Codificada por Lua ☾
Atualizada em: 17/05/25
As mãos dela tremiam com intensidade enquanto andava nervosamente de um lado para o outro no banheiro, o silêncio quase ensurdecedor ao seu redor contrastando com a tempestade dentro de si. Harriet ainda sentia o eco da tragédia que havia destroçado sua vida poucos dias antes. A imagem de Ethan, seu noivo, parecia se repetir sem parar em sua mente: o sorriso dele tão vivo, os olhos cheios de planos para o futuro que nunca chegariam a acontecer.
A perda ainda era crua, uma ferida aberta que parecia latejar com cada respiração. Dois dias. Haviam se passado apenas dois dias desde o enterro, mas a dor já parecia uma eternidade. A moto, que antes era símbolo de liberdade e aventuras compartilhadas, havia se tornado a causa do fim abrupto de tudo o que ela mais amava.
Harriet apertou o teste entre os dedos, sentindo o peso da incerteza esmagando seu peito. Se o resultado fosse positivo, sua vida mudaria para sempre, mas, ao mesmo tempo, seria como se uma parte de Ethan ainda estivesse com ela. E isso a aterrorizava tanto quanto a confortava.
Os pensamentos continuaram girando enquanto ela olhava o relógio pela milésima vez. Será que conseguiria ser forte o suficiente para enfrentar o que vinha pela frente? Será que estava pronta para encarar mais uma reviravolta tão grande enquanto ainda tentava juntar os pedaços do seu coração despedaçado?
Ela fechou os olhos, deixando uma lágrima escorrer pelo rosto. Ethan costumava dizer que ela era a mulher mais corajosa que ele conhecia. Mas naquele momento, enquanto aguardava o resultado, Harriet não se sentia nada além de perdida.
Harriet parou de andar de um lado para o outro e encarou a porta do banheiro. Seus pés pareciam presos ao chão, como se cada passo em direção à pia exigisse mais coragem do que ela tinha. Respirando fundo, ela reuniu todas as forças que restavam e cruzou o pequeno espaço até o lugar onde o teste aguardava, solitário e carregado de respostas.
A pia parecia mais distante do que deveria, e quando finalmente chegou lá, sua visão ficou turva pelas lágrimas que insistiam em cair. Ela fechou os olhos por um momento, tentando reunir coragem para encarar a verdade. A mão tremia quando ela estendeu os dedos para pegar o pequeno objeto, mas parou antes de tocá-lo. Não precisava. Mesmo à distância, o resultado estava claro.
Duas linhas.
A confirmação caiu sobre ela como uma onda esmagadora, roubando o ar de seus pulmões. Harriet deixou escapar um soluço enquanto a realidade se firmava. Ela estava grávida.
Por um instante, uma mistura de emoções explodiu dentro dela. Medo, choque, tristeza... e uma pontada inesperada de algo que ela mal conseguia nomear. Era esperança? Talvez fosse o vestígio de Ethan, uma parte dele que ainda viveria nela.
Ela pressionou uma mão contra o ventre, ainda plano, enquanto tentava absorver o que aquilo significava. O amor da sua vida havia partido, e o vazio deixado por sua ausência parecia insuportável. Mas agora, dentro de Harriet, algo estava crescendo. Não era apenas uma lembrança dele, mas uma vida nova. Não apenas uma, ela logo descobriria, mas duas.
Ethan se fora, mas ele havia deixado algo para trás. Algo que a puxaria para frente, mesmo quando ela sentisse que estava desmoronando. "Eu vou cuidar de você. Eu prometo", sussurrou, quase sem perceber.
O teste ainda estava em sua mão, mas ela não precisava mais olhar para ele. Harriet sabia que sua vida nunca mais seria a mesma. E, por mais assustador que fosse, uma pequena fagulha de determinação começou a nascer dentro dela. Ela não estava sozinha.
Novembro 2024, Hampstead - Maryland, Estados Unidos
Os meses que se seguiram foram os mais solitários da vida de Harriet. A gravidez avançava, mas o luto por Ethan parecia não ter fim. Cada dia era uma batalha entre a dor de sua ausência e a necessidade de seguir em frente por causa dos pequenos corações que agora batiam dentro dela.
A família de Ethan havia deixado claro desde o início que não a apoiaria. Eles nunca gostaram dela, julgando-a inadequada para o noivo que consideravam "bom demais". Quando Harriet tentou compartilhar a notícia da gravidez, buscando algum tipo de conexão ou ajuda, recebeu apenas silêncio ou respostas frias.
“Não vamos apoiar essa loucura”, foi o que a mãe de Ethan dissera, com um tom que mais parecia um veredito. “Não concordávamos com o noivado, muito menos com isso.”
Harriet, com o coração em pedaços, percebeu que estava completamente sozinha.
Ela precisou se agarrar ao pouco que tinha. Trabalhando como garçonete em uma cafeteria local, ela passou os primeiros meses de gravidez escondendo a barriga crescente, com medo de perder o emprego. Seus colegas viam o cansaço em seus olhos, mas ela evitava qualquer conversa sobre sua vida pessoal. Não queria se abrir, não queria parecer fraca.
Cada turno era uma luta contra o cansaço e as dores no corpo que só aumentavam. Mesmo nos últimos meses de gestação, Harriet continuava em pé, limpando mesas, servindo cafés e sorrindo para clientes que jamais imaginariam o peso que ela carregava.
À noite, em seu pequeno apartamento, ela permitia que as lágrimas caíssem. O silêncio era ensurdecedor, e a falta de Ethan era quase insuportável. O quarto que seria do bebê permanecia vazio, sem berço, sem roupas. Ela não tinha condições financeiras para preparar nada, e isso a deixava ainda mais assustada.
Houve momentos em que Harriet se perguntava se conseguiria continuar. A solidão, o luto e o medo pareciam esmagadores. Mas sempre que pensava em desistir, sentia os pequenos movimentos dentro de seu ventre. Era como se os bebês soubessem quando ela estava no limite e enviassem pequenos chutes de esperança.
— Vocês precisam de mim — ela sussurrava para a barriga, acariciando-a com ternura.
Os últimos dias antes do parto foram os mais difíceis. Harriet precisou abandonar o trabalho quando o inchaço e as contrações se tornaram constantes. Mesmo assim, ela continuava se forçando a se levantar todos os dias, a arrumar a casa, a planejar o mínimo possível para a chegada dos gêmeos.
No fundo, ela sabia que estava esgotada. Mas Harriet também sabia que não podia desistir. Seus bebês seriam sua nova razão para viver, a única luz no meio da escuridão que havia tomado sua vida.
E, mesmo sozinha, mesmo sem apoio, ela prometeu a si mesma que faria tudo o que fosse necessário para garantir um futuro para eles. Porque, apesar de toda a dor, ela sabia que o amor de Ethan ainda vivia – através dela e através das vidas que ela carregava.
Dezembro 2024, Hampstead - Maryland, Estados Unidos
A noite já tinha caído, e o pequeno apartamento de Harriet estava em silêncio, exceto pelos murmúrios suaves dos gêmeos enquanto finalmente adormeciam. Ellie, com seus cachinhos dourados, segurava firmemente a manta que Harriet havia bordado às pressas durante a gravidez. Ethan, o menino que levava o nome do pai, dormia serenamente ao lado da irmã, a expressão tranquila que só os bebês pareciam ter.
Harriet ajeitou os cobertores ao redor deles, inclinando-se para depositar um beijo suave na testa de cada um.
— Boa noite, meus amores! — sussurrou com um sorriso cansado, mas cheio de ternura.
Enquanto caminhava para a sala, esfregando os olhos para afastar o cansaço, o som inesperado do celular sobre a mesa de centro a fez parar. A tela brilhava com um número desconhecido. Seu coração acelerou. Não era comum receber ligações, ainda mais àquela hora.
Por um momento, ela pensou em ignorar, mas algo dentro dela a fez atender.
“Alô?” — Sua voz saiu hesitante, carregada de cautela.
“Boa noite. Estou falando com a senhora Harriet Bryer?” — A voz do outro lado era profissional, mas gentil.
“Sim, é ela” — respondeu, agora mais alerta.
“Sou Jennifer Andrews, do departamento de Recursos Humanos da Brighter Horizons, em Nova York. Estamos entrando em contato a respeito do processo seletivo que você participou conosco alguns meses atrás”
Harriet ficou estática, incapaz de processar as palavras de imediato. O processo seletivo... Ela quase tinha esquecido dele. Tinha sido meses antes, quando Ethan ainda estava vivo e a vida parecia ter algum tipo de direção. Na época, os dois haviam sonhado juntos com a possibilidade de se mudarem para Nova Iorque. Mas a resposta nunca veio, e, após a tragédia, ela tinha desistido de esperar.
“Eu... Sim, eu me lembro” — respondeu, a voz quase tremendo.
“Gostaríamos de informá-la que, após uma reavaliação do processo, decidimos oferecer a você a vaga para a qual se candidatou. Estamos muito impressionados com suas qualificações e acreditamos que você seria uma excelente adição à nossa equipe.”
Harriet precisou se sentar. As palavras ecoavam em sua mente, mas era difícil acreditar que eram reais.
“Nova Iorque?”, murmurou, mais para si mesma do que para a pessoa do outro lado.
“Isso mesmo. Entendemos que é uma mudança significativa, mas o cargo oferece suporte na transição, incluindo um bônus inicial para realocação.”
Harriet sentiu um turbilhão de emoções tomar conta dela. A oportunidade era como um raio de luz em meio à escuridão que havia dominado sua vida, mas também trazia dúvidas e medos. Ela pensou nos gêmeos, na solidão que sentia, na falta de apoio. Será que conseguiria recomeçar em uma cidade tão grande e distante?
“Eu... Eu preciso de um tempo para pensar” — respondeu com sinceridade, tentando manter a voz firme.
“Compreendemos perfeitamente. Vou enviar todos os detalhes por e-mail, e você pode entrar em contato assim que estiver pronta para nos dar uma resposta. Mais uma vez, parabéns, senhorita Bryer. Estamos ansiosos para trabalhar com você.”
A ligação terminou, mas Harriet continuou segurando o celular, encarando o vazio enquanto tentava assimilar o que acabara de acontecer.
Nova York. Uma nova vida. Uma chance de reconstruir tudo, não só para ela, mas para Ellie e Ethan.
Ela olhou em direção ao quarto onde os gêmeos dormiam.
Talvez... talvez seja isso que precisamos. — sussurrou para si mesma. Por mais assustador que fosse, a ideia de um recomeço começava a parecer possível – e, pela primeira vez em muito tempo, Harriet sentiu uma faísca de esperança.
Já fazia uma semana desde que chegara à cidade. Tudo havia acontecido tão rápido que, às vezes, ela se perguntava se estava vivendo um sonho. Levou apenas dois dias para tomar a decisão de aceitar a proposta da Brighter Horizons, e a empresa não apenas facilitou sua mudança como garantiu toda a assistência necessária.
O apartamento já estava alugado e mobiliado quando ela chegou com os gêmeos, um alívio considerando que a última coisa que ela queria era passar semanas lidando com burocracias e caixas de mudança. A empresa também providenciou uma babá para cuidar de Ellie e enquanto ela trabalhava, algo que sequer imaginava que pudesse ter. Pela primeira vez desde que ficara sozinha, sentia que não carregava o mundo inteiro nos ombros.
E agora, ali estava ela, em seu primeiro dia de trabalho.
O escritório da Brighter Horizons era moderno e sofisticado, ocupando um dos andares altos de um prédio envidraçado em Manhattan. ainda não acreditava que agora fazia parte daquilo. Depois de meses de incerteza, insegurança e medo, estava diante de um futuro que parecia promissor.
Ela respirou fundo, tentando conter a ansiedade. Era seu primeiro emprego na área de formação e, embora estivesse grata, não podia evitar o nervosismo. Será que ainda lembrava como trabalhar em um ambiente profissional? Será que daria conta da rotina com os gêmeos?
— ?
Ela se virou ao ouvir a voz de Suri, uma das coordenadoras do setor de Recursos Humanos. A mulher sorria enquanto lhe entregava o crachá com seu nome e foto recém-tirada.
— Bem-vinda oficialmente à Brighter Horizons — disse Suri com entusiasmo.
pegou o crachá, sentindo um frio na barriga ao deslizar os dedos sobre a identificação. Era real. Era seu novo começo.
Ela prendeu o acessório no blazer e forçou um sorriso determinado.
— Obrigada. Estou pronta para isso.
Ou, pelo menos, era o que esperava.
assentiu, apertando levemente o crachá preso ao blazer.
— Claro. Estou prontíssima.
Mais uma vez,, esperava estar.
Enquanto Suri conferia alguns papeis na mesa, se pegou pensando em seu novo colega de setor. Não fazia ideia de quem ele era, e a curiosidade começou a crescer. Como seria trabalhar diretamente com alguém que ela nunca tinha visto antes?
Provavelmente, um senhor de meia-idade, rabugento e exigente, pensou. Um daqueles profissionais que já estão na empresa há décadas, resistentes a mudanças e impacientes com novatos. Talvez um homem de terno cinza, olhar crítico e uma postura rígida, alguém que falaria com ela em frases curtas e secas, como se estivesse sempre ocupado demais para perder tempo com qualquer coisa que não fosse trabalho.
Suspirou, preparando-se mentalmente para o pior. Se fosse esse o caso, ela apenas precisaria manter a paciência e provar sua competência sem entrar em conflitos desnecessários. Afinal, depois de tudo que passara nos últimos meses, lidar com um colega ranzinza não deveria ser o maior dos seus desafios.
— Ele não deve demorar — avisou Suri, lançando-lhe um olhar animado.
forçou um sorriso, mesmo sentindo o estômago se revirar de expectativa.
Que venha o colega de setor.
Suri se encostou na mesa de e cruzou os braços, sorrindo para .
— Então, já teve tempo de explorar a cidade? Sei que uma semana não é muito, mas Nova Iorque pode ser intensa logo de cara.
soltou uma risada baixa.
— Acho que "intensa" é um bom jeito de descrever. Ainda me sinto meio perdida, para ser sincera. Tudo é tão grande, tão rápido…
— Você se acostuma — Suri garantiu, piscando. — Eu nasci e cresci aqui, então acho que sou suspeita para falar, mas não trocaria essa cidade por nada. Já levou os gêmeos para passear?
— Algumas vezes. Fomos ao Central no fim de semana. Eles adoraram ver os esquilos correndo pelo gramado. Acho que foi a primeira vez em muito tempo que me senti... normal.
Suri sorriu com ternura.
— Isso é ótimo. Você merece um recomeço tranquilo. E Nova Iorque pode ser um lugar incrível para isso.
Antes que pudesse responder, a porta de vidro do escritório se abriu, e um homem alto entrou com passos firmes, equilibrando um copo de café na mão. Ele usava um blazer bem ajustado, e o cabelo escuro estava perfeitamente penteado para trás. Seu olhar era sério, mas não rude — apenas concentrado.
Suri endireitou a postura e sorriu.
— Ah, e aqui está ele.
se preparou para encarar o senhor rabugento que havia imaginado, mas, assim que olhou para o recém-chegado, seu cérebro travou por um instante.
Definitivamente, ele não era um senhor de meia-idade.
— , este é — Suri anunciou. — Seu colega de setor.
O homem ergueu os olhos do café e a fitou com um leve arqueamento de sobrancelha, estendendo a mão para cumprimentá-la.
— É um prazer conhecê-la.
piscou algumas vezes, sentindo o rosto esquentar.
Ok… Isso definitivamente não era o que ela esperava.
— O prazer é meu senhor . — saiu do transe e sacudiu a mão dele.
— Pronta para começar? — caminhou até sua mesa, não sem antes lançar um olhar para Suri, que estava escorada em sua mesa.
Suri entendeu o recado e então se afastou rapidamente da mesa dele e lhe lançou um sorriso amarelo.
— Quando quiser. — pegou a agenda sobre sua mesa e respirou fundo.
— , seja gentil, por favor! — Suri pediu baixo, mas não baixo o suficiente para que não ouvisse.
— Gentil? — encarou Hariet — Vai fazer a garota achar que sou um monstro, quando na verdade só sou direto e focado no que tem que ser feito.
Os olhos dele pularam de Suri para , analisando-a pela primeira vez.
sustentou o olhar dele, mantendo a postura firme, apesar de sentir uma pontada de nervosismo com a intensidade daqueles olhos escuros.
— Direto e focado, entendi — respondeu com um pequeno sorriso. — Acho que podemos trabalhar bem juntos, então.
inclinou levemente a cabeça, como se estivesse avaliando sua resposta. Ele não sorriu de volta, mas algo em sua expressão parecia quase satisfeito.
— Vamos ver — disse simplesmente, virando-se para pegar alguns papéis em sua mesa. — Primeiro, vou te passar a lista dos colaboradores que estarão na sua equipe. É importante que conheça cada um deles, porque vão depender de você tanto quanto de mim.
abriu sua agenda e se preparou para anotar.
— Certo. Pode começar.
começou a listar os nomes, dando pequenas descrições de cada membro da equipe. Sua voz era firme e precisa, sem rodeios, e percebeu que ele realmente não era o tipo que perdia tempo com amenidades.
De vez em quando, ela sentia o olhar dele sobre si, como se estivesse analisando sua reação, avaliando se ela realmente estava absorvendo tudo ou se desistiria no meio do caminho.
Ela não desistiria.
— E por último, mas não menos importante — continuou, entregando-lhe um documento —, temos uma reunião amanhã cedo para revisar os projetos em andamento. Você vai precisar estar preparada.
pegou o papel e leu rapidamente as informações.
— Entendido.
Suri, que observava tudo de sua mesa, sorriu de lado.
— Acho que ela vai dar conta de você, .
Ele lançou um olhar de canto para antes de responder:
— Vamos ver.
ergueu o queixo e sustentou o olhar dele.
— Você vai ver.
— Vamos conhecer a equipe.
ajeitou a postura e o acompanhou pelos corredores modernos da Brighter Horizons, sentindo um misto de nervosismo e empolgação. Esse era um grande passo — seu primeiro contato com os colegas de trabalho e, principalmente, com a equipe que ficaria sob sua responsabilidade.
O setor era amplo e bem iluminado, com divisórias de vidro e mesas organizadas em pequenos grupos. Algumas pessoas estavam concentradas em seus computadores, enquanto outras discutiam algo em voz baixa. Assim que perceberam se aproximando, os olhares se voltaram para eles.
— Pessoal, essa é — anunciou, sem rodeios. — Nossa nova colega de setor. Chefe da antiga equipe da senhorita Franz, que estava comigo até a contratação de uma nova supervisora.
Alguns sorrisos surgiram entre os funcionários, e retribuiu, mesmo sentindo a pressão do momento.
— Bem-vinda! — uma mulher de cabelos curtos e óculos disse animadamente.
— Obrigada, é um prazer conhecê-los — respondeu, tentando gravar os rostos.
— Agora, vamos à sua equipe — cortou, conduzindo-a até um grupo específico mais ao fundo da sala.
Um grupo de quatro pessoas estavam ali, conversando sobre algo no computador de um deles. Quando notaram e , endireitaram-se rapidamente
— Pessoal, essa é — ele disse. — A partir de agora, ela será responsável por trabalhar diretamente com vocês.
O primeiro a se apresentar foi um homem alto, de sorriso fácil.
— Oliver , analista de projetos. Seja bem-vinda, .
— Obrigada, Oliver — ela apertou a mão dele.
— Emily Carter — a mulher de cabelos cacheados ao lado dele sorriu. — Designer.
— Ótimo conhecê-la, Emily.
— Alex Rivera, assistente administrativo — disse um rapaz moreno, acenando de leve.
Por último, uma mulher de expressão mais séria se apresentou.
— Chloe Bennett, planejamento estratégico.
apertou a mão de todos, tentando decorar os nomes e rostos.
— Espero que possamos fazer um ótimo trabalho juntos — disse com sinceridade.
— Isso depende de você — Chloe respondeu, com um leve arquear de sobrancelha.
Antes que pudesse responder, interveio.
— é qualificada o suficiente para isso. Vamos dar a ela a chance de mostrar.
Houve um breve silêncio, e então Oliver sorriu.
— Claro! Acho que todos nós estamos animados para ver como será essa nova fase.
Emily assentiu, e até Chloe pareceu relaxar um pouco.
respirou fundo. Era sua chance de mostrar que estava pronta para esse recomeço.
E ela não iria desperdiçá-la.
Oliver era amigável e bem-humorado, com um jeito descontraído que deixava a conversa leve. Emily se mostrava criativa e empolgada, claramente apaixonada pelo que fazia. Alex era um pouco mais reservado, mas muito prestativo e eficiente.
Já Chloe… bom, Chloe parecia ter decidido, desde o início, que não gostava de . Sua postura era rígida, suas respostas eram curtas e, a cada explicação de sobre sua visão para o trabalho, Chloe apenas cruzava os braços e arqueava uma sobrancelha, como se desafiasse cada palavra dita.
suspirou internamente. Ainda não sabia o motivo da antipatia, mas teria que lidar com isso.
Quando finalizou as conversas, percebeu que o tempo tinha passado rápido demais. Pegou o celular e viu que já era quase meio-dia. Automaticamente, abriu as mensagens da babá para se atualizar sobre os gêmeos.
Babá: “As crianças comeram bem e estão brincando agora. Tudo tranquilo por aqui!”
sorriu de leve, aliviada.
Estava prestes a responder quando sua própria bolsa voou em sua direção. Por reflexo, ela a pegou no ar, surpresa.
— Almoço — disse simplesmente.
piscou algumas vezes.
— Como assim?
Ele apenas ergueu uma sobrancelha.
— Nós temos de almoçar juntos, no mesmo horário, e a equipe também. Assim, não acontece nenhum desfalque na produção e, se precisarem de nós, estamos os dois aqui.
Ele já começava a andar quando bufou, jogando a bolsa no ombro e o seguindo.
— E você acha que jogar a minha bolsa em mim é a melhor forma de me avisar?
deu de ombros.
— Funcionou, não funcionou?
revirou os olhos. Aquilo ia ser interessante.
Com passos largos, ela acompanhou até o elevador e quando eles entraram, acabaram se encarando.
— Correu tudo bem com sua equipe? — ele apertou o botão do térreo.
— Sim. Só a Chloe… ela vai ser um desafio.
soltou um riso amargo e voltou a encarar .
— Posso garantir que sim.
— Você também não teve uma experiência boa com ela.
— Não. Não acho que ninguém nessa empresa tenha tido uma boa experiência com ela… e eu… bom, eu tenho carta branca para dizer isso.
abriu a boca para questionar mais, mas a porta do elevador se abriu e apenas saiu do mesmo, fazendo-a acelerar os passos outra vez para acompanhá-lo.
— Você vai me seguir? — parou de andar de uma vez, fazendo parar a poucos centímetros de si.
O olhar de caiu sobre ela, analisando-a com atenção. Agora que estavam tão próximos, notou detalhes que antes haviam passado despercebidos. A linha bem definida da mandíbula, o jeito como os olhos dele tinham um tom levemente mais quente sob a luz suave do hall, e a pequena cicatriz próxima à sobrancelha esquerda.
Ela piscou algumas vezes, afastando esses pensamentos.
— Bom… tecnicamente, sim. Afinal, você parou bem no meu caminho — respondeu, cruzando os braços e tentando parecer indiferente.
ergueu uma sobrancelha, como se se divertisse com a resposta. Seu olhar escorreu lentamente pelo rosto dela, e sentiu um arrepio involuntário quando os olhos dele se prenderam nos seus.
— Você é sempre assim?
— Assim como? — desafiou, inclinando levemente a cabeça.
— Intensa. — Ele sorriu de canto, um sorriso pequeno, mas que a desconcertou por um momento.
apertou os lábios, sem saber se aquilo era um elogio ou uma provocação.
— E você é sempre assim?
— Assim como? — Ele imitou o tom dela.
— Misterioso.
O sorriso no canto dos lábios dele se alargou um pouco, e então, sem aviso, ele apenas se virou e voltou a andar.
— Vamos almoçar, .
Ela piscou, ainda um pouco atordoada, antes de bufar baixinho e segui-lo mais uma vez.
Definitivamente, seria um mistério a ser desvendado.
— A profissional ou a de quando nós fomos noivos por quatro anos e ela me trocou por um dos diretores?
parou no meio da calçada, sentindo o choque atravessar seu corpo como uma corrente elétrica.
— O quê? — A palavra escapou antes que ela pudesse se conter.
apenas continuou andando, como se tivesse acabado de comentar sobre o clima, mas ao perceber que havia ficado para trás, parou e virou-se para encará-la.
— Algum problema? — Ele ergueu uma sobrancelha, impassível.
piscou algumas vezes, tentando processar a informação.
— Você e a Chloe… foram noivos? Por quatro anos? — Sua voz saiu um pouco mais alta do que gostaria, e algumas pessoas que passavam por ali lançaram olhares curiosos.
suspirou e deu um passo na direção dela, abaixando ligeiramente o tom de voz.
— Sim. E agora ela é um dos desafios que você vai ter que lidar na sua equipe.
ainda sentia a surpresa em cada parte do seu corpo. Chloe já havia parecido hostil no pouco tempo que se conheciam, mas agora tudo fazia sentido.
— Isso explica muita coisa… — murmurou, cruzando os braços.
— E vai explicar ainda mais quando você perceber que ela detesta qualquer mulher que trabalhe comigo.
mordeu o lábio, sentindo um frio estranho na barriga.
— Ótimo — resmungou. — Primeiro dia e já ganhei uma rivalidade gratuita.
riu baixo, mas sem humor.
— Bem-vinda à Brighter Horizons.
Ele então voltou a andar, e o seguiu, ainda absorvendo a revelação.
Definitivamente, aquele emprego prometia ser muito mais desafiador do que ela imaginava.
Ela, por outro lado, ainda tentava absorver a bomba que ele havia soltado com a naturalidade de quem fala sobre o cardápio do dia. Chloe. Ex-noiva. Quatro anos de relacionamento. Trocado por um diretor.
Isso explicava o olhar cortante, a postura rígida, a hostilidade gratuita…
apertou a alça da bolsa no ombro, desviando de um senhor que falava ao telefone, enquanto os pensamentos giravam rápido demais. Não era da sua conta — ela sabia disso. Mas trabalhar ao lado de um homem que tinha uma história intensa com uma funcionária da sua equipe definitivamente não estava no roteiro do seu recomeço tranquilo.
parou numa esquina e olhou rapidamente para trás, como se só então percebesse que ela estava alguns metros atrás.
— Você sempre anda tão devagar assim? — ele perguntou, impaciente.
— Não. Eu só não ando atropelando turistas no caminho — rebateu, se aproximando com uma expressão irônica. — E, desculpa, eu estava apenas processando o fato de que minha nova colega de equipe é sua ex-noiva rancorosa.
apenas deu de ombros.
— Você vai perceber que aqui todo mundo tem uma história complicada com alguém. Nova Iorque é menor do que parece.
soltou uma risada seca.
— E aqui eu pensando que meus maiores desafios seriam os relatórios e metas.
— Bem-vinda ao campo de batalha — ele disse, abrindo a porta de uma cafeteria discreta na esquina. — Mas não se preocupe. Eu não costumo deixar ninguém sem armadura.
Ela o encarou por um segundo, ainda incerta se aquela frase era um aviso, uma promessa... ou ambos. Então entrou, sentindo o cheiro acolhedor de café recém-passado.
Nova Iorque, aparentemente, tinha planos muito diferentes dos que ela havia imaginado.
escolheu uma mesa mais afastada, próxima à janela, com vista para a movimentação constante das ruas. o seguiu em silêncio, ainda digerindo a última frase dele — "não costumo deixar ninguém sem armadura".
Ela se sentou em frente a ele, repousando a bolsa no colo e tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.
Poucos segundos depois, um garçom de uniforme preto apareceu ao lado da mesa, com um sorriso que era metade simpatia, metade curiosidade.
— De novo aqui, senhor — disse, com naturalidade.
— E você ainda finge surpresa — respondeu, apoiando os braços na mesa. — A gente sabe que eu sempre acabo vindo aqui.
O garçom riu, mas logo seus olhos se voltaram para . Ela sentiu o olhar curioso sobre si, e não soube dizer se ele estava tentando adivinhar sua relação com ou apenas intrigado por ser uma cara nova naquele lugar aparentemente tão familiar a ele.
— Primeira vez por aqui? — perguntou gentilmente, entregando um cardápio a ela com um sorriso mais contido.
— Sim… mas o lugar já tem cheiro de conforto. — respondeu, tentando ser educada.
— Ele só almoça aqui, todos os dias, no mesmo horário — confidenciou o garçom, inclinando-se levemente para ela como se revelasse um segredo.
— Isso não era necessário — comentou, sem nem levantar os olhos do cardápio.
O garçom riu outra vez, se afastando depois de deixar o segundo cardápio na mesa.
observou por alguns segundos, enquanto ele mantinha os olhos na página à sua frente, sério e concentrado. Ainda havia muito a aprender sobre ele — e sobre aquela nova vida que estava começando.
Ela abriu o cardápio também, tentando ignorar o leve incômodo de sentir-se observada por aquele mundo que ainda não era seu. Mas ela chegaria lá.
Nem que fosse com a tal armadura.
deixou o cardápio repousar sobre a mesa e ergueu os olhos para .
— Deixe‑me adivinhar — disse, num tom leve. — Você pede sempre a mesma coisa?
Ele ergueu a sobrancelha, um canto dos lábios se curvando.
— Quase sempre. Mac & cheese trufado, salada de rúcula e um expresso duplo para fechar — enumerou, como se recitasse um endereço. — É rápido, consistente, não me desacelera.
— E previsível — comentou, mordendo o sorriso.
— A previsibilidade economiza tempo. Tempo é tudo no nosso setor.
Ela assentiu, tentando não rir. Recolheu uma mecha de cabelo atrás da orelha e sinalizou ao garçom.
— Vou querer o linguine ao limão e… chá gelado de pêssego, por favor.
O garçom anotou o pedido dela e dele, lançou um último olhar curioso aos dois e se afastou. O burburinho da cafeteria os envolveu: talheres contra porcelana, o chiado da máquina de espresso, conversas cruzadas. Por um instante, sentiu que finalmente respirava fora do caos dos últimos meses.
— Então — começou ela, apoiando os antebraços na mesa —, “não costumo deixar ninguém sem armadura”. Foi isso que você disse lá fora?
inclinou‑se para trás, cruzando os braços.
— Em essência, significa que, se trabalhar comigo, vou garantir que tenha as ferramentas certas para não ser engolida.
— Mesmo que isso irrite… certas pessoas? — A lembrança de Chloe ergueu‑se entre eles.
Ele soltou um suspiro curto.
— Sobretudo se irritar certas pessoas. — Fez uma pausa, mais sério. — Mas a armadura também exige que você saiba usá‑la. Chloe vai testar seus limites; não leve para o lado pessoal. Ela gosta de medir forças.
— Já saquei. — tamborilou os dedos na beirada do cardápio. — Vou manter a calma. E, bem, eu também não sou exatamente feita de porcelana.
Ambos ficaram em silêncio e pegou o celular dentro da bolsa, voltando a trocar mensagens com a babá, e também mexia no celular, mas ele parecia apenas rolar o dedo pela tela, no feed de alguma rede social qualquer. E assim os minutos passaram, entre os dois: silêncio.
Os pratos chegaram: o mac & cheese fumegante de exalava o cheiro rico da trufa, enquanto o linguine de reluzia num molho leve, perfumado de cítrico.
— Primeiro almoço de trabalho na Brighter Horizons — ela comentou, levantando o copo de chá como um brinde improvisado. — Às segundas chances.
ergueu o espresso.
— Às segundas chances — repetiu, tocando suavemente a borda da xícara na dela.
Comeram alguns minutos em silêncio confortável. aproveitou para responder a mensagem da babá — “Obrigada, qualquer coisa me avise”— e deslizou o celular de volta à bolsa.
— Como foi decidir mudar de cidade em dois dias? — ele perguntou, ainda focado na própria refeição.
— Assustador — admitiu. — Mas… necessário. Nova Iorque assusta, mas também dá a sensação de que tudo é possível. E os gêmeos… bom, eles merecem essa chance comigo em versão completa, não quebrada.
levantou o olhar, atento.
— Eles são sua âncora.
— E meu impulso. — sorriu. — No fim, aceitar o emprego foi mais fácil do que achei. A empresa ofereceu tudo o que eu precisava; só tive de dar o salto.
— Saltos grandes costumam render as melhores vistas — ele murmurou. Depois fitou o relógio. — Temos vinte minutos antes de voltar. Quero que veja a sala de reunião do andar trinta. Lá é onde vai apresentar seu primeiro relatório na semana que vem.
sentiu o estômago apertar—desta vez não pelo linguine.
— Relatório? Pensei que teria mais tempo para me ambientar.
— Vai se ambientar trabalhando. — O tom era firme, mas não frio. — Eu ajudo a revisar. Se estiver pronta, não tem porque esperar.
Ela respirou fundo, deixando que a determinação tomasse o lugar da ansiedade.
— Tudo bem. Mostre‑me essa sala quando voltarmos.
Pagaram a conta — insistiu em assumir metade dela, “política de trabalho em dupla” — e saíram de volta ao sol de Manhattan. O ruído da avenida os engoliu, mas agora sentia‑se um pouco menos perdida.
Talvez, pensou, o tal colega previsível, direto e focado fosse também a primeira peça de apoio real desde que tudo desmoronara. E, enquanto caminhava ao lado dele rumo ao prédio envidraçado, percebeu que já começava a vestir a armadura.
voltou primeiro à sua sala, pousou a bolsa na cadeira e pegou apenas o caderno de anotações. Nem teve tempo de se acomodar: surgiu à porta, impaciente, apontando o corredor com um aceno de que estava na hora.
— Andar trinta. — Ele já caminhava quando ela saiu atrás.
O piso de carpetes cinza claro fazia os passos dele parecerem ainda mais rápidos; precisou alongar as pernas para alcançá‑lo. Conforme passavam pelo labirinto de baias envidraçadas, olhares curiosos surgiam aqui e ali, mas um deles queimou mais do que os outros.
Chloe.
A estrategista estava de pé em sua estação, braços cruzados, vendo‑os atravessarem o corredor através da divisória de vidro. O olhar frio pousou primeiro em — um lampejo de algo que não conseguiu nomear — e depois cravou nela, intenso o bastante para fazê‑la estremecer.
manteve o queixo erguido e o passo firme, mas sentiu o arrepio percorrer a nuca. “Então é assim que começa,” pensou. Podia quase ouvir o desafio silencioso naqueles olhos.
percebeu o leve atraso do passo dela e lançou um olhar de canto.
— Tudo certo? — perguntou, já apertando o botão do elevador privado que exigia crachá.
— Tudo. — pôs um meio‑sorriso. — Apenas absorvendo o ambiente.
Ele pareceu aceitar a resposta, mas fez uma observação em tom neutro:
— Não desperdice energia com guerras que não rendem vitória. Concentre‑se nos resultados. Quem precisa reconhecer, reconhece.
A porta do elevador deslizou; entraram. O espelho polido refletiu ajeitando o blazer, tentando varrer de si a sensação incômoda do olhar de Chloe.
— Andar trinta, sala Horizon 3.2 — anunciou , como se fosse uma senha. — É lá que seus relatórios nascerão.
— Então vamos dar à sala um bom primeiro capítulo — respondeu, firme.
O elevador subiu suave. inspirou devagar, lembrando‑se dos gêmeos sorrindo naquela manhã, e sentiu a determinação solidificar‑se outra vez. Quando as portas se abriram no trigésimo andar, ela avançou ao lado de sem olhar para trás. Chloe poderia observar o quanto quisesse; tinha trabalho — e uma nova vida — para construir.
O corredor do trigésimo andar era ainda mais silencioso que os demais — carpetes impecáveis, paredes revestidas de madeira clara e grandes paineis de vidro filtrando a luz do Hudson. abriu a porta da sala Horizon 3.2 com seu crachá; as lâminas de vidro deslizaram sem ruído, revelando um espaço amplo, moderno, ladeado por janelas de ponta a ponta.
prendeu a respiração. O horizonte de Manhattan se espalhava diante deles como um quadro em movimento: arranha‑céus recortando o céu cinza‑azulado, pontes ao longe, o brilho do rio sob o sol do início da tarde. Por um instante, ela esqueceu as tensões do andar inferior.
— Bonita vista — comentou, quase num sussurro.
— É… distrai alguns, motiva outros — respondeu, encostando-se à mesa central. — Prefiro pensar que lembra por que vale a pena acertar.
A mesa de reunião era oval, com terminais digitais embutidos em cada assento. tocou no painel à cabeceira; a tela na parede acendeu, exibindo um dashboard de projetos.
— Seu primeiro relatório será sobre o status dessas três iniciativas — disse, destacando os widgets com um toque. — Oliver cuida de “Aurora”, Emily está à frente de “Beacon”, Alex dá suporte administrativo às duas e Chloe conduz as projeções de “Nexus”. Você deve alinhar prazos, custos e entregas com cada um e preparar uma visão consolidada. Apresentação na próxima quinta, 9 h, diretoria de inovação.
abriu o caderno, começando a anotar tópicos, mas ergueu a mão.
— Use isso. — Ele deslizou para ela um stylus e destravou um dos tablets integrados à mesa. — Bem‑vinda ao workflow sem papel.
Ela sorriu de leve e começou a digitar. O sistema reagia em tempo real, criando cartões coloridos para cada projeto.
— Você domina bem a plataforma — observou ele, após alguns quilômetros de texto fluindo na tela.
— Aprendi no antigo emprego, mas… servindo latte e equilibrando bandejas não tinha muita utilidade. — deu de ombros, mas o brilho orgulhoso em seus olhos era visível.
assentiu, como quem armazena a informação.
— Sobre Chloe — retomou, encarando o skyline. — Não deixarei situações pessoais interferirem na performance da equipe. Mas, se algo atravessar a linha, me avise antes que vire um incêndio.
— Entendido. E… obrigada.
O tablet vibrou; uma notificação de mensagem surgiu no canto. tocou rápido e sorriu ao ler a foto enviada pela babá: Ellie e dormindo, abraçados, depois do almoço. A legenda dizia “Cochilo dos campeões!”.
— Tudo bem por lá? — perguntou, notando a expressão dela suavizar.
— Sim. — Ela girou a tela para mostrar a imagem. — Esses são os motivos pelos quais não posso falhar.
Algo quase imperceptível relaxou nos traços dele.
— Motivos fortes. — Ficou um segundo em silêncio, depois retomou o tom profissional: — Vou te deixar trabalhar aqui o resto da tarde. Qualquer dúvida, interfone.
Ele se dirigiu à porta, mas parou.
— . — Ela ergueu o rosto. — Metade do jogo nesta empresa é preparo ; a outra metade, resiliência. Você já demonstrou os dois.
Um novo sorriso atravessou o rosto dela, mais confiante.
— Obrigada, . Quinta‑feira cedo, sem falhas.
Ele inclinou a cabeça em concordância e saiu, deixando a porta deslizar atrás de si. girou a cadeira até ficar de frente para a cidade, tablet no colo, dedos prontos para digitar.
Em algum lugar lá embaixo, Chloe talvez continuasse vigiando. E, em algum ponto do labirinto corporativo, novos desafios certamente esperavam. Mas ali, na sala Horizon 3.2, com a luz de Manhattan refletindo na tela e as batidas do coração sincronizadas ao ritmo dos projetos que pulsavam diante dela, sentiu algo que não experimentava fazia muito tempo: a certeza de que estava exatamente onde precisava estar — e a convicção de que, desta vez, não perderia a chance de construir seu próprio horizonte.
passou o início da tarde sozinha na Horizon 3.2, mergulhada nos dashboards. Criou cronogramas, distribuiu pendências no sistema e fez rápidas videochamadas com Oliver, Emily e Alex para colher dados frescos de cada projeto. Entre um alinhamento e outro, respondeu à babá — os gêmeos acordaram bem-humorados e estavam comendo.
No mesmo período, foi engolido por reuniões consecutivas: uma rápida atualização com a diretoria de inovação, outra com o departamento financeiro para ajuste de orçamento e, por fim, uma call com um parceiro externo. Cada vez que cruzava o corredor de vidro, ouvia seu tom conciso e via a maneira quase cirúrgica com que desmontava problemas em tarefas claras.
Por volta das 15h30, quando a energia de começou a vacilar, o interfone da sala piscou:
: Café, no refeitório da empresa mesmo. Te encontro lá.
Ela salvou o progresso, pegou o crachá e desceu dois andares até o refeitório espaçoso, cheio de mesas comunitárias e o aroma constante de grãos moídos. Logo avistou sentado a uma das mesas centrais, ladeado por parte da equipe — Oliver gesticulava animado, Emily ria de algo que Alex comentara… e, à direita de , estava Chloe, impecável, braços cruzados, observando tudo com a postura de quem domina o tabuleiro antes mesmo da primeira jogada.
respirou fundo, endireitou os ombros e atravessou o salão em direção ao grupo, pronta para se juntar a eles — e para enfrentar o próximo capítulo daquele campo de batalha corporativo.
A loira atravessou o salão como quem cruza uma ponte sobre águas agitadas, equilibrando café recém‑tirado e coragem. Ao se aproximar da mesa, Oliver foi o primeiro a notá‑la.
— Olha quem chegou! — ele chamou, empurrando a cadeira ao lado. — Vem, senta com a gente.
ergueu os olhos do copo de americano e fez um pequeno gesto de aprovação, enquanto Emily acenava animada. Alex sorriu de leve, recolhendo papeis que revisava.
Chloe moveu apenas o olhar — frio, avaliador — antes de voltar à xícara de chá verde.
acomodou‑se entre Oliver e Emily, pousando o crachá sobre a mesa.
— Tudo bem por aqui? — perguntou, puxando conversa.
— Estamos celebrando uma pequena vitória — explicou Emily, apontando para o laptop aberto. — O design do “Beacon” passou na revisão de marca sem nenhuma alteração maior.
— Parabéns! — sorriu genuinamente. — Isso adianta nosso cronograma em pelo menos dois dias.
Emily acendeu ainda mais.
— Viu, Chloe? Alguém entende o valor do meu trabalho.
Chloe ergueu a sobrancelha.
— Entendo perfeitamente; só não comemoro até ver os números fechados.
Houve um breve silêncio. respirou fundo, lembrando‑se do conselho de : não desperdice energia em guerras sem vitória.
— Falando em números — ela disse, voltando‑se para Chloe, tom cordial —, preciso de algumas projeções atualizadas do “Nexus” para consolidar o relatório. Posso te mandar um rascunho do que já levantei e alinhamos amanhã cedo?
O convite implícito à colaboração surpreendeu parte do grupo. Chloe pousou a xícara, olhos apertados num misto de cautela e respeito nascente.
— Mande até as dezessete — respondeu, sem hostilidade —, e eu reviso antes de sair.
— Perfeito. Obrigada. — manteve o sorriso neutro.
observava a troca como um árbitro silencioso. Quando se voltou para ele, ele inclinou a cabeça, num gesto discreto de aprovação.
— Aproveitando que estamos todos aqui — disse —, lembram do stand‑up de sexta às nove? vai conduzir. Quero que preparem atualizações enxutas: um slide por projeto, foco em obstáculos e próximos passos.
Oliver ergueu o polegar; Emily fez um “ok” no ar; Alex já anotava. Chloe apenas assentiu.
Oliver aproveitou para sussurrar:
— Boa jogada com a Chloe. Se ela não te cortou com sarcasmo, você conquistou algo raro.
— Ainda é cedo para cantar vitória — respondeu em igual tom, mas com um brilho de confiança.
O grupo continuou trocando ideias. A certa altura, empurrou uma segunda caneca em direção a .
— Vai precisar — disse. — Relatórios têm sede.
Ela aceitou, e os dedos deles se tocaram por um instante na alça da caneca. Um leve calor subiu pelo braço de ; desviou o olhar, retomando a conversa sobre orçamentos com Alex, mas a tensão sutil pairou entre os dois, perceptível a Emily, que esboçou um sorriso cúmplice.
Quando o relógio marcou dezesseis horas, se levantou.
— Intervalo encerrado, equipe. Temos uma meta às dezoito.
Todos empurraram cadeiras. levantou‑se por último, sentindo o olhar de Chloe outra vez. Mas agora havia algo diferente: não somente desconfiança, mas curiosidade.
Saíram do refeitório em bloco, e lado a lado na dianteira. Enquanto atravessavam o corredor envidraçado, ele murmurou, só para ela:
— Primeiro round e você continua de pé. Bom sinal.
— Ainda faltam doze — ela retrucou, meio rindo.
— Então economize fôlego. Vamos precisar.
Voltaram aos elevadores, os passos ecoando no piso polido. Lá fora, o entardecer tingia Manhattan de dourado — e, dentro da Brighter Horizons, sentia‑se cada vez menos visitante e cada vez mais parte do jogo.
Mais tarde, quase ao fim do expediente, passou pela baia de Chloe com o rascunho das projeções do “Nexus” aberto no tablet.
— Temos cinco minutos? — perguntou, mantendo o tom profissional.
Chloe fechou a planilha em que trabalhava e empurrou a cadeira para o lado, indicando a poltrona vazia ao seu lado. O gesto era educado; o olhar, uma lâmina.
sentou‑se, colocou o tablet sobre a bancada e começou a explicar as premissas de receita e custo que usara. Chloe ouviu em silêncio, o queixo apoiado na mão, analisando cada vírgula.
— Suas premissas são razoáveis — disse enfim. — Mas precisa cortar cinco por cento no head‑count para manter a margem que a diretoria pediu.
— Eu imaginei — digitou rapidamente. — Vou enxugar nas horas de consultoria externa. Não quero sobrecarregar a equipe.
Chloe assentiu, depois virou a cadeira ligeiramente, encarando de frente.
— Você se move rápido.
— Prefiro adiantar o trabalho enquanto ainda não estou atolada.
— Não falo dos relatórios. — Chloe inclinou a cabeça, voz baixa, mas firme. — Falo do .
sentiu o frio habitual na nuca, mas manteve o rosto neutro.
— Ele é meu chefe imediato e parceiro de equipe. É natural que trabalhemos juntos.
— Chefe, colega, mentor… Como quiser chamar. — Chloe tamborilou os dedos na mesa. — Mas convém lembrar que as coisas tendem a quebrar quando alguém tenta ocupá‑lo demais.
— Isso parece um aviso. — manteve o tom calmo. — Tenho certeza de que entende bem os limites profissionais.
Chloe soltou um sorriso curto.
— é obcecado por resultados, não por limites. E, quando se envolve em algo — ou alguém —, tudo o mais vira ruído de fundo. Já vi acontecer. — O sorriso desapareceu. — As pessoas no raio dessa obsessão acabam machucadas.
respirou fundo, apoiando o stylus sobre a mesa.
— Se está preocupada com meu desempenho, agradeço. Mas posso cuidar do meu espaço e da minha equipe. — Pausa. — E, para constar, não estou “ocupando” ninguém. Só fazendo meu trabalho.
Chloe sustentou o olhar por um momento, avaliando aquela resposta. Então pegou o mouse e abriu de volta a planilha.
— Como quiser, . — Digitou uma correção no arquivo compartilhado, depois girou o notebook para . — Revise esses números. Se estiverem certos, eu assino antes de sair.
confirmou com um aceno, revisou as células editadas e gravou as alterações.
— Pronto. Obrigada pelo tempo.
Levantou‑se com o tablet, mas antes de dar três passos ouviu a voz de Chloe, quase um sussurro:
— Só tome cuidado para não confundir incentivo com interesse. A linha é fina — e, quando se cruza, quase nunca tem volta.
parou, virou apenas a cabeça.
— Obrigada pelo conselho. Vou continuar do lado certo da linha — prometeu, e saiu em direção ao elevador.
O coração ainda martelava, mas a coluna permanecia reta. Se Chloe queria intimidá‑la, teria de tentar com algo mais que insinuar fantasmas de um passado que não era dela. apertou o botão do elevador e pensou nos gêmeos, na vista da Horizon 3.2, na armadura que começava a se ajustar ao seu tamanho. A porta se abriu; ela entrou decidida, pronta para o próximo round.
O relógio digital na parede do open‑space apitou discretamente às 18h em ponto. ergueu os olhos dos gráficos, percorreu o setor com um olhar rápido e percebeu a cadeira de vazia. A bolsa dela continuava sobre a poltrona, o que significava que ainda estava no prédio.
“ e o excesso de zelo”, pensou, levantando‑se. Pegou o crachá, entrou no elevador e subiu até o andar 30. As luzes dos corredores já estavam em modo econômico, lançando faixas âmbar sobre o carpete quando ele alcançou a Horizon 3.2.
A porta de vidro estava entreaberta. Lá dentro, apenas o clarão do dashboard iluminava a sala. permanecia curvada sobre o terminal, fones nos ouvidos, digitando com concentração feroz.
— — chamou, voz firme, mas baixa.
Nada.
avançou dois passos, bateu com os dedos no vidro.
ergueu o rosto num sobressalto, arrancando um dos fones.
— Desculpa! — ofegou, levando a mão ao peito. — Não ouvi você chegar.
— Já são dezoito horas. Prometi liberar a equipe até agora. Eu incluso. — Ele indicou o relógio com o queixo.
— Dezoito? — arregalou os olhos e se levantou apressada. No ímpeto, o stylus escapou‑lhe dos dedos, rolou pela mesa e caiu.
Ambos se abaixaram ao mesmo tempo para pegá‑lo; suas testas quase se chocaram. recuou um centímetro, mas o encosto giratório da cadeira prendeu‑se na barra da sua calça. Perdeu o equilíbrio — e , num reflexo, segurou‑lhe a cintura para evitar a queda.
O mundo pareceu pausar: mãos firmes nos quadris dela, o perfume suave de chá de jasmim que ele carregava desde o café da tarde, a respiração de ambos misturando‑se no espaço mínimo que os separava. As janelas refletiam a cena, duplicando dois rostos próximos demais para serem apenas colegas.
— Estou bem — sussurrou, apesar de o coração martelar alto.
demorou um segundo para soltá‑la, como se confirmasse. Quando o fez, seus dedos deslizaram lentamente pelas laterais do blazer dela.
— Foco é admirável — disse, num tom mais baixo que o habitual —, mas talvez você precise de um lembrete para respirar entre as linhas.
abaixou‑se, pegou o stylus caída e ergueu‑o em sinal de trégua.
— Lembrete recebido. — Tentou sorrir; o rubor denunciou o turbilhão sob a postura calma. — Só queria fechar as últimas fórmulas antes de ir.
— Feche amanhã às nove. — Ele estendeu a mão, pedindo o stylus. Seus dedos tocaram os dela — contato breve, suficiente para reacender aquele pulsar estranho nos dois. — Ou vai acabar esquecendo mais do que a hora.
Ela soltou uma risadinha nervosa.
— Meus filhos não me perdoariam.
— Nem eu — acrescentou ele, deixando escapar um sorriso raro, quase íntimo.
pegou a bolsa, desligou o monitor; a tela escureceu, deixando a sala numa penumbra azulada.
— Um elevador para dois? — perguntou, tentando manter o tom profissional.
— Claro. — Ele abriu a porta para ela. Enquanto caminhavam lado a lado pelo corredor silencioso, os ombros se roçaram, e nenhum dos dois se apressou em afastar‑se.
Lá fora, Manhattan já acendia suas luzes. Dentro da Brighter Horizons, algo igualmente elétrico começava a cintilar entre a novata dedicada e o homem que não costumava perder o foco — até agora.
Afinal de contas, desde a morte de , tudo havia desmoronado tantas vezes que ela havia perdido a conta, e mesmo assim ela sempre encontrava força nos filhos. A dor da perda ainda latejava em noites como aquela… ela sempre se lembrava dele a noite antes de finalmente dormir. Especialmente quando olhava para a própria cama. Os pensamentos a pegavam de surpresa todas as vezes, e ela imaginava como seria tê-lo ali com ela…
Os dois certamente se deitaram juntos, lado a lado depois de um dia cansativo de trabalho, teriam preparado o jantar juntos obviamente, tomado banho juntos como sempre faziam depois de dias cansativos como aquele. Depois cuidariam dos gêmeos, teriam jantado juntos com risos e contado sobre como havia sido o dia…
suspirou pesadamente e então afastou os cobertores se deitando sozinha. Ela virou-se de lado, os olhos já úmidos pela lembrança que teimava em não deixá-la em paz. Passou a mão devagar pelo lençol ao seu lado, o tecido frio contrastando com o calor que ainda vivia na memória. Aquele espaço na cama, tão silencioso, parecia gritar sua ausência todas as noites.
Seus dedos traçaram o vazio com cuidado, como se ainda pudessem tocar algo — ou alguém — ali.
— Você ainda dorme aqui, sabia? — ela sussurrou, quase como uma confissão. — Mesmo sem corpo, mesmo sem voz... ainda sinto você.
Ficou em silêncio por um tempo, encarando o teto. Lágrimas escorreram lentamente pelas têmporas, sem barulho, sem alarde.
— Hoje teria sido um daqueles dias em que você me arrancaria um sorriso, mesmo que eu não quisesse. Teria feito piada do meu chefe, me forçado a comer pizza gelada na cama... — a voz dela vacilou. — Teria me lembrado que eu posso lidar com tudo isso.
Ela fechou os olhos, apertando o travesseiro como se quisesse abraçá-lo no escuro.
— Você devia estar aqui. Era pra você estar aqui.
E pela milésima vez, chorou baixinho, não como quem desaba, mas como quem se permite apenas o suficiente para não sufocar.
Mas quando olhou para o monitor da babá no criado-mudo e viu a imagem dos gêmeos dormindo abraçados no berço, enxugou os olhos e respirou fundo.
Porque eles estavam ali.
E ela, por eles, também estaria.
Quando o celular tocou, despertando-a do sono profundo, ela percebeu que ainda estava abraçada ao travesseiro, do mesmo jeito que havia pegado no sono. Foi nesse momento que ela percebeu o quanto estava cansada fisicamente.
Respirou fundo e então sentou-se na cama, abrindo os braços com força e espreguiçando para deixar os músculos mais relaxados o possível.
“É hoje!” ela pensou, assim que olhou para a janela fechada a sua frente. sabia que precisaria demonstrar um desempenho excelente, sem falhas, sem buracos, sem tropeços. Precisaria ser perfeita e demonstrar um domínio que ela ainda não sabia se possuía por completo em tão pouco tempo à frente da equipe.
Enquanto caminhava até o banheiro com passos lentos e pesados, ainda sentia o corpo exausto. A noite havia sido curta, o sono leve, e a ausência de continuava pulsando em algum canto do peito. Mas não havia tempo para sentimentos. Não hoje.
Ela ligou a torneira, molhou o rosto e encarou o próprio reflexo no espelho. Os olhos estavam inchados, os cabelos um pouco bagunçados, mas havia ali, por trás do cansaço, uma centelha firme, obstinada.
“Você consegue, . Hoje não é sobre o que você perdeu, é sobre quem você ainda é.”
Com a escova de dentes em uma mão e o celular na outra, ela revisou mentalmente cada ponto da apresentação enquanto encarava a pia. Os projetos. Os prazos. As falas. Os riscos de cada entrega. Tudo precisava sair com clareza. Ela precisava passar segurança.
Enquanto a espuma da pasta se acumulava, ela pensava nos olhares que enfrentaria — da diretoria, da equipe, de Chloe. Mas o que mais a inquietava era o olhar de .
“Ele sabe reconhecer fraquezas. E sabe explorar forças também. Vai estar observando cada detalhe.”
Depois do banho, deixou a toalha escorrer pelos ombros e encarou o guarda-roupa como se fosse uma arena de batalha. Escolheu um blazer azul-marinho que transmitia elegância e firmeza. Um batom discreto. Um perfume leve.
Foi para a cozinha preparar o leite dos pequenos, afinal de contas a babá chegaria dali alguns minutos, mas amava ver os filhos acordando e dar-lhes o primeiro leite do dia. Por sorte, na maioria das noites eles não acordam para mamar, o que vinha permitindo que agora, com eles aos 10 meses de vida, a deixassem finalmente dormir por uma noite completa.
se sentia muito sortuda quando se tratava do comportamento dos filhos, ela sempre ouvira tantas histórias caóticas de como os bebês davam enquanto eram recém nascidos, de como o desmame era uma tarefa complicada, de quantas vezes as mães precisavam acordar a noite e se privar do sono para amamentar, acalentar e tudo mais, e ela não havia tido esses problemas. Um sorriso melancólico surgiu em seu rosto quando se lembrou dos pequenos há alguns meses atrás, tão frágeis e dependentes dela.
Lembrava-se das primeiras semanas, quando Ellie e cabiam com folga em seus braços, os corpinhos minúsculos embalados em mantas leves e a respiração deles tão sutil que se pegava acordando no meio da madrugada só para confirmar que ainda estavam ali, vivos, seguros… seus.
Lembrava do cheiro de recém-nascido que preenchia o quarto, do som baixo das mamadeiras sendo aquecidas, do ronronar de contentamento quando os dois encontravam seu colo.
Ellie era mais inquieta, mexia os bracinhos como quem já queria explorar o mundo. , mais tranquilo, adormecia em segundos depois de mamar, com aquele biquinho sereno que a fazia sorrir mesmo nos piores dias.
se lembrava de como era instintivo. Mesmo cansada, mesmo emocionalmente destroçada pela ausência de , ela sabia o que fazer. Sabia como segurá-los, acalmá-los, fazê-los dormir. Era como se uma nova versão dela tivesse nascido junto com eles.
Por mais difícil que fosse, nunca houve espaço para dúvida. Os olhos dos dois — tão parecidos com os do pai — sempre lembravam a ela do porquê continuar.
Ela se aproximou da bancada, terminou de preparar os leites e apoiou os frascos prontos, alinhados, lado a lado. Por um instante, ficou ali, encarando as mamadeiras como se fossem relíquias de uma história que ainda estava sendo escrita.
— Vocês cresceram tão rápido… — sussurrou para si mesma. — E, mesmo assim, ainda são tudo o que eu tenho de mais pequeno, mais precioso.
Logo ouviria os resmungos de sono vindos do quarto deles, os olhos arregalados ao vê-la, os bracinhos estendidos pedindo colo. E isso bastava. Isso a lembrava que, mesmo sem , ela não estava sozinha.
Nunca esteve.
De um jeito que nem sabia como, ela pegou os dois nos braços com toda calma e amor do mundo, embalando os mesmos com canções e palavras de afirmação, até que o choro fosse diminuindo aos poucos, dando lugar a calmaria da manhã que ela estava acostumada.
Com um em cada braço, caminhou com cuidado até a cozinha, sentindo os corpinhos quentinhos dos filhos ainda meio sonolentos encostados no peito. Ellie resmungava baixinho, esfregando os olhinhos com as mãozinhas fechadas, enquanto bocejava de forma adorável, a cabecinha recostada no ombro dela.
Chegando à sala, ela se abaixou com cuidado e os acomodou nos berços automáticos — um de cada lado, lado a lado, como sempre faziam desde pequenos. Ajeitou as cobertas finas sobre os pezinhos deles, ligou os dispositivos e sorriu ao ouvir o som suave da vibração que logo começou a embalar os dois.
Ellie soltou um suspiro satisfeito e virou o rostinho para o lado. já estendia as mãozinhas no ar, como se soubesse que o momento do leite estava prestes a chegar.
voltou para a cozinha e pegou as mamadeiras que havia deixado prontas sobre a bancada. Quando retornou à sala, os dois já estavam mais alertas, com os olhinhos redondos a encarando com expectativa.
— Aqui estão os cafés da manhã mais aguardados de Nova York — ela disse em voz baixa, divertida, enquanto se ajoelhava entre os dois berços.
Entregou a primeira mamadeira para , que agarrou com as duas mãos como se fosse o maior tesouro do mundo. Depois, passou a outra para Ellie, que demorou um pouco mais para aceitar, observando a mãe com aquele olhar atento que conhecia bem.
— Bom dia, meus amores — sussurrou, acariciando o pezinho de Ellie e ajeitando o cobertor de com delicadeza. — Hoje a mamãe tem um dia muito importante… então preciso que vocês torçam por mim, tá bem?
Eles não respondiam, mas ela sabia. De alguma forma, sabia.
Naquela pequena rotina silenciosa, entre um bocejo e um gole de leite, encontrava tudo o que precisava para seguir em frente.
O barulho dos saltos dela podia ser ouvido de longe, ecoando pelos corredores e atraindo olhares pela postura elegante e confiante que ela exalava. Quando entrou na sala que dividia com , ele já estava lá, claro.
— Bom dia, . A chave da sala está com você, correto?
ergueu os olhos dos papeis que tinha em mãos e reparou que aquela era a primeira vez em uma semana que ele a via com os cabelos loiros soltos e caindo pelas costas em ondas simétricas e perfeitas. O coração dele deu um leve salto quando ela se virou de frente para ele.
Foi aí que ele realmente a encarou. O blazer estruturado, a maquiagem discreta, a expressão determinada — estava pronta. Pronta para impressionar, para enfrentar o dia, para ocupar o espaço que vinha conquistando desde que chegara.
Mas havia algo a mais ali. Algo que não estava no figurino profissional ou na confiança do tom de voz. Havia uma presença, um magnetismo contido, que o fez esquecer, por um breve segundo, das folhas entre seus dedos.
piscou uma vez, forçando-se a manter o foco. Respirou fundo, ajeitando os papéis, e disfarçou o olhar mais demorado que dera a ela.
— Sim, está comigo — respondeu, levantando-se para pegá-la na gaveta. Ao estender a chave para ela, seus dedos tocaram os dela por um instante — rápido demais para chamar atenção, mas suficiente para ele sentir a pele quente dela contra a sua.
— Obrigada — respondeu, com um leve sorriso que quase não foi sorriso, mas que deixou um rastro na sala.
a observou caminhar até a porta da Horizon 3.2, e por um momento, esqueceu-se dos números, das metas e até mesmo da reunião das 9h.
“Ela veio para ficar”, pensou.
E aquilo, por algum motivo, deixava tudo mais interessante. E mais complicado também.
A sala Horizon 3.2 estava cheia. Os diretores da Brighter Horizons ocupavam os assentos principais, pastas abertas, tablets acesos, olhares clínicos voltados para a tela central onde já exibia os primeiros slides.
estava sentado próximo à lateral, os braços cruzados e a expressão impassível — pelo menos à primeira vista. Internamente, ele observava cada gesto, cada entonação, cada olhar firme que lançava conforme conduzia a apresentação com clareza e precisão.
— Conforme os dados demonstram — ela dizia, com o ponteiro digital firme na mão —, conseguimos antecipar em dois dias a entrega parcial do projeto Beacon, e isso abre margem para revisões estratégicas em Aurora e Nexus.
A tela atualizou, exibindo gráficos com projeções de avanço. mudou o tom, como quem domina não apenas os números, mas também o peso das palavras:
— A equipe mostrou alinhamento e comprometimento, e acredito que o foco agora deve ser no refinamento dos relatórios de impacto, com participação mais direta da área de planejamento estratégico.
Os olhos de Chloe, sentada à mesa central com uma caneta elegante entre os dedos, se ergueram como punhais disfarçados. não desviou o olhar. Mantinha-se firme, a voz estável, o corpo centrado. Sabia que a provocação era sutil, mas intencional.
Um dos diretores, o Sr. Han, coçou o queixo e sorriu levemente.
— Impressionante o nível de clareza para alguém que está conosco há tão pouco tempo. Excelente trabalho, .
Outros assentiram. Houve um leve murmúrio de aprovação.
não disse nada. Apenas manteve os olhos fixos nela, o queixo levemente inclinado e um brilho discreto no olhar. Não era surpresa para ele. Mas era satisfatório — e, de certo modo, pessoal. Ele havia apostado nela. E agora, diante de toda a diretoria, ela estava provando por que.
sentiu a tensão sair dos ombros por um breve momento ao ouvir os elogios. Mas também percebeu, pelo canto do olho, o jeito como Chloe apertava os lábios, imóvel em sua cadeira, como se mantivesse o controle apenas pela ponta dos dedos.
A apresentação seguiu, encerrando com um resumo conciso e eficaz. Quando desligou o pointer e voltou a se sentar, a observou se acomodar na cadeira ao lado com elegância, sem alarde, mas com aquela aura de dever cumprido.
— Não esperava menos — ele murmurou baixo, apenas para que ela ouvisse.
ergueu o olhar, sem conter o pequeno sorriso nos lábios.
— Nem eu.
E Chloe, que ainda folheava o relatório físico com mais força do que necessário, percebeu.
A guerra silenciosa tinha oficialmente começado. E estava pronta.
Continua...
Nota da autora: Sem nota!
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