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Revisada por: Saturno 🪐

Última Atualização: 28/12/2024.

“Somos o que há de melhor
Somos o que dá pra fazer
O que não dá pra evitar
E não se pode esconder”

3 x 4 — Engenheiros do Hawaii


Encarei as luzes refletidas na água escura do rio e desejei que o ano que vem fosse melhor do que esse que acabaria nas próximas horas. No entanto, as coisas não funcionavam desse jeito. O ano seguinte seria apenas o que fizéssemos dele. O significado sempre vinha da gente, não do tempo. Era justamente por isso que algumas pessoas em situações ruins conseguiam ser resilientes.
E aqui estava eu, tentando trazer algum significado para tudo aquilo. Ou ao menos para a virada do ano. A minha experiência indicava que dificilmente o ano seria muito bom se a noite de Ano-Novo fosse uma merda. De qualquer modo, era só o viés de confirmação. Meras superstições para as quais eu nem costumava ligar.
também não ligava. Assim como eu, porém, ela tivera um ano exaustivo em que nada de muito relevante acontecera. Em vista disso, a convidei para dar adeus a 2019 comigo esta noite. Para minha felicidade, ela aceitou sem nem pensar duas vezes e insistiu para que viéssemos à Usina do Gasômetro, mesmo que, desta vez, a programação de Réveillon de Porto Alegre não tivesse nenhum show que a agradasse. Ainda assim, havia chegado há cerca de meia hora e estava aqui sozinho no meio desse monte de gente. não chegara, mas também fazia tempo que não mandava nenhuma mensagem.
Comprei cerveja em uma das barraquinhas e me dirigi às arquibancadas do palquinho. Sentei-me próximo à Estátua de Elis Regina, abri o latão e tomei alguns goles, mas nem o álcool conseguiu afastar os meus pensamentos de e sua falta de contato. Olhei ao redor, em mais uma tentativa falha de desviar minha mente do assunto. Havia tantas pessoas andando por ali, que era difícil dizer quem estava acompanhado ou não. De qualquer modo, tudo fazia parecer que eu era o único desacompanhado no meio daquela multidão.
Isso tinha que ser reflexo do meu estado pessimista atual. Não era possível! O ano de 2019 não havia sido incrível ou algo do tipo. Fora apenas… normal, o que costumava ser bom. Contudo, quando chegava o fim do ano e parávamos para refletir sobre o que se passou, o comum parecia a pior coisa do mundo.
Coisas boas aconteceram nesse ano, não dava para negar, mas também teve muita coisa ruim. A tragédia de Brumadinho, as queimadas na Amazônia… Sem contar que o primeiro ano de governo daquele presidente já estava sendo uma merda difícil de aguentar. Eu não queria nem imaginar como seriam mais três anos daquilo. As perspectivas estaduais não eram nada melhores. E Porto Alegre, então? Ainda pior.
Ser brasileiro não era fácil.
No quesito “luta diária”, eu ainda tinha de lidar com o trabalho e a banda, que agora não funcionava tão bem quanto um dia imaginei que funcionaria. E equilibrar as duas coisas ficava cada vez mais complicado. Além disso, minha vida amorosa estava uma merda. Não, isso era eufemismo. Um eufemismo que suavizava muito a verdade: não existira vida amorosa alguma para mim no ano que se passou. Beijos em garotas desconhecidas em festas não contavam como algo relevante e, mesmo se contassem, nem precisaria usar todos os dedos de uma mão para dizer o número de bocas que eu beijara.
E tudo isso fazia a estrada percorrida por minha mente retornar ao mesmo lugar: . A expectativa de passar a virada do ano com ela me consumira durante todos os longos minutos cheios de antecipação desde que ela aceitara o meu convite. Seria uma saída entre amigos e nada mais. Ainda assim, estava a fim dela — muito a fim —, o que significava que cada segundo gasto ao seu lado seria um momento bem aproveitado. Apenas estar na presença dela já mudava o meu dia.
Será que ela viria? Esse era o medo que mais me consumia agora. A falta de resposta dela para as minhas mensagens me deixava nervoso. O máximo que aconteceria era eu ficar aqui, solitário no meio desse monte de gente de Porto Alegre e redondezas. Não. Passar a noite de Ano-Novo sozinho era triste. Se eu não encontrasse nenhum conhecido por ali, podia simplesmente voltar para casa e comemorar com a família. Festas de fim de ano sempre eram legais, com toda aquela gente festejando e bebendo até tarde da noite.
No entanto, eu queria estar com e, nesse momento, desejava isso mais do que qualquer outra coisa. Esse era o ponto. Sem contar que todos os nossos melhores amigos tinham nos deixado na capital enquanto comemoravam a chegada de 2020 na praia de Tramandaí.
Meu celular vibrou, me arrancando com brusquidez de meus devaneios. Um sorriso dançou em meus lábios, tão natural quanto o respirar, ao ver o nome “ ” estampado em uma notificação na tela junto da seguinte mensagem:
*****
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|> 0:19
Escuta esse áudio agoraaaaaaaa
*****

Cliquei para abrir a conversa e apertei o botão de play, levando o celular à orelha.
— Caralho, eu quase perdi o ônibus! — resmungava a voz de no áudio, o que fez uma risada genuína escapar dos meus lábios. — Desculpa por isso, me estressei com essa merda toda. Faz um século que estou tentando te avisar que já peguei o ônibus, mas o sinal estava baixo e a 4G não funcionava de jeito nenhum. Achei que ia ter que passar a noite toda te procurando por aí! Enfim… Vou calar a minha boca aqui. Já estou quase chegando. Me encontra na parada, pode ser?
*****
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Rindo com respeito KKKKKKKK
Beleza. Tô indo pra lá
*****

Ainda sorria quando enviei a mensagem e me levantei. Tomei meu caminho em direção à parada de ônibus em que sabia que desceria. Acabei a encontrando bem na frente da entrada do prédio do gasômetro, a alguns metros de distância da parada.
— Uau, estava mesmo chegando. — Dei um beijo no rosto para cumprimentá-la. — Pensei que ainda teria que esperar um pouco na parada.
— Te falei! O sinal dessa porcaria de celular não cooperou comigo hoje. — deu uma risadinha, passando a mão pelos cabelos, enquanto caminhávamos na direção da orla. — Pensou que eu não viria, não foi?
— Eu jamais pensaria uma coisa dessas — defendi-me, cutucando seu ombro em tom de brincadeira.
— Mente que nem sente — debochou ela, se divertindo com a situação.
— É, fazer o quê… Tu me conheces muito bem. — Entreguei o latão de cerveja em suas mãos. — Odeio isso.
— Odeia nada. — Ela tomou alguns goles rápidos de cerveja. — Tu amas isso, que eu sei.


Todo e qualquer tipo de conversa que eu tinha com rendia mais e mais papo. Sendo uma pessoa que sempre gostara de conversar, eu amava isso. Era incrível. Nós dois éramos amigos há muito tempo e, de algum jeito, isso só fazia tudo ser ainda melhor.
— Viu que hoje foi o dia mais quente do ano em Porto Alegre? — perguntou-me de repente.
— Meu deus, sim, passou dos quarenta graus. — Fiz careta. — Não há ventilador que lide com essa merda. A tarde foi terrível de aguentar.
— Nem me fale! Eu não gosto de frio e tal, mas sabe o que odeio de verdade? Temperaturas extremas. — Bufou, revirando os olhos. — Não sei como as pessoas continuam relacionando o Rio Grande do Sul com o frio quando a gente parece o próprio inferno.
— Ah, … É porque essa é a visão elitista da serra que os ricos e a imprensa gostam de vender para o resto do Brasil. — Retorci os lábios. — Todo mundo cai fácil nessa ideia de que o estado se resume à serra.
— Nossa, tem razão. — Ela acenou em concordância. — Cara, com esse calor dá até pra entender por que todos os nossos amigos foram para a praia.
— Sabia que até a pirralha foi? — adicionei.
— Deveria parar de chamar a Beatriz assim — repreendeu-me. — Sua irmã já tem vinte anos, .
— É um apelido carinhoso! — defendi-me.
— Claro que é. — caiu na risada. — Não, mas é sério, tu só tens cinco anos a mais que ela.
— Não precisa fazer questão de me lembrar todos os dias que já cheguei aos 25. Ai, ai… Tão próximo dos vinte e tantos. — Fechei os olhos e suspirei. — Parece que estou apenas envelhecendo sem ir a lugar nenhum.
— Bah, , nem começa com isso. Eu mesma vou completar 25 no começo do ano — lembrou-me. — Mas me diga uma coisa: se até a Beatriz foi com eles, por que tu não foi? Achei que não tivesse trabalhado hoje.
— Não trabalhei mesmo. — Dei de ombros. — Mas e tu? Só trabalhou até às cinco da tarde, não? Também poderia ter ido. Aposto que alguém te esperaria para dar uma carona, mesmo que tivesse que pegar o trânsito lento na Freeway* depois. Tu não trabalhas amanhã, né?
— Para a minha sorte, e talvez por algum milagre, a loja não vai abrir amanhã — suspirou. — Mas ir hoje pra Tramandaí e voltar amanhã? Só de pensar nisso, já morro de cansaço.
— Pior que faz total sentido. — Cocei a cabeça, rindo um pouco. — Gosto de ir pro litoral norte por causa da praia mesmo, sabe? Pegar um mar e dar uma banda por lá que nem a gente fez no carnaval de 2012, que passamos duas noites na Barra de Imbé.
— Bah, que saudades dos nossos dezessete anos. — Fechos os olhos, sorrindo. Aquilo também me deixava um tanto nostálgico. — É por isso que não foi com eles, então?
— Não exatamente. Vou tirar dez dias de férias agora, a partir do dia dois, então poderia ficar mais tempo — revelei. — Para ser sincero, não sou tão fã assim de Ano-Novo na praia. Ficar na areia? Entrar naquele mar lotado de gente bêbada? — Franzi o nariz. — Não, obrigado.
— Meu deus, sim! Te entendo completamente. Não sinto a mínima falta de fazer essas coisas. — encolheu os ombros. — Ano passado, por exemplo, passei a virada na casa da tia Márcia. Era a vez de ela ser a anfitriã da festinha da família, então juntou todo mundo na casa dela, aí fizemos um churrasco e ficamos bebendo até às quatro e pouca da manhã. Até que foi bem legal.
— Comigo foi a mesma coisa, só que na casa do tio Cláudio, em São Leopoldo — contei. — Mas é isso, em vez do Réveillon, prefiro passar o Carnaval na praia.
— Sim! Junta muito mais gente em outros lugares da praia no Carnaval, enquanto na virada o foco é todo lá na areia — comentou. — Gosto de ir à orla para tomar banho de mar, beber caipirinha e comer milho verde.
— Essa é a graça!!! — empolguei-me. — Sem contar que nos primeiros dias do ano a maré costuma estar muito alta e o mar não é tão bom assim.
— Verdade. A vez que o mar mais estava legal para mim foi justamente naquele Carnaval de 2012. A água, não tão suja quanto de costume, a maré boa demais… Lembro de entrar até bem longe no mar sem correr muito risco. — Ela abriu um sorriso enorme. — Não pisei em nem sequer um buraco naquela vez, acredita?
— Impossível! — Meu queixo caiu. — Tu és uma deusa do mar ou coisa parecida? Eu nunca consigo evitar aquelas merdas de buracos. Nem uma vezinha.
— Olha, se eu fosse mesmo uma deusa do mar, acho que pelo menos eu saberia nadar. — Piscou para mim de forma exagerada.
— Não é tão difícil quanto parece, — falei. — Já disse que eu poderia te ensinar, mas tu sempre se esquivas.
— E pretende fazer isso como, ? Me jogando no Guaíba agora para ver se eu saio nadando magicamente? — Apontou para o rio. — Não, obrigada. Estou muito bem aqui, em terra firme.
— Viu só? — Estreitei os olhos. — Acabou de se esquivar de novo.
— Não zoa da minha cara. — Ela fez beicinho. — Eu tenho medo.
— Certo — assenti —, mas não precisa ter medo de nada comigo do teu lado.
levantou o olhar e me fitou.
— Eu sei. — Um pequeno sorriso brotou no canto de seus lindos lábios. — Me sinto segura contigo.

*O trecho da BR-290 entre o município de Osório (no litoral norte do Rio Grande do Sul) e Porto Alegre é conhecido como "Freeway".



Georgie e eu passamos um bom tempo caminhando pela Orla do Guaíba entre a multidão de pessoas. Aproveitamos a volta para comprarmos algo para comer, além de, é claro, mais cerveja. No entanto, não importava o quanto eu me esforçasse para demonstrar que estava bem e feliz, cada vez ficava mais óbvio que percebia que havia algo de errado. Aquela mulher tinha quase um sexto sentido em relação a mim. Era inexplicável.
— Qual é, ! Sei que tem algo te incomodando — insistiu mais uma vez. — Dá pra ver nesses olhinhos melancólicos.
— Era só a fome — menti, ao colocar o último pedaço de pastel na boca.
— Espertinho — murmurou. — Se fosse um daqueles problemas que pode ser resolvido ou esquecido com um pastel e uma cervejinha, tu já estarias com um baita sorriso no rosto.
— Tu é que tem um olhar muito perspicaz. — Abri um sorrisinho forçado e apontei para os meus lábios. — Estou sorrindo, viu? Só estava refletindo sobre o ano que se passou.
— Um ano que não foi muito bom. — Estalou a língua.
Passamos por trás do palco, que fora montado especialmente para as apresentações da festa da virada, e fomos para o lado onde ficava a bilheteria de passeios de barco. Infelizmente, nenhum dos bancos entre o prédio do Gasômetro e o parapeito do rio estava vago; mas pelo menos não havia tanta gente ali quanto nos outros lugares.
— E então… — Dei uma boa olhada em , desde seus pés, que calçavam um Vans Old Skool preto, até a cabeça, onde ela expunha um meio sorriso astuto que a deixava ainda mais linda. — Vestido preto na virada? Sério mesmo, ?
— Ah, para! A listra do meu vans é branca. E até parece que eu usaria um vestido de outra cor. — Deixou uma risadinha escapar. — Sabe que eu quase sempre visto preto no Ano-Novo, é quase uma tradição.
— Tu és muito do contra, meu deus do céu! — Revirei os olhos, mas não pude deixar de me divertir com aquilo. , de algum modo, me divertia até em meus piores momentos.
— Dizem que aquariana é assim mesmo, não é? — Ela deu de ombros.
— Como se tu ligasse para signos. — Tive que rir.
— Tem razão, eu não ligo a mínima e nem entendo porra nenhuma. Mas a sua irmã sempre diz que eu sou a típica aquariana, então deve ser verdade. — Ela riu. — E o que tu quer falar de mim, hein? — Apontou minha camiseta. — Tu tá usando roupa preta, porra!
— Bem notado, espertinha — falei — mas minha skinny jeans é branca.
— Notei isso também, ficou um gato. — Cutucou o meu ombro. — Também está chatinho e implicante hoje.
— Bem do jeitinho que tu gosta — provoquei, a fazendo cair na risada outra vez. Nossa, como eu gostava da risada dela. — Ei, quer saber? Não deveria falar muito do que eu visto quando 90% do que tu veste são camisetas de banda.
— Ai, essa doeu! — Levou a mão ao peito, uma expressão exagerada tomando sua face. — Está me criticando uma hora dessas, ?
— Não, eu jamais faria isso. — Fiz um gesto displicente com a mão. — Para falar a verdade, essa é uma das coisas que eu mais gosto em você.
— Ah, é? — Sua feição se transformou em um sorriso fascinante que iluminava toda a minha visão. — E qual das minhas camisetas de banda você mais gosta?
— Aquela do NOFX que tu cortou as mangas e gosta de usar com sutiã preto ou vermelho, já que sempre fica à mostra — respondi, sem rodeios. Já havia pensado sobre aquilo muito mais vezes do que seria capaz de admitir. — Também gosto daquela que tu comprou este ano, sabe? A da banda de pop punk canadense… Caralho, eu me esqueci do nome.
— O que significa que ainda não ouviu as músicas que te mandei. — Abriu mais a boca e semicerrou os olhos. — Pelo amor de deus, guri, eu te fiz uma playlist!
— Eu sei! Vou escutar nesta madrugada, prometo. Ou amanhã, caso eu esteja com muito sono quando chegar em casa. Pode me cobrar. — Passei a mão pelos cabelos. — Como se chama mesmo?
— Aff, ! — Revirou os olhos, rindo. — É a Underclasses.
— Ah, é verdade! — Bati a palma da mão na testa. — O nome da banda é por causa de “Underclass Hero” do Sum 41, né?
— Sim, o primo do vocalista que sugeriu — contou-me. — Aquele jogador de hockey, sabe? Ou será que é ex-jogador? Não sei mais, não consigo me lembrar do nome dele.
— Olha aí!!! — Usei meu melhor tom acusatório. — Está me cobrando para escutar as músicas da Underclasses, mas até hoje ainda não começou a assistir hockey.
— Eu vou começar, juro — prometeu.
— Aproveita que a temporada ainda está rolando, então — aconselhei. — E, por favor, não torça para os meus rivais. Já não basta tu ser colorada.
— Sai fora, gremista fanático, tu sabe que eu quase nem acompanho mais o nosso futebol. — Fez um beicinho exagerado. — Ultimamente, só estou viciada em futebol americano e no meu Packers.
— Pelo menos em um esporte a gente torce para o mesmo time!
— E foi por culpa sua — acusou, com um belo sorriso dançando em seus lábios. — E aí, já tá pronto para me contar por que está tão pensativo hoje? Sei que não é pela merda de ano que se passou, , então nem adianta tentar mentir.
— Vou desistir da banda. — Deixei as palavras saírem, todas de uma só vez, mas nem isso tornou a confissão menos dolorosa. Era quase como se eu tivesse cravado uma faca bem afiada em meu próprio coração.
— Por que eles foram para a praia sem a gente? — brincou, mas seu rosto se endureceu como uma rocha ao perceber que não era zombaria, que eu estava falando sério. parou bem na minha frente, de cenho franzido. — Não brinca comigo, .
— Não é brincadeira — lamentei. — Minha cabeça está uma confusão no momento, eu sei, mas estou realmente pensando em desistir da banda.
— Não, nunca. De jeito nenhum! — Balançou a cabeça violentamente para enfatizar ainda mais a sua negação. — Por que isso agora?
— Já tenho 25 anos, . Preciso dar mais duro no meu trabalho de carteira assinada, arrumar um canto para morar sozinho e me manter. — Passei a mão pelos cabelos já bagunçados. — Eu amo tocar e cantar, sabe? Mas parece que não estamos indo a lugar nenhum.
— Mas um dia irão, ora essa! — interveio. — O futuro está guardando coisas melhores e maiores para nós, me ouviu?
— Não estou conseguindo enxergar esse futuro brilhante ao qual se refere — suspirei.
— Foda-se esse seu pessimismo! Olha para mim, . — agarrou o meu rosto e me fez erguer a cabeça para encará-la. — Essa banda sempre foi o seu sonho. Não pode simplesmente deixar tudo ir embora sem mais nem menos.
— Mas é tão difícil — queixei-me, soando quase como uma criança atordoada. — Eu ando exausto.
— Eu te conheço bem, , tu ama isso — enfatizou. — E você me tem, se lembre disso. Eu não vou te deixar desistir, nem que eu tenha que dar um jeito de te incentivar todo santo dia.
— Tá bom. Vou pensar sobre isso. — Tentei expor um sorriso para ela. — Tu é ótima, sabia?
— Claro que sou. — Apertou o meu ombro, um sorrisinho orgulhoso brincou nos cantos de sua boca. — Mas pensa só, se tu acabar com a banda, como eu vou poder chegar nas pessoas no futuro e falar: “ei, sabe o vocalista gato da Crazy Kids? Passei o Ano-Novo com ele”.
— Ah, então é só por isso que não posso desistir, é? — perguntei, em tom brincalhão.
— Sabe bem que não — respondeu-me. — Jamais me perdoaria se te deixasse desistir de uma das coisas que mais deseja nesse mundo. Sem contar que amo ouvir a sua voz naquelas músicas.
— Ama, é? — Arqueei as sobrancelhas.
— Também não precisa começar a se gabar.


Não foi preciso muito tempo parados ali, conversando e curtindo a companhia um do outro para perceber que também estava para baixo. Em parte, a tristeza se dava por causa do fim do ano que, apesar de empolgante, trazia muitas reflexões. Mas não era apenas aquilo. Pelo que entendi do pouco que ela deixara escapar no meio das conversas, o desânimo maior dizia respeito às suas decepções amorosas — ou a falta delas — no ano de 2019, exatamente como eu.
— Por que gosta de mim, ? — perguntou-me de repente, voltando a tocar no assunto das inseguranças do ano.
— Como assim? Que tipo de pergunta é essa? — Mordi o lábio, enquanto a assistia beber mais um gole da nossa cerveja compartilhada. — Além de ser uma amiga incrível, a melhor delas, tu sempre me ajuda a encontrar uma direção quando estou perdido. É quase como uma bússola na minha vida. Isso é… eu não sei, perfeito, talvez.
— Mas eu sou toda errada. — Encarou o chão, evitando o meu olhar.
— E eu, então? — Usei meu dedo indicador para erguer o seu queixo, vendo seus grandes e belos olhos piscarem enquanto fitavam os meus. — A gente faz o que dá. A gente tira o melhor do que a gente tem, . Não precisamos ser perfeitos.
— Mas tu é — indicou.
— Não chego nem perto disso. — Coloquei uma mecha do cabelo dela para trás da orelha. — E olha quem fala…
Permiti que meu olhar vagasse demoradamente de seus olhos apaixonantes até os seus lábios tentadores. Me peguei umedecendo os meus e, quando tornei a retribuir o seu olhar, era ela quem olhava para a minha boca. Enxerguei aquilo como o sinal que eu precisava e queria, e me aproximei um pouco mais. desfez a distância entre nós com certa urgência. Uma de suas mãos agarrou o meu ombro com avidez enquanto a outra continuava a segurar a cerveja. Levei ambas as minhas mãos até sua cintura e a puxei contra mim, sedento, enquanto nossas línguas se tocavam com desejo. Ela mordeu, então, o meu lábio inferior para finalizar o beijo.
Em uníssono, deixamos uma pequena risada escapar, e escoramos as nossas testas uma na outra.
— A cerveja vai esquentar — murmurou, arrancando outra risada de mim. — Não gostamos dela assim.
— Não mesmo, é horrível. — Selei nossos lábios mais uma vez. — Ainda bem que nossos gostos são parecidos.
Peguei a bebida da mão dela e tomei os últimos goles. me acompanhou até uma lixeira para descartar o latão. Então andamos até uma barraquinha e compramos mais uma para cada um.
— Esta noite está sendo bem legal — comentou assim que bebeu alguns goles. — Ah, olha isso, 2020 já está batendo na nossa porta!
Os gritos de contagem regressiva começaram. e eu contamos juntos com aquela multidão de pessoas. Quando deu meia-noite, pulamos, aos gritos. Essa animação descontrolada resultou em bebida derramada e muita diversão.
— Feliz Ano-Novo — desejei. — Isso aqui está sendo mesmo ótimo.
— Né! Feliz Ano-Novo pra ti também. — Sorriu para mim. — Nossos amigos sentiriam inveja da gente agora se soubessem como a noite está incrível.
— Aposto que eles estão podres de bêbados, querendo pular ondinha em Tramandaí neste momento. — Ri um pouco. — Eles nem vão lembrar da nossa existência esta noite.
— Verdade, eles que se fodam, então! — declarou, sorridente. — Quem perde são eles.
— E quem ganha sou eu. — Não consegui esconder o sorriso bobo e apaixonado que tomou os meus lábios.
E então colou os nossos lábios outra vez, em um beijo tão bom quanto o de mais cedo, apesar de mais calmo. Deixei-me levar pela sensação maravilhosa daquele instante, mas precisava me lembrar que eram apenas alguns beijos. Beijos e nada mais. No dia seguinte e nos que se seguirão, vai querer agir como se nunca tivesse acontecido.
Não, era mais do que isso. Ela agiria como se as partes românticas da noite tivessem acontecido entre ela e um cara qualquer que conheceu aqui no Gasômetro. Algo parecido com o que fazíamos com pessoas desconhecidas que beijávamos em festas pela capital. Mas talvez não. Talvez ela desejasse isso tanto quanto eu. Só que era cedo para saber, então era melhor estar preparado para o que fosse vir.
No entanto, isso era uma coisa para se preocupar mais tarde. Não hoje. Não antes que dormíssemos. Agora eu só queria curtir os fogos e me divertir com a garota mais legal que eu já tivera a oportunidade de conhecer.
— Não é o único vitorioso aqui — disse ela. — Eu também ganhei por ter escolhido ficar na capital.
sorriu-me o sorriso mais bonito do mundo, e o meu coração se derreteu. De mãos entrelaçadas, voltamos o nosso olhar para os fogos que explodiam pelo céu.
Um show magnífico de luzes.
Era assim que eu me sentia ao lado de .


FIM


Nota da autora: Gente, olha eu chegando aqui com a única fic minha do especial de fim de ano que não é de HOTD KKKKKKKKKKKKKK. Esse continho eu escrevi como um spin-off (uma prequel, na vdd) de um futuro livro meu (que nem comecei a escrever). E aí eu pensei: por que não disponibilizar ele gratuitamente aqui no Ficsverse? Então eu trouxe ele aqui pra vocês. Espero que tenham gostado. Tia Fran ama vcs <3

🪐


Nota da Beth Saturno: Amei demais essa história. Que fofura esses dois. Não vejo a hora de ler esse livro, hein? Arrasou demais, Frann. ♥

Se você encontrou algum erro de revisão ou codificação, entre em contato por aqui.
Para saber quando essa fanfic vai atualizar, acompanhe aqui.


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