Codificada por: Cleópatra
Última Atualização: 03/10/2024Não se preocupe. Eu não vou morrer em um acidente de carro, ou ter câncer. Nem o cara que eu amei vai morrer no final. Também não vou perder a memória, nem vou esbarrar em um corredor contra um cara super gato. Apesar de eu ter conhecido, alguns caras super gatos. É possível que você até dê umas risadas, mas eu não prometo nada. Eu não sou a pessoa mais indicada para falar sobre risos e piadas, visto que meu humor é um pouco… inexistente. Não sou mal-humorada, só não sou o tipo de garota que sai por aí sorrindo para as árvores e dando bom dia ao sol.
Era uma quinta-feira, dez horas da manhã, quando uma aglomeração no meio da redação do jornal à beira da falência em que eu trabalhava acabou tirando minha atenção dos documentos (provavelmente) ilegais que eu estava lendo. Rian e Lana estavam no centro do local. Falavam alto, gesticulavam excessivamente e todos em volta, sedentos por uma fofoca, pararam para ver.
A história era a seguinte: Lana, uma das melhores colunistas do Daily, havia aceitado um emprego em outro país, mas ela também tinha acabado de se entender com Rian, depois de muitos anos de atração, amizade colorida e negação de ambas as partes. Agora, Rian estava no meio de todas as mesas do jornal, fazendo um discurso patético sobre como ele havia passado por situações mais patéticas ainda para chegar até ali, implorando para que ela ficasse no país, pois ele a amava. Eu não sabia qual merda ele tinha feito, mas sabia que ele tinha feito alguma coisa e também sabia como isso ia terminar.
Depois de fazer a famosa confrontação, falando que eles nunca dariam certo, que eram muito diferentes e blá blá blá, ela pularia nos braços dele. Trocariam juras de amor, dariam um beijo apaixonado, todos bateriam palmas e eles terminariam juntos, casados e felizes para sempre.
Essa é a verdade sobre histórias de amor. Elas existem, não são inventadas em filmes ou livros de Nicholas Sparks, porém, nem sempre existe um "felizes para sempre".
Existe um "felizes até os primeiros seis meses".
No meio do caminho, acontece a complicação e pronto, fim do amor eterno. Aí vem os dois meses de fossa e então, já é o tempo de sua próxima história de amor começar.
É claro que eu não quero generalizar, não quero dizer que o que eu falo é lei, eu apenas falo por experiências reais e pessoais. As pessoas têm tendência a achar que histórias de amor são de apenas duas pessoas que vão ficar juntas para sempre, quando na verdade, toda pessoa vai ter pelo menos quatro ou cinco histórias de amor na vida, contando com as "não-românticas".
Dei uma risada de escárnio quando vi Lana pular no colo de Rian, beijando-o e juntei-me aos colegas do estágio nas palmas.
Eu sabia que ia acabar assim. Eu estava familiarizada com grandes cenas de demonstração de afeto em público, eu estive presente em algumas delas. Não por que aconteciam comigo (nunca aconteceu), mas eu conhecia pessoas que tinham ótimas histórias de amor.
Eu sempre fui a garota ao lado, a amiga, a conhecida, e pasmem!, já fui até a vilã. Por onde começar?
Barbara. Era uma garotinha de cabelos loiros que adorava roubar as brincadeiras que eu inventava na pré-escola e fingia que a criação era dela. O garotinho - cujo nome eu não faço ideia - que eu tinha uma paixonite amava minhas brincadeiras, mas a tal da Barbara acabava levando todo o crédito já que eu era tímida o suficiente para não explanar minhas ideias para os coleguinhas.
E então, para o desespero do meu coração de cinco anos de idade, Barb e o garotinho brincavam juntos de gangorra. E sentavam um perto do outro. E dividiram seus lanches até o oitavo ano.
Pode parecer estúpido, mas essa foi a primeira vez que me senti irrelevante e descartável, mesmo que eu ainda não soubesse o que essas palavras significavam. E eu lembro perfeitamente do que senti. Claro que eu esqueci deles uns dias depois e já estava concentrada em algum outro livro inadequado para minha idade ou uma brincadeira de rua perigosa demais. Mas eu me lembro.
Amanda foi uma das minhas melhores amigas na escola. Nós estudamos juntas desde o pré. Ela conhecia Barbara, inclusive. Eu devia perguntar a ela sobre o garotinho. Se ela lembrasse nome o dele, bastava uma pesquisa no Facebook para eu descobrir se ele era o amor da minha vida ou não. Amanda costumava ser bobinha e boazinha demais para seu próprio bem, acho que eu fui sua única amiga por um bom tempo. Eu sempre tive um fraco pelos desajustados e oprimidos, afinal.
Eu sempre gostei de estudar, mas não era classificada como nerd. Nos rótulos idiotas que nos eram dados na escola, eu nem era classificada. Eu sempre fui o tipo de garota que ninguém presta muita atenção. Se eu for na reunião da turma daqui a alguns anos, provavelmente não vão me deixar entrar por não lembrarem de mim. Talvez nem me convidem.
Aí apareceu Gaston, o garoto popular e boa pinta que todos da escola gostavam e queriam por perto. Ele jogava futebol, tocava violão, tinha um belo corpo e era simpático com todos. Um dia, eles foram obrigados a fazerem um trabalho juntos e acabaram conhecendo-se melhor. Amanda, óbvio, se apaixonou. Mas Gaston não a via com esses olhos e ela, já apaixonada e querendo impressionar, pediu minha ajuda para mudar o visual e seu jeito meio... Recluso e estranho de ser. Eu não sou nem uma profissional de moda, eu sou bem adepta ao "confortável antes do agradável", mas eu sabia que usar saia abaixo dos joelhos com tênis de corrida nunca foram uma boa opção.
E eu também era o que pode se chamar de uma garota com atitude demais. Porém, eu era tímida demais para que os outros notassem minha irreverência. Mudança de atitude aqui, roupas melhores ali, bum! Gaston estava apaixonado.
Hoje em dia eu sou profundamente contra que alguém mude seu jeito de ser por outra pessoa, mas naquela situação, eu entendo que foi um pouco necessário. Gaston jamais perceberia que Amanda era mais que notas altas e um cabelo encharcado de creme se ela não se fizesse notável.
A nerd e o popular. Eles formaram um bom casal, eram um nojo de tão fofos. Eu acabei perdendo o contato com eles depois que nós concluímos o colegial, não sei o que aconteceu para o término deles.
Bom, também houve Peter, meu primeiro namoradinho sério. Eu e Peter vivemos um grande amor, do tipo que eu cheguei a pensar que ele seria 'o cara', apesar de termos apenas 16 anos. Éramos um ótimo casal, todos tinham inveja de nós. Eu ainda lembro do dia em que aconteceu de ele conhecer Ila. Eles esbarraram-se no corredor da agência de viagens da mãe de Peter.
Bolsa, papéis, celulares voaram pelo ar e as chaves dele acabaram ficando nas coisas dela. Lembro dele me contando o acontecido, lembro do pequeno e passageiro aperto que senti no meu peito. Acabaram combinando de se encontrar para devolver as chaves e o acaso fez o seu trabalho, fazendo-os se encontrarem mais algumas vezes e bum! Adivinha só? Peter estava apaixonado.
Até hoje eu não sei o que aconteceu entre eles dois nessa época, só sei que logo eu fiquei solteira.
Não aceitei bem e fui bem imatura em relação a isso, confesso. Mas como eu disse, eu só tinha 16 anos e nunca tinha gostado tanto de uma pessoa, tinha quase certeza de que Peter era o meu "meant to be" e desde Amanda (que para mim teve um final feliz, mesmo que hoje ela namore um figurão do ramo farmacêutico), eu estava querendo mesmo ter a minha própria história de amor. Então comecei a fazer eles passarem por alguns... Probleminhas. Eu fiz o que uma vilã de 16 anos de uma novelinha bem ruim pode fazer. Beijei Peter quando sabia que Ila estava olhando.
(Breve parênteses se faz necessário, o plano não daria certo se Peter não me beijasse de volta. E ele beijou, então ponto pra mim.)
Foi uma cena e tanto, típica de novela mexicana, Ila chorando e gritando, Peter, desesperado, tentando explicar que não era aquilo que ela estava pensando. Aconteceram várias coisas nesse meio tempo, mas no final de tudo, Peter fez uma puta serenata para Ila, com flashmob e tudo, mobilizando quase a cidade inteira. E eu lembro de ver tudo no canto, sentindo-me um lixo. Essa vai ser uma cena recorrente, aliás.
Foi uma época estranha. Ainda me questiono como fui capaz de fazer tudo isso, eu não estava pensando muito bem e sinto (muita!) vergonha até hoje. Fiquei enciumada pelo fato de Peter e Ila terem uma história de amor bem legal para contar. Peter foi o primeiro menino que eu gostei de verdade e eu não tinha muita facilidade em gostar de pessoas.
Nessa mesma época, minha irmã entrou em um relacionamento com uma garota que ela costumava odiar e isso me deixou ainda mais chateada. Eu não entendia por que diabos todo mundo possuía uma história de amor ridiculamente clichê e bonita. Não que eu fosse o tipo de garota irrevogavelmente romântica, chegava até a ser o contrário, mas eu também não era contra um "amorzinho".
Eu tenho minhas próprias teorias sobre amor e suas histórias, e acredito veemente nelas.
Porém, ainda não era o fim. Tive um segundo "namorado", Tom. Quase namorado, porque nós só ficamos juntos por um tempo, sem realmente termos rotulado algum tipo de relacionamento. Ele era um cara legal, mas não era como se eu fosse louca por ele. Ficamos por alguns meses, até uma garota loira se mudar para casa ao lado da dele. No início, ele reclamava muito dela e vice-versa, mas eles começaram a conversar, começaram a se ver com outros olhos e adivinha? Apaixonados, é claro!
Numa noite chuvosa e sem energia, Tom e a garota acabaram beijando-se e dormiram juntos. Alguns dias depois, Tom me contou e disse que não podia mais sair comigo. Sem surpresas, sem mágoa nenhuma, eu sabia que ele estava gostando dela, percebi quando ele começou a falar dela de um jeito diferente. Atualmente, Tom e a garota moram juntos, tem um cachorro e um Instagram de dar inveja em qualquer solitário.
Carol, uma grande amiga minha da faculdade. Carol e eu sempre fazíamos trabalhos juntas. Num dia qualquer, Joseph – um cara lindo demais pra ser real – chamou Carol para sair. Ele era o cara perfeito com ela, um verdadeiro príncipe e eu, invejosa que sou, comecei a sair com o melhor amigo dele. Nós quatro sempre saímos juntos, até o dia que Carol descobriu, junto com toda a universidade, que Joseph tinha feito uma aposta que ele conseguiria pegar a garota bonita demais para ser tão quietinha, mas você já deve imaginar que a essa altura do campeonato, Joe já estava perdidamente apaixonado. Ele e Carol enrolaram por um tempo, mas eu já sabia que isso ia acabar em algum discurso público e apaixonado.
Carol e Joseph fazem três anos de namoro na semana que vem. Estou ajudando-a a organizar uma viagem romântica para o Caribe.
Você já assistiu Crazy, Stupid, Love? Sabe a cena em que a Emma Stone entra no bar procurando pelo Ryan Gosling? Ninguém nem percebe, mas antes de Emma roubar toda a atenção e beijar o cara, Gosling estava acompanhado de uma garota loira. Ele estava jogando todo o charme Gosling, que eu não sei da onde vem, e simplesmente vai embora com a Stone, sem nem olhar para trás. Na vida, eu sou aquela garota.
Tipo, literalmente. Algo semelhante aconteceu comigo. Eu estava em um bar, conversando com um cara e antes de acontecer qualquer coisa entre nós, antes mesmo de ele me pagar uma segunda bebida, uma garota entrou e se declarou para ele em cima de uma mesa, ignorando-me completamente. Todos bateram palmas, alguns filmaram e eu tomei um dos maiores porres da minha vida.
Não era possível, essa seria a minha sina? Terminar sozinha, sem uma história legal e bonitinha para contar? Talvez seria.
Haniel.
Haniel foi diferente. Eu o conhecia a muito tempo e nós sempre fomos muito um pelo outro. Depois de alguns anos de pura teimosia minha, nós finalmente ficamos juntos. Foi o meu segundo e melhor namorado, e até hoje acho que ele foi o grande amor da minha vida. Éramos muito parecidos e estar com ele sempre foi a melhor coisa do mundo para mim. Ninguém no mundo me conhecia como ele e nós éramos aquele casal que todo mundo deseja ser um dia.
Até que em um churrasco de aniversário, ele conheceu a prima de um amigo nosso. Ana era o completo oposto de mim, completamente diferente dele também. Sorria demais, elitista demais, o cabelo liso demais, dentes brancos demais.
É claro que eu só estou arrumando milhões de defeitos para aquela garota com a cintura fina demais e o nariz perfeito. Na verdade, ela era a coisinha mais fofa. Quando os vi juntos em uma praça da cidade, a nossa praça preferida, no dia do meu aniversário de 20 anos, engatando em uma conversa cheia de olhares prolongados e sorrisinhos tímidos, eu já sentia o que iria nos acontecer. Fechei os olhos e pedi para alguma força superior que ele ainda fosse minha história de amor eterno.
Não era.
Algumas semanas depois, Hani tornou-se distante e quase um desconhecido. Quando ele pediu para conversar, eu chorei como uma criança pois já sabia o que vinha a seguir. Conversamos no chão do meu quarto por horas. Ambos choramos muito nesse dia. Ele disse que sempre me amaria, mas não era mais apaixonado por mim e não se sentia mais confortável em manter um relacionamento comigo enquanto queria estar desesperadamente com outra pessoa.
Eu não fiquei com raiva dele. Eu realmente entendi o que ele estava sentindo e aceitei, mas isso não me impediu de passar a noite chorando no colo da minha mãe. Foi nesse dia em que eu aprendi na prática, o que muita gente já tinha dito: que, às vezes, apenas amor não é o suficiente.
Tinham se passado quase três anos desde meu término com Haniel. Todos nós temos aquela pessoa, que se dissesse "volta", você voltaria sem pensar duas vezes, certo? Ele era a minha. Hani sempre foi minha saudade mais doída e o maior amor que eu já senti por alguém que não era da minha família. Também foi o único cara para quem eu disse as três palavrinhas.
Desde então, minhas aventuras amorosas não passavam de alguns dias. Às vezes, apenas noites. Agora, a faculdade de jornalismo e o estágio em uma merda de jornal ocupavam a maior parte do meu tempo. E as horas vagas, eu passava enlouquecendo com minha melhor amiga, Dana Tomanzio.
Entre toda a confusão que minha vida se tornava algumas vezes, entre todos os "vai e vens", entre todos as pessoas e suas malditas histórias de amor, Dana (que eu chamava carinhosamente de Dizzy) foi a única que continuou ao meu lado.
Incondicionalmente.
Você sabe qual é um dos maiores e mais grotescos erros que uma pessoa comete na vida? Desejar ser adulto quando se é criança. Eu fui uma criança "adulta" demais. Aprendi a ler com três anos de idade, contrariando todas as expectativas. Com dez, eu já tinha lido e entendido (acho importante frisar isso) o livro Sofies Verden. Com doze anos, eu decidi o que queria ser quando crescesse. Aos trezes, minha vida inteira já havia sido planejada por mim mesma. Eu seria uma grande jornalista, iria trabalhar no jornal que meu pai costumava ler pela manhã. Eu almejei pela vida adulta.
Imaginava-me andando pelas metrópoles mais importante. Cheia de projetos e contatos, bem encaminhada profissionalmente, com um relacionamento amoroso saudável, cheia de amigos e com sapatos de salto alto. Entretanto, aqui estou eu. Aos vinte e cinco anos, não me considerando nem um pouco adulta e sentindo como se o mundo inteiro conspirasse contra mim. Quase reprovando em várias matérias na faculdade, completamente perdida no meio de trabalhos e mais trabalhos, provas surpresas e professores indignados com a minha falta de responsabilidade. Morava em uma cidade considerada pequena, não tinha nenhum projeto, solteira, apenas uma amiga de verdade e sapatilhas.
A mini-eu de treze anos de idade estaria bastante desapontada, porém, eu atribuo a culpa a Hollywood e seus filmes e séries que me prepararam para o mundo de um jeito errôneo.
A única parte da minha ilusão de infância que poderia até ser considerada verdade era estar encaminhada na vida. Como eu disse, poderia ser verdade. Eu havia conseguido um estágio no Daily, um jornal que recebia tantos empréstimos de políticos que era quase inteiramente financiado por um único partido. Era considerado um jornal tendencioso e quase falido.
Eu sobrevivia apenas na esperança de conseguir algum dia escrever em alguma coluna. Ir contra o sistema, sabe? Mas o número de decepções que eu tinha a cada reportagem enaltecendo políticos e suas corrupções só aumentava; E minha vontade de ser jornalista e escrever só diminuía. Eles diziam ver grande potencial em mim, então me exploravam usando a desculpa de "me formar como profissional" e coisas do tipo.
Eu sabia que estava sendo explorada, que estava sendo responsável por trabalhos variados e que não deveriam ser meus. Mas eu necessitava daquele estágio remunerado. Precisava da experiência e principalmente, precisava do dinheiro. É claro que eu fui avisada que as coisas no mercado do meio jornalístico eram meio alienadas e incoerentes, mas eu também tinha certeza que o colunista das sextas feiras pedir para eu aumentar meu decote para lhe dar "inspiração" DEFINITIVAMENTE não é certo.
A verdade é que no momento eu tinha mais responsabilidades e problemas que minha sanidade era capaz de aguentar. E tudo o que eu queria era tomar uma cerveja.
Foi assim, enlouquecendo entre um relatório desnecessário e as secretárias fofoqueiras do editor chefe, que eu resolvi aceitar o convite de Dizzy para tomar umas em um pequeno clube da cidade.
Dana era uma bela morena de cabelos longos que eu chamava de melhor amiga e apelidei de Dizzy. Nos tornamos amigas na escola. Até conhecê-la, nunca imaginei que uma pessoa como eu poderia ser amiga dela, mas também não entendo como não nos tornamos amigas antes. Eu não sei de onde surgiu o apelido, eu provavelmente estava bêbada quando inventei. Eu ficava constantemente bêbada no meu último ano na escola. Não, eu não me orgulho disso. Mas adolescência é uma fase estranha e as coisas que fazemos nela não podem definir nossa vida inteira.
Ela era publicitária. Começou a faculdade antes de mim e acabou se formando antes também. Trabalhava em uma agência publicitária, mas sua beleza, carisma e grande desenvoltura com as mídias a possibilita de ter várias outras oportunidades de trabalhos. Tipo, trabalhar como modelo, se arriscar como atriz, dançarina. Enfim, Dana era aquela pessoa de mil e uma utilidades que a gente até odeia um pouco por ser boa em tudo.
Não entendi a urgência dela ao me mandar cinco mensagens seguidas, mas ela devia imaginar que o final do mês estaria me deixando meio louca mesmo. Avisou que estava no Carté com uns caras que ela conheceu. Mandou mais umas quatro mensagens perguntando onde eu estava logo que confirmei minha presença.
Respondi assim que vi o trânsito paralisar a minha frente.
Dana não costumava mais dirigir carros. Depois que bateu em um ciclista no estacionamento de um supermercado, ela ficou meio traumatizada. Ela vendeu seu carro para mim e comprou uma moto, que estava na avaliação, por isso deduzi que ela devia estar querendo carona. Só isso explicaria sua insistência.
Batuquei o início de To Love Somebody no volante enquanto olhava o céu chuvoso e nublado formando-se. Como diria minha mãe, estava "branco de chuva".
Suspirei fortemente, pensar na minha mãe sempre causava um aperto no peito. Eu estava tão cansada, aquela maldita Janis Joplin tocando no meu rádio só estava me deixando mais deprimida e minha cabeça parecia prestes a explodir. Passei a mão pelo rosto, pensando em jeitos de espantar a preguiça e a vontade de ir para casa, mas pensei que teria que arranjar um lugar para ficar se Dizzy levasse alguém. Eu não gostava de ficar em casa quando ela fazia sacanagem no quarto ao lado. Quase nunca tínhamos conflitos sobre garotos em casa, até porque nossas vidas sexuais eram bem parecidas.
É claro que estou exagerando. A vida sexual dela definitivamente era mais agitada que a minha. Eu me trancava no quarto ou saía do apartamento quando ela estava com alguém e ela fez o mesmo nas poucas vezes em que eu voltei com alguém de alguma noitada. Dizzy e eu aproveitávamos a vida de jovens solteiras plenamente e, de vez em quando, até dividíamos alguns caras que topavam uma loucura.
Não tínhamos muitas regras sobre morarmos juntas. Tudo sempre foi muito natural, na verdade. Dana sempre foi a melhor parte de mim e era muito fácil ser eu mesma com ela.
Nossos pais quase tiveram um ataque cardíaco em conjunto quando decidimos deixar Springfield (Não, não é a mesma dos Simpsons. Se você pesquisar, vai descobrir que existem mais de 100 cidades com o mesmo nome), a cidade que nascemos e fomos criadas, para tentar a vida em Hillswood*, a cidade que mais cresceu economicamente nos últimos meses e que era o melhor lugar para se iniciar uma carreira, segundo estudos promovidos pela BBC.
Foi assim que eu decidi que devia ir e morar a quase 3700 km de distância da minha família. Eu e Dizzy já tínhamos tudo tão perfeitamente calculado e pronto que não teve como nossas famílias negarem. Na real, eu acho que eles estavam mesmo afim de se livrar de nós. Meus pais sempre foram muito conscientes das minhas vontades, que infelizmente não coincidiam com as nossas condições. Eles sempre quiseram que eu estudasse em um lugar conceituado, porém, acho que eles estavam pensando em uma faculdade estadual mesmo, perto de casa. E os pais de Dana já não estavam mais aguentando suas aventuras desnecessárias.
Foi sofrido e doloroso, principalmente pra mim, deixar minha família, mas a necessidade faz a mulher e nem toda a ansiedade e tristeza me fariam ficar em um lugar em que eu tinha 40% de perspectiva de vida.
O nosso apartamento era um pouco afastado do centro da cidade, localizado em um bairro considerado calma e "jovial". Tinham dois quartos, um banheiro em cada um, a sala e cozinha eram um só cômodo, divididas por um balcão - esse balcão costumava ser nossa mesa de jantar. A cozinha era pequena, de modo em que não cabiam nem três pessoas lá e a sala era até bem espaçosa, mas a nossa mesinha de centro ocupava grande parte dela, o que mostra que a sala talvez nem fosse tão espaçosa assim. Os banheiros eram minúsculos, nós não tínhamos água quente, nossos vizinhos eram meio estranhos, eu demorava 45 minutos para chegar relativamente perto da faculdade, mas era do jeito que eu e Dizzy gostamos e sempre desejamos.
A melhor parte eram as janelas de vidro gigantes que tínhamos na sala, que mostrava a vista maravilhosa do centro da cidade. Quando a noite chegava, as luzes dos prédios do centro faziam tudo parecer bonito e calmo, isso nos relaxava quando estávamos enlouquecendo dentro do nosso pequeno universo.
Eu tinha vinte anos quando deixei o Jeins, a periferia de Springfield, e me mudei para Hillswood. Não tinha dinheiro, nem esperanças, tinha apenas notas boas e financiamento universitário do governo. Ao contrário de mim, Dana sempre teve boas condições financeiras e quando cheguei com a ideia de irmos viver em outra cidade, ela concordou em apenas dois minutos de argumentação minha. Disse que estava mesmo querendo viver uma grande aventura ou algo assim.
No dia, eu ri, entretanto não consegui não pensar que isso era coisa de gente rica. Que faz o que quer, na hora que quer porque tem dinheiro para isso.
Ao contrário do que parece, eu não sou (tão) amargurada, nem invejosa ou coisa assim. E Dana também não é uma dondoca endinheirada e mimada. A família não era rica de berço, lutaram para conseguir um bom estilo de vida. Acho que por isso que não tive problemas em aceitá-la como amiga, ela era uma garota pé no chão e humilde no meio de um bando de pessoas mesquinhas.
Eu estudei como bolsista em um colégio de classe média alta. Eu provavelmente era a única da turma que vinha do "lado ruim" da cidade. Eu ignorava a quase todos, principalmente os que se achavam os donos do mundo só porque tinham mais numerais nos bancos que a maioria. Não fazia questão de me encaixar socialmente também.
A minha meta era passar pelo ensino médio sem grandes emoções, sem grande loucuras e estresses, mas Dana apareceu. Eu não lembro como a gente começou a se falar, só lembro que um dia éramos desconhecidas e no outro amigas inseparáveis.
Sem complicações ou explicações.
Quando cheguei em frente ao Carté, uma garoa fina já caia e o céu quase branco mostrava que ainda vinha muito água por aí. O Carté era um casarão que, por fora, parecia até abandonado. Mas dentro, os cômodos eram como se fossem pequenas boates e tocavam estilos diferentes de música. Tinham pequenos bares espalhados pelo local, tinha uma ótima acústica, era um lugar bem aconchegante pra quem curtia dançar e se divertir sem ser de um jeito hardcore.
Na Garagem - que era literalmente uma garagem - era onde tocavam umas bandas novas e alternativas, uma coisa mais pesada. Era tudo muito escuro e a maioria das pessoas iam lá para se pegar. E tinha o Pátio, que era onde Dana e os caras que ela tinha conhecido estavam. Tinham várias mesas espalhadas, metade coberta por uma lona, metade por algumas árvores. No canto, tinha um pequeno bar que dava um ar de pub inglês. Eu gostava muito de lá. Era bom, barato e muita gente não fazia ideia de que por trás daquela frente caída, tinha um ambiente incrível e acolhedor por trás.
Peguei minha carteira de dentro da mochila, meu celular e saí do carro. Atravessei a rua abraçando meu próprio corpo, me arrependendo de não ter trocado de roupa assim que bati o olho em algumas pessoas que estavam do lado de fora do local.
Estava uma noite boa para conhecer alguém casualmente e meu vestidinho florido de algodão, meu casaco preto e aquelas sapatilhas não iriam me ajudar nisso.
Paguei minha entrada e parei em frente a um espelho antes de seguir para o Pátio. Eu estava até apresentável para uma pessoa que saiu de casa às 5h da manhã e almoçou numa barraca de hot dog. Passei a mão pelo meu rosto quase sem maquiagem, se não fosse pelo rímel que seguia presente, firme e forte. Meu cabelo - recém cortado na altura dos ombros - estava preso pela metade e com frizz por conta da umidade, mas ainda agradável.
Adentrei o local, escutando a melodia marcante, que só podia ser The Cure, tocar no fundo do local que parecia quentinho de tão confortável. Não estava lotado, mas tinha uma boa quantidade de pessoas nas mesas. Procurei rapidamente por Dana e ouvi sua risada numa das mesas lá do fundo, perto de uma pequena árvore. Fui até a mesa sentindo meu coração dar um pulinho.
Ah, a inquietação de conhecer pessoas novas.
Avistei Dana, sentada com três caras e quis dar um soco nela por não ter me falado nada por mensagem. Ela podia ter ao menos me avisado que um dos caras era o tal do .
É claro que eu o conhecia, toda a cidade conhecia e eu, como uma boa cidadã, também tinha minhas curiosidades e vontades em relação a ele.
era um cara de quase 1,80m que desafiavam os meus 1,56. Ele, com aquelas costas largas e aquele sorriso de menino inocente, despertava o interesse de muita gente em Hillswood. Dana sabia minhas vontades, comentei sobre ele uma vez ou outra enquanto stalkeava suas redes sociais, mas nunca pensei que ela iria aparecer com ele ali, nem sabia que ela o conhecia.
– Boa noite. – Cumprimentei cordialmente e vi todos virarem para me olhar, até o me olhou.
– Finalmente! Achei que você tinha desistido, senta aí. – Dizzy exclamou, animada. Apontou para a cadeira vazia entre os caras que eu ainda não conhecia e de frente para ele.
– Que tal me apresentar antes? – Eu disse, mas já sentando e colocando minha carteira em cima da mesa.
– Meninos, essa é a Julieta. Julie, esse é , Jack e Cam. – Ela apontou para cada um deles e eu sorri tímida.
Eu não era tímida, mas vocês também ficariam se tivessem que sentar em uma mesa com quatro pessoas bem bonitas enquanto você parecia uma batata.
– Ouvimos Dana falar de você o caminho inteiro e já estávamos achando que você era invenção da cabeça dela. – Cam estendeu a mão para me cumprimentar, fazendo todos rirem também. Cameron usava óculos iguais aos meus, tinha o cabelo castanho e lembrava um pouco um Dermot Mulroney jovem, só que britânico e negro.
– Seja lá o que ela tenha dito, é tudo mentira. – Eu apertei a mão dele, simpatizando logo de cara.
– Ela só disse coisas ruins, se eu fosse você me preocupava com essa amizade – riu, batendo no ombro de Dizzy com o próprio e estendendo a mão para mim. Eu ri e apertei firme, já sentindo minha confiança ir embora.
– Que mentiroso! Eu falei super bem de você, falei o quanto você é legal e adorável. – Dizzy riu, me mandando uma piscadela.
– Então a mentira já começa aí. – Falei enquanto cumprimentava Jack, que usava uma camisa com o perfil do Che Guevara e todos riam.
– Falsa! Sou um amor e você só me destrata. – Dana falou, com uma falsa tristeza e fazendo um biquinho.
Vi sorrir, parecendo encantado enquanto ela sorria para mim depois e eu soube que eu iria entrar em uma batalha perdida. Cam me ofereceu uma cerveja e eu prontamente aceitei com um "amém", fazendo-os rirem.
- Como foi o dia? - Dana bebericou sua própria cerveja.
- Difícil, mas estou viva apenas para tomar essa cerva bendita, que eu desejei durante o dia todo. - Dei uma golada longa no líquido gelado. Já que aparentemente estou fora do jogo, pelo menos ficarei bêbada enquanto vejo Dana se dando bem.
- Foi um desejo em comum, eu também necessitava tomar uma hoje. - Jack concordou comigo, esticando seu copo para brindar comigo. Ri e me desculpei por beber antes de brindar.
- Você pediu minha pizza? - Dirigi-me a Dana, que parecia cinco vezes mais bonita naquele dia.
- Pedi. Com mais coisas por cima possíveis. Imaginei que você deve estar com um monstro aí dentro. - Apontou com a cabeça para minha barriga. Agradeci, senti meu corpo já ficar relaxado com o clima amigável na mesa. Todos estavam rindo e sendo bastantes simpáticos comigo, não dando brecha para que eu me sentisse desconfortável.
- Nós também pedimos uma pizza faz uns 20 minutos. - informou, olhando no relógio do celular. - Eu nunca vim aqui, costuma demorar?
- Na verdade, não. - Dizzy respondeu e ele a olhou, sorrindo. Dei uma risada para o nada e enchi o copo novamente.
Perguntei como Dana tinha os conhecido e eles contaram que ela teve que fazer um trabalho com Cam, que era fotógrafo. Logo depois, também acabou por chegar no estúdio, ele também tinha uns trabalhos com Cam e eram muito amigos. Dana e Cam precisavam se reencontrar para finalizar algo do trabalho e então chegou Jack, que era DJ e ia tocar no Carté naquela noite. Daí Dana, gente boa do jeito que era, já tinha intimidade o suficiente para ser convidada para ir junto com os rapazes até lá.
E minhas suspeitas que queria Dana só se confirmaram ao longo da conversa.
O tempo todo ele era engraçado e gentil com ela, flertava de um jeito tímido e fofo que ela não se dava conta. Dizzy tinha esse jeito meigo e atencioso com todos, mas ela também não costumava prestar atenção nas coisas, logo ela nem sempre percebia quando alguém estava interessado. Simplesmente achava que ele era assim mesmo e eu estava me segurando para não falar para ela beijar ele ali mesmo. Eu reconhecia a derrota e já comemorava por ela. Se ela iria ter a oportunidade de passar a mão naquele poço de gostosura, que fosse com louvor.
As coisas entre mim e Dana eram assim, simples. Nos conhecíamos bem demais, sabíamos demais uma da outra e sabíamos o momento certo para tudo. E aquele sorriso do - lindo demais, diga-se de passagem - era todo dela e para ela. Era explícita a admiração que ele sentia por ela e eu não o culpava, de forma alguma.
Dana, com suas pernas longas, cabelos grandes e sedosos, corpo escultural, parecia o tipo de garota que saía de um comercial de TV que personificava garotas perfeitas. E ela era mesmo. Era doce, gentil, interessante, engraçada, carinhosa, curiosa e dona de um sorriso tão marcante e perfeito que só ela tinha. Eu era apaixonada por ela de um jeito não sexual, por assim dizer. Eu amava e exaltava cada parte dela. Eu e Dana éramos completas e donas de si demais para invejas e competições.
Como eu disse, eu entendo a fascinação dele por ela, só não conseguia evitar sentir um pouquinho de ciúmes.
Quando as pessoas não conseguiam nada com a Dizzy ou qualquer outra amiga minha, eu estava ali de segunda opção. Isso não me incomodava. Eu era conformada. Eu sabia que não era feia, sabia que minha personalidade ajudava muito na hora de conhecer alguém. Eu não era magra, mas eu até gostava de ter umas curvas mais salientes. Sabia que não iria conseguir alguém por conta das minhas coxas grossas demais para o tamanho do meu quadril, meu nariz um pouco grande demais pro meu rosto, olhos pequenos demais, minha barriga que não chegava perto de ser trincada como a de Dana.
Eu não era boa na parte da beleza, mas eu sabia manter uma conversa, sabia fazer alguém ficar interessado, era boa no flerte e também tinha um ótimo senso de humor.
Meus pensamentos e a conversa na mesa foram interrompidos quando nossas pizzas chegaram e eu percebi o quanto estava esfomeada. Nem liguei para etiquetas fui logo pegando a pizza com a mão mesmo e sorri ao ver ele fazendo o mesmo.
- Então, Jack? - Perguntei meio em dúvida se aquele era mesmo o nome dele. - Você vai tocar hoje?
- Sim, é a primeira vez que toco aqui. Faço uns bicos às vezes, trabalho na casa de shows da sogra do Cam. Sou estudante de música, sabe como é, a gente aceita qualquer coisa. - Ele deu de ombros, se empanturrando com a pizza.
- E você, Julie? Conta pra gente até quando você vai se matar de trabalhar em algo que você nem gosta? - Dizzy sorriu, sarcástica. Revirei os olhos com sua alfinetada.
- Quem disse que eu não gosto do que eu faço?
- Você mesma, três segundos atrás. - Cam deu uma mordida na pizza, olhando-me provocador, fazendo Dana rir.
- Só não é minha preferência... - Dei de ombros e voltei a me concentrar na minha pizza.
- Ela trabalha em um jornal que é tudo que ela luta contra desde a época da escola. - Dana explicou ao notar a confusão dos rapazes.
- É difícil juntar algo que você gosta com o que você precisa fazer. - me olhou e deu um sorrisinho de lado. Eu não sorri de volta, estava com a boca cheia e já meio irritada com Dana. - Eu te entendo.
- Por que você se mata de trabalhar se nem gosta? - Jack perguntou e me passou outra fatia de pizza quando percebeu que eu precisava de mais e estava com vergonha de pedir a do sabor deles.
- Reconhecimento. Se eu me esforçar e for boa em algo que eu não gosto, irão perceber que posso ser melhor no que gosto. Ficou confuso? - Tentei explicar o mais breve possível. Não queria ter que explicar toda a burocracia em volta do que eu fazia. Ou do que eu achava que fazia.
- Eu concordo plenamente, por isso eu toco até em bar mitzvah. - Jack fez todos rirem com sua declaração. - é o sortudo aqui.
- Não sou sortudo. Lutei pelo o que queria, só isso. - assegurou, bebendo um gole de sua caneca e batucando a mesa com a outra mão no ritmo da música que tocava.
era cantor, por isso sua fama na cidade. Eu nunca tinha visto ele cantar, logo não sabia se ele realmente era bom, mas já tinha visto o nome dele em algumas casas de show da cidade e sempre havia filas nas portas. Talvez ele só fosse um rostinho bonito.
Forcei minha mente a descobrir qual música tocava no local, já que cantarolava livremente, quase nem prestando atenção na conversa na mesa. Prestando um pouco mais de atenção, identifiquei que era uma música cujo refrão era "no rest for the wicked", que significava ‘não há descanso para os perversos'. Eu conhecia a frase, era de algum livro da Bíblia. Mas eu não conhecia a música, teria que pesquisar depois, já que ela estava sendo apropriada para o momento. A frase também poderia significar que você precisa trabalhar duro, mesmo que já esteja cansado.
Altamente apropriada.
- Eu também entendo, - Dana continuou defendendo seu ponto de vista. - Mas acho que a Julie está se tornando workaholic. Nem é saudável o tanto que ela anda trabalhando. Eu sempre digo que ela não precisa por tanta pressão em si mesma, mas parece tudo em vão. Sério, estou a ponto de trancar ela em casa.
- Faça isso e vamos ser despejadas já que eu não vou ter dinheiro para pagar aluguel. - Afirmei, fazendo todos rirem na mesa.
- Enfim, eu só queria que Julie me acompanhasse para as cervejas do fim de semana, só isso. - Dizzy chamou o garçom com o dedo.
- There ain't no rest for the wicked. - Citei a frase que dizia na música enquanto tomava o último gole no meu copo, desviando o olhar acidentalmente até . Os olhos dele também me acharam e ele sorriu de lado.
- Money don't grow on trees. - Completou minha sentença com o que eu acreditava ser uma frase da música.
Forcei um contato visual constante e ele não desviou o olhar enquanto virava o copo dele, bebendo o resto de líquido que tinha ali. Aquilo alertou algo dentro de mim. Eu estava no jogo?
A pizza já havia acabado e agora já estávamos na cerveja de novo, todos já estavam meio leves e alterados e a chuva aumentando gradativamente. Enquanto Dana pedia mais uma rodada, Cam começou a se despedir de nós. Disse que tinha uma viagem à trabalho para fazer pela manhã e pediu desculpas a Jack por não poder ficar. Depois de um drama exagerado e engraçado de e Jack, Cam conseguiu deixar o local.
Ele pareceu realmente chateado de ter que ir. Abraçou-me e disse que tinha adorado me conhecer. Percebeu que eu era mais sóbria entre eles e pediu para que eu tomasse cuidado com os garotos caso eles saíssem dali bêbados demais. Eu, claro, disse que sim. Jack iria começar a tocar às 1h da manhã, o que significava que eles ainda tinham uma hora para beber mais.
Todos já estavam soltos e parecia que nós éramos amigos de infância, cheios de risos e piadas internas. Comecei a dosar minha bebida já que eu ia dirigir e levar todos em casa. Geralmente, eu era forte para o álcool, mas eu não gostava de abusar da sorte. Também era contra beber e dirigir, mas eu quebrava a regra algumas vezes. Outra coisa que não me orgulho nenhum pouco.
Conversa vai, conversa vem. Por um momento, senti-me em um campo de batalha com Jack e jogando uns flertes pesados e disputando a bela Dana Tomazio. Eu me senti um pouco distanciada, mas não era do meu feitio deixar o jogo de cabeça baixa.
Se fosse pra morrer, eu morreria atirando.
- Então, você levou um chute nas costas e não fez nada? - Jack perguntou para Dana, meio surpreso. Nós estávamos contando sobre uma de várias das nossas histórias da época de escola. Contamos do dia em que um simples interclasses tornou-se uma ringue por culpa de Dana, que era muito boa no basquete e nós estávamos ganhando.
- Eu sou muito lerda! - Dizzy praguejou, batendo na própria testa ao lembrar do seu infortúnio. - Quando eu senti o chute, nem imaginei que tinha sido de propósito. Achei que nem era pra mim!
- Um chute certeiro nas costas não tem como não ter sido por querer, realmente. - Zombei do jeito leve e lerdo de Dana, fazendo todos rirem.
- Foi do nada. Em um minuto, Julie estava quieta, nem parecia que estava prestando atenção no que estava acontecendo. E no outro, ela estava socando a cara da menina. Deu pena! A garota nem conseguia se defender. - Dana gargalhou e eu escondi meu rosto entre as mãos. Eu já tinha feito muitas besteiras na vida, coisas que nos dias atuais eu sou completamente contra.
Mas é aquela velha desculpa. Adolescência…
- Você é do tipo durona, então? - encarou-me com um sorrisinho de canto sacana. Eu estava sentada de frente para ele. De vez em quando, meus pés batiam nos dele, nossos tornozelos se encontravam e eu não sabia se era de propósito e isso estava me dando uns arrepios loucos. - Você sabe que não tem tamanho para isso, não é?
- Essa é minha vantagem. Quando você menos esperar, você não vai saber nem o que o atingiu. - Retruquei. Ouvi Jack e Dana fazerem um "uooooo" e baterem na mesa. Eu ri enquanto tomava um gole de cerveja, olhando-o por cima do copo. Agora, me olhava com os olhos que eu desejava.
- E contra mim? Eu tenho quase 1,80, sabia? - Ele me olhou com uma sobrancelha levantada, quase como quem me desafiava.
- Nunca me impediu de nada antes, big boy. - Ouvimos um outro "uooo" dos nossos amigos bêbados e riu, com os lábios apertados e os olhinhos fechadinhos.
- Eu adoraria ver você tentar ter esse seu jeito comigo, Julieta, mas acho que seria covardia com você. - Proferiu quase como se estivesse com piedade de mim.
- Você perderia feio, big boy.
- Você me chama de big boy e ainda nem viu a maior parte de mim. - Eu gargalhei, mas não deixei barato:
- Você diz que não me garanto, mas nunca nem tentou. - Expressei, abrindo os braços.
Jack e Dana batiam na mesa e gritavam com a nossa pequena disputa como se estivesse assistindo a uma lucha libre, sem se importar em estarem chamando atenção das mesas ao lado. A gente ainda se encarava, mesmo que estivéssemos quase morrendo de rir.
- Ok, eu estou adorando isso, mas eu preciso tocar. Por favor, me prometam que só vão continuar com essa batalha quando eu estiver por perto. - Jack nos interrompeu. Olhei para ele rindo, mas senti que os olhos de não abandonaram meu rosto.
Pegamos nossos copos e saímos da mesa, indo em direção a Casa. Minha movimentação fez com que o casaco deslizasse pelo meu ombro, deixando-me desprotegida do frio que estava. Com as mãos ocupadas - meu celular e carteira em uma mão e o copo na outra -, mexi meu ombro de uma forma desengonçada, tentando pôr o casaco no lugar. Foi quando , que estava logo atrás de mim, resolveu intervir, colocando o pano no lugar. Seria ótimo e fofo, mas o jeito que ele o fez deixou-me tremendo na base.
Ele subiu os dedos lentamente pela minha costa até chegar ao meu braço. Puxou o pano até meu ombro e repousando sua mão ali. Simplesmente parou com a mão ali no meu ombro.
Apenas respondi um "valeu" baixinho, como se não tivesse dado importância para o ato, sendo que eu daria tanta coisa para ele naquele momento.
Jack avisou que ia subir para se preparar para ir para o salão principal e sugeriu que fôssemos curtir a festa enquanto ele não entrasse para tocar. E nós fomos. Entramos nos três ambientes, dançando como três jovens bêbados dançavam quando só queriam se divertir um pouco. O rock alternativo que tocava na Garagem não nos entreteve por mais de dois minutos.
Na segunda sala, tocava Young Folks e e Dana dançavam e pulavam de um jeito cômico. Eu apenas me balançava de um lado para o outro, não estava bêbada o suficiente pra mostrar minhas incríveis habilidades de dança. Logo passamos para o salão principal, onde tinham mais pessoas e era onde Jack iria tocar.
Algumas músicas pop antigas que faziam e Dana enlouquecerem soavam no ambiente. Eu não entendia muito bem de música pop, ou de música em geral, então fui apenas sentar no pequeno bar que tinha lá perto.
Eu estava traçando mentalmente algum plano para tentar chegar em , que apesar de ter me dado alguns sorrisos, ainda me parecia inatingível. Eu havia decidido que o queria e não me importava que ele me pegasse como prêmio de consolação, já que Dana aparentemente não estava querendo.
Eu era egoísta e autodepreciativa a esse nível.
Interrompendo minha divagação, um cara aproximou-se de mim. Perguntou o porquê de eu estar sozinha, querendo se aproximar. Ele não era de todo mal. Se fosse qualquer outra noite, eu o deixaria chegar em mim, mas eu estava seletiva.
Não aceitaria nada menos do que aqueles 1,80 de costas largas e braços fortes.
- Você é bonita para ficar só. - O gênio em minha frente ainda tentava.
Eu ficava puta com isso. Só porque eu estava sozinha significava que eu estava querendo companhia? Minhas vertentes feministas esquentava nessas horas, mas eu mantive a calma. Apesar da fama de ter cabeça quente, eu só arrumava confusão quando era estritamente necessário. Caso contrário, eu era totalmente a favor do "faça amor, não faça guerra".
- Hoje não. - Respondi seca, mantendo meu olhar na parede oposta, brincando com a bebida em minha garrafa. Tentando fazer com que eu ficasse com a cara mais desinteressada do mundo.
- Mas você está sozinha aqui e...
- Hoje não, cara. - apareceu por trás do cara, dando uns tapinhas no ombro e sorrindo debochado.
Droga, ele parecia muito mais desejável com aquela luz ambiente verde escura sob seu rosto. O cara apenas levantou os braços em rendição e sumiu no meio das pessoas antes que pudesse olhá-lo novamente. Agradeci à , eu não estava com paciência para gente que não sabe ouvir um 'não'. Já é ridículo o suficiente que o nosso "não" nunca é o suficiente. Eles precisam ver que tem um homem com você, só assim te deixam em paz.
- Quer dizer que é difícil te deixar só? - brincou.
- Isso não acontece muito... - Disse tentando não parecer tão cabisbaixa quanto eu estava em dizer aquilo.
- Não acredito em você. Deve ser difícil ser seu namorado. - Eu realmente não sabia dizer se ele achava que eu tinha namorado ou só estava jogando verde. Ele mantinha a expressão neutra o tempo todo.
- Talvez por isso ele seja inexistente. - Respondi.
- Eu achei que...
- Não, namorados são sinônimos de problemas. - Interrompi-o, balançando as mãos.
- Eu já estava aqui, pensando em dez jeitos diferentes de te fazer deixar o seu suposto namorado para me dar uns beijos hoje.
Ele estava com a expressão calma, com as mãos nos bolsos e falou assim, calmamente, como se estivesse perguntando as horas. Fiz questão de olhá-lo da cabeça aos pés, como se estivesse analisando-o e voltei a olhar em seus olhos, em um sinal claro de flerte.
- Me diz pelo menos dois deles e eu vejo se vale a pena deixar meu suposto namorado por esses lábios. - Repliquei sem titubear enquanto encarava os lábios deles, agora um tanto vermelhos de tanto ele morder.
- Te digo até cinco.
- Então, pode começar. - Informei risonha, achando engraçado a feição desafiadora dele.
- Número um. - Ele sentou ao meu lado no pequeno sofá que tinha grudado na parede em um canto apertado.
O número de pessoas parecia aumentar cada vez mais, a música se tornava mais densa e aquele sentimento gostoso de conquista e paquera passava por nós. Seu braço estava em volta de mim, descansando em minha cintura, ele estava meio inclinado sobre mim e eu sentia todo aquele cheiro maravilhoso de perfume masculino me envolver.
Eu não sabia onde a Dana estava, mas se ela voltasse agora, ela estaria muito muito ferrada.
- Número um: Seus lábios são lindos, não consigo parar de olhar para eles e pensar no quanto deve ser boa de beijar. - Afirmou, olhando intensamente para minha boca.
- Argumento fraco. Você só me parece bêbado, mas prossiga. - Fiz sinal para ele continuar.
Estiquei-me para colocar a garrafa de água vazia que eu segurava em cima do balcão, mas estávamos tão próximos que quando levantei, seus lábios esbarraram em minha bochecha. Tentei voltar a sentar na posição anterior, mas ele aproveitou para me segurar ali, quase em cima dele.
- Número dois: você é linda, eu provavelmente passarei o final de semana inteiro me amaldiçoando por não ter te beijado antes. Isso é um problema meu, eu sei. Mas isso nos leva ao argumento número três: você quer me beijar tanto quanto eu quero te beijar. O que nos leva ao argumento número quatro: se você deixar eu te beijar, prometo que vou, pelo menos, tentar fazer sua noite valer a pena.
era a coisa mais adorável do mundo e eu provavelmente nunca tinha ficado com alguém tão fofo.
- Você esqueceu o número cinco. - Comentei, já meio perdida por conta da intensidade em seu olhar.
- O número cinco é baseado em tentativas.
Jack começou a tocar naquele momento e eu nem tinha percebido que ele já estava no palco. Todas as pessoas que estavam em nossa volta se viraram para o palco, aplaudindo, dançando e começando a gritar ao ouvir a introdução do set dele que começava com uma série de músicas antigas. Quando fiz menção de levantar também, senti as mãos de me puxarem para baixo pelo quadril. Ele colocou a mão no meu pescoço e roçou os lábios dele nos meus de leves. Agora eu entendi o que ele quis dizer com 'tentativas'.
Eu estava toda arrepiada, nem acreditando que isso estava acontecendo. Cruzei minhas pernas e apoiei uma mão em sua coxa grossa para conseguir um apoio melhor. Não respondi, apenas estalei um beijo rápido em seus lábios, puxando-os um pouco. Já estava pronta para levantar, fazer um charme, deixá-lo na vontade mais um pouco, mas ele foi mais rápido e agarrou meu rosto com a mãos, me beijando com vontade.
E quem sou eu pra entrar no caminho de um homem decidido, afinal?
Fazia tempo em que eu não me sentia tão bem e leve beijando alguém. beijava no tempo certo. Nem rápido, nem lento. Ele aproveitava o beijo e era carinhoso. Beijava com muita ternura para quem tinha me conhecido algumas horas atrás. O tempo todo acariciando meu rosto e tomando cuidado quando sua mão ultrapassava alguns limites, que talvez ele achasse que fossem limites. Nesse momento, eu já sabia que teria que tomar cuidado com aqueles lábios perigosos. Mais uma noite com ele e eu provavelmente estaria em apuros.
Ficamos mais alguns minutos nos beijando, até que meu celular vibrou em minhas pernas. O nome de Dizzy surgiu na tela brilhante e eu soube que teria que me separar dele para encontrá-la. Andamos entre as pessoas no salão com com a mão em minha cintura o tempo todo e eu pareço adolescente novamente por fazer observações como essa. Quando achamos Dana, ela também procurava por nós.
- Preciso ir ao banheiro, vamos comigo? - Ela perguntou, depois que dançamos algumas músicas do set de Jack.
- Vou no bar, vocês querem mais? - perguntou. Dana pediu mais uma garrafa de cerveja e eu pedi mais uma garrafinha de água. Ele afagou meu pescoço quando Dizzy e eu saímos em direção ao banheiro.
- O que foi? O que eu perdi? - Dana perguntou quando já estávamos dentro do box no banheiro. Sim, nós entrávamos juntas.
Eu segurava suas pernas, oferecendo o apoio necessário para que ele não encostasse o traseiro no vaso sanitário. Acho que isso é uma regra internacional de todas as mulheres. Principalmente quando estamos falando de banheiros de bares, clubes, boates e etc.
- Ele me beijou. - Contei, meio receosa. estava dando em cima dela no início da noite. Ao contrário do que eu pensava, ela pode ter percebido e podia ficar chateada comigo.
- Ele te beijou? - Ela pareceu surpresa. Eu também ficaria.
- Sim, ele chegou em mim, cheio das segundas intenções. Não tinha como dizer'não'.
- Ah... Legal! - Dana não pareceu tão interessada no que eu tinha para contar, então reprimi minha vontade de comentar o episódio e logo me calei. - Me ajuda com a minha saia?
Assenti e puxei o zíper da saia azul que ela usava. Ficamos em silêncio enquanto eu urinava, usando o mesmo processo de não encostar no vaso.
- E aí? Você gostou? - Perguntou enquanto lavava as mãos.
- Do que?
- . - Dana revirou os olhos com minha lerdeza.
- Acho que até demais.
Olhei-me no espelho. Meu cabelo estava bagunçado demais, não acredito que teve coragem de chegar em mim assim. Ele já deve estar arrependido. Vendo minha insatisfação, Dizzy ofereceu-se para prender meu cabelo do jeito que estava antes e eu aproveitei para nos analisar de frente para o espelho.
Ela vestia uma saia jeans e uma blusa moderna demais para meu entendimento, o rosto ainda perfeitamente maquiado e o cabelo brilhante. E eu ali, com meus óculos embaçados e vestido surrado. Dana podia ser facilmente o tipo de garota que só existe em TV. Você sabe de qual estou falando.
Aquelas que estão com o cabelo sempre no lugar, que não tem mal hálito, que comem toda a gordura do mundo e não engordam um quilo e estão sempre sorrindo.
- Acho que já estou ficando meio bêbada. - Dana confessou depois de dar um beijo no meu rosto.
- Você já está bêbada.
- Verdade! - Dana disse gargalhando alto e me fazendo rir também. Dana tinha uma gargalhada engraçada e espontânea que sempre me fazia rir.
Voltamos quase no final do set de Jack, ele iria tocar por uma hora apenas. e eu nos beijamos mais algumas vezes e foi uma delícia. Eu abraçava a cintura dele, dançando e ele passava um braço pelo meu ombro. Ficava brincando com lábios, não me deixando aprofundar o beijo. Eu passaria a noite assim, mas quando Jack finalizou seu trabalho e ganhou algumas doses de tequilas de graça, as coisas saíram um pouco do controle.
Eu me afastei por uns minutos para ir ajudar uma moça bêbada e quando voltei Dana dançava em cima de uma mesa, Jack entrou numa de dançar valsa com e eu fiquei apenas rindo de tudo a minha volta, deixando-os de divertiram do seu jeito estranho e irreverente.
Já eram quase cinco da manhã quando eu tive que os arrastar para fora do Carté em direção ao meu carro. Quando anunciei que já era hora de ir embora, foi o único que se recusou, queria ficar mais um pouco. Mas eu prometi a Cameron que todos chegariam em casa são e salvos então puxei pelo braço e empurrei-o em direção ao meu carro. Ele ria e sava em cima de todas as pessoas que passavam por nós com cantadas ridículas.
- Minha carteira e minhas chaves, vamos! - Passei a mão pelos bolsos da calça de , onde eu tinha colocado minhas coisas mais cedo, receando esquecê-las por cima de alguma mesa.
- A gente devia seguir o exemplo deles, olha! - riu e apontou para Dana e Jack se beijando sem pudor encostados na porta traseira do meu carro.
- Que porra é essa? Quando isso aconteceu? - Gargalhei, incrédula com a cena ao meu lado. imprensou meu corpo na porta do motorista e tentou me beijar. - Você deu em cima de um monte de gente e agora quer me beijar, que absurdo!
Comecei a rir, mas o beijei de volta, aproveitando para por a mão dentro do seu bolso traseiro, puxando minha carteira e minhas chaves dali. Beijando-o, fui empurrando em direção a porta do outro lado até dar um jeito de jogá-lo de qualquer jeito lá dentro. Ele reclamou, mas assim que sentou-se direito, encostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Fechei a porta do passageiro e ri ao ver Dana quase se prendendo na cintura de Jack.
- Ei, para dentro! A porta está aberta, vamos. Nada de fazer besteira aí atrás. - Eu dei um tapa na bunda de Jack. Eles riram e entraram no carro, voltando a se agarrar instantaneamente.
- , o endereço. - Eu pedi, colocando a mão na coxa dele, balançando um pouco. Ele colocou a mão em cima da minha e respondeu que ficariam na rua 13.
- É o único condomínio que tem lá.
Enquanto eu dirigia, Jack e Dana colocaram Britney Spears para tocar. Segundo Jack, Spears era seu maior guilty pleasure. Eu desconfiava que estavam até coreografando ao som de Baby One More Time. Pelo menos, eu torcia que a grande movimentação no banco de trás fosse apenas dança.
- Quero te ver de novo. - se inclinou em minha direção, deu um beijo rápido na minha bochecha e voltou a posição anterior.
Senti todo meu interior se aquecer, surpresa com seu ato. Até o álcool pareceu evaporar. Peguei meu celular, desbloqueei e joguei em seu colo. Ele prontamente pegou, colocando seu número.
- Vou me mandar uma mensagem, não quero que você fuja de mim. - Ele avisou. Dei uma olhada rápida e ele realmente estava digitando alguma coisa.
- Tenho cara de quem foge?
- Parece ser aqueles tipos de garota que nós só vemos uma vez na vida. - Ele colocou meu celular de volta nas minhas pernas e deixou a mão por ali mesmo.
Ah, essas mãos perigosas.
Andar pelas ruas do centro quando estavam vazias era uma das minhas coisas preferidas no mundo. O céu estava nublado, devido a chuva, mas estava muito bonito. Jack e Dana estavam dormindo um em cima do outro e provavelmente dormia também, com o rosto virado para o outro lado.
A mini-eu de dez anos sentia-se vibrante ao fim da noite.
Essa é a parte legal da vida adulta. A independência. O fato de você poder sair numa sexta-feira de noite sem nenhuma expectativa de diversão e acabar tendo uma noite incrível, com direito a danças em cima da mesa, três novas amizades e um beijo que vai ser difícil de superar.
Apertei o ombro de , avisando que já tínhamos chegado. Ele abriu os olhos, olhando em volta, parecendo meio confusa. Sorri ao ver sua feição. O rosto vermelho e amassado me deixou agraciada. Encostei meus lábios nos dele, sentindo-o sugar meu lábio inferior. Sua língua brincou um pouco com a minha antes de nos separarmos com selinhos.
- Boa noite. - Ele desejou, com a voz rouca, me dando mais um selinho e virando para trás. Deu um tapa na perna de Jack, que levantou assustado. Jack deu um beijo na testa de Dizzy, que já estava completamente entregue, me fazendo pensar no desafio que seria para ela sair do carro. Jack me desejou bom dia, eu particularmente acho que ele ainda estava dormindo.
Ambos saíram do carro e virou, sorrindo para mim de uma forma que me faria pensar naquele sorriso a noite inteira. Deu risada quando Jack virou para a direita, mas o puxou para a esquerda, guiando-o pelo ombro.
Cinco quadras antes de chegar em nosso prédio, já comecei a cutucar Dana, na intenção de acordá-la, mas ela estava certa de que a ideia de dormir ali no carro era ótima, então tirá-la de lá foi difícil. Eu e Dana estávamos acostumadas a chegar cambaleantes em casa, mas quando só uma de nós estava bêbada, era um saco.
Assim que entramos no apartamento, eu imediatamente a levei para o banheiro. A ajudei a tirar as suas roupas e ela fez o resto sozinha. Fui para meu quarto, jogando minhas roupas pelo caminho. Tomei um banho rápido devido a água fria demais.
Coloquei apenas uma camisa cinco números maior que o meu, deitei na minha cama, sentindo meus músculos quase gritarem de alívio. Abri meu whatsapp, silenciando todos os grupos e respondendo minha irmã. Abri minhas mensagens e lá estava a mensagem de .
"Mande um oi para o , ele é um cara legal e beija bem."
Sorri, era extremo pensar que nada no mundo que me faria apagar aquele número?
Em menos de dois minutos, Dizzy entrou no meu quarto, com seu cobertor nos braços e de olhos fechados.
- Dana, não. - Eu previ sua ação. Dana gostava de dormir com companhia quando estava frágil, triste, bêbada ou com medo. E eu não era lá muito fã de dividir cama.
- Não pedi permissão, Julie. Você nem vai me notar aqui. - Deu um beijinho no meu nariz e eu revirei os olhos. Muito cansada para iniciar uma discussão, só deixei que ela se aconchegasse no meu ombro e fechei os olhos.
Dormiria imediatamente, se não fosse e seus lábios perigosos rondando minha mente.
* Hillswood: Cidade fictícia.
* Ain't no rest for the wicked: Música de Cage The Elephant. Tradução:
There ain't no rest for the wicked. Money don't grow on trees.
Não há descanso para os perversos. Dinheiro não cresce em árvores.
Já fazia cinco horas que eu estava sentada no chão da sala. O notebook aberto e alguns papéis espalhados na mesinha de centro davam um ar ainda mais desesperado a pequena sala. Eu estava digitando incansavelmente mais um trabalho atrasado. Os professores já estavam perdendo a paciência comigo e eu só torcia para que eles não parassem de me oferecer segundas chances.
Eu continuava dizendo a mim mesma que deveria me esforçar mais, que toda a aposta em mim mesma valeria algo no futuro, mas era difícil manter a cabeça no lugar quando eu nem entendia mais o meu propósito.
Despertei dos meus pensamentos conflituosos ao perceber que já eram quase 21h. Dana ainda não estava em casa e eu estava faminta. Sem a menor vontade de cozinhar, mandei mensagem para ela, perguntando se ela iria dormir em casa. Também comentei que estava com preguiça de cozinhar e que pensava em pedir sushi. A resposta veio em cinco minutos.
Dizzy
HOJE, 21:19
Dei uma risada porque eu realmente estava sem roupas. Sentei na cadeira alta da nossa bancada e peguei meu celular, liguei para nosso restaurante japonês preferido e pedi uma barca de sushi e sashimi. Enrolei um pouco para voltar a frente do computador e escrever. Liguei a TV, arrumei a cozinha, vi todas as minhas redes sociais, conversei no WhatsApp, lixei minhas unhas, voltei as redes sociais. Aproveitei para arrumar a sala, tentando diminuir a poluição visual que meus papéis jogados estavam causando.
Procrastinação era um dos meus maiores defeitos e eu me sentia um lixo depois. Eu amava trabalhar, gostava de estudar, mas sempre deixava tudo para cima da hora e demorava para fazer. E quando eu não conseguia fazer o que eu tinha planejado por falta de organização, eu quase morria de frustração.
Talvez tenha sido por conta disso que, a alguns anos atrás, antes da faculdade, eu desenvolvi um grave transtorno de ansiedade e precisei até tomar remédios por algum tempo. Eu sempre me pressionava muito e quase nunca conseguia suprir minhas próprias expectativas, o que me causava umas crises horríveis de vez em quando.
Às vezes, eu sofria um "blecaute" na minha mente. É como se eu ficasse fora do ar por horas e quando eu volto a funcionar, eu quero morrer por ter caído de novo.
Já tinha um tempo que eu não tinha nenhuma reação exagerada, até eu começar a trabalhar no jornal. Um dia, passei 30 minutos paralisada dentro do meu carro, na frente do campus da universidade. Só de pensar no trabalho que eu iria entregar e na prova que eu tinha que fazer, meu corpo se recusou a se mover. Eu chorei um monte e acabei voltando para casa. Fiquei sem nota por conta disso e acabei tendo que implorar para o professor me dar a chance de fazer outra prova. Eu preferi não comentar nada com Dizzy sobre isso. Ela ia falar por horas, ia me fazer ir ao médico, ligar para a minha mãe quando eu recusasse e não ia me deixar em paz. Então, para promover a paz na minha vida, preferi me manter em silêncio sobre tudo que estava acontecendo.
Passaram quase duas semanas desde aquele dia no Carté. Eu, Dana e os rapazes nos tornamos amigos quase que imediatamente. A rapidez com que nós criamos intimidade um com os outros foi até engraçada. Na quarta-feira passada, nós acabamos almoçando juntos por acaso. Todos nós estávamos perto do mesmo restaurante e por intermédio de Dana, acabamos nos encontrando.
E foi ótimo para quebrar um pouco do constrangimento e da timidez que ainda tínhamos um com os outros. Cam descobriu que Jack e Dana tinham se beijado e claro que ele não deixou de implicar com os dois, que nem se lembravam muito bem o que tinha acontecido.
Eu quase não estava vendo Dana nos últimos dias. Quando eu saia de casa, ela ainda estava dormindo. Quando eu chegava em casa, ela ainda estava na rua. Nossa rotina andava muito complicada e a gente acabava se desencontrando. Nos finais de semana, ficávamos tão cansadas que passamos o dia trancadas no nosso quarto, dormindo ou, no caso dela, trabalhando mais ainda. Nos sábados, nós tomamos uma cerveja enquanto assistimos séries, quando Dana não tinha o que fazer. Ela andava trabalhando mais como modelo do que publicitária de fato na agência.
Desde que Cam e Dana descobriram que formavam uma boa dupla de trabalho e tinham vários contatos em comum, encheram-se de projetos juntos e se viam toda semana. O que acabou contribuindo para uma amizade e intimidade ainda maior entre todos.
Arrumei meu óculos e me forcei a voltar a escrever. Apenas dois parágrafos e eu poderia não me preocupar (tanto) pelo resto da noite. Antes de começar a escrever, meu celular vibrou mais uma vez e lá se foi toda a minha determinação em terminar aquilo.
Dizzy
HOJE, 21:29
Respondi, rindo com minha própria audácia.
Dizzy
HOJE, 21:30
Antes que eu questionasse mais coisas, uma nova mensagem chegou. apareceu na tela e eu tive que respirar fundo para conter a vontade de gritar e jogar meu celular na parede.
HOJE, 21:31
Como tinha o meu número? Eu, com certeza, tinha seu número salvo. Mas nunca tive coragem para mandar uma mensagem para ele ou algo do tipo. Talvez Dana tivesse dado meu número, talvez Cam. Eu queria perguntar, mas preferi fingir ser normal e agi como se não fosse muita coisa o fato de ele ter algo meu com ele.
HOJE, 21:32
Bloqueei o celular antes que ele respondesse e forcei minha mente a continuar escrevendo. Eu tinha dúvidas imensas em relação a e eu definitivamente não estava esperando por essas sensações precoces dando as caras por aqui.
Quando nos encontramos no almoço da semana passada, ele foi muito cordial e tranquilo comigo, mas eu não tinha como saber se ele estava me tratando diferente já que ele tratava todos assim. Por que ele tinha que ser tão legal com todo mundo?
Ele estava quase bêbado quando nos beijamos, nossa situação poderia ser igual a de Jack e Dana, que decidiram rir sobre tudo e continuar amigos. E sem falar que o fato de termos nos beijado teve uma reação diferenciada para todos. Com Jack e Dizzy, todos riram e fizeram brincadeiras com o beijo inesperado. Quando comentaram sobre nós, nada foi comentado, inclusive por nós dois.
E também tinha o fato de Dana falar dele com empolgação a cada dois minutos. Não tive chances de falar sobre isso com ela, como eu disse, eu quase não estava vendo-a naquela semana. Eu sabia que tinha se interessado, só não sabia se era recíproco.
– Chegamos, amorzinho! – Dana chegou em casa fazendo o maior barulho. Batendo portas, jogando chaves e gritando. Do jeitinho que eu gostava.
– Amorzinho? Vocês realmente são um casal. – Cam brincou, enquanto abria os braços em minha direção. Pulei da cadeira, lhe dando um abraço forte. Eu dei um beijo no rosto dele e os ajudei com as bolsas que eles estavam, provavelmente estavam em algum ensaio fotográfico.
Eu gostava muito de Cameron. Ele era o tipo de cara que fazia piadas sujas o tempo todo, tinha um ar engraçado e sério que eu nunca tinha visto em ninguém, era muito responsável e empenhado em tudo que fazia. Também era engraçado vê-lo tentando negar suas heranças britânicas, mas de vez em quando alguma fala sua acabava saindo com um sotaque mais forte. E o homem matava e morria por seus chás, reforçando estereótipos claros de ingleses.
– Ai, que saudades! – Dana me abraçou por trás enquanto eu voltava para a sala.
– Vocês moram juntas! – Cam falou com um tom de obviedade, jogando-se no nosso sofá e já zapeando pelos canais.
A maioria das pessoas que Dana e eu recebíamos em casa sempre se sentiam muito a vontades. Eu ficava feliz com isso e atribuía a culpa ao lugar. Quando começamos a procurar apartamentos, aquele chamou nossa atenção justamente por ser aconchegante e confortável.
– Sim, mas parece que a gente não se vê faz uma vida. Andamos ocupadas demais. – Dana explicou, dando uma olhada rápida nos meus papéis reunidos no balcão. – O que é isso?
– Só estou terminando um trabalho, já desocupo aqui. Estou a quatro horas escrevendo e só empaquei no último parágrafo. – Revelei.
– Quer ajuda? – Eu apenas neguei com a cabeça, relendo minhas últimas linhas.
"Não é possível que não saia mais nada dessa cabeça, Julie." Resmunguei em pensamento, irritada com minha própria dispersão. O pensamento de que eu iria ver aquela noite também não ajudava em nada.
– Aqui tem uma boa iluminação, a gente devia fazer algumas fotos aqui, Dizzy. Só para termos opção mesmo... – Cam sugeriu, olhando em volta do cômodo. Dana concordou, logo em seguida.
Aí uma coisa que eu queria para minha vida: Ser bonita a ponto de ser possível fazer um ensaio fotográfico a qualquer momento.
Cam pegou sua câmera de dentro da mochila e engatou numa conversa com Dana que já não me interessava mais, pois eu, finalmente, tinha conseguido digitar mais de duas palavras no meu arquivo. De vez em quando, eu desviava minha atenção do notebook para os dois artistas na minha sala.
Dana era simplesmente deslumbrante. Cam fotografava o perfil dela, com os prédios aparecendo pela janela no fundo. Eu sabia que as fotos ficariam bem modernas e conceituais. Os tijolos vermelhos de nossas paredes contrastavam com o vestido preto dela. Estava tão concentrada digitando que nem ao menos percebi quando Dana foi abrir a porta. Assustei-me, pulando no lugar, quando senti duas mãos na minha cintura e um beijo rápido em meu rosto.
– Calma, sou eu! – deu uma risada e empurrou meu óculos que estava quase na ponta do meu nariz. – Caramba, você nem me viu entrar. – Murmurei uma “desculpa”, puxei ele pelo braço para mais perto de mim e dei um beijo no rosto dele rapidamente.
definitivamente era uma pessoa que poderia fazer um ensaio fotográfico em qualquer momento.
– Eu já tirei umas cinco fotos dela aí e ela nem percebeu. – Cam direcionou a câmera mais uma vez em minha direção. Arregalei os olhos, surpresa com sua afirmação.
– Você o que? – Cobri meu próprio rosto com as mãos.
apoiou os cotovelos no balcão ao meu lado, rindo. Dana foi até a geladeira e pegou três garrafas de cerveja e distribuiu.
Eu nunca fui muito fã de fotos, eu nunca saia bem. As pessoas nunca conseguiam boas fotos minhas do jeito que eu conseguia para elas. Ou eu só conhecia gente que não sabia tirar uma foto – o que não era o caso – ou a câmera realmente me odiava.
– Uma de cada ângulo diferente. – Cam desdenhou, a câmera ainda apontada para mim, fazendo incansáveis "clicks".
– Para com isso! – Joguei um lápis em direção a ele e o mesmo parou, guardando a câmera na bolsa novamente.
– Ela não gosta de ser fotografada. Eu tento mudar isso aos poucos, mas não é fácil fazê-la mudar de ideia sobre algo. – Dana deu um gole na sua cerveja e me ofereceu a sua garrafa. Balancei a cabeça, recusando. – Às vezes, nós nos aventuramos com a câmera, não é, Julie?
– Sim, eu bato fotos suas pelo apartamento e só. – Expus.
– Duas garotas e uma câmera, daria um bom pornô. – Cam finalizou sua cerveja em um gole. Eu e Dana nos entreolhamos, segurando o riso. Ela gargalhou, jogando a cabeça para trás e batendo palminhas.
– Ah meu Deus, vocês fizeram um filme pornô! – parecia o mais entusiasmado com a possibilidade e todos nós rimos da sua euforia.
– Claro que não, a gente... Talvez, sei lá, a gente tenha tirado umas fotos...
Tentei explicar de um jeito que não parecesse pura sacanagem, mas Dana amava fazer com que outras pessoas achassem que a gente fazia umas sacanagens. Não que a gente nunca tenha feito, mas sempre envolvia uma terceira pessoa. E tequila. E uma vez envolveu uma câmera, mas isso é história para outro dia.
– Peladas.
– Dana! – Repreendi-a.
– O que? Foi mesmo! – Dana disse, desembaraçada, jogando o cabelo para trás.
Dana estava passando por uma fase de negação com o próprio corpo, então eu sugeri que eu batesse algumas fotos dela pelo apartamento, sem maquiagem, sem nada, natural. Apenas nós duas, sem ninguém ditando o que ela deveria fazer ou como agir. Sem encolher barriga, sem corretivo. Assim ela veria que era uma pessoa extremamente bonita e que não tinha motivos para insegurança. Ela topou com a condição que eu também tirasse algumas fotos.
Acabou tornando-se um ensaio muito bonito, artístico e no final, tiramos algumas fotos juntas. Já tinha um tempo que a gente queria bater umas fotos bonitas e mais elaboradas. Estarmos sem roupa fora apenas um bônus.
– A partir de hoje, eu só tenho um objetivo na vida. – Cam expressou, batendo no próprio peito. – Ver essas fotos.
– Acho que eu até venho a óbito se um dia ver essas fotos. – suspirou, com um olhar longe, como se estivesse imaginando, nos fazendo rir.
Chamei Dana, apontei sutilmente para a geladeira, onde estava exposta uma das fotos. Ela virou-se e pegou a foto presa por um ímã.
– Aproveitem, essa é a única que vocês vão ver! – Dana pegou uma das nossas fotos preferidas e estendeu aos dois.
A foto me expunha sentada na cama. De lado, eu segurava o lençol na frente do meu corpo com uma mão e com a outra, eu me apoiava no colchão. O lençol não cobria minhas costas e deixava a lateral do meu corpo a mostra. Eu olhava com a expressão séria para Dana. Ela estava em pé perto da janela e também me olhava, com a expressão séria.
Dana estava completamente nua, mas como era uma foto escura, só dava para enxergar a silhueta curvilínea dela. Com um pequeno jogo de luz, eu consegui que apenas o rosto de Dizzy recebesse a mesma iluminação que tinha sobre mim. Nossos cabelos estavam diferentes. O meu estava grande e o de Dizzy estava curto.
Eu não sentia vergonha dessas fotos, achava a coisa mais linda que eu já tinha feito. Mesmo assim, eu não consegui olhar para analisar sua reação.
– Uau! Quem tirou? – Cam analisou cada ângulo da foto.
– Julie, ela é boa nisso! – Dana comentou.
– Você é mesmo, fez algum curso? – Ele perguntou, ainda com a foto em mãos.
– Bom... – Dana gargalhou antes de eu começar a contar, me fazendo rir também.
– Uma vez, Dizzy ficou interessada em um professor de fotografia, então ela pagou dois meses de aula para nós duas só para vê-lo. Diferente dela, eu prestava atenção no que ele falava.
– Persistente. – pegou a cerveja da minha mão e olhou para Dana.
– Corro atrás do que quero. – Dana deu uma piscadinha, fazendo as bochechas de corarem um pouco.
Entreolharam-se e aquele sentimento de frustração passou por mim novamente. Eu precisava parar com isso agora mesmo. Precisava ser madura e aceitar os fatos que estavam a minha frente.
– A gente podia fazer umas fotos juntos, Julie. Por favor!
– Eu não sou tão boa, Cam. – Eu retruquei.
Eu gostava de tirar fotos, só não era meu passatempo preferido. Trocar lentes e analisar ângulos me deixavam entediada e, às vezes, até irritada. Continuamos comentando sobre fotos e minha aversão a elas quando Cam informou.
– Jack não para de me mandar mensagens, fazendo um drama sem fim. Quer que eu vá buscá-lo. – Cam se afastou para procurar as chaves do carro.
– Vou com você. Acho que precisamos passar no mercado para comprar mais cerveja. – Dana deu uma olhada na nossa geladeira, para ter a confirmação. – Só tem mais quatro cervejas.
– Eu não vou, preciso terminar isso. – Apontei para o notebook e o meu trabalho inacabado.
– Eu fico também. Para esperar... A comida. – ainda estava do meu lado, apoiado na bancada. Falou lentamente, como se não tivesse certeza de sua própria justificativa.
Cam e Dana se olharam maliciosos e fizeram barulhos pornográficos com a boca. Revirei os olhos e ri encantada com as bochechas rosadas de .
– O garoto vai esperar a comida, Cameron... – Dana emitiu, sarcástica.
– Será que ela sabe que é a comida? – Cam indagou, fingindo estar falando baixo no ouvido de Dana, e foi logo recriminado pelos gritos de repreensão de e meus.
– Paga a comida no seu cartão, depois te reembolso. – Dizzy pediu. – Ainda tem cerveja na geladeira, a comida deve chegar logo e tem uma caixa de camisinhas no banheiro. Não se animem muito, voltamos no máximo em vinte minutos. – Pegou sua bolsa de cima do sofá, dando instruções para nós como se falasse com duas crianças.
– Vinte minutos dá para fazer uns três filhos... – comentou, brincando.
– Você está é maluco! Não fala um negócio desses nem brincando! – Estapeei o braço dele e todos gargalharam com meu breve desespero.
– Se vocês pagarem a cerveja, eu pago a comida. – sugeriu e eu concordei, que podia pagar pela comida também.
Logo entramos numa pequena discussão de marca de cerveja e matemática. Cam também queria salgadinhos e se recusou a pagar sozinho, segundo ele, "quando o salgadinho está na sua frente, você não pensa em nada, só come". Depois de duas ligações de Jack, brigando com todo mundo, reclamando que não gostava de esperar, Cam e Dizzy saíram de casa. Deixando-me com , meu trabalho malfeito e uma puta tensão sexual.
questionou algumas coisas sobre meu trabalho no jornal enquanto eu finalizava o texto e salvava. Ele parecia genuinamente interessado, mas também não parecia entender muita coisa. Talvez eu também não estivesse conseguindo explicar muita coisa porque o jeito que ele estava jogado no sofá estava me dando ideias impuras.
– Então, é um estágio remunerado, certo? – Perguntou. Concordei enquanto desligava o notebook. – Mas pelo que você falou, você não faz trabalho de estagiária.
– Sim, eles me usam com a desculpa de que veem potencial em mim. Falam que eu sou melhor que uma estudante qualquer para fazer um trabalho de estagiária, mas para falar a verdade, eu acho que eles só sentem preguiça de fazer a parte chata do trabalho. Logo, eu estou ali.
– Isso não é ilegal? Não pode ser certo... – Ponderou, apoiando o rosto na mão.
– São negócios, . – Dei de ombros e recolhi os papéis da mesa.
– E você quer continuar trabalhando lá depois de se formar? Falta pouco?
– Faltam alguns semestres e... Bom, eu ainda não pensei muito sobre isso. As recomendações que posso ter são o que ainda me mantém lá. – Peguei meus papéis, notebook, toda a minha bagunça e levei para o meu quarto.
– Achei que você e Dizzy tinham terminado a escola juntas.
Ouvi a voz de bem baixinho, enquanto eu ajeitava meu cabelo no espelho. Não tinha muito o que fazer, não estava de todo mal. Eu não lavava meu cabelo fazia dois dias e vocês sabem que uma das maiores injustiças do mundo é ter que lavar o cabelo quando ele está simplesmente deslumbrante. Pelo menos não estava fedendo.
– E terminamos. Mas ela é mais velha que eu e entrou na faculdade um ano antes. – Expliquei enquanto voltava para a sala. – E eu perdi um semestre na faculdade, por isso sou atrasada.
Nós finalmente estávamos sozinhos. Não era possível que eu era a única sentindo a inquietação na sala. A hora da verdade era agora. Me deixe entender, , o que nós somos? Ironicamente, ele usava uma camisa preta com o dizeres "should I stay or should I go" da música do The Clash.
– E falta muito? – Ele perguntou.
Fiquei meio em dúvida do que fazer em seguida. Ele deve ter percebido que eu esperava por ele e puxou-me pela mão quando me aproximei e me sentou em seu colo. Colocou uma mão na minha cintura e a outra levou até meu queixo, trazendo-me para mais perto dele, depositando um selinho rápido nos meus lábios.
Ok, obrigado pela explicação.
Stay.
– Cinco semestres. Se eu não enlouquecer, é claro. – Me dei liberdade para passar um braço pelo seu pescoço e apertei as bochechas dele, formando um biquinho. – Você quer seu beijo antes ou depois do jantar?
– Você costuma ser prestativa assim? – Ergueu uma sobrancelha, apertando minha coxa de leve. Assenti, sorrindo de lado. – Isso é legal, o problema é que eu quero um beijo antes e depois do jantar.
– Vou ver o que posso fazer por você. – Ele sorriu e sem mais delongas, beijou-me.
Eu gostava muito de beijar . Era o tipo de beijo completo, o pacote todo. Não era apenas lábios e língua. Era aquela mão que não se decidia entre minha cintura e meu quadril. Era aquela mão na minha nuca, o suspiro forte que ele dava quando nos afastamos para respirar, era aquele perfume forte que parecia gritar o nome dele.
Ficamos nos beijando por uns bons 20 minutos. Eu acariciava a nuca dele e agora, com a posição e a intimidade, ele tinha liberdade para passar a mão por toda a minha coxa e ele o fez. Subia e descia a mão da minha coxa até minha cintura, subindo por dentro da minha blusa.
Amaldiçoei até a quinta geração do entregador que tocou o interfone quando a mão boba de finalmente chegou próximo ao meu seio. No prédio, não tínhamos porteiros, então a gente ia ter que descer para pegar a comida ou deixar o cara subir, mas eu não tinha essa coragem.
– A comida. – Avisei. Insatisfeito com meu afastamento, começou a descer os beijos até meu pescoço.
– Temos que descer? – Apenas assenti, de olhos fechados, sentindo meu corpo se arrepiar com um beijo mais molhado deixado no meu pescoço. Puxei o rosto dele em direção ao meu, quando ia beijá-lo, o interfone tocou mais uma vez. Tive que levantar-me para atender. Xinguei o entregador e fui meio mal-educada com o coitado.
No elevador, amarrei meu cabelo em coque, mas não sobreviveu por muito tempo. puxou a ponta do coque, me empurrou na parede e me beijou. era um cara alto, então eu tinha que ficar na ponta dos pés ou ele se curvar, mas isso não era um problema. Enquanto pagávamos o japonês, a comida chinesa chegou.
Os dois entregadores entreolharam-se entre risinhos e eu me perguntei como estava a nossa situação. Certeza que estava claro que nós estávamos em uma sessão de amassos no elevador.
Arrumei a barca em cima da nossa mesinha de centro, que era bem larga e tinha sido comprada por causa disso mesmo. Não tínhamos mesa de jantar, a maioria das vezes eu e Dana acabamos comendo em frente à TV ou então, na bancada, que era onde estava desempacotando sua própria comida. Mandei uma foto da comida para os outros e digitei uma mensagem para Dana trazer refrigerante para mim.
Eu era absolutamente contra a ideia de comer sem um copo de Pepsi ao meu lado. Eu morreria antes dos 30, mas meu refrigerante era sagrado.
– Eu não gosto de comida japonesa. – fez careta para comida no barco.
– Você não sabe o que está perdendo.
Me joguei no sofá, senti minhas costas estralarem ao deitar após horas sentada, tanto estudando, quanto beijando o rapaz ao meu lado. Respondi Jack, que mandou a gente não comer enquanto eles não chegassem. Também aproveitei para responder à mensagem de 'boa noite' da minha mãe. se sentou ao meu lado e eu joguei minhas pernas em cima das deles.
– Não vamos comer ainda? – Ele perguntou, se inclinando sobre mim e fazendo meu corpo ficar todo em alerta.
– Não, Jack pediu para esperar, mas se você quiser comer logo... – Bloqueei meu celular e coloquei no chão. Não consegui ficar séria com o duplo sentido em minha frase, mas nem parecia ter notado, hipnotizado, com os olhos atentos aos meus lábios.
– Tudo bem, é só você me distrair da fome.
Ele já estava quase deitado ao meu lado, se apoiando no cotovelo e brincando com a barra da minha camisa com a outra mão. Nem quis pensar em alguma gracinha para falar, apenas puxei seu rosto para perto do meu e o beijei. Ele voltou a acariciar minha cintura por debaixo da blusa e eu já estava entregue facilmente.
O jeito como meu corpo respondia ao dele, o jeito que eu me arrepiava e como meu coração batia mais rápido quando eu estava ao seu lado me deixou curiosa. Eu não costumava sentir essas coisas por algum caso qualquer. Nem com qualquer outro caso sério que tenha tido na vida, exceto Haniel. Mas Haniel era a exceção de tudo na minha vida.
Dei uma tapinha no ombro dele quando ouvi o barulho da chave. Ele imediatamente se levantou, voltando a ficar sentado e eu continuei deitada, fingindo não estar com as pernas trêmulas e com um calor intenso no meu ventre.
– Ah, não, gente! Nós vamos comer aí. – Dana debochou quando nos viu no sofá.
– Estão vestidos? Podemos olhar? – Jack entrou com a mão sobre os olhos.
– Eu nem cubro os olhos, quero mais é ver alguma coisa mesmo. – Cam colocou as sacolas em cima do balcão nos olhando fixamente.
Revirei os olhos, ignorando suas piadinhas, sentei-me no chão, pegando meus hashis e me preparando para começar a comer. Eu estava morrendo de fome e não ia ficar esperando a boa vontade deles. Logo todos fizeram o mesmo, sentamo-nos no chão em volta da mesa de centro e comemos como se não houvesse amanhã.
O filme na TV foi completamente ignorado por nós, contamos sobre o nosso dia e percebi que minha vida comparada a deles era um completo tédio. Então, enquanto todos falavam sobre tudo o que estava acontecendo nas suas vidinhas perfeitas, eu apenas fiquei quietinha, comendo meu temaki. Era melhor do que ter que contar sobre meu belo dia de leitura de relatórios que não eram meus.
Percebi que , que estava sentado entre Dana e eu, ficou um tempo olhando para o ombro desnudo dela, provavelmente analisando a cicatriz vertical que tinha ali. Quando Dizzy percebeu, ela analisou o rosto dele por um tempo até ele perceber que ela também o analisava. Seus olhos encontraram-se e desviou o olhar, suas bochechas adquiriram uma coloração rosada. Dei um sorrisinho de lado, balançando a cabeça negativamente.
Quando eu tinha 10 anos, havia um terreno baldio ao lado da casa da minha vó. Era cheio de mato e tinham dois porcos grandes de cor preta. Um dia, jogando travinha na rua durante a noite com os meus amigos, a bola caiu no fundo do terreno. Nós fizemos uma aposta para decidir quem ia pegar a bola e eu acabei perdendo e tive que ir.
De noite, os porcos tornavam-se quase invisíveis e até eu conseguir chegar lá, o sentimento de que eu ia bater de frente com algo era forte e eu sentia um nervosismo gigante. Eu sabia o que tinha ali, mas não sabia o quanto poderia me atingir. Também não sabia se valia a pena passar por aquele sufoco para conseguir a bola.
Quando eu olhava para Dana e , eu tinha a mesma sensação. A de que eu estava entrando naquele terreno baldio e escuro de novo.
– Ér... Como você conseguiu essa cicatriz? – perguntou, apontando para a cicatriz no ombro de Dizzy. Jack e Cam também se inclinaram um pouco para ver melhor.
– Caí em cima de uns vidros, eu acho. Até hoje não sei muito bem. – Dana respondeu.
– Foi por minha culpa, vocês já devem imaginar. – Declarei, ainda mastigando.
– Nós fomos em protesto contra a privatização do transporte escolar da nossa antiga cidade e estava tudo bem até os policiais decidirem...
– Covardemente. – Eu interrompi, roubando um rolinho primavera da caixinha de . Ele bateu na minha mão, tentando pegar de volta, mas eu comi antes dele conseguir.
– Covardemente, descer a porrada nos estudantes ali. No meio da correria, eu olho para o lado e Julieta está jogada no chão com um cara cinco vezes maior que ela, tentando colocar algemas nela.
– Seria legal... Em outra ocasião. – Eu disse e Cam riu, levantando a mão e fizemos um “high five”.
– Enfim, ele começou a bater nela com o cacetete e imobilizá-la de um jeito nem um pouco legal, então fui até lá, mas alguém me chutou e um policial me empurrou, acabei caindo em um monte de coisas quebradas. Foi uma confusão! Ignorei e fui ajudar Julie, demorei um monte para tirar ela das mãos dos policiais e o corte só aumentou, por isso a cicatriz grande.
– Porra, não acredito que ele te bateu! – Jack ficou indignado. Dana concordou e nós nos olhamos, lembrando daquele dia. Ela passou a mão no rosto, provavelmente espantando as memórias daquele dia.
Dana nunca tinha se importado muito com questões sociais, mas assim que a levei na primeira reunião do movimento estudantil, ela adorou e quis ir toda semana. Esse protesto foi o último que eu e Dizzy fomos juntas antes de mudar de cidade. Foi a situação mais violenta que nós já tínhamos passado juntas, o fato de eu ter sido agredida e Dizzy sair machucada só piorou as coisas.
– Eu era uma pessoa legal e avulsa até Julieta me mostrar o movimento estudantil. – Contou Dana sobre sua vida privilegiada antes de me conhecer.
– Ok, revolucionária, média A na faculdade, uma bunda legal, engajada socialmente... – enumerou no dedo as coisas que ele dizia.
– Julie, ele vai te pedir em casamento agora, corre! – Jack gritou e todos nós rimos. Jack jogou uma bolinha de papel em , que revidou e eles começaram uma pequena luta idiota.
– Cada dia que passa eu gosto mais de você, pequena Jay. – Cam abaixou a cabeça, como se estivesse fazendo uma reverência.
– Cuidado, ela destrói vidas. – Dizzy me lançou uma piscada. Eu ri e pisquei de volta para ela.
– E seus pais? – Jack quis saber. – Vocês eram quase crianças, eles devem ter enlouquecido.
Na época, os pais de Dana quiseram minha cabeça numa bandeja de prata, eu era a culpada por Dana estar enfiada numa manifestação. Os pais de Dizzy nunca foram muito a favor da filha frequentando organizações políticas ou conhecer uma realidade diferente da sua. Foram tempos difíceis, mas também os mais memoráveis de nossas vidas.
– Os pais de Julie adoram e encorajam qualquer protesto!
– Eles esperavam pela minha prisão por ativismo desde quando eu nem tinha sido concebida. – Brinquei com meus dedos, distraída.
Falar dos meus pais sempre me deixava mal. Saudade é uma coisa extremamente dolorida. Era bem verdade que eu nunca tive problemas familiares como os de Dizzy. Meus pais eram, acima de tudo, meus amigos. Tinham a mente jovem e eu sempre fui muito bem instruída e criada. Dana avisou que ia ao banheiro e eu me levantei junto para pegar cerveja na geladeira.
Agora, eu já não era mais tão ativa socialmente. Principalmente, porque na minha atual cidade não tinham muitos motivos para isso. E desde que eu apanhei injustamente das pessoas que deveriam estar ali para nos proteger, eu já não me sentia confortável para voltar a militância. Era até desconfortável pensar nisso.
A lembrança que eu tinha daquele dia era de sufoco e agonia pura. Eu ainda tinha flashes do policial barbudo em cima de mim, empurrando meu rosto contra o chão. Eu ainda via o braço dele subindo e descendo, me acertando com força. Fui puxada para longe de meus pensamentos por Dana, ao meu lado, com uma mão no meu ombro.
– Tudo bem? – Ela perguntou baixinho, eu assenti e perguntei:
– Foi culpa minha, não foi? Você não ter ido direto para o hospital. Eu devia ter ficado quieta. Eu provoquei, você sabe...
– Não foi sua culpa! – A voz de Dizzy subiu uma oitava e chamou atenção dos rapazes.
– Dana... – Ela me ignorou e foi em direção ao banheiro. Peguei outras quatro garrafas, sentindo o olhar dos meninos em mim. Distribui para cada um e me sentei ao lado de novamente, encostando no sofá.
– Tudo bem? Ela está bem? – Jack perguntou, com o cenho franzido.
– Foi um dia difícil para gente. – Às vezes, eu esquecia que Dana também era um ser humano; um ser humano sensível que também ficava abalada.
– E você? – passou um braço pelo meu ombro e dando um beijinho na minha cabeça.
Eu adorava o fato dele ser carinhoso comigo mesmo que a gente não tivesse nem um tipo de relacionamento. Eu namorei com caras por meses que não eram carinhosos comigo do jeito que é. E era apenas a segunda vez que a gente se via.
– Me falem sobre vocês, eu sinto que vocês sabem todos nossos podres e piores momentos e vocês continuam aí, lindos e sem passado. – Reclamei, bebendo minha cerveja e sentando de pernas cruzadas.
continuou com o braço esquerdo sobre meu ombro e comia com a mão direita.
– A maior loucura que eu já fiz na vida foi ter matado aula para jogar videogame na casa de um amigo. – Jack contou.
– Jura? Com essa sua cara de delinquente juvenil? – Perguntei descrente, fazendo e Cam gargalharem.
– Eu também não acredito quando ele diz que era quieto. – riu, confidenciando.
– Do que estamos falando? – Dana voltou para a sala, sentando-se no chão, na ponta da mesa.
– Jack ser quieto na época de escola. – esclareceu o assunto para Dizzy.
– Aí uma coisa que eu não acredito. – Dana gargalhou, acariciando os cabelos de Jack.
– Gente, qual a dificuldade de acreditar? – Ele rolou os olhos, jogando os hashis para o alto e apanhando logo em seguida.
– Quando eu conhecer sua mãe, eu acredito em você, bro. – Cam passou a mão pelo cabelo cacheado de Jack também.
– E você, big boy?
Olhei para e sorri surpresa ao ver que ele já me olhava antes mesmo de eu começar a falar. Ele sorriu de volta, sorriu lindamente.
– Eu pesava 30 quilos, usava aparelho e não tirava nota maior que C. Não era quieto, mas também não era um pesadelo do tipo que Jack seria. – Relatou.
– Ei! – Jack reclamou. – Eu juro que era quieto. Passei o meu baile de formatura inteiro na biblioteca da escola.
– Eu nem sequer fui ao meu baile! – Cam exclamou.
– Eu só fui pegar meu diploma e fui embora para festa na casa de praia da Milan, a garota mais cheia de plásticas e dinheiro que eu já conheci. – contou.
– Alguém perdeu o meu diploma, peguei três semanas depois. – Cam reclamou, revirando os olhos.
– Na nossa formatura, enquanto todos estavam sensíveis, chorando enquanto pegavam seus diplomas, a gente estava onde mesmo? – Dana apontou para mim, rindo alto.
– Na sala dos professores tomando Chandon. – Eu quase gritei de tão animada por lembrar de um dos melhores dias da minha vida. Eu e Dana batemos nossas mãos, fazendo um high five.
Eu e Dana nos afastamos para fofocar sobre alguma coisa que eu não lembro, mas quando passamos pela sala dos professores e vimos a mesa recheada de comida com três garrafas de Chandon, não pensamos duas vezes em entrar lá roubar uma garrafa e uns salgadinhos.
– Fala sério! – Jack exclamou. – Que saco, a vida de vocês parece uma porra de uma sitcom.
– A gente também não acredita nos absurdos que acontecem com a gente...
– Dizzy? – Chamei sua atenção. – É impressão minha ou nós temos amigos?
Dana e eu estávamos limpando nossa sala quando a questão das nossas novas amizade pairava sobre minha mente. A mesa de centro estava lotada de caixas, garrafas e embalagens de comida. Geralmente, eu e Dana não produzíamos todo aquele lixo. Fomos comprar mais cerveja umas duas vezes. Então, resolveu colocar ordem na bagunça e lembrar a todos de seus respectivos empregos, considerando que ainda era quinta-feira.
– Sim, nós temos. Fazia tempo que isso não acontecia. – Dana sorriu, tomando um gole da última garrafa de cerveja que tinha em nossa geladeira. – Vamos mantê-los?
– Devemos, Jack já preencheu todos os nossos finais de semana até o final do mês. – Rimos juntas.
Nós estávamos cheios de planos, festas, bares e lugares que queríamos apresentar um ao outro. Eu sempre gostei de fazer novas amizades, mas aqueles garotos me faziam querer ficar 24h grudada neles e eu sabia que não seria chato.
Eu estava louca para que o tempo passasse rápido para eu passar mais tempo com eles. E eu nem tinha dinheiro para sair no final de semana.
– Gosto deles. Então... – Dana comentou. Ela andou em volta da mesinha, recolhendo o lixo que estava lá em cima. Cerrei os olhos ao ver a expressão de Dana. Eu conhecia aquela expressão. – O quão sério é?
A expressão que ela usava quando queria parecer desinteressada.
– O que?
– . – Ela deu de ombros, olhando tempo demais para a embalagem das batatas chips.
– Como assim? – Questionei, receosa em seu interesse pelo meu breve envolvimento.
– Você e ele?
– Não sei, Dana. É apenas a terceira ou quarta vez que nos vemos. Não é como se a gente fosse começar a namorar amanhã ou algo assim. – Franzi o cenho, não entendendo onde Dana queria chegar com todo aquele rodeio.
– Tudo bem, apenas me deixe saber. – Ela passou por mim e foi destrancar a porta.
– Por quê? Algum problema? – Questionei, novamente.
– Nada, Julie. Só me deixe por dentro da sua vida. – Ela deu uma risadinha e depositou um beijinho na ponta do meu nariz. Coloquei as mãos na cintura, observando Dizzy sair do apartamento com as sacolas de lixo na mão.
Se está acontecendo o que eu acho que está acontecendo, as coisas estão prestes a ficarem estranhas.
Eu me arrependia amargamente de fazer faculdade em período vespertino, porque isso significa que o meu turno no Daily é sempre de matutino e o jornal pela manhã era um verdadeiro inferno. O meu trabalho era fazer tudo, sempre me colocavam para fazer várias coisas ao mesmo tempo. Limpar almoxarifados, arrumar papéis, entregar notas, cobrar matérias, verificar as impressões do dia e entregar, pelo menos, cinco relatórios no final do dia. Era exaustivo, eu odiava e ganhava pouco. Porém, o núcleo universitário me forçava a crer que eu era sortuda e deveria agradecer de, ao menos, ter um estágio.
Para falar a verdade, já tinha um tempo que eu tinha dúvidas sobre ser jornalista. Eu gostava de escrever, me interessava pela área, sim. Mas nunca fora minha paixão. E quanto mais eu conhecia, menos eu me via fazendo aquilo no futuro. Eu nunca tinha conseguido me encaixar perfeitamente em qualquer profissão, nada parecia certo para mim.
Muitas vezes eu pensava em desistir do jornalismo, mas desencadearia muitos problemas e complicações para mim, mais do que eu sou capaz de lidar. Eu gostava de escrever e informar, sim, mas a última coisa que me deu prazer de fazer foi trabalhar no Centro Comunitário nas férias. Eu amava ir para aquele lugar, eu gostava de me sentir necessária, de ajudar e era boa nisso. Acho que fui influenciada pelo meio em que vivi durante toda a minha vida.
Jeins era um bairro perigoso e considerado perdido por muitos. Eu gostava de lá, minha infância e adolescência no local foram marcantes, mas quando isso atrapalhou no meu futuro, não pensei duas vezes em me mudar. Todo o bairro se conhecia e metade dos jovens de minha geração acabaram entrando para o mundo do crime.
Eu era uma das únicas do meu grupo de amigos de infância que almejava um futuro que não envolvia drogas ou prisão. Eles brincavam dizendo que eu era a salvação do grupo e no final, eu acho que acabei sendo mesmo. A maioria deles não tinha maldade alguma no coração, só eram muito influenciáveis.
Ironicamente, nunca consegui influenciá-los a mudar de vida.
Eu passei a manhã toda no jornal, pedi para sair mais cedo e recebi um belo de um "não" na cara. Eu tinha que estudar para prova que teria no outro dia e agradeci mentalmente pelo professor Manuel ter adiado as aulas dele que teriam hoje.
Então, assim que saí do trabalho, liguei para Bela, uma amiga de turma, me encontrar na universidade. Eu e Bela prometemos que não iríamos sair da biblioteca enquanto não estivéssemos com, pelo menos, 70% da matéria fixada na memória. Éramos as únicas atrasadas da nossa sala, o que fazia com que nós tivéssemos fama de desesperadas.
Já eram quase 18h quando meu celular vibrou duas vezes em cima da mesa, tirando minha atenção do artigo de quase 40 páginas.
HOJE, 17:48
E lá se vai todo o meu foco.
HOJE, 17:48
Respondi, simplesmente. Eu definitivamente não curto isso de ficar nervosa mesmo ele não estando presente.
HOJE, 17:49
A pergunta que eu estava esperando, finalmente, surgiu e acabei suspirando profundo demais e atraí a atenção de Bela.
– Também não aguenta mais? Vamos parar por hoje? – Ela nem esperou minha resposta. Já começou a fechar os livros e guardar as suas coisas dentro da bolsa. – Vou devolver os livros.
– Leva os meus também, por favor? – Empurrei os livros na direção dela, vendo-a fazer um malabarismo para equilibrar os livros em seus braços finos. Meu celular vibrou novamente em minha mão.
HOJE, 17:50
Sorri com sua resposta bem-humorada, guardando meus materiais dentro da bolsa. Assim que Bela voltou, fomos ao banheiro, comentando sobre os assuntos que tínhamos estudado.
– Você está segura para a prova? – Perguntei, queria falar sobre qualquer outra coisa que tirasse minha atenção de . Eu já sentia meu coração bater descompassadamente só de pensar em vê-lo.
– Sim, depois que eu chegar em casa, vou dar uma lida em uma coisa ou duas. Mas estou bem e você? – Saí do box, indo lavar minhas mãos.
Ela passava pó compacto no rosto, encarando-se no espelho manchado do lugar. Bela era irritantemente magra, tinha cabelos cacheados e tingidos de roxo. Ela sempre estava maquiada e sempre usava coturno. Era extremamente simpática e era uma daquelas pessoas que chamavam atenção simplesmente por serem o que eram.
– Provavelmente vou fazer o mesmo. – Olhei para o pequeno nécessaire de Bela lotada de produtos de maquiagem e me chequei no espelho. – Me empresta o rímel? O que geralmente fica na minha bolsa acabou.
– Procura aí. – Ela empurrou a bolsinha para mim com uma mão e com a outra continuou fazendo aqueles delineados dignos de tutoriais de YouTube. Coisa que parecia impossível para mim e ela fazia com apenas uma mão e enquanto conversava comigo.
Eu adorava assistir esses tutoriais na internet, mas se eu fosse tentar fazer algo, eu provavelmente andaria igual uma palhaça na rua. Passei algumas camadas de rímel e um batom matte cor de pele, num tom mais queimado, que eu costumava usar no dia a dia. Nem me atrevi a tirar o meu cabelo do rabo de cavalo alto que eu usava, não estava de todo mal assim.
– Essa produção toda é para alguém? – Bela perguntou, com um sorrisinho irritante no rosto.
– Vou sair com um carinha aí. – Devolvi o rímel e joguei meu batom dentro da bolsa. Não que houve muita coisa, mas não queria ter que explicar minha relação com . – E você e o Mac? Ainda fingindo que esse negócio de amizade colorida dá certo? – Tentei ignorar a ansiedade que só aumentava, puxando outro assunto.
– Hoje nós vamos no jantar de aniversário da irmã dele. – Contou, mordendo o lábio inferior.
– Uh, vai conhecer a família? – Provoquei.
Fomos andando em direção a saída do campus. Cumprimentei algumas pessoas pelo caminho, estranhei a grande quantidade de pessoas da minha turma por ali. Acho que eu e Bela não éramos as únicas inseguras com a prova, afinal.
– Como amigos, é claro. A irmã dele é bem legal, então imagino que toda a família deve ser. – Supôs.
– Prepare-se para voltar de lá apaixonada por ele.
Chegamos ao portão principal. Dei uma olhada em volta, aparentemente ainda não estava por ali. Tinham alguns grupos de estudantes por ali, mas não estava cheio. O horário que aquilo dali lotava eram depois das 19h, quando todas as turmas já tinham sido liberadas.
– Está maluca? Como assim?
– Você vai ver ele com a família, sendo amável, toda a família vai chamar vocês de namorados, vocês provavelmente vão ter um momento romântico no fim da noite e na próxima vez que vocês se beijarem, as coisas já vão estar diferentes. – Eu expliquei, com toda a minha experiência em histórias de amor. Bela pareceu chocada por uns segundos e depois revirou os olhos.
– Você é maluca, Julie! Anda vendo muito filme de comédia romântica.
– Se você quiser apostar... – Eu sugeri.
Eu já tinha acertado tantas vezes nas minhas previsões, que depois da quinta vez, decidi começar a lucrar com elas. Eu não tinha uma história bonitinha, mas pelo menos ganhava um dinheiro com isso.
– Vou ignorar isso apenas para dizer que acabou de descer de um táxi aqui na frente. O que será que ele veio fazer aqui? – Indagou, olhando para trás de mim com um ar curioso.
– ? Você o conhece?
Vasculhei o local com os olhos, procurando por ele, que estava parado na porta, parecendo fazer o mesmo. Incrivelmente, senti todo o nervosismo sumir assim que o vi.
estava lindo com sua jaqueta de couro marrom por cima da camisa cinza e de calça jeans preta. Queria gritar na cara de todas as meninas que estavam suspirando por ele, que eu já tinha beijado aqueles lábios e que aquele olhar atento procurava por mim.
– Quem não conhece? Esse cara é um absurdo de lindo! – Bela me fez rir com seu comentário, mas eu super entendia ela.
– É, eu concordo. Tenho que ir. – Falei, rapidamente arrumando a bolsa no ombro e agarrando minha pasta contra meu peito.
– O que? Já? – Bela refutou, me olhando confusa.
– É meu carinha. – Expliquei, já me afastando e saindo do lado de Bela e entrando no campo de visão de , que guardou o celular e me lançou um sorriso de menino que balançava o meu coração.
Ouvi Bela gritar um "me liga mais tarde", meio alterada com minha revelação. Ri, balançando a cabeça negativamente. Eu não decidi ainda se me sentia lisonjeada ou magoada com a surpresa das pessoas ao descobrir minhas histórias com . Senti como se todos a nossa volta estivessem olhando e eu acho que estavam mesmo.
– Quando você vai tomar vergonha na cara e comprar um carro? – Brinquei quando parei em frente a ele.
– Quando eu sentir necessidade. – Ele respondeu, dando de ombros.
Fiquei em dúvida em como cumprimentar, mas como sempre, foi mais rápido. Beijou meu rosto, mas logo se afastou. Peguei a chave do carro e o guiei até o estacionamento.
– Você quer sair para fazer alguma coisa? – Ele tirou a bolsa do meu ombro e pegou a pasta dos meus braços. Agradeci por seu cavalheirismo.
– Quero, mas você escolhe o lugar. – Sugeri, porque se dependesse de mim, acabaríamos sem nunca decidir aonde iríamos.
– Tudo bem, quer que eu dirija? – Ele se ofereceu quando me viu indo ao lado do motorista. Ergui uma sobrancelha com a nova informação. Eu achava que era uma daquelas pessoas que nunca aprendera a dirigir e sobrevivia de táxi e caronas. Porque eu nem o imaginava dentro de um ônibus.
– Então você dirige, só não quer ter um carro. – Cruzei os braços, semicerrando os olhos em sua direção. – Me parece preguiça.
– Se chama economia! – Ele replicou e eu gargalhei.
– Você fica cada dia mais rico, . – Joguei as chaves do carro para ele quando trocávamos de posição pelo lado de fora do carro. Entramos no carro, joguei minha pasta no banco de trás e deixei minha bolsa nas minhas pernas. – Admita sua preguiça.
– Admitir? Jamais. Eu cuido de meio ambiente! – Ele se inclinou e me deu um selinho rápido enquanto eu sorria por conta de sua resposta deslavada. – Posso te levar para qualquer lugar?
Perguntou, fazendo a baliza quase perfeitamente. E eu não conseguia desviar o olhar dele. Eu tinha uma tara enorme em ver homens dirigindo, até o cara menos viril do mundo conseguia parecer gostoso dirigindo. Ou não, mas na minha cabeça funcionava assim.
– Depende. Quais são suas intenções para o dia de hoje comigo? – Questionei, sinalizando a saída para ele.
– Comer, oras! – Deu de ombros e eu arregalei meus olhos, surpresa com sua sinceridade. O tom de voz que ele usava não me deixava identificar nem um tipo de brincadeira em sua voz. conseguia ser misterioso e transparente ao mesmo tempo. Virei meu corpo inteiro para encará-lo, tentando ver em seu rosto se ele falava sério ou eu tinha uma mente muito suja. Olhou-me com um sorriso zombeteiro, rindo quase com deboche. – Eu estava pensando naqueles food trucks que tem na beira do rio, sabe? Mas se você tiver outra coisa em mente...
– Você é um idiota! – Resmunguei, dando um beliscão de leve em seu braço, fazendo- gargalhar com minha breve revolta. Tentei desviar o olhar dele e sintonizar em alguma rádio boa.
perguntou como foi meu dia e eu logo comecei a reclamar do jornal e de como estava cansada de ter que trabalhar lá. Ele me contou das cidades que visitou nos últimos dias, sobre os lugares que ele tinha cantado. Perguntei se ele já era famoso e ele apenas riu.
Eu adorava que não era um falso modesto, ele realmente era simples e tranquilo demais. Geralmente, se espera o contrário de um cantor em ascensão. Costumam ser esnobes, arrogantes e nem tão talentosos assim. Esse talvez fosse o diferencial de , por isso ele crescia e se tornava melhor e mais conhecido a cada dia.
Chegamos no Takeo, que era uma área ampla e aberta que ficava nas margens do lago de mesmo nome. Quase inteiramente rodeada por food trucks e várias mesas espalhadas pelo centro, era um dos pontos mais frequentados da cidade. Ao fundo, as águas do rio calmo refletiam as luzes dos carros que passavam na rodovia do outro lado e um sol tímido que já ia embora. Um píer longo e largo ia até o meio do lago, de onde saiam alguns pedalinhos.
e eu fomos andando pelos caminhões até decidirmos o que a gente ia comer, o que parecia ser uma tarefa impossível. Eu queria comer um pouco de tudo e partilhava do meu pensamento, a gente só não sabia por onde começar.
Observei nosso reflexo em um caminhão espelhado enquanto ele lia o cardápio de comida japonesa. Eu e tínhamos uma diferença de altura significativa e isso era engraçado. Ele era provavelmente o cara mais alto que eu já tinha saído e o mais bonito também. O fato dele estar andando com a minha bolsa vermelha de modo transversal no corpo só tornava tudo ainda mais engraçado. era educado e cavalheiro sem parecer forçado. Acredito que fora criado assim e eu acho que isso era o que mais me encantava nele.
Tudo bem, eu ainda estava meio indecisa sobre o que eu mais gostava nele.
– Vamos de tacos. – Ele sugeriu, enquanto a gente andava pelo local pela terceira vez, ainda indecisos.
– Não, eu queria provar aqueles mini-hambúrgueres! – Retruquei, apontando para o caminhão dos mini-hambúrgueres que ficava do outro lado do local.
– Mas isso não enche! – Ele reclamou.
– E desde quando tacos enchem? – Retruquei.
Acabamos comprando beirutes. , por pura implicância, comprou os malditos tacos. Então, eu comprei meus mini-hambúrgueres também. Nos sentamos na mesa mais próxima do início do píer. Por ser uma quarta feira, o local não estava lotado como eu ouvi dizer que ficava nos fins de semana.
– Você é impossível! – Reclamou, dando uma mordida no seu taco.
– Prova um pedaço e diz que não é um presente dos deuses – Desafiei-o, colocando um mini na boca dele. Esperei enquanto ele mastigava, resmungando de boca cheia. – Então...?
– Odeio você. – Revirou os olhos e eu ri com sua negação.
– É uma delícia, não é?
– Cala a boca e come logo. – Ele reclamou, empurrando o beirute em minha direção, me fazendo rir mais ainda.
O céu já estava totalmente escuro quando eu notei que não sabia que horas eram exatamente, visto que eu nem olhara meu celular pelas últimas horas. O fluxo de carros do outro lado do rio já tinha diminuído bastante, então presumi que já tinham se passado algum tempo desde o horário de pico.
A conversa com era tão fácil e espontânea que esqueci do mundo ao nosso redor. Contou-me sobre sua família, contou sobre os pais serem separados e sobre a relação próxima com a irmã caçula.
Quando percebi já tinha relatado minhas dúvidas em relação a faculdade, coisa que eu ainda nem tinha comentado com Dana. Ele foi compreensivo e realmente prestava atenção no que eu falava. Ele não me disse o que fazer, apenas deixou claro que eu deveria tomar uma decisão logo. Também disse que se eu precisasse de qualquer coisa, ele estaria ali. Eu derreti um pouco, mas a gente ignora essa parte. Eu e nos levantamos da mesa depois de horas de conversa. Comprei um milk-shake de morango, que acabamos dividindo e fomos andando pelo píer, comentando sobre a cidade.
– O que tem para lá? – Perguntei, apoiando-me no parapeito, olhando para o lago sendo iluminado pelas luzes do centro e seguindo para uma parte escura.
– Vai para a reserva ambiental. – Respondeu, inclinando-se por trás de mim para sugar o milk-shake que estava na minha mão.
– Aqui é bonito. – Comentei, sentindo o corpo dele encostar-se ao meu.
– É, você precisa ver no inverno... É a primeira vez que te vejo de jeans. – Comentou, cutucou meu quadril com um dedo e depois beijou meu ombro.
Mais uma vez, me arrependi de não ter trocado de roupa. Eu estava usando uma calça jeans azul skinny com uma camisa social branca e um cropped por baixo e sapatilhas. era um guerreiro por me querer mesmo que ele nunca tenha me visto arrumada de verdade.
– É? – Virei de frente para ele, que apoiou os braços atrás de mim, deixando-me presa entre seu corpo e o parapeito da ponte.
– Sua bunda fica incrível. – Mais um beijo no pescoço, agora subindo pelo meu rosto.
– É? – Repeti, já desorientada.
– Você devia usar mais jeans. – Sugeriu, descendo as mãos para meus quadris e prensando-me mais contra a madeira da ponte.
– Eu uso, você que não vê. – Informei. Pensando bem, todas as vezes que havia me visto, eu estava usando vestidos ou shorts de tecido. Eu sabia que minhas pernas ficavam incríveis quando eu usava jeans.
– Eu devia ver você mais vezes, então. – Encostou os lábios nos meus levemente e depois afastou-se. Analisou meu rosto por um tempo enquanto eu pensava no que dizer.
Por algum motivo, a história do terreno baldio veio em minha mente novamente.
– Nós nos vemos bastante, . – Assegurei, passando a mão pelo seu cabelo.
– Ainda não é o suficiente para mim.
E beijou-me suavemente, sem pressa, como se tivéssemos todo o tempo do mundo. Pousei uma mão no seu quadril pois a outra ainda segurava o copo. E eu agradeço a mim mesma por ter comprado aquele milk-shake. Ele ainda estava com a língua e os lábios gelados do último gole que deu. Então quando ele sugava meu lábio inferior, parecia o paraíso.
Meu celular começou a tocar na bolsa e não parecia se importar. Sem quebrar o beijo, abri a bolsa – que ele ainda usava – e tirei meu celular. Afastei-me dele, ouvindo um resmungo e atendi sem olhar na tela de identificação. Ele pegou o copo da minha mão e foi levar até o lixo, me deixando parada ali, me apoiando na ponte devido as minhas pernas trêmulas.
– Julie? Onde você está? – Era Dana. A garota não me ligava ou mandava mensagem desde cedo, sendo aquela ligação a primeira vez que eu falava com ela no dia.
– Estou no Takeo, aquele lugar que a gente queria conhecer, lembra? – Expliquei.
– Sozinha? Poxa, você nem me esperou! – Reclamou.
– Estou com . – Informei, insegura se devia ter contado ou não.
– ? – Mais uma vez, a surpresa. Confirmei. – Tipo, um encontro? – Me assustei com a dúvida e a reação de Dizzy. Achei que ela gritaria do mesmo que Bela, no mínimo.
– Eu não sei, na verdade. – Respondi, mordendo os lábios. Observando o rapaz voltar para perto de mim, me questionei mais uma vez que tipo de relacionamento esperava ter. Ou se queria um relacionamento, já que eu não tinha tanta certeza se estava disposta a ter um.
– Ok, me conta tudo depois. – Ela tentou parecer empolgada, mas eu conhecia Dana bem demais para saber que ela só não queria me deixar chateada com sua falta de interesse. – Escuta, não vou dormir em casa hoje. Vou para casa da Vi e, provavelmente, vou ficar por lá.
– Dana, no meio da semana?! – Reclamei, resmungando.
Eu não suportava dormir sozinha no apartamento. Aos finais de semana, se Dana não passasse em casa, eu daria um jeito de sair também, mas numa quarta-feira ficava complicado. E também não gostava muito da ideia de Dana farreando no meio da semana.
Dizzy era um pouco dispersa e podia tornar-se até um pouco irresponsável se não tivesse alguém para mantê-la na linha. puxou-me pela mão e fomos andando em direção ao fim do píer. Senti a Julieta adolescente pulando dentro de mim.
– Eu sei, desculpa. – Dizzy lamentou e eu imaginei-a fazendo o bico característico dela.
– Tudo bem, Dizzy. Se cuida e qualquer coisa, me liga. – Dana desligou sem falar mais nada e eu estranhei. Encarei a tela do celular, mostrando a tela de ligação encerrada. Fiquei olhando alguns segundo para ter certeza de que ela havia desligado, não eu ou a ligação tinha caído.
– O que foi? – perguntou.
– Dana não vai dormir em casa hoje. – Contei, guardando o celular na bolsa presa ao garoto.
– Ah! – Percebi suas bochechas ficando cada vez mais coradas a cada segundo que seu pensamento de formava. Ele esperava que eu não visse seu rosto na escuridão do final do píer e eu esperava que ele não visse meu sorriso encantado só para ele. – Quer ficar lá em casa?
Entendi seu acanho quando emitiu a frase lotada de segundas, terceiras e quartas intenções. Fiquei imediatamente em alerta. Eu sou mulher que vai para casa com o cara no primeiro encontro?
Sou mesmo, ainda bem!
– Eu estou quase totalmente nua em cima de você, . É claro que está tudo bem para mim.
Fomos para a casa de . Não me preocupei em passar em casa, eu sempre levava roupas íntimas e outras coisas de emergência dentro da bolsa. Normalmente, eu ficava muito tempo longe de casa e nunca sabia quando ia ter que dormir em outro lugar.
O plano inicial era assistir filmes, reclamar da vida, ele ia responder alguns e-mails e eu ia revisar a matéria da prova uma última vez, mas entre uma taça de vinho e outra, um beijo foi roubado, surgiu uma carícia na perna e quando minha mente clareou e eu parei para prestar atenção ao meu redor, estava sentada no seu colo, apenas de calcinha.
– Você não precisa estudar para a prova de amanhã? – Desfez meu cabelo do coque, jogando-o para trás.
– Não... – Ele pareceu meio distante por alguns segundos, perdido entre meus fios de cabelo e eu fiquei imediatamente receosa. – , você quer parar? Está tudo bem se você quiser. – Perguntei e afastei meu tronco do dele, mas sem sair de cima de suas pernas.
– Não! É só que... – Hesitou.
Olhou-me por alguns segundos, desviou o olhar para meus seios e depois encostou a testa no meu ombro direito. Fechei os olhos fortemente, sentindo a respiração ofegante dele no meu pescoço.
Uma dose cavalar de insegurança e vergonha tomou conta do meu corpo imediatamente. Havia sido rápido demais? Ele não gostou do que viu por debaixo das minhas roupas? Talvez ele tivesse em mente algo melhor.
Ou alguém melhor.
– Você acha que não está com a pessoa certa? – Questionei, temerosa por sua resposta. Ele queria Dana no início, certo? Talvez ele tivesse arrependido ou confuso e ele tinha todo direito de estar.
– Como assim? Do que você está falando? – Levantou o rosto, encarando-me com o cenho franzido.
– , você está me confundindo. – Acariciei os cabelos de sua nuca, sendo amável até demais. Geralmente, eu não tinha paciência com pessoas indecisas, apesar de ser uma.
– Não... É só que... Eu não sei como você é... Entendeu?
Sua frase saiu cheia de pausas e hesitações, quase não entendi sua emissão. Ergui uma sobrancelha, sentindo-me levemente ofendida. Senti raiva dele por estar sendo prolixo e senti raiva de mim por ainda estar ali, sem roupa em cima dele, quando ele claramente não sabia o que queria.
– Não, não entendi. Quer saber? Acho melhor eu ir embora antes que você me ofenda ainda mais! – Irritei-me e tentei sair de cima dele, mas ele segurou minha cintura com força, prendendo-me no lugar.
– Não, Julie. Eu estou me expressando errado. É que eu gostei de sair com você e queria te ver mais vezes, mas você parece ser o tipo de garota que não responde no dia seguinte.
Pensei um pouco em sua frase e em como eu deveria interpretá-la. Duas palavras fora do lugar e ele realmente estaria me ofendendo e eu precisaria sair dali o mais rápido possível. Porém, parecia estar constrangido e meândrico, então a frase finalmente fez sentido na minha cabeça. Meus lábios se abriram em entendimento.
– Oh! Você acha que eu vou transar com você e sumir?
Apertou os lábios, parecendo envergonhado com a própria insegurança e vulnerabilidade. Fiquei surpresa porque parecia estar sendo sincero e talvez aquele, realmente, fosse o motivo. Fiquei mais surpresa ainda por meus motivos estarem errados. Meus pensamentos estavam equivocados. Eu não vou negar que eu já havia sido realmente a garota que não atende as ligações do dia seguinte.
Nos últimos tempos, principalmente.
Mas com , as coisas eram, no mínimo, diferentes. Ele chamava minha atenção de todas as formas. Eu me interessei por ele como nunca tinha me interessado por ninguém. Queria saber mais da sua personalidade, saber seus gostos e odiar seus defeitos. Queria conhecer seu corpo e queria ele conhecesse a mim como ninguém conhecia. Eu o queria, muito. E talvez eu não soubesse lidar com a dimensão do meu anseio e minha cobiça por ele.
Eu não sabia dizer o que rolava entre nós, também não sabia se eu sentia algo mais que uma atração intensa, quase imoral. Não queria aprofundar as coisas com ele sem ter certeza do que eu queria. Eu era uma puta de uma confusão e , até aquele momento, sempre pareceu tão certo de seus sentimentos e ações.
– Eu... – Percebeu minha confusão e diminuiu o aperto em minha cintura, como se estivesse me deixando livre para sair a hora que eu quisesse. – Não sei o que dizer para você.
– Você vai sumir? – Questionou, enrolando uma mecha do meu cabelo em seu dedo indicador.
– Não. – Respondi e estranhei a falta de hesitação.
– Então, não precisa me dizer nada. Nós resolvemos o resto depois... – Segurou meu rosto entre suas mãos, não me deixando pensar sobre mais nada que não fosse seus lábios sobre os meus.
Passar aquela noite em claro com não deixou nada explícito e compreensível para mim. Até mesmo piorou minha situação. Eu era boa em manter as coisas casuais, sabia muito bem lidar com situações pós sexo para que não houvesse constrangimento de ambas as partes. Eu era muito boa em ser boa e era muito bom em ser bom.
Nossa química era explosiva demais para o nosso bem. estava se mostrando ser o tipo de cara que eu sempre quis, mas nunca achei que realmente existisse. Era calmo, gentil, ótimo em falar sacanagem, mas suas bochechas rosadas mostravam o menino dócil e respeitoso que ele era.
Nós não falamos sobre rótulos, mas na minha cabeça, era implícito que nós ficaríamos no bom e velho sexo casual. Mas sei lá, não dá para acreditar muito que as coisas vão permanecer casual quando você passa uma madrugada inteira, deitada com uma pessoa assistindo documentários sobre arquitetura e urbanismo sem propriedade alguma no assunto e aquele acaba se tornando o seu melhor programa da semana.
Casual, hein? Vai ser bem complicado.
Hillswood* é uma cidade de 200.000 habitantes, conhecida por ser uma cidade universitária, ter um clima ameno e por suas paisagens simples. Encarei a cidade imposta a minha frente pela janela da minha sala. Cheia de elevados, o sol de 17h se perdia entre os prédios e as luzes dos carros. O céu azulado e sem nuvens de junho me fazia sorrir, mesmo com o calor suportável de 30º que fazia.
Era sexta-feira, o horário de pico se aproximava e por meu apartamento ser afastado do centro, eu conseguia vê-lo da minha janela. Gostava de ver os carros vindo de todas as direções e se aglomerando na avenida principal, o que mais tarde causaria um enorme congestionamento.
As minhas aulas acabaram mais cedo, o que me livrou de estar nesse mesmo congestionamento. Eu passaria horas olhando a paisagem, apenas pensando. Gostava de criar histórias sobre as vidas das pessoas dentro daqueles carros. De onde vinham e para onde iam. Coisa de gente meio distraída, que não tem muito o que fazer.
Sorri de leve ao ver os carros se amontoando aos poucos, concretizando minhas previsões. A mobilidade social dessa cidade é algo que realmente deveria ser melhorado. Eu não os culpo pelas barbeiragens e atrocidades que cometiam no trânsito na ânsia de chegar logo ao seu destino. Era sexta, afinal. Todo mundo estava ansioso para sair, encontrar alguém ou simplesmente ir para casa e dormir.
Por falar em curtir o fim de semana, Dana e Cam foram convidados para uma festa em um hotel no litoral de uma agência publicitária que estava de olho nos dois para algum novo trabalho. Claro que eles não perderiam a oportunidade de passar o final de semana em um hotel chique enquanto comiam canapés a beira da praia. Isso só nos rendeu umas boas piadas sobre eles estarem transando escondido do resto de nós.
Até nos convidaram, mas todos estavam ocupados demais para viajar. Eles voltariam para casa apenas na terça da outra semana e para mim, isso significaria três dias de aula perdido.
Eu estava bastante ocupada com a faculdade naqueles dias, mas também estava bem animada porque esse passe livre para ter a casa só para mim, me renderia quatro dias de sexo da melhor qualidade com .
E nós já tínhamos começado.
Eu estava apenas de calcinha, mas ainda parecia que o diabo estava soprando em meu rosto. Eu estava com fome, calor e preguiça. Tendo isso como motivação, fui até minha geladeira, à procura de algo fácil e rápido de cozinhar no meio de toda a comida que Dana tinha estocado para mim. Eu gostava de cozinhar e era até boa nisso, mas só me via na obrigação de ir para a cozinha quando eu tinha que fazer comida para Dana também.
Portanto, quando ela não estava presente, eu sobrevivia de comidas instantâneas e congelados. Achei uma caixa de lasanha à bolonhesa e coloquei-a no micro-ondas. Não era a minha preferência, mas era o que tinha. Deitei-me de bruços no sofá, esperando dar tempo de a lasanha ficar bem aquecida.
Peguei meu celular, checando as últimas mensagens me deparei com uma foto que Cam e Dizzy mandaram e me fez rir. Ambos estavam com poses pomposas e de nariz empinado, bebiam champanhe numa piscina, a praia ao fundo deixou a foto, que deveria ter sido uma piada, realmente bonita.
Eu até senti inveja, mas o sentimento durou três segundos apenas porque entrou na sala naquele instante. Com os cabelos bagunçados, bocejando e se espreguiçando, usando uma boxer vermelha que destacava em seu corpo.
andando de cueca confortavelmente pela minha cozinha era, definitivamente, melhor do que champanhe à beira da praia.
Uma mensagem de Jack tirou minha atenção do cara bonito abrindo minha geladeira. Comentou nas mensagens que faria um show no domingo e ele preferia ir ao show do amigo do que ir à praia. Depois ele se desmentiu, falando que preferia a praia mesmo, já que de todos nós, ele era o que ia em quase todos os shows de . Seu comentário me fez perceber algo.
– ? – Ele respondeu com um murmúrio. – Eu nunca fui em um show seu.
– E daí? – Ele abriu o micro-ondas e tirou minha lasanha de lá, jogando em cima do balcão e olhando para os próprios dedos depois, provavelmente queimados.
– E daí que eu quero.
– Sério? – Ele pareceu nem acreditar, fazendo uma careta em seguida.
Eu já conhecia á quase quatro meses e o máximo que eu ouvia de sua voz era quando ele cantava no chuveiro e um vídeo de seis segundos no Instagram.
– Claro que sim, por que a surpresa? – Questionei, sem entender seu espanto.
– Eu só achei que... – Titubeou, pareceu indeciso sobre o que falar, mas balançou a cabeça, como se estivesse espantando as ideias. – Eu levo você no show de domingo. Tudo bem? – Ele veio até mim e assenti, sorrindo.
Senti meu corpo arrepiar-se completa e instantaneamente quando ele parou ao meu lado no sofá. Seus olhos passearam pelo meu corpo estirado no sofá. Sentia-me ainda mais nua, se fosse possível.
– Algum problema? – Perguntei e ergui uma sobrancelha ao perceber que seus olhos indecentes ainda percorriam meu corpo, totalmente sem vergonha de observar cada pedaço de pele exposto.
Sorriu travesso, quase beirando a lasciva e pegou-me de surpresa quando soltou um tapa na minha nádega direita. Meu corpo balanceou no sofá com o impacto da palma da sua mão. Foi como se meu corpo tivesse entrado em chamas imediatamente. "Apressado!", exclamei ao sentir suas mãos puxando as laterais da minha calcinha.
– Não vai nem me dar um beijinho? – Mesmo contrariada, levantei meu quadril para ajudá-lo no ato.
– Acordei sozinho e excitado. Não acho que você esteja merecendo beijinhos. – Enunciou, intransigente.
– Eu só vim comer, baby. – Mordi os lábios quando senti seus beijos irem do início ao fim de minhas costas e tive que segurar-me para não arfar alto demais com o toque mínimo.
– Eu também vim comer, baby.
Depois de uma longa e torturante trilha de beijos pelas minhas costas, seus lábios (finalmente!) desceram até o meio das minhas pernas, fazendo-me jogar o celular em qualquer canto. Senti todo e qualquer vestígio da fome e preguiça sumirem, ficando apenas o calor.
Muito calor.
Depois de transar em cada lugar da sala, e eu estávamos exaustos demais para mais uma rodada. Pelo menos, por enquanto. Depois de comermos a lasanha, – que estava horrível, por sinal, – nós fomos para meu quarto e acabamos decidindo por assistir alguma coisa. Mas desde que nos deitamos, a única coisa que não fizemos foi assistir TV.
não achava nada bom o suficiente para prender sua atenção, já que a minha estava completamente desviada e muito entretida com o jogo de zumbis no celular dele.
– Eu não choro com filmes. – Contei, sem prestar muita atenção na nossa conversa. Minha mente estava toda voltada a passar de fase no joguinho dos zumbis, que era viciante demais.
– Nenhum? – duvidou, virando sua cabeça para me olhar de forma estranha, já que eu estava deitada de lado e ele, apoiando a cabeça nas minhas nádegas. Neguei com a cabeça para respondê-lo. – Marley e eu?
– Eu não gosto de cachorro. – Relembrei-o do fato. Já me disseram que quem não gosta de cachorros, boa pessoa não é. Eu concordo plenamente.
Não sou mesmo uma pessoa tão boa assim.
– Titanic? – Sugeriu mais uma vez.
– Não! – Gargalhei. – Não acredito que você chorou com Titanic!
– Só lagrimei no final. Sua estranha! Você não chora nunca? – Quis saber, ainda olhando-me torto.
– É claro que eu choro, . Só não com filmes. – Grunhi irritada por ter perdido no jogo e saí do aplicativo. Decidi entrar no Instagram de . Era legal entrar na rede social de alguém que todos conheciam, sempre tinha uma coisa nova para ver. desistiu de achar algo bom para assistir e desligou a TV. – Eu desconto minhas frustrações no boxe.
– Ah, é! Você faz boxe, eu sempre esqueço disso. – Comentou. Virei o celular para mostrá-lo o que eu estava fazendo, caso ele não quisesse que eu estivesse ali, mas ele apenas deu de ombros como das outras vezes que usei sua rede social para fofocar. – Por isso você é gostosa.
– Olha como você é maluco por dizer isso. – Rolei os olhos e mostrei a foto de uma garota linda e sarada que ele seguia e que apareceu no feed justamente na hora daquele comentário de para exemplificar.
– Ela fez lipoaspiração, Julieta. Tanto silicone que os peitos são duros como pedras. – me contou e fiz careta ao refletir em como ele sabia dos peitos.
– Você não se importa que eu seja... Um pouco mais gordinha? – Perguntei, franzindo os lábios, ainda rolando o feed pela tela do celular.
– Julieta, você tem um corpo normal. Não tem nada de errado nisso. – Assegurou, fazendo-me sorrir. – E também não faria a menor diferença você sendo gorda, dura, magra. E-eu acho que eu ficaria com você de qualquer jeito.
A um mês atrás, eu reclamava que era prolixo, indeciso e não sabia me explicar o que ele queria. Infelizmente, o rapaz parece ter aprendido muito bem como falar sobre seus sentimentos, mesmo que sua voz gaguejada ainda demonstrasse um pouco da sua insegurança. Agora eu era a pessoa que não sabia lidar com , nem com as coisas que ele falava para mim. Sentou-se ao meu lado e puxou meu braço para me fazer sentar também, mas ignorei seu toque e virei-me para deitar de bruços.
Ao ponto que estávamos, já conhecia cada ponto do meu corpo, cada passo da minha rotina e por algum motivo desconhecido por mim, me incomodava quando ele começava a falar de sentimentos.
– Por que você fica me falando coisas assim? Fica falando como se gostasse de mim? – Questionei, apoiando-me nos cotovelos, encarando meu travesseiro.
Toda vez que falava coisas assim, eu sentia que ele estava me fazendo favores. A Julieta malvada que vivia dentro de mim fazia-me pensar que talvez ele só quisesse garantir uma foda legal, por isso falava algumas coisas bonitas para mim. É uma coisa horrível de se pensar, ainda mais de , que é o oposto do tipo de pessoa que faria isso. Mas nunca se sabe, é impossível conhecer completamente e saber tudo sobre uma pessoa.
– Por que eu gosto, talvez? – Ele reuniu todo o seu desprezo em sua voz e eu ri do seu gracejo. Abracei o travesseiro quando ele não falou mais nada, apenas começou a dar umas tapinhas na minha bunda, formando um ritmo meio solto.
Ele já estava aprendendo a lidar comigo, já sabia que me ganhava muito no humor e esse era meu medo: Pessoas me conhecerem bem demais. O medo triplicava quando tratava de algo (ou alguém) que poderia causar graves danos ao coração franzino de Julieta.
Fazia tempo desde a última vez que alguém gostara de mim. Eu andava com Dana quase sempre e quase todo mundo que a gente conhecia, queria conversar com ela e saber mais dela. Ninguém queria saber meus gostos e vontades quando Dizzy estava por perto. Tudo bem que eu não gostava muito de falar de mim mesma, eu sei que não sou a pessoa mais interessante do mundo e que a parte mais legal de mim é a Dana. Por isso, ter no quarto comigo naquela tarde em que ele poderia estar fazendo qualquer outra coisa, significava muito.
É até irritante o quanto eu sou triste e depreciativa, eu sei.
Reclamei quando ele soltou uma tapa um pouco mais forte no meu quadril. Ele fez um "shiu" para mim e eu me irritei, empurrando suas mãos e me virando de lado, não deixando-o continuar, mas ele me puxou de volta e me segurou com força no lugar, continuando a batucar.
– , não faz shiu para mim, para! – Tentei me mexer, mas ele me segurava com força. – Vou quebrar seu celular, sério.
– Sua retaguarda está desprotegida, não devia me ameaçar assim. – Ele me deu uma mordida de leve na nádega esquerda. Comecei a me remexer novamente e ele começou a rir. – Você é linda.
Calei-me com sua declaração e sorri, esperando os batuques desorganizados darem lugar a um ritmo concreto, o que não demorou muito. Ele levantou e pegou um caderninho dentro do bolso do seu casaco, uma caneta que estava na minha estante e se sentou na beira da cama. Ficou anotando alguma coisa ali, compenetrado demais para perceber que eu lhe observava.
– Então, você escreve. – Constatei, preocupada.
– Ultimamente, bem mais do que o normal. – Ele respondeu sem desviar sua atenção do papel.
Forcei minha mente a ir em outra direção, mas eu não consegui não pensar que sua inspiração poderia ser culpa minha.
– Li em algum lugar que se meter com caras que escrevem é perigoso. – Comentei, bloqueei seu celular e virei meu corpo para vê-lo melhor e chegar próximo o suficiente para apoiar meus pés em suas costas.
– É? Por quê? – Ele perguntou com um sorrisinho de lado.
– Ah, eu não lembro muito bem, mas era algo que dizia para não se apaixonar por caras que escrevem pois eles têm lábia, vão te romantizar etc.
Enquanto a caneta em sua mão não parava, meus pés pequenos demais pareciam se perder em suas costas largas. Ele levantou a cabeça e olhou para o lado, sério demais, de repente.
– Você já se apaixonou por um cara que escreve? – Ele perguntou e eu travei no lugar.
Eu não sabia se ele estava perguntando se eu estava apaixonada por ele ou se já tinha me apaixonado, mas sempre me deixava confusa com sua neutralidade e nebulosidade.
– Você quer a verdade? – Perguntei.
– Sempre, Julieta.
– Eu não faço ideia.
Eu realmente não sabia. Não sabia se estava apaixonada e principalmente, temia estar. Ele assentiu para si mesmo e voltou a escrever no bloco. Ele não perguntou nada diretamente e eu também não respondi do melhor jeito, mas tudo entre nós sempre acabava subentendido.
– O que rima com confusão? – Perguntou, ainda rabiscando em seu pequeno bloco. Pensei por uns segundos, reunindo as rimas em minha mente, antes de responder.
– Emoção. Razão. Fusão. Desilusão. Eclosão. Combustão. Imaginação. – Citei algumas que vieram em minha mente.
Encarei o teto, pensando no significado de cada palavra e como poderia se aplicar em "confusão". Também pensei que se ele estivesse escrevendo sobre mim, a palavra "confusão" parecia muita correta de se usar. Meus pensamentos foram quebrados quando me deixou pensando com sua escolha de palavras.
– Atração ou paixão?
– Você está perguntando por...?
– O texto, Julieta. O que fica melhor com confusão? – Virou-se para mim completamente, sentando-se de pernas cruzadas e apoiando o bloco de notas na perna. E me encarando com aqueles olhos cheios de neblina, que não me deixavam ver nada além disso.
– No texto, elas até ficam bonitinhas juntas. Na prática, talvez nem tanto. – Respondi, mordendo o lábio. – Lidar com uma atração confusa era mais simples do que ter de lidar com uma paixão confusa.
E foi assim, sem falar exatamente o que pensava, que eu soube qual era nossa situação, a quantas andava nossa relação. Minhas palavras fizeram ainda mais sentido quando as apliquei ao nosso contexto.
– Toda paixão começa com uma confusão. – Ele deu de ombros, abaixando a cabeça e escrevendo novamente, só que dessa vez com mais afinco.
Como eu nunca percebi que era um cara que escrevia? O cara transpirava arte. Sempre havia um quê mais poético em suas frases, seu jeito misterioso de ser, mesmo que ele não fizesse questão de esconder nada que dizia respeito a ele.
– Sobre o que você está escrevendo, afinal? – Perguntei, não entendendo mais o sentido de nada e morrendo de curiosidade.
– Sobre você. E de alguma forma, todas as palavras servem.
Fiquei calada, senti meu peito se aquecer de uma forma que a muito não aquecia. As batidas do meu coração se fizeram presentes, fiquei nervosa e agraciada com sua presença. Tive vontade de gritar, bater as pernas e comemorar pela cidade.
Queria ir em cada esquina e contar que aquele garoto bonito estava escrevendo para mim, sobre mim.
– Até mesmo "combustão"? – Perguntei com um sorriso que nem cabia em meus lábios.
– Principalmente combustão, linda. – Ele respondeu, balançando a cabeça.
– E desilusão? – Perguntei baixinho, com medo da resposta. Ele me olhou, mas não parecia estar me vendo, parecia estar com o pensamento a mil.
– É a palavra que a razão usa para me torturar.
Dito isso, levantei-me, tirei o bloco de suas mãos e me sentei em seu colo, com uma perna de cada lado do seu corpo e abracei seu torso. Ele deu uma risada doce e me abraçou de volta. Eu acho que nunca tinha abraçado e isso só me deu mais certeza de que eu estava no lugar certo.
– Eu vou te dizer algo agora e eu acho melhor você usar isso em alguma música e nunca, nunca esquecer. – Descolei meu corpo do dele e olhando-o nos olhos. Aqueles malditos olhos castanho-claro, que não saiam da minha cabeça todos os dias, o dia inteiro. Ele assentiu, encarando-me com a mesma intensidade que eu o encarava. Respirei fundo e acariciei seus ombros. - Eu acho que você vai ser "o cara que escreve" por quem eu vou me apaixonar. Tudo bem para você?
sorriu lindamente, segurou meu rosto entre suas mãos e me beijou de um modo lento e apaixonante. O tipo de beijo que sempre antecede algum acontecimento, o tipo de beijo que vai ser lembrado por mim futuramente entre suspiros.
Assim que seus lábios deixaram os meus e tocaram a pele fina do meu pescoço, a última frase do texto que li tempos atrás surgiu em minha mente, como se fosse uma placa com luzes neon e vibrantes.
"Não se apaixone por caras que escrevem. Ame–os".
Eu só precisava descobrir se ele era minha atração, minha paixão ou minha confusão. Ainda que algo dentro de mim dizia que ele poderia ser os três, porque já tinha esse poder. De ser e significar várias coisas para mim.
O cinema, por exemplo. Toda vez que eu passava em frente ao cinema, eu lembrava do dia em que nós dormimos no meio do filme e a lanterninha veio nos acordar quando as luzes acenderam. A gente tinha trabalhado o dia inteiro e estávamos exaustos, mas não queríamos ter que desmarcar um com o outro.
Eu e não éramos o casal chato que se excluía do grupo, mas houve um dia em que ignoramos as ligações do pessoal para sair porque a ideia de ter que levantar da cama dele era insuportável demais. Eu também adorava lembrar do dia em que eu fui assistir os vídeos de ele cantando no YouTube, mas ele pegou o notebook e saiu correndo pela casa como uma criancinha, reclamando que sentia vergonha. Eu reclamei do fato de ele cantar para centenas de pessoas toda noite e não sentir vergonha. Quando ele respondeu: "Mas nenhuma daquelas pessoas significa tanto", eu me calei. Como sempre fazia quando demonstrava demais.
E também quando eu o vi cantar ao vivo pela primeira vez.
Ele fez um show no Unplugged, um pub famoso em Hillswood por promover shows acústicos e também por ser demasiadamente caro. Eu cheguei atrasada – como sempre – e tinha uma grande fila na porta que eu tive dificuldade de driblar, mesmo com meu passe VIP.
Quando entrei no local, já estava cantando fazia uns 20 minutos então achei melhor ficar ali pelos fundos mesmo e assistir o resto do show tranquila e sozinha, longe do amontoado de gente que se exprimia em frente ao palco, onde Jack provavelmente estava.
Então, eu vi cantar ao vivo pela primeira vez.
Eu não sei foi o cover de Hey Jude, se foi o público cantando sincronizadamente, se foi a camisa social cinza que o deixava irresistível, se os chacras se alinharam, ou seja lá o que caralhos aconteceu ali, mas eu estava extremamente encantada.
Talvez encantada não seja a palavra certa, mas eu me recuso a aceitar a outra palavra.
A voz rouca e rasgada de preencheu cada canto do lugar e deixava um rastro de serenidade em todos. Ele era bom, tinha presença de palco, o baterista dele era bem bonito e era o sinônimo vivo de carisma. Era cativante, envolvente e apaixonante demais.
Um perigo real para a pobre Julieta, que já se encontrava sem defesas.
Quando finalmente consegui desviar o olhar de , já me sentindo idiota demais por estar quase babando por ele, percebi que eu não era única. O número de meninas que tinha ali até me assustou. deu uma pausa no show para beber água e achei melhor procurar por Jack. Após alguns minutos de procura, encontrei-o quase na beira do palco e aproximei-me dele, perguntei por que tantas mulheres ali.
– Groupies. – Jack murmurou no meu ouvido, como se fosse segredo.
– Groupies? tem groupies? – Questionei sem acreditar.
– Sim, mas não se preocupe, ele parou de aproveitar depois que te conheceu. – Jack deu de ombros.
Uma garota de vestido colado que ostentava um belo par de pernas e um busto farto passou por nós. Soltei um assobio, vendo tamanha exuberância.
– Tem certeza? – Gargalhei, apontando para a mulher com a cabeça, para que Jack olhasse também.
– É... A gente acha. – Jack pareceu tão em dúvida quanto eu. A mulher era linda mesmo, até eu a pegaria. Sem pensar duas vezes. – O que eu sei é que a gente aproveita tanto ou mais do que ele.
Jack apontou para trás de mim e eu vi John, um amigo em comum, de costas para o palco, sem nem ligar para ali, falando algo no ouvido de alguma mulher. Gargalhei e olhei para o palco. voltava ao palco e anunciou que ia cantar uma música que eu não conhecia. Quando me viu ao lado de Jack, deu um sorriso infantil e divertido. Ri e lancei-lhe um beijinho.
Escorei-me em uma parede meio escondida ao lado do bar assim que encerrou o show e saiu do palco. Assisti Jack paquerar todas as pessoas do sexo feminino do recinto e , que cumprimentou cada uma das meninas na beira do palco, educadamente falou e bateu foto com todos que queriam falar com ele.
Fiquei observando cada movimento dele, sentindo-me uma adolescente idiota, uma fã de 17 anos, principalmente por estar tocando uma sessão de indie rock antiga.
"Oh that boy's a slag the best you ever had".*
A frase que saiu na voz inconfundível de Alex Turner fez todo o sentido pois foi o exato momento que veio em minha direção, com sua jaqueta de couro, parecendo um sonho e fazendo meu coração pular uma batida. Aquele talvez não fosse o contexto correto exposto na música, faltava uma estrofe para complementar a frase, mas me fez questionar.
Teria sido ele melhor que eu já tinha tido?
– Você viu? – Ele me deu um selinho e um beijo no pescoço, abraçando minha cintura assim que se aproximou. Assenti, meio anestesiada com seus carinhos. – Então...?
– Bom, é uma opinião meio paradoxal. – Eu comecei e ele me encostou na parede novamente, apoiando um braço do lado da minha cabeça, me encarando de jeito que me faria tirar as roupas para ele ali mesmo. – Eu queria e devia sair correndo daqui agora porque você cantando me deixou de um jeito que ninguém nunca deixou e isso me parece perigoso, mas também quero que você me leve para sua casa hoje. Então, como eu disse, paradoxal.
– Você achou perigoso? Imagina como eu me senti quando eu fui subir no palco e só queria estar jogado na cama com você. E a coisa que eu mais gosto no mundo é cantar.
O sorriso dos meus lábios sumiu de imediato e o dele também, ficamos nos encarando intensamente. O local parecia ter ficado pequeno e abafado com o peso de nossas palavras.
– Você precisa parar de me falar coisas assim. – Pedi, fechando os olhos fortemente, temendo me perder em seus olhos. Não suportando o peso de sua intensidade.
– Por quê? – Ele perguntou, como se fosse um menino de sete anos. Abri os olhos, ainda tendo que lidar com seus olhos que pareciam despir a minha alma.
– O quanto eu vou ter que brigar com suas groupies por sair com você hoje? – Brinquei, ajeitando a gola de sua camisa. Ele deu um sorrisinho, parecendo chateado por eu ter mudado de assunto mais uma vez.
– Não vai precisar. Vem, quero te apresentar umas pessoas.
me apresentou para toda a sua equipe, alguns amigos, me olhou torto quando eu dei em cima do baterista descaradamente, e no fim da noite, acabamos sentados no banco de trás do meu carro, bebendo vinho e encarando um ao outro. Não trocamos muitas palavras naquela noite, apenas ficamos nos olhando.
Tentando entender o que era todo aquele sentimento, aquele choque que acontecia cada vez que a gente se via, aquela explosão que sentíamos toda vez que nossas peles se tocavam. Tentando entender toda essa dependência que estava tornando-se cada vez mais forte e agressiva.
Eu não sabia e principalmente, não queria mais ser só.
Nós precisamos falar sobre ciúmes.
É tóxico, feio, ruim e faz mal para qualquer um. Segundo a exata definição no dicionário, ciúmes é o "sentimento negativo provocado por receio ou suspeita de que a pessoa amada dedique seu interesse e/ou afeto a outra pessoa", mas também é definido como "receio de perder algo".
É uma via de mãos duplas. Se você for como eu e tem consciência do quanto ciúme é ruim e ainda assim, não consegue evitar, é muito fácil perder a cabeça e ficar confusa. E como qualquer sentimento, nós não conseguimos evitar, ele só vem. Avassalador e sutil, simultaneamente. Eu sempre fui uma pessoa que me orgulhava de não sentir ciúmes, mas não é segredo para ninguém que desde que entrou na minha vida, muitas coisas mudaram.
Infelizmente, minha imunidade ao ciúme também acabou sendo inserida nessa lista. e eu entramos no mundo das brigas e discussões sem sentido e estava cada vez mais difícil sair.
Tudo começou quando eu faltei ao único show que ele faria na cidade naquele mês. Não foi justo perder o horário por conta da minha distração com a Netflix, porém, mais injusto ainda foi não ter aparecido no almoço que marcamos na semana seguinte. O que ele não sabia é que era meu aniversário e o almoço era o único horário disponível para todos.
Brigamos mais uma vez, porém, eu estava com a razão dessa vez. Aí brigamos de novo porque eu estava com calor e ele, com frio. E tivemos uma pequena discussão por conta do Bob Dylan, novamente.
Quase uma semana tinha se passado e nós ainda estávamos insuportáveis um com o outro. Nossos amigos até brincavam dizendo que nós estávamos de TPM conjunta devido ao nosso constante mal humor e impaciência, principalmente um com o outro. As coisas estavam tão sufocantes que até um prato sujo nos tirava do sério.
– Você estava com ela, ! – Esgoelei-me, quase esfregando o celular contra o rosto dele.
O motivo? Três semanas atrás, saiu com uma tal de Rachel, uma groupie nova iorquina de peitos gigantes. Ela já era conhecida entre os rapazes por sempre estar rondando meu garoto. No dia, eu não me importei. é solteiro e livre para fazer o que quiser fazer, porém, quando fui vê-lo no dia seguinte e estava com marcas vermelhas no pescoço.
Então, mesmo que eu não admitisse, o monstrinho verde do ciúme me mordeu e eu dei uma surtada, confesso. Gritei bastante com ele, quase expulsei-o da própria casa e ele apenas ria de mim, disse que não ia mais vê-la, me comprou com sexo e então ficou tudo bem. Até que estávamos fazendo nossa inspeção matinal no Instagram – que consistia em falar mal e zoar todo mundo que aparecesse no feed enquanto tomávamos café da manhã – e chegamos a um stories que Jack postou.
E ali estavam Cameron e Jack de um lado. E do outro, , Rachel e seus peitos gigantes.
– Ela apareceu do nada! – tentou explicar-se, levantando as mãos. Eu não perguntava aonde ia, nem com quem estava. Não me importava se eram com garotas, mas aquela... Ah, aquela tinha alguma coisa que não me descia e não eram aquelas tetas enormes.
É claro que eu entrei no perfil da garota quando ele não estava por perto. E dei de cara com uma linda universitária, que estudava Direito, viajou para os lugares mais exóticos e se formou com honras na escola. E claro, tinha lindos e grandes peitos.
Eu não tinha inteligência emocional alguma para ver lidando com pessoas mais bonitas e mais interessantes do que eu jamais seria.
– Do nada?! Qual é o seu problema? – Irritei-me mais ainda com a desculpa esfarrapada. Devido a diferença de altura entre nós, eu precisava ficar de pé na cama para conseguir encará-lo do jeito desafiador que eu pretendia. Se eu me aproximasse 1 cm, ia estapear seu corpo. Como se lesse meus pensamentos, saiu da minha frente e foi em direção ao seu banheiro. – Eu estou falando com você!
– Achei que você não se importasse que eu saísse com outras garotas, ué. – Voltou-se para mim com os braços cruzados e a expressão carrancuda.
– Saia com garotas feias, oras! – Olhei novamente para a foto da peituda na tela do meu celular. Que de feia, nada tinha. E vendo-os lado a lado, até faziam um belo casal. olhou-me meio incrédulo por uns segundos com minha sugestão antes de bufar.
– Você é louca! Ela apareceu no bar onde nós estávamos, bebemos alguns drinques e foi só. – Deu de ombros, ainda apoiado na porta do banheiro. Como se estivesse sentindo que não era seguro manter-se perto de mim.
– Puta que pariu! – Enfiei minhas mãos entre meus cabelos e os puxei para cima, tentando dar vazão a minha irritação. Conhecer uma garota em um bar, Cam e Jack, drinques. Parece familiar? Porque para mim, parecia muito a história de quando eu o conheci a quatro meses atrás. – , você transou com ela?
– O quê? Não surta, Julieta. – Franziu o cenho, encarando-me com desprezo, parecendo até ofendido com meu raciocínio.
– ... Puta merda, a gente transou sem camisinha na semana passada! – Coloquei as mãos no rosto, já desesperada.
– E o quê que tem? – Exclamou, já falando em tom mais alto.
– Não é o certo a se fazer se você tem outras parceiras. O que significa que não é seguro para mim se você vai sair por aí pegando qualquer uma!
Eu vi a expressão de mudar de desprezo para total irritação. Suas bochechas ficaram vermelhas e seus lábios se entreabriram, chocado com minhas palavras. Parecia totalmente desacreditado com minha fala.
– Julieta, vai se fo... – Assustei-me quando ele quase gritou, perdendo o controle e a paciência, coisa que raramente acontecia.
Mas para o nosso azar, eu perdia o controle mais facilmente.
Imprudentemente, com a raiva cegando meus olhos, joguei em sua direção o que estava em minhas mãos antes que sua frase fosse completada. Ou seja, o barulho do meu celular espatifando-se no chão me despertou da ira recém provocada. Olhei para o meu celular destruído no chão, amaldiçoando minha péssima coordenação motora, já que o aparelho passou pelo seu ombro, bateu na porta e caiu no chão.
Encolhi-me quando subi meu olhar e avistei vir correndo até mim, vermelho de raiva por eu ter atirado um objeto nele. Tentei ir para o outro lado da cama, mas as mãos de foram mais rápidas e seguraram minhas pernas. Mexia meu corpo de forma que ele não conseguia me manter parada. sempre fazia isso quando nós brigávamos, segurava-me pelos ombros e me obrigava a olhar em seus olhos.
Eu sempre perdia quando ele o fazia e o garoto já tinha consciência disso.
– Não é como se eu fosse seu namorado para você me fazer cobranças assim!
Puxei um travesseiro acima de mim e comecei a acertá-lo com o mesmo. Xinguei, indignada com sua fala. Lutou contra mim e meu ataque de travesseiro, empurrando-me e tentando prender meus braços. O físico sempre acabava em nossas discussões quando o psicológico estava muito abalado. Mas se você estiver se perguntando se não era muita agressividade ou se já tinha sido um pouco mais "bruto" comigo, a resposta é não.
Nossas brigas eram agitadas e energéticas, mas sabíamos respeitar nossos limites. nunca tinha levantado a mão para mim e eu nunca tinha tido um ímpeto de fúria contra ele. Até agora.
– Você faz questão de deixar claro que não sou seu namorado quando você sai com aqueles babacas da sua faculdade! – Ele forçou meu corpo a deitar-se no colchão e se sentou em cima de mim, tentando tirar o travesseiro de minhas mãos, mas eu o segurei como se estivesse segurando a última garrafa de cerveja da geladeira.
– , se você transou com ela por vingança, apenas para me atingir, eu juro que...
– Eu não transei com ela! – Quase gritou novamente, ainda tentando tirar o travesseiro de meus braços.
– Quem me garante? – Eu usava o travesseiro para me proteger de suas investidas de segurar meu rosto entre suas mãos. – Jack e Cam, seus fiéis escudeiros? Rá! Bela garantia! – Soltei uma gargalhada sarcástica e vi a veia do pescoço de saltar.
– Você acha que é fácil para mim acreditar que você não tem nada com aqueles caras? Que não aconteceu nada naquele dia que você saiu com a Dizzy e ela voltou para casa e você não? – Meus braços enfraqueceram ao ouvi sua voz sentida. Ele aproveitou para tirar o travesseiro que estava entre nós. Segurou-me pelo queixo, encarando-me raivoso e eu soube que já tinha perdido a luta quando encarei seus olhos. – Não é. Mas se você diz que não fez, eu preciso acredito. Porque a única coisa que eu tenho é você e sua palavra. Se você quer garantia maior, que tal começa a pensar na ideia de um relacionamento sé...
"Relacionamento sério". Era o que ele ia dizer, mas antes que ele cometesse tal loucura, empurrei-o de cima de mim e me levantei da cama, indo em direção aos pedaços do meu celular. Estava todo despedaçado e com a tela quebrada.
– Isso! Foge, é o que você sempre faz! – Reclamou mais uma vez, deitando-se na cama e esticando os braços. Ignorei sua provocação, agachei-me pegar os restos do meu aparelho.
Eu gostava de , de verdade. Entretanto, eu tinha sérios problemas de confiança. Não me sentia pronta para apostar em um novo relacionamento depois de uma onda de relacionamentos falhos. Tinha medo de namorar, principalmente com ele. era o tipo de cara que todo mundo queria. Ele era demais e eu era... De menos. Encontrar uma Rachel por aí, mais legal e interessante que eu, não seria difícil para ele.
– Dana quer você lá. – Avisei, saindo do quarto e indo para a sala, pegando minha bolsa no sofá. O nosso breve embate havia me deixado suada e cansada.
– Pode, pelo menos, me dar uma carona? – gritou do quarto, a ironia transbordando em sua voz. Revirei os olhos, como resposta, bati sua porta da frente com força.
Por culpa dele e de nossa discussão (a mais séria até então), acabei me tornando a pior pessoa no trânsito. Buzinei sem necessidade, fiz barbeiragem, cortei vários carros. Fiquei com raiva de mim mesma no segundo que deixei sua casa.
Fui impulsiva, ciumenta e irracional além da conta, liberava as sensações mais estranhas em mim. Sentimentos tipo ciúmes, que eu não sentia antes e não sabia lidar. Não sabia como dizer que eu queria ficar com ele, mas não queria namorar, mas também não queria que ele ficasse com mais ninguém.
Está vendo? Confuso.
Cheguei no meu apartamento ainda liberando adrenalina da discussão anterior. Batendo a porta com força, jogando as chaves no sofá e tirando meus sapatos ferozmente. Eu era dessas pessoas que se estivesse com raiva, o mundo inteiro teria que perceber que eu estava puta. Dei de cara com Cameron cortando alguns temperos na bancada, usando apenas uma cueca preta.
– Por que você está na nu na minha cozinha? – Questionei, pendurando minha bolsa nos ganchos que ficavam atrás da porta.
– Não estou nu. – Apontou para a cueca e eu revirei os olhos, sem humor para o mal humor constante de Cam.
Dana entrou na sala, acenou com a cabeça para mim e jogou-se no sofá. Olhei para Cam de cueca, depois para Dana, toda bagunçada e com os cabelos molhados.
– Vocês transaram? – Arqueei uma sobrancelha e ambos gargalharam com a minha dúvida.
– Caiu molho de tomate na minha roupa, Julie. E além do mais, Dana está na semana vermelha. – Cam fez gracinha, mas me mantive séria. – Ok. Alguém está de mal humor.
– Deixe-me adivinhar... – Dana colocou a mão no queixo, fingindo estar pensativa. – ?
– Quem mais seria? – Abri a geladeira, servindo-me um copo de Pepsi, meu pior vício. Cam reclamou que não aguentava mais aquilo, começando a mexer no fogão.
– Eu estou adorando! – Dana veio sentar-se na bancada ao meu lado. – Mais uma briga e ele já pode ser meu?
Revirei os olhos e disse que o entregava a ela, até pintado de ouro. Ela gargalhou e questionou qual foi a discussão do dia. Comentei superficialmente, porque um dos parceiros de crime de estava ali e nós também não costumávamos dar detalhes de nosso relacionamento para os outros.
Cameron logo começou a defender o amigo, contando que o mesmo não tinha feito nada e que ele não tinha visto dar confiança a ela. Sabia que Cameron tinha ido embora cedo, deixando apenas Jack e . Encurralei-o, questionando se ele estava presente no resto da noite. Ele ficou em silêncio, sorrindo amarelo, causando gargalhadas em Dizzy em sua falha tentativa de ajudar o amigo.
Assim que a campainha tocou, bufei porque eu já sabia quem era. Amaldiçoei a mim mesma por ter dado uma chave ao rapaz e agora ele não precisava mais interfonar para subir. Aliás, todos nossos amigos agora tinham uma chave.
Eu expliquei que nós não vivíamos em um episódio de Friends e que eles não poderiam entrar em nossa casa quando bem entendesse, que era apenas por precaução. Mas é claro que eu já havia encontrado Cam usando nossa cozinha ou Jack usufruindo de nossos canais pagos mais de uma vez.
Quando entrou, parou na porta e fez a mesma pergunta que eu:
– Por que está nu? – Olhou com estranhamento para o torso nu de Cam.
– Não estou! – Cam jogou um pedaço de cenoura em direção a , que a pegou no ar e colocou na boca.
– Obrigada pela carona! – sorriu irônico quando passou por mim e foi para o sofá.
– Você tem dinheiro, compra um carro. – Ordenei, brava.
– Você não me diz o que fazer, Julieta! – jogou-se no sofá e apontou o dedo para mim.
Vê-lo bravo provocava em mim, no mínimo, seis reações diferentes. Ele ficava bem bonito, era engraçado, era fofo, mas também um pouco assustador quando ele falava um pouco mais firme comigo, apesar de ter certeza de que ele nunca me faria mal algum.
– Então, não fala comigo! – Repliquei, batendo em minha própria testa com a mão, angustiada de ter que trazer essa discussão para frente dos nossos amigos.
– Eu faço o que eu quiser fazer! – Retrucou.
– Sabe qual o seu problema? Você é bonito, então ninguém nunca mandou você calar a porra da sua boca! – Exclamei, afetada com sua insistência em me irritar.
– Sabe o que é engraçado, baby? As pessoas me pagam para abrir a boca! – Rebateu, sem contestação alguma. Eu era ótima em discussões, respostas e deboche, entretanto, parecia ser o parceiro perfeito para me tirar do pódio.
– Eu adoro isso! – Dana soltou uma gargalhada alta, empolgada com nossa guerrinha. Acabou fazendo-nos rir também e amenizar o clima ruim que eu e tínhamos plantado na sala.
O celular de Dana vibrou na mesa e ela logo atendeu. Eu e continuamos nos encarando, mesmo que não estivéssemos mais soltando palavras raivosas um contra o outro. Se nossos olhos lançassem raios laser, aquele lugar já teria explodido. Estreitei meus olhos quando vi que não ia desviar o olhar. Ele cruzou os braços e eu quase me rendi a nossa pequena luta.
Fala sério, quem não perderia para de braços cruzados?
– Alô? E aí, lindão? Tudo bem? Ela está aqui, sim. Espera... – Dana interrompeu minha guerra de olhares com , entregando-me o celular. – Julie, é o Pat.
– Oi, meu bem! – Atendi entusiasmada e mudando de feição imediatamente, o que fez Cam e Dana rirem e reprimir um sorrisinho.
– E aí? O que aconteceu com seu celular? – Ouvir a voz de Pat acalmou meu coração.
Quando eu saí de casa, Pat tinha a voz de um adolescente de 15, agora sua voz grossa e madura me deixava até um pouco triste. Eu também evitava ver fotos dele nas redes sociais, pode parecer besteira, mas me doía de verdade. Eu sei que ia um ser um choque quando eu fosse vê-lo novamente, mas eu não me importava. Eu era covarde demais para acompanhar a vida do garoto de longe.
Eu tinha esse problema com a distância. Não sabia lidar com ela.
– Joguei em um idiota e ele quebrou. – Levantei meus olhos para encarar , que me olhou de volta com raiva ao perceber que eu falava dele. – Tudo bem?
– Estou com um problema. – Meu coração de irmã mais velha já estava pronto para entrar em colapso. – Um cara me chamou para sair.
– Não tem problema um cara ter te chamado para sair, ué! – Olhei para Dana e nós sorrimos uma pra outra. Ela fez "awn" e voltou a falar com .
– Eu não sei se curto caras. E também estou saindo com uma garota.
– Fala para ele que você está comprometido, então. – Cam veio com um molho na colher para eu provar e eu neguei com a cabeça. Foi até e Dizzy, que já faziam careta antes de provar.
– Comprometido é uma palavra forte, Julie. Estou pegando e só. – Pat falou, causando a abertura da minha boca ao ouvir tamanha ousadia.
– Pat! Se você engravidar alguém, arranco suas bolas. – Alertei-o, batendo minhas unhas no granito. – É preciso tomar cuidado! A gente nunca sabe com quem as pessoas transam por aí. – Encarei descaradamente, que forçou uma risada e depois me mostrou o dedo do meio.
– Você anda fazendo sexo por aí, provavelmente. Quem é? – Pat quis saber, mas eu não queria falar de e, inevitavelmente, enchê-lo de elogios estando na sua frente.
– Não é dá sua conta, bro!
– Ah, então você está transando!
– Pat, esquece minhas transas e me diz qual o problema.
– Estou sentindo sua falta, Julie. – Aquilo, definitivamente, me pegou de surpresa. Senti meus olhos encherem-se de lágrimas, então desci do balcão antes que eu começasse a chorar na frente de todos. Fui direto para meu quarto, já sentindo as lágrimas fugirem dos meus olhos. – Eu sei que você não gosta que eu fale, nem te dê notícias do que está acontecendo aqui, mas... Eu preciso.
– Eles estão bem? – Perguntei, me referindo aos nossos pais, já ficando nervosa.
Eu quase não falava por telefone com minha mãe, apenas por mensagens. Com minha irmã, também. Com Pat, eu aceitava uma ligação ou duas. Mas meu pai... Ah, o meu pai! Eu não falava com ele por nem um meio. Quando eu o visse no próximo natal, (já que no Natal passado, eu e Dizzy não pudemos ir para casa), eu me desmancharia de tanto chorar.
– Sim, eles estão ótimos, não se preocupe. – Suspirou fortemente antes de continuar: – É o Sun, Julie. Eu juro que tentei de tudo.
Sun era um garoto que morava ao lado da minha casa no Jeins. Tínhamos quase a mesma idade, a diferença entre nós é que os pais do garoto sumiram no mundo assim que ele fez cinco anos. O serviço social nunca foi muito presente no meu antigo bairro, nunca atuou com regularidade por lá, então, Sun atingiu a maioridade e o sistema nunca soube que ele morou a vida inteira sozinho e na rua. O menino só não morreu, pois o bairro inteiro gostava dele e todos o ajudavam, principalmente, minha família.
Ele vivia em uma casa minúscula ao lado da minha. Quando criança, sua alimentação era mantida por todos das redondezas, mas os outros preceitos básicos para se viver eram dados por meus pais. Eles o matricularam na escola pública, ajudavam de todas as formas que podiam. Quando chovia forte, ele dormia no sofá da minha casa. Nunca perguntei o porquê. Eu, Clarissa e Patrick sempre vimos o pequeno asiático como um irmão, já que fomos criados praticamente juntos.
O sistema de adoção, o serviço social, nunca se importaram com a situação de Sun. O menino viveu a vida inteira a própria sorte.
– Eu tinha tanta esperança nele. – Joguei-me na minha cama, descrente e triste. Pat nem precisou explicar nada, eu já sabia que Sun havia cedido às pressões da rua. À medida que foi crescendo, Sun foi distanciando-se de nós, cada vez mais inserido na realidade das ruas. Desistiu da escola após falhar em várias séries, deixou de dormir no sofá de casa quando chovia forte, entretanto, nunca nos desrespeitou, nunca deixou de ser um menino gentil. – Santiago tem algo a ver com isso? – Questionei, sentando na cama e abraçando minhas pernas.
Santiago também foi um garoto com quem eu brinquei a minha infância toda, mas ele sumiu da minha vida antes de nós completarmos 15 anos. Foi quando comecei a me interessar mais pelos meus estudos e Santiago começou a se desinteressar de tudo. A última vez em que eu o vi, eu estava a caminho do aeroporto para vir para Hillswood de vez. Nos entreolhamos quando eu entrei no carro de Dana e ele já não parecia o mesmo.
– O que você acha? Por isso você precisa falar com ele! – Pat insistiu.
– Pat, não dá. Ele deve ter passado por uma lavagem cerebral com aqueles caras, nada do que eu fale vai mudar alguma coisa. – Expliquei, sentido meu peito doer quando ouvi o suspiro alto de Pat. – Eu queria ajudar, irmãozinho, mas não acho que seja algo que está ao meu alcance.
– Até nossa mãe já desistiu dele, Julie. – Pat contou e eu fiquei até assustada. Minha mãe criou Sun como se fosse seu próprio filho, então era óbvio que ela tinha fé nele, fé que ele poderia tornar-se uma pessoa melhor. Nesse momento, entrou no meu quarto com algumas roupas nas mãos. Ele me olhou e balançou a cabeça como se estivesse perguntando se eu estava bem e eu assenti. – Ele anda fazendo muitas coisas erradas, ela é compreensiva até certo ponto.
– Eu não vou poder fazer nada até o dia em que eu possa vê-lo pessoalmente. – começou a se trocar em minha frente e eu sorri ao ver suas costas marcadas por mim. – Até lá, você vai precisar segurar as pontas.
– Tudo bem, Julie. Só queria tentar mais alguma coisa antes de ter que desistir. – Sorri de lado. Patrick era um ótimo garoto, orgulhava-me muito tê-lo como irmão. – Ei, eu encontrei com Haniel na rua semana passada! – Pat contou, empolgado e eu revirei os olhos, bufando. Hani foi o único namorado meu que minha família conheceu. Para o meu azar, eles gostavam mais dele que de mim.
Resmunguei um pouco sobre o assunto Haniel, comentamos sobre algumas coisas, fofocamos um pouco e logo nos despedimos. Limpei algumas lágrimas que se acumularam no canto do meu olho antes de virar para encarar .
– Dana imaginou que você ia ficar sensível e ela não veio atrás de você porque você ia chorar se fosse ela. Então ela me mandou porque... Bom, você me odeia no momento. – Revirei os olhos com sua dramaticidade.
– Estou bem. – Disse simplesmente e deitei-me na cama, olhando para o teto cheio de infiltrações do meu quarto, ficamos em silêncio por um tempo.
Toda vez que alguém do Jeins era citado, eu sentia como se fosse coisa de outra vida. Meu mundo agora era diferente do que eu costumava viver e era estranho pensar que a vida lá continuava, mesmo que eu não estivesse por perto. Ainda que parecesse que nada tenha se alterado.
– Sabe, eu estava pensando... Julieta, eu mal te conheço. – Murmurou, como se estivesse com medo de expor suas ideias.
– Você sabe quase tudo sobre mim. – Retruquei, ainda sem olhá-lo, distraída. Seu resmungo bravo forçou-me a descer meu olhar até ele.
ia participar de um programa de TV em outra cidade e a única coisa que tinha a seu favor era o empresário e eu não tenho tanta certeza assim de que Tim sabia como combinar roupas. Sobrou para Dana e Cam cuidarem do vestuário dele. já tinha passado da fase de cantor de bar e todo mundo concordava que agora ele precisava de uma equipe.
– Quase tudo? Por favor! – Retrucou, sarcástico, experimentando a segunda camisa que Dizzy o entregou.
– Eu também não sei muito coisa sobre seu passado e aí é que está. É seu passado, . Não me diz respeito. – Tentei explicar, tentei manter minha cabeça longe do que estava acontecendo no Jeins e focar em a minha frente, mas não funcionou muito bem.
– Eu não quero saber sobre seus ex-namorados ou sobre as coisas ruins que você já fez, Julie. Eu só acho que eu deveria saber mais da sua origem, sua família.
– Por que? – Questionei, mesmo que eu não estivesse prestando muita atenção na provável discussão que estava acontecendo ali.
– Porque eu não sei nada sobre você. Eu não sabia nem quando era seu aniversário, Julieta! – Vociferou, jogando a camisa em cima da cama. E voltamos para o assunto da primeira discussão da semana.
– Eu também não sei muito sobre você. – Enunciei.
Uma simples menção ao Jeins e ao meu passado deixava-me como se um caminhão tivesse passado por cima de mim, causando em mim um cansaço quase físico, exausta demais para brigar com .
– Porque você não quer saber!
– Que mania absurda de achar que eu não quero saber de você, ! – Rolei os olhos, sem muita paciência para o drama de . Ao ver meu despeito e minha preguiça em relação àquela discussão, ele deu risada sem humor.
– Hoje está sendo um daqueles dias que eu fico em dúvida se vale a pena tentar. – Murmurou, vestindo a camisa inicial de volta, recolheu o resto das roupas e dirigiu-se a porta.
– Tentar o que? – Mesmo temerosa com sua resposta, questionei.
– Nós. – Respondeu, sem hesitação. – Há dias em que eu me pergunto se algo realmente importa para você ou esse "nós" é invenção da minha cabeça.
Dito isso, saiu do meu quarto, deixando-me com o coração na mão. Tentei chamá-lo, mas ele simplesmente me ignorou. Bufei, esfreguei meu rosto com força. Eu era mesmo uma idiota.
Tinha tanto medo de demonstrar meus sentimentos a que agora ele achava que eu não tinha nenhum. Queria me levantar e ir atrás dele, mas sabia que nada seria resolvido agora. Se eu fosse até ele, só iriamos adicionar mais uma briga para nossa lista. E suas palavras deixaram-me tão zonza e preocupada, que outra briga era o que eu menos precisava agora.
Acabei passando a tarde inteira no meu quarto, tentando conseguir algo com Sun, conversei com minha mãe, mas aparentemente, ninguém queria mais tanto contato com o menino. E isso me fez questionar o que ele teria feito para conseguir tal proeza.
– Oi? – Dana adentrou meu quarto com uma bandeja em mãos. – Cam fez carpaccio. – Anunciou, apontando para o prato em sua mão.
– Ele desistiu do pesto? – Tirei meu notebook do colo e Dana me entregou a bandeja.
– Estava horrível! Reaproveitamos algumas coisas, mas jogamos fora a maioria. – Rimos com as tentativas constantes de Cam ser um bom cozinheiro. – Porém, o carpaccio está uma delícia!
– Está mesmo! – Respondi, já com a boca cheia.
– Então, você se trancou no quarto e saiu daqui pisando tão forte no chão que quase afundou nosso carpete. O quão sério foi? – Questionou e eu hesitei em responder.
– Ele reclamou que não sabe nada sobre mim. – Enchi minha boca para não ter que dar mais explicações.
– Oh... – Dana pegou uma fatia e mordeu, pensando antes de falar. – Ele está certo. – Rolei os olhos e resmunguei, não querendo ouvir nenhuma opinião a favor de . Como se já não bastasse minha própria mente gritando comigo por ser uma completa imbecil. – Qual é, Julie! Todos nós percebemos que você não o deixa chegar em você.
– Como assim? Eu o deixei chegar desde o primeiro dia. – Estranhei, buscando em minha mente alguma rejeição da minha parte.
– Não estou falando do físico, Julie. Nós duas sabemos que as coisas com você, por algum motivo, são difíceis e complexas. Mostra para ele o caminho, você deixa o pobre coitado à deriva.
– Então, devo assumir que ele estava certo? – Questionei, ainda me recusando a aceitar o que Dana tentava me falar. Ela assentiu, bagunçando meus cabelos. – E quando você vai assumir que está transando com Cameron? – Perguntei, despretensiosamente, jogando um cubinho de tomate na boca.
Os lábios de Dana abriram-se em choque e a mulher começou a deferir tapas no meu braço e ambas gargalhamos. Se Dizzy realmente estivesse transando com Cameron, seria engraçado.
E também diminuiria uma breve preocupação que existia na minha cabeça, mas que eu decidia ignorar toda vez que ela se fazia presente.
Retirei minhas botas, alisei meu vestido várias vezes. Minhas mãos tremiam e não só por causa do súbito e inesperado frio que estava lá fora. Joguei meu casaco no sofá e comecei a procurar por pelos cômodos da sua casa.
A casa de não era grande, mas era ampla. Minimalista, mas muito lindinha. Olhei pela janela da cozinha e vi sentado no seu pequeno quintal, coberto de roupas e um edredom, com o violão em mãos, fazendo anotações em seu pequeno caderno que eu já tinha visto antes.
Apenas Julieta Young conseguiria magoar o cara mais gentil e amável do mundo.
Abri a porta de vidro e fui em sua direção, meus pés incomodaram-se imediatamente com as pedrinhas geladas por entre meus dedos. franziu o cenho quando me viu em sua frente.
– Como você...? – Tirei o violão de suas mãos, coloquei apoiado ao lado dele e antes dele começar a resmungar, encostei meus lábios trêmulos nos seus lábios gelados. Ele tentou resistir, mas deve ter percebido que eu não desgrudaria meus lábios dos dele, então levou sua mão a minha nuca, deixando-me um tanto aliviada.
Não sei o que faria se, um dia, negasse-me um beijo.
Ele se afastou, analisou meu rosto por um minuto inteiro. Deve ter visto em meu olhar o quanto eu precisava que ele me escutasse, então, puxou-me para se sentar em uma de suas pernas e respirei fundo antes de começar a falar.
– Eu tenho dois irmãos. Três, na verdade. Um é do primeiro casamento do meu pai. Eu quase não tenho contato com ele, mas ele foi em um aniversário meu a alguns anos atrás e ele é muito educado, tem uma namorada incrível. Minha irmã mais velha é a Clarissa, tem 30 anos e ela é completo oposto de mim. Ela é loira, é alta e extremamente inteligente. Ela saiu de casa aos 16 anos, o que foi um baque para minha mãe, mas não mudou muita coisa, ela ainda janta com eles quase todo os dias. Quer dizer, eu acho. E tem, Patrick, meu irmão mais novo, ele tem 18 anos. Ele é novinho, mas é todo maduro. Sempre foi a frente a idade dele, mas ainda tem muitas inseguranças. Toda minha família é muito apegada e afetuosa, por isso eu não falo sobre eles. É muito doloroso para mim falar sobre eles serem a família perfeita quando eu estou longe. Me dá muitas saudades! Você nunca os viu porque eu não deixo fotos deles à vista... Lembrar que eu não estou com eles agora me dói mui...
O choro fez minha voz falhar e eu não consegui completar a frase. Eu nem havia notado que estava chorando, era oficialmente a primeira vez que eu chorava na frente de . O rapaz cobriu a nós dois com o edredom e beijou meu rosto ternamente.
– Eu não queria te deixar triste, baby. – Falou suavemente, ainda com os lábios encostados na minha pele.
– Me magoou muito você insinuar que eu não gosto tanto assim de você. – Confidenciei em um murmúrio abalado, limpando as lágrimas finas que desciam pelo meu rosto.
– Julieta... – Sua voz saiu baixa e ele pareceu muito aborrecido consigo mesmo. Interrompi-o novamente, sem conseguir controlar o rio de palavras que saiam de mim.
– Você diz que não sabe nada sobre mim, mas você sabe. Você sempre pede Pepsi quando saímos para comer, mesmo que você prefira suco. Você sempre deixa meias na cama quando eu durmo aqui porque você sabe que eu sinto frio nos pés. Você cobre meu rosto quando o sol invade seu quarto só para eu dormir mais um pouco. Você sabe o meu vinho preferido, sabe o que eu quero comer e quando eu quero comer. Você põe um travesseiro na minha bunda quando transamos porque você sabe o que me incomoda. Você sabe o que importa, ! E agora eu estou chateada, e com frio, e eu só quero deitar na sua cama, me agarrar em você e não levantar tão cedo.
Ainda sem levantar a cabeça, como uma criança procurando por colo, passei meus braços em volta do seu pescoço. Senti seus braços apertarem minha cintura por baixo do vestido. Ele inclinou sua cabeça, passando seu nariz levemente pela curva do meu pescoço, causando-me arrepios incontroláveis. Aproveitei nossa sensibilidade e minha breve coragem para dizer:
– Porque é isso que você é para mim, . Meu aconchego, minha calma e meu caos, tudo ao mesmo tempo. E isso me deixa maluca...
Hillswood era uma cidade que não apresentava muitas variações climáticas. A temperatura era amena e estável quase sempre, sendo esse um dos motivos pela minha escolha de viver no lugar. Havia dias que tinham picos, de frio ou calor, mas eram casos isolados. Aquele final de semana em especial, o calor resolveu aparecer, deixando a agradável HW em clima quase tropical.
Os jornais argumentavam que o aquecimento global tinha uma parcela de culpa nisso, mas eu, particularmente, acreditava que era apenas uma forma do universo de agradecer e honrar o nascimento de . O rapaz nascera no primeiro dia do signo de leão, um dos signos de Fogo, cujo Sol é o planeta regente. Por isso não fiquei surpresa ao dar de cara com temperaturas altas no final de semana que tínhamos planejado ir ao litoral para comemorar o aniversário do nosso pequeno astro em ascensão.
Eu não acreditava muito em astrologia e seus afins, mas eu recorria a qualquer coisa para obter explicações sobre e sua plenitude.
Eu deveria estar "de molho" em uma piscina, sentindo meus dedos enrugando-se a cada minuto mais. Eu poderia estar em uma praia, sentindo o sol degradando a minha pele. Poderia estar vendo Jack e fingindo que gostam de jogar futebol na areia (ou em qualquer lugar) e/ou ouvindo Cameron fazendo piadas sobre a falta de jeito dos mesmos com a bola, ou inventando piadas sujas envolvendo o biquíni vermelho de Dana.
Queria estar dentro do mar, sentindo as ondas me embalando e os lábios de tocando-me, como se fosse o brinde perfeito. Entretanto, eu estava condenada a trabalhar até às cinco da tarde, presa em uma sala do tamanho de um elevador, com cheiro de queijo.
alugou uma casa na praia para comemorar seu aniversário e todos os garotos já estavam no lugar, exceto eu e Dana, por culpa minha. Eu teria que trabalhar e não poderia faltar, nem pedir folga. Dizzy falou que não iria sem mim e não queria que eu fizesse uma viagem de três horas durante a noite e sozinha. Então, ela decidiu que iria esperar até o final do meu expediente. Disse que iria ao shopping comprar um presente para o amigo e a ideia de ter que dar algo me deu arrepios.
O que eu deveria fazer? Fingir um relacionamento, ser doce e legal? O que dar de presente para uma pessoa que é muito (muito!) mais que amigo e menos do que um namorado? Nós ainda estávamos meio estremecidos por conta das semanas tensas que tivemos. Não trocamos muito após a conversa que tivemos no quintal dele, ele preferiu deixar quieto tudo o que tinha se passado. Como ele não tocou mais no assunto, eu também me mantive calada sobre.
Quase chorei de felicidade quando, finalmente, fui liberada do jornal e corri em direção ao meu carro. O sol já se despedia e dava lugar a um céu azulado e alaranjado ao mesmo tempo. Praguejei alto pois o pôr do sol na praia devia estar incrível e eu estava vendo-o de uma avenida dentro de um carro.
Adentrei meu apartamento quase correndo e limpando a gotícula de suor que escorria pelo meu pescoço. Julho e agosto costumavam ser os meses um pouco mais quentes e andar nas ruas de Hillswood nessa época era terrível. O calor deixava as pessoas irritadas e mal-humoradas.
Eu estava irritada e mal-humorada. Tudo o que eu queria era estar na praia com meus amigos. Dei uma última olhada nas nossas malas em cima do sofá, já devidamente arrumadas e equipadas. Joguei minha bolsa de qualquer jeito na sala e fui em busca de Dizzy.
- Dana? Vou tomar banho bem rápido. Se corrermos agora, chegamos antes das nove! – Gritei, indo para o meu quarto. Voltei ao corredor quando não obtive resposta da morena. Fui até o quarto em frente ao meu, para ter certeza que a mesma não estava no shopping, como tinha me avisado antes.
Bati duas vezes na porta entreaberta antes de entrar. Dizzy estava sentada no meio de sua cama, com as pernas cruzadas e o celular apoiado a sua frente em cima de uma almofada de panda. Assim que percebeu minha presença, chamou-me com a mão e colocou o celular no autofalante.
– Não estou entendendo esse seu surto, pai. Eu me formei, estou fazendo o que eu gosto, estou até me tornando conhecida no meu meio de trabalho. É algo que eu sempre quis e vocês me apoiaram. – Dana falava de um jeito choroso. – Não faz sentido me pedirem para voltar agora!
– Dana, deixamos você fazer o que queria fazer. Você está morando em outra cidade, pelo amor de Deus! – Franzi o cenho ao reconhecer a voz forte de Balcio, o pai de Dana. – Não acha que já está na hora de nos agradecer?
Nunca vinham boas notícias ou coisas agradáveis quando alguém da família de Dana resolvia dar as caras.
– Agradecer, largando a minha vida? – A voz da mulher já estava afetada, pelo tremor evidente, pude perceber o quanto ela estava segurando o choro. Sentei-me ao seu lado e puxei sua mão para mim, entrelaçando nossos dedos.
Balcio era o sinônimo de abusivo e desnecessário. Dana acumulava umas boas doses de ansiedade quando o homem resolvia lembrar que tinha uma filha. Eu odiava o que eles faziam com ela.
Por serem pais adotivos de Dana, achavam que tinha o poder de fazer com ela o que bem entendessem, e até um tempo atrás, Dizzy concordava. Achava que deveria mostrar gratidão a eles de alguma forma e aceitar calada era a forma que ela achava o certo a se fazer. O abuso psicológico deixava marcas irreparáveis na garota.
Eu moveria o mundo por Dana, voltaria no tempo, faria o que fosse possível para livrá-la daquela cambada de pessoas maldosas.
– Qual o problema? Você sempre gostou de ficar por dentro dos negócios da família, sempre gostou do conforto que nós te oferecemos. Estamos pedindo demais que você simplesmente volte para casa? Não sente nossa falta? – Revirei os olhos com a arrogância e a chantagem emocional que Balcio estava fazendo. Era típico.
– Claro que sinto, pai. O problema é...
– Você viver uma vida boêmia e sem grandes conquistas não é uma vida. Você já é uma adulta. Não importa mais as baboseiras liberais que Julieta põem na sua mente! – Dana abriu a boca, indignada.
Fiz uma careta e meus olhos quase explodiram de tanto que eu revirei. O homem simplesmente não conseguia me esquecer e me culpava por seus fracassos como pai.
– Julieta não tem nada a ver com isso, pai! – Gritou com o telefone e eu a repreendi. – Vocês sempre colocam Julieta no meio das nossas conversas! Ela não tem nada a ver com as minhas escolhas e vontades!
O pai de Dizzy nunca fora um exemplo de simpatia comigo. Odiava quando ela me defendia com unhas e dentes, odiava quando ela acabava me colocando antes da própria família. Ele era um homem muito inteligente, habilidoso, mas não sabia lidar com sua própria fortuna, não sabia lidar com sua família e principalmente, não sabia lidar com sua própria filha.
– Dana, eu só estou... – Tentou falar, mas foi interrompido por ela.
– Não! Pai, vê se entende isso: Eu gosto da minha vida, gosto do que eu faço. Mesmo que eu não estivesse satisfeita, eu preferiria qualquer coisa a ter que voltar a vida padronizada que vocês insistem em ter. Eu prefiro qualquer coisa a ser um poço de amargura e arrogância! – Desligou o celular e jogou-se na cama de costas, bufando alto. – Argh!
– Dana! – Surpreendi-me quando ela desatou a falar, desafiando o pai.
Acho que Balcio não gostava de mim justamente por esse motivo. Eu despertava uma coragem em Dana que ela não costumava ter. Passei a influenciá-la a ser uma mulher forte e independente quando percebi que ela não fora criada para ser assim. Por muito tempo, ele achou que eu e Dana tínhamos um caso e se revelou um cara homofóbico e intolerante.
– Eu não vou voltar, Julie! Eu gosto daqui, achei que já tivessem passado dessa fase de me querer perto. – Exprimiu, raivosa.
– São sua família, devem mesmo querer você por perto. – Tentei amenizar sua raiva e chateação, mas dessa vez ia ser difícil.
– Não, Julieta. A sua família te quer por perto. Eu ainda não entendi exatamente o que a minha quer comigo. – Enrolou-se em seus travesseiros e puxando o lençol até sua cabeça, começou a choramingar. – Posso ficar em casa? Quero ficar e chorar a noite toda.
– Podemos arranjar uma desculpa e ficar. Se precisar se afastar, tudo bem. Mas você sabe que eu sou sempre contra "choro a noite toda". – Digo, limpando o rímel escorrido no belo rosto de Dizzy. – Veja pelo lado bom: nós temos a melhor oportunidade de fuga do mundo para hoje mesmo!
– Encher a cara com aqueles idiotas sempre é uma boa ideia. – Sorriu, porém, ainda tristonha. Senti meu celular vibrar no bolso traseiro da minha calça jeans. Sorri ao ver a foto de Jack segurando uma garrafa de tequila no visor do celular.
– E como Jack tem o melhor timing do mundo... – Deslizei o dedo pela tela, aceitando a ligação. – Jack Jack!
– Onde vocês estão? Essa casa está precisando de umas presenças femininas. – A voz grossa de Jack estourou. Olhei para Dana, que olhava para o teto, perdida em seus próprios pensamentos e questões. – Que horas vocês vêm?
– Eu não sei, Jack. – Joguei meus sapatos longe e aconcheguei o corpo de Dizzy no meu. Abraçou-me de volta imediatamente.
– Como assim "não sabe"? – Jack quase gritou. Um breve barulho surgiu, como se o celular estivesse passando de mão em mão.
– Como assim "não sabe"? É meu aniversário, Julieta! – Ouvi a voz de e sorri automaticamente. Não fazia nem uma semana que ele estava longe e eu já estava com saudades dele. Maldito ! – A minha exigência do dia são vocês chegarem aqui ainda hoje!
– Estamos com uns problemas. – Comentei, passei as mãos nos cabelos de Dana. Olhou-me com os olhos cheios de lágrimas. Passei o dedo em suas pálpebras antes de dar chances às lágrimas caírem e encostei meu nariz no dela.
– Mas que porra! Eu vou pegar meu carro e vou aí pegar vocês, agora! – Cameron falou pela primeira vez tão alto, que Dizzy conseguiu escutar devido nossa proximidade. A voz alterada do inglês causou uma risadinha em Dana.
– Não precisa, nós vamos! – Sentando e limpando o próprio rosto, afirmou. – Nossas malas já estão prontas mesmo.
– Você tem certeza? – Questionei, preocupada. Não queria que ela se sentisse forçada a ir.
– É meu aniversário! – gritou, empolgado. Ele era daquelas pessoas que amava aniversários e parecia uma criança de cinco anos quando o assunto era o seu próprio aniversário.
– É aniversário dele! – Dana confirmou, falando em tom de obviedade.
Não demoramos muito a sair de casa após a ligação dos rapazes. Tomamos banho, arrumamos as coisas no carro e saímos. Após três horas de viagem, muitas lamentações, acessos de raiva de Dana por culpa de sua família complicada, cinco playlists no Spotify e muitas ligações de Jack, nós finalmente chegamos ao litoral.
A casa que alugara era bem simples, não muito grande. Tinha as paredes amarelas, dois quartos, dois banheiros, uma cozinha pequena e uma sala menor ainda, mas era extremamente aconchegante. Diferente da casa, o quintal era bem amplo; tinha um deck inteiro de madeira, uma piscina de sete metros, algumas espreguiçadeiras. A casa era em uma ladeira íngreme, não tinha muros e era possível ver a praia lá embaixo. Por isso a escolheu, talvez ela fosse a única que nós conseguíamos ver a praia mesmo se estivéssemos sentados na cozinha.
Chegamos antes das 22h devido à falta de trânsito no nosso caminho. Dana brigou várias vezes durante a viagem comigo e minha despreocupação com excessos de velocidade, mas ela não parecia brava agora que todos nós já estávamos jogados na piscina e bêbados devido a mistura de várias bebidas.
– Já sei! Eu nunca brinquei de verdade ou desafio! – compartilhou, empolgado até demais. – É isso que vamos fazer!
– , você vai fazer 25 anos daqui a... – Dana puxou o braço de Jack para ver o relógio. – 30 minutos! É assim que você quer passar seus últimos minutos com 24?
– Eu nunca brinquei dessas coisas, Dizzy! Me deixa viver. É meu aniversário e todo mundo vai fazer o que eu quero fazer! – Cruzou os braços, fazendo um beicinho para a censura e deboche de Dana.
Ela revirou os olhos e jogou água em seu rosto. Ele revidou e eles entraram numa briguinha. Desviei o olhar e peguei meu copo. Eu havia começado bebendo apenas cerveja e agora não fazia ideia do que era aquela bebida azul no meu copo. Jack realmente não economizou na variedade de bebidas.
– Ok, vocês dois, chega! – Cam – que estava sentado ao meu lado na borda da piscina – pulou na água e colocou-se entre os dois. – , verdade ou desafio?
– Ah, sou eu! Calma, deixa eu pensar! – Gargalhei, assim como todos também riram. já não estava em suas plenas faculdades mentais e era sempre engraçado quando ele ficava mais bêbado que todo mundo. – Desafio!
– Sempre quis desafiar isso! – Dana confidenciou, gritando antes que alguém se pronunciasse. – Desafio você a beijar a pessoa mais bonita daqui!
Imediatamente, minha mente criou a imagem de beijando Dana. Seria muita informação e muitos sentimentos juntos, eu não sei o que eu faria se isso acontecesse. Mas não aconteceu. pulou nos braços de Cameron, segurou seu rosto entre suas mãos e beijou os lábios do mesmo. Todos nós ficamos de boca aberta e começamos a gritar como um bando de loucos, surpresos com o ato inesperado de .
– Me senti pessoalmente ofendido, não vou negar! – Jack reclamou, jogando seu copo para fora da piscina. Eu era a única que estava sentada na borda, aproveitei para me esticar e puxar o cooler para mais perto da piscina.
– Eu também! Você devia me beijar! – Dana esbravejou. Ainda bem que eu estava de costas para eles, assim ninguém viu minhas sobrancelhas se erguerem. Recriminei-me a sentir algo sobre isso. Estavam todos bêbados, brincando um com o outro, não haveria fundo de verdade algum nisso, certo?
Existe a paranoia e a intuição. A linha entre as duas é extremamente tênue, assim como seus lados. A intuição é sutil, mas ótima em trazer o caos. Intuição e paranoia também são boas em nos deixar alerta no que está acontecendo a nossa volta e pronta para algo que possa vir a acontecer. O lado ruim é justamente esse. Diferente da paranoia – que é apenas paranoia –, a intuição nos dá quase certeza de que algo vai acontecer.
Tudo o que eu queria era estar sendo completamente paranoica.
– Invejosos! – Cam gritou enquanto comemorava e se gabava por ter sido a escolha de . Voltei ao meu lugar à beira da piscina, joguei minhas pernas na água, puxando o cooler para meu lado. Tudo o que eu queria era ingerir mais cinco litros de álcool para ignorar todos os pensamentos que pareciam errados demais.
– Eu não vou nem comentar. – Brinquei e comecei a encher os copos vazios.
– Desculpa, amor. Esse cara mexe comigo! – gracejou e fez um carinho na minha perna. Sorri pelo adjetivo que nunca tinha sido usado comigo antes.
– Você não tem critérios mesmo. – Dana brincou, balançando seus cabelos e esticando seu copo para que eu enchesse.
– Olha quem fala, você já pegou o Jack! – Cameron debochou, jogando água no rosto dela.
– Não fala assim, ele é lindo! – Ela defendeu o loiro, que se aconchegou nela como se fosse um gato, quase ronronando.
– Obrigada, Dana! – Jack agradeceu e jogou água no resto de nós. – Você é a única aqui que me respeita!
– Vamos ser sinceros. Todo mundo aqui beijaria o Cam! – declarou, bebendo um gole de sua bebida e colocando-se entre minhas pernas.
Cameron era realmente a escolha mais óbvia. Os lábios inchados, aquele ar britânico e os olhos verdes o davam a vitória.
– Concordo! – Lembrei de uma conversa minha e de Dana a alguns meses atrás. Sabia que ela também lembraria, logo, aproveitei a situação para ajudar a concretizar as vontades da minha garota. – Dizzy, verdade ou desafio?
Todos começaram a fazer um "Uh" prolongado enquanto ela pensava. Dizzy olhou em meus olhos por alguns segundos, como se estivesse tentando ler meus pensamentos. Dei uma risada e pisquei um olho para ela, que rapidamente entendeu o que ia acontecer.
– Desafio! – Respondeu e eu abri um sorriso malicioso.
– Beije a pessoa mais bonita daqui. – Ordenei, sem pestanejar. E ela, sem nem me dar tempo de terminar a frase, puxou Cam pelo braço e beijou-lhe.
Todos nós começamos a gritar e jogar nossas bebidas para cima, sem acreditar no que estávamos assistindo. Dana e Cameron se pegando bem em frente aos nossos olhos. Não era de hoje que Dana tinha vontade de dar uns beijos sem compromisso em Cam. Eu vi a brincadeira como a oportunidade perfeita para ela. E também... Bom, não tinha mais como negar que Dana estava cultivando uma possível vontade de dar uns beijos em .
Eu só dei uma ajudinha para tirar o que era meu da reta.
– Que noite, meus amigos! Que noite! – ergueu seus braços para cima enquanto ria.
– Eu que o diga! – Cameron exclamou, com a feição abobalhada. Todos nós rimos e continuamos na brincadeira, que agora parecia divertida de verdade.
Cam teve que responder umas perguntas muito indelicadas de Jack, Dana teve que fumar um cigarro inteiro (ela odiava), eu tive que dar um beijo em Jack (sob protestos de e Dana) e o mesmo teve que ligar para a ex-namorada, desafio sugerido por . Todos já tínhamos perguntado e desafiado uns aos outros, exceto...
– Ah, não! – Reclamei quando Cam apontou para mim e eu percebi que o único que ainda não tinha sugerido desafios para mim era ele. – Cam é pior que Jack, ainda mais se tratando de mim.
– Calma, pequena Julie. Não sou tão terrível assim. – Afirmou, mas seu sorriso sarcástico só me deixou mais temerosa. Depois de ter beijado Jack, minha cota de desafios estava quase no fim.
– Eu só quero dizer uma coisa. – Dizzy levantou o braço, pedindo a fala. Puxei seu braço de volta. Certeza de que Dana vinha com alguma coisa constrangedora como sugestão. – Julie é boa em lap dance! – Alertou e todos começaram a rir. Joguei a cabeça para trás, cobrindo os olhos.
– Cameron, eu acho que não haverá prova de amizade maior que essa! – recomendou, deu um gole na sua bebida e uma tapinha despretensiosa no ombro de Cam.
– Eu te amo, cara! – Cam deu um beijo na testa de e virou-se para mim com o dedo apontado. Arregalei os olhos, ele ia cumprir o que estava prometendo. – Julieta, eu te desafio a dar uma lap dance para o aniversariante do dia, agora! – Decretou sob comemorações e bebidas sendo jogadas para cima.
– Você tinha que falar... – Reclamei com Dana, dando um gole na minha bebida. Apesar de que dançar em cima de não seria sacrifício algum, eu não era totalmente atrevida e sem-vergonha.
– Amiga, estou aqui para enaltecer seus talentos! – Ela me puxou pela perna, me fazendo cair na piscina. Gargalhei com seu susto e sua tentativa de não me deixar afundar.
– Presente de aniversário, ué. – Jack sugeriu e foi como se uma lâmpada se acendesse em minha mente. Sexo, é claro! Eu finalmente havia achado o presente perfeito para .
– Mas na frente de todo mundo? – Protestei, jogando meus cabelos molhados para trás. – Vocês nunca nem viram a gente se beijando!
– Aceite o fato que você vai ter que rebolar essa bunda em mim, baby... – apontou para o seu próprio colo e eu cobri meu rosto com as mãos, envergonhada com sua escolha de palavras. Todos começaram a gritar e jogar água em nós.
Era engraçado quando falava assim comigo na frente dos outros porque, geralmente, nós não ficávamos exalando nossa relação e expondo nossa intimidade. Então, imagino que era um pouco surpreendente para nossos amigos nos enxergarem como um casal.
– Ainda não é aniversário dele! – Relatei, usando isso como desculpa para não ter que cumprir o desafio.
– Sinto informar, Julieta, mas são exatamente 00:05. – Jack olhou em seu relógio e informou. Significava que já era 22 de julho, aniversário de . Dana berrou e jogou-se em cima de . Cameron fez o mesmo. Logo em seguida, Jack e eu acabamos nos juntando ao abraço grupal em , que gritava sem parar que seu aniversário havia chegado, finalmente!
A partir desse momento, as coisas começaram a ficar nebulosas na minha mente. Foi o momento que nós abusamos da nossa juventude e ingerimos o máximo de álcool que nosso corpo foi capaz de aguentar.
Sabe quando todos já estão muito bêbados, cantando as músicas antigas do N'Sync a plenos pulmões e você já está tão bêbada que fica em dúvida do lugar onde você se encontra? Geralmente, essa era a hora em que eu começava a parar de beber. E aos poucos que a sobriedade chegava, a divagação sobre tudo vinha junto.
Eu ficava bêbada e logo começava a me tornar super ciente de mim mesma e do que acontecia na minha vida. Notei que me sentia ansiosa e preocupada com os rumos que minha vida estava tomando. A minha grande indecisão em relação ao meu futuro profissional estava cada dia mais preocupante. Ainda assim, eu estava bem. Pela primeira vez, a minha vida pessoal estava completa.
A maioria das pessoas acham que tem amigos de verdade, acha que sabe o que isso significa, mas a verdade é que você só sabe o que é amizade depois de conhecer as pessoas certas. Eu olhava para Jack, Cameron e Dana e sentia meu coração preencher-se de carinho e afeição. Era até estranho confiar tanto em pessoas que você não conhece a vida toda e que não são da sua família.
E existe aquele momento, que todos estão correndo pela praia, provocando um ao outro. E um abraço surge no meio do caminho, e uma mão entrelaça na sua e o sentimento de amor profundo quase te engole e até assusta. Naquele momento, com a lua iluminando nossos caminhos pela areia branca, nada mais importava no mundo.
E ... Ah, maldito .
Ele definitivamente era o maior causador das minhas dúvidas sobre mim mesma e tudo que eu acreditava, mas também era o maior causador da minha ambição. Era culpa dele meu estômago revirar dentro de mim toda vez que ele me tocava. O causador dos meus suspiros. Eu sempre o quero. Quero tudo o que ele é, tudo o que ele pode me oferecer, tudo o que ele não é. Quero ele de todas as formas possíveis. E isso era assustador.
Eu sentia urgência em tê-lo por perto e comigo, uma necessidade que eu nunca sentira com ninguém. E era ainda mais bizarro assistir à atração fatal que havia entre nós acontecendo.
Eu achava que estava obcecada por ele ser absurdamente legal e adorável, por ele ser tão ele. Achei que poderia ser por causa da sua beleza juvenil demais, que lembrava muito aqueles garotos bonitos que nós vemos na rua, mas parecem existir num mundo alheio ao nosso.
Entretanto, afeiçoei-me até pelos seus defeitos, pelos seus erros e falhas. Comecei a dormir mal sem ele ao meu lado, logo eu, que dormi sozinha a minha vida toda. Era assustador demais estar completamente completa, por mais redundante e pleonástico que isso seja.
Eram 5h da manhã quando nós percebemos que ninguém tinha condições nem de manter-se de pé, então decidimos ir dormir, planejando voltar para a praia no dia seguinte e ficar horas por lá. Gargalhei ao ver Dizzy e Cam tentando subir as escadas com Jack quase pendurado em seus ombros, tão bêbado que suas pernas não funcionavam. Ia segui-los, para ajudá-los a se acomodar nos quartos, mas percebi que não estava atrás de mim.
– ? – Chamei um pouco alto. Um "aqui" veio da cozinha. Fui até lá e encontrei com sentado na pequena mesa de jantar que tinha no meio do cômodo. Franzi o cenho e aproximei-me dele. – O que faz aqui?
– Tentando ficar sóbrio para não vomitar do seu lado. – Deu uma risadinha fofa e bebeu um gole de água. Não conseguia mais controlar meus suspiros e sorrisos perto dele.
– Vamos dormir juntos? – Questionei. Posicionei-me entre suas pernas e espalmei minhas mãos em suas coxas. Desde que chegamos, ainda não tínhamos tido tempo de ser um casal, nem de se beijar apropriadamente. Eu estava sedenta por um tempo a sós com ele.
– Não imagino ficar na mesma casa que você e não dormir ao seu lado. – Confessou. Colocou as mãos em meu rosto e acariciou minhas bochechas. Fechei os olhos, agraciada com sua fala e seu carinho.
– Será que eles não ficam chateados com a gente? – Externei uma das minhas maiores dúvidas.
Eu tinha muito medo de nós sermos inconvenientes sem perceber. Tinha receio de que nossos amigos ficassem desconfortáveis com a gente, mesmo que nós não déssemos tantos sinais de que estávamos juntos.
– Não, eles já teriam dito algo se os incomodasse, você sabe. – Tentou me tranquilizar, acariciando meu ombro. Dei uma risada e acabei concordando.
A intimidade era tanta que nós não tínhamos mais reservas em falar coisas que não gostávamos um no outro. Semana passada, Dana e Jack entraram em guerra porque Jack reclamou do jeito que Dana desligava o celular na cara de todo mundo e ela falou do seu jeito desastrado de comer. E logo nós estávamos naquela cena de Friends, em que um aponta o defeito do outro, esquecendo do maior causador da discórdia, Chandler.
Cameron era o nosso Chandler.
– Você está com muito sono? – Perguntei.
– Nem um pouco, por que? Vou ganhar minha lap dance agora? – Sorriu malicioso e empolgado, me puxando com as pernas para mais perto dele.
– Não! – Rolei os olhos, rindo. Com a posição em que estávamos, meu rosto estava quase encostado em seu peito. Nossos corpos tocando-se de uma forma sutil, mas eu já sentia nossa pele esquentar. – Assiste o nascer do sol comigo? Não falta muito...
– Claro, será um prazer. – Sorriu docemente e puxou meu lábio inferior com o polegar. – Vamos tirar essas roupas molhadas? Essa areia toda está me incomodando.
– Vamos, mas...Você pode me dar um beijo primeiro? – Pedi do jeito mais dócil e descarado que consegui. sorriu de lado e desceu da mesa, quase me devorando com os olhos.
– Não acho que seja possível recusar um beijo seu, Julieta.
Puxou-me pelo quadril e encostou seus lábios no meu. respirou forte e profundamente quando eu mexi meus lábios nos dele, matando toda aquela saudade que nós sentimos um do outro. Tentei falar, mas a boca dele grudada na minha, não deixou. Puxou meu corpo em direção a parede, deixando as mãos bem encaixadas nas minhas nádegas. Quando senti seus dedos no fio do meu biquíni, desamarrando-os sem dificuldade alguma, intervi de novo.
– O plano era só trocar de roupa, baby! Vamos... – Resmungou quando me desvencilhei dos seus braços e puxei-o pela mão em direção as escadas.
O barulho que vinha do quarto ao lado do nosso era composto por gritos de Cam e as gargalhadas de Dana. Eu até já sabia o que estava acontecendo lá. Jack, provavelmente, estava tão bêbado que não conseguia se mexer e Cam não tinha a menor paciência com ele. As gargalhadas de Dizzy só me confirmavam isso.
– Eu preciso ver o que eles estão fazendo! – Ri e fui em direção ao quarto, mas me puxou antes de eu entrar.
– Não, você precisa trocar de roupa, seu biquíni está solto! – Articulou de um jeito arrastado e bêbado.
– Amarra para mim, ent... – Antes que eu terminasse a sentença, puxou a outra cordinha do meu biquíni, fazendo com que a peça caísse no chão e meus seios ficassem expostos. – !
– Está vendo? Você precisa entrar no quarto agora. – Riu como se fosse um menino que tinha feito alguma traquinagem.
– Se você acha que vai transar agora, – Aproximei-me dele e fiz questão de tirar a parte de baixo do meu biquíni em sua frente, sem me importar se estávamos no meio do corredor. – Está muito enganado! – Corri para o banheiro antes que ele chegasse até mim. Se ele conseguisse me tocar, não sairíamos do quarto tão cedo e eu queria muito ver o nascer do sol para deixar que isso acontecesse.
Após tomar um banho cheio de mãos bobas e umas carícias mais elaboradas, saímos do quarto mais despertos e sóbrios. Colocar uma roupa mais adequada foi um sacrifício e eu quase desisti da ideia de ver o sol nascer. Estava tão cansada, só queria dormir, mas não me deixou nem chegar perto da cama. A casa inteira já estava em silêncio, fazendo-me crer que todos já dormiam, assim e eu poderíamos ser o casal mais grudento possível, sem causar constrangimento ou estranhamento.
Sentamo-nos no chão, perto da beirada da piscina, de onde tínhamos uma vista privilegiada da praia. O céu ainda estava escuro e o vento frio maltratava meus pés descalços. estava sentado bem em minha frente e não parava de me olhar nem por um segundo.
– Então... vinte e cinco anos. – Comentei, brincando com as pontas dos meus cabelos ainda molhados, desviando a todo custo do olhar intenso dele. Ele sorriu ao perceber meu acanhamento com seus olhos atentos. Encabulava-me quando ele me lançava olhares mais intensos. Eu estava tão tímida que nem parecia que tínhamos tomado banho juntos a poucos minutos atrás.
– Pois é, vinte e cinco anos de vida e você só apareceu nos últimos quatro meses. – Puxou-me para mais perto de si, fazendo minhas pernas ficarem cobertas pela sua calça de moletom grossa, me aquecendo um pouco contra o vento frio que vinha do mar.
– Ei, estamos no tempo certo. Se eu aparecesse na sua vida antes, eu seria apaixonada por outra pessoa, imagina só? – Sugeri, esticando meu braço e tocando em seu rosto.
– Isso quer dizer que você está apaixonada por alguém atualmente? – Indagou, sugestivo. – Algum cantor de beira de esquina, talvez?
Gargalhei, jogando minha cabeça para trás. Decidi abrir o jogo, pois estava cansada de fingir que não era louca por ele. Fingir que eu não sentia trinta coisas diferentes toda vez que pensava nele e mais quarenta quando ele me tocava. Era exaustivo. Ou talvez eu só tenha decidido fazer isso porque meu teor alcoólico ainda estava alto e eu poderia culpar as bebidas no dia seguinte.
– Ele, na verdade, é um cantor profissional. Ele é tão bom para mim que me faz até questionar se eu mereço. – Afirmei, despretensiosamente, olhando para a lua nova destacando-se no céu azulado.
– Ei? – Murmurou, segurando minha nuca e mantendo meus olhos fixos nos dele. – Se vai dizer que está apaixonada por mim, fala olhando nos meus olhos.
– Estou apaixonada por você. – Declarei logo em seguida, vendo a surpresa em seu rosto. Analisei-o atentamente. Sua feição suavizou e seus olhos se fecharam. Soltou a respiração, como se estivesse aliviado. Subi minhas mãos em seu rosto e acariciei cada pedaço do mesmo a cada palavra que eu proferia. – É até vergonhoso o quanto eu estou afim de você. Pode ser um erro, pode ser um acerto, mas eu não ligo. Eu só preciso que você saiba disso: Eu estou apaixonada por você. Por cada pedaço teu, por cada lado e pelo que você é.
Expirei profundamente, sentindo-me meio tonta. Talvez por conta da bebida, talvez pela exposição intensa dos meus sentimentos, que não costumava acontecer tanto. finalmente abriu seus olhos, encarando-me intensamente. Dei de ombros, com um sorriso de lado, pouco me importando com consequências da minha impulsividade.
– Julieta, você é... – , sorrindo, balançou a cabeça. Esfregou seu rosto com as mãos, bagunçou seus cabelos e olhou-me. Sorri pelo seu jeito doce e espontâneo de ser. – Tudo. Você consegue ser tudo. Eu nem consigo completar uma frase, Julieta. Você é...
Simplesmente desistiu de expressar seus sentimentos e beijou-me. Emocionei-me com a ideia de que , um compositor, ótimo com palavras e extremamente criativo, perdeu as palavras.
Seus lábios eram urgentes sobre os meus e eu já sentia toda aquela saudade que eu tinha dele se dissipar. Inclinou-se sobre mim e quando eu percebi já estávamos deitados no deck de madeira, entrelaçados um no outro.
– Então, você vai querer sua lap dance agora? – Rimos entre os beijos.
– Põe na conta, eu cobro outro dia. – Puxou minhas pernas para prender na sua cintura e apoiou-se em seus cotovelos ao meu lado. Passei meus braços pelos seus pescoços, beijei seu queixo e fui dando selinhos até sua boca. – Hoje eu só preciso de você assim, comigo.
O nascer do sol daquele dia fora o mais bonito que eu já vi.
Com preguiça de levantar-se, ela olhou para os lados, pretendendo pedir para alguém ir até o andar de baixo por ela. Porém, aparentemente, ela era a única que parecia estar em condições de se mover. Cam estava jogado ao seu lado na cama, roncava tão alto que ela se perguntou como conseguiria dormir ao seu lado por tanto tempo. Jack estava deitado no pequeno sofá que tinha no canto da suíte, ela riu da forma desajeitada que o mesmo estava deitado. O loiro sempre ficava com os piores lugares para dormir.
Tudo seria mais fácil se Julieta e não fossem um casal e não precisassem dormir juntos. Nenhum dos dois nunca exigiu nada. Pelo contrário, eles sempre insistiam para dormirem todos juntos. Mas era implícito, eram o único casal do grupo, precisavam de seus momentos.
Era como se fosse um acordo silencioso entre todos os eles. Julieta e sempre ficariam no mesmo quarto. E era aniversário de . Dana tinha certeza de que os dois estavam transando loucamente no quarto ao lado. Isso a incomodava. E ela odiava o quanto isso a incomodava.
As certezas de Dana foram por água abaixo quando ela chegou à cozinha e olhou pela pequena janela, que mostrava a parte de trás da casa e a praia.
Julieta e .
Estavam sentados à beira da piscina, um de frente para o outro e com as pernas entrelaçadas. Conversavam baixinho, quase ao pé do ouvido de tão próximos. As mãos dela subiam pelo seu pescoço até seu rosto, acariciava a pálpebra fechada dele com os polegares.
Dana pegou-se querendo saber desesperadamente sobre o que falavam. O que ela estaria dizendo que causava tanta serenidade nele? Ele nem abria os olhos, parecia embebido pelas palavras que saiam da boca dela. E Dana não entendia nada daquilo. Não entendeu quando pareceu ter despertado e beijou Julieta de uma forma tão bonita e necessitada. Não entendia a urgência dos dois amigos um com o outro.
E aqueles sorrisos. Ela nunca tinha visto um sorriso daqueles em Julieta. Nunca tinha visto a amiga passar tanto tempo com alguém, nunca tinha visto-a ser tão carinhosa com uma pessoa que não fosse ela.
Em meio a sentimentos tão conflitantes – dos quais ela não sabia diferenciar – havia um ali, que fazia a sentir nervosa, ansiosa. Um que, estranhamente, só aparecia quando ela olhava para o belo rosto juvenil de .
Eu nunca tive certeza do que eu queria fazer, profissionalmente falando. Por isso, quando tinha quinze anos, fui em uma feira de profissões que aconteceu no centro comunitário do Jeins, distrito onde eu morava. A cada stand que visitava, eu saia de lá querendo seguir a profissão que me fora apresentada.
Lembro que no stand de artes cênicas, uma colega de turma falou que a função do ator é mentir bem. Eu mentia muito bem, logo, quis ser atriz. Hoje em dia, eu sei que foi até desrespeitoso o que a Gina falou.
Sempre fui curiosa, sempre gostei de aprender coisas novas, minha sede pelo saber era grande. Pela manhã, eu tinha as maiores vontades do mundo, tipo, fazer trabalho voluntário na África. Pela noite, eu já tinha outras vontades, vontades ínfimas, como aprender a fazer crochê. Eu tentei aprender a tocar piano, mas o tempo acabou rebaixando essa vontade ao esquecimento. Eu também queria fazer bordado e aprender a fazer a torta de limão com merengue que a dona Ana vendia na rua da minha casa aos domingos.
Eu sempre fui o tipo de garota que queria muitas coisas, até que algo triste aconteceu comigo. Talvez uma das coisas mais tristes que se pode acontecer com um ser humano.
Eu desisti.
Desisti de ser atriz, desisti do bordado, desisti da torta de limão quando percebi que não tinha amido de milho no armário.
De repente, a vida se fez presente, o tempo parecia inexistente e todas as minhas vontades acabaram ficando para trás. Na ânsia de um futuro, a preocupação de ter um emprego, notas boas, uma vida social e todas essas aspirações que tentamos ter, as coisas que não eram essenciais e urgentes acabaram ficando lá, na ilha do "quase".
– Ele está usando o meu texto. Ele simplesmente copiou e colou o meu texto sobre a união europeia! – Expus o acontecimento ao meu chefe, irritada ao extremo. – Eu juro que deixei os papéis em cima do balcão e...
Senti todo o ar que existia no ambiente acumulando-se na minha garganta quando Ray simplesmente levantou uma mão, sinal claro que eu deveria parar de falar.
Ray, meu chefe, designou a mim a tarefa de entregar uma pasta especificamente nas mãos de Ronald Mayer, o babaca que pedia para ver meus peitos. Eu tinha quase certeza de que algum político estava molhando a mão de Mayer para beneficiá-lo em suas matérias, mas eu tinha que ficar calada. Porém, quando fui entregar os papéis, acabei vendo o meu texto sobre blocos econômicos em seu computador. O texto que eu tinha escrito à mão em 20 minutos após assistir uma reportagem da BBC e deixei em cima da mesa enquanto ia receber uma entrega de tinta para impressão.
– Deixa eu explicar uma coisa para você, Julieta. Você é uma porra de uma estagiária. Mayer trabalha aqui a quase 20 anos. Se ele quiser usar seu rascunho como base de texto, ele pode! E sabe o que você faz? Entrega a merda dos papéis e serve a porra do café a hora que eu mandar. – Gritava e apontava o dedo, quase tocando em meu rosto.
Tudo fica mil vezes pior quando você simplesmente não gosta mais do que faz. Eu escrevia textos que ninguém lia, fazia trabalho que eu não deveria estar fazendo.
Eu era assediada, explorada e, agora, plagiada. Eu não sabia que diabos eu estava fazendo com a minha vida.
O jornalismo havia se tornado um fardo pesado demais para mim. Eu sabia que não devia basear minha profissão inteira em um local de trabalho, que as coisas poderiam ser diferentes fora dali, mas o jornalismo nunca fora uma certeza. E ultimamente, não era nem mais uma vontade.
Minhas frustrações estavam a mil. Eu não tinha uma boa noite de sono fazia semanas, minhas olheiras estavam tão profundas que passei a usar base e pó compacto nos dias de semana. Eu era uma pilha de nervos o tempo todo.
Á alguns dias atrás, lembrei de meus tempos conturbados na faculdade e do remédio que fora receitado para mim com o objetivo de apaziguar minha situação. Eu fui burra o suficiente para achar que era uma boa ideia voltar a usar a medicação, com isso, acabei tomando os benzodiazepínicos por alguns dias.
A medicação causou-me uma intensa confusão mental e eu tenho quase certeza que fora por conta disso que perdi os malditos papéis. Eu não sabia exatamente o conteúdo que continha nele, mas a julgar pelo jeito que Ray tinha mobilizado o escritório inteiro na busca, devia ser coisa grande. Eu até tentei me envolver na busca dos papéis, mas Ray gritou comigo por mais uns 20 minutos e me mandou embora.
Encarei-me no espelho retrovisor do meu carro e desabei em prantos antes mesmo de conseguir sair da garagem do prédio. Exaltada e atormentada, procurei em minha mente por respostas ao meu descontrole emocional. Não era TPM, não era estresse, eu estava tão desmotivada, que minha ansiedade e frustração estava em níveis alarmantes.
Eu nunca havia me sentido tão desnecessária, tão inútil quanto estava me sentindo nos últimos dias. Ter que acordar e sair de casa todos os dias era simplesmente difícil. Eu me odiava por isso, odiava me sentir tão fraca por coisas tão pequenas.
A última vez que saí com meus amigos foi para um almoço em restaurante e eu só pude ficar por uns 30 minutos. A vida de todos parecia tão mais saudável e tranquila que a minha, eu odiava isso. Odiava vê-los tendo vidas normais e perfeitamente saudáveis.
É possível ser normal e saudável aos 25 anos?
Odiei ter que deixar o local, atolada de trabalhos para fazer enquanto todos se divertiam e riam das últimas aventuras sexuais de Jack. Fazia tempo que Dana não tinha tempo para sentar e me perguntar como eu estava. Não que fosse culpa dela, eu também não estava sendo a pessoa mais fácil de lidar nos últimos tempos.
Eu odiava agir assim, sentia-me a pessoa mais mimada e dramática do mundo. Quando eu me sentia frágil e exposta demais, tinha tendência a me afastar. Com , não foi diferente.
Após voltarmos da praia, acabamos vivendo uma semana de lua de mel, por assim dizer. Nós saíamos quase todos os dias da semana, a gente também transou muito e nunca nos sentamos para conversar sobre o status do nosso relacionamento. Aparentemente, meu breve romantismo e minha doce declaração à beira da piscina fora o suficiente para ele. Tudo estava perfeitamente bem, até ele viajar por duas semanas para outro estado.
Quando voltou, teve que lidar com uma Julie irritada, impaciente, nervosa e confusa. Eu sabia que ele não tinha obrigação nenhuma em ser legal comigo quando eu estava sendo uma vadia, então preferi me manter longe naqueles dias para que ele não desistisse de mim permanentemente.
Entretanto, o número dele foi o primeiro que procurei quando sai do Daily.
– Oi, baby. – atendeu no terceiro toque e suspirei, quase aliviada, só de ouvir sua voz, sempre tão atenciosa.
– Ei, está ocupado? – Limpei as lágrimas do meu rosto, forçando minha voz a voltar ao normal. Não queria que notasse algo de errado comigo.
– Só um pouquinho. Você está bem? – Questionou.
– Anh... Sim. Eu só queria... Sei lá, eu não tenho nada para fazer e preciso me distrair um pouco. – Desconcertada e encabulada, minhas palavras acabaram saindo da minha boca de forma confusa.
– Agradeço a preferência! – Respondeu, sarcástico e eu senti-me pior, imediatamente.
– Não! Eu não quis... – Comecei a me retratar e pedir desculpas, mas a risada dele interrompeu meu pesar.
– Calma, Julieta, eu entendi! Você pode ir lá para casa. A chave reserva fica presa no interruptor da campainha. O interruptor é solto, você puxa pelo lado.... – Parei de prestar atenção nas instruções dele e me perdi nos meus próprios pensamentos por um segundo. Não é possível que seja tão legal assim. O cara estava ali, de braços abertos, me entregando a chave de sua casa quando eu ao menos perguntei como tinha sido a viagem. – Julieta?
– Oi, estou aqui. Tem certeza de que está tudo bem eu ir? – Procurei pela afirmação de que estava tudo certo entre nós.
– Claro que sim! Eu tenho que ir. Vejo você em casa, beijos! – E desligou. Encarei o celular, ainda meio atordoada e surpresa com a boa vontade de . Eu não estava acostumada com homens sendo bons comigo sem esperar nada em troca.
Dirigi meio desatenta, ainda pensando nas merdas gigantes que eu vinha protagonizando naqueles dias. A demissão era uma certeza. Na faculdade, eu era financiada pelo governo, então, eu não sabia como essa demissão iria ficar aos olhos deles. Mais uma incerteza. Eu nem queria começar a avaliar minhas relações pessoais, minha cabeça iria explodir.
Quando entrei na casa de , um sentimento bom de acolhimento e saudade me atingiu. A cada passo que eu dava no local, minha mente materializava as lembranças da última vez que estive no local.
Andando de calcinha pela sua sala, pulando entre seus sofás e almofadas por conta de nossas brincadeiras idiotas, bagunçando sua cama da melhor maneira possível. Sorri quando cheguei em seu quarto e notei que ainda havia malas jogadas pelo chão e que as portas do closet estavam abertas. Imaginei-o saindo de casa atrasado e deixando tudo pelo meio do caminho. Tirei minhas roupas e fui direto para o banheiro, desejando o chuveiro maravilhoso de .
Senti a água quente descer pelos meus ombros, falhando miseravelmente na missão de levar pelo ralo tudo o que me incomodava. Eu estava envergonhada, com raiva e chateada. Ainda sentia toda a angústia presa no meu peito e na minha mente, eu sentia que cada célula do meu corpo estava constrangida de ter que estar ali, no corpo de uma garota tão chata.
Quando saí do meu longo banho, procurei por uma camisa de dentro do armário e joguei-me em sua cama, sem me importar com meus cabelos molhados em seu travesseiro. Era bom demais ficar ali, longe de tudo e de todos, imersa no cheiro dele. Eu já sentia um arrependimento muito grande de estar ali e não estudando ou fazendo algo produtivo, mas parecia impossível fazer outra coisa agora.
Eu também não gostava de como eu estava lidando com meus problemas. Nunca gostei de me sentir frágil. O choro havia me deixado ainda mais sonolenta e cansada, logo dormi, sem pensar muito no que tinha acontecido.
Senti que adormeci por poucos minutos e acordei com gesticulando a minha frente. Cansada e precisando desesperadamente dormir mais, ignorei-o e virei de costas para ele, voltando a fechar meus olhos, tentando me concentrar na realidade.
Toda vez que eu despertava, ficava muito grogue e não lembrava de quase nada dos primeiros minutos depois que eu acordava. Tudo isso fora causada pelo remédio e nas primeiras vezes que tive essa forte reação, decidi parar com o uso.
Quando senti que estava sã o suficiente para lidar com outra pessoa, levantei-me da cama e fui em busca dele. estava deitado no sofá em sua sala e falava ao celular. Ele já olhava na direção da porta do quarto quando saí, como se estivesse esperando por mim.
Gesticulou com a mão, batendo no espaço ao seu lado. Não prestei atenção no que ele falava, apenas me deitei ao seu lado, abraçando sua cintura. Ele deu uma risada provocativa quando desceu uma mão para minha bunda e sentiu que eu estava sem calcinha.
– Preciso ir. Eu passei o dia com você, Tom, não aguento mais escutar sua voz! – Reclamou, com a voz arrastada. Tomáz, era o empresário e produtor de . Ele dizia que Tom era muito competente, mas que também tinham muitas divergências criativas. Eu ainda não o conhecia, mas Jack costumava dizer que o cara era tão chato quanto era bom em seu trabalho.
Comecei a distribuir beijos suaves pelo seu queixo, sua bochecha e descendo para seu pescoço, sem pretensão alguma, apenas curtindo nossa proximidade. Ele fechou os olhos, aproveitando meu carinho e resmungando no telefone.
– Tom, é sério, tem uma garota tentando me beijar agora e você está atrapalhando! – Resmungou, após eu ter apenas encostado em seus lábios e afastei-me.
– É a tal da Julie? Fala sério, , se ela esperou você até agora, ela não vai morrer se esperar você resolver isso. – Ouvi a voz alta e ranzinza de Tom mesmo que a ligação não estivesse em autofalante.
Levantei a cabeça, olhando para com uma sobrancelha erguida, sorrindo por saber que o empresário dele sabia quem eu era, mesmo sem nunca termos sido apresentados. As maçãs do rosto de ficaram avermelhadas.
– Tomáz, boa noite! – Irritou-se, encerrando a ligação de uma vez.
Dei risada da expressão emburrada do rapaz. Puxou meu corpo para cima do dele, deixando minhas pernas esticadas entre as dele, abraçou minha cintura com os dois braços e beijou-me lentamente.
– Não queria atrapalhar, desculpa. – Afastei-me e encostei meus lábios em seu pescoço.
– Não atrapalhou, ele só está nervoso com a viagem para Austin. – Puxou a camisa que eu usava um pouco para cima, posicionando suas mãos em minha cintura por baixo do tecido.
– É amanhã? – tinha um show marcado em Austin, no Texas. Todos estavam pirando porque iria ser o lugar mais longe onde iria se apresentar. Ele assentiu levemente. – Você está nervoso?
– Bastante, mas não posso pensar nisso ou então, surtarei! – Balançou a cabeça, como se estivesse expulsando os pensamentos. – E você, sonâmbula? Como você está?
– Sonâmbula? – Sua afirmação me fez franzir o cenho.
– Sim, fui acordar você hoje e você parecia outra pessoa. Só ficou me encarando e voltou logo a dormir. Ou você é sonâmbula ou estava apenas sonhando.
– Ah, devo ser mesmo, não sei dizer. – Respondi, confusa com seu relato. – Enfim... Você chegou rápido. Falamos no celular agora há pouco.
– Julieta, – deu uma risadinha e apontou para a janela, onde o céu escuro mostrava claramente que já não era mais dia. – São quase dez horas da noite. – Fiz uma careta com sua constatação.
Estava estranhando muito os novos efeitos colaterais do remédio que estavam aparecendo em mim. Eu tinha tomado apenas por alguns dias, já havia parado á dois, mas tudo ainda estava tão confuso. Eu lembrava de ter me acordado, mas algo parecia me impedir de falar com ele. Eu o via na minha frente, sabia quem era, mas não conseguia entender o quanto ele era real e não fazia o menor sentido ele ali na minha frente. A ligação que eu tinha feito parecia ter sido a minutos atrás, quando, na verdade, já fazia onze horas desde que ela aconteceu.
– Ei, obrigado por me deixar ficar. – Dei um beijo no seu rosto em agradecimento, mudando de assunto logo, pois se pedisse explicações, eu não teria como dar uma.
– Não foi nada. Você me recebeu sem calcinha, Julieta. Já estamos quites! – Brincou, beliscando minha bunda. Gargalhei, dando um tapa na mão dele. – Ei? – Chamou, segurando meu queixo para que eu o olhasse. – Está tudo bem mesmo? – Assenti, sorrindo e beijei-o mais uma vez.
Sempre que Felipe queria uma resposta verdadeira, me forçava a olhar em seus olhos. Aqueceu-me por dentro o fato de que ele realmente queria saber como eu estava.
Era segunda-feira e eu estava cheia de coisas para fazer em casa. Dana já tinha enviado várias mensagens, querendo saber minha localização. Eu precisava voltar para casa, então avisei a que tinha que ir embora e ele insistiu em me levar.
– Sério, linda. Você não parece bem e eu ainda estou preocupado com esse seu sonambulismo recente. – Enunciou, enquanto vestia uma camisa. – Não vou deixar você dirigir assim.
– Como você sabe que é recente? – Cruzei os braços, questionando-o. Eu não quis colocar minhas roupas novamente, então coloquei um short que eu havia deixado na casa de , coloquei minhas meias e permaneci com sua camisa.
– Dormi com você nos últimos três meses e nunca tinha notado nada. Imagino que seja recente...
Espantei-me com sua fala. Três meses? Eu estava saindo com há três meses? Pode parecer pouco, mas para uma garota com o histórico como o meu, já era o suficiente. Fez-me pensar no meu último relacionamento sério e na sua duração.
Eu tinha namorado com Haniel durante um ano, oito meses e cinco dias. Em comparação com o último (e único) relacionamento de Dizzy – que durou três anos –, parecia bem pouco. Mas algo nos meus três meses com parecia ser a mesma quantidade dos meus dias com Hani.
– Três meses? Jura? – Questionei, ainda surpresa demais. Eu podia jurar que era menos. Entretanto, quando eu parava para pensar em nós, eu esperava que fosse muito mais.
– Você deve me achar um idiota por saber a quanto tempo estamos juntos, não é? – Indagou.
Estava com o sorriso típico de . O rapaz tinha a ousadia de falar certas coisas, mas suas bochechas avermelhadas explanavam o cara doce e gentil que ele era.
– Estamos juntos? – Descruzei os braços e coloquei as mãos na cintura, com as sobrancelhas erguidas. Perguntei de novo, dessa vez, foi apenas para perturbá-lo.
– Julieta! – Exclamou, revirando os olhos quando percebeu que eu estava claramente o zombando.
– Me leva para casa, baby. – Ordenei, beijando seus lábios rapidamente e jogando as chaves do meu carro para ele.
– Você está bem mesmo? – Perguntou mais uma vez, parecendo genuinamente preocupado enquanto seguíamos para fora da casa.
– Só estou cansada, . – Garanti.
E eu estava mesmo. Fui o caminho inteiro deitada no banco de trás do meu carro e dormi de novo quase imediatamente. O dia inteiro tinha sido um borrão e agora eu estava ainda mais confusa em estar no meu quarto.
Apertando meus olhos para ter a certeza de que o cômodo em que eu estava era realmente meu quarto, passei a mão na testa, arrancando um post-it que estava preso lá.
"Você apagou de novo. Sério, estou preocupado. Estou escrevendo na sua testa e você nem se mexe. Me liga quando acordar.
."
A caligrafia torta de fazia-me crer que ele realmente tinha escrito aquilo apoiado em mim e eu não senti nada. Procurei pelo meu celular e não achei. O relógio na minha parede mostrava que já era uma da manhã. Eu estava no meu quarto e definitivamente não lembrava de ter vestido os meus pijamas. Será que me trouxe?
Levantei-me, ignorando a dor de cabeça e fui procurar Dizzy, na esperança de que ela pudesse me dizer o que estava acontecendo comigo, mas eu nem me atrevi a sair do quarto. Ignorei a sede, sentindo minha garganta ainda mais seca ao ver a cena a minha frente.
Eles estavam sentados, um de frente para o outro. Separados pelo balcão da cozinha, inclinados na direção um do outro. Olhavam-se de um jeito diferente, eu não sabia explicar. Não falavam, apenas dividiam um pote de sorvete. Seria algo inocente, se não fosse pelos olhares compartilhados a cada colherada.
O sentimento de dejavu atacou-me ferozmente. Aquilo já tinha acontecido tantas vezes comigo, que parecia a mesma cena com pessoas diferentes.
Um movimento rápido me pegou desprevenida e pelo olhar surpreso, fisgou também. Dana esticou o braço, limpando com o polegar, um traço de sorvete que se acumulou no lábio inferior do cantor. Ela levou o dedo até a própria boca, sugando o líquido e abaixou o olhar para o pote de sorvete. Naturalmente. Como se fizessem isso todos os dias.
Soube que eu precisava voltar ao quarto quando notei seus olhos se encontrando novamente.
Fechei a porta com cuidado, evitando fazer barulho para não ser notada. Eu piscava insistentemente, pois não podia chorar. Eu não ia chorar. Aquela tristeza conhecida instalava-se dentro de mim e mesmo parecendo ser uma velha amiga, eu não podia deixar ela fazer-se presente. Seria fatal para minha sanidade.
Parte de mim queria ir até lá, quebrar todo aquele clima que tinha se instalado ali. Mas a outra parte de mim, (a parte boazinha) sabia que quando tinha que acontecer, até os ventos sopravam a favor.
Eu acabaria sendo mais uma peça descartável naquela história.
A noite fria e meu coração machucado fizerem encolher-me mais na cama, cobrindo-me quase que completamente. Queria sumir do mundo por alguns minutos. Estava magoada, triste, com raiva e com o ego ferido. E para piorar, o sono tinha se esvaído completamente. Justo agora que eu precisava ficar fora de ar por um tempo.
Como queria voltar a dormir, procurei pelo antigo remédio, aquele que me fazia dormir instantaneamente. Engoli a cápsula sem nem tomar água e me joguei na cama.
Não conseguia entender como diabos eu tinha parado em uma outra história de amor que não era minha. Não entendia como eu tinha acabado presa em um escritório fazendo o que eu odiava. Não entendia minhas notas estarem cada vez mais baixas. Não estava entendendo como, em um minuto, eu estava na casa de , com ele inteiramente para mim. E no outro minuto, eu tinha voltado a ser uma garota solitária e bagunçada, a coadjuvante. Então, algo triste aconteceu: Eu desisti de novo.
Só que dessa vez de algo maior que uma simples vontade. Desistir de algo mais forte que eu seria fatigante.
No dia seguinte, acordei grogue, tão zonza que devo ter passado quarenta minutos sentada na beira da cama, tentando entender que eu era uma pessoa. Comecei a pensar em como o dia anterior tinha sido um grande borrão e eu sentia que tinha tido um pesadelo. Encarei a caixinha azul em meu criado mudo, a faixa preta em volta do medicamento quase gritava comigo. Bati a mão na testa várias vezes.
Burra, burra! Eu era uma garota estúpida! Preferia passar por maus bocados e prejudicar minha própria saúde, do que lidar de forma racional e madura com meus problemas.
Eu tinha entrado em piloto automático. Com muita dificuldade, consegui tomar banho e arrumar-me para o trabalho. Passar o dia no jornal ouvindo o diretor gritar comigo por conta da perda de papéis do dia anterior fora mais fácil do que pensei.
Os efeitos do remédio ainda estavam pelo meu corpo, deixando-me anestesiada. Perder aqueles malditos papéis acabou atrapalhando o trabalho de todo mundo e acabei sendo hostilizada e ignorada pelo resto do dia. Ainda tive que aguentar a arrogância e o desdém do babaca de Ronald Mayer.
Quase suspirei de alívio quando Ray me mandou ir embora mais cedo novamente, mas minha respiração travou e minha cabeça quase explodiu quando eu lembrei que teria que ir para a universidade lidar com o Conselho, que queria minha cabeça numa bandeja e todo o dinheiro investido em mim de volta.
Acontece que a minha faculdade era patrocinada pelo governo e quando eu não atingi as médias altas, agora eu era perda de tempo para eles, desnecessária. Agora o Conselho me pedia explicações do porquê da queda no meu desempenho e eu não sabia como me defender. Não sabia como dizer que eu não tinha mais interesses, motivos e vontades.
Eu sentia meu estômago revirar, estava com muita ânsia, minhas mãos tremiam e eu sentia como se tivessem pedras gigantes dentro dos meus bolsos. Tentei esperar minha respiração normalizar para ir, mas quando percebi que nada iria mudar, liguei o carro e saí mesmo assim.
No meio do caminho, eu vi meu pai. Gritava no banco de trás, mandando-me olhar para frente. Ao seu lado, minha mãe chorava e dizia que sentia minha falta. Quando virei para frente, subitamente, já não estava mais a avenida, apenas um policial covarde levantando a mão para me bater. A bofetada dele doeu pelo meu corpo inteiro.
Então, entre a gravação da melodia de uma música inacabada de e alguma canção do Radiohead, senti minha cabeça pesar abruptamente. Então, eu apaguei.
Cameron e Dana decidiram ser parceiros em três projetos: Dois fotográficos e um audiovisual. Os dois primeiros estavam quase prontos, o terceiro, e o mais complicado, seria trabalhado naquela tarde mesmo, mas Cam estava quase uma hora atrasado e ele quase nunca se atrasava. Dana sabia que havia algo errado, mas não pôde evitar sentir raiva. Aquele dia já estava sendo um dia infernal e mal havia começado.
– Eu sei, Dizzy. Mil desculpas, de verdade. Juro que explico tudo quando eu chegar. – Ele parecia mesmo estar chateado, então Dana achou melhor não duvidar.
– O estúdio está fechado, não tem como esperar você aqui! – Olhou em volta, vendo todos pegarem suas bolsas e saírem para o almoço mais cedo, devido a uma manutenção interna.
– Tem como você ir para a minha casa? As fotos estão lá mesmo. – Sugeriu, quase arrancando seus próprios cabelos, vendo um trânsito infernal se formar na 10ª avenida.
Era quase horário de almoço, era normal o acúmulo de carros naquele horário. Mas após perceber que nenhum carro havia se movido, Cam achou melhor olhar no celular, para tentar entender o porquê de o trânsito estar completamente parado.
Segundo um aplicativo, havia acontecido um acidente de carro no início da 10ª, próximo de onde ele estava. Cameron suspirou e não pensou duas vezes antes de entrar em uma rua alternativa para tentar facilitar sua chegada em casa.
– Mas... – A morena tentou refutar, mas foi interrompida pela voz abatida de Cam.
– Eu já estou no caminho de casa, chego logo! – Cameron largou a mão na buzina quando um carro tentou cortá-lo. Já não bastava a noite terrível que tivera, agora tinha que lidar com babacas que claramente compraram a carteira de motorista.
– Tudo bem! – Cedeu, não tinha nada a perder. O dia não estava ruim apenas para Dana, ela notou. Todos estavam lidando com altas doses de estresse naquele dia. Eles só não sabiam que iria piorar. – Como eu vou entrar?
– Tem uma chave reserva debaixo do tapete da entrada. – Informou.
– Ok, você não tem cachorro? – Dana perguntou, preocupada.
– Não. Quer dizer, eu tenho o . – Respondeu, rindo e fazendo-a rir também, mas ela sabia que estava longe de ser o tipo de cara que pode ser chamado de cachorro. Despediu-se de Cam e fez seu caminho até sua moto.
Já fazia um tempo que Dana vinha tendo a sensação de que estava ocupando um espaço maior que o necessário em seus pensamentos. Desde então, sentia-se incomodada com ele. Exceto, na noite passada.
Ela só estava tomando seu sorvete de chocolate tranquilamente, pensando em como o dia seguinte seria corrido, mas assim que ela o viu saindo sorrateiramente do quarto de Julie, não conseguiu não fazer piada. Deveria ser só isso. Eles dariam umas risadas, desejariam boa noite e cada um para o seu canto. Certo? Por educação, ela ofereceu o sorvete. Talvez também por educação, ele aceitou.
Após ficarem uns bons segundos em silêncio, iniciou-se uma conversa cheia de risos, intimidade e até alguns flertes. Era inevitável, era um cara lindo, agradável, engraçado e fazia tempo desde que Dizzy tivera uma conversa tão boa. Aquela conversa baixinha, sobre assuntos meio sérios, mas com algumas piadas. Conversa com compreensão.
Conversa olho no olho. Todos os caras que ela conversava nos últimos tempos pareciam tão superficiais, exceto , agora ela sabia.
Geralmente, Julie era a única que Dana conseguia entrar nesse tipo de conversa profunda. Quis se estapear quando percebeu que estava dando em cima do cara que tinha acabado de sair de uma provável transa com sua melhor amiga. Em um dado momento, ficaram em silêncio, apenas se encarando ocasionalmente. E a gota de chocolate ali, pendurada no lábio dele. Dizzy não sabe o que deu nela para ter a coragem e audácia de limpá-lo e ainda levar seu dedo a própria boca.
Fora o contato mais íntimo que tivera com o cantor, e ao notar o olhar surpreso dele e a dimensão do que estava fazendo, ficou nervosa. Desviou o olhar, tentou brincar, mas o estrago estava feito.
Ela havia criado um clima.
Deu a desculpa que já estava tarde e quase expulsou o coitado do apartamento. E ele, com toda sua educação e carisma, apenas sorriu em compreensão e deu-lhe um beijo na testa.
Seria tão melhor e mais fácil se ele fosse um babaca.
Precisava acabar com isso, antes que sua impulsividade falasse mais alto. Era bem verdade que desde o aniversário de , Dana vinha olhando para o rapaz com outros olhos. Não sabia bem o que era, mas sempre queria estar perto dele, sempre queria chamar sua atenção. Amava quando o rapaz lhe dava toda a atenção do mundo, como no dia na praia, em que percebeu uma Dana mais quieta e parou de beber e conversar com todos para perguntar o que lhe afligia.
Dana, talvez, ainda estivesse sentida por toda a discussão com o pai, mas a mão de no ombro dela, acariciando-a enquanto a garota desabafava, fez uma diferença e causou uma mudança de sentimentos inesperada nela.
Quando chegou até a casa de Cam, Tomanzio estava decidida a ignorar qualquer pseudo sentimento que ela poderia estar tendo por . E seria até fácil, se o mesmo não estivesse deitado no sofá de Cameron, assistindo TV. Sem camisa. Rindo do Bob Esponja.
Ela pigarreou. Não para chamar atenção dele, mas porque sua garganta tinha ficado completamente seca naquele segundo. Ele a olhou, assustado por uns segundos, mas depois abriu um sorriso, aquele sorriso.
– Oi, Dizzy. – Sentou-se no sofá e diminuiu o volume da TV, olhando-a. – O que você está fazendo aqui?
– Eu vim... Trabalho. Cam. – Ele soltou uma risadinha e ela se sentiu estúpida por ter engasgado. Dana nunca se engasgava, não gaguejava, não se sentia envergonhada. Ela odiou sentir isso, olhar para alguém e se sentir nervosa não era algo que ela queria. Devia ser o contrário. Era como sempre acontecia, afinal. – Ele não me disse que você estava aqui.
– Ele provavelmente acha que eu já não estou mais aqui. – Ela se aproximou e se sentou no sofá, mesmo que seu inconsciente estivesse dizendo para não fazer isso.
– Ou ele disse e eu não entendi. – Riu, lembrando de Cam falando sobre cachorros e citando . – Está fazendo o quê? Espera, eu sei o que você está fazendo... Você entendeu. – Dana enrolou-se com suas próprias palavras, acabou ficando ainda mais envergonhada. Jogou a bolsa do seu lado e aproximou-se ainda mais de . Sua consciência parecia gritar "saia daí agora".
Dana ignorou sua consciência.
– Cam tem pacote de canais infantis e eu não. Logo, aqui estou. – Apontou para a TV, onde ainda passava Bob Esponja. Dana achou fofo que ele parecia meio envergonhado. Ela só não sabia se era por causa do Bob Esponja ou por causa dela. Esperava que fosse por causa dela. Deu uma olhada rápida para a TV, mas ela não estava interessada na ganância de Seu Sirigueijo.
Ela tinha a própria ganância para lidar agora.
– Tudo bem? Como foi no trabalho hoje? – Perguntou, diminuindo o volume da TV e voltando toda a sua atenção a ela.
Dana ouviu fazer a mesma pergunta para Julie a alguns dias atrás e até ousou pensar que ele poderia vê-la do mesmo jeito que via Julie. Sua mente dizia que aquilo não era nada demais, que era apenas educado, mas o seu coração...
Não conseguiu evitar colocar-se no lugar de Julie por alguns segundos, sua mente trabalhou rápido demais.
E se fosse ela quem beijasse naquela noite no Carté? Ele a levaria para jantar na beira do rio? Ficaria acariciando sua perna e colocaria o braço em seus ombros por puro costume?
Será que a relação de e Julie era real? Será que eles realmente se gostavam ou só gostavam de curtir um com o outro? Era uma das maiores curiosidade de Dana. Ela via os raros beijos que os dois compartilhavam quando não estavam entre amigos, eram leves e dóceis. Via o carinho que sentia por Julie, via o cuidado que ele tinha com ela. Mas e quando estavam?
Quem eram Julieta Young e quando estavam sozinhos?
, sempre tão atencioso, devia escutar com prazer cada palavra que Julie falava. Ou então, , sempre tão carinhoso, também poderia ser o motivo de estarem sempre no quarto. Pedindo perdão pelo termo, senhoras e senhores, mas a curiosidade é foda. O problema é ainda maior quando a curiosidade e o desejo estão de mãos dadas.
Dizzy entrou em um grande conflito interno. A última vez que tinha ficado tão confusa foi com Mitch, o fotógrafo, seu último relacionamento sério. Razão e coração brigavam insistentemente.
O rapaz nunca tinha expressado segundas intenções com ela. Sempre fora respeitoso e gentil, talvez por isso ela estivesse confundindo as coisas. Ponto para a razão.
Mas ele a olhava de uma forma diferente. Toda mulher sente quando um homem a olha diferente. Ponto para o coração.
Ele tinha um relacionamento com a melhor amiga dela. Ponto para a razão.
Ele estava especialmente mais bonito naquele dia. Ponto para o coração. Ele correspondia seus olhares prolongados. Ponto para o coração.
– Me desculpa. – As palavras saíram da boca de Dana em um sopro.
Era isso. 3x2. Se a luta continuasse, a razão tinha mais chances de ganhar e Dana sabia disso. Então, decidiu parar com a luta enquanto seu time, (o coração), estava ganhando.
– Ok... Pelo que, exatamente? – Questionou, franzindo a testa.
– Pelo que vou fazer agora.
E então, com toda a impulsividade e atitude que só uma ariana pode ter, o beijou. Bom... Tentou. Encostou os lábios nos dele, apressada, mas sentiu o corpo dele se retrair e ela se afastou.
A consciência gritava, o coração batia desenfreado. Os olhos confusos de encontraram os olhos castanhos de Dana. Os olhos dele mudaram de direção e passou muito tempo olhando para os lábios dela e ela já estava enlouquecendo com as possibilidades. Ele a olhava muito.
O que ela devia fazer? Beijava ele de novo? Deixava-o tomar alguma iniciativa? Pegava suas coisas e saia dali o mais rápido possível?
– Dana... – Ele iniciou, mas logo foi interrompido.
– Eu pedi desculpas! – Justificou-se antes de ouvir qualquer reclamação. – A gente pode ignorar o que aconteceu, se você quiser. Ou... Sei lá, tentar de novo... Se você quiser.
Já nem tinha mais consciência do que estava falando. Tudo que vinha em sua mente, logo era despejado por sua boca. Ele gaguejou, também não parecia estar pensando muito bem, não conseguia parar de olhar para os lábios dela. Ela não sabia se ele estava hipnotizado com seus lábios ou estava indignado demais para se mexer. Ainda estavam tão próximos, por que não tentar de novo?
Então, Dana, com toda sua confiança e atitude, tentou de novo.
Encostou os lábios nos dele de novo. Dessa vez, foi mais suave e durou três segundos. Foi o quanto custou a dignidade de Dana. Pouco para sentir mais dos lábios macios de , mas o suficiente para bagunçar ainda mais a cabeça da garota. Também foi o suficiente para despertá-lo.
– Dizzy, espera... – A afastou gentilmente pelo ombro, completamente sem jeito. Suspeitava que seu rosto estava prestes a explodir devido a grande quantidade de sangue que estava concentrado lá.
– Ah, meu Deus! O que eu fiz? – A consciência decidiu sair para brincar, deixando-a imediata e irrevogavelmente envergonhada por suas atitudes.
– Calma. – Enunciou, porém, ele mesmo não parecia nem um pouco calmo. As bochechas estavam extremamente coradas e ele mexia incessantemente no próprio cabelo.
– Você deve estar achando que eu sou maluca. Deve achar que eu sou uma vadia, traidora, você...
– Dana, para! – Ele a interrompeu, falando forte, quase como se estivesse ficando irritado. – O que foi isso? Por que?
– E-eu... Eu não sei. Desculpa! – Ela sabia, mas desde que ele não a beijou de volta, achou melhor não compartilhar seus pensamentos. Não estava nem um pouco acostumada a lidar com rejeições.
– Eu estou com a Julie. – não parecia muito certo do que estava falando, talvez nem ele soubesse o próprio status de relacionamento.
– Eu sei disso. – Dana choramingou, jogando todo o cabelo para trás, nervosa.
– Eu acho melhor a gente...
– Esquecer que isso aconteceu? – Ele apenas assentiu, mas como Dana poderia concordar com essa opção se ele não parava de olhar para os lábios dela.
Dana achava que estava confusa, até ver que confusão mesmo era o que se passava nos olhos dele, pois ela sabia muito bem o que queria. Ele desviou o olhar, levou as mãos até o cabelo e o bagunçou. Dana se perguntou quantas vezes Julie já tinha bagunçado aquele cabelo, se perguntou se ele já tinha recusado algum beijo dela.
– , me desculpe de verdade. Se você quiser, eu posso falar com a Julie e dizer que eu fiz merda. – Sugeriu, sentindo a adrenalina ir embora, dando lugar a mais pura vergonha. – "Posso", não. Eu vou falar com ela!
Beijou o namorado (?) da sua melhor amiga. E ela nem tinha certeza dos sentimentos de Julie, não sabia se ela quebraria sua cara ou simplesmente não ligaria. Julieta quase nunca demonstrava o que sentia e podia ser bem imprevisível quando queria. Mas ela sabia que isso não era desculpa para nada.
Tinha errado, e feio! Sentia que tinha traído todos os seus amigos no momento que tinha dado a vitória ao seu inconsequente coração.
– Dizzy, eu... Preciso saber o porquê! – Expressou, ainda nervoso com tudo o que havia acabado de acontecer.
– Isso é importante? – Perguntou. Ela sentiu o seu coração, abatido pela luta, acordar.
– Talvez... – Deu de ombros, desviando o olhar e apoiando o cotovelo nos joelhos.
O silêncio instalou-se na sala. Cada um com seus pensamentos e dúvidas. Dana não sabia como explicar algo que nem ela entendia e não entendia porque ele precisava entender alguma coisa. Ela sentia que seus corpos chamavam um pelo outro, mas toda a moralidade e circunstâncias não deixava que eles se aproximassem.
Dana só queria que a beijasse do jeito que beijava Julie. Queria que ele saísse do seu quarto no meio da madrugada. Queria dormir na casa dele, queria ter aquela maldita troca de olhares que ele tinha com Julie.
– Eu preciso ir. Não quero atrapalhar seu trabalho com Cam. – Ele nem deu tempo a ela de se manifestar. Saiu em disparada, subindo as escadas. Ela jogou-se no sofá, sem ligar para a postura. Esfregando o rosto com as mãos, pouco se importando de manchar a maquiagem.
"O que eu tô fazendo?" Murmurou para si mesma. Ficou alguns minutos refletindo sobre o que tinha acabado de acontecer. Tudo aconteceu rápido, parecia um borrão em sua mente e se perguntou se estava fazendo o mesmo, já que ele ainda não tinha descido.
Antes que pudesse entrar em pânico, a voz urgente de Cam pedindo desculpas tirou-a de suas análises e cismas contraditórias, fazendo-a perceber o rapaz entrando afobado pela porta da frente.
– Sem problemas. O que aconteceu? – Perguntou, abatida, sem realmente querer saber a resposta.
Só queria fazer seu trabalho e sair daquela casa. Queria se trancar em seu quarto e repassar cada detalhe do que tinha acontecido ali. Não queria esquecer o breve gosto dos lábios de , mas queria esquecer para sempre a rejeição dele.
– O estúdio da HN pegou fogo. – Contou, jogando sua mochila no sofá e dando-lhe um abraço rápido.
– O que? Você estava lá? – Perguntou, preocupada e surpresa, já que não vira nenhuma notícia sobre isso.
– Não! Não tinha ninguém, mas tinham coisas minhas lá. Aí eu tive que ir fazer milhões de backup, estava cheio de bombeiros, foi uma confusão. – Cam jogou-se no sofá, apoiando a cabeça no encosto do objeto. – Para piorar, o trânsito estava caótico!
– Caramba! Ninguém se machucou? – Questionou, pensando em alguns amigos que também trabalhavam no estúdio.
– Eu acho que não, foi no último andar. Ei, ainda está aqui? – Perguntou, apontando para a TV.
Dana sorriu ao ver o Bob Esponja ainda na tela. Nunca mais conseguiria ver o desenho sem lembrar de .
– Já estou de saída. – anunciou, descendo as escadas. Dana tentou ler sua expressão para saber se ele estava com raiva ou qualquer outra coisa, mas era pura neutralidade.
– Espera, eu preciso contar uma coisa. – Cam avisou, mas não parecia feliz. – Eu e Nicole terminamos. Quer dizer, ela terminou comigo.
– Terminou? – indagou, surpreso. – A garota que quase te pediu em casamento uns meses atrás?
– Acho que ela está com outra pessoa. – Cam revelou, suspirando.
– Por que você acha isso? – Dana perguntou.
Estava mesmo tentando prestar atenção na recente decepção amorosa do amigo, mas seus olhos a traiam e sempre procuravam por . Queria flagrá-lo olhando para ela, mas o olhar dele não abandonou o rosto de Cameron desde o início da conversa.
– Intuição. – Deu de ombros. Cam era extremamente observador e perspicaz, não foi difícil perceber quando a namorada começou a se distanciar dele e aproximar-se demais do celular. Das mensagens no Instagram, para ser mais exato. – E é ridículo, sabe? Se ela estava curtindo outra pessoa, por que não me falou logo?
Foi como se Cameron estivesse dando um soco em e Dana. As situações não eram similares, mas a escolha de palavra do rapaz deixou os dois amigos cobertos de vergonha e receio.
– Talvez não seja isso, talvez ela só não quisesse mais namorar. Ou só está confusa demais... – Dana tentou amenizar a raiva aparente de Cam. Queria fazê-lo entender que as coisas nem sempre saem como o planejado. – São anos de namoro, Cam. As coisas não podem acabar assim.
– A gente conversava sobre tudo, nunca tivemos reservas. Se ela fosse honesta, eu não ficaria com raiva. Pelo contrário, ficaria até mais satisfeito. – Explicou, sentindo toda a mágoa e chateação de volta. Quando Nicky pediu para conversar na noite passada, não foi difícil de descobrir o que viria a seguir. – Significa que tudo o que vivemos tinha validade, sabe?
– Talvez ela não soubesse, Cam. As pessoas têm o direito de ficarem confusas, oras. – Dana tentou de novo, o rosto retorcido em uma careta.
O momento estava irônico demais e Dana já estava sentindo seu corpo tremer de nervoso. Esperou que comentasse algo para acalentar Cam, mas ele não falou nada.
Apenas olhava o amigo com pesar e balançava a cabeça negativamente. A morena percebeu que queria falar algo sobre, mas não na frente dela. Talvez quisesse falar em particular com o amigo ou estava recriminando-a por tentar apaziguar as coisas.
– Eu não sei, ainda não tive tempo de analisar nada, nem sofrer. Eu nem sei se estou triste ou com raiva. Hoje o meu dia está uma bagunça! Eu preciso da Julie, daquele saco de areia que ela tem e vodca, muita vodca. – A menção do nome de Julie estremeceu e Dana. E ambos pensaram o mesmo.
Precisavam de Julieta.
Ficaram conversando por alguns minutos na sala. Dana incomodada, parecendo não ligar para nada que não fosse a história de Cameron e o mesmo falava pelos cotovelos.
Até que o barulho estridente do celular de Dana os interrompeu. Procurou o celular na bolsa rapidamente e franziu a testa ao ver o nome e a foto de Julie. Ela não costumava ligar, muito menos naquele horário. Mostrou a tela do celular para ambos, quase envergonhada. sentiu seu peito apertar e sorriu levemente quando viu a foto de Julie na tela. A foto parecia antiga, já que o cabelo dela não estava tão longo e escuro assim.
– Oi, Cam falou de você ainda agora mesmo, acredita?
Atendeu a ligação sorrindo, mas sentiu o mundo parar quando ouviu a voz de uma pessoa estranha perguntar se aquela era Dana Tomanzio, o contato de emergência de Julieta Young.
– Sim, sou eu. – A voz de Dana quase não saiu e ela repetiu para ter certeza de que a voz do outro lado da linha tinha entendido.
A feição séria e a fala da morena fizeram e Cameron atentarem-se a conversar imediatamente. As palavras que vieram a seguir fraquejaram as pernas de Dana, que instantânea e irracionalmente, agarrou o braço de Cam, precisando apoiar-se em algo, mesmo que estivesse sentada. Ouvia os dois amigos perguntarem o que tinha acontecido, parecendo tão preocupados quanto, mas agora ela já era outra pessoa. Já não era mais Dana cheia de malícia e vontades proibidas, agora ela era pura preocupação, arrependimento e apreensão.
– Eu vou, e-estou indo agora. Ela está bem, não está? – Dana perguntou.
As lembranças do dia em que vira a amiga apanhando de um policial inundaram sua mente. Nunca esquecera da cena e nem como se sentira ao vê-la sendo agredida. Não suportava ver sua amiga machucada, era pequena demais para lidar com toda a agressividade que o mundo a tratava.
A pergunta de Dana deixou Cam e em alerta, entreolharam-se, sabendo que nada de bom viria daquela ligação. A voz quase robótica, que Dana acreditou ser de algum socorrista, apenas pediu para ela dirigir-se até o Hospital Geral e desligou.
– O que aconteceu? – Cam perguntou, apressado, mas não obteve resposta.
Dana estava concentrada em se manter calma. Não podia enlouquecer, não agora em que tinha que lidar com essa situação que mais parecia ter saído de uma telenovela mexicana. Beijou o namorado da melhor amiga e parece que o universo sabia exatamente como puni-la.
– Dana! O que aconteceu? Foi alguma coisa com a Julie? – perguntou, falando mais alto para tirar Dana do seu transe.
– Era de um hospital, eu acho. – Tentou responder, mas sentia-se atarantada. – Parece que Julie sofreu um acidente de carro e eu preciso ir ao Hospital Geral.
– Puta merda! Vamos para lá agora! Ela está bem? Acordada? – Cameron puxava seus cabelos castanhos para trás, não acreditando que aquilo estava acontecendo.
Sua mente trabalhou rapidamente, juntando todas as informações, só conseguia pensar na probabilidade do acidente que ele tinha amaldiçoado naquele dia ter sido com Julie. Dana fora bombardeada com perguntas, as mesmas que ela se fazia, enquanto procurava as chaves da moto em sua bolsa.
O chão debaixo de parecia se mover e as paredes pareciam mais próximas, mas ele não se descontrolou. Simplesmente puxou as chaves do carro da mão de Cam e saiu da casa, deixando todos para trás.
– Espera... Eles não me falaram se ela está bem, será que...? Eles falariam, não é? Se algo pior... – Dana não conseguia completar a frase, não conseguia se mover.
Sabia que até alguns minutos atrás estava sendo uma filha da puta egoísta, mas a ideia de Julie machucada a deixou sem chão, sentia que ia desmaiar a qualquer momento.
– Dizzy, olha para mim! Não dá para surtar agora. – , que já estava quase no carro de Cam, voltou até a porta e segurou o rosto de Dana entre suas mãos, olhando nos olhos marejados dela. – Ela está bem. Tem que estar!
– Tem que estar! – Cameron aproximou-se, puxando Dizzy pela mão e guiando a garota até o carro. Dana assentiu, sentindo seu rosto ainda queimar com o toque de , mas seu interior explodir de preocupação.
Nunca sentiu tanta vergonha e raiva de si mesma. E a certeza que não devia ter saído da cama naquele dia. Dana não era egoísta, não era má. Estava apenas confusa. Nunca faria mal á Julie conscientemente. Amava a garota.
Dana costumava dizer que tinha problemas com seus progenitores, não com sua família. Porque Julieta era sua família. Ela era tudo o que importava para ela. Tudo o que aprendeu e a maioria de suas qualidades foram exaltadas e descobertas pela amiga. Ela nunca confiou em si mesma, achava-se a pessoa mais desnecessária do mundo, até conhecer Julie.
Só de pensar que podia magoá-la por conta de um ato impulsivo, causava-lhe uma dor quase física.
Pisquei várias vezes até sentir minha visão clarear. Era terrível acordar desorientada e em um lugar desconhecido. Sentia muita sede e agonia na minha mão direita. Procurei pela fonte da pulsação e ardência no meu membro e franzi o cenho ao encontrar minha mão completamente enfaixada e imobilizada.
Olhei em volta de mim mesma. O branco intenso das paredes, os aparelhos de monitorização, os leitos vazios ao meu lado e todo aquele clima hospitalar deixou-me apreensiva e logo minha visão começou a falhar novamente. Dessa vez, porém, eu sentia que eram apenas lágrimas. O cheiro de éter me dava vontade de espirrar, mas fazer isso parecia tão dolorido.
Eu só rezava para que não fosse um hospital psiquiátrico, porque sair de um era, no mínimo, difícil. Fiquei encarando o teto, sem estar realmente pensando em algo. Minha mente era um emaranhado de confusão e se eu tentasse entender algo, provavelmente enlouqueceria.
– Julieta? – Uma mulher de voz aveludada chamou-me suavemente. Atravessou o quarto até chegar ao lado da minha maca. Ela vestia um jaleco e estava com uma prancheta em mãos. Um homem de cabelos enrolados seguia atrás da mulher, entretanto, suas vestimentas eram diferentes. Supus que ele era enfermeiro e ela devia ser médica. Eu não havia notado a presença deles até aquele momento. – Oi! Como você está se sentindo?
– Não c-onsig... – Tentei falar, mas a minha garganta seca não me possibilitou.
– Vou pegar um pouco de água para você. – O homem se prontificou.
– Julieta, você está no Hospital Geral. Sofreu um acidente de carro, lembra disso? – Assenti. Não lembrava, mas quando ela explicou, pareceu fazer sentido. – Você está na UTI, mas ia ser transferida para um quarto na enfermaria nesse exato momento.
Tentei organizar minhas ideias enquanto o enfermeiro me dava água. Fora extremamente cuidadoso comigo, usou um canudinho e limpou minha boca quando eu perdi o controle e acabei me molhando.
– Obrigado, você é gentil. – Agradeci, forçando minha garganta.
– Ele é mesmo. – A mulher comentou, de cabeça baixa – mas ainda era possível ver um leve sorriso – anotando algo na prancheta. Quando notou o silêncio, ela levantou a cabeça, nos olhando. Eu e o enfermeiro ostentávamos sorrisos tortos por conta da sua sinceridade impulsiva. As bochechas dela adquiriram um tom rosado e ela pigarrou com força. – Pode ir levando-a para o quarto, eu termino as coisas por aqui.
Distanciou-se, parecendo envergonhada. Olhei para o homem ao meu lado, que ainda a olhava, não sorria, mas eu podia jurar que seus olhos estavam brilhando. Elas realmente estão em todos os lugares, as histórias de amor.
– Ela gosta de você. – Murmurei, rouca.
– Você acha? – Olhou para mim, esperançoso. Ergui uma sobrancelha, achando uma graça sua insegurança. Me lembrava . Pareceu ficar envergonhado e começou a mexer na maca e nos fios presos em mim. – Q-quer dizer, isso não é...
– Vocês ainda vão ficar juntos, relaxa. – Comentei. Começou a mover a maca pela porta a fora e eu fui ficando subitamente atordoada e agoniada com os pontos doloridos no meu corpo.
– Como sabe? Você é um tipo de guru? – Brincou, dobrando em um corredor.
No corredor havia uma parede de vidro, onde era possível que eu visse o outro lado da recepção. Vi Cameron, de pé, falava no celular, parecendo frustrado. Seus olhos perceberam os meus e ele me olhou, sorrindo abertamente. Tentei sorrir de volta, mas meu rosto doeu demais e eu me perguntei como minha face estava.
Olhei para o pequeno sofá ao lado da porta de um quarto onde Dana e estavam sentados. Ele estava com um braço em volta dela e ela estava com a cabeça baixa, apoiada na mão. Conversavam baixinho e pareciam amuados e próximos demais.
– Não.... – Sentindo todo aquele desgosto de volta ao ver e Dana juntos, expirei fortemente. – Tenho experiência no assunto.
Cam exclamou algo que fez Dana e finalmente saírem de seu mundinho e perceberem que eu estava passando por ali.
Acompanharam o meu caminho pelo outro lado do vidro, até chegarmos todos juntos em um pequeno quarto.
– Quase nos matou de preocupação! – Cameron foi o primeiro a se pronunciar. O enfermeiro terminou de me arrumar no leito, conectando acessos em mim e passando algumas informações.
– Julie! – Dana correu para o meu lado, segurando minha mão não enfaixada, parecendo muito aflita. também veio para o meu lado e beijou minha bochecha demoradamente.
Fechei os olhos, lembrando da noite passada, isso fez com que eu me sentisse sozinha, que me lembrou o quanto eu me senti sozinha no jornal, que me lembrou que eu havia perdido a reunião com o Conselho, que me lembrou todas as coisas erradas que eu tinha feito.
Logo, eles começaram a perguntar várias coisas que eu não soube responder. Eu não lembrava de muita coisa depois de ter saído de casa, porém, as lembranças de meus pais e do policial ainda eram reais e vivas demais em minha memória. Se eu não tivesse tanta certeza de que estava sozinha naquele carro, provavelmente estaria com medo de estar perdendo minha sanidade.
Antes que eu abrisse a boca para responder algo, a médica entrou no quarto e se dirigiu até mim. Enquanto ela tentava chegar até mim, acabou esbarrando no enfermeiro – cujo nome eu ainda não sabia – e eles se entreolharam, sorrindo, tímidos. Sorri de lado ao notar a situação em minha frente.
– Boa noite! – Ela cumprimentou as outras pessoas no quarto. Noite!? A quanto tempo eu estava nesse hospital?
– Se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, você pede para me chamarem, ok, senhorita Young? Meu nome é Ed. – O enfermeiro enunciou, sorrindo para mim. Ele realmente era um amor. Agradeci, trocamos uma piscadela quando ele passou pela médica e ela sorriu abertamente para ele.
– Desculpem por não ter vindo antes. – Ela se desculpou, verificando meu soro e anotando algo em sua prancheta.
– Pode nos explicar o que aconteceu? Ninguém nos disse nada desde a tarde. – Dana reclamou por alto, aflita, sem se direcionar apenas a uma pessoa. – A última informação que tive foi o horário da cirurgia.
– Eu também ainda não sei o que aconteceu. – Admiti. Minha voz ainda rouca mostrou o quanto eu precisava de água.
Cirurgia?! Que grande merda eu havia me metido!
– Você bateu em um poste na décima avenida. O airbag do carro protegeu você de lesões maiores, porém, causou os hematomas e a dor que você provavelmente está sentindo no seu tronco. – Ela virou-se para mim, explicando tudo. – Foi preciso fazer uma pequena cirurgia na sua mão direita, como você já deve ter percebido. Você torceu a mão e houve fraturas expostas nos seus dedos mindinho, anelar e o do meio. Você provavelmente vai ter que passar por algumas sessões de fisioterapia para recuperar 100% a mobilidade. Os ferimentos do seu rosto vão sumir logo e pode ser que você sinta dor no pescoço, mas apenas por conta do impacto.
Assenti de leve. Tentei lidar com as várias informações que o médico me passava, mas eu só conseguia pensar se o meu seguro cobria a cirurgia que foi feita. Minhas preocupações financeiras ficaram para trás quando a médica chamou minha atenção de novo.
– Agora... Julieta, preciso que você seja sincera comigo, tudo bem? Eu estou aqui para lhe ajudar. – Rolei os olhos, já sabendo o que a mulher loira iria falar. A minha vontade era expulsar todos do quarto. Não queria que ninguém soubesse de nada, mas sabia que ia ser inútil. – Nosso procedimento padrão é fazer alguns testes toxicológicos e você não tinha álcool no seu sangue, em compensação, sua taxa de Metilfenidato está altíssima. Você toma algum remédio ou usa algum tipo de droga?
– Voltei a usar remédios nos últimos dias. Não entendo muito bem o que eles têm a ver com isso. Eu tomava antes normalmente. – Senti todos me encarando. Alguns curiosos, outros me encaravam ferozmente. Algo me diz que esse alguém era Dana.
Se antes eu não queria que a médica falasse na frente de todos, agora eu preferia que ela nunca saísse do quarto. Poucas coisas deixavam Dizzy tão enraivecida e indignada quanto esconder coisas dela.
– Às vezes acontece do remédio simplesmente não servir mais para você. Isso pode ter sido a causa da sua perda da direção, você talvez tenha desmaiado. Você lembra de alguma coisa? – Explicou pacientemente, olhando-me com aqueles olhos piedosos, como se eu fosse uma viciada. Neguei com a cabeça. – Algo como... Alucinações? – Questionou novamente e eu apenas confirmei com a cabeça, não querendo dar muitos detalhes.
Pela visão periférica, pude ver as feições de meus amigos. Cam e pareciam surpresos e preocupados. E Dana estava furiosa! Estava de braços cruzados, coma feição dura e respirava profundamente.
– Você vai ter que passar a noite aqui, se desintoxicando mais um pouquinho, tudo bem? – Avisou e eu assenti. Mais uma vez, me questionei sobre meu seguro e como aquilo tudo estava sendo pago. – Não quero que você se preocupe, mas a polícia está aí querendo esclarecer algumas coisas com você e um agente de trânsito para saber do carro.
– Eu posso cuidar do carro para você. – Cam se ofereceu e eu agradeci. Nem sabia o que teria que fazer, só estava bem pensando em como meu carro estava e como eu iria pagar por tudo aquilo.
– E um psicólogo vem falar com você também, espero que você entenda que isso é importante. – A médica exprimiu, lançando-me aquele olhar.
O olhar que as pessoas te dão quando acham que você é doente, o olhar de pena que eles te dão quando acham que você perdeu o controle de si mesmo. O olhar que eu esperava não encontrar em e Cameron.
O olhar que eu tinha certeza de que não era o de Dizzy.
A médica logo se retirou após passar algumas informações para Dana, minha acompanhante oficial. Cam foi logo atrás, escutando as instruções da médica jovem demais, que aparentava não passar dos 40 anos.
Quase agarrei no jaleco da loira e nos braços de Cam para impedi-los de sair. As chances de Dizzy me matar eram menores com eles estando no mesmo recinto.
– Por que não me disse que tinha voltado a tomar remédio, Julieta? – Dana perguntou, com a expressão dura e braços cruzados.
– Não era nada demais, eu só precisava dormir um pouco. Quando eu tomava antes, ajudava a me manter calma. Foi idiotice não checar a dosagem, eu não sabia que me faria mal... – Tentei explicar.
– Meu quarto é ao lado do seu, literalmente! Custava ter ido me falar que estava com problemas? – Ela interrompeu-me.
– Não estou com problemas. – Menti, não queria piorar as coisas contando que eu já tinha passado por crises. – Foram só uns dias...
– Aquela porra é quase anfetamina, Julieta! Você quase enlouqueceu da última vez que teve que tomar isso. Não é possível que você não lembre o quão estragada você ficava com essa merda. Como você pôde ser tão ingênua? Você poderia ter se matado! Você... Não é possível que você não tenha pensado nisso! – Dana falava alto, gesticulando exageradamente, coisa que ela fazia quando ficava muito irritada.
– Não pensei! – Fui sincera. Eu realmente não achei que tudo aquilo aconteceria.
– Você foi egoísta! – O grito de Dana assustou a mim e . Eu sabia que ela estava assustada, mas a reação dela fora mais alterada do que eu pensei que seria e do que era necessário. – Você sempre faz coisas assim, eu...
– Dana! Você precisa se acalmar. – interrompeu Dizzy. Deve ter percebido meus olhos se encherem de lágrimas e que Dana estava começando a ficar fora de si. – Por que você não vai pegar um pouco de água? – Sugeriu, tentando manter a calma. Ela foi em direção a porta do quarto, quase bufando, mas eu sabia que ela só iria chorar.
– Eu só precisava estudar, que droga! – Reclamei, sentindo minha boca e garganta secas. Dana olhou-me com a expressão dura e saiu do quarto, batendo a porta do quarto com força. Olhei para , que me olhava com a expressão suave.
– Vai me brigar também? Porque se for, acho melhor deixar para depois. – Negou com a cabeça e eu desviei o olhar, virando para o outro lado assim que senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto.
– Tem muita coisa que você vai ter que me contar, mas não agora. – Limpou as lágrimas do meu rosto e se sentou ao meu lado. – Eu sabia que você não estava bem ontem.
– Que horas você precisa ir? – Perguntei sobre a viagem dele para Austin, ignorando sua última frase.
– Para onde?
– Austin. Achei que era hoje... – Recordei-me da conversa do dia anterior.
– Era, á três horas atrás! – Contou, como se não fosse algo importante.
– Você precisa ir, então? – Franzi o cenho, confusa.
– Não, vou ficar aqui com você. – Falou em um tom óbvio. Por favor, que ele não tenha feito o que eu acho que fez! – Cancelei o show, não ia sair daqui enquanto você não acordasse.
– Você é maluco! – Exclamei, desacreditada que ele tenha feito algo assim por minha causa. – Eu já acordei, você já pode ir agora!
Cancelar uma viagem, um trabalho, um show só por minha causa? Se o tal do Tom não gostava muito de mim antes, agora ele me odiaria! Parecia insano para mim ele ter feito aquilo. estava no início de sua carreira, ele não podia simplesmente cancelar shows assim.
– Agora não tem mais porquê, Julieta. Eu só ia fazer um show lá e voltar! – Retrucou, sorrindo ao ver meu rosto confuso e indignado.
– E por que você não foi fazer o show e voltou? Eu ainda estaria aqui. – Ainda estava com um pouco de dificuldade para falar, sentia meu rosto tão inchado que mal conseguia abrir a boca.
– Julieta, nada pode ser feito agora. Esquece isso, vai... – Deu de ombros. Circulou o inchaço em volta do meu olho esquerdo com o dedo indicador. – Parece que você tem um olho roxo!
– Tenho? – Tentei tocar, mas minhas mãos estavam impossibilitadas pelo gesso e pelo acesso venoso em minha outra mão.
– Sim. Está doendo? – Perguntou enquanto passeava com o dedo indicador pelas minhas maçãs do rosto.
– Você não faz ideia do quanto. – Fechei os olhos, aproveitando a paz que as mãos de se infiltrando entre meus cabelos causavam. Eu ainda estava com muito sono e minha mão incomodava muito, mas a presença dele ali parecia o suficiente para me fazer esquecer um pouco de tudo. Focar em seus olhos era mais cômodo e imediato do que apenas sentir a dor. – Obrigado por estar aqui.
– Eu nunca fiquei tão preocupado em toda a minha vida. Quer dizer, uma vez minha irmã caiu e quebrou o braço, mas nem se compara a hoje. – Confidenciou, falando baixo e aproximando-se mais de mim. – Senti que podia começar a chorar a qualquer momento.
– Ei, eu estou bem. – Sorri de leve. Tirei a mão dele dos meus cabelos e coloquei minha palma sobre a dele.
– Agora eu sei que está, mas teve um momento em que nós não tivemos notícias suas por quase uma hora. Foi assustador, eles só falavam "Ela está bem, já voltamos com mais notícias". – não olhava em meu rosto, apenas brincava com minhas unhas. Parecia quase tímido ao falar. Sua voz vulnerável me deixou com vontade de chorar. – Você precisa me prometer que nunca mais vai me assustar assim.
Não respondi, pois eu não podia prometer nada.
Os policiais logo me deixaram em paz, entenderam toda a situação e me desejaram melhoras, mas o psicólogo não ficou muito convencido que eu estava em pleno uso de minhas faculdades mentais e exigiu que eu retornasse a minhas consultas, alegando que eu não conseguiria voltar a viver normalmente sem acompanhamento.
Eu concordei plenamente com essa parte, então a ameaça do profissional dizendo que contataria a assistência social se eu não seguisse suas ordens foram desnecessárias.
Cameron foi quem cuidou do meu carro e toda a papelada do seguro. Ele contou que já tinha batido o carro várias vezes e sabia como lidar com essas coisas. Meu carro estava com a frente destruída e eu já estava lidando e aceitando a ideia de começar a andar de ônibus.
Jack, que estava fora da cidade, não descansou enquanto não me viu (viva) por meio de uma chamada de vídeo. Dana não falou comigo pelo resto da noite, mas também não saiu do meu lado.
Os três acabaram dormindo no mesmo quarto que eu. Não sei como isso foi possível, já que eu tinha quase certeza que a política do hospital não permitia. Eu insisti para que todos fossem para casa, mas fui completamente ignorada. Dana dormiu no sofá, Cam e dormiram no chão. jogou todo seu charme para cima da enfermeira para conseguir mais de um lençol. Para falar a verdade, ele passou mais tempo sentado ao meu lado do que dormindo.
Eu não estava nem ligando para a agulha enfiada no meu braço, do medicamento que passava nela que doía feito o inferno, não ligava se ia ser expulsa do hospital por causa dos três idiotas jogados no chão, se minha mão ia voltar a funcionar ou não. Agora só uma frase, dita por Cam, rodeava em minha cabeça:
"O cara do seguro disse que o carro está no nome do seu pai, ele já foi contatado".
Eu não dava nem dois dias para o meus pais chegarem na cidade, desesperados, achando que eu já estava falecida.
Eu não fazia ideia do que dizer para eles, nem se ia contar sobre os remédios. Minha mãe sempre foi muito preocupada com minha saúde mental, ela ia me fazer voltar a frequentar o psiquiatra, ia me levar a igreja e era capaz até de se mudar para morar comigo.
O segundo dia foi pior do que o primeiro. Eu estava ainda mais inchada, meu olho esquerdo estava quase fechado de tão inchado, parecia que todos os meus dedos tinham sido arrancados da minha mão e eu estava irritada demais por estar dependendo de Dana, e Cameron para tudo. Eles até criaram um sistema. Dana me ajudava no banho, me vestia e Cam me ajudava a comer, já que eu não tinha habilidade alguma com a mão esquerda.
Pela tarde, quando o celular de Dizzy tocou e ela fez uma careta, estendendo-me o aparelho, eu sabia que eram meus pais. Eu tinha mandado uma mensagem para meu pai, falando sobre o carro batido, mas Dana contou que eu estava no hospital. Claramente uma pequena vingança por ter escondido coisas dela. Fui bem sucinta na ligação e deixei claro que estava tudo bem, mas é claro que não adiantou de nada.
Quando contei como tinha acontecido, minha mãe gritou e eu ouvi uma breve discussão entre meus pais e meus irmãos. Não entendi muita coisa, mas acredito que eles estavam apenas tentando impedir minha mãe de sair de comprar uma passagem de ônibus, já que ela não andava de avião.
Passei quase uma hora no telefone com cada um deles. Patrick só queria saber se o carro estava bem, Clarissa pediu uma foto de cada parte do meu corpo (e chorou quando viu os hematomas grandes e roxos no meu peito). Meu pai me pediu um bom motivo para ele impedir a mãe de vir até mim, já que ele queria fazer o mesmo. Mas era impossível, era início de semana, o dinheiro estava escasso, o semestre estava longe de acabar e tudo que eles menos precisavam era faltar no trabalho por causa de uns dedos quebrados.
Mamãe foi a parte mais difícil. Ela chorou, brigou, pediu para conversar com Dana e passou meia hora no telefone com ela. Falou com e Cam e para ter certeza, pediu foto deles também. Deu em cima de Cam descaradamente, falou com eles por mais 10 minutos, chorou mais uma vez, queria que eu prometesse que eu não ia morrer. Até que meu pai a fez desligar pois a conta do telefone viria exorbitante.
Tive que insistir e implorar muito para os médicos do plantão, mas fui liberada do hospital um dia depois. No caminho de volta para casa, Dana me fez contar tudo o que tinha acontecido, desde o primeiro dia em que eu voltei a tomar remédios, cada detalhe dos meus dias e sobre como eu me sentia em relação a tudo. E eu contei, já que ela não ia descansar enquanto não soubesse de absolutamente tudo. Apenas omiti a parte sobre ela e estarem de romance pelas minhas costas e isso me incomodar.
Ela ficou bastante chateada com a minha omissão das coisas, perguntou se eu não confiava mais nela e coisas do tipo. Fiquei extremamente chateada por tê-la deixado chateada. Pedimos desculpas uma para a outra, apesar de ela parecer muito mais arrependida e culpada do que eu.
Desde que cheguei do hospital, passei o dia inteiro deitada no sofá. Dana preparou alguns lanches e eu insisti para que depois disso, ela fosse descansar um pouco. Algumas horas depois, chegou. Ele me ajudou a comer e depois começamos a assistir séries. Deus abençoe a Netflix.
Bocejei, acariciava as minhas têmporas, causando-me mais sono. Despertei do meu quase início de sono quando Dana saiu do quarto. Ela pareceu confusa em seguir adiante ou voltar para o quarto assim que me viu deitada nas pernas de . Ela me lançou um sorrisinho e foi em direção á geladeira, provavelmente indo preparar seu jantar.
Sou muito intuitiva em relação a absolutamente tudo na minha vida e não foi difícil sentir um clima diferente se instalar na sala.
– Ei, estamos vendo How I Met Your Mother! Aquele episódio que você gosta. – Comentei, apenas para quebrar o sentimento estranho que se instalou dentro de mim. Ela apenas sorriu e assentiu. E eu fiquei em alerta pois Dana nunca fica calada quando o assunto é How I Met Your Mother, ela sempre tem algum comentário a fazer. Na verdade, Dana não fica calada nunca.
Voltei minha atenção a TV, quer dizer, apenas fingi que voltei. Meus olhos foram chamados para o reflexo de um porta-retrato que tinha ao lado da TV e assisti o momento em que mordeu os lábios, apreensivo e virou o rosto para olhar Dizzy.
1 segundo e ele continua olhando. Na TV, Ted Mosby fala algo sobre sempre seguir sua intuição.
4 segundos, ainda vejo apenas o perfil do seu rosto pelo porta-retrato. Será que ela está olhando de volta? Eu sinto que está. Eles estão se encarando ou o que? Estão "conversando com o olhar"? O que aconteceu depois que eu apaguei? Ou foi antes? Será que aconteceu algo naquela noite?
5 segundos e ele volta a olhar para a TV.
Os trovões lá fora me assustam e eu aperto meus pés um contra o outro, sentindo o vento frio me atingir. Talvez não só o vento me atingiu.
Eu não sinto raiva deles individualmente. Sinto raiva da situação em si. Sinto raiva de sentir que algo aconteceu e eu não saber o que é. Sinto raiva por isso me atingir mais do que deveria. Sinto ciúmes, sim, mas quem não sentiria?
– Está com frio? – perguntou, tirando–me dos meus devaneios.
– Só um pouco.
– Posso pegar um cobertor, se você quiser... – Ofereceu, solícito.
– Está tudo bem, . – Respondi, meio impaciente. Não queria ser grosseira com ele, mas eu não entendia.
Se queria Dana, por que ele sempre fora tão carinhoso comigo? Por que ele simplesmente não parou de me ligar? Por que ele não a chamava para sair, ao invés de mim? Será que eu preciso deixar claro para ele que tudo bem ele se interessar por outra pessoa?
Entrei mais uma vez no dilema do "mocinho principal". Eles sempre confundem tudo e demoram pra perceber o que realmente querem. Será que esse era o caso de ? Porque, cá entre nós, eu ainda não conseguia entender como ele ainda estava comigo. Eu era um verdadeiro desastre. Não conseguia manter um relacionamento. Eu nem sabia se nós tínhamos um relacionamento. Eu só espero que não ele esteja comigo por pena. Ou talvez ele só queira uma foda fixa. Ou na melhor e pior das hipóteses, ele realmente gostava de mim.
A questão é que depois de passar três dias no hospital, dormindo em uma cama insuportavelmente dura, eu só queria minha cama. Com nela, de preferência. Então, eu resolvi que iria usar o cartão "sofri um acidente e estou frágil" naquela noite. Não hesitei em perguntar:
– Dorme aqui hoje? – E ele não hesitou ao responder.
– Você nem precisava pedir, eu ficaria de qualquer jeito.
Antes dele, eu nunca tinha chamado alguém para dormir comigo, em minha própria casa. Quase nunca tinha casos de uma noite para levar para o quarto e também não tive namorados nessa cidade. A minha parte maldosa esperava que Dana tivesse escutado, queria que ela tivesse consciência que eu ainda estava ali, que era para mim que ele havia dito "sim", que era comigo que ele dormiria. Outra parte de mim gritava que eles iriam se agarrar pelo apartamento enquanto eu dormia. Outra parte de mim, uma bem pequena, queria que isso acontecesse mesmo, assim acabava logo com essa angústia em mim.
Tinham tantas versões de mim mesma, gritando dentro de mim e eu só desejava voltar a minha antiga medicação. De preferência, com a dosagem errada mesmo.
Havia passado uma semana desde o acidente. Eu ainda estava de licença médica por conta da cirurgia em minha mão e pela primeira vez desde que eu me mudei para Hillswood, eu não tinha nada para fazer. Eu acordava tarde, passava o dia inteiro no quarto, saía apenas para o almoço ou jantar e logo voltava ao meu quarto.
A Netflix, o YouTube e os programas de culinária tinham se tornado meus novos melhores amigos. Toda essa inércia fez-me perceber que eu podia ser classificada como workaholic. Ficar sem trabalhar, sem algum relatório para fazer ou alguma pesquisa em mãos estava me enlouquecendo! Gostava de trabalhar, gostava de estudar e era boa nas duas coisas. Às vezes, eu perdia o foco, mas em geral, eu sabia muito bem o que fazer.
Eu estava tão entediada que tinha feito uma linha do tempo da monarquia holandesa, li um livro sobre a democracia ateniense, arrumei meu armário depois de meses enrolando, organizei todos meus livros e dormi (muito!). Todas as atividades feitas com muito esforço, pois como já foi citado, eu tinha muita dificuldade em usar apenas a mão esquerda.
Aproveitei também para resolver minha vida estudantil e profissional. Tardei a organizar isso pois cada vez em que pensava em pegar o celular e ligar para os meus superiores, a ansiedade me sufocava. Na quarta tentativa, liguei para o conselho estudantil do Jeins (que eram os responsáveis por mim e minha graduação) e expliquei tudo o que aconteceu. Eles conversaram com a reitoria da universidade em Hillswood e um dia depois, ligaram-me, dando a resposta.
Tinham entrado no consenso de que eu poderia voltar as aulas se eu iniciasse acompanhamento psicológico e conseguisse acompanhar a turma. Chorei um pouco quando recebi a ligação porque achava que não merecia todas as oportunidades que eu estava recebendo.
Joguei o controle remoto da TV para longe de mim, sentindo raiva da coitada da Netflix, que não tinha culpa alguma da minha monotonia. Bufei estressada, preparando-me para pegar o controle remoto de novo. Quase pulei de alegria ao ouvir alguém bater à porta do meu quarto. Olhei no relógio do celular para ter a certeza de que a única pessoa que poderia estar ali era ela.
– Está acordada? – Dana perguntou, colocando apenas a cabeça pela fresta da porta.
– E entediada, ainda bem que você chegou. Vem aqui! – Implorei, recebendo-a com os braços abertos. Ri quando Dizzy veio correndo, jogou-se na cama de joelhos e abraçou-me com força. – Tudo isso é saudade?
– Também... – Respondeu, meio aérea, amarrando os cabelos longos em um coque. Olhou para a TV, que exibia o logo inicial do serviço de streaming e perguntou: – Vai assistir o quê?
– Não sei, queria assistir algum filme, mas nem um parece ser tão legal. Tentei assistir aquela série dos vampiros, ou zumbis, que você gosta, mas não passei dos primeiros episódios. – Resmunguei, lembrando da péssima atuação e narrativa da história. – também estava me infernizando para assistir essa!
– Ah, que pena que você não curtiu. – A morena desviou o olhar para a TV, parecendo desconfortável de repente.
Na real, ela não parecia muito, mas eu conhecia Dana mais do que a mim mesma. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas tudo estava estranho. Dizzy não citava mais nas conversas, ele parecia fugir da garota quando ia até nosso apartamento.
A lembrança do que tinha acontecido na sala, na noite em que voltei do hospital, fez-se presente. Não sabia o que tinha acontecido entre eles, mas o que quer que fosse, Dizzy devia estar com a cabeça lotada e morrendo de vontade de conversar. Então eu pensei que era melhor não adiar isso.
A hora da verdade.
– Você é minha pessoa e sabe disso, não é? E nós sempre fomos sinceras uma com a outra, certo? – A morena levantou a cabeça, fazendo seus cabelos caírem do coque e descerem como cascatas pelos seus ombros. Olhava-me surpresa e confusa, perguntando-se onde eu queria chegar com aquilo – Eu preciso que você me diga o que está acontecendo, Dana.
– Do que você está falando? – Ajeitou sua postura, encarando-me atenciosa.
– Se você gosta dele, tudo bem. – Decidi ser direta e clara quando notei que ela iria mudar de assunto ou fazer-se de desentendida. – Ele fez alguma coisa para você? Me diga algo, Dana. Eu preciso que você me ajude a te ajudar.
A surpresa e incredulidade passaram pelo belo rosto de Dana e logo transformaram-se em negação.
– Você está falando do ? – Tentou disfarçar. As mãos inquietas, mexendo nos cabelos a todo instante. – Julie, eu sinto muito se nós dois demos a entender que temos algo, eu sinto muito se fiz você ou ele achar que poderia ter algo mais...
– Dana! – A interrompi. Vendo seu nervosismo e sua tentativa falha de negar, eu meio que já sabia o que vinha a seguir. Levantei uma sobrancelha com um meio sorriso, tentando ser mais agradável e acolhedora possível. Ela me encarou por meio segundo, com os lábios entreabertos e os olhos pesados. Fez um som de descontentamento com a boca e esfregou o rosto rapidamente. – Está tudo bem, pode falar!
– Eu o beijei. – Sibilou e depois suspirou, como se estivesse aliviada. Não tive tempo de reagir, apenas ergui minhas sobrancelhas.
É claro que eu já esperava algo acontecendo. Entretanto, eu esperava por alguma conversa mais atenuada, uns toques de mãos, flertes e coisas básicas. Eles já tinham passado da primeira base! Um beijo sempre significa alguma coisa.
– E aí? – Questionei. Eu não estava fingindo interesse, eu realmente queria saber.
Queria que ele e Dana decidissem o que eles queriam um com o outro, assim eu poderia voltar a minha antiga vida, sem nenhum romance e ficar triste enquanto assistia Grey's Anatomy.
– Ele não me beijou de volta..., mas eu quis beijar ele, então, eu beijei. Acho que fiz errado, mas preciso te falar que eu quis, Julie. Eu quis muito. – Contou, sentando-se ao meu lado, meio receosa. A expressão carregada de arrependimento e ansiedade, esperava pela minha reação.
– Eu não sei você, mas eu culpo aqueles braços. – Joguei minhas pernas em cima das pernas dela e entrelacei nossos braços. Dana expirou fortemente, como se estivesse prendendo sua respiração desde que entrara no quarto, e balançou a cabeça em negação.
Senti que Dizzy estava nervosa então achei melhor brincar para amenizar o clima para ela. Detestava ver a garota ansiosa, não combinava em nada com sua personalidade espontânea. Eu também não queria que parecesse que eu me importava.
Não que eu não me importasse, só não queria Dana soubesse disso. Pelo menos, não por enquanto.
– Fala sério, garota! Estou aqui, abrindo meu coração para você! – Reclamou, batendo com seu ombro no meu, mas rindo. – O que vamos fazer?
– Você sabe, Dizzy. Se você quiser, ele é todo seu. – Assegurei com toda a sinceridade.
Eu não deixaria um cara legal tipo o ficar preso comigo e minha loucura quando ele poderia ter uma garota excepcional como Dana. Além do mais, me pouparia da humilhação de ter que ser posta em disputa com Dana. Era até injusto comigo.
– Mas... Você e ele, Julie! - Dana contestou e apoiou a cabeça em meu ombro.
– Não somos tudo isso. – Essa parte era meio verdade. Eu não sabia se e eu éramos alguma coisa. Tudo entre nós era subentendido e eu não imaginei que isso acabaria me causando problemas.
– Mas você e ele não conseguem ficar separados. – Declarou, choramingando.
– Como você sabe? Se você quiser, eu me afasto. – Suspirei, oferecendo soluções ao nosso infortúnio.
Não acreditava que realmente estava jogando o meu cara para os braços de outra, mas era mais forte que eu. Quando se tratava de Dana, eu perdia meus egoísmos e pensava nela primeiro sempre.
– Vocês dormem juntos. – Ela tentou de novo.
– Eu também durmo com você.
– Ele cancelou um show para ficar com você! – Insistiu.
– Você também já cancelou uma viagem a trabalho por mim! – Revirava os olhos enquanto rebatia todas as tentativas de Dana.
– Ele te beija, Julie. – Desencostou a cabeça do meu ombro, ficando séria demais, de repente.
– A gente também já se beijou, ué. – Repliquei, dando de ombros. Acabamos rompendo em risadas por conta da breve conversa pingue-pongue.
– Caramba, Julie. Fala sério, poxa! Ele não me beijou de volta, sabe? Ele falava o tempo todo que estava com você. – Encarei o rosto retorcido de Dana e quase fiquei com dó. Quase. A Julieta antagonista adorou o que foi dito, mas eu me recusava a deixar a Julie vilã e malvada aparecer com Dizzy.
– Amiga, você pulou no cara do nada! Ele deve ter ficado assustado, com medo ou algo assim. – Tentei contornar a situação, tentei não criar nenhuma expectativa em relação ao que Dana contou. Nem para ela, muito menos para mim. – Quando isso aconteceu?
– No dia do acidente. Amiga, eu quis morrer! – Confidenciou, chorosa. – Quando o telefone tocou com a notícia do que tinha acontecido com você, eu entrei em pânico. Parecia que Deus sabia exatamente como me punir! – Fiz um biquinho quando notei seus olhos pequenos cheios de lágrimas.
– Meu amor, isso foi coisa do acaso. – Consolei, passando um braço em volta de seus ombros.
– Foi tudo tão pesado. – Exprimiu, tristonha.
– Ia acontecer de uma forma ou de outra. Só calhou de tudo acontecer no mesmo dia.
– Você acha que ia acontecer? Quando todos nós nos conhecemos, eu até achei que poderia rolar algo. – Murmurou, brincando com os próprios dedos. – Mas nunca quis comentar nada pois vocês trocam saliva desde o primeiro dia.
– Eu desconfiei de vocês dois desde o início. Sabia que eu estava certa! – Confidenciei a Dana e ergui uma mão em comemoração. Ela encarou-me de boca aberta.
– Você percebeu! – Gritou, apontando o dedo para mim e eu gargalhei.
– Desde o início. – Contei, ainda rindo da cara dela. Dana ainda duvidava das minhas grandes capacidades de percepção.
– Porra, Julie! Nada passa de você mesmo. – Encostou-se em mim, novamente. Suspirei, pensando no que falar.
Agora era o aquele momento. O momento em que eu tinha que decidir entre ser uma pessoa amiga e altruísta ou uma pessoa egoísta e maldosa. Eu já tinha todo um plano maquiavélico em minha mente de como fazer e Dana sentirem raiva um do outro e pararem de se ver e qualquer coisa que fosse deixar o meu caminho livre.
Mas quem estava ali, segurando minha mão, abrindo o jogo comigo de forma honesta e consciente, era Dana.
Então, eu não precisei nem pensar duas vezes.
– Se um cara possa ser provável de nos dividir, eu prefiro me manter longe e deixá-lo para você. Eu prefiro ser sua amiga, Dizzy, acima de tudo.
Ela não se moveu, não me olhou, continuou com a cabeça encostada em meu ombro. Também não falou, apenas ficou quieta por alguns segundos. Quando comecei a ficar tensa com sua demora para responder, sua mão entrelaçou na minha.
– Eu amo você. – Ouvi a voz baixinha de Dana e sorri. Virei o rosto, virando o rosto de Dana com a minha mão machucada. Encostei meus lábios na ponta do seu nariz de leve. Foi meu jeito de responder que eu também a amava. – O que vamos fazer?
– Você decide, Dana. – Ela ficou em silêncio. Provavelmente pensando em alguma resposta para esse dilema, em como resolver o trabalho sujo que eu havia jogado em suas mãos.
– Você acha que estamos sendo injustas com ele? – Dana perguntou-me. – A gente nem sabe como ele se sente, Julie.
– Pergunta para ele, ué. – Dei de ombros. Peguei de volta o controle remoto, voltando à caça de filmes na Netflix. Decidida a me distrair o suficiente para esquecer o meu futuro fracasso amoroso.
– Está maluca? Pergunta você, tem mais intimidade com ele do que eu.
– Mas se eu perguntar vai parecer que eu estou cobrando alguma coisa! – Comentei, fazendo uma careta.
Era tudo o que eu menos precisava naquele momento. Deixar acreditar que nós tínhamos um futuro quando eu já estava decidindo nosso término sem ele saber.
– Ótimo entrar nesse assunto, inclusive. E você, Julieta, como você se sente? – Dana me encarou, com os braços cruzados. Atentando-se a cada feição minha, esperando por qualquer reação que meu rosto fosse explanar.
– Um pouco dolorida. – Passei a mão pela lateral do meu corpo e fiz uma careta.
– Julieta! O que rola entre vocês? Quão sério é? – Ela insistiu, dando um peteleco na minha testa.
– Eu estou normal. é legal e tudo mais, a gente sai e só. Eu já disse que estou disposta a me afastar. – Enrolei um pouco na resposta, mas Dana não pareceu notar. – Está em suas mãos, Dizzy.
Olhei em volta do quarto enquanto Dana colocava a engrenagem para funcionar. Encarei meus dedos, estavam sem o gesso agora, deixando à mostra o quão inchados estavam.
Graças a , estavam bem higienizados. Ele aparecia no apartamento sempre que podia e reclamava por eu ter sofrido um acidente justo quando ele não podia ficar comigo o tempo todo devido sua agenda apertada. Mas sempre que possível, ele cuidava dos meus pontos inflamados, passavam remédio no meu olho roxo e fazia massagem nas minhas costas.
– Vamos deixar rolar. – Dana me tirou dos meus pensamentos. – Eu falo com ele sobre o beijo, vejo o que ele vai falar e te conto. Só vamos prometer uma coisa: Sem traições, sem boicotes. Se ele quiser ficar com você, é isso e pronto. Se ele quiser ficar comigo, é isso e pronto.
– Por mim, tudo bem. – Sorri para ela, mas eu não estava tão bem assim. Eu sabia que escolheria Dizzy. Quem em sã consciência escolheria a mim?
– Só a gente mesmo para discutir como dividir um cara tão amigavelmente. – Ela riu e deu um beijinho no meu nariz. – Você é a melhor!
Gargalhei. O pior é que isso era realmente engraçado. Tragicamente engraçado, mas ainda assim, Dana era a última pessoa do mundo que eu escolheria para entrar em um triângulo amoroso.
– Almas gêmeas, não é? Não esperava menos. – Rimos juntas. Peguei o controle da TV e voltei a minha busca por entretenimento.
– Julie, ele não falou nada sobre o beijo? – Perguntou, curiosa, após alguns segundos de silêncio.
– Não e nem vai. – Concluí. Dana olhou-me confusa, questionando o porquê. – Eu acho que ele tem medo de fazer qualquer coisa que faça parecer que estamos em algo sério. – Dei de ombros enquanto expus minha opinião.
– Está vendo, Julie? Eu não sei nada do que se passa entre vocês. Vocês conversam sobre relacionamentos sérios?
– Não é nada demais. Ele acha que se comentar de relacionamento comigo, eu vou sumir. E eu vou mesmo, você sabe.
– Porra! Ele quer namorar você! – A morena jogou-se na cama, quase parecendo derrotada.
– Não, é menos sério do que parece. – Gargalhei do seu breve desespero.
– A gente não pode simplesmente convidar ele para um ménage e esquecer tudo isso? – Sugeriu, olhando para o teto.
– Dessa vez, acho que não.
Eu até queria que aquela fosse a solução, mas nossas aventuras sexuais não eram o suficiente para um cara como . A situação agora era outra. Eu e Dizzy não estávamos só procurando um orgasmo. Dana não queria só sexo, ela nunca abriria o jogo comigo se fosse só desejo carnal, ela daria um jeito de outra forma. Ela queria se comprometer, namorar. E eu...
Bom, não sei muito bem o que eu queria. Só sabia que eu gostava de ficar com , muito. E entregá-lo com um laço na cabeça para Dana me parecia dolorido.
Passamos o resto do dia assistindo filmes da Disney, mas Dizzy sempre acabava voltando para o assunto e eu tinha que fingir que aquilo não estava me incomodando. Dana perguntava sobre ele, como falar com ele, já que ela não o conhecia tanto como eu. Com isso, acabei descobrindo que conhecia mais de do que deveria.
Conhecia seu jeito leve e calmo de ser, sabia que ele sempre estava atrasado (não por arrogância e, sim por ser meio desligado em relação a horários), sabia que ele gostava de cozinhar, mas não tinha o menor talento para isso. Sabia que ele tinha um grupo fiel de seguidores, que iam em seus shows sempre, até quando ele cantou em cada pub e casa de shows da cidade.
Sabia que ele sempre tomava banhos gelados antes de dormir e que dormia de cueca samba canção (eu particularmente amava quando ele usava). Que odiava ir à academia, mas gostava de se manter em forma, então ia sempre que podia.
Em um plot engraçado de Mulan, que sempre fazia eu e Dizzy quase morrermos de tanto rir, meu celular tocou. Tínhamos tantas piadas internas que envolviam frases de filmes da Disney, que se tornavam mais engraçadas do que realmente eram. Dana esticou-se para pegar o meu celular e me entregou, transitando do sorriso para uma expressão chateada rapidamente. O nome de na tela me despertou do transe que Mulan sempre me deixava.
– Deixa tocar. – Coloquei o celular no silencioso, ignorando minha vontade de falar com ele.
– Julie, atende. Sem problemas. Ele não está na cidade, deve estar querendo falar com você. – Pegou o celular de volta, estendendo-o até mim.
– Estamos vendo filme, Dizzy! – Retruquei, ignorando-a.
– Que já assistimos umas setenta vezes. Atende, vai! – Ela insistiu e estendeu-me o aparelho novamente. Revirei os olhos e deslizei o dedo pela tela, confirmando a chamada.
– Fala, baby! – Atendi naturalmente. Era natural para mim e atendermos nossas ligações assim, esse lance de chamarmos um ao outro de "baby" era uma piada interna nossa.
Uma vez fomos a um bar e nos sentamos ao lado de um casal muito bizarro. Ela parecia saída de um catálogo da Victoria Secrets e ele parecia um mendigo. Seriam até bonitinhos, mas ambos tinham a voz irritante demais e falavam "baby" no final de cada frase. Sem exageros. No final de cada frase.
Começamos com uma brincadeira, uma piada, mas a palavra acabou tornando-se um cumprimento carinhoso e contínuo entre nós. Porém, repreendi-me, pois, lembrei que Dana não sabia disso. Não queria que parecesse que eu estava jogando as coisas na cara dela ou algo assim.
– Escuta essa música! – quase gritou do outro lado da linha e eu fiz uma careta ao escutar o som estourado. A ligação estava fraca e tinha muito barulho onde ele estava.
Também reprimi a vontade de perguntar onde ele estava e com quem. Não só porque Dana estava ali, mas também porque eu sempre me censurava quando podia vir a ter ações de namorada e cobrá-lo demais, como aconteceu com a situação da nova iorquina de peitos grandes.
– Não dá, está barulho demais. – Reclamei, tampando o outro lado do meu ouvido, tentando ouvir melhor.
– Agora! – Gritou mais uma vez e logo depois foi possível ouvir um coro de pessoas cantando Bob Dylan, sorri profundamente.
Nós sempre tínhamos grandes discussões sobre Bob Dylan. Eu achava o cara superestimado, até conhecer , que era um grande fã do mesmo. Qualquer oportunidade que ele tinha de tocar Bob Dylan, ele usava.
Ele dizia que eu não podia andar ao seu lado enquanto eu não aceitasse Dylan como uma das divindades da música. Eu já estava acostumada a jantar na casa dele ao som de Nashville Skyline.
– Dylan! – Ri suavemente, reconhecendo a letra de Peggy Day com um pouco de esforço. – Tudo bem, , o cara é bom. E isso é o máximo que você vai conseguir de mim.
comemorou e ainda tentava falar, mas o barulho estava demais e eu logo expliquei que estava assistindo filme com Dana, que a gente se falava melhor outro dia. Ele apenas disse "tudo bem, ligo mais tarde, beijo para Dizzy".
– Ele mandou um beijo. – Repassei a mensagem enquanto desligava o celular. Dizzy soltou uma risada sarcástica e revirou os olhos. – Dana...
– Está tudo bem, Julie. – Assegurou, deixando um beijo carinhoso na ponta do meu nariz e voltando a olhar para a TV. Suspirei, queria falar mais, porém, fiz o mesmo.
Eu queria ser legal com tudo isso, queria ajudar Dizzy, eu sabia o quanto um amor e um relacionamento faziam falta na vida dela, mas não consegui não ficar com o coração apertado de ter que ser coadjuvante em mais uma história. Ou pior, na minha própria história.
Você já tentou se manter longe de alguém que você sabe que te faz bem? Já se sentiu um completo intruso, mesmo que todos te tratem bem e você seja totalmente incluída no grupo? Já se sentiu a pessoa mais solitária do mundo, mesmo que estivesse rodeada por pessoas queridas? Não são sentimentos agradáveis. Eu me sentia perdida em minha própria confusão. Como se estivesse em luta com minha própria persona, sentindo-me presa em um labirinto.
Debrucei-me sobre a janela do carro e fechei os olhos, sentindo apenas o vento forte golpear meu rosto. Senti-me pequena demais para ter tanto vazio dentro de mim. Eu não estava triste, nem com raiva. Estava simplesmente desguarnecida, alheia a tudo e a todos. Minha presença incomodava a mim mesma e tinham dias que eu me sentia desconfortável ao extremo.
Estávamos indo para uma reserva ecológica que Jack tinha conhecido a uns anos atrás. Decidiram passar o fim de semana acampando lá, usando a desculpa de que todos estavam cansados da rotina de trabalhos e compromissos e só queriam se divertir, mas eu sabia que eles só estavam tentando me distrair.
Depois do acidente, Dana reuniu todos em casa e me fez explicar a todos o que tinha acontecido comigo. Ela me fez entender que eu precisava compartilhar com as pessoas que mais me ajudaram no momento difícil, pois o modo como eu estava lidando com tudo – ignorando tudo e todos – era injusto com nossos amigos. Eles mereciam uma explicação.
No início, eu não queria falar sobre meus problemas para ninguém, fiquei até chateada por Dizzy me forçar a isso. Já tinha sido difícil o suficiente ter que contar para , mas depois, percebi que eu precisava disso, compartilhar minhas angústias. No mesmo dia, Jack contou sobre sua mãe e o câncer. Dana, finalmente, contou sobre sua família adotiva e Cam sobre a ausência de família.
Acho que foi a primeira vez que conversamos a noite inteira sem um pingo de álcool em nossos organismos. Contamos histórias que não tinham sido contadas para ninguém, trocamos experiências e naquela noite foi como se eu tivesse encontrado meus amigos pela primeira vez. Firmamos nossa amizade. Não era mais apenas coisa de bar. Era compreensão, carinho. Amizade na sua melhor forma.
Então, por que eu ainda me sentia tão distante?
Abri os olhos e olhei para frente no momento que tive a sensação de estar sendo observada. olhava-me pelo espelho retrovisor, focado e absorto ao mesmo tempo. Ele tinha sido obrigado a dirigir, já que era o único que não dirigia durante o dia a dia. Obriguei-me a desviar meus olhos do olhar atencioso de e passei a observar a paisagem, mantendo-me um pouco distante da brincadeira deles.
Ultimamente, as coisas com estavam assim. A gente se falava mais com os olhos do que com palavras propriamente ditas. E parte disso era culpa minha. Desde a conversa quase nada esclarecedora com Dana, eu tentava me manter afastada deles dois. Eu recusava os convites de para sair, mesmo que isso me doesse. Só saia com ele se todos estivessem juntos e mesmo assim, era complicado. Eu podia evitar sair sozinha com ele, dizendo estar ocupada, mas quando estávamos todos juntos, ficava difícil recusar seus beijos delicados e seus carinhos. A cada recusa minha, eu lembrava da nossa conversa sincera na praia. E doía demais.
Concordei em acampar porque todos iriam, mas quando me foi dito que nós só tínhamos duas barracas, eu já comecei a ficar nervosa. A ideia de dormir com e Dana estava deixando-me enjoada, mas se eu pedisse para dormir com Jack e Cam ficaria estranho e poderia ficar chateado. E se isso acontecesse, Dana também ficaria chateada por estar chateado de não estar comigo. Aí eu estaria chateando a todos. Deu para entender? É um processo complicado, eu sei.
Ficamos afastados do Camping e montamos nossas barracas numa clareira a alguns metros da cachoeira. Ninguém comentou nada sobre quem iria dormir com quem, então fiquei calada também. O lugar era absolutamente lindo. A cascata era um pouco alta e não muito larga, mas era totalmente coberta pelas árvores. A água transparente transmitia uma calma gigante em mim, que tinha pavor de entrar em lugares em que eu não enxergava o chão. As árvores em volta projetavam sombra, mas não tampavam o sol. Agradeci mentalmente por estar ali. Eu precisava mesmo ficar longe de tudo, nem que fosse por um dia.
O problema de ficar longe de tudo que me mantinha ocupada é que eu acabava me perdendo nos meus próprios pensamentos, nas minhas próprias neuroses. As centenas de Julietas faziam-se presentes e eu acabava me escondendo de todas elas dentro de mim mesma.
Ajeitei as alças do meu biquíni preto, ajustando meus seios e arrumei o blusão branco transparente que eu usava. Sentei debaixo de uma árvore após arrumarmos as barracas, brincando com a água rala que vinha da cachoeira e chegava aos meus pés. Gargalhei vendo Jack tentar escalar algumas pedras para chegar no centro da cachoeira e caindo de barriga na água. Todos nós gritamos um "ouch", fiz careta imaginando a ardência que ele iria sentir.
Olhei para a pedra maior, quase ia até no meio da água e a ponta ficava coberta por uma fina camada de água. e Dana estavam ali, olhando em volta, comentando coisas entre si. Os dois tinham quase a mesma altura, corpos bonitos, talentosos e eu era toda ao contrário. Dana inclinou-se um pouco, olhando para água. veio por trás, segurando-a pela cintura, fazendo menção de jogá-la, ela deu um gritinho, gargalhando e se agarrando nos braços dele. Virei o rosto pois eu podia ser muita coisa, mas não era masoquista. Olhar para eles quando estavam juntos era quase torturante. Pareciam a porra de um casal perfeito.
– Então... – Cameron sentou-se ao meu lado, entregando um filtro solar em minhas mãos e apontando para os próprios ombros. – Eu geralmente não costumo me meter na vida alheia, nem fazer comentários, mas eu gosto muito de você, Julie, então...
Eu e Cam éramos muito parecidos quando o assunto era observar, então quando ele veio falar comigo, eu já sabia qual era o assunto.
– A resposta é sim. Eu já percebi e torço para que eles se entendam. – Espalhei o creme pelos seus ombros. Suspirei com força, ouvindo a risada alta de Dana, imaginando a cena que eles deveriam estar protagonizando ali.
– Você não se importa? – Questionou, parecendo meio surpreso.
– Formam um belo casal, você não pode negar. – Comentei, olhando para os dois, que agora tiravam fotos na cachoeira com Jack.
– Não com a situação, com . Você não se importa com ele? – Explicou e perguntou, virando um pouco o rosto para mim. Apenas ignorei a pergunta e continuei espalhando o creme pelas suas costas largas.
– Ele comentou alguma coisa com você? – Questionei, entregando a embalagem para ele. Virei de costas, abaixei minha blusa pelos meus ombros e pedi para ele passar o creme em mim também.
– Não, ele não costuma falar de sentimentos abertamente assim. – Cam jogou mais creme do que o necessário em meu ombro. – Vocês são parecidos nisso.
– Sério? – Comecei a rir, tirando a montanha de creme do meu ombro direito e passando no outro.
– Ele só comentou uma vez, na verdade. Veio pedir ajuda porque queria sair com você, mas achava que você não curtia isso. – Lembrei da primeira vez que saímos sozinhos.
me chamou para um encontro.
Eu tinha vontade gargalhar quando pensava nisso. Não por ser engraçado de fato, e sim porque eu sentia uma vontade imensurável de rir à toa quando isso vinha a minha mente. Parecia ter acontecido a anos atrás, mas fora apenas alguns meses. Também foi o dia que transamos pela primeira vez. Às vezes, eu me questionava se as coisas não aconteceram rápido demais entre nós. As coisas simplesmente iam acontecendo e nós não ficávamos fazendo jogos um com o outro.
Nós simplesmente sempre fazíamos o que tínhamos vontade. E quando eu percebi, a gente já tinha se tornado o "casal" do grupo. Ri com a lembrança, balancei a cabeça tentando tirar esse pensamento dali, porque as coisas pareciam diferentes agora.
– Eu me importo com ele o suficiente para deixá-lo fazer o que ele quiser. – Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo e encostei no tronco da árvore. Cam se aconchegou ao meu lado, curtindo a sombra tanto quanto eu, assistindo Jack, e Dana se aventurando pela cachoeira e tentando ficar de pé nas pedras cobertas de limo.
– E você? – Questionou. Não parecia nenhum pouco satisfeito com minhas respostas e pensamentos.
– No momento, minha maior meta é me manter longe de remédios que podem me causar problemas. – Brinquei, mostrando meus três dedos, ainda meio tortos por conta da fratura, mas sem pontos e com quase 90% dos movimentos. Tentei disfarçar e enrolar Cameron na resposta porque a Julieta malvada me fazia essa mesma pergunta todos os dias.
"E você, Julie? Vai continuar sendo boazinha e legal demais? Vai entregar sua história de amor para outra pessoa? Vai acabar sozinha nessa sessão? De novo?"
– Ainda dói? – Mexeu de leve no meu dedo mindinho.
– Só no frio. – Lembrei que Cam tinha seu próprio drama rolando e já que eu tinha falado até demais para ele, decidi perguntar.
– E a Nicole? Tudo na mesma? Ela tem entrado em contato? – Perguntei, curiosa. Cameron tinha um relacionamento de muitos anos. Uma relação tão bonita e saudável que fora muito estranho as coisas terem acabado do jeito que foi.
– Sinto falta todos os dias, não vou negar. – Suspirou, pesaroso.
– É claro que sente, você passou quatro anos com ela. – Proferi num tom leve, para confortá-lo.
– É, eu sei. Eu não sei se o que mais me incomoda é sentir falta dela ou ter que desacostumar de ter alguém por mim no final do dia. Essa é a verdadeira dificuldade. – Colocou os óculos escuros e pegando a sua câmera, apontou em direção a cachoeira. Parecia querer disfarçar o desconforto de falar sobre sentimentos.
– Eu posso ser por você no final do dia. – Brinquei, mas eu sabia que tudo era mais intenso que isso.
– Ultimamente, todos vocês estão sendo. – Deu uma risadinha fofa, fazendo vários cliques. Pelo ângulo que ele apontava a câmera, o jeito que a segurava e pela luz que iluminava as três pessoas que estavam sentadas na pedra, eu sabia que fotos lindas sairiam dali. – Engraçado isso, não é? Justo nós dois, os mais "fortes" e independentes, somos os que mais precisam de apoio emocional.
– É, justo nós... – Entrelacei meu braço no dele e deitei minha cabeça em seu ombro.
Cameron Koernig era uma das pessoas mais sensíveis e sinceras que eu conhecia, eu esperei muito para ter um amigo como ele um dia. Ele era o tipo de pessoa que passava o dia inteiro de mal humor, tinha fama de mandão no trabalho, mas pararia tudo o que estava fazendo para tomar um sorvete com um amigo. A ausência da família o fez desenvolver a ideia de que seus amigos eram sua família. E eu achava isso lindo, pois a maioria das pessoas falava isso, mas Cam realmente acreditava nisso.
– No dia em que Nicki terminou comigo, foi no dia do seu acidente. – Comentou. Franzi o cenho, não sabendo onde ele queria chegar. – Eles estavam sozinhos na minha casa quando eu cheguei.
– Aparentemente, tudo aconteceu nesse dia. Eles se beijaram. – Relatei, Cameron me olhou, com as sobrancelhas erguidas, surpreso com a informação. – Ela me contou. Ele não falou nada até agora. Você acha que ele está com medo de me magoar ou está sendo otário?
– Acho que ele só tem medo de você não se importar. – Fechei os olhos quando uma brisa mais forte nos alcançou. Eu me sentia esquisita toda vez que alguém insinuava que eu não me importava com .
Estava longe de ser verdade.
– Eu estava precisando de um lugar como esse. – Comentei, ainda de olhos fechados, sentindo o cheiro de mato molhado invadir minhas narinas. – A propósito, obrigada por isso.
– Não foi minha ideia, achava que você precisava ficar longe da cidade por algumas horas. – Abri os olhos e Cam me encarava, como se esperasse minha reação.
– Por que ele não disse nada, então? – Questionei, com o cenho franzido.
A ideia de ir acampar pôr um fim de semana surgiu em um jantar na casa de Jack. Lembro bem de Cam dando a ideia e apenas concordou. Eu sabia que não estava bêbada porque naquele dia fomos para a casa do Felipe antes da meia noite, ia passar uma maratona de Velozes e Furiosos e não queríamos perder.
– Ele me pediu para dar a ideia. Acho que ele tem medo de demonstrar demais e você fugir. – Olhei em seus olhos azuis acusatórios e revirei os olhos para aquela maldita sobrancelha erguida.
– Para, Cameron! – Reclamei, notando que ele queria dar uma de conselheiro comigo.
– Ele está certo. Você vai fugir, não vai? – Peguei a câmera da mão dele e focalizei em Dana, sentada na pedra, com sua postura perfeita, seus longos cabelos presos num rabo de cavalo, seu sorriso que sempre parecia maior quando ela estava do lado de . Esperei o sol iluminar seu rosto e tirei a foto, que havia saído angelicalmente linda.
– Talvez, mas vou deixar um presente bem legal para ele. – Dei de ombros, entregando a câmera á Cam, com a foto de Dana amostra. – E melhor.
– Você e eu somos parecidos demais, pequena Julie. – Cam deu uma risadinha, balançando a cabeça negativamente e depois depositou um beijo em minha testa.
Nesse momento, Jack conseguiu chegar na pedra mais alta, no meio da cachoeira e começou a gritar como um louco, causando risada em todos.
– Ei, Cam! Para de dar em cima da Julie e tira uma foto desse momento histórico! – Jack gritou, abrindo os braços e eu ri. , que estava de costas, virou a cabeça rapidamente, nos olhando. Cam me olhou, falando que ia até lá e eu assenti. ainda me olhava e eu evitava olhá-lo de volta.
– Ei, vem para cá! – Dana me chamou, acenando com a mão. Levantei-me, limpando a terra da minha bunda. Passei pelas pedras iniciais, brincando com a água rasa que passava por entre elas e quando tentei entrar na parte funda, percebi que minha altura não me deixava ficar de pé, então sentei em uma pedra na beira.
Balancei meus pés na água, minhas unhas pintadas de vermelho se destacavam na água transparente. Ouvi um clique, característicos da câmera de Cam, quando olhei para cima, o rapaz ria, registrando várias fotos minhas, interrompendo-me a todo momento que eu tentava reclamar. Dana veio e se sentou do meu lado, dando um sorriso e falando que não ia perder a oportunidade de tirar uma foto comigo sem que eu passasse uma semana reclamando. Logo Jack e juntaram-se a foto, ficando do nosso lado. A proximidade mínima de já tinha me deixado alerta. E a Julie do passado, que sempre foi tão segura de si, ria da minha idiotice.
Cam foi colocar a câmera dentro de uma das bolsas e veio correndo, pulando no fundo, espirrando água em todos nós. Bom, em mim, que era a única que ainda estava seca.
– Dizzy, aposto que eu e você chegamos lá em cima mais rápido que Jack. – Cam apostou, nadando até a cachoeira. Dana gargalhou ao ver a cara de indignação de Jack com a afronta do amigo. Jack tentou começar uma luta para impedir Dana e Cam de chegarem até a queda d'agua, mas eram dois contra um e eles acabaram conseguindo deixá-lo para trás.
Minha risada parou quando senti se aproximar, segurando minhas pernas e ficando entre elas. Respirei fundo, tentando manter em mente que a intenção era não ficar tão próxima dele.
– Não vai entrar? – Perguntou, remexi meus pés quando as mãos dele fecharam-se em meus tornozelos.
– É fundo para mim. – Respondi, mordendo o lábio inferior. Parecia que a cada dia que passava longe dele, meu nível de dependência parecia aumentar. E quando ele se aproximava, eu me sentia como uma viciada em recuperação.
– Entra comigo, eu seguro você. – Sugeriu e fez menção de me pegar, mas recuei. Franziu a testa, confuso com a minha reação e eu me senti mal por ter que fingir frieza com ele.
– Eu entro depois, tudo bem. – Desviou o olhar, parecendo confuso e levemente chateado.
Passei a mão pelo meu próprio rosto, me odiando, para variar. Eu estava sendo injusta com ele sem motivo aparente. Eu estava sendo injusta comigo ao tentar manter-me afastada dele e estava sendo injusta com Dana pelo que eu ia fazer.
– Ei. – Chamei sua atenção, colocando minhas mãos em seus ombros. – Você passou protetor solar? – Não era o que eu ia falar, mas sua pele ficou instantaneamente vermelha assim que o toquei.
– Não. Ia pedir, mas você parecia ocupada. – Respondeu, sarcástico. Provavelmente, estava falando isso porque eu passei protetor em Cameron.
– Enfim... – Revirei os olhos para o tom de voz sarcástico dele, mas continuei a dizer o que eu queria. – Obrigado por me trazer aqui.
– Eu não... – Interrompi-o antes de começar a inventar desculpas.
– Eu sei que a ideia foi sua. – Confidenciei, arrumando uma mecha de seu cabelo molhado, grudado em sua testa.
Ele abriu e fechou a boca para falar duas vezes. Quando não encontrou as palavras certas, olhou para trás, procurando por Cam – que estava virando Jack de cabeça pra baixo – e balançou a cabeça negativamente. Provavelmente, recriminando o melhor amigo.
– Contanto que você esteja bem... – Me deu um selinho demorado e eu soube que não teria condições de me afastar. Quando senti as mãos grandes de em minha cintura e o que devia ser um selinho se transformar em um beijo mesmo, afastei-me subitamente.
– A-acho que quero entrar na água agora. – Pedi nervosa, empurrando-o pelos ombros, fazendo-o rir deliciosamente. Achei que isso facilitaria as coisas para mim, mas quando me puxou pelo quadril, fazendo nossos corpos colidirem com força, eu sabia que ainda não estava a salvo.
Passamos a tarde inteira na cachoeira, apenas curtindo a presença um do outro. A tarde acabou sendo incrivelmente boa, exceto pelos momentos de reflexão em que eu lembrava o tanto de indecisões e confusões que eu tinha relacionadas ao garoto ao meu lado, que sempre estava com os braços sob meus ombros. Todos nós acabamos subindo no topo da queda d'água para assistimos o sol ir embora.
Foi um momento muito bonito, que eu nunca esqueceria. Não por conta do pôr do sol exuberante, mas sim, pela cumplicidade e o amor entre meus melhores amigos. Quando a noite chegou, nos enrolamos em nossos cobertores, acendemos uma fogueira e ficamos bebendo e comendo besteiras industrializadas. Conversamos muito e sobretudo, mas assim que as cervejas acabaram, o sono e o cansaço, por conta do dia agitado, apareceram e a minha preocupação sobre as barracas voltou.
– Jack, se você passar a mão em mim, – Cameron brincou em tom de ameaça, indo em direção a sua barraca, fazendo-nos rir. – Juro que te agarro!
– Não quero vocês de sacanagem do meu lado. – Dana alertou, amarrando seu cabelo castanho em um rabo de cavalo alto.
– Vai dormir com a gente? – Jack questionou.
– Claro! Ou vocês querem que eu durma com o casal ali? – O tom de voz brincalhão de Dana deve ter enganado a todos que não olharam em seus olhos. Ela lançou um sorrisinho triste em minha direção, provavelmente odiando aquilo tanto quanto eu.
Fechei meus olhos, sentindo-me um lixo. Eu odiava deixar Dana chateada, também não gostava nada da ideia de todos acabarem presumindo que eu e iríamos dormir juntos. Como se fossemos um casal de verdade, como se nossa vontade prevalecesse. Continuei sentada no tronco mesmo depois de todos entrarem em sua barraca, desejando "boa noite" a nós.
– Sem sacanagens na barraca ao lado, ! – Jack gritou, já dentro da barraca. – Mantenha suas mãos longe da garota.
– Não prometo nada! – gritou de volta e imaginei que a cabeça da Dana deveria estar a mil. Mesmo contra sua vontade, mesmo tentando negar, ela deveria estar sentindo-se estranha com tudo da mesma forma que eu estava.
Agora que eu tinha conhecimento sobre os sentimentos de Dana, eu sentia que precisava ter cuidado com qualquer movimento e ação que eu pudesse vir a ter. Mas como não estava ciente de toda a situação, era difícil deixá-lo de fora.
veio até mim após apagar a fogueira, estendendo a mão em minha direção. Meu peito apertou de dó quando me vi ignorando sua mão e entrando na barraca. A nossa barraca era a menor, ia ser impossível não dormir perto dele. Apalpei o travesseiro e me preparei para deitar, puxando as mangas do meu moletom grosso, tentando amenizar o frio. entrou na barraca sem dizer uma palavra e fez o mesmo. Deitei-me de costas para ele, encarando o nada. Senti os olhos dele em minhas costas e o ar tornava-se cada vez mais denso, tendo em mente que nós dois estávamos acordados.
Não aguentei sentir a respiração dele perto de mim. Sua presença me deixava com calor, mesmo que estivesse frio demais lá fora. Pensei em todo o esforço que tive que fazer durante a tarde para me manter afastada dele o tempo todo. Pensei no quanto ele tinha sido um amor em fazer meu jantar, secar meus cabelos com sua toalha depois de sairmos da cachoeira e em como ele me deu o cobertor dele lá fora. Percebi que, mesmo com ele ao meu lado o dia inteiro, eu estava morrendo de saudades e ainda estava tentando entender como isso era possível.
Apertei no botão mental do foda-se e virei, dando de cara com seu rosto – como sempre – calmo e neutro. Não parecia com raiva. Para o meu azar, apenas parecia esperar por mim. Suspirei derrotada, jogando-me nos braços dele, que me receberam sem problema algum, como se eu nem tivesse sido uma completa imbecil com ele. Apertei meus braços em volta dele, beijando várias vezes seu pescoço.
– Quer me contar o que está acontecendo? – Murmurou no meu ouvido. Não ousei levantar meu rosto para olhá-lo, apenas encostei meus lábios em seu pescoço e fiquei ali, mergulhada em seu cheiro, em seu aconchego. A pergunta seguinte me pegou completamente desprevenida. – Você cansou de mim?
O saldo de pessoas que eu tinha machucado acabara de aumentar. Senti meus olhos marejarem. Queria chorar por ele e principalmente por mim, que estava cada dia mais apaixonada. Eu odiava admitir isso.
– Não... – Deitei em cima dele, fechou os olhos quando acariciei seu rosto levemente. Segui com o dedo indicador as veias que, de alguma forma, destacavam-se em seu rosto. Desci por suas bochechas, avermelhadas do sol. A pequena cicatriz perto dos lábios, que de longe, era imperceptível. – Eu não cansei de você. Esse é o problema, baby.
Assim como na maioria das vezes que falávamos de coisas mais sérias, não falamos nada. Eu me mantive em silêncio e também. O que eu tinha dito havia sido autoexplicativo e parecia ter entendido. Limpou mais algumas lágrimas que brotaram em meus olhos, mas logo o cansaço me atingiu. Pensei ter ouvido murmurar algo, mas o sono já estava tão grande que não consegui identificar. Logo, dormi imediatamente.
Voltamos para a cidade pela tarde, já que era domingo e todos precisavam estar descansados para a segunda-feira. Passamos muito tempo presos em um maldito engarrafamento. Cam veio dirigindo na volta e foi deixando cada um em suas respectivas casas.
Quando paramos em frente a viela que levava a casa de , ele, sem aviso prévio, puxou-me para fora do carro junto com ele. Não tive como voltar para o carro sem parecer agressiva ou maldosa, então apenas o segui pela rua de pedras. Dei uma olhada rápida para trás, tentando ver Dana. Mesmo com os vidros fechados e impossível de ver dentro por conta da película, eu sabia que ela também me olhava.
– Eu não sabia que vinha para cá. – Reclamei, abrindo minha bolsa, procurando por algum item de higiene, enquanto ele destrancava a porta de sua casa. – Não trouxe outras roupas.
– Você pode usar alguma minha. – Comentou, coçando os olhos, sonolento. – Tem calcinhas suas aí, está na minha gaveta.
Entramos na casa parecendo dois zumbis após quatro horas dentro de um carro. Minhas pernas ainda pareciam reclamar por terem ficado sentadas por tanto tempo. Tudo o que eu queria era dormir em uma cama. Estava tão cansada que não tive nem forças para brigar com por praticamente me obrigar a ir com ele. Tomei uma ducha rápida, coloquei uma calcinha e o moletom azul que sempre usava para dormir quando estava com frio. Ele já estava deitado na cama quando saí do banho, de bruços e parecia já estar cochilando.
Suspirei, encarando as costas nuas do rapaz. Fui até a cama, deitando ao lado dele, aconchegando-me em seu corpo quente e jogando um braço por cima de sua cintura. Ele virou apenas a cabeça, depositou um beijo na minha testa e voltou a ressonar tranquilamente.
Dana que me perdoe, mas não existia lugar algum no mundo que eu preferia estar.
Quando acordei, estava sozinha e desorientada. Procurei por minhas roupas pelo quarto de , mas não achei nada. Olhei no relógio e me surpreendi ao ver que já eram 23h. Peguei meu celular e vi que havia uma mensagem de Dana.
Dizzy (22:00): Te espero?
Mordi os lábios, temerosa. Sabia que a pergunta que ela realmente queria fazer era se eu passaria a noite com . Eu não sabia em quantas andava os sentimentos de Dana em relação a tudo, mas sabia que ela provavelmente estava chateada. Eu, no lugar dela, estaria. Eu sabia o que era começar a gostar de alguém que não gostava de você do jeito que você preferia.
Dizzy (22:30): Não tem problema se você quiser ficar.
Era o que dizia em outra mensagem. Joguei meu corpo para trás, enfiando o rosto no travesseiro. Eu me sentia genuinamente mal com isso. Sabia que minha amiga estava lutando contra seus sentimentos e eu não gostava nem um pouco disso. Eu precisava tirar isso a limpo com , antes que alguém se magoasse de verdade.
Provavelmente, seria eu.
Respondi que iria para casa, quando percebi que Dana não me responderia de volta. Levantei da cama, decidida a conversar com ele. A casa inteira estava fria e o chão gelado incomodava meus pés enquanto eu procurava pelo cantor nos cômodos da casa.
Queria falar do beijo, tendo em vista que ele ainda não sabia que eu sabia. Ouvi sua voz vindo da cozinha e respirei fundo antes de entrar. Eu sabia que o que quer que acontecesse ali, qualquer conversa que nós teríamos, seria intenso.
– É claro que vai dar certo! Eu disse que ia fazer, não disse? – estava de costas para a porta, encostado na mesa redonda e falava ao celular. – Ah, claro, você é masterchef! Dizzy, para de rir, eu sei o que estou fazendo!
Voltei alguns passos lentamente, encostando-me no lado oposto da parede da cozinha. Fechei meus olhos, encostando a cabeça na parede, ignorando a vontade de bater a mesma ali repetidas vezes.
Estava acontecendo.
Eu entendia que Dana e eram amigos e conversavam e eu estava bem com isso. Mas eu também tinha minhas dúvidas. Se eles estavam se falando, quer dizer que alguém tinha ligado.
Se tivesse feito a ligação, eu devia ficar mais atenta aos sentimentos dele em relação a garota. Porém, se a ligação partiu de Dana, quer dizer que ela havia ligado, mesmo sabendo que eu estava com ele e eu não sabia o que fazer com essa informação.
Pode ser que ela tenha ligado com a desculpa de saber sobre mim e se eu iria para casa, mas não pude evitar me perguntar se Dana estava agindo de má fé. Será que ela se importava com meus sentimentos tanto quanto eu me importava com os dela? Sentia-me ainda mais culpada por ter dúvidas em relação ao caráter da minha melhor amiga. Eu me sentia estranha, não sabia como agir.
Nunca estive em situações assim na vida. Ninguém nunca tinha preferido a mim antes, eu não estava sabendo lidar com o total contrário do que eu estava acostumada. Eu temia já não estar tão disposta a ceder e a culpa foi dele por ter sido um verdadeiro príncipe o final de semana inteiro.
Devo ter ficado alguns minutos divagando no lado oposto da parede pois quando me movi novamente, já tinha terminado a ligação com Dana e agora parecia concentrado, fazendo algum tipo de creme de frutas, pelo menos era o que parecia ser devido aos ingredientes espalhados pela mesa. Ele abriu o liquidificador e provou um pouco da pasta avermelhada que continha ali. Deu um sorriso satisfeito, como se fosse uma criança que tinha finalmente terminado de montar um quebra cabeça difícil, assentindo para si mesmo. Entrei na cozinha, chamando sua atenção.
– Oi, linda. – Olhou-me, sorrindo. Meu coração parecia dar piruetas quando ele falava assim comigo. Eu adorava que ele sempre me chamava de "linda" e isso não parecia uma cantada barata ou irônico. Era um simples cumprimento e saia tão naturalmente dos lábios dele que era difícil não acreditar. – Olha isso, ganhei um conjunto de paletas mexicanas, mas até agora acho que não fiz nada certo.
Dei uma risadinha, balançando a cabeça. Estava ficando cada vez mais difícil ser uma boa pessoa.
Ele despejou o conteúdo do liquidificador em um pote grande e sentou na cadeira, oferecendo-me uma colher. Me aproximei e provei do creme que tinha uma textura não muito legal, mas até que estava gostoso.
– Não está tão ruim. – Assegurei.
– Você jura? – Perguntou, como uma criança insegura. Assenti e fiquei entre as pernas dele. Passei o dedo pelo creme e depois passei em seus lábios. Suguei o creme dos seus lábios antes que escorresse. – Assim parece bom de verdade. Faz de novo?
Coloquei as mãos nos ombros dele e inclinei-me, beijando-o de verdade. Ele me puxou para mais perto e me fez sentar em seu colo, com as pernas estendidas em cada lado do seu corpo. Brinquei com os lábios dele por alguns segundos e me afastava quando ele parecia afoito por mais. Eu me movimentava sobre ele conforme ele acariciava minha pele do traseiro e subia as suas mãos toda vez que ele tentava colocar as mãos por dentro da minha calcinha.
Acabou irritando-se e subiu as mãos para minha cintura, pedindo para tirar o moletom e eu assenti. Lambuzou o dedo de creme e passou pelos meus seios, agora expostos, sugando cada pedaço de pele. Perdemos um tempo naquela provocação idiota, deixando mais marcas na nossa pele do que pretendíamos, até que ele se empolgou e sugou meu seio direito tão forte que uma marca quase roxa surgiu instantaneamente.
– Devagar! – Reclamei, empurrando a cabeça dele para trás, afastando-o do meu seio. Desculpou-se, rindo e sorrindo de um jeito sapeca que também me fez sorrir. Fiquei um tempo encarando seu rosto.
Era egoísmo o querer só para mim? Era maldade que eu estivesse considerando seriamente ignorar Dana e seus sentimentos e ficar com ele?
Olhei em seus olhos, que por conta da posição, estavam na altura dos meus. A intensidade que nos olhávamos era quase palpável. Seus olhos pareciam dizer tanta coisa e eu não sabia decifrar nada do que se passava naquela íris. Ele segurou minha cintura com força e se levantou, comigo presa em seu corpo. Colocou-me sentada na mesa, sem desconectar nossos olhares. Ele foi me deitando sob a mesa, enquanto eu puxava sua calça do pijama para baixo com os pés. Empurrou as frutas e as louças no chão com um braço, sem desviar o olhar do meu em momento algum, mantendo-me presa somente a ele. Beijou minha testa, meus lábios, meu umbigo e retirou minha calcinha.
Então, eu perdi toda a noção. Eu só o sentia, preso entre minhas pernas, apertando meu corpo e beijando-me como se precisasse de mim para viver.
O sexo sério, lento e bonito que fizemos naquele dia foi diferente. Não tínhamos feito amor, mas também não tinha sido uma transa qualquer. Era um sexo de descobrimento. Tinha compreensão, carinho, paixão. Não nos preocupamos com nada. Não nos preocupamos com a louça quebrada, nem com a mesa rangendo, nem com os vizinhos que, provavelmente, tinham escutado nossos sons de pura satisfação sexual. Esquecemos em que mundo estávamos, nada que não fosse nossos corpos fundindo-se importava. Deixei todas as minhas razões para trás quando ele sussurrou ao pé do meu ouvido:
– Fica comigo?
Há algo extraordinário no mundo: as festas universitárias.
A união dos alunos de todos os cursos em prol de uma única causa – ficar bêbado – era algo que deveria ser explicado pelos mais renomados cientistas. A Universidade Nacional liberava o espaço no campus para qualquer turma que estivesse precisando arrecadar dinheiro para a formatura. Então, a cada três meses, turmas de diferentes cursos se uniam para promover uma grande festa no campus.
A prática acabou tornando-se uma tradição e as festas eram esperadas e famosas entre os estudantes universitários de Hillswood, tão famosas que algumas turmas até recebiam patrocínio. Mesmo que alguém do seu grupo de amigos sempre saia arrependido de algo que fez na festa, mesmo com todas as situações inusitadas que víamos acontecer no campus naqueles finais de semanas, as festas da UNH eram sempre as mais aguardadas e comentadas do ano. Turmas ansiavam pelo festejo durante meses e a resposta só pode ser uma: Open bar!
É claro que nem sempre é necessário a ingestão de álcool para garantir a diversão, mas convenhamos, um copo de cerveja não faz mal a ninguém após uma semana desastrosa de provas e trabalhos na faculdade. E sem falar que as festas não são uma desculpa para ficar bêbado e fazer besteira. Muitas vezes, elas são essenciais para descarregar nossas baterias sempre lotadas. Uma simples reunião com seus amigos já era o suficiente para diminuir a pressão do dia a dia, um pouco de socialização não faz mal a ninguém.
A minha turma era uma das responsáveis pela festa desse ano e até então, nós tínhamos ido com a intenção de vender ingressos e bebidas para arrecadar dinheiro o suficiente para a formatura.
Entretanto, conseguimos patrocínio de um bar da cidade, que não só nos ajudaram com as bebidas, mas nos deram alguns presentes pessoais. Como, por exemplo, uma caixa com doze garrafas de... Tequila.
– Julie! – Assustei-me com a voz desconhecida me chamando. Tateei em volta de mim antes de abrir os olhos. Couro, era o que eu sentia. – Já chegamos. – Quando abri os olhos, confirmei que eu estava realmente em um carro. Demorei dez segundos para perceber que estávamos parados e que o motorista, que esperava por alguma reação minha, não era um desconhecido.
– Neil! – Exclamei, animada ao ver o senhor gordinho, olhando-me preocupado. Peguei umas notas na minha mochila e joguei no banco da frente, já me inclinando para sair do carro. – Você sempre salva a minha vida!
– Já foi pago, Julie. – O senhor de 40 e poucos, que parecia muito o James Avery, riu e tentou devolver as notas amassadas que joguei para ele.
Neil era pai de uma garota da minha turma, ele sempre transportava todo mundo no final de festas ou palestras que terminavam tarde demais. Era um cara muito legal e confiável. Também era o único que aceitava levar sete pessoas bêbadas em um sedan. Nem um pouco seguro, porém, logo tornou-se o motorista oficial da turma.
– Já? Então, me dá isso de volta, é meu dinheiro da passagem do ônibus da semana inteira. – Estiquei as mãos para pegar o dinheiro, mas alguma coisa no meu movimento deu errado e eu notei que não sabia nem o que estava falando. – Você sabia que eu sofri um acidente de carro? Minha mão está ferrada, meu carro está ferrado... Até meus relacionamentos estão ferrados, Neil! – Tudo ao meu redor girava, mas eu fingia que estava tudo bem.
– Sim, querida. Você citou algumas vezes. Quer ajuda para descer? – Neil continuava a rir do meu estado de embriaguez. Neguei, dei um abraço desajeitado no simpático senhor antes de sair do carro e fui me despedindo, gritando pelo caminho que Neil era um anjo.
Fui andando, trôpega, até a entrada do meu prédio. Entrei em um duelo com a porta de ferro gigante, que insistia em não abrir. Neil gritou do carro, oferecendo ajuda ao ver minha enorme dificuldade. Neguei quando percebi que eu simplesmente não havia destrancado com a chave e comecei a rir feito uma louca.
Corria mais tequila do que sangue em minhas veias.
Eu me desequilibrei várias vezes até conseguir trancar a porta novamente. Minhas pernas estavam fracas e doloridas, talvez eu tenha dançado mais do que deveria. Eu tinha consciência que estava ridícula engatinhando até o elevador, mas minhas pernas não obedeciam mais a mim. Sentei no chão do elevador, procurando meu celular na mochila, mas foi uma ação sem sucesso. Olhei para o visor no elevador, tendo que apertar os olhos para enxergar em que andar eu estava. Eu já tinha apertado em algum botão?
Era apenas 1h da manhã, Dana não costumava dormir cedo nas sextas-feiras, porém eu não achava meu celular para ligar, para ela me socorrer. Eu estava completamente tonta, mas isso não era nada perto do sono que eu estava. Eu costumava ser uma bêbada muito consciente, mas a tequila e a aula cansativa do dia me destruíram. Fiquei um tempo sentada no chão do elevador até me sentir melhor para levantar e acho que até dormi por alguns minutos. Ainda bem que ninguém do prédio chamou o elevador. Se chamasse, eu não ligaria, talvez nem sequer notaria. Não demorou muito (na verdade, eu não faço ideia se demorou ou não) para eu me sentir mais lúcida e menos tonta.
Um forte barulho de música e várias pessoas falando sobressaltou-me assim que a porta do elevador se abriu no meu andar. Já amaldiçoava mentalmente qualquer vizinho que estivesse dando uma festa até perceber que o som vinha do meu apartamento. Se Jack e estivessem fazendo outra festinha surpresa, dois rapazes iam ser achados mortos no meu banheiro hoje. Como se fosse um milagre, minhas pernas voltaram a funcionar e eu andei rapidamente até a minha porta, destrancando-a imediatamente.
Quando universitários estressados são colocados à frente de um open bar – e no caso da minha turma, tequila de graça –, as coisas podem tomar outro rumo. Durante a noite inteira, eu acabei assistindo muitas coisas nojentas, mas nada que me deixasse tão enjoada quanto o que estava na minha sala.
Modelos. Mulheres e homens bonitos demais para a minha realidade. Alguns deles eu reconheci das festas que Dizzy me levava, o que me levava a crer que quem tinha organizado aquela baderna no meu apartamento, tinha sido ela.
Olhei em volta, minha visão turva voltando ao normal após algumas piscadas. Cameron também estava lá, ele estava apoiado na janela e ficou apreensivo assim que me viu chegar com a feição confusa.
Procurei por Dana, deixando minha irritação tomar o lugar da confusão. Então agora ela fazia festas em nosso apartamento sem nem falar comigo?
Já fazia algumas semanas que parecia que Dana vinha me punindo de um jeito silencioso e sorrateiro. Ela não falava nada, nem seus motivos, mas eu sabia que era por ainda sair com . Tudo isso porque eu fui burra o suficiente de prometer que ficaria longe do rapaz.
Eu sei que eu devia deixar de ser bunda-mole e mandar a real para ele, ou então, simplesmente dizer que eu não queria mais nada, mas era difícil dizer que não o queria mais, quando uma simples mensagem dele me fazia vibrar. Se fosse qualquer outra pessoa, seria fácil de manter-me afastada. Mas era , o cara que me usou como inspiração para escrever, que aceitava um pseudo relacionamento com uma garota complicada como eu e sem fazer grandes questionamentos.
Então, no último sábado, nos reunimos no Carté e entre uma conversa e outra, deixou escapar que tínhamos saído na noite anterior. Ninguém percebeu, mas Dizzy ficou aparentemente brava. Novamente, eu não a culpava. Eu me torno uma babaca suprema cada vez que não cumpro com a minha palavra. Mas em minha defesa, e eu só iríamos ao McDonalds. Eu estava morrendo de fome, porém, zerada. E nos beijamos um pouquinho. E acabamos encostando na casa dele para tomar uma água.
E nos beijamos mais um pouco e talvez nós tenhamos acariciado algumas partes específicas do corpo um do outro um pouco mais fervorosamente, mas nossas roupas nem ao menos foram tiradas.
Como eu disse, Dana ficou enfurecida e, ao invés de conversar comigo sobre, preferiu me punir com coisas pequenas. Como por exemplo, não tirar o lixo. Pedir meu carro emprestado e devolver ele na reserva, "acidentalmente" ocupar Cam de todas as formas possíveis para que ele não tivesse tempo de me ajudar com o trabalho de fotografia da faculdade. Coisas pequenas do dia a dia que me infernizaram e irritavam bastante.
Você sabe o que acontece quando algo pequeno te incomoda e você não fala sobre isso? Essa coisa vai crescendo e se torna maior do que realmente é. Essa, pelo menos, é a explicação que eu consigo encontrar para o que estava acontecendo entre mim e Dana. Eu tinha a teoria de que a garota nem ao menos notava que estava agindo daquela forma comigo. Ela costumava "se desligar" do mundo quando algo a incomodava, fazendo só o que tinha vontade de fazer.
Cumprimentei algumas pessoas conhecidas pelo caminho, sentindo-me pequena no meio de todas aquelas pernas longas, até chegar em Cam, em quem dei um beijo no rosto.
– Cadê ela? – Questionei com o semblante enraivecido. Cameron sabia da pequena guerra fria que Dana e eu tínhamos travado uma com a outra.
Aliás, o fotógrafo sabia de muitas coisas, incluindo o que eu não sabia sobre o terceiro fator dessa equação. Às vezes, eu sentia vontade de conversar com ele e perguntar algumas coisas, mas eu sei que ele também iria questionar bastante e eu não gostava de expor meus sentimentos e opiniões assim, então eu ficava na minha. Fingindo que não sabia das coisas que ele sabia. E ele fingindo que não sabia mais que todo mundo.
– No quarto, eu acho. – Cam observou-me, temeroso, por uns segundos. Logo em seguida, indagou: – Você está bêbada?
– Não! – Protestei, levantando a cabeça, rápido demais. Cambaleei sem nem sair do lugar e ele me segurou pelos ombros.
– Claro que está. – Bufou, ainda me segurando. – Vocês não vão se estapear, não é?
– Eu não prometo nada. – Ríspida, segui em direção ao quarto de Dana. Antes que eu chegasse próximo, ela saiu pela porta. A figura imponente de Dana Tomanzio causou algo em mim.
De repente, ao vê-la tão segura, o olhar forte bem marcado pela maquiagem escura tornando-se mais intenso ao focar em mim, eu senti raiva. Senti raiva da minha melhor amiga.
Muito se passava pela minha cabeça, mas principalmente, uma: Por que diabos ela tinha que querer o cara que eu queria? Nós nunca tivemos problemas com isso antes. Nunca nos interessamos pelo mesmo cara. Dana estar agindo com total frieza e arrogância justamente comigo era uma novidade. Mais novidade ainda era eu estar me sentindo completamente injustiçada e irritada com ela.
– Obrigada pelo convite. Ah, é! Você não me convidou para sua festinha, mas, pelo menos, me avisou. Ah, espera! Você também não me avisou. – Ironizei, cruzando meus braços. Ela revirou os olhos e ajeitou a blusa em si mesma, deixando bem a mostra um decote invejável.
– Decidimos entre uma palestra e outra, a única casa disponível era a minha. – Respondeu, ainda sem me olhar.
– Nossa. É nossa casa! – Corrigi-a, sentindo minha visão turva. Não de raiva, eu apenas estava bêbada demais. – Você devia ao menos ter me mandado uma mensagem!
– Não deu tempo. – Deu de ombros, sorriu e piscou para alguém que passou por nós, indo ao banheiro. Eu odiava quando Dizzy agia assim, dissimulada e debochada.
– Não deu para pegar o celular e me ligar quando você foi comprar todas aquelas comidas que estão no balcão? – Eu continuava cambaleando no lugar.
– Na hora da afobação, eu nem pensei em nada disso, Julie. Deixa de ser chata, nem é uma festa mesmo, é só uma reuniãozinha. – Retrucou, a voz dela estava arrastada ou era impressão minha? Tirei meus óculos e esfreguei meu rosto com força tentando externar minha irritação. – Pega uma cerveja, sei lá!
– Dana! – Chamei-a antes de sair do quarto. Eu sentia as palavras escapulindo dos meus lábios sem conseguir me conter. – Você... Você quer que eu me desculpe? Eu sei que eu disse que não ia ver o , é só que...
– Agora não, Julieta. – Respondeu rapidamente, provavelmente tentando fugir do assunto. Tentou sair do quarto, mas eu me postei em sua frente.
Logo que notei a mudança de atitude de Dana comigo, tentei conversar com a garota, mas ela decidiu ser como eu e passou a fugir do assunto, fingindo que estava tudo bem.
– É difícil para mim também. Para nós dois... Eu tentei, juro... – Comecei a me explicar de uma forma totalmente confusa, mas Dana interrompeu-me.
– Claro, porque vocês não vivem um sem o outro. – Revirou os olhos teatralmente e eu suspirei. Não tinha como odiá-la. Se eu estivesse em seu lugar, faria o mesmo.
– Dizzy... – Choraminguei.
Eu estava tão cansada daquela situação toda. Cheguei a pensar que preferia não ter conhecido para manter a paz entre mim e minha melhor amiga intacta.
– Eu estou bem com isso, juro! Só preciso de mais um tempinho, fazia tempo que eu não me sentia assim, você sabe... – Antes que ela terminasse a frase, Jack e Cameron apareceram no corredor, cada uma entregando um copo em nossas mãos.
– O que vocês querem? – Resmunguei e virando o líquido na minha boca sem pensar muito.
– Só verificando. – Jack deu de ombros, olhando atentamente para nós. – Eu queria ter certeza de que vocês não vão cair no soco, Cameron está aqui só para assistir mesmo. – Explicou.
– Argh! Eu estou vendo cois... Não vou usar drogas nunca mais na vida. – Dizzy exclamou, esfregando os olhos. Imediatamente, virei o rosto para a garota, olhando-a atentamente. Olhos vermelhos, eu sabia que havia algo diferente nela. O rastro preto de maquiagem logo abaixo de seus, intensificou-se ainda mais quando seu olhar se focou atrás de mim, tentando identificar algo. – Esse é o....
– ! – Cameron e Jack exclamaram, alegres, erguendo a mão para o amigo. Os três se abraçaram afetivamente, como se não tivessem se visto a dias.
– Vocês estavam juntos? – Toda a animação dos garotos foi cortada pela voz fria, dilacerante e questionadora de Dana. Ainda sem olhar para o garoto, abaixei a cabeça, apoiando-a na mão, murmurei "puta merda" bem baixinho. Eu já sentia que ia dar merda. – O que você está fazendo aqui? – Questionou, olhando friamente para .
– E-eu? – gaguejou, confuso. Provavelmente não estava esperando a frieza de Dana, que nunca tinha tratando-o mal, nem questionada sua presença em nossa casa. – Eu...
– Alguém convidou você? – Repetiu, brava.
– Não fala assim com ele! Eu moro aqui e também não fui convidada! – Retruquei, elevando minha voz. Seja babaca comigo, não com meus amigos.
– Eu posso ir... – tentou falar, mas interrompi-o, erguendo uma mão, exigindo seu silêncio.
– Fica quieto, ninguém sai. Ninguém nem devia estar aqui! – Vociferei, fuzilando-a com os olhos.
– Eu odeio isso, Julieta! Eu odeio que você esteja fazendo isso comigo! – Dizzy exclamou, afetada.
Revirei os olhos com o exagero dela e repeti na minha cabeça como um mantra: "Ela está alta e eu estou bêbada". Eu sabia que devia explicações a garota, mas não era o momento certo para isso. Definitivamente.
Olhei para Cam, que parecia implorar com os olhos para que eu não fizesse confusão. estava com Jack apoiado nos ombros, ambos estavam de olhos arregalados, surpresos com a explosão de Dana e sem entender nada.
– Quer saber? Eu não sou obrigada. – Falei, impaciente.
Dana segurou meu braço, impedindo-me de sair. Olhei para o meu braço e percebi que estava sendo apertada com mais força que o necessário. Puxei-o de suas mãos com força, e devido a embriaguez (minha e dela), se desequilibrou, indo para trás e batendo as costas no pequeno criado mudo que tínhamos ali. A nossa aparente agressividade chamou a atenção dos outros, todos paralisaram na hora que viram Dana começar a chorar.
– Você me trata como se eu fosse inútil, Julieta! – Dizzy começou a falar mais forte e eu já estava completamente irritada. – Me olha como se eu fosse um grandioso nada!
Dei as costas para Dana, pronta para ir ao outro cômodo. Minha intenção era deixá-la gritando sozinha, me trancar no quarto e esperar o porre dela passar, mas senti novamente seus braços me puxando para trás.
Tudo aconteceu tão rápido que eu esqueci que nós duas estávamos com copos nas mãos. Só lembrei do detalhe quando senti uma pontada nas minhas têmporas e fechei os olhos quando o fragor do vidro quebrando chegou aos meus ouvidos e o estilhaço rebentou pelo lugar.
Dana aproveitou o meu momento de distração e confusão para virar meu corpo com força. Eu tinha certeza de que não iria avançar nela, nem ela em mim, mas mesmo assim, agradeci inconscientemente pelo reflexo de Cam e serem mais rápidos que nós duas, ambas com o cognitivo alterado.
Os três pularam de seus lugares e colocaram-se entre nós rapidamente. colocou-se em minha frente, segurando-me pela cintura, me empurrando para trás e Cam segurou os braços de Dana, que gritava sem parar. Jack tentava nos manter longe dos vidros no chão. Eu sentia o olhar das outras pessoas em nós, mas eu não ligava. Minha mente girava e mesmo com tudo acontecendo ali, tudo o que eu queria era dormir.
– Você me olha como se eu nem fosse uma ameaça. – Gritou esganiçada, jogando-se contra o corpo de Cam, tentando aproximar-se de mim. – Eu odeio isso!
– Se você está incomodada com alguma coisa, conversa comigo! – Retruquei, perdendo a paciência e tentando tirar as mãos de de mim, sem sucesso. – Para de agir como uma completa idiota! Você foge toda vez que eu tento conversar!
– Porque eu estou cansada de você! – Esbravejou. – Porque eu sei que não importa a conversa, o final sempre vai ser o mesmo: Você e el... – Cobriu a boca com as mãos, em choque com sua própria impulsividade, quase revelando a todos o motivo de nossa desavença.
Ficamos em silêncio por alguns segundos. Meus lábios se abriram alguma vezes, tentando dizer algo, mas nada saía. Eu não conseguia desviar o olhar dos olhos tristonhos de Dana.
Eu estava começando a achar que estava certa em toda essa situação, que eu estava certa em manter a relação da qual eu cheguei primeiro, aí vem Dizzy e mostra novamente como eu estava sendo egoísta e injusta. A garota vinha sendo sincera comigo desde o início.
– Leve ela para o quarto, ! – Cam implorou enquanto segurava Dana. Antes que eu tentasse ter uma noção melhor da situação em minha volta, literalmente me carregou e arrastou-me para o meu quarto, já que eu me recusava a sair do lugar. Parecia que meu corpo ia explodir de tão quente, minha cabeça parecia pesar e minhas mãos coçavam e tremiam.
Não era minha primeira briga com Dana, pelo contrário, já tínhamos brigado várias vezes, mas assustou-me imensamente Dana ter começado tudo isso, a reação repentina da garota me deixou surpresa. só me soltou quando chegamos ao meu quarto. Ele me deixou sentada na cama e foi trancar a porta, receando que Dana ou outra pessoa aparecesse.
Peguei um travesseiro, enfiei no rosto e gritei. Comecei a bater minhas pernas no colchão enquanto esperneava. Tentando aliviar toda o estresse que a situação havia me causado.
– Para, para! Que porra foi essa que acabou de acontecer, Julieta? Eu não entendi nada! – Questionou, segurando minhas pernas, fazendo com que eu parasse de me debater. Eu ainda precisava descarregar toda aquela adrenalina e raiva que estava dentro de mim. Usando a mão esquerda, comecei a bater no travesseiro mais próximo, grunhindo a cada luta minha com a almofada. – Julieta! Ei, para! Sua mão ainda não está totalmente cicatrizada! – Bradou, segurando meus pulsos. Fechei os olhos, com a respiração entrecortada.
– Eu quero ir embora! Me deixa ir para casa, ! – Choraminguei, completamente embriagada.
– Você já está em casa, amor... – Explicou pacientemente, tentando manter meus braços imobilizados. Fechei meus olhos, sentindo muita dificuldade de abri-los novamente. Tudo em minha volta parecia se mover, eu odiava aquela sensação.
– Eu não quero ficar aqui, baby. – Resmunguei, dessa vez, chorando de verdade. – Me leva!
– Nós vamos para minha casa, mas vamos tomar banho primeiro? – Eu sentia tentando me levantar, mas meu corpo parecia três vezes mais pesado.
– Vamos dormir? – Insisti, tendo total noção que quem falava era meu eu-bêbado.
Todos nós somos um tipo de bêbado, certo? A pessoa que nos tornamos quando passamos da conta. Esse era o meu aspecto de bêbada. Eu ficava com um sono descomunal e resmungava demais. não se calava nunca, sempre surgia com assuntos e comentários desnecessários. Cam era o bêbado sentimental, ele começava a se declarar para todos, amava todo mundo e distribuía selinhos. Jack, era o cara que sempre era o primeiro a cair, o primeiro que vomitava e sempre dava o famoso PT. Dana, como deve-se imaginar, era uma bêbada raivosa. Toda a irritação e sapos que ela engolia eram liberados depois de umas doses a mais.
– Eu vou tirar os seus sapatos, está bem? – Explicou, enquanto tirava minhas botas e eu apenas dificultava seu trabalho, mexendo minhas pernas incessantemente. – Não vou tirar suas roupas, vamos apenas ficar debaixo do chuveiro, ok?
– Eu disse que eu estou com sono, . – Tentei mais uma vez, mesmo sabendo que era quase inútil.
– Eu sei, linda. – Ele ficou em silêncio por mais de 5 segundos e eu logo estranhei. Abri os olhos e ele me olhava, sorrindo de canto, seu rosto sempre juvenil me fez sorrir também. – Vou tirar seu vestido, tudo bem?
– , você me vê nua todo dia! – Ladrei, irritada, voltando a fechar os olhos e deitando na cama de onde eu nem percebi que tinha levantado.
– É diferente agora. – Declarou, senti suas mãos desabotoarem os botões do meu vestido curto e logo começar a ser retirado. Eu sabia que ele estava falando sobre todo aquele papo de consentimento, sabia que ele estava tentando ser respeitoso comigo enquanto estava bêbada até o talo.
Eram por coisas assim que eu explodiria Dana e ficaria com ele só para mim.
– Vem dormir, vem. – Bocejei. Estiquei os braços, tentando encontrar seu rosto, entretanto, não achei nada.
Abri os olhos, ressaltada. Minha visão turva só piorava a situação, pois eu enxergava tudo borrado. A sensação de abandono cobriu-me inteira e minha mente me levou ao dia do acidente, onde todos que eu gostava, eram apenas alucinações. Vergonhosamente, comecei a chorar, chamando pelo nome dele.
– ! – Chorei, me remexendo na cama, tentando levantar.
– O que houve? Estou aqui! – voltou a minha visão. Saiu de dentro do banheiro em passos largos até mim. Observei sua expressão se contorcer quando viu minhas lágrimas grossas descendo pelo rosto. – O que foi, meu amor? Eu estou aqui.
Respirei fundo, engolindo alguns soluços e passando a mão pelo meu rosto. Eu sentia que podia explodir por conta da grande fusão e imensidão de meus sentimentos dentro de mim. Muito tinha acontecido em poucos minutos e eu ainda não havia digerido nada. Tudo ainda estava ali. A mágoa, a irritação, o gosto da tequila e logo a realidade me abateu.
– Está, mas eu acho que não por muito tempo. – Respondi, quase inconsciente. Cerrei os olhos para tentar ver o rosto dele, já que devido o álcool, minha visão estava embaçada. Apenas notei que ele suspirou pesadamente e balançou a cabeça.
Como se estivesse cansando dos meus despautérios.
– Vem, ajudo você até o banheiro. – Falou, simplesmente.
Fiquei debaixo do chuveiro apenas de calcinha e sutiã. Tudo parecia quente entre meus fios de cabelo, mesmo que eu estivesse com um jato de água gelada. Eu não estava com raiva de Dana, estava com a raiva da situação em que nós nos colocamos. Parecíamos duas adolescentes idiotas, parecia que não tínhamos condições de resolvermos nossas diferenças como adultas. E o pior, tudo havia acontecido, por causa de um cara.
E eu prometi a mim mesma que nunca mais me prestaria a esse papel.
– Eu queria odiar ela, . – Confidenciei, baixinho e de olhos fechados. O jato de água que caia sobre minha cabeça parecia estar liberando tudo que tinha dentro de mim e eu não sabia. – Mas eu não consigo. Ela é tudo para mim. – Eu apenas sentia respiração de próxima a mim, mas ele não falava nada. – A culpa é sua.
– O que eu tenho a ver com isso? – Questionou, após uns segundos em silêncio.
– Eu gosto de você. E você gosta de mim também. Mas eu gosto só de você e eu não sei se você gosta só de mim. – Articulei, totalmente desconexa. Minha cabeça pesou, meus olhos relutaram ainda mais contra mim e eu nem me importei em encostar minha cabeça em seu ombro.
– Julieta, você quer me contar alguma coisa? – Ouvi sua voz ecoar, quase virando um sussurro.
Mas suas palavras não fizeram sentido para mim, visto que eu já havia conseguido cumprir o grande feito de dormir em pé, encostada em . Não senti ele me levar para o outro cômodo, não senti minhas roupas serem trocadas. A última coisa que eu senti foram os braços de em volta de mim, apertando-me com força.
Ao contrário do que eu esperava, nenhuma lembrança da noite passada estava nebulosa. Eu lembrava de tudo. De cada palavra, de cada sentimento, de todas as sensações e de todas elas, a pior era brigar com minha melhor amiga.
Peguei meu celular, checando minhas mensagens e respondi apenas Cam, que perguntou como as coisas estavam e se Jack ainda estava por lá. Fui dar uma olhada no quarto de Dana e Jack dormia na cama, ainda usava as mesmas roupas da noite passada. Imaginei que ele tenha ficado por lá para fazer companhia a Dana, que deve ter tido uma noite ruim. Avisei a Cam que estava tudo bem e voltei para meu quarto. Parecia que eu tinha disputado em uma maratona de triátlon, eu só não sabia dizer se todo o meu cansaço e exaustão eram físicos ou psicológicos.
Quando ia voltar a deitar confortavelmente, meus olhos abriram-se em pânico quando pensei na última coisa que eu me lembrava da noite passada.
"Você quer me contar alguma coisa?"
O questionamento de .
É claro que eu queria contar! Porém, não eram apenas meus sentimentos, eram os de Dana. E eu não podia colocar a boca no trombone e espalhar por aí coisas que não cabiam a mim contar. Sim, eu estava cansada. Sim, eu queria consertar as coisas, mas não dependia apenas de mim. Eu sabia que se quisesse arrumar as coisas o mais rápido possível, a conversa com Dana não podia mais ser adiada.
Passei a manhã de sábado inteira na cama, com uma ressaca dos infernos, arrependida de todas as minhas ações dos últimos tempos, principalmente de não ter sido clara o suficiente sobre meus sentimentos e agora estar sendo obrigada a ficar longe de e em maus lençóis com Dana. Quem me tirou da cama foi Bela, que me ligou umas sete vezes até eu lembrar que tínhamos um artigo para fazer e finalmente atende-la.
Eu já estava arrumada, preparada para sair e almoçava calmamente no balcão quando Dizzy chegou em casa. Ela entrou no apartamento e assim que nos olhamos, ela abaixou a cabeça, parecendo extremamente envergonhada. Qualquer pessoa que a visse na rua saberia que ela estava de ressaca. Seus cabelos estavam presos quase no topo da sua cabeça e quando ela tirou os óculos escuros, percebi que suas pálpebras estavam inchadas. Ela, provavelmente, tinha chorado a noite toda.
Eu também choraria a noite toda, se eu não estivesse ocupada demais estando praticamente morta de tão bêbada.
– Julie... – Aproximou-me, sentou ao meu lado e eu apenas continuei a comer, sem olhá-la. – Eu perdi a cabeça, não é? – Com a voz falhada, parecia querer chorar de novo.
– Você acha? – Ironizei, erguendo uma sobrancelha. – O que aconteceu, Dana?
– Eu não sei! Eu pirei! Me perdoa. – Choramingou, lágrimas acumulavam-se no canto de seus olhos. É claro que essa era a explicação. – Eu saí com uns amigos, usamos umas coisas erradas e... Eu juro que não sei o que me deu, Julie. Eu também achei que estava bem!
– Eu vou me atrasar se eu não sair agora. – Olhei para o relógio em meu pulso. Levantei e fui jogar a louça na pia, deixando para lavar quando eu chegasse pela noite, ignorando sua fala. – Seu almoço está no micro-ondas. Fiz o suco de abacaxi com limão que você gosta.
– Não, Julieta! Você devia quebrar tudo comigo, me dar umas tapas, me ignorar, não falar comigo por uma semana! – A morena protestou, jogando a bolsa no sofá e indo pegar um prato.
– Não é como se eu estivesse certa, Dizzy. Eu fiz tudo errado, não cumpri minha parte do trato. – Afirmei, saindo da cozinha e indo ao banheiro.
Enquanto escovava os dentes, tentei desembolar o nó que estava em minha cabeça, entretanto, eu mal conseguia manter os olhos abertos. A dor de cabeça era tanta que eu desconfiava que não era apenas a ressaca me penalizando.
Pensando melhor em tudo, nós duas estávamos erradas. Dana errou em beijar o cara que eu estava pegando, sim, mas eu entendia atitudes impulsivas o suficiente para não a culpar por isso. E eu errei ao fazer promessas a ela, dizendo que iria manter-me afastada. O problema é que eu não sabia o quão difícil seria.
– Você ainda quer que eu me afaste dele? – Perguntei, chamando atenção dela, que olhava para o prato de comida com um olhar vago. Peguei meu casaco e minha bolsa.
– Ele gosta de você! – Contestou. – Não precisa ser assim, Julie, vamos conversar. A gente pode resolver isso de outra forma! – Pranteou, puxando-me pela mão. – Eu me sinto terrível de deixar você fazer isso consigo mesma por mim.
– Terrível vai ser como nossa amizade vai ficar se não resolvermos isso. – Assegurei. Dana fez um biquinho inconsciente, perdendo as palavras. – Olha, eu não posso falar sobre isso agora, estou cheia de coisas para fazer. Mais tarde, a gente conversa, pode ser? – Sugeri.
– Quem está fugindo agora? – Zombou, mostrando a língua para mim.
– Dizzy... – Aproximei-me, beijei de leve seu nariz. – Mais tarde.
Eu estava completamente desconfortável com a situação, também não sabia como agir e tinha quase certeza que me afastar de era uma atitude inconsequente e deplorável. Considerando que , por sua vez, não tinha a menor pretensão de ficar longe de mim.
O dia de sábado estava bem bonito para um dia nublado, mas eu estava com o que parecia ser a minha pior ressaca, então nada estava agradável. Tive que ir de ônibus até a casa de Bela, já que meu carro ainda estava parado na oficina e eu estava até gostando. No ônibus, eu conseguia observar mais a paisagem pelo caminho. Quando cheguei a casa de Bela, a maldita não poupou piadas sobre meu estado físico e minha aparente ressaca.
– E eu achei que eu estivesse de ressaca... – Gargalhou quando me viu revirar os olhos.
A minha junção de jeans, moletom e minhas sandálias Nike Benassi casavam perfeitamente com meu casaco rosa gigante e meu rosto pálido e cheio de olheiras. Joguei minha mochila no sofá, já procurando um canto confortável para me acomodar.
– Como você pode estar tão bem? Você e o ridículo do Mackenzie beberam mais do que eu! – Questionei, indignada. Agora, Bela e Mac namoravam sério, se apaixonaram de verdade depois de insistir na besteira de amizade colorida. Tudo se sucedeu depois do jantar na casa dele, onde tudo o que eu sugeri que ia acontecer, acabou acontecendo mesmo.
Eu devia ter apostado.
– Tive uma boa noite. – A garota continuou a me encarar mesmo depois de terminar de falar. Ergui uma sobrancelha, não entendendo a expressão empolgada dela. Subitamente, esticou os braços, erguendo sua mão direita em minha frente, deixando a vista uma puta de uma aliança.
Meu queixo foi no chão.
– Você está noiva?! – Quase gritei, o som de minha voz incomodando a mim mesma. – Annabela, você ainda nem terminou a faculdade, pelo amor de Deus!
Bela e Mac começaram seu relacionamento na mesma época que eu comecei a sair com .
Literalmente no mesmo dia, pois foi no dia do nosso primeiro encontro que Mac e Bela resolveram parar de fingir amizade. E isso me deixava completamente assustada. Fala sério, eu e nem saímos do estágio "casual".
– Não é casamento! – Gargalhou. Olhou para a própria mão, sorrindo suavemente. Eu quase conseguia ver seus olhos brilharem. – É apenas... Compromisso.
Puxei a mão dela, encarando a joia simples e bonita, totalmente desacreditada. Bela insistiu tanto que não gostava de Mac dessa forma que eu quase acreditei.
– Caramba, não acredito que você definitivamente não é mais solteira! – Dei risada. – Me deixou sozinha na pista!
– Julieta, tenha dó. – Revirou os olhos, procurando seus materiais e jogando em cima da mesa de jantar. Levantei, fazendo o mesmo. – Você não é solteira já tem um tempo. Inclusive...
– Inclusive nada! Vamos logo começar, temos muito o que fazer. – Tentei distrai-la para evitar a conversa que eu sabia que viria a seguir.
– Julie, nunca falamos sobre você e . Vamos ser meninas e falar sobre garotos? Nunca pedi nada! – Exclamou, pedindo empolgada e batendo palminhas.
– Olha o tanto de livros aqui, Bel! – Choraminguei, encostando a cabeça na mesa. A dor de cabeça me incomodava demais, nem um analgésico estava do meu lado naquele momento. – Eu entendo mais Foucault do que meu relacionamento com .
– Ok, não gostamos disso, mas eu preciso fazer a fofoca. – Puxou uma cadeira, sentando ao meu lado, parecendo afoita. – Lembra da ruiva de ontem? Aquela que surgiu do nada e acabou ficando no nosso grupo pelo resto da noite? – Assenti, mordendo os lábios com a lembrança.
A ruiva. Meu Deus, aquela ruiva.
Ontem, na festa da UNH, eu e Toni conhecemos uma garota. Eu não sei o nome dela, mas ela era tão linda que dava raiva. Os cabelos ruivos e compridos, as sardas nas maçãs do rosto, o sorriso encantador. Tudo nela era dócil. Não lembro como a conhecemos, mas lembro muito bem do quanto dançamos e bebemos.
– Então, ela é da UCH, a universidade onde Mac estuda. – Explicou. – Mac me contou que ouviu ela conversando com uma amiga e aparentemente ela descobriu que estava na mesma festa que a atual do ex-namorado dela.
Parei para pensar por alguns segundos enquanto Bela via minha engrenagem funcionar. Isso só pode ser brincadeira.
– Não! – Duvidei.
– Mac contou que estudava na UCH, mas então, a carreira dele decolou e a faculdade não fazia mais sentido. – Contou, revelando o que eu não queria ouvir. Eu sabia que havia estudado na UCH por um tempo, mas a vida dele antes de mim não me interessava muito. Tanto que os questionamentos do passado já foram objetos de discussões entre nós. – E o namoro também não.
É claro que a ruiva gostosa – que eu havia adorado (ela era divertida, poxa) – era ex-namorada de . Eu lembro de vê-la comentando e encarando a mim e ao meu grupo de amigos antes de tudo começar, mas eu só achei que ela estava observando o grupo mais divertido e louco da festa. Aí, de alguma forma, ela se aproximou, fez amizade e logo ficou próxima demais de mim. Eu, inocente, estava até empolgada achando que aquela coisa maravilhosa estava dando em cima de mim.
– Como diabos ela sabe que eu...? – Questionei, confusa.
– Então, uma vez Mac me perguntou sobre vocês e...
– Um belo de um fofoqueiro esse seu namorado! – Rolei os olhos, interrompendo-a. Bela me entregou o próprio celular, nele estava aberto o perfil no Instagram da ruiva. Fala sério, não basta ser bonita, tem que tirar foto como se vivesse em um ensaio fotográfico? – Natasha. Ela é muito bonita... Olha, Mac mandou mensagem, vou responder é agora: "Você é um fofoqueiro!" – Gargalhamos juntas antes de Bela começar a falar novamente.
– Ele perguntou sobre vocês. Eu não quis dizer nada porque eu sei que você é reservada com sua vida pessoal, mas ele já sabia de tudo, só queria a minha confirmação. Ao que parece, todo mundo na UCH sabe que está namorando uma garota da UNH. – Completou, receosa: – Principalmente após o acidente.
– As pessoas sabem do acidente? – Questionei, surpresa e alarmada, colocando as mãos entre meus cabelos, embaraçando-os ainda mais. ainda nem era extremamente famoso e eu já estava tendo problemas com nossa intimidade sendo exposta. – E o que diabos essa menina queria saber de mim? Em pensar que eu quase a beijei...
– Sei lá, queria sondar, ver a nova garota do ... – Supôs, dando de ombros. Depois arregalou os olhos, olhando-me. – Espera, você quase a beijou?
– Eu achei que ela estava dando em cima de mim! – Confessei, rindo, cobrindo o rosto com uma mão, me sentindo envergonhada.
– Eu também achei... – Confidenciou, concordando rindo.
Parece que nossas linhas de pensamento se encontraram no meio do caminho e nos olhamos, surpresas. Mas e se...?
– Será que ela estava? – Questionei, temerosa.
– Meu Deus, a ex do seu namorado estava dando em cima de você. Isso é uma coisa muito Julieta de se acontecer! – Gargalhou alto, jogando sua cabeça para trás, balançando seus cachos roxos.
– Ele não é meu namorado, para começar... – Comecei a falar, mas fui diminuindo meu tom de voz aos poucos ao notar o olhar de Bela.
– Quando você vai parar com essa palhaçada e aceitar que vocês são um casal? – Questionou, ácida. Abri a boca para falar algo, mas fui interrompida antes de falar. – Olha, eu entendo, é complicado, mas a parte mais difícil já passou. Assumir o "gostar" é algo desesperador e libertador ao mesmo tempo e vocês já passaram dessa fase! O que falta?
Suspirei pesadamente, puxando algum livro aleatório e esfolheando as páginas sem realmente ler algo. A garota ao meu lado expirou fortemente, pensando que eu iria ignorar o assunto novamente. E eu iria mesmo, mas pensei duas vezes.
Bela era a amiga mais próxima que eu tinha depois de Dana, eu não tinha muitas amizades femininas em HW e eu sentia falta disso. Na minha cidade natal, eu vivia cercada por mulheres, fortes e independentes, que teriam me tirado dessa situação confusa em que me meti.
Cameron, Jack, Toni eram ótimos amigos, incríveis conselheiros, mas eram homens. Sempre seriam.
– Dana gosta dele. – Expirei, revelando rapidamente o motivo de minhas recentes aflições. Observei o rosto de Bela se contorcer de surpresa para uma careta.
– Desde quando? – Quis saber, fechando o livro e focando sua atenção em mim.
– Eu não sei bem, só sei que ela o beijou no dia do acidente e eles nunca mais falaram sobre isso. Ela me contou, ele não falou nada desde então. – Contei, abaixando a cabeça, muito interessada no meu jeans rasgado.
– Espera, o acidente em que ele cancelou tudo para ficar com você? – Assenti. – E ele beijou de volta? – Balancei a cabeça, negando. – E ela fez isso depois que vocês já estavam juntos? – Questionou novamente, me fazendo assenti, receosa com sua opinião. – Poxa, Julie, eu não quero ser desagradável, mas tudo me parece simples aqui.
– Eu sei que parece errado, mas ela me contou! Ela estava nervosa, mas me contou logo quando perguntei se algo estava errado. E eu sei que ela não é uma má pessoa, sei que ela não tem agido de má fé comigo. Pelo contrário! Diferente dele, ela fez questão de deixar tudo bem claro. – Expliquei. – Nós tentamos resolver isso. Eu ia me afastar, mas... As coisas aconteceram, nós começamos a acumular mágoa uma da outra e isso me preocupa e...
– Julieta. – Interrompeu-me para afirmar duramente logo em seguida: – A sua amiga beijou o cara que você estava ficando!
– Eu sei, mas...
– E você diz que tudo começou após seu acidente, mas antes disso você já estava ignorando seus sentimentos e fugindo de um relacionamento mais sério. Você está se sabotando, de novo! – Exclamou, alterada.
– Eu tenho medo! – Desabafei. Ouvir a frase saindo de mim foi estranho, pois nem em meus pensamentos mais profundos eu admitia isso. – Eu tenho medo de não ser... suficiente.
– Uou! – Exclamou, batendo na mesa e levantando na cadeira, com a expressão fechada.
– Não, não! Não é isso! – Estendi a mão, pedindo calma a garota, que me encarava raivosa. – Annabela, você está me deixando nervosa! – Também me levantei da cadeira, batendo o pé no chão.
– Nunca mais... – Começou a falar pausadamente, apontando o dedo indicador em minha direção. Nada tirava mais Bela do sério do que mulheres se rebaixando por homens.
– Eu só me expressei errado, garota. Calma! – Dei risada da sua indignação com a minha depreciação. – Eu sei que sou suficiente, eu sei que sou incrível e maravilhosa, eu tenho minhas inseguranças, mas o problema real não sou eu. É só que... – Sentei novamente, soltando todo o ar acumulado em meus pulmões, sentindo meus olhos marejarem com o punhado de lembranças me atingindo. – Eu não tenho um bom histórico.
É claro que todas minhas falhas histórias de amor tinham um pé de culpa nisso. Eu sou tão traumatizada com isso. Toda vez que alguém gosta de mim, eu associo como alguém que um dia vai me trocar por um outro alguém. Eu já tinha dificuldade com antes de tudo, sempre preocupada e temerosa que um dia ele iria me trocar por alguém. Aí minha melhor amiga – conhecida por ser deslumbrante e apaixonante – se apaixona por ele também.
Foi inevitável. Isso acordou o monstrinho da insegurança e fragilidade que habitava em mim desde a infância, quando o garotinho da pré-escola preferiu brincar com Barbara, não comigo.
– Isso tem a ver com Haniel? – Perguntou, não mais aborrecida, agora estava apenas compreensiva.
– Se fosse apenas ele. – Ri sem humor, cabisbaixa. – É muita coisa, de muito tempo, tudo acumulado.
– A gente nunca vai saber o nosso futuro com alguém, mas não dá para ficar sentada, esperando o mundo e as experiências se tornarem seguras de se viver. Você precisa apostar tudo. Se houver um coração partido, a gente lida depois. Mas agora... – Sentou-se novamente ao meu lado. Puxou um notebook, posicionou em minha frente, pegou os livros de Bourdieu e Foucault (alvos da nossa pesquisa) e me olhou fixamente. – Tudo o que você precisa fazer é escrever, pelo menos, 20 páginas. E se dar uma chance de ser feliz.
E foi de Annabela, a menina dos cabelos roxos, aquela do delineado perfeito, que ouvi tudo o que eu queria e precisava ouvir.
– Aliás... – Completou como quem não quer nada, mas o tom ácido em sua voz me fez sorrir ladina. Eu amava aquela garota. – Você chegou primeiro. Não é você que tem que sair fora.
Soube que meus planos não dariam certo quando cheguei em casa e encontrei no meu sofá.
– O que você está fazendo aqui? – Perguntei, indistinta. Tirei meu casaco e coloquei no cabide atrás da porta. – Você tem as chaves da minha casa, por acaso?
– Boa noite, Julieta. É assim que nos cumprimentamos agora? – Cruzou os braços e encarou-me, carrancudo.
– Por que? Você quer um beijinho? – Provoquei. Belisquei sua bochecha quando passei por ele, seguindo em direção ao meu quarto.
– Depende. Você vai me beijar e esquecer que eu existo logo em seguida? – Retrucou, friamente. – Porque é isso que você vem fazendo comigo ultimamente.
– Não faz nem uma semana que a gente... O que você quer, afinal? – Irritei-me com suas cobranças, mas também me recriminei por estar sendo rude. Ele quase não tinha culpa de nada, entretanto, eu estava de ressaca, com fome, tinha escutado uma avalanche de verdades durante o dia inteiro e eu só queria chegar no meu quarto.
– Uma explicação, talvez? – Refutou, mas ainda mantinha a expressão neutra. Suspirei ao ouvir sem tom de voz raivoso e, ao mesmo tempo, chateado. Saí andando pelo meu quarto, fazendo meus procedimentos rotineiros após um dia longo e ignorando um falante e mal-humorado atrás de mim.
– Sobre? – Fui até o banheiro, em busca de uma camisola preta que eu havia deixado por ali. Prendi meus cabelos no alto e sem me importar com ali, retirei minha calça jeans e joguei no cesto de roupas sujas. – Eu que devia pedir explicações. Você sumiu com meu carro, onde ele está? Eu andei de ônibus o dia inteiro.
Cameron ficou responsável por cuidar do conserto do meu carro após o acidente, mas o idiota pegou a irmã do mecânico, causando sua expulsão perpétua da melhor oficina da cidade. Cam não se arrepende, diz que foi sua melhor transa pós Nicole. Mas eu acabei sem mecânico, recorrendo ao vizinho de , que entendia uma coisa ou outra.
– E mesmo assim, você não me ligou. – Acusou-me. – Nem sequer para perguntar sobre seu carro.
– Eu não entendo nada de carros! – Retruquei, jogando meus braços para o alto. – Eu confio em você, tenho certeza que o que quer que estejam fazendo, meu carro vai ficar ótimo! E por falar em ficar ótimo...
Abri minha mochila, retirando duas caixas de remédios e jogando nas mãos do cantor. tinha um sério problema em seguir recomendações médicas. Nunca fazia as dietas, nem tomava os remédios receitados. Parecia esquecer que sua voz era o seu ganha pão e ignorava até os conselhos de seu fonoaudiólogo. Eu tinha que comprar os remédios e deixar na casa dele, como se fosse uma emboscada.
Da última vez, cometi o erro de misturar o remédio com o chá gelado do rapaz, para forçá-lo a tomar. Ele tomou. Dois goles e vomitou o jantar inteiro logo em seguida.
– Argh! – Resmungou, lendo as informações na caixa. – É o mesmo que você comprou da última vez. Você lembra o que aconteceu, não é?
– Esse aí é de morango, senhor "Sabor laranja me faz vomitar". – Rolei os olhos, zombando da minha criança de 25 anos.
Entrei no meu banheiro, deixando e suas reclamações para trás. Tudo o que eu queria era meu banho quente e era isso que eu teria. Retirei o restante de minhas roupas enquanto esperava a água esquentar. Não consegui conter o sorriso ao ouvir os resmungos dele vindo do quarto ao lado.
No início, quando conheci , eu o achava o cara mais perfeito do mundo. Ter um relacionamento com ele significava que eu devia estar à altura de suas perfeiçoes. Entretanto, com o tempo, a rotina e a intimidade, descobri que estava longe de ser perfeito.
Eu era confusa, meio prepotente, cheia de manias, irritante e, às vezes, problemática demais. Mas conseguia ser mais confuso e mais cheio de manias que eu. Era resmungão, gostava de reclamar e sua constante expressão neutra e calma com tudo e todos, irritava.
Mas ainda assim, era tudo o que eu queria para mim. Reclamava, mas sempre fazia o que eu queria. Sua neutralidade sempre me deixava mais calma. Seus defeitos encaixavam-se em minhas lacunas. Sua calma completava minha sempre agitada personalidade.
tornar-se imperfeito aos meus olhos dificultou tudo para Dana, pois agora, eu tinha a certeza de que ele era certo para mim.
Saí do banho totalmente relaxada e renovada. Coloquei a camisola preta de alças finas – a que eu sempre usava quando queria dormir relaxada e bonita. Sim, eu ficava linda naquela camisola – e saí do banheiro, secando meus cabelos com a toalha. Sorri ao ver , sentado confortavelmente em minha cama, alternando o olhar entre o celular e a televisão.
– Ei. – Chamei sua atenção. Seus olhos me analisaram dos pés a cabeça, demorando um tempo considerável em meus peitos, que ficavam evidentes no tecido sedoso fino. Estalei os dedos, fazendo-o erguer o olhar até meu rosto novamente. – Conheci sua ruiva ontem.
– Natasha? – Exclamou, surpreso, erguendo as sobrancelhas.
– Que rapidez em saber de quem estou falando! – Rebati, sarcasticamente. Peguei meu creme hidratante preferido e joguei para o cantor. Sentei ao seu lado na cama e estendi minhas pernas sobre ele.
– É a única ruiva que eu conheço, ué. E a julgar por esse tom de voz ciumento, que eu já conheço muito bem, só podia ser ela. – Deu de ombros, derramando uma certa quantidade de hidratante em minhas pernas e massageando-as. – Se alguém falar "ei, conheci sua baixinha ontem" ou "ei, conheci sua maluca ontem", eu vou saber que estão falando de você.
– Você é um idiota. – Murmurei, fazendo-o rir e apertar minha coxa em um afago. – Estávamos na mesma festa ontem, a da faculdade. Ela é divertida e muito, muito bonita.
– Sou um homem de bom gosto. – Piscou para mim, erguendo uma alça que estava caída em meu ombro e deslizando sua mão pelo meu braço, ainda espalhando hidratante.
– Ela estava interessada demais em me chamar para dançar, dividir bebida comigo, então, naturalmente, eu achei que ela estava querendo... – Balancei as mãos sugestivamente.
, cuja mão estava quase chegando em minha cintura por debaixo do pijama, parou subitamente, olhando-me de forma exasperada.
– Por favor, diz que você não pegou a minha ex! – Implorou, arregalando os olhos.
– Não vou mentir, eu até queria, mas logo descobri que o interesse dela em mim já tinha nome, sobrenome e mãos bobas. – Brinquei, puxando as mãos do rapaz para longe dos meus quadris.
– O que diabos ela queria? Nós terminamos bem, sabe? Sem pendências, sem brigas... – Comentou, pensativo.
– Eu não faço ideia, só sei que nem somos oficiais e já estou tendo problemas com garotas por sua causa. – Declarei, pensando que Natasha não era a única garota na história que queria um pouco mais para si. Fui guardar a toalha e o hidratante e voltei a sentar na cama, sabendo que na manhã seguinte, eu iria me arrepender de não fazer algo no meu cabelo, mas estava cansada demais para lidar com cremes e formas.
– Uau! Oficiais. É a primeira vez que essa palavra aparece em alguma conversa nossa. – Exprimiu, surpreso. Rolei os olhos e busquei pelo meu celular, abrindo as notificações.
– Não começa, . – Uma mensagem de Dana apareceu na tela, informando que estava na casa de Cam e não sabia se ia voltar para casa. Dana estava fazendo o mesmo que eu. Fugindo de conversa sérias. – Como você entrou, afinal?
– Quando cheguei, Jack ainda estava aqui. Ele me deixou entrar. – Explicou, buscando pelo controle remoto novamente. – Por que você nunca quer falar sobre nós?
– Não é isso, só não quero falar sobre isso agora. – Enrolei na resposta.
– Ok, podemos falar sobre ontem? – Perguntou, cruzando os braços. Desviei o olhar para o meu celular novamente.
Parecia que fugir era algo mais forte que eu. Mesmo sabendo que estava mais do que na hora de resolver tudo, eu continuava esgueirando-me pelos cantos e escapando de conversas sérias.
– Não acho que tenha algo a se falar.
– Por que a briga? Por que você me disse aquelas coisas? O que diabos está acontecendo entre você e Dizzy? – , finalmente, contextualizou suas perguntas. Fez vários questionamentos e eu não queria responder nenhum.
– Brigamos por assuntos nossos, eu não lembro o que disse para você e nada está acontecendo entre a gente. – Respondi suas perguntas, respectivamente. Continuei olhando-o nos olhos, pois sabia que o contato visual facilitaria que ele acreditasse em mim. Pelo menos, era o que eu achava.
– Dana te contou, não é? – Analisou-me, com os olhos estreitados.
Bum. Aí estava. estava, finalmente, falando sobre o tal acontecimento. A pergunta me pegou de surpresa. Eu sabia que o rapaz já estava impaciente comigo e com minhas trapaças, mas não imaginei que ele seria tão direto.
– Havia alguma coisa para contar? – Retruquei, rapidamente, erguendo uma sobrancelha. Olhei para o seu rosto atentamente pela primeira vez desde que entrei em casa. Não sei o porquê, mas naquela noite, ele estava bonito demais para os bons modos. Ele estava barbeado e eu amava homens sem barba. Então, como a boa proteladora que sou... – Você está bonito demais hoje, .
Seu olhar percorreu pelo meu rosto e mordi os lábios assistindo o desejo tomar conta de seus olhos.
– Eu devia ir embora dessa casa e nunca mais olhar na sua cara, Julieta! – Esbravejou, esfregou o rosto com força, puxou-me pela cintura, sentando-me em seu colo e me beijou.
Ele me apertava, pressionava meus braços, me afastava, beijava de novo e eu fiquei ali, à mercê dos seus devaneios e confusões, mas sem conseguir negar seus beijos. Eu sentia nos movimentos do homem algo a mais. Nossos beijos sempre eram intensos, energéticos e demasiadamente quentes. Mas o jeito que ele me abraçava, que segurava meus cabelos úmidos e chupava meus lábios, determinava que algo estava diferente. Estremeci só com a ideia de sumir da minha vida.
– Mas você não vai. – Receosa, afastei-me, passando o dedo indicador por seus lábios avermelhados, meu olhar encontrando seus olhos dourados. – Não é?
– Hoje não. – Suspirou, encarando meu rosto. Intimidei-me com sua avaliação e enfiei meu rosto em seu pescoço, beijando-o do jeito que ele gostava. Esse era um dos "problemas" com . Eu não cansava dele e ele não cansava de mim.
e eu parecíamos fogo e oxigênio. Era só ficarmos perto um do outro, que tudo parecia explodir e nada importava, além de nós. Dana apenas retratou a verdade quando disse que o final seria sempre o mesmo. Sozinhos ou não, e eu sempre íamos acabar o dia juntos. Era inevitável. Nós éramos inevitáveis.
– Espera... – Pediu quando segurei a barra de sua camisa, pronta para puxá-la para cima. – Eu vim até aqui para conversar.
– Sobre? – Receosa, me encolhi, aconchegando minhas pernas em volta dele.
– Não sobre o que deveríamos conversar, mas... – Murmurou, de cabeça baixa, observando o próprio movimento das mãos em minhas coxas. – Eu preciso contar algo para você.
Tremi quando parei para observar o ambiente em nossa volta. A porta do quarto estava fechada, havia uma garrafa de água e um pacote de doces na mesinha ao lado da cama, a TV desligada, eu podia ver nossos celulares distantes de nós.
arrumou o ambiente inteiro para uma conversa séria e eu nem percebi.
– O que foi? Você está grávido? – Brinquei enquanto mexia em seus cabelos.
– De alguma forma, isso seria mais fácil. – Sorriu triste, olhando-me pesaroso. – Lembra que eu comentei sobre a série de shows em outros estados que estava sendo negociada? – Assenti, lentamente. O coração já parecia apertado. – Foi confirmada. Seis meses, com possibilidade de meses a mais.
Minha mente trabalhou mais rápido que meu corpo. Foi como se meu cérebro abrisse uma calculadora mental no momento em que falou "seis meses". Calculei dias, horas, pensei o que eu estava planejando para os próximos meses e como eu faria tudo sem meu garoto por perto. Pensei nos bares, nos parques, nos lugares que queríamos conhecer e tudo que seria adiado por seis meses ou mais. Uma guerra fria parecia acontecer dentro de mim.
– Quando? – Perguntei, sentindo que minha voz, no momento, era apenas um fiapo.
– Mês que vem.
– O mês acaba daqui a alguns dias. – Saí de seu colo, completamente atordoada, sentei ao seu lado.
Senti que seus braços relutaram de me deixar sair e seus olhos observando cada movimento meu atentamente. Respirei fundo, ainda tentando compreender no que essa ausência implicaria a nós.
Estiquei o braço, tocando seu rosto levemente, acariciando sua bochecha lisinha. Ele fechou os olhos e suspirou, parecendo inebriado com meu afago.
– Eu estou muito orgulhosa de você. – Declarei, experenciando o sentimento se aflorando em mim.
– Obrigada, baby. – Agradeceu, emocionado.
Ficamos sentados lado a lado, encostados na cabeceira da cama, cada um com seus pensamentos. Olhou-me quando eu o encarei, sorrindo tristonho. Era possível já sentir sua falta ali, naquele momento? Parecia muita arrogância e egoísmo pensar isso, mas para mim, sempre estaria ali e é difícil pensar o contrário.
– Julieta? – Eu amava quando ele chamava por mim. Meu nome parecia se deliciar em sua boca, as silabas pareciam sair dançando ao som da sua voz incrível. O olhei. Seus olhos pareciam úmidos e suas maçãs do rosto estavam coradas. Soube antes de sua fala, que tínhamos a mesma dúvida. – E agora?