gigante.
Eles iniciaram uma conversa sobre a varinha de Hagrid que foi partida ao meio quando ele foi expulso e sobre o guarda ainda guardar seus pedacinhos. O Sr. Olivaras me detalhou praticamente cada centímetro da varinha de Hagrid e começou a pegar varinhas na enorme pilha para que eu experimentasse. Depois da oitava varinha, o meu braço já estava mostrando sinais de que, com mais algumas provas, ele ficaria dolorido. A minha teoria de que nenhuma varinha me escolheria estava fazendo sentido, e eu comecei a ficar triste, até que o Sr. Olivaras apareceu com uma outra caixinha.
— Acredito que ela será a última. Uma combinação incomum, azevinho e pena de fênix, vinte e seis centímetros, boa e maleável — ele disse, enquanto me estendia a varinha.
Assim que eu a segurei, um vento quente e reconfortante me atingiu, e eu senti um calor incomum por entre os dedos. Fiz alguns movimentos com a varinha e faíscas em rosa e roxo saíram da ponta. Eu sorri largamente e Hagrid bateu palminhas empolgado, mas o Sr. Olivaras tinha um olhar estranho sobre mim.
— Isso é curioso, interessante e curioso — ele disse.
— O que é curioso, senhor?
— A fênix cuja a pena está na sua varinha produziu só mais uma pena.
— Então essa varinha tem uma irmã? E ela já foi vendida? — eu perguntei, empolgada, se fosse alguém da minha idade, seria legal ter como amigo.
— Sim, e irmã desta varinha te fez essa cicatriz, por isso é muito curioso.
— Ooh, bem...eu não sei o que dizer. — Senti um nó se formar na minha garganta e continuei olhando para o Sr. Olivaras, que encarava a minha cicatriz.
Ela não ficava muito visível por conta da minha franja, mas não era difícil notar quando o olhar das pessoas demorava ali.
— Não precisa dizer. O tempo lhe confirmará que a varinha escolhe o bruxo, e eu acho que a sua escolheu uma grande bruxa. — Eu sorri minimamente e o entreguei os galeões equivalentes ao pagamento da varinha. Hagrid confirmou que eu tinha feito certo e seguimos para fora da loja assim que nos despedimos.
Depois que saímos da loja do Sr. Olivaras, fomos em direção ao Caldeirão Furado para assim irmos para a estação de Londres. Paramos no meio do caminho para fazer um lanche e eu perguntei a Hagrid se poderia levar um sanduíche para mais tarde. O gigante riu da minha pretensão e disse que eu era muito esperta para minha idade, mas aquilo era só o medo por já ter ficado sem comer algumas vezes. Depois do nosso lanche e um breve desabafo da minha parte sobre a expectativa de todos sobre mim, Rúbeo me tranquilizou dizendo que Hogwarts me ajudaria com tudo, e que por mais que eu fosse discriminada e até desacreditada por alguns, eu encontraria um modo de ser forte. Segui a viagem de metrô até a casa dos Dursley sozinha enquanto o conselho dado por Hagrid rodava na minha cabeça "Todos começam do começo em Hogwarts, e você vai se divertir pra valer".

***

Agosto passou como se tivesse o dobro de dias e eu quase não conseguia conter a minha empolgação. Tinha lido todos os livros da lista do meu ano e tinha tentado praticar um feitiço simples de reparo nos meus óculos, o que me rendeu óculos novinhos em folha. Quando eu desci com os óculos novos pela primeira vez, todos notaram a diferença, mas não se importaram em puxar qualquer assunto. Eles me ignoravam como se eu não estivesse ali, no mesmo cômodo e sentada na mesma mesa.
Tia Petúnia não me mandava fazer nada, tampouco entrava no meu quarto para limpar, e eu não sabia o motivo de me sentir tão mal por isso. No último dia de agosto, eu abordei os meus tios na sala e os falei sobre precisar ir a Kings Cross no dia seguinte, pois o meu trem para Hogwarts sairia de lá às 11 horas. Tio Válter fez várias perguntas sobre a localização da escola e zombou sobre eu precisar chegar lá de trem. Eu não disse nada que pudesse aborrecê-los, até que fui gentil perguntando também sobre seus compromissos em Londres. Depois da minha tentativa de diálogo com os meus tios, eu subi para o meu quarto e me ocupei com o livro de Bebidas e Porções Mágicas. Era tarde da noite quando , a coruja que Hagrid me presenteou, entrou pela janela com um rato morto. Eu a encarei já deitada e a ave piou baixo.
— Obrigada, , mas eu já jantei.
Eu dormi com a imagem da coruja branca me encarando e acordei mais cedo do que deveria. Antes que a tia Petúnia batesse na minha porta pela manhã, eu já estava de pé e conferia o meu malão mais uma vez. Coloquei o bilhete que Hagrid me deu na bolsinha que tinha vindo com minhas roupas novas e, entre os vestidos que eu comprei, eu escolhi um de tom avermelhado. Algumas horas depois, na frente da estação, eu segui com tio Válter para a plataforma 9 ¾, e ele estava estranhamente bondoso comigo. Paramos entre duas pilastras e tio Válter me encarou com um sorrisinho zombeteiro.
— Como deve ter percebido, a sua plataforma ainda não foi construída. — Ele apontou para as placas que indicavam as plataformas 9 e 10. — Espero que tenha um bom ano letivo, .
Observei tio Válter voltar para o carro aos risos e então respirei fundo, tentando não entrar em pânico. Empurrei o carrinho de um lado a outro por alguns minutos e observei as duas plataformas. Algumas pessoas olhavam na minha direção mais tempo que o esperado por conta de que estava na gaiola, e eu contive o impulso de pedir informação a um guarda que passou do meu lado. Ele era um trouxa, eu tinha quase certeza que ele zombaria de mim do mesmo modo que tio Válter, então decidi sair do campo de visão da maior parte das pessoas ali. Puxei o carrinho para um canto atrás de uma pilastra, e comecei a pensar em todas as coisas que pudessem me levar a plataforma 9 ¾ . Hagrid tinha usado um tipo de código na parede de tijolos, talvez fosse algo assim, então do mesmo jeito que a ideia veio, ela foi embora, porque se eu pegasse minha varinha e fizesse o mesmo que Hagrid, eu ficaria muito exposta. Rúbeo me disse que os trouxas não poderiam saber sobre nós.
— Cheio de trouxas como sempre. — Escutei uma mulher baixinha e ruiva dizer para outros quatro meninos também ruivos que, assim como eu, estavam empurrando seus malões. —Qual a plataforma mesmo?
— 9 ¾ — um dos meninos respondeu.
— Estamos no lugar certo então. Percy, você primeiro.
Eu me aproximei e vi o momento que o menino correu em direção a parede e sumiu. A sensação de que tinha perdido algo estava ali e então uma menininha ruiva um pouco mais nova se aproximou de mim.
— Oi, meu nome é Gina — ela disse, sorrindo, e eu sorri de volta.
A mulher procurou por ela e então veio em nossa direção ,um pouco desesperada.
— Gina, meu amor, não se distancie — a mulher disse à menina e me olhou com simpatia. Os meninos atrás dela olhavam curiosos e acho que eles eram gêmeos. — Olá, querida, primeiro ano em Hogwarts?
— Sim.
– Para Rony também, mas Gina ainda não — ela disse, apontando para a menina ao meu lado e para um outro menino ruivo que estava um pouco atrás. — Precisa de algo?
— Estava tentando descobrir como atravessar essa parede — eu disse de forma acanhada.
— Claro, os meninos vão te mostrar. — Ela sorriu e voltou para o lugar em que estava, perto dos gêmeos.
— Fred, sua vez — a mulher disse a um dos gêmeos.
— Eu não sou Fred, sou George — retrucou o menino. — Francamente, mulher, você diz que é nossa mãe? Não consegue ver que sou o George?
— Desculpe, George.
— É brincadeira, eu sou o Fred — disse o menino. Ele saiu correndo enquanto empurrava o seu malão e então atravessava a parede.
Eu sabia que era algo sem usar a varinha e agradeci a mim mesma por não ter aberto o malão só para tirar a varinha, ou ter feito algo que despertasse a atenção das pessoas na estação. O outro menino passou logo depois, e a mulher ruiva chamou a minha atenção.
— Pode ir correndo se quiser, querida. Estamos logo atrás de você — ela disse e eu me senti acolhida, assim como com Hagrid.
Saí correndo como ela sugeriu e, depois de segundos sem nenhum impacto, eu constatei que tinha conseguido atravessar a parede. Uma locomotiva vermelha a vapor estava parada na plataforma e, a frente, um letreiro no alto informava que o Expresso de Hogwarts sairia às 11 horas e uma placa mostrava o número da plataforma que pensei não existir, a 9 ¾. Eu não conseguia acreditar, tudo era real e eu finalmente estava vivendo algo extraordinário.
Observei a movimentação enquanto dava uma boa olhada na multidão, e então pude notar que Hogwarts tinha estudantes de todas as idades como Hagrid tinha dito, e todos estavam parecendo super empolgados. Vi todo tipo de animal de estimação passando com seus donos, e as pessoas conversando sem parar e os primeiros vagões que já estavam cheios de estudantes debruçados às janelas se despedindo de suas famílias e até chamando algum colega que se atrasou. Me aproximei de alguns estudantes que desembarcavam os malões e senti uma mão cutucar o meu ombro. Era um dos gêmeos.
— Quer ajuda com o malão? — ele perguntou, apontando para o objeto.
— Sim, eu quero. — Aproveitei a oportunidade.
— GEORGE! Vem dar uma ajuda aqui — ele gritou seu irmão por cima da multidão e piscou para mim. O outro menino se juntou a nós dois e o ajudou a pegar o meu malão e colocar no trem.
— Obrigada. — Estava prestes a seguir para o trem quando eles me pararam outra vez.
— Espera! — disse o menino que parecia ser Fred. — Você é Potter? — ele me perguntou.
Eu não fiquei sem reação como quando me reconheceram no Caldeirão furado e voltei minha atenção para eles.
— Vimos no seu malão — disse o outro gêmeo, que tinha vindo para nos ajudar.
— Sim, sou eu mesma. Potter. — Sorri suavemente estendo a mão para eles. Os dois ficaram estáticos e olharam para minha cicatriz, mas não liguei. — Prazer em conhecê-los.
Depois da breve paralisia dos dois, eles apertaram a minha mão, escutamos uma voz chamando os meninos ao longe e acenei para os dois, entrando no trem logo depois. Encontrei uma cabine vazia logo mais no fundo e me acomodei, suspirei pensativa, não poderia negar o quão estranho era ser reconhecida assim, mas iria me acostumar. Olhando pela janela, pude notar a família de ruivos reunida, e os gêmeos falavam bem agitados com a mãe. Fui pega de surpresa os observando quando todos olharam na minha direção. Acenei para eles e, depois da interaçã,o eu parei de olhar pela janela para que eles tivessem privacidade na sua despedida, e me perdi em pensamentos quando o trem começou a andar. Borrões de casas e mais casas passavam pela janela e eu pensava nos meus pais e em como seria se eles estivessem vivos. Eu iria adorar ter crescido com os dois.
— Posso ficar nessa cabine também? — o ruivo mais novo, que estava no mesmo ano que eu, disse.
— Pode.
Ele se sentou na minha frente e então os gêmeos apareceram logo em seguida.
— Oi, Rony — um deles disse.
— Escute, vamos para o meio do trem. Lino trouxe uma tarântula gigante — o outro explicou ao irmão. — Oi, .
Olhei na direção do menino, e ele estava sorrindo, então eu soube que aquele que me cumprimentou era o menino que tinha vindo ajudar com o malão a pedido do irmão.
— Podem ir. Eu estou bem aqui — Rony disse e os gêmeos deixaram a nossa cabine.
O silêncio reinou e alguns minutos depois, quando eu já estava ficando entediada, o menino disse.
— Você é a Potter mesmo? — ele perguntou um pouco sem graça.
— Sou — disse simplesmente.
— A cicatriz... é verdade?
— Sim! Quer ver mais de perto? — devolvi a pergunta e levantei a franja. Rony se aproximou e ficou levemente impressionado.
— Você lembra quando…? — Ele deixou a frase no ar, mas eu entendi.
— Não lembro de nada do que aconteceu. Só de luzes verdes, muitas delas — respondi e Rony desviou o seu olhar, voltando para seu lugar.
— Todos são bruxos na sua família? — perguntei numa tentativa de deixar o assunto leve.
— Sim, pelo menos todos que eu conheço e já ouvi falar. Papai e mamãe falam de parentes distantes às vezes.
— Sua mãe parece ser bem legal.
— E ela é, mas é muito ocupada também.
— Deve ser um pouco complicado cuidar de cinco filhos.
— Ainda tenho mais dois irmãos, mas eles já se formaram. — Ele fez uma careta.
— Parece ser tão legal quando estão todos juntos.
— Às vezes realmente é, mas não se ganha nada de novo quando se tem tantos irmãos. Uso as roupas velhas de Billy, a varinha velha de Charlie e o rato velho de Percy.
— Eu entendo.
— É verdade que você viveu com uma família trouxas?
— Sim.
— Como eles eram?
— Eles eram péssimos.
— Você sabe para que casa vai? — Rony perguntou.
— Ainda não sei.
— Todos esperam que eu vá para a Grifinória, todos os meus irmãos foram de lá e os meus pais também.
— Acho que vai dar tudo certo. — Sorri para ele.
Percebi que Rony estava mais tranquilo em conversar comigo depois que a nossa conversa mudou de rumo e ele notou que não tinha me deixado mal com as perguntas sobre minha cicatriz ou sobre o bruxo das trevas. Um tempo depois, fomos interrompidos por uma mulher que empurrava um carrinho cheio de guloseimas. O ruivo disse que tinha trazido seu lanche de casa, mas eu nem tinha tomado café, então eu fui até a mulher e pedi que separasse uma de cada coisa no carrinho.
— Feijõezinhos de todos os sabores, balas de goma, chicles de bola, sapos de chocolate, tortinhas de abóbora, bolos de caldeirão, varinhas de alcaçuz… — ela disse os nomes enquanto me entregava. Paguei por tudo e despejei no meu banco quando entrei na cabine.
— Você está com muita fome, hein… — Rony disse enquanto encarava todas as coisas.
— Comprei para nós dois. Não vou aguentar comer tudo sozinha.
— Mas eu trouxe sanduíche de casa.
— E vai dividir comigo. Você não se importaria, né? - -eu disse de forma descontraída, e Rony negou com a cabeça.
A verdade era que ele parecia meio triste e não custava nada ser gentil. Dei uma mordida grande na tortinha de abóbora, Rony me acompanhou pegando um pastelão de carne e passamos o tempo conversando sobre várias coisas aleatórias do mundo bruxo e trouxa. Ele me explicou sobre as figurinhas que vieram junto com os sapos de chocolate e estávamos falando sobre o seu rato Perebas quando a porta da cabine abriu.
— Vocês viram um sapo por aí? — o menino nos perguntou meio choroso.
— Não vimos, mas podemos chamar você se ele aparecer por aqui — eu disse numa tentativa de consolá-lo.
— Obrigado — ele nos agradeceu e saiu.
— Não sei como ele pode estar triste, se eu trouxesse um sapo, faria questão de perdê-lo o mais rápido possível. — Rony deu de ombros.
— Acho que o sapo é realmente importante para ele.
Voltamos a falar de coisas aleatórias até puxar assunto sobre quadribol, e eu já sabia que era um esporte bruxo, mas pedi que me desse detalhes. Estava realmente interessada, desde o dia que o menino loiro falou sobre, e então a nossa conversa sobre quadribol foi a que mais durou. Rony me explicou praticamente tudo, e que algumas coisas seriam mais fáceis de entender assistindo a um jogo. A porta da nossa cabine abriu no momento em que Rony estava prestes a me mostrar um feitiço que o irmão tinha ensinado. Era o menino que tinha perdido o sapo e ele estava acompanhado de uma menina que já estava vestida com o uniforme de Hogwarts.
— Vocês viram um sapo por aí? Neville perdeu o dele.
— Não vimos — Rony respondeu.
— Você está fazendo feitiços? — a menina perguntou para Rony. — Quero ver também.
— Sol, margaridas, amarelo maduro, muda para amarelo esse rato velho e burro. — Rony agitou a varinha, mas nada aconteceu.
Ele ficou com as bochechas vermelhas e eu tomei a frente da conversa mais uma vez, antes que qualquer um falasse algo.
— Eu sou Potter e ele é o Rony. — Apontei para nós dois.
— Weasley — ele completou.
— Sou Hermione Granger. — Ela sorriu para mim. — Já ouvi falar de você. Você está em alguns livros que eu li.
— Alguns? Eu pensei que fosse só no História da magia — eu disse, admirada.
— Posso te mostrar os outros livros depois.
— Claro. Ainda não tive tempo de pesquisar tudo sobre mim mesma. — Notei que os olhos da menina brilharam com a minha frase e um sorrisinho se formou em seus lábios.
— Vamos continuar a procurar o sapo de Neville, acho que seria melhor vocês trocarem de roupa. Vamos chegar daqui a pouco.
A menina saiu e Rony revirou os olhos. Acho que ela o deixava desconfortável e meio ranzinza.
— Ela é bem mandona — ele disse.
Rony resmungou mais um pouco e eu sugeri que deveríamos trocar de roupa, para podermos ganhar tempo e não precisar fazer tudo com pressa, então ele aceitou de bom grado e nos revezamos na cabine.
— Acho que já estamos chegando. O trem reduziu a velocidade — Rony disse.
Esperamos mais uns 10 minutos e o trem parou. Nos olhamos apreensivos e nos levantamos para seguir com todos para fora e assim que saímos, o ar gelado da noite me envolveu e eu abracei meus braços.
— Alunos do primeiro ano por aqui — uma voz conhecida disse entre a multidão. — Todos aqui comigo — disse novamente e eu achei o seu dono, Hagrid.
Eu quase gritei de alegria quando vi o homem barbudo logo a frente segurando uma lanterna e andei em sua direção junto com os outros alunos.
— Olá, . Está tudo bem? — Ele sorriu e deu uma batidinha no meu ombro. — Todos por aqui. Me sigam.
Hagrid nos guiou por um caminho estreito e escuro, nos fazendo ter o primeiro vislumbre de Hogwarts, o castelo era enorme. Depois que os sussurros surpresos cessaram, Hagrid nos indicou vários barcos parados na margem.
— Quatro por barco! — ele disse de um modo que todos escutassem. Eu fui em direção a um barco e Rony me seguiu. Vi Hermione Granger passar ao nosso lado e a chamei, ela veio até o barco com Neville logo atrás que choramingava um pouco.
— Ainda não acharam o sapo? — eu perguntei e Neville negou com a cabeça.
Quando todos estavam acomodados nos barquinhos, eles largaram da margem no mesmo momento, deslizando pelo lago e nos dando uma visão ainda mais incrível do castelo. Tentei aproveitar um pouco mais a travessia, quando Hagrid disse que só faríamos outra vez no nosso último dia do último ano. Todos os barcos pararam num lugar que parecia ser embaixo do castelo e eu não conseguia acreditar no que estava vendo, tudo parecia mágico ali também. Hagrid achou o sapo de Neville em um dos barquinhos e o menino ficou super feliz. Quando começamos a subir uma escadaria, eu me aproximei de Rony e o garoto sorriu nervoso para mim. Hermione estava logo à frente e parecia confiante. Quando chegamos ao topo da escada, Hagrid bateu algumas vezes na porta e uma mulher alta com um vestido verde apareceu.
— Alunos do primeiro ano, essa é a professora Minerva McGonagall.
— Obrigada, Hagrid. Eu cuido deles daqui por diante — a mulher disse, séria, nos encarando um a um.<


Continua...


Nota da autora: A primeira coisa que eu tenho a dizer é que eu estava muito nervosa sobre postar essa história. É algo muito complexo para se pensar e envolve todo um universo de uma só vez, algo como uma desconstrução e adaptação de eventos que até então eram secundários, mas no geral eu estou me divertindo muito ao escrever e pensar em cada possibilidade que a versão feminina do Harry pode ter. Eu espero de verdade que vocês gostem, porque eu gostei muito.❤

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