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Revisada por Nyx 🌙

Finalizada em: 12/06/2025

Monte Verde, Minas Gerais - Brasil. 11 de Junho de 2026

— Como é que é? — cruzou os braços abaixo dos seios, visivelmente irritada com a informação passada pelo funcionário.

O jovem, provavelmente na casa dos vinte e cinco anos, mantinha as mãos entrelaçadas sobre o balcão, os olhos verdes — pareciam calmos até demais para , que estava começando a perder a paciência. Ele começava a ficar vermelho, provavelmente com vergonha da empresa onde trabalhava.

— Você está me dizendo que houve um “erro no sistema” e agora eu divido quarto com esse príncipe encantado aqui? — A ironia podia ser sentida ao final da frase, misturada à frustração.

— Ah, e somente a senhorita, alecrim dourada, acha que está irritada com a situação? Como se eu também tivesse culpa… — O homem revirou os olhos e cruzou os braços ao redor do tórax, o tom um tanto quanto mais calmo que o de .

— Eu realmente sinto muito, senhorita Baldrick e senhor — o funcionário disse com um suspiro contido, claramente tentando manter a compostura. — Houve uma falha no sistema durante a última atualização da nossa plataforma de reservas. Infelizmente, isso resultou em uma duplicidade de agendamento para a mesma cabana.
Ele deslizou os dedos nervosamente sobre o balcão.
— No momento, todas as demais cabanas estão ocupadas e não temos nenhuma outra acomodação disponível até o fim do feriado. Entendo o transtorno, de verdade. Por isso, o que posso oferecer é um reembolso total caso um dos senhores deseje cancelar a estadia… ou, se aceitarem compartilhar a cabana, a pousada se responsabiliza por conceder um desconto de 40% no valor total da reserva, além de incluir café da manhã completo e acesso gratuito à área de spa durante todos os dias.
Ele hesitou por um segundo, lançando um olhar conciliador entre os dois.
— A cabana é equipada com cama queen, lareira e banheiro privativo. É bastante aconchegante, mas… infelizmente, só há uma. De novo, peço desculpas em nome do estabelecimento. A decisão final é de vocês.
, ainda com os braços cruzados abaixo dos seios, bufou alto e então balançou a cabeça em negativa, sem acreditar que já estava tendo problemas numa data em que tudo que ela mais queria era relaxar, se curar de um término horrível e paz. Olhou novamente para o rapaz a seu lado que a encarava de volta, com cara de poucos amigos.
— O que você sugere, príncipe encantado? Que tal nós comprarmos um colchão inflável para você? — ela ergueu a sobrancelha enquanto descruzava os braços.
— Uma cama queen é o suficiente para que nós dois nem vejamos a cara um do outro, alecrim! Eu não vou voltar para São Paulo agora, não depois de passar mais de três horas dirigindo para chegar aqui.
— E com a estrada lotada! Nem pensar! Ou seja, honey… vamos ter que dividir a cabana, porque eu também não vou me destrambelhar três horas para voltar para São Paulo.
piscou de forma quase provocante para ele, mas a ironia continuava ali estampada no rosto e nos gestos teatrais dela.
Ô, meu querido! — Ela chamou pelo jovem que os havia atendido sem esperar pela resposta do senhor — Vamos fazer o check-in? Parece que o destino decidiu que eu precisava de companhia.
🍃🍃🍃

Com na frente, seguiu logo atrás dela até a cabana de número quatorze. Era óbvio que ele, assim como , não estava nada satisfeito com a situação.
“Tudo o que eu queria era um final de semana de paz.”
Ele havia planejado aquela viagem com mais de um mês de antecedência. Reservou a cabana simples, mas aconchegante, com a esperança de passar os três dias longe das cobranças, dos amigos insistindo para que ele "saísse mais", e — acima de tudo — da lembrança incômoda de que estava sozinho em mais um Dia dos Namorados.
suspirou, ajeitando a alça da mochila no ombro.
“Todo mundo namorando. E eu, dividindo cama com uma mulher que me chamou de príncipe encantado com o veneno de uma serpente.”
Não que ela fosse feia — pelo contrário. Era bonita até demais, daquele tipo que provavelmente sabia o efeito que causava nos outros. Mas falava como se estivesse atuando numa peça de comédia dramática, cheia de floreios e sarcasmo. Exaustivo. E ele só queria silêncio.
Tranquilidade. Lareira. Um livro. Talvez vinho. Sozinho.
Agora, no entanto, lá estava ele: arrastando uma mala até a porta da cabana, dividido entre rir do absurdo da situação e considerar dormir no carro.
parou diante da porta e olhou para trás, arqueando a sobrancelha.
— Tá vindo ou quer que eu te busque de carrinho de golfe, majestade?
“Três dias.” — ele pensou, tentando se lembrar das técnicas de respiração que o terapeuta havia ensinado. “É só aguentar três dias.”
Ele respirou fundo, forçando um sorriso tenso.
— Claro. Afinal, o sistema quis assim, né?
E entrou, pronto para sobreviver ao feriado mais romântico do ano... com uma completa desconhecida dividindo a mesma cama.
A cabana de número quatorze era tão aconchegante quanto o site prometia — talvez até mais. O cheiro de madeira recém polida, misturado ao leve aroma de lavanda no ar, criava uma atmosfera intimista e calma. A lareira de pedra ao fundo estava apagada, mas o cesto com lenha ao lado prometia noites quentes, caso o frio de Monte Verde resolvesse apertar.
entrou primeiro, girando os olhos em uma rápida inspeção do lugar. Tapetes felpudos, uma pequena estante com alguns livros e jogos de tabuleiro, uma cozinha americana charmosa e... a bendita cama queen, feita com lençóis brancos e mantas bege que combinavam com o restante da decoração rústica.
— É... pelo menos a pousada tem bom gosto — comentou ela, largando a bolsa sobre a poltrona que ficava ao lado da cama. — Se você roncar, dorme no sofá.
entrou logo depois, parando por um instante para olhar ao redor. A verdade é que o lugar era exatamente o que ele imaginava quando decidiu fazer aquela reserva: silêncio, conforto e uma vista decente. O que ele não esperava era uma mulher que falava como se estivesse apresentando um reality show romântico.
— Eu não ronco. E se você fala dormindo, pode esquecer qualquer tentativa de diálogo noturno — respondeu, já colocando sua mala perto da cômoda.
o encarou de soslaio, cruzando os braços.
— Você é sempre assim? Rabugento com desconhecidas ou só com mulheres que ousam pisar no seu espaço?
Ele deu um meio sorriso, sem humor.
— Só com pessoas que tratam um feriado pacífico como se fosse palco de stand-up.
Ela arqueou as sobrancelhas, como se tivesse sido pega de surpresa com a resposta, mas não disse nada. Apenas se virou e caminhou até a janela, abrindo a cortina para observar a paisagem montanhosa que se estendia do lado de fora. O céu nublado, típico de junho na serra, reforçava a sensação de que aquele era um lugar isolado do resto do mundo.
— Sabe o que é engraçado? — ela murmurou, ainda olhando pela janela. — Eu vim para cá justamente para ficar sozinha. Pra respirar. Pra esquecer. E agora vou ter que dividir minha solidão com um completo estranho.
, do outro lado do quarto, também encarava a vista. Ele não disse nada de imediato. Pela primeira vez desde que se conheceram — ou, melhor, desde que bateram boca na recepção —, havia algo na voz dela que não parecia provocação. Só cansaço.
— Estamos no mesmo barco, alecrim — ele disse, enfim, sua voz mais baixa. — Eu também só queria esquecer.
O silêncio que se instalou a seguir não foi hostil. Foi quase... compreensivo.
Talvez, só talvez, aquela convivência forçada não fosse um completo desastre.
Ainda.
— Podemos pelo menos tentar tornar isso tudo mais fácil então, príncipe encantado?
— E como você sugere que façamos isso, querida? — Foi a vez de ele usar seu lado irônico.
Sentou-se na beirada da cama e a encarou diretamente nos olhos.
sentiu levemente o impacto dos olhos dele, como se eles lhe perfurassem a alma.
Não era um olhar comum. Não era irritado, nem impaciente — o que teria feito sentido, considerando o tom irônico que ele acabara de usar. Era firme, direto... mas havia algo ali, por trás da superfície. Algo que ela não soube nomear de imediato.
Era como se, por um segundo, ele tivesse despido qualquer sarcasmo e estivesse realmente a vendo. Não a mulher teatral da recepção. Não a hóspede inconveniente. Mas a mulher cansada, ferida, tentando manter a pose.
desviou o olhar por um instante, o coração batendo um pouco mais rápido do que deveria. Respirou fundo, tentando recuperar o controle da própria postura.
Ela estava ali para se curar, para se reerguer. Não para se perder de novo em olhares bonitos de homens que sabiam como perfurar certezas.
— Só... regras básicas de convivência, talvez — disse, recompondo o tom, como se nada tivesse acontecido. — Cada um respeita o espaço do outro. Sem comentários desnecessários, sem crises, sem atritos. Somos dois adultos civilizados tentando sobreviver ao mesmo feriado. Simples assim.
Ele assentiu devagar, os olhos ainda fixos nela, mas com um leve sorriso no canto dos lábios. Como se tivesse percebido a pequena fissura na armadura dela — e escolhido não explorá-la.
— Fechado, alecrim dourado. — Fechado, príncipe encantado.
E por um instante, o ambiente não parecia tão apertado. Nem a cama tão pequena.
🍃🍃🍃




Em silêncio ambos começaram a guardar suas roupas pouco a pouco no grande guarda-roupas do quarto, depois de pacificamente dividirem o espaço entre eles com coisas como “ah, mulheres sempre precisam de mais espaço, então eu fico com as gavetas” e “ah, tudo bem então, vou colocar só as roupas que podem amassar nos cabides, o resto deixo dentro da mala mesmo”.
Já dentro do banheiro privativo, encarou a pia de mármore cinza e viu que ela era bem pequena, e que provavelmente seus itens não caberiam ali junto com os do senhor . E só aí ela percebeu que ainda nem sabia o nome dele.
— O seu nome é ? — Ela virou o corpo na direção dele, que agora arrastava a mala até um canto do quarto.
— Sobrenome. Meu nome é . E o seu? — Ele ergueu o corpo e os olhos para encará-la, escorada na porta do banheiro.
piscou algumas vezes e respondeu:
. Muito prazer, príncipe encantado.
— Muito prazer, alecrim dourado.
Os dois permaneceram assim, se encarando por alguns minutos e quando percebeu que poderia acabar se perdendo levemente na profundidade dos olhos de , ela se voltou para dentro do banheiro outra vez. O coração acelerado, dentro do peito e ela se perguntou o porquê, já que haviam sido apenas alguns minutos encarando um completo estranho.
— Você se importa se eu colocar os meus itens de higiene aqui na pia? É que não vai caber os meus e os seus…
Ela perguntou num tom mais suave, ainda de costas, enquanto começava a retirar uma necessaire elegante da mochila. Os frascos de skincare, escova de dente e perfume estavam organizados com precisão quase cirúrgica.
encostou a mala no canto com um leve suspiro e se aproximou da porta do banheiro, ficando a poucos passos dela.
— Eu sobrevivo. Nem tenho muita coisa mesmo. Shampoo dois em um, pasta de dente e um desodorante. Minimalismo de homem solteiro.
soltou um riso abafado.
— Não me diga. Estou surpresa que você não tenha trazido uma pedra de sabão e uma toalha velha.
— Ei, eu trouxe uma toalha decente. — Ele ergueu a mão em sinal de defesa, com um meio sorriso. — E pelo menos meu desodorante é antitranspirante. Isso conta como consideração, né?
Ela balançou a cabeça, ainda rindo, e começou a posicionar seus frascos de forma ordenada na parte disponível da pia.
— Ok. Você ganha pontos por isso. Mas eu fico com o lado esquerdo, combinado?
— Combinado. Só não me culpe se meu shampoo invadir território.
Ela ergueu o rosto devagar, os olhos encontrando os dele mais uma vez. O clima entre os dois oscilava entre implicância e algo que ela ainda não queria nomear. A forma como ele a olhava — como se estivesse se divertindo, mas também prestando atenção de verdade — fazia algo pulsar dentro dela.
desviou o olhar rapidamente, focando novamente nos frascos.
“Não. Não. Nada disso. É só tensão de espaço. Isso não é flerte. Isso não é nada.”
— Vai querer tomar banho primeiro ou posso ir?
— Pode ir — respondeu ele, cruzando os braços. — Mas só se prometer que não vai roubar toda a água quente.
Ela sorriu por cima do ombro.
— Promessa de escoteira.
E fechou a porta com um clique suave, tentando ignorar o fato de que seu coração ainda batia um pouco rápido demais.
🍃🍃🍃

Enquanto tomava seu banho tranquilamente com a porta do banheiro devidamente trancada, andou pelo quarto, parando no guarda-roupas outra vez… Ali nos cabides, com as portas ainda abertas — já que nenhum dos dois havia se lembrado de fechá-las, ele viu pendurado em um cabide um vestido de seda salmão.
“Ou seria uma camisola?”, ele pensou levando instintivamente uma das mãos até o tecido, tocando-o. “Espero que seja um vestido, porque se for uma camisola…”
parou o pensamento no meio. Como se o simples ato de formular aquela hipótese fosse o bastante para incendiar alguma coisa dentro dele — e ele não queria isso. Não devia.
A ponta dos dedos ainda tocava o tecido de seda, fino, leve, quase gelado ao toque. Um tipo de salmão rosado, delicado demais para ser só um vestido casual. Tinha alças finas, decote suave e comprimento indefinido, mas ele já sabia: não era feito para sair, era feito para ficar. Para repousar sobre a pele de alguém à noite.
“Definitivamente não é um vestido.”
Engoliu seco, recolhendo a mão de volta como se tivesse sido pego em flagrante.
Mas não foi. ainda estava no banho, a água do chuveiro correndo do outro lado da porta — e ele ali, se pegando imaginando o que ela usaria para dormir.
Era loucura. Eles mal se conheciam. Ela o irritava com aquelas tiradas afiadas, aquele jeito espalhafatoso… mas, ao mesmo tempo, havia algo hipnótico nela. Nos olhos que desafiavam e na vulnerabilidade que vez ou outra escapava pelas brechas.
passou a mão pelos cabelos, tentando se recompor.
“É só uma camisola. Só um pedaço de tecido pendurado num cabide. Nada demais.”
Mas a verdade é que aquela imagem — a ideia dela usando aquilo, caminhando pelo quarto compartilhado, deitar-se naquela mesma cama onde ele também estaria — grudou em sua mente com mais força do que ele gostaria de admitir.
Respirou fundo, fechou as portas do guarda-roupa com um leve estalo e se afastou, como se o móvel fosse culpado por provocar pensamentos indevidos.
“Três dias. Só preciso sobreviver a três dias.”
Mas algo dentro dele já sabia: Não seria assim tão simples.
O som da água cessou. , agora sentado na poltrona próxima à janela com o celular nas mãos, ergueu os olhos apenas quando ouviu o clique suave da porta do banheiro se abrindo.
E então ela surgiu.
saiu envolta em uma nuvem discreta de vapor, os cabelos úmidos presos em um coque improvisado no topo da cabeça, algumas mechas soltas caindo pelas têmporas. Estava vestindo…uma camisola idêntica a outra pendurada no cabide dentro do guarda-roupas. Sim, definitivamente não era um vestido.
O tecido salmão parecia feito para moldar e escorregar sobre cada curva dela, caindo até um pouco acima dos joelhos. As alças finas deixavam os ombros à mostra, e a pele ainda levemente úmida refletia a luz morna do abajur com um brilho quase indecente. Mas não era vulgar — pelo contrário. Havia um tipo de elegância despretensiosa ali, que deixava tudo ainda mais… complicado.
desviou o olhar no segundo seguinte, quase como se tivesse levado um soco nos pensamentos. Limpou a garganta discretamente e forçou os olhos de volta para a tela do celular, como se aquilo fosse o bastante para fingir que não viu.
Mas viu. E a imagem já estava impressa na retina.
— O banheiro é todo seu, senhor — disse ela casualmente, como se não estivesse usando uma peça de roupa capaz de desmontar qualquer homem distraído. Caminhou até a cama e começou a organizar suas coisas, alheia (ou fingindo estar) ao fato de que ele tinha ficado em silêncio por tempo demais.
Ele se levantou devagar, tentando agir normalmente. Quando passou por ela a caminho do banheiro, lançou um olhar breve — breve demais para ser notado, longo demais para não o atingir por dentro.
Bonito… digo, o banheiro. É… elegante. — disse rápido, entrando e fechando a porta antes que ela pudesse responder.
sorriu sozinha, mordendo o canto do lábio.
“Definitivamente percebeu.”
🍃🍃🍃

Quando saiu do banheiro, já vestido com uma calça de moletom cinza e uma camiseta preta, encontrou sentada na cama, mexendo no celular, com a camisola e um roupão fino por cima, agora entreaberto. Ela havia acendido a luminária de cabeceira e deixado o restante da cabana às escuras, criando um clima aconchegante — e perigosamente íntimo.
Ele pigarreou ao sair do banheiro, como se precisasse anunciar sua presença para evitar mais um susto (ou tentação).
— A água ainda tá quente, se quiser aproveitar pra lavar os pecados também — ela disse sem olhar, os olhos fixos no visor do celular, mas o tom provocador estava ali, suave.
— Já lavei. Não foi o suficiente pra purificar a alma, mas é o que temos.
Ela riu, baixinho, e deixou o celular de lado.
olhou para a cama. Aquela única cama.
— Alguma preferência de lado?
— Sim. O esquerdo. — Ela deu dois tapinhas no colchão, firme. — Tenho TOC com isso. Dormir do lado direito me dá insônia e vontade de brigar.
— Bom saber. — Ele contornou a cama, se deitando no lado restante, ajeitando o travesseiro de forma precisa demais. — Já que você já quer brigar mesmo, melhor evitar o motivo.
Os dois se ajeitaram sob a mesma coberta, ainda mantendo uma distância educada entre si. O silêncio caiu, apenas o som suave do vento batendo do lado de fora preenchia a cabana.
Mas o silêncio era tudo… menos confortável.
virou-se de lado, de costas para ela.
ficou de barriga pra cima, encarando o teto, os dedos mexendo nervosamente no lençol.
— Isso está muito estranho — ela murmurou.
— O quê?
— A gente. Aqui. Deitados. Em silêncio. Tentando fingir que isso é normal.
— É… — ele suspirou. — Mas não é, né?
— Não mesmo. — Ela sorriu no escuro. — Eu divido a cama com um estranho bonitinho e ainda assim me sinto como se estivesse participando de uma gincana emocional.
— Bonitinho?
— Não se empolga.
Ele riu. E pela primeira vez, o riso foi leve. Natural. E a tensão entre os dois se dissolveu um pouco.
— Três dias, lembra? — ele disse, baixinho, como se estivesse convencendo a si mesmo. — Só precisamos sobreviver a isso.
— Três dias. — ela repetiu. — E depois cada um volta pra sua vida, fingindo que nada disso aconteceu.
Os dois se calaram outra vez.
Mas agora, havia algo diferente no ar.
Não era mais desconforto.
Era expectativa.
E no escuro da cabana, dividindo a mesma cama, nenhum deles conseguiu dormir tão rápido quanto gostaria.
🍃🍃🍃




Monte Verde, Minas Gerais - Brasil. 12 de Junho de 2026
O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas de linho cru, criando listras douradas no chão de madeira da cabana. O ar estava frio, mas não desconfortável. O tipo de frio que pedia café quente, pão de queijo e uma blusa de lã.
foi a primeira a acordar. Tentando virar-se devagar, sentindo um calor inesperado atrás de si — e congelou.
O braço de repousava sobre sua cintura, como se, em algum momento da madrugada, ele tivesse se virado e a envolvido num gesto inconsciente. O corpo dele estava colado ao dela pelas costas, o calor da respiração dele batendo em sua nuca.
“Ah, ótimo.”
Ela fechou os olhos por um segundo, tentando decidir se o desconforto era real… ou se aquele contato despertava nela algo muito mais perigoso: vontade de ficar ali por mais tempo.
Devagar, retirou a mão dele com delicadeza, tentando não o acordar. Mas assim que fez isso, resmungou baixo, os olhos se abrindo em seguida.
— Já é de manhã? — a voz saiu rouca, ainda arranhada pelo sono. Ele piscou, focando nela. — A gente… dormiu colado?
— Você que veio parar em mim. — Ela se virou, tentando soar firme. — Teve um momento ali que eu pensei que ia acordar grávida só pelo contato.

Ele soltou uma risada baixa, ainda sonolento, e se afastou, sentando-se na beirada da cama.
— Desculpa. Costumo dormir sozinho. Meu corpo deve ter se confundido.
— E o meu se sentiu invadido. Mas ok. — Ela também se sentou, puxando o roupão e enrolando-o ao redor do corpo. — Tá perdoado… por enquanto.
Pouco depois, os dois desceram até o restaurante da pousada para o café da manhã. O lugar era acolhedor, com janelas grandes e vista para as montanhas cobertas de neblina. A lareira da sala comum já estava acesa, espalhando um calor gostoso pelo ambiente.
pegou duas xícaras de café e colocou uma na frente dela, sentando-se à mesa de madeira rústica.
— Paz e pão de queijo. É o que eu preciso hoje.
— Concordo. — passou manteiga em uma fatia de pão fresco. — E talvez uma massagem no spa. Ou uma lobotomia, caso você encoste em mim de novo dormindo.
— Ei, não me provoca. Posso encostar agora acordado, se preferir.
Ela ergueu os olhos, encontrando o sorriso dele.
— Vai acabar se apaixonando, .
— Já sobrevivi a coisa pior.
Ela riu, e por um instante, o ar entre eles ficou leve.
Sem piadas forçadas, sem máscaras.
Apenas dois desconhecidos… começando a deixar de ser.
🍃🍃🍃

Depois do café, decidiu explorar a vila por conta própria. Colocou um casaco leve, botas e saiu com o objetivo de caminhar sem rumo pelas ruelas floridas e pelas lojinhas cheias de artesanato, doces e lembranças. O céu ainda estava nublado, mas a brisa fria tornava tudo mais cinematográfico do que desconfortável.
Ela andou por um tempo, entrando em uma livraria charmosa, depois numa loja de velas artesanais, onde comprou uma que dizia “calmante para coração partido” — e riu sozinha da ironia. Estava quase convencida de que conseguiria passar o resto do dia sozinha, em silêncio, em paz.
Mas o destino — ou o azar, quem sabe — parecia decidido a não a deixar muito tempo longe de .
Ela o avistou perto do coreto da praça principal, debaixo de uma árvore, observando um mapa turístico com cara de quem não sabia se estava perdido ou só entediado. Usava um casaco preto, uma das mãos nos bolsos e a outra segurando o mapa, o cabelo bagunçado pela umidade do ar.
Ele também a viu. E sorriu.
Stalkeando meu roteiro ou foi coincidência? — ele perguntou quando ela se aproximou.
— Isso aqui tem dois quilômetros quadrados. A gente ia se esbarrar de qualquer forma — respondeu, cruzando os braços, embora um leve sorriso estivesse se formando em seu rosto.
Antes que ele pudesse retrucar, um trovão cortou o céu. E segundos depois, a chuva caiu — fina, gelada e implacável.
— Ah, claro — resmungou. — Clímax de comédia romântica ativado.
Eles correram juntos até uma marquise estreita, ao lado de uma loja fechada, encolhendo os corpos um contra o outro para caberem no espaço seco. Estavam próximos demais. Respirando o mesmo ar. Sentindo o cheiro do outro. A pele do braço dele tocando a dela.
— E eu que achei que Monte Verde fosse mais romântico do que dramático — ele murmurou, sacudindo o cabelo molhado.
— Romântico é um quarto só. Uma cama só. Uma camisola de seda.
Ele virou o rosto para ela, surpreso pelo comentário.
desviou o olhar com um sorrisinho nos lábios.
— Tô brincando. Relaxa.
— Pena. Porque eu não estava.
Ela piscou, o sorriso sumindo por um segundo. A chuva batia forte no chão de pedras, mas o som que enchia seus ouvidos era outro.

— Calma, alecrim. — Ele sorriu de lado, mais suave agora. — Só disse que não estava brincando. Não disse que ia fazer nada a respeito.
Ela o olhou por um segundo longo demais, o coração inquieto.
“Ele é só um estranho. Três dias. Só três dias…”
Mas havia algo nos olhos dele que ela já conhecia. Algo que o ex-namorado nunca teve: calma. Presença. Cuidado disfarçado de ironia.
O silêncio voltou a se instalar entre os dois — mas, mais uma vez, não era desconfortável.
Era o tipo de silêncio que preenche, não que pesa.
O trovão seguinte sacudiu as montanhas ao fundo, mas nenhum dos dois se mexeu.
Sob a marquise estreita, com o som da chuva e os corações batendo num ritmo estranho, e apenas ficaram ali. Sem se afastar. Sem se aproximar demais. Sem saber o que fazer com o que estavam começando a sentir.
E talvez, só talvez... fosse assim que tudo começava.
🍃🍃🍃

Quando voltaram para a cabana, a chuva ainda caía lá fora, pesada, densa e intensa. Os dois estavam molhados, — encharcados na verdade, e tirou o casaco, o colocando em um canto no chão.
Os cabelos dela estavam colados nas têmporas, os fios escuros grudados à pele, e a fina blusa que ela usava por baixo do casaco já começava a grudar no corpo, revelando mais do que escondendo.
entrou logo depois, empurrando a porta com o pé antes de puxar a própria jaqueta molhada e pendurá-la na maçaneta.
— Tá parecendo cena de filme mesmo... — ele comentou, tirando os tênis encharcados e alinhando-os perto da porta.
— Se for, espero que tenha vinho e coberta quente no roteiro — respondeu, abraçando o próprio corpo para afastar o frio que começava a morder a pele molhada.
Sem pensar duas vezes, se aproximou da lareira, se abaixou e começou a empilhar a lenha que já estava preparada no cesto.
— Deixa que eu acendo — disse ele, com a voz mais baixa. — Vai se trocar. Você tá tremendo.
Ela hesitou por um instante, observando o gesto, a naturalidade dele em cuidar daquela pequena tarefa sem alarde, e então assentiu. Seguiu até o banheiro, sem pressa, sentindo as roupas colarem nas coxas a cada passo.
Enquanto isso, riscou o fósforo e acendeu a lareira. O estalo da madeira começando a queimar trouxe um calor imediato, preenchendo a cabana com o som familiar e reconfortante do fogo.
Quando voltou depois do banho, já vestida com uma calça de moletom cinza e um suéter largo que cobria uma parte da mão, encontrou a sala aquecida e agachado diante da lareira, ainda de camiseta, agora com os cabelos bagunçados e a expressão serena.
Ela parou na entrada do quarto, por um instante apenas observando.
Ele parecia… diferente. Quase bonito demais naquela luz amarelada, com as sombras do fogo dançando sobre a pele. Diferente do homem resmungão que conheceu no balcão da recepção.
— Já tá bem mais digno de comédia romântica agora — ela disse, quebrando o silêncio.
se virou, os olhos encontrando os dela.
— Faltam só as taças de vinho, então.
Ela sorriu.
— E você sabe abrir uma garrafa ou é do tipo que se machuca tentando?
— Me respeita. — Ele se levantou. — Já sobrevivi a um término e a dividir uma cama com uma mulher com TOC. Eu consigo abrir uma garrafa.
— Então prove.
E ele provou.
Enquanto o fogo crepitava e a chuva insistia lá fora, duas taças foram preenchidas, e o silêncio daquela noite parecia menos incômodo do que o da anterior.
Quase confortável.
Quase perigoso.
deu uma rápida bebericada em seu vinho e depois depositou a taça sobre a estante de livros e resolveu que precisava de um banho também. E não era só pela chuva. Ou pelo frio. Ou pelo fato de estar com os pés molhados desde o café da manhã.
Ele precisava de um banho para reorganizar os pensamentos. Para respirar fora do alcance daquele perfume leve que ela exalava. Para tentar entender por que, em menos de 24 horas, uma mulher que chegou chamando-o de "príncipe encantado" com sarcasmo já estava ocupando mais espaço em sua cabeça do que deveria.
“Isso aqui era pra ser um fim de semana de descanso”, ele lembrou a si mesmo, caminhando até o quarto e puxando a toalha com mais força do que o necessário. “Silêncio. Isolamento. Autocuidado.”

Não tensão no peito.
Não olhos que pareciam enxergar mais do que ele deixava mostrar.
Não camisolas de seda nem provocações com riso escondido.
Ele entrou no banheiro e ligou o chuveiro, deixando a água quente escorrer antes mesmo de tirar a camisa. Ficou ali, parado, observando o vapor tomar conta do espelho.
— Respira, — murmurou para si mesmo. — Só mais dois dias.
Do lado de fora, a chuva continuava a cair, e o fogo estalava na lareira. E por mais que ele tentasse se convencer de que ainda tinha tudo sob controle, uma parte dele — pequena, mas incômoda — já sabia: Era tarde demais pra isso.
🍃🍃🍃

permaneceu sentada no sofá, os pés descalços encolhidos sob as pernas, a taça de vinho entre os dedos. A lareira mantinha o ambiente aquecido, mas havia outra coisa queimando por dentro — algo que ela não queria nomear. Ainda não.
Ouviu a porta do banheiro se fechar e, logo em seguida, o som da água correndo. Fechou os olhos por um momento, tentando se concentrar no crepitar da lenha, no som constante da chuva, no peso leve do vinho no estômago.
Mas não adiantava. A imagem dele continuava ali. . De camiseta preta, cabelos molhados, aquele jeito meio desorganizado, meio cuidadoso.
Que droga.”
“É só carência
, ela tentou se convencer. Só isso. Um feriado, uma cama compartilhada e um cara minimamente bonito e decente. Óbvio que meu cérebro ia inventar alguma coisa.”
Ela deu mais um gole no vinho.
Desde o término, sua cabeça andava uma bagunça. Ela dizia que estava bem, que precisava de paz, de reconexão com ela mesma — mas, no fundo, havia um buraco. Um tipo de solidão que nem música, nem filmes, nem mensagens das amigas conseguiam preencher por completo.
E agora, ali estava ele. Um completo estranho. Gentil às vezes, rabugento outras, mas absurdamente humano. Real. Com suas falas tortas e olhares que não sabiam disfarçar tanto quanto ele imaginava.
E ela sentia.
Sentia o corpo reagir, sentia o coração dar sinais de que ainda funcionava, de que ainda reconhecia o perigo — ou o desejo.
“Mas não é isso que eu vim buscar. Não era por isso que eu precisava fugir. Eu não vim pra cair nessa de novo.”
Ela se recostou, fechando os olhos, respirando fundo.
— Respira, — sussurrou para si mesma. — É só carência. Só carência.
Mas no fundo, ela já sabia: Se fosse isso… não estaria tentando tanto se convencer.
A chuva não dava sinais de trégua, mas ao contrário da tempestade pesada que caiu com eles na rua, agora caía constante e fina, cobrindo as ruas de Monte Verde com uma névoa quase poética.
saiu do banho renovado — por fora e por dentro. Encontrou sentada à beira da cama, penteando os cabelos úmidos com calma, o roupão substituído por uma calça jeans escura, botas e um suéter branco de gola alta que a deixava casual e absurdamente bonita.
Ele passou a toalha pelos cabelos uma última vez, fingindo não notar que seus olhos ficaram tempo demais nela.
— A chuva parece que virou moradora oficial da cidade — ela comentou, levantando-se e ajeitando a alça da bolsa no ombro. — Tô com fome. E se a gente tentasse achar algum lugar por perto pra almoçar?
Ele ergueu uma sobrancelha.
— Achei que ia preferir comer em silêncio, longe da minha presença irritante.
— E eu prefiro mesmo. Mas acho que a fome venceu o orgulho. E eu sou muito boazinha, você que não quer admitir.
— Justo.
Ambos se agasalharam, pegaram guarda-chuvas — um deles meio quebrado, o que rendeu uma briga rápida e um “você leva esse porque é homem e aguenta mais” — e saíram cabana afora pelas ruas de pedra da vila.
A neblina tornava tudo mais silencioso, mas os restaurantes estavam abertos, alguns com placas escritas à mão convidando para pratos quentes e caldos artesanais. Passaram por uma vitrine de fondue e depois por uma cafeteria, até que apontou para uma pequena casa de esquina, com janelas em arco e luz amarelada acolhedora saindo de dentro.
— Esse parece promissor.
— Desde que não sirvam lasanha congelada em embalagem de plástico, pra mim tá ótimo — respondeu ele, empurrando a porta de madeira.
O sino pendurado no alto tilintou quando entraram. O cheiro de comida caseira, lenha e vinho tinto era reconfortante.
Foram levados a uma mesa próxima à janela, com vista para a rua encharcada e as árvores dobradas pela brisa fria.
— Parece cenário de filme francês — comentou, olhando lá fora, os dedos envoltos na xícara de água quente que a atendente trouxe antes dos pratos.
— Ou de pesadelo, se for seu primeiro encontro e você não tiver guarda-chuva — ele respondeu, tirando o casaco e pendurando-o na cadeira.
Ela sorriu. Não respondeu. Estava ocupada demais observando a forma como ele limpava os óculos com cuidado, ajeitava o cabelo rebelde e se inclinava para frente ao escutar — como se ouvir fosse uma ação intencional.
Almoçaram um risoto de cogumelos e um prato mineiro com tutu, couve e bisteca. A conversa foi leve, misturando histórias despretensiosas — ela falando da vez que caiu de um pedalinho num lago, ele contando de quando foi parar numa festa de casamento achando que era um bar aberto ao público.
— Você tem cara de quem se mete em encrenca — ela disse, limpando a boca com o guardanapo de papel.
— E você tem cara de quem começa elas.
Ela ergueu a sobrancelha.
— O que nos torna perigosamente compatíveis.
Ele sustentou o olhar por um segundo a mais, o sorriso sumindo devagar.
— Ou perigosamente imprevisíveis.
O garçom apareceu, quebrando a tensão com a sobremesa — um brigadeiro de colher compartilhado sem combinar.
Na volta para a cabana, debaixo do mesmo guarda-chuva remendado, caminharam lado a lado em silêncio. O tipo de silêncio que não pedia explicações.
E quando chegaram à porta de madeira da cabana catorze, o encarou por um segundo antes de empurrar a maçaneta.
— Acho que acabei de ter um bom almoço na data mais ridículo do ano.
— E eu acabei de rir de verdade pela primeira vez nesse mês.
Ela sorriu. Não disse nada.
Entraram.
E a chuva continuou a cair — agora, quase como trilha sonora.
Só então os dois pareceram se dar conta de que de fato, já era dia 12 de junho, ignorado e evitado Dia dos Namorados.
E ali estavam eles. Dois completos estranhos que, até ontem, pretendiam passar o feriado sozinhos... almoçando juntos, rindo juntos, e agora dividindo mais do que só a cama da cabana 14.
tirou o casaco com um suspiro leve, pendurando-o no cabide ao lado da porta. fez o mesmo, em silêncio. A lareira ainda guardava o cheiro da noite anterior, e o clima ali dentro parecia mais quente do que deveria.
Foi quando ela se virou para ele — e ele já a observava.
O olhar que se sustentou entre eles não era de provocação. Não havia ironia, nem zombaria. Era denso. Quente. Real.
Os olhos dele a exploravam com calma, como se tentassem decifrá-la. Como se já estivessem vendo mais do que ela gostaria que vissem.
ficou imóvel por um instante, o coração batendo mais rápido do que deveria. Sentiu o ar nos pulmões ficar mais pesado. Queria dizer alguma coisa, qualquer coisa — mas não havia nada que soasse leve o suficiente.
Então quebrou o contato visual. Rápido, como quem se protege de um mergulho mais fundo do que sabe nadar.
— A gente podia… — começou, tirando os sapatos como desculpa para olhar para o chão. — Sei lá. Abrir mais um vinho, montar alguma coisa na lareira. Comer besteira. Assistir um filme ruim na televisão do quarto.
levou alguns segundos para responder. E quando o fez, a voz era baixa, mas carregada de algo que ele também tentava disfarçar.
— Tipo um antídoto pro clima de “dia dos casais felizes”?
— Exato. — Ela endireitou o corpo e cruzou os braços. — Um pacto de negação. Um acordo entre dois solteiros em recuperação. Sem insinuações. Sem significados. Sem consequências.
Ele assentiu, caminhando até a pequena cozinha.
— Um plano sólido. Mas eu faço questão de escolher o filme ruim.
Ela arqueou uma sobrancelha, mais aliviada do que queria demonstrar.
— E eu faço questão de comentar cada cena como se fosse uma crítica profissional.
— Então estamos ferrados. — Ele abriu um sorriso leve. — Fechado, .
Ela ouviu seu nome sair da boca dele com naturalidade, e por um segundo… doeu de um jeito bom.
Fechado.
Mas no fundo — e os dois sabiam — nada ali estava, de fato, fechado. Só trancado. E começando a ameaçar arrebentar por dentro.
🍃🍃🍃




Era só vinho, cobertor e um filme ruim. Um acordo simples entre dois desconhecidos que fingiam que o clima não estava ficando mais denso a cada minuto.
estava na cozinha, pegando duas taças enquanto revirava o minúsculo armário da sala em busca dos DVDs que a pousada deixava como “cortesia”. Tudo antigo, em baixa resolução, e com sinopses que beiravam o absurdo.
— Achei um de comédia romântica dos anos 2000 com a Jennifer Lopez e um outro em que o mocinho é um cachorro — ele disse, virando-se com os dois cases em mãos. — Qual é a sua definição de “ruim”?
— O da Jennifer Lopez, com certeza — ela respondeu sem hesitar. — Ruim com gosto de guilty pleasure. Perfeito pra hoje.
— Concordo. O cachorro vai ter que esperar.
Enquanto ela abria o vinho, ele ajeitou os travesseiros no sofá, puxou o cobertor felpudo que ficava dobrado sobre a poltrona e conectou o DVD na TV com uma paciência surpreendente.
apareceu logo depois, entregando a taça para ele e se sentando ao lado com uma distância segura — segura até certo ponto. O sofá não era grande. E o cobertor era só um.
— Você pode puxar metade — ela disse, ajeitando o pano sobre as pernas. — Mas sem invadir território alheio. Aqui é tipo guerra fria.
— Tranquilo. Estou treinado em manter fronteiras emocionais e físicas. — Ele ergueu a taça para um brinde simbólico. — Ao nosso pacto de negação.
— E ao nosso fracasso iminente — completou ela com um sorriso curto, brindando.
O filme começou.
No início, eles riram dos clichês, fizeram comentários baixos sobre os diálogos exagerados, e pareceram estar seguros naquela zona de conforto cuidadosamente construída. Mas conforme o tempo passou, o silêncio foi tomando conta.
A comédia perdeu o foco.
O vinho aqueceu os corpos.
E o cobertor, aos poucos, deixou de ser uma divisória… para ser compartilhado.
As pernas de acabaram encostando nas dele. Primeiro por descuido. Depois por escolha.
não recuou.
Mas também não avançou.
Ela sentia o calor do corpo dele mesmo sem olhar. Sabia exatamente onde ele estava, o quanto havia se aproximado, o que aquele silêncio dizia mesmo sem dizer nada.
Em algum momento, ela falou sem pensar:
— Você sente falta?
— De quê?
— De… dividir. De ter alguém. — Ela ainda olhava para a tela, mas não via mais nada do filme.
demorou a responder.
— Sinto falta de não ter que fingir que não sinto falta. Isso conta?
engoliu em seco.
— Conta muito.
E por alguns segundos, nenhum dos dois disse mais nada.
Mas ali, sob o mesmo cobertor, em pleno Dia dos Namorados que juraram ignorar, algo mudou.
Talvez o pacto ainda estivesse de pé.
Mas as barreiras, essas… estavam cada vez mais frágeis.
🍃🍃🍃

A TV seguia ligada, mas a história na tela já não fazia mais sentido para nenhum dos dois.
O cobertor agora cobria os dois por inteiro, e os corpos estavam tão próximos que era difícil distinguir onde um terminava e o outro começava. As pernas se tocavam. Os ombros também. De vez em quando, os joelhos se esbarravam e nenhum dos dois se afastava mais.
A taça de vinho de já estava apoiada na mesinha, esquecida.
Ela ajeitou o corpo para o lado, tentando mudar de posição no sofá apertado, e sem querer — ou querendo demais — seu joelho roçou o dele com mais firmeza. A mão dela escorregou, pousando brevemente sobre a coxa dele para se equilibrar.
Foi um segundo. Um segundo longo o bastante para fazer o ar mudar entre eles.
virou o rosto devagar, encontrando o dela a poucos centímetros de distância.
Ela também virou.
E o mundo pareceu parar, assim como a respiração dos dois.
Os olhos de desceram para os lábios dele, rápidos. Quando voltaram para os olhos, ele já os encarava com um tipo de silêncio que dizia mais do que qualquer frase mal formulada.
E então ele se inclinou.
Lento. Cauteloso. Esperando qualquer sinal para recuar.
Ela não se afastou. Muito pelo contrário…
As respirações se misturaram. A distância entre os rostos diminuiu. A tensão se esticou como um fio prestes a arrebentar.
Mas antes que os lábios se tocassem, um trovão distante cortou o céu, fazendo as janelas da cabana tremerem.
piscou. Voltou um centímetro para trás. O suficiente para o beijo não acontecer… O suficiente para o momento escapar por entre os dedos.
sorriu de leve, sem zombaria dessa vez. Só... aceitação.
— Guerra fria, lembra?
Ela mordeu o canto do lábio e assentiu, o coração ainda acelerado.
— Lembro. A gente tem um tratado.
— E aparentemente, um péssimo timing.
Ela riu, mas o riso foi mais nervoso do que antes. Mais exposto. Mais verdadeiro.
— Tá ficando difícil manter o controle — ela disse, baixinho, como se confessasse mais a si mesma do que a ele.
— E ainda faltam dois dias, alecrim dourado.
O filme continuava. Mas agora era só trilha sonora.
E entre eles, o espaço estava cheio de tudo o que quase aconteceu.
E de tudo que ainda podia acontecer.
🍃🍃🍃

havia escolhido tomar banho primeiro, como sempre, e tratou de ocupar a cabeça arrumando algumas roupas e escolhendo alguma para vestir depois do banho. Precisava urgentemente tentar distrair a cabeça do momento do quase beijo entre eles, ou enlouqueceria.
Abriu a mochila, começou a dobrar algumas peças, escolheu uma camiseta escura e uma calça de moletom limpa para vestir depois do banho. Refez a dobra de uma toalha, ajeitou os travesseiros do sofá. Qualquer gesto era melhor do que parar. Porque se parasse... pensaria demais.
No rosto dela a poucos centímetros.
Na forma como os olhos desceram para a boca dele.
Na respiração dela acelerando, no calor entre os dois.
“Merda.”
Ele passou as mãos pelos cabelos e se sentou na ponta da cama, os cotovelos nos joelhos.
Ainda estavam em território neutro — tecnicamente. Mas por dentro, ele sentia que já tinha cruzado linhas invisíveis demais.
no banho não estava muito diferente. Deixava a água escorrer pelos ombros como se ela pudesse, de alguma forma, apagar os pensamentos que insistiam em voltar.
Fechou os olhos e encostou a testa na parede de azulejos, sentindo o calor da água encontrar o frio do azulejo. Um contraste perfeito para o que estava acontecendo dentro dela.
“Ele ia me beijar. E eu ia deixar.”
A constatação caiu pesada em seus ombros, como se só naquele momento ela realmente aceitasse.
Pior. Eu queria que ele tivesse beijado…”
Mas ela não podia querer isso.
Não era só carência. Já sabia disso. Mas também não queria dar nome ao que começava a sentir — porque, uma vez que nomeasse, não teria mais como fingir controle.
Respirou fundo, tentando recuperar o eixo.
Saiu do boxe devagar, secou o corpo com calma, passou um creme perfumado nos braços. Colocou a camisola de seda salmão — aquela mesma, leve demais, bonita demais — porque no fundo, uma parte dela queria que ele visse. Que ele notasse. Mesmo que ela não admitisse.
Prendeu os cabelos em um coque frouxo, limpou os cantos dos olhos diante do espelho embaçado e se encarou por alguns segundos.
“Só dois dias. É só um fim de semana. E eu ainda posso fingir que nada disso significa nada.”
Com passos firmes, abriu a porta do banheiro e saiu para o quarto já escurecido, suavemente iluminado pela luz baixa da luminária de cabeceira e pela brasa discreta da lareira que ainda resistia.
ergueu os olhos ao ouvir o som da porta. E viu.
E ali estava ela: , de camisola, pele aquecida do banho, os olhos mais calmos, mas carregando tudo o que ela também não dizia.
E de novo… o ar entre eles pareceu mudar.
saiu envolta em uma calma falsa que não enganava ninguém — menos ainda ele. A pele ainda úmida brilhava sob a luz morna do abajur, e a camisola salmão parecia desenhada para grudar na memória de quem a visse. As alças finas deixavam os ombros delicadamente expostos, e o tecido suave acompanhava os contornos do corpo com uma naturalidade que não deveria ser permitida.
não disse nada. Apenas olhou. E se obrigou a não deixar os olhos demorarem.
Mas o estrago já estava feito.
Ela cruzou o quarto com passos tranquilos, como se não tivesse consciência do próprio impacto. Mas ele sabia — no fundo, sabia — que ela estava ciente. E que o silêncio entre os dois estava cheio de tudo o que não estavam dizendo.
“Ela tá brincando com fogo.”
Ou talvez ele estivesse…
Ou talvez… os dois estivessem.
Sentiu o calor subir pelas costas, a garganta secar, o autocontrole começar a escorregar pelas bordas do raciocínio.
Levantou-se devagar, pegando a toalha que havia separado antes e a roupa limpa em cima da cômoda.
— Eu… vou tomar banho — disse, sem olhá-la diretamente.
apenas assentiu com a cabeça, como se estivesse ocupada demais dobrando a manta sobre a cama — uma desculpa perfeita para não o encarar também.
entrou no banheiro com passos firmes e a respiração presa. Fechou a porta com um cuidado quase exagerado e encostou-se nela por dentro, os olhos fechados por um instante.
“Isso vai me matar.”
Ligou o chuveiro no mais frio que conseguiu suportar e entrou sob a água sem pensar duas vezes.
Talvez fosse a única chance de acalmar o corpo…e manter o controle por mais uma noite.
🍃🍃🍃

Quando saiu do banheiro, a primeira coisa que notou foi o cheiro.
Não era o sabonete neutro de sempre, nem o shampoo dois em um que ele havia brincado usar no dia anterior. Era um perfume amadeirado, limpo e sofisticado, que se espalhou pelo ambiente como uma presença invisível.
A segunda coisa foi a aparência dele. Calça escura bem ajustada, suéter de gola alta num tom vinho profundo, o cabelo ainda úmido perfeitamente ajeitado com os dedos. E nada dos óculos. Pela primeira vez, ela o via com o rosto completamente livre, e aquilo... fez algo dentro dela vacilar.
Ele parecia alguém que ia a um jantar importante. Alguém que ia sair.
engoliu seco, a surpresa estalando por dentro como uma pedra atirada em água parada. Sentiu o corpo ficar mais rígido sob a manta que mantinha sobre as pernas, mas forçou uma expressão neutra. Quase conseguiu.
— Uau — soltou, mais como um reflexo do que uma decisão. — Alguém resolveu abandonar o visual “feriado em casa”.
sorriu de canto, puxando o relógio do criado-mudo e colocando no pulso com calma.
— Resolvi dar uma volta na vila. Esticar as pernas, respirar um pouco. O quarto tava começando a parecer pequeno demais.
assentiu, lenta, como se precisasse de tempo para processar o que ele não estava dizendo.
“Ele tá indo sair. Agora. Depois daquilo tudo.”
E ela sabia que não tinha o direito de sentir nada. Mas sentiu.
Sentiu como uma fisgada baixa, silenciosa, que não doía de verdade — mas incomodava. Como quem assistia alguém partir com algo que não deveria importar, mas importava mesmo assim.
— Claro — respondeu, com um sorriso leve, quase ensaiado. — Bom passeio, então.
— Obrigado. Volto logo.
E ele saiu.
Deixando para trás o rastro do perfume… e uma completamente atordoada no sofá.
Assim que a porta da cabana se fechou atrás dele, o silêncio pareceu mais alto do que antes.
Mais incômodo. Mais irritante.
permaneceu ali, imóvel no sofá, ainda com a manta sobre as pernas, como se o corpo não tivesse recebido o comando de se mover. Só o som do vento lá fora, a madeira estalando com o calor da lareira e o leve aroma do perfume dele ainda suspenso no ar.
Ela inspirou fundo.
Ok. Tudo bem. Ele só foi dar uma volta. Nada demais. A vila é pequena, as lojinhas são charmosas… talvez ele tenha ficado entediado.”
Talvez.
Mas a verdade martelava devagar na parte de trás da cabeça: ele saiu arrumado demais para só andar por aí.
O suéter vinho. O cabelo ajeitado. O perfume. O relógio no pulso.
Quem se veste assim só pra ‘respirar um pouco’?”
Ela sentiu a mandíbula tensionar, e em seguida soltou um riso seco.
— Paranoia, . Puro surto emocional por causa de um quase beijo e meia garrafa de vinho.
Jogou a cabeça para trás, fechando os olhos por um momento. Tentou voltar à cena do sofá, ao calor do cobertor, ao filme idiota. Mas agora tudo parecia distante. Como se outra versão dela tivesse vivido aquilo.
A atual estava ali: Sozinha. Desarmada. Incomodada.
Por quê?”
Por que ele não a beijou? Por que ele quis manter o controle? Ou por que agora parecia estar lá fora… com alguém?
“Você não tem esse direito”
, ela repetia mentalmente. “Você não é nada dele. Isso aqui é uma cabana, uma coincidência, uma piada do destino. Nada além disso. E você queria ficar sozinha desde o começo, não queria?”
Mas mesmo assim... o peito apertava. Uma vontade quase infantil de saber onde ele estava, com quem, por que…
Ela se levantou de repente, tirando a manta com um movimento seco. Caminhou até a pia, abriu a torneira só para encher um copo d’água, como se aquilo fosse devolver alguma lógica ao corpo.
Mas não devolveu.
Olhou pela janela, viu a chuva fina continuar caindo sob os lampiões da vila.
E percebeu que, mesmo querendo, não conseguiria fingir por muito mais tempo.
está mexendo comigo.”
E isso era um problema real.
🍃🍃🍃




A chuva tinha diminuído, mas a brisa noturna seguia cortante, e o chão de pedras de Monte Verde brilhava com reflexos dos postes. As poucas lojinhas ainda abertas exibiam vitrines iluminadas, produtos típicos, lembranças, queijos, chocolates artesanais... Tudo charmoso. Tudo perfeitamente fotogênico.
Tudo... absolutamente sem graça.
caminhava com as mãos nos bolsos do casaco, os passos vagos, os olhos varrendo vitrines sem foco real. Tentou entrar em uma loja de chocolates, provou uma amostra de trufa de licor, agradeceu com um aceno e saiu logo depois. O sabor ficou na boca, mas não deixou impressão.
“É só uma volta”, ele dissera.
Mas agora, lá fora, sem por perto, a frase parecia um disfarce mal costurado para algo que ele já sabia: ele precisava se afastar porque estava começando a querer demais.
O quase beijo ainda estava preso na pele dele como um calor que não passava, como um arrependimento sussurrando no ouvido.
E o pior? A parte de si que mais lutava para manter o controle… já não queria vencê-la.
“Eu podia ter a beijado. Ela queria também.”
Mas não fez.
Por respeito, por medo, por um acordo que já nem sabia mais se queria seguir.
Parou em frente a uma cafeteria que também servia refeições rápidas. O cheiro de pão quente e sopa de legumes escapava pelas frestas da porta. Olhou o cardápio, sem realmente ler. Tudo o que queria era estar de volta.
Voltar.
Voltar para a cabana. Pra lareira. Pra .
Não porque havia algo entre eles de fato. Mas porque estar longe dela parecia, agora, mais estranho do que compartilhar o mesmo espaço.
Respirou fundo, entrou e fez o pedido: sopa para dois, uma garrafa pequena de vinho tinto e dois pãezinhos recheados que vinham quentes, embrulhados em papel manteiga. Pediu para embalar tudo e pagou rápido, com uma pressa que só fazia sentido dentro do peito.
Saiu da cafeteria com a sacola em mãos e os pensamentos em ebulição.
“Você tá mesmo voltando pra cabana com comida como se isso fosse normal? Como se ela fosse te esperar?”
Mas, no fundo, ele torcia: Esperava que ela estivesse.
🍃🍃🍃

A maçaneta girava sob os dedos de . Ela não sabia se estava se levantando por impulso ou pelo barulho que ouvira do lado de fora.
Um, dois segundos… Uma batida leve na porta.
Ela hesitou. O coração acelerou — não de forma dramática, mas naquele ritmo incômodo de quem esperou algo que jurava não estar esperando.
Abriu.
E lá estava ele.
, com o cabelo levemente úmido pela garoa, a sacola de papel nas mãos e o olhar direto nos olhos dela — como se nem precisasse pedir permissão para entrar.
— Achei que a gente podia jantar. Trouxe sopa e pão. — Sua voz saiu calma, mas havia algo escondido ali. Um me desculpa que ele não disse. Um senti sua falta que não teria coragem de falar tão cedo.
cruzou os braços, apoiando o ombro na lateral da porta. O coração ainda corria.
— E a volta na vila?
— Rendeu sopa. E só. — Ele ergueu a sacola, como se aquilo fosse justificativa suficiente.
Ela o encarou por mais um segundo. E se teve alguma resposta pronta, ela sumiu antes de sair.
— Entra. Antes que a sopa esfrie — disse, virando de costas.
Ele entrou.
A cabana parecia quente demais depois do vento lá fora, e o silêncio entre os dois voltou a se instalar. Mas agora, ele tinha outro sabor. Não era desconforto — era intensidade contida.
Quase doce. Quase insuportável.
caminhou até a bancada e começou a tirar os itens da sacola com cuidado.
, ainda perto da porta, o observava como se não soubesse muito bem o que fazer com a presença dele ali de novo.
— Você não precisava… — ela começou.
— Eu sei.
Ela mordeu o lábio e suspirou devagar.
— Obrigada mesmo assim.
Ele ergueu os olhos para ela naquele momento. E não precisou sorrir.
Porque nos olhos dela, pela primeira vez, havia menos defesa. Menos disfarce.
Só um convite silencioso para ficar.
🍃🍃🍃

Sentaram-se à mesa redonda da cozinha, cada um com sua tigela fumegante de sopa, o pão ao centro entre eles, a garrafa de vinho já aberta.
O som da chuva lá fora era quase hipnótico. E a lareira, ainda com brasas acesas, preenchia o ar com um calor reconfortante.
Por um tempo, tudo o que se ouvia era o tilintar das colheres, os goles baixos e respirações mais lentas. Um silêncio que não pesava — pelo contrário. Era o tipo de silêncio que acolhe, que não exige, que permite existir sem esforço.
Foi quem falou primeiro, de forma quase distraída:
— Eu nunca gostei do Dia dos Namorados.
ergueu os olhos, mas não disse nada. Só esperou.
— Sempre me pareceu mais sobre encenação do que sentimento. Presentes caros, jantares lotados, fotos perfeitas. Uma vitrine de gente tentando provar que tá bem.
Ela sorriu de leve.
— E você prefere o quê? Gente imperfeita dividindo sopa numa cabana?
— Talvez. — Ele deu um meio sorriso. — Ou só gente real, que não finge que tá tudo sob controle o tempo inteiro.
baixou os olhos por um segundo, a colher parada no meio da tigela. Respirou fundo.
— Eu finjo. Muito. O tempo todo, na verdade. Me tornei boa nisso. — Fez uma pausa. — E é cansativo pra caramba.
não respondeu de imediato. Apenas observou. E isso já era resposta o suficiente.
Ela continuou, talvez porque fosse mais fácil falar sem olhar.
— Meu último relacionamento foi um desses que todo mundo achava perfeito. Instagramável, sabe? Viagens, jantares, presentes. Mas por dentro era vazio. Era eu tentando ser a namorada ideal pra alguém que nunca se interessou de fato por quem eu era de verdade.
Ela riu, mas o riso saiu amargo.
— No fim, fui eu quem terminou. Mas… não sei se doeu menos por isso.
colocou a colher de lado, os olhos fixos nela.
— Às vezes, a parte mais difícil não é deixar alguém. É perceber o quanto você deixou de si mesmo pra continuar com essa pessoa por tanto tempo.
ergueu os olhos devagar. E naquele olhar, havia uma mistura de surpresa e reconhecimento. Ele entendia.
— E você? — ela perguntou, baixinho. — Qual foi a sua versão bonita por fora e vazia por dentro?
deu uma risada curta, quase sem humor.
— Meu último relacionamento acabou num silêncio mútuo. A gente foi se distanciando sem brigar. Só... parou de tentar. E quando a gente percebeu, já morava junto, mas em mundos diferentes.
— E você não tentou resgatar?
— Tentei. Mas uma hora, tentar sozinho é só mais uma forma de sofrer calado.
assentiu devagar. Depois pegou o copo de vinho e ergueu em direção a ele.
— Um brinde a não fingir tanto.
— E a sopas quentes em dias frios.
As taças se tocaram com um leve tilintar.
E naquela noite, pela primeira vez desde que chegaram… os dois estavam exatamente onde queriam estar.
Juntos.
🍃🍃🍃

Após a louça lavada em silêncio e os últimos goles de vinho, os dois caminharam até o quarto lado a lado, como se uma espécie de entendimento silencioso pairasse entre eles.
apagou as luzes da sala, deixando apenas a luz suave da luminária do quarto acesa. A chuva lá fora caía constante, preenchendo todos os vazios da cabana com seu som ritmado e acolhedor.
se sentou na beirada da cama e puxou os cabelos para cima, ajeitando o coque frouxo com os dedos. O tecido leve da camisola se movia com ela, revelando pequenas porções de pele com um descuido calculado — ou talvez não fosse mais descuido.
tirou o suéter lentamente, ficando só com a camiseta fina de algodão que usava por baixo. Dobrou a peça e a deixou sobre a cadeira, como se estivesse ganhando tempo. Ou coragem.
Quando ele se virou, ela já o observava.
Os olhos se encontraram — novamente. Mas dessa vez, ninguém desviou.
Não havia mais o que dizer.
Sem ironias. Sem muletas.
Só o espaço entre eles.
E tudo o que já morava nesse espaço.
deu um passo. Depois outro.
Parou diante dela.
ergueu o rosto, e pela primeira vez, não havia máscara alguma. Só verdade. Só o que ela vinha evitando sentir.
Ele se abaixou devagar, até ficar à altura dela.
E então, como se não houvesse outra escolha possível, encostou os lábios nos dela.
O beijo não foi apressado. Foi lento.
Firme.
Silencioso.
Um beijo de dois corpos que já estavam prontos antes mesmo de admitir.
As mãos dele subiram até o rosto dela, os polegares roçando sua pele com cuidado, enquanto os lábios se moviam no ritmo exato de tudo o que haviam guardado até ali.
segurou a barra da camiseta dele com os dedos, puxando-o mais para perto, como se aquilo não pudesse — não devesse — terminar tão cedo.
A respiração deles se misturou. O mundo lá fora se dissolveu. E quando o beijo finalmente cessou, ainda com os rostos próximos, ela sussurrou:
Guerra fria, né?
Ele sorriu, a testa colada à dela.
Armistício.
Ela riu, e riu de verdade.
E então o puxou de novo.
Porque naquela noite, pela primeira vez, nenhum dos dois queria fingir que não sentia.
Com o corpo pesado de sobre o seu, ela voltou a encostar os lábios aos dele, como se pedisse permissão para beijá-lo de novo.
Dessa vez o beijo veio mais forte, mais intenso, as bocas se buscavam com urgência contida, como se tentassem alcançar tudo o que ficou represado nos olhares, nas conversas, nos silêncios entre os dois.
A mão de deslizou pela cintura dela com uma firmeza que arrepiou a pele sob o tecido fino da camisola. Já a de subiu pela nuca dele, enroscando-se nos fios úmidos do cabelo enquanto a outra mão o segurava pela lateral do peito, puxando-o com mais força.
O beijo se intensificava a cada segundo. Era quente, úmido, cheio de desejo e de intenção.
As línguas se encontraram num encaixe preciso, sem pressa, mas sem recuos. A respiração entrecortada se misturava ao som abafado da chuva e do tecido se movendo entre os corpos.
Ela gemeu baixo contra a boca dele — um som que escapou sem controle, como se o corpo dela falasse antes da mente. E aquilo fez aprofundar ainda mais o beijo, os dedos apertando de leve sua cintura enquanto o peso do corpo dele se encaixava no dela com uma naturalidade quase absurda.
Era como se ambos estivessem há dias, semanas, meses esperando aquele momento sem sequer saber.
E agora que havia começado...
Parar parecia a ideia mais absurda do mundo.
As mãos de já não hesitavam mais.
Deslizavam pela cintura de com uma firmeza que arrancava arrepios por onde passavam.
Seus lábios ainda colados aos dela, o beijo se tornava mais quente, mais profundo, mais faminto. Já não era somente sobre o desejo que crescia entre eles — era sobre tudo o que tinham segurado até ali.
se arqueou sob ele, os corpos encaixando com uma precisão instintiva. As mãos dela exploravam o peito dele por baixo da camiseta fina, sentindo o calor da pele, os músculos que se contraíam sob o toque.
Ele desceu os beijos pela mandíbula dela, pela lateral do pescoço, e cada novo ponto de contato fazia o corpo dela vibrar. O som abafado da respiração entrecortada dele perto da sua orelha a deixava sem ar — e sem controle.
apertou os dedos nas costas dele, como se tentasse se ancorar, mas o mundo ao redor já tinha sumido.
Não havia mais pousada.
Não havia mais Dia Dos Namorados.
Não havia mais passado, mágoas ou acordos silenciosos.
Só os dois.
Ali.
Agora.
voltou à boca dela com intensidade, as mãos explorando as curvas dela por cima do tecido da camisola, o calor do toque atravessando a seda como se fosse pele nua.
Ela o puxou ainda mais para perto, os quadris se movimentando num ritmo involuntário, criando uma tensão entre os dois que parecia prestes a explodir. O beijo se tornava mais lento, mais profundo, mais carregado — não só de desejo, mas de significado.
Porque naquela noite, o que começou como um erro de sistema, virava algo impossível de conter.
E pela primeira vez desde que entraram naquela cabana, nenhum dos dois queria sair dali.
As mãos de , ágeis, se livraram da camiseta dele com rapidez, e então ele colou a testa na dela. A respiração ofegante e quente batendo nos lábios dela…
— Essa camisola tem me perturbado desde que eu a vi pendurada naquele cabide dentro do guarda-roupas…
O sorriso que surgiu nos lábios dela, foi quase diabólico aos olhos de , que sentiu o membro dar sinais de vida dentro da calça, e ele pressionou o quadril no dela com mais força, como se dissesse: “Consegue sentir o que faz comigo?”
— Por quê?
A voz de saiu baixa, rouca, quase desafiadora. Os olhos dela estavam cravados nos dele, e havia algo de perigoso — e completamente irresistível — naquele olhar. Algo que dizia "diz mais."
manteve a testa colada na dela, as respirações se misturando, as bocas tão próximas que qualquer palavra era quase um beijo.
— Porque é bonita. — Ele começou, a voz falha de tão carregada de desejo. — Mas não de um jeito óbvio…
Desceu uma das mãos pelas costas dela, com calma.
— Porque parece que foi feita pra você. Para sua pele. Pro seu corpo.
Desceu mais, até a curva da cintura, os dedos afundando de leve na carne macia.
— E porque me faz imaginar coisas que eu passei o dia tentando não imaginar.
prendeu a respiração por um segundo. Depois sorriu — mas não com sarcasmo. Era um sorriso lento, quente, como se estivesse saboreando cada palavra dele… e também cada reação que causava.
Ela deslizou os dedos pelo peito nu dele, até a cintura, onde a pele esquentava sob o tecido da calça.
— Você deveria ter parado de tentar — ela sussurrou. — Porque eu também imaginei.
Foi tudo o que ele precisou ouvir.
tomou os lábios dela com mais intensidade, o beijo voltando urgente, faminto, mas ainda cheio de intenção. As mãos dele desceram pela lateral das coxas dela, puxando o corpo dela ainda mais contra o seu, como se quisesse marcar aquele momento, como se quisesse fundi-los ali mesmo.
gemeu baixo quando sentiu o quadril dele se mover contra o dela outra vez, o peso, o calor, tudo fazendo o corpo dela arder.
Ela passou uma das pernas ao redor da cintura dele num gesto instintivo — e ele entendeu o convite silencioso. As mãos dele percorreram sua coxa com reverência, como se ainda quisesse memorizar cada detalhe antes de ir além.
E quando ela ergueu o quadril e sussurrou o nome dele, só uma vez, com a voz carregada de tudo o que vinha segurando… ele soube.
Não havia mais volta.
Não depois daquele beijo.
Não depois daquela noite.
Não depois dela.
Ele subiu o tecido da camisola lentamente pelo corpo de , enquanto ela sentia o corpo queimar por onde os dedos dele passavam.
Quando a camisola finalmente desapareceu de seu corpo, fechou os olhos, não por vergonha.
Mas por entrega.
Era como se, ao fechar os olhos, ela dissesse sem palavras: "Toma. Eu não estou me defendendo mais."
a olhou ali, nua sob a luz branda do abajur, com os cabelos soltos espalhados sobre o travesseiro e a respiração entrecortada. E por um segundo, apenas ficou parado, contemplando.
Não só como quem deseja — mas como quem sente.
Ele passou a mão pela lateral do corpo dela, devagar, traçando o caminho com os dedos como se memorizasse cada curva. O toque era gentil, mas firme. Carregado de um cuidado que contrastava com o desejo crescente nos olhos dele.
Ela mordeu o lábio, o corpo arqueando levemente sob o dele, buscando mais.
— Você é linda, — ele disse, quase num sussurro. E o tom não era de um elogio apressado. Era uma constatação íntima, verdadeira. Quase solene.
abriu os olhos lentamente, encarando-o ali, com a respiração pesada e os olhos queimando os dela.
Ela estendeu as mãos até ele, puxando-o de volta para si com a mesma delicadeza com que ele a despiu. E quando os corpos se colaram outra vez, pele contra pele, calor contra calor… não havia mais espaço para nada além deles.
Logo a calça que ele usava já estava espalhada em algum lugar pelo quarto da cabana 14 junto a outras peças de roupa, assim como sua cueca preta, que foi levada com rapidez pelas mãos de , que parecia ainda mais faminta agora que os dois estavam completamente nus.
Ela o puxou para si com força, as pernas já enroscadas ao redor da cintura dele, e os olhos em chamas.
— Eu passei o dia inteiro tentando não pensar nisso — ela sussurrou, a voz rouca contra a pele do pescoço dele. — Tentando fingir que não te queria. Que não desejava isso desde o momento em que você me olhou daquele jeito na recepção.
arfou, colando o corpo no dela, as mãos segurando firme suas coxas.
— E eu quase enlouqueci com essa camisola, com o seu jeito de me provocar sem nem perceber… — ele murmurou entre beijos pesados no maxilar dela. — Mas não é só isso.
abriu os olhos e o encarou, a respiração quente entre eles.
— Então o que é?
Ele a olhou como se a resposta fosse óbvia.
— É você. Só você.
Aquela frase dita em voz baixa, rouca, com o corpo dele em cima do dela, o calor, os toques, os olhos mergulhados nos dela — aquilo atingiu mais fundo do que qualquer investida física poderia.
Ela sorriu, um sorriso vulnerável, mas cheio de verdade.
Puxou-o pela nuca de volta para um beijo, e dessa vez, não havia mais urgência. Era certeza.
— Então me mostra — ela disse contra a boca dele. — Me mostra que é só comigo.
E ele mostrou.
Com os lábios, com as mãos, com o corpo todo.
E naquela noite, na cabana 14, não restou nada entre eles além de tudo.
🍃🍃🍃




A tempestade lá fora havia cessado. E, dentro da cabana 14, outra também havia encontrado seu fim.
e estavam deitados lado a lado, os corpos ainda aquecidos, as pernas entrelaçadas sob o lençol desajeitado. O quarto estava escuro, iluminado apenas pelas brasas da lareira que resistiam teimosamente, lançando reflexos alaranjados na parede de madeira.
O silêncio entre eles era denso, mas não incômodo.
Era o tipo de silêncio que só existe quando dois corpos já disseram tudo — com toques, com olhares, com suspiros.
virou o rosto e observou com calma. Ela estava com os olhos fechados, os lábios entreabertos, o peito subindo e descendo devagar. Parecia tranquila. Quase em paz.
— Você tá bem? — ele perguntou, com a voz baixa, rouca pelo cansaço… e pela entrega.
Ela abriu os olhos devagar, virando o rosto para encará-lo. Um pequeno sorriso se formou nos lábios dela.
— Tô.
Pausa.
— E você?
Ele assentiu, os dedos deslizando devagar pela linha do braço dela, como se não quisesse que o toque acabasse.
— Tô tentando entender se isso tudo realmente aconteceu... ou se eu dormi no meio do filme e tô sonhando até agora.
riu baixinho, e o som preencheu o espaço entre eles com um calor novo. Um que não vinha da lareira.
— Bom, se for um sonho, vamos combinar de não acordar tão cedo.
a puxou suavemente para mais perto, o queixo encostando na cabeça dela, os braços se fechando ao redor da cintura.
— Fechado.
E ali, no fim da noite mais inesperada de suas vidas, sem pressa, sem máscara, sem “pactos de negação”, eles dormiram.
Envoltos um no outro. E em tudo o que finalmente deixaram acontecer.
🍃🍃🍃

O dia havia amanhecido com um sol quase quente o suficiente para que eles sentissem calor. As mãos de ainda envolviam , que tinha as costas apoiadas contra o peito dele. O calor do corpo de foi que fez ela despertar, além da estranheza de um clima mais quente, contrastando com o frio e as tempestades de ontem.
Os olhos dela foram se abrindo devagar, como quem ainda teme abrir os olhos e perceber que tudo que aconteceu na noite passada, fosse um delírio, um surto da mente dela, mas quando ela se mexeu e sentiu os braços de lhe apertarem ainda mais, percebeu que era real.
Real até demais.
A voz rouca de sono dele lhe invadiu os ouvidos, fazendo seus pelos se arrepiarem logo pela manhã:
— Me confirma que não foi mesmo um sonho?
Ela sorriu antes mesmo de responder, os olhos ainda semiabertos, o corpo aconchegado contra o dele. As pernas entrelaçadas, a respiração quente dele batendo na curva do pescoço dela, e os braços ao redor de sua cintura como se pertencer ali fosse tão natural quanto respirar.
— Acho que, se fosse um sonho, você já teria desaparecido — ela murmurou, a voz baixa, arrastada de sono. — E teria levado o vinho junto.
Ele riu contra a pele dela, um riso grave, sonolento e verdadeiro.
— Então ainda bem que eu tô aqui. E que o vinho acabou.
virou um pouco o rosto, o suficiente para vê-lo por cima do ombro. O cabelo bagunçado, os olhos ainda inchados de sono e aquele olhar... aquele olhar que a despia mais do que qualquer toque na noite passada.
— Você não vai fugir, né? — ela perguntou, num tom leve, mas havia algo no fundo — algo que ela mesma não esperava revelar tão cedo.
franziu um pouco o cenho, como se aquela pergunta o atingisse de surpresa.
Mas logo sorriu. Daquele jeito tranquilo e sincero que ela já começava a reconhecer como raro — e real.
— Eu atravessei Monte Verde com uma sacola de sopa e pão só pra voltar pra essa cabana, lembra? — Beijou de leve o ombro nu dela. — Se fosse pra fugir, teria sido naquela hora.
fechou os olhos de novo, sentindo o peito aquecer.
— Então… fica. Mais um pouco.
— Eu fico — ele respondeu, sem pensar duas vezes. — Eu não tenho mais pra onde querer ir.
E assim permaneceram.
Envoltos nos lençóis, no calor inesperado do sol e na certeza de que algo havia mudado.
Algo real.
E dessa vez… nenhum dos dois queria fingir o contrário.



Fim.


Nota da autora: Olá, queridas! Espero que gostem dessa shortzinha, quem não ama um clichê, né? E não me matem pelo final aberto OKAOSKAOSKOS. Beijos :*

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