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Codificada por: Cleópatra (Mari)

Última Atualização: 20/02/2025
Alonso Perroni


Estacionei meu carro e respirei fundo olhando para o prédio do hospital, virei o rosto e vi as flores que comprei para levar para Vincenzo, era tão difícil ter que passar por aquilo de novo e, dessa vez, era ele, meu melhor amigo. Peguei o vaso, a minha bolsa e saí do carro indo em direção à entrada, cheguei na recepção e me identifiquei, sendo permitida a minha entrada logo em seguida para o quarto 204, onde ele estava internado. Caminhei a passos lentos, estava sem pressa alguma, com medo de como iria encontrá-lo, se estaria tão frágil quanto sua mãe há longos anos.

Eu precisava ser forte por ele e por Gio.

Vi que a porta do quarto estava aberta, puxei o ar mais uma vez e dei alguns passos, parando em frente a porta, vi Giovanna sentada na beira do colchão e Vince deitado naquela cama de hospital, porém, ele estava bem, mesma expressão de cafajeste e um sorriso no rosto por algo que Coppola falou. Sorri com alívio de ver aquela cena, fechei os olhos agradecendo a quem estivesse me ouvindo e então ouvi meu nome.

!

Sorri e entrei, deixando minha bolsa e o vaso de flores em cima da primeira mesa que vi, Giovanna levantou para eu ter espaço para abraçar Vince, então o envolvi em meus braços e apertei o nosso abraço. Estava feliz em vê-lo bem, agradecida por não estar debilitado ou triste por já estar ali há tanto tempo.

— Eu estou bem, . — Afastei apenas para poder olhá-lo nos olhos. — Graças a você e seu pai.

— Não… — Neguei com a cabeça e me endireitei ficando ao lado da minha melhor amiga, que me abraçou.

— Modéstia não combina com você, — falou Gio e eu a olhei, irritada. — Aí está a nossa . — Balancei a cabeça, rindo.

— Obrigado, — agradeceu Vincenzo e eu apenas assenti pegando em sua mão.

— Meu agradecimento é você ficar bem e voltar pro bar, Cristian e você trabalharão juntos a partir de agora.

— Ótimo, mais tempo para os meus serviços particulares.

— Com a Giovanna até pode ser… — Ela arregalou os olhos e apertou meu braço, fazendo com que eu parasse minha frase no meio e olhasse para ela sem entender nada. Vince franziu o cenho, confuso, e pelo pânico da loira, pude deduzir que ela não tinha se declarado pra ele... ainda. Revirei os olhos antes de dizer: — Foque no bar de agora em diante, ok?

— Você que manda… — Ele fez continência e eu apontei o dedo para ele fazendo careta. — Que foi?

— Pare com isso! — ralhei de forma brincalhona. — Virou obrigação pros meus empregados desde que você inventou…

— Bom saber que pelo menos iria deixar um legado.

— Vai se foder, Vince — falei soltando o ar com força.

Nós três gargalhamos e era tão bom estar com eles novamente, pena que a minha paz não durou muito e meu telefone começou a tocar. Olhei para o visor e era Giulia; esperava não ser mais nenhuma surpresa desagradável como um vídeo meu aos beijos com , essa história estava acabada.

— Oi, Giu.

— Vem pra casa… agora.

— De novo essa…

— Agora, ! — berrou ela, interrompendo a minha frase e desligou, me deixando completamente confusa, mas ela não faria algo do tipo se não fosse importante.

— Desculpa, mas eu preciso ir, algo aconteceu em casa. — Guardei o celular no bolso da minha calça.

— Tudo bem, e fiquei feliz de ver você, . — Vincenzo sorriu.

— Vince vai ter alta semana que vem… — falou Gio, animada.

— Isso é maravilhoso! — Abracei ele novamente. — Se cuida, tá bom?

— Giovanna está cuidando muito bem de mim. — Ele piscou para ela e eu fiz uma careta.

— Jantar lá em casa, nós três, tudo bem? — Assenti que sim.

— Eu amo vocês.

— Que bicho te mordeu, ? — perguntou Giovana e eu apenas revirei os olhos antes de deixar o quarto e logo o hospital.

Cruzei o estacionamento mexendo no celular e vi as últimas mensagens no grupo com as minhas irmãs, elas tinham me marcado diversas vezes e eu fiquei ainda mais preocupada, comecei a caminhar mais rápido. Olhei para o lado enquanto guardava o telefone na minha bolsa e vi Ettore e Austin sobressaltados, eles estavam em outro carro estacionado a poucos metros do meu. Eu apenas fiz sinal que estava tudo bem. Assim que estava atrás da direção, coloquei o cinto e fui na maior velocidade que a rodovia permitia até em casa. Entrei a passos largos à procura da Giulia, fui até a sala de segurança e ela não estava lá, franzi o cenho e mandei mensagem no grupo perguntando onde elas estavam e tudo que recebi foi: quarto da Bea.

Abri a porta de supetão e Beatrice surgiu de trás de mim fechando e trancando a porta, olhei assustada com a cena de filme de terror. Giulia andava de um lado para o outro sem parar e Luna estava na varanda, fumando, o que era uma novidade. Fechei os olhos, unindo minhas sobrancelhas e os abri novamente antes de perguntar:

— O que caralhos está acontecendo?

— Acho melhor te mostrar… — Beatrice respirou fundo e foi até as portas duplas do closet dela. Caminhei até ela, ficando ao seu lado. — Tá pronta?

— Vai logo, Beatrice.

Assim que ela abriu as portas, eu cobri minha boca para um grito não sair. Eu esperava qualquer coisa das minhas irmãs, sinceramente, mas aquilo era loucura.

— O que vocês fizeram? — Olhei para elas com os olhos arregalados.

— Agora a gente explica. — Luna fechou a porta da varanda, assim como minha irmã ruiva fechou as do closet ao som dos gritos abafados deixando a boca da mulher que estava lá dentro.

— Beatrice ouviu a Carolyn no telefone… — Cruzei os braços esperando algo que explicasse a futura noiva de amarrada e amordaçada dentro do closet da Beatrice. — Ela falava com alguém sobre um plano pra controlar a Vincere, .

Franzi o cenho, ficando completamente chocada com aquilo, eu não gostava da mulher pelo simples motivo de ela parecer fútil, superficial e arrogante, mas ela ser uma infiltrada para derrubar a famiglia mudava todo o cenário. Minha expressão mudou completamente, assim como meu temperamento e minha postura diante daquilo tudo. Elas fizeram bem em prender essa vagabunda, quem ela acha que é pra invadir a nossa casa e tentar tomar o que é nosso por direito?

— Já fizeram ela falar?

— Essa parte é com o . — Beatrice levantou as mãos em rendição e sentou na cama. Respirei bem fundo e eu não falaria com o idiota até o momento que fosse extritamente necessário.

— Ele está há dias torturando diversos homens pra conseguir informação, vamos dar um tempo pra ele, ok? — explicou Giulia e eu olhei pra ela, confusa.

— Quando foi que isso- — Deixei a frase morrer, sem acreditar que de novo os segredos estavam por todo lugar. — Giu, o que tá acontecendo?

— Sigilo.

— De nós?! — reclamou Bea, indignada.

— Papai pediu.

— Era só o que me faltava… — Revirei os olhos. — Qual a missão, Giulia? — Ela ficou em silêncio, tentando olhar para outros lugares que não fossem meus olhos, mas fui até ela e parei em sua frente. — Parlare, Giulia Perroni!

— Os Delantera voltaram!

Mannaggia! — xingou Beatrice gesticulando as mãos. — Ela é um deles?

— Vai saber, agora temos que arrancar algo dela! — falou Luna, nervosa.

Massageei minha testa em busca de alguma razão ou uma luz em minha mente, aquilo não podia estar acontecendo, era uma merda atrás da outra. Logo quando achei que estava tudo resolvido e que eu seguiria tomando conta da minha boate, se casaria e seria feliz bem longe de mim e tudo ficaria bem. No entanto, eu esqueço que ser dessa família quer dizer que a única coisa que não vamos ter na vida é paz. Soltei o ar me preparando e abri as portas do closet, olhei para minhas irmãs perguntando se elas iriam e as três me seguiram. Giulia fechou as portas e então me aproximei da loira e tirei o pano da boca de Carolyn.

— Vai, desembucha.

— Não sei o que quer de mim…

Revirei os olhos e dei um tapa na cara dela, assustando minhas irmãs, menos Giulia, óbvio, e Carolyn mantinha o rosto virado para o lado, surpresa por eu ter feito aquilo.

— Você vem a minha casa, seduz , enrola a minha irmã — apontei para Luna — e agora quer me fazer de otária? Non sono un idiota.

— Não sei o que sua irmã escutou, mas ela está louca — falou com tamanha arrogância que me fez ficar com mais raiva do que já estava.

— Vai xingar minha irmã também?! — Estalei minha palma de novo no rosto dela, dessa vez com mais força, o que fez sua pele ficar vermelha. — Se pazza, puttana?

— Eu sou apenas a prometida de . — Ela começou a chorar e fazer cena, eu apenas revirei os olhos fortemente e andei de um lado para o outro pensando no que eu poderia fazer para fazer ela falar. — Só quero dar uma família a ele…

— Não ouse… — Parei em frente a ela, apontando o dedo em sua cara

— Ele me contou o quão trágica é a história de vocês…

— Não ouse usar isso pra se safar, sua vadia. — Ela levantou a cabeça e me olhou de forma investigativa, franzi o cenho, confusa. — sofreu tanto quanto qualquer uma de nós e não merece ser traído dessa forma.

— Você gosta dele… — falou ela, baixo, como se tivesse se dado conta daquilo naquele momento.

— O quê? — Dei um passo para trás.

— É sobre isso, não é? — Ela riu, soltando o ar pelo nariz, desacreditada. — Vocês dois têm um caso por baixo dos panos… — Carolyn fez uma careta

— Não fale do que não sabe… — Neguei com a cabeça, veementemente.

Senti um vazio me tomando, aquela sensação de estar sendo ameaçada e acuada em um canto da parede me tomou. Um calafrio percorreu meu corpo se instalando em meu estômago. Olhei rapidamente para as minhas irmãs que seguiam ao meu lado, mas eu sentia que elas me julgavam em suas mentes.

A raiva surgiu em mim, não só pela situação ou por ela falar em voz alta algo que todas nós sabíamos, porém, decidimos em conjunto enterrar aquilo naquela sala de segurança, assim como Giulia achou melhor deletar aquele vídeo, transformando de uma vez só aquilo em um segredo nosso. Também me deixava irritada o fato de a mulher invadir minha casa e me afrontar daquela forma, nos desrespeitando embaixo do nosso próprio teto e ainda achar que pode falar um absurdo desses como se soubesse de algo.

— Tá escrito na sua cara! — Ela abriu a boca como se estivesse chocada. — Você está apaixonada por ele!

— Cala a boca! — Parti pra cima dela desferindo tapas, mas Beatrice me segurou e começou a me puxar para trás.

— Que nojo, vocês são doentes!

— Sua escrota, eu vou matar você! — berrei, completamente sem controle algum da minha raiva, aquilo tinha me atingido de forma mais profunda do que eu achei que seria.

— Vamos sair daqui… — Bea lutava para me tirar de perto da mulher enquanto eu me debatia querendo agredir Carolyn.

Giulia se juntou à ruiva e me levaram pra fora, Luna colocou a mordaça novamente na francesa e fechou as portas.

Calmati, . — Giulia balançou meus ombros.

Senti meu coração pulsando em minha garganta, por que eu me descontrolei tanto?

Não podia ser verdade, não era, eu sabia que não era. Eu nunca gostei do , o que aconteceu foi um lapso, um desvio de caráter momentâneo, apenas um desejo incontrolável, delirante eu diria, de duas pessoas que se odiavam, foi só isso. Porque eu sinto que se não fosse pelas minhas irmãs eu teria matado aquela vagabunda com as minhas próprias mãos? E por que a sensação que eu tenho dentro de mim é que eu teria gostado disso?

— Ela está me assustando... — comentou Luna, amedrontada, fazendo-me acordar dos pensamentos obscuros em minha mente e voltar a mim.

— Descubram tudo o que puderem sobre ela, enquanto isso, ninguém sabe onde ela está, entenderam? — ditei, olhando para elas, que assentiram. Saí dali pisando duro, eu precisava de um ar e, principalmente, de uma bebida.

Saí dali batendo a porta com força, caminhei sem rumo pelo corredor, eu estava completamente desorientada, passei a mão pelo rosto e agachei no meio do corredor. Apoiei a cabeça em meus joelhos, minha vontade era de gritar e colocar tudo aquilo para fora, sentia meu coração acelerado e pulsando em meus ouvidos.

Me sentia sufocada e perdida.

— O que aconteceu?

Abri os olhos de vez, encarando o chão, ao ouvir aquela voz. parecia ter o timing perfeito para me pegar desprevenida. Levantei a cabeça devagar e vi ele me olhando de maneira curiosa, fiquei de pé e puxei meu blazer, ajeitando-o.

— Nada aconteceu.

— Sério? — perguntou, debochado. — Por isso estava no meio do corredor agachada… Bem comum uma pessoa em seu juízo perfeito fazer isso.

— Estou sem tempo pra você, . — Comecei a andar para passar por ele, mas fui segurada pelo braço, fazendo com que eu olhasse em seus olhos.

— Não quero que saia de casa — ordenou ele, como se eu fosse uma maldita criada.

— Como? — Franzi o cenho.

— Não vou repetir, .

— Me solte — falei, séria.

— Se me prometer manter essa bunda em casa…

— Você realmente acredita que tem algum poder sobre mim, não é?

— Sabemos que sim… — falou, vangloriando-se.

Aquele sorriso libertino tomou seu rosto e tudo que escutei foi a voz da Carolyn em minha mente. Puxei meu braço de maneira brusca e tomei distância dele, assustada, e aquilo fez ele me olhar de forma confusa. Os olhos negros foram direto para os meus, me analisando, e eu nunca conseguia não me sentir presa a eles, nem que fosse apenas por alguns segundos.

— O que você-

— Tenho mais o que fazer, … — Virei as costas e saí andando sem deixar ele terminar o que falaria.

Perroni, não ouse sair dessa casa! — gritou , mas eu já estava descendo a escada com pressa.

Peguei minha bolsa em cima da mesa no hall e entrei em meu carro. Fiquei olhando para a mansão e diversas coisas me passaram pela cabeça, desde o maldito dia em que caí na tentação pela primeira vez até o momento em que aquela cadela falou aquele absurdo. Fechei os olhos e soquei o volante diversas vezes enquanto gritava o máximo que meus pulmões permitiam.

Abri os olhos e olhei para frente, assim que vi na porta de entrada dei partida no carro e saí cantando pneu. Olhei pelo retrovisor e o carro dos meus seguranças vinha logo atrás de mim, suspirei aliviada por ele não ter colocado todo o exército atrás de mim.

Cazzo!! — berrei dando outro soco no volante.

Eu precisava ir para a boate, Beatrice estava em casa e isso significava que a Fascino estava sem alguém para administrar a noite. Mesmo sabendo que não me encontrava em meu juízo perfeito, eu precisava de algo que distraísse a minha mente. Entrei pela porta sem nem mesmo dar boa noite aos meus seguranças ou barmans. Apenas subi a escada com um único objetivo: secar aquela garrafa de vodca.

Entrei em meu escritório e joguei minha bolsa no sofá, abri a gaveta e ao tirar a tampa da garrafa, nem mesmo pensei em um copo, virei o líquido transparente e o senti queimar em minha garganta. Mordi o lábio com força enquanto me apoiava na mesa e encarava o carpete vermelho, nem mesmo me dei conta de quando comecei a chorar.

O que porra tava acontecendo comigo?

Quando desci, bêbada demais para dirigir meu próprio carro, pedi para que Austin e Ettore me levassem para um hotel. Eu não queria estar em casa, não queria ver minhas irmãs, não queria vê-lo… Queria, por uma noite, esquecer que eu fazia parte da famiglia. Eu só precisava de um tempo sozinha com minhas frustrações e pensamentos obscuros demais para serem falados em voz alta.

Um deles foi dito em alto e bom som e eu não gostei da sensação de ouvi-lo.

E não só foi dito na minha frente como minhas irmãs também estavam lá para ver o meu descontrole emocional diante daquilo. Não podia ser a verdade, eu não aceitaria se fosse, eu lutaria todos os dias contra seja lá o que fosse aquilo. Eu pedi mais bebida pelo serviço de quarto e bebi até achar que fosse o suficiente para calar as malditas vozes dentro da minha cabeça.




Alonso Perroni
Acordei com batidas fortes na porta e com muito esforço consegui abrir os olhos, ergui meu corpo e olhei para os lados vendo uma garrafa de whisky quase na metade. Ouvi as batidas novamente e levei a mão até a cabeça, a dor estava presente, latejante. Desci da cama e peguei um robe. Fui até a porta e abri ela devagar, vi transtornado, me olhando daquele jeito possesso, mas sem perder a pose que só ele conseguia, e então respirei fundo já sabendo o que viria, dei as costas e caminhei em direção ao banheiro.

— Por que faz tão pouco da minha autoridade, ?! — Ele entrou no quarto e bateu a porta atrás de si. Entrei no banheiro, ignorando sua pergunta, e comecei a escovar os dentes com a escova que o hotel dava de brinde, logo vi ele no reflexo do espelho. — Falei para não deixar a mansão.

— Não sei se já se deu conta em que século estamos — virei e apontei a escova de dente pra ele enquanto falava —, mas eu sou uma mulher livre, . — Voltei para a pia cuspindo a pasta e lavei a boca, me enxugando na toalha e virando novamente para encará-lo. — Não obedeço homem nenhum.

… — alertou, passando a mão no rosto, claramente indignado. — Você sumiu!

— Eu estava com meus seguranças, que tenho certeza que você ligou para saber onde eu estava, já que está aqui.

— É óbvio que liguei! — gritou, e eu apenas ignorei minha cabeça latejando por causa da ressaca e caminhei até o quarto com ele em meu encalço. — Você some por uma noite inteira logo depois… — ele não continuou, apenas suspirou e mexeu no cabelo, nervoso. — Me escute dessa vez, sim?

— Conseguiu alguma informação? — falei sentando na cama e cruzando as pernas, vi seus olhos serem indiscretos em minhas coxas, que escapavam do pano do robe, e revirei os olhos. — Aqui, — indiquei meus olhos com o indicador e ele logo subiu o olhar, pigarreando. — Com os Delantera, talvez?

— Como você-

— Não importa — cortei o que ele iria dizer. — Você deveria ter me comunicado… — Levantei e virei de costas, peguei minha calça e a coloquei passando por baixo do robe, abotoei e fechei o zíper me virando para ele novamente. — Isso é importante, nós também precisamos estar em alerta caso eles estejam pensando em nos atacar.

— Tem um infiltrado na Vincere, cazzo, por isso mandei ficar em casa.

— E esse foi o problema, você não quis me informar pois acha que manda em mim. — Tirei o robe e joguei em cima da cama.

! — Peguei minha blusa que estava nas costas de uma poltrona e vesti. — Não fode, porra, você sabe o que passamos. — Ele se aproximou de mim.

— Por isso mesmo! — Encarei-o com raiva e bati o indicador no peito dele, irritada por achar que eu sou uma donzela em perigo que precisava ser protegida a todo custo. — Não sou idiota, você sabe melhor do que eu que devemos seguir com a rotina… — Peguei meu blazer, bolsa e saí andando para fora do quarto. — Bom dia, Austin, Ettore. — Sorri para eles, que apenas balançaram a cabeça me cumprimentando. — Não podemos deixar eles desconfiarem que sabemos… — vinha logo atrás de mim e meus seguranças na sequência, tomando uma certa distância respeitosa, continuamos a caminhar pelo corredor em direção ao elevador. — Acaso não sabe como o inimigo pressente essas coisas? Sem falar que pode ser alguém em qualquer lugar na Vincere, até na Itália.

— Você sempre minimizando o fato de que pode ser alguém próximo e que você pode estar em risco…

Parei em meio ao corredor e virei para ele, pendendo a cabeça para o lado antes de falar:

— Acha mesmo que só eu corro riscos, ?

— Não ache que um sobrenome falso te mantém em segurança, — sussurrou ele entre dentes, aproximando-se de mim, aqueles olhos sempre parecendo me desafiar, aquilo sempre me deixava possessa.

— Sei bem que não…

— Então não me conteste, vá direto para casa e fique lá…

— Infelizmente… — Olhei para o meu relógio de pulso e busquei seus olhos — a Fascino abre em algumas horas. — Dei de ombros olhando para ele.

Vi sua expressão mudar e ele me empurrou na parede com força, arregalei os olhos e senti meu coração acelerar, assim como meus seguranças levaram um susto pela movimentação repentina e travaram onde estavam. Ninguém nunca tinha visto eu e brigarmos daquela forma, nem mesmo eu tinha visto ele perder a cabeça em um lugar público.

— Não me tire do sério — travou o maxilar —, sei que odeia quando eu ajo por impulso, . Então, caso não queira que eu mate cada filho da puta que ousar olhar errado pra você, fique em segurança.

Minha respiração estava descompassada, sentia meu corpo trêmulo, mas não era de medo, eu o conhecia, mais do que gostaria até. Aquela sensação era receio, receio do que eu estava sentido com tão perto de mim, falando de maneira tão protetiva, segurando meu ombro e minha cintura com possessividade. Aquilo era impróprio de tantas maneiras, e eu soube ali que nem toda a bebida do mundo poderia manter aqueles pensamentos sujos longe da minha cabeça.

— Ok — foi tudo que eu disse.



[...]


Soquei com mais força o Fred, nome que eu tinha dado para o boneco de borracha que era mais um saco de pancadas na nossa academia, estava descarregando a minha raiva de ter que ficar presa naquela casa. só podia ter surtado, ficou tanto tempo torturando homens que perdeu a habilidade de interpretar a realidade. Não era possível que ele estava pensando racionalmente prendendo todas nós em casa como se algum idiota fosse capaz de se aproximar de nós depois da segurança ter sido reforçada.

Eu tinha pedido para Cristian tomar conta da boate depois daquele ataque de , fazia 8 dias que eu estava trancada naquela casa e eu já não sabia mais o que fazer. Chutei mais uma vez o boneco, senti meu coração pulsar na minha garganta, fechei os olhos e respirei fundo. Eu já estava enlouquecendo antes mesmo de não ter que ficar sem distrações, eu precisava do meu trabalho para me manter longe dos pensamentos obscuros que rondavam a minha cabeça.

Eu estava entrando em pânico dentro daquela casa, eu precisava ir pra minha boate e naquele dia eu iria, não tinha um ser humano nessa terra que me fizesse mudar de ideia. Tomei um banho depois do almoço, me arrumei e sem ninguém me impedir, fui até a Fascino. Com Ettore e Austin na minha cola, é claro. Entrei na boate, feliz apenas por estar ali, dei boa tarde aos meus barmans e pedi para que Christian fizesse um martini.

— Ontem veio uma mulher aqui querendo falar com você.

— Uma mulher… Não disse o nome ou o que queria comigo? — Franzi o cenho olhando para o ruivo que colocou a taça com minha bebida no balcão balançando a cabeça negativamente.

— Ela só disse que voltaria. — Assenti, dando de ombros. — O detetive veio de novo também… — Soltei o ar, revirando os olhos. — A sorte foi que os homens vieram recolher o que sobrou mais cedo.

— Eu queria que Estevan cuidasse de algo mais importante do que ficar enchendo a porra do meu saco.

— Acho que o cartel de drogas da Espanha é bem importante, . — Ele riu e eu mostrei o dedo do meio pra ele.

— Idiota.

— Boa tarde. — Olhei para o lado, vendo Beatrice.

— Fugiu de casa também? — falei rindo.

está insuportável. — Ela revirou os olhos e sentou ao meu lado. — Me dá um desse também, Cris.

— É pra já. — O barman virou e foi para o fundo do bar preparar o drink.

— Estava com saudade da namorada? — Peguei minha taça e dei um gole, rindo divertida.

— Vai me tirar pra brincadeira, ?

— Só fiz uma pergunta… credo. — Levantei as mãos em rendição e ela revirou os olhos.

— Eu quero falar uma coisa com você… sobre aquele assunto. — Ela me encarou insinuando que eu soubesse qual era o assunto, e eu realmente sabia; Carolyn.

— Vamos pro escritório.

Ela me explicou como estava fazendo com a vadia francesa. Dava comida a ela, levava ela no banheiro pra fazer as necessidades, amarrada é claro, e a diaba não abria o bico. Beatrice até tentava arrancar alguma coisa dela, porém, Carolyn parecia treinada para suportar aquilo e muito mais. No entanto, eu ainda achava que a gente estava pegando leve, então eu disse que depois do fim de semana de Natal a gente interrogaria ela de uma forma mais… eficaz.

Pensei até em um jeito de o papai e de não desconfiarem do sumiço dela, apesar dos dois estarem ocupados o suficiente para não ter dado falta da inconveniente. Falei para Beatrice pegar o celular de Carolyn e enviar uma mensagem para dizendo que passaria as festas com o pai dela em Paris. Seria a desculpa perfeita e isso nos daria tempo para arrancar dela tudo que precisávamos.

— E dá um jeito de calar a boca do Estevan, paga alguém na polícia pra tirar esse merda da nossa cola.

— Vou pedir para o Filippo resolver isso. — Beatrice levantou e olhou para mim. — Não esqueça que papai chega hoje e ele quer todos em casa para jantar.

— Alguma ocasião especial?

— Semana que vem é Natal, vai saber o que ele planeja. — Ela deu de ombros e saiu do escritório.

Soltei meu peso na cadeira e olhei para cima, encarei aquele teto como se fosse a salvação dos meus problemas, tudo estava tão confuso em minha cabeça, nunca fiquei tão perdida na minha vida. Era coisa demais para absorver, resolver e entender. Respirei fundo e peguei um cigarro, acendendo-o, puxei a fumaça para os meus pulmões fechando os olhos e agradecendo por aquilo estar me acalmando.

Eu precisava pensar com clareza.
Perroni



Quando cheguei em casa depois de descobrir que tínhamos um infiltrado, estava estranha, agachada no corredor como se estivesse sendo atormentada por algo ou alguém, tentei ler seus olhos, eles sempre me diziam o que eu queria saber. Entretanto, não gostei do que vi direcionado a mim, não entendi o que estava se passando, mas eu iria descobrir. Se ela quisesse sair de casa mesmo quando dei uma ordem direta, ela teria companhia e estaria sendo vigiada de perto.

Eu tinha uma informação que ninguém tinha, aquele soldado falando o nome dela antes de morrer ainda me assombrava, mas era exaustivo sentir essa necessidade de protegê-la, ela era a única que se revoltava comigo por querer cuidar dela. era como um cavalo selvagem, só queria liberdade e se alguém ousasse ir contra seus desejos, pagaria um preço. Eu não estava gostando do quanto eu estava tendo que pagar desde que o que eu sentia por ela tinha tomado todas as horas do meu maldito dia. Aquilo era preocupante e inadequado, mas eu não conseguia lutar contra, quanto mais eu tentava me distanciar, parecia que cada vez mais algo me possuía.

tinha se tornado um vício pior do que qualquer droga.

Desci a escada devagar, sentindo bem o mármore sob meus pés, meu corpo parecia levemente retesado, a tensão tomava conta de mim a cada passo que eu dava. Fazia algum tempo que todos nós não fazíamos as refeições juntos. Meu pai estava na Itália, a verdade era que ele passava mais tempo lá do que na Espanha. Como ele mesmo dizia: quem deveria cuidar da Espanha eram os herdeiros da Vincere, liderados por mim e por . Seria uma tarefa árdua já que não nos entendemos nem nas decisões banais.

— Como foi essa temporada sem o pai de vocês em casa? — perguntou Otelo enquanto levava um pedaço de carne de cordeiro à boca.

— Muito trabalho, papai — respondeu Luna, sorrindo.

— Quero propor umas férias pra vocês.

— Férias? — Giulia franziu o cenho olhando para o nosso pai.

— Sim, estão trabalhando muito… — Ele deu um gole em seu vinho e continuou: — O que não é algo ruim, estou orgulhoso dos meus filhos. Quero passar o Natal na Itália, com a família reunida na nossa antiga casa.

Vi arregalar os olhos e trocar olhares com minhas irmãs, o que achei estranho, o que elas estavam aprontando?

— Não vejo necessidade de deixarmos tudo aqui e irmos para a Itália, pai — argumentou Beatrice. — Podemos organizar uma festa maravilhosa de Natal aqui na mansão.

— Está na hora de voltarmos para a Itália para uma comemoração em família, Beatrice — insistiu Otelo.

— Papai, Vincenzo ainda está se recuperando, sabe que gosto que ele e a Giovanna passem o Natal com a gente.

Vi que meu pai ponderou, estava pensando, pisquei os olhos devagar, esperando o que ele resolveria, tudo com meu pai era assim. Se tivesse sido eu a falar, definitivamente já estaríamos brigando ou coisa pior. No entanto, minhas irmãs tinham um poder sobre Otelo que eu nunca entenderia. Olhei para , que conectou seu olhar ao meu por alguns instantes, gostaria de saber por que estava tão difícil ler seus olhos.

— Tudo bem, tem razão. Podemos fazer essa viagem ano que vem, com Vincenzo e Giovanna presentes.

— Obrigada, papai — agradeceu com um sorriso e uma expressão de felicidade genuína, ela… suspirei tentando manter meus pensamentos em silêncio.

Eu ia perder a sanidade.



[...]



Filippo tinha seguido o homem que vendia drogas nas boates da Espanha por alguns dias e descobriu tudo que podia. Parecia realmente ser apenas um moleque tentando ganhar a vida de uma forma não convencional, o problema é que quem vende as drogas no país somos nós, e ele não sairia impune. Um susto deveria ser o suficiente para amedrontar um jovem imprudente, meu primo cuidaria disso, pois naquele momento eu só conseguia enxergar na minha frente, com aquele vestido vermelho, minúsculo, rindo, bebendo e conversando com minhas irmãs e Giovanna.

Eu estava sem o menor espírito natalino, mas eu precisava estar ali presente ou Otelo me mataria pessoalmente. Meu pai levava as datas comemorativas a sério, diferente do pai de Carolyn, e o estranho foi ela me mandar mensagem na semana passada dizendo que tinha ido para Paris. Eu achei estranho, mas vai que o espírito natalino que me faltou tivesse surgido de forma inesperada no velho? Apesar das circunstâncias em que nós nos encontrávamos fossem complicadas, eu esperava de verdade que ela se divertisse com o pai e a tia. Otelo conversava animado com uns amigos próximos que ele convidou para passar o Natal com a gente.

Eu, desde que desci aquela escada, seguia sentado na mesma poltrona, e já estava com a minha terceira ou quarta dose de whisky. Minha cabeça não parava de pensar sobre o intruso, olhava para todos os soldados, desconfiado e procurando uma falha para interrogá-los. Vi Giulia se aproximando e troquei a perna que estava apoiada no joelho, dando um gole no whisky e esperando com o que o pingo de gente ia vir me perturbar agora. Ela sentou ao meu lado e ficou em silêncio, apenas bebericando o suco de uva em sua taça, sabia que era suco pois ela detestava bebida.

— O que houve, Giu?

— Nada, só quis sentar um pouco… Elas já estão alteradas — apontou para as irmãs, revirando os olhos —, não sabem ficar dentro do limite.

— Talvez elas queiram cruzar o limite, Giulia. — Levei o copo à boca dando de ombros e a vi olhar para mim de um jeito inquisidor.

— Como cruzou com a , ? — Me engasguei com o whisky e quase cuspi tudo no tapete. — Guardanapo? — Vi o papel branco e quadrado em minha frente sendo balançado pelos dedos de Giu e o puxei de sua mão para secar minha boca. — É tão impulsivo assim que não soube controlar seu pinto dentro das calças?

— Você não sabe do que tá falando, Giulia.

— Ah, verdade — ela colocou o dedo no queixo, como se ponderasse algo —, vocês não transaram… — Seus olhos azuis me miraram e ela concluiu: — Ainda…

Giulia levantou e saiu em direção à cozinha, eu estava perplexo, o que ela quis dizer com “ainda”? Ela sabia de algo que eu não sabia? Olhei diretamente para que me olhava com a testa franzida, porém, logo tirou a atenção de mim e voltou a olhar para Beatrice. Fiquei completamente perdido com tudo aquilo, quando foi que a Giulia soube tanto? contou tudo que aconteceu para ela? Não era possível, mesmo que eu soubesse da confiabilidade que elas têm umas nas outras, ela não contaria.

Enquanto pensava na probabilidade de todas as minhas irmãs saberem de tudo e o quanto isso seria problemático em níveis que nem queria pensar, vi Filippo entrar na sala cumprimentando todos e vindo diretamente em minha direção com uma expressão que eu não estava gostando.

— Podemos falar?

Acenei e levantei, deixando meu copo na mesa ao lado da poltrona em que estava, fomos até a biblioteca e então me sentei na cadeira de meu pai, esperando ele me contar a má notícia em plena véspera de Natal.

— Aquela transação deu errado, .

Fechei os olhos e suspirei. As mulheres trazidas para trabalhar em nossas boates pelo mediterrâneo sempre deram certo. Se os Delantera estivessem por trás disso também eu faria questão de matar o responsável com minhas próprias mãos.

— Mande Nero ir até lá e fazer dar certo.

— Elas estão presas na polícia federal, . Provavelmente aquele detetive que não sai do nosso pé está lá se achando o melhor dos policiais por ter impedido a entrada de imigrantes ilegais.

— Mudaram o produtor de passaportes? — Ele balançou a cabeça em negativo. — Então por que pegaram elas, Filippo?! — falei mais alto, me levantando. — Espero saber detalhes do porquê isso deu errado depois de tantos anos.

— Sim, .

Respirei fundo tentando controlar a minha raiva, meu humor estava péssimo, dias e mais dias torturando homens; me tirando do sério; minhas irmãs aprontando alguma coisa que eu ainda iria descobrir o que era e agora mais essa. Eu poderia ter paz pelo menos no Natal, mas não, como um feriado religioso seria bom com o preferido do príncipe do inferno?

Saí da biblioteca e olhei para a porta lateral que dava acesso à área da piscina, vendo uma silhueta e apenas o brilho da brasa de um cigarro. Andei lentamente já tirando minha carteira do bolso e colocando um cigarro nos lábios. Assim que estava do lado de fora vi o corpo encostado na parede, as pernas cruzadas, o vestido vermelho colado e os olhos verdes me encarando como se eu atrapalhasse seu silêncio. Apenas andei mais um pouco e acendi meu cigarro, ficando em silêncio, que era o que parecia que ela tinha ido buscar ali fora, longe de todos.

— Papai parece feliz. — Ela estava olhando para frente, encarando um ponto qualquer do jardim e eu olhei de soslaio em sua direção. — É realmente estranho vê-lo assim…

— Ele tem motivo pra isso…

— Sabe qual é? — sempre era pega pela curiosidade.

— A nossa empresa vai abrir uma filial de nossas lojas aqui na Espanha — falei, sem mais.

A empresa têxtil da Vincere, que meu pai construiu em homenagem a minha tia, ia muito bem. O único negócio legal que a nossa família tinha e que não dava tanta dor de cabeça.

— Acreditava que a Vittoria inc ficaria apenas na Itália para sempre.

— Talvez seja um jeito de Otelo mostrar que nossa tia conseguiu acabar com eles mesmo sendo assassinada. — Sorri sem humor.

— Ótima forma de enxergar as coisas. — Ela desencostou da parede e virou o corpo em minha direção, fazendo com que eu fizesse o mesmo.

— Não acho um jeito tão ruim de expandir os negócios, afinal, estamos aqui — expliquei.

— Não estou reclamando, gosto de pensar que vou ter uma loja nossa bem aqui para pegar as minhas roupas.

— Já sei que vou gostar da próxima coleção… — Dei um trago em meu cigarro dando um sorrisinho travesso e vi seus olhos cintilarem com o reflexo da luz verde do jardim ao me olhar. — Você está bem?

— Que tipo de pergunta é essa? — A vi dar alguns passos para frente enquanto tragava o seu cigarro.

— Está diferente, .

— Diferente? — Ela jogou o cigarro e pisou na bituca para apagá-la. Logo olhou pra mim e continuou: — Estou a mesma de sempre, , talvez você tenha se acostumado com uma versão minha que não existia até você trazer ela pra fora, mas fiz questão de afogá-la com muito álcool antes que fosse tarde. — Fiquei um pouco confuso com o que ela falou e meu impulso foi pegá-la pelo braço. — Não vamos mais fazer isso — disse ríspida, ainda de costas.

Ela já tinha deixado claro que nada do que aconteceu nos últimos meses voltaria a acontecer, além de ter dito com todas as letras que era para eu tentar de verdade com Carolyn. Tudo o que eu não esperava, fiquei frustrado, chateado e até um pouco surpreso com o que ela sugeriu. Contudo, eu sabia que uma das qualidades de era ser racional em qualquer momento, seja ele ruim ou não.

Fazia tanto tempo que eu não conseguia lê-la tão facilmente e isso me deixou em dúvida se ela realmente estava me afastando porque queria ou porque era preciso.

, me diz o que passou pela sua cabeça naquele dia… Que estava agachada no corredor. — Vi seus ombros penderem, como se ela fosse se arrepender de falar o que viria pela frente.

— Medo, … Medo.

Senti um arrepio cruzar minha coluna e larguei seu braço, dando um passo para trás e vendo ela ir, distanciando-se cada vez mais de mim e, olhando sua nuca, um sentimento de amargura me atingiu e por mais que ela estivesse certa sobre tudo isso, a parte de mim que sentia algo por ela já não era mais possível afogar como ela fez.


Alonso Perroni
Mal consegui passar pelo jantar intacta, olhar para depois do que falei para ele era quase como se sentisse uma faca girando em meu estômago. Eu não sabia exatamente o que ele queria que eu dissesse, mas disse o que senti naquele dia, lembro de como eu entrei em pânico quando lembrei das palavras de Carolyn, fiquei tão apavorada que bebi para esquecer, para apagar meus pensamentos e talvez até matar aquela parte de mim que pensava tanto que meu meio-irmão seria algo além do que ele é.

Eu estava confusa e meio perdida.

Cheguei em meu quarto após o jantar de Natal e ainda segurava um copo com whisky, fui até a varanda para fumar e senti um alívio por estar sozinha. Longe dos olhares que me queimavam, dos que me julgavam e dos que me matavam por dentro um pouco mais a cada minuto. Depois de me sentir tonta e cansada o suficiente, deitei em minha cama e chorei, as lágrimas saíam sem dificuldade alguma e eu nem sabia o motivo de ter chorado copiosamente naquela noite.

Quando acordei pela manhã senti uma imensa vontade de vomitar e foi o que fiz, corri para o banheiro.

Tomei banho, me arrumei para o café e quando abri a porta, vi uma sacola de papel vermelha e linda no chão com meu nome, franzi o cenho e a peguei, voltando para dentro do quarto novamente. Abri o pacote com cuidado, vi uma caixa de veludo quadrada e abri. Um colar com uma peônia e três cobras em volta, conhecia esse símbolo, algo que pra nós, principalmente da Vincere, era tido como o símbolo de poder dentro da famiglia. Todos nós usamos o anel com a peônia e as cobras em nosso anelar, mas Otelo e sempre usam um broche do lado esquerdo do peito, papai deveria estar tentando me mostrar que, de uma forma ou de outra, eu também sou a prossima.

Sorri feliz pelo gesto.

Deixei a caixinha em cima da cômoda e assim que abri a porta novamente dei de cara com Beatrice. Franzi o cenho pela expressão dela não ser nada boa, olhei para baixo e ela tinha um celular em mãos. Deixei que entrasse no quarto e então virei para encará-la, fechando a porta atrás de mim.

— O que houve?

— Leia isso aqui. — Ela me entregou o celular no aplicativo de mensagens, comecei a ler e não entendi absolutamente nada. Olhei para ela novamente e balancei a cabeça em negativo. — Exatamente. São códigos, , alguém está trabalhando junto com a Carolyn.

— Esse celular é dela?

— Não era óbvio? — Ela sentou na minha cama e mordeu o lábio olhando para cima, como se pensasse em algo. — Pelo histórico, esse número liga sempre a mesma hora duas vezes por semana — explicou ela e eu comecei a rolar a conversa para cima.

— Cadê as mensagens antigas?

— Não tem nada, apenas as mensagens que a pessoa mandou depois que ela foi presa pela gente.

— Sem um padrão vai ser impossível decifrar isso… — Bufei em reclamação. Precisávamos de respostas e tudo que a gente recebia eram mais perguntas.

— Talvez a Giu consiga.

— Eu também tenho fé na nossa irmã, Bea, mas calma aí… são mensagens aleatórias demais…

— Temos que tentar…

Nos entreolhamos e a gente sabia que tínhamos que fazer isso, descobrir quem era que ajudava Carolyn, principalmente se fosse o intruso que estava na Vincere. Era a nossa chance de descobrir tudo, mas antes eu queria tentar arrancar algo daquela vagabunda. Chamei Beatrice pra vir comigo, caminhamos pelo corredor em direção ao quarto dela, quando viramos, vi de costas e Luna bem à sua frente. Coloquei o celular em meu bolso de trás e continuamos nos aproximando deles.

— Tem certeza que ela não mandou nenhuma mensagem pra você?

— Sim, a última coisa que ela me disse foi que iria para Paris para as festas — falou Lu, disfarçando seu nervosismo, se ela ficasse ali mais alguns minutos perceberia.

— Luna! — chamei e ele virou para trás. — Estava procurando você, vamos… — Passei por ele e puxei minha irmã pela mão.

— Bom dia para vocês também.

Ciao, . — Acenei com a mão para cima enquanto me afastava com minhas irmãs.

Quando chegamos ao quarto de Beatrice eu tranquei a porta e virei para Luna para perguntar:

— Ele caiu?

— Sim, mas quase não consegui esconder.

— Mais um pouco e Luna confessava tudo… Você é uma péssima mafiosa. — Beatrice revirou os olhos se jogando na cama.

— Vamos logo ao que interessa que eu tenho coisas a fazer.

Caminhei até o closet e o abri, vendo a megera amarrada na cadeira, fazia mais de uma semana desde o dia que ela me desafiou dentro da minha própria casa. Desde o dia em que ela me fez repensar tudo que se passava em minha cabeça sobre . Respirei fundo e puxei o celular do bolso, assim como tirei a mordaça de sua boca, ela me olhou com aquele ar arrogante que dava vontade de socar a cara dela, porém, iria me controlar.

— Pode explicar? — Mostrei a tela do aparelho para ela, no entanto, nenhuma mudança em sua expressão. — Estou esperando…

— Não faço a mínima ideia.

Minhas irmãs entraram no closet, ficando um pouco atrás de mim, aguardando alguma resposta, e acreditava que também pela minha aura maligna toda vez que eu estava olhando para aquela loira parisiense, elas estavam ali para evitar o pior.

— O celular é seu e não sabe? — Arqueei uma das sobrancelhas e ela deu de ombros. — Vamos ter que rastrear de onde vem, então…

— Que diferença faz pra vocês? — Ela alterou a voz, bingo, tinha algo ali. — Se tivessem provas que sou uma traidora já teriam me matado ou, no mínimo, contado para — falou como se fosse algo para se vangloriar, como se ela fosse mais importante pra ele do que eu. — Ele iria acabar com essa loucura. — Empinou aquele nariz plastificado.

Eu ri em deboche, coloquei o celular em meu bolso e dei alguns passos ficando mais próxima dela, abaixei, deixando meu rosto quase colado ao dela enquanto ainda exibia meu sorriso mais perverso.

— Acredite… você não iria querer sabendo que suspeitamos de você. — Olhei bem nos olhos dela e continuei: — Na mão dele você já estaria sangrando em todas as partes do corpo, jogada em um chão sujo e exausta da tortura sem nenhuma piedade. E caso não falasse nada, no mínimo, já estaria com uma bala entre seus olhos. — Toquei o centro de sua testa com o indicador e a vi engolir em seco com os olhos arregalados. Aquilo fez eu me sentir bem e eu tinha um certo receio de quando esse tipo de coisa fazia eu me sentir assim. — Agradeça por sermos tão boazinhas com você.

Coloquei a mordaça nela novamente e saí do closet com minhas irmãs em meu encalço. Fechamos as portas e falei para elas darem o celular para Giulia descobrir de quem era aquele número. Precisávamos ter algum avanço nas nossas suspeitas, estava começando a desconfiar que algo estava acontecendo e se não tivéssemos provas a tempo, tudo isso iria acabar de um jeito que eu não queria.


[...]


— Vamos almoçar, ? — Olhei para trás enquanto colocava meu brinco e vi Giulia na porta do banheiro. — Nossa, está se arrumando tanto para um almoço comum por quê?

— Eu vou sair depois. — Peguei um casaco de tricô terracota e vesti. — Nenhum avanço, Giu? — Continuei me arrumando enquanto ela me seguia pelo closet.

— Ainda não, mas podemos localizar o número se conseguirmos manter a pessoa no telefone por tempo suficiente.

— Da próxima vez eu ou a Beatrice atendemos e você faz o seu trabalho. — Peguei minha bolsa e coloquei a bota de salto grosso.

— Pode deixar. — Ela sentou na cama. — Pra onde vai?

— Deu pra monitorar minhas saídas, Giulia? Já basta o .

— Não perguntei por mal, credo. — Ela revirou os olhos e levantou, indo em direção à porta.

— Vou pra casa da Giovanna, Vince recebeu alta.

— Ótimo! Fico feliz que ele esteja bem…

— Vamos. — Passei por ela e abri a porta, caminhamos pelo corredor extenso e descemos a escada. Larguei minha bolsa na mesa do hall, como de costume, e fomos nos sentar à mesa, onde todos já se encontravam. — Desculpe a demora, papai.

— Tudo bem, princesa. Onde vai toda arrumada?

— Vou comemorar a saída do Vincenzo do hospital.

— Que bom, filha. — Ele acariciou meu ombro e pediu para os empregados servirem o almoço.

— Obrigada por ter ajudado no tratamento dele, pai.

— Tudo por você.

Sorri e virei para frente, vi me encarando, ele parecia receoso com alguma coisa, talvez até um pouco preocupado. Decidi ignorar quando meu pai pegou os talheres e todos nós fizemos o mesmo, dando início a nossa refeição. Eu estava sentindo uma aura vinda de que não estava dando para ignorar. Olhei para ele novamente, suas ações pareciam calculadas e ele mexia os olhos e balançava a cabeça como se estivesse discutindo com ele mesmo em sua cabeça.

O que porra estava acontecendo?

Terminei minha salada e peguei alguns legumes, batata gratinada e um pedaço de coelho. Cortei a carne e continuei comendo, devagar, apreciando o tempero de Marta, ela era uma cozinheira maravilhosa, agradecia meu pai todos os dias por ter trazido ela da Itália. Ouvi pigarrear e Otelo virar o rosto para olhá-lo.

— Preciso dizer que… — vi seus olhos irem até os meus e logo voltar ao meu pai — decidi me casar com Carolyn.

Senti um calafrio percorrer meu corpo inteiro e parecia que eu tinha esquecido como respirava. Aquilo não podia estar acontecendo. Por isso ele estava perguntando dela para Luna, por isso o receio de falar algo em minha frente, ver minha reação era algum divertimento para o sadismo dele? Meu pai ainda falava qualquer coisa animado, enquanto batia amigavelmente no ombro do meu meio-irmão, quando me levantei de supetão.

? — Beatrice, ao meu lado, olhou pra mim surpresa.

— Preciso ir.

Caminhei com pressa para não dar chance de ninguém perguntar nada, peguei minha bolsa e a chave, entrei em meu carro e saí dali. Eu estava correndo tanto que Ettore e Austin quase me perderam de vista na saída do bairro. Meu estômago estava embrulhado, meu coração batia forte e minhas mãos formigavam. Parei o carro no acostamento, meus seguranças frearam atrás de mim logo em seguida. Vomitei todo o almoço e assim que passei o dorso da mão pelo meu nariz senti as lágrimas.

Ma che diavolo! (Mas que diabos!)

Va tutto bene, signorina ? (Está tudo bem, senhorita ?) — perguntou Ettore ao se aproximar do meu carro.

È tutto perfetto, non vedi? (Está tudo perfeito, não vê?) — Respirei fundo e dei a volta no carro.

Perdono. (Perdão.) — Meu segurança me acompanhou e deu sua mão para me ajudar a subir no carro novamente. — Hai bisogno di acqua? (Você precisa de água?)

No, ho bisogno di giudizio! (Não, eu preciso de juízo). — Peguei um lenço do meu porta-luvas e me limpei. — E una bottiglia di whisky. (E uma garrafa de whisky.)

— Posso organizzare. (Posso providenciar.)

— No, andiamo.
(Não, vamos.)

Fechei a porta do carro e segui caminho para a casa de Giovanna. Eu não sabia o que tinha acontecido, mas eu senti algo que nunca havia sentido, eu precisava ser racional e entender o que tinha sido tudo isso. Contudo, aquele não era o momento, precisava estar focada em Vincenzo, comemorar a recuperação dele e fingir estar completamente bem por uma noite inteira.

Eu olhava para eles e sorria, mesmo estando com uma tempestade acontecendo dentro de mim. Era impossível não ficar feliz por eles finalmente assumirem e entenderem que deveriam estar juntos desde o colegial. Giovanna e sua teimosia foram um grande problema, Vince até tentou por algum tempo convencê-la de que deveriam ficar juntos, porém, tudo que ela queria era sem compromisso. Precisou nosso melhor amigo ficar doente para ela perceber a besteira que estava fazendo ao não se entregar de corpo e alma ao nosso barman preferido.

Foi muito agradável o nosso dia, cozinhamos juntos, como nos velhos tempos, enquanto a gente tomava várias garrafas de vinho. Nosso jantar foi delicioso e a conversa melhor ainda, fazia tanto tempo que não ficávamos juntos sendo apenas os bons amigos que éramos. Sem responsabilidades e preocupações, era bom aquela sensação de pertencimento, de estar em casa e de querer construir mais memórias com os meus melhores amigos. Eu amava eles, e amava ainda mais o fato de eles finalmente estarem juntos como um casal.

Acordei no sofá de Copolla sem saber o porquê, a claridade me incomodava, mas não tanto quanto o tilintar de louça que eu estava ouvindo. Olhei em direção a cozinha e vi os dois de costas, conversando baixinho enquanto faziam algo no fogão. Sentei no sofá e respirei fundo, me espreguiçando, peguei meu celular e tinha algumas chamadas e mensagens das minhas irmãs. Apenas bloqueei o aparelho novamente e decidi que não iria lidar com aquilo no momento.

— Bom dia, dorminhoca. — Vince me deu uma xícara com café.

— Achei que você já estaria na Fascino a essa hora — falou Giovana se aproximando.

— É, eu também. — Passei a mão pela minha testa e suspirei.

— Água e aspirina, Vince.

— Ele não tá na boate, Gio, pare de dar ordens, credo — reclamei.

— Se for por ela eu gosto de ser mandado, , não me importo. — Vi ele dar um beijo na loira e sorrir.

— Ai, que nojo. — Peguei meu celular e levantei, indo em direção ao corredor. — Romance logo cedo…

Tranquei a porta do banheiro e fui olhar as mensagens das minhas irmãs, a maioria era perguntando por que eu tinha reagido daquela forma com o anúncio de , ou por que eu não contei onde Carolyn realmente estava pra acabar com aquilo tudo. Era difícil explicar algo que nem eu mesma sabia, eram muitas perguntas e eu não tinha a resposta para nenhuma delas. Estava tarde, eram quase 14 horas e eu estava de ressaca, na casa da Giovanna, com a mesma roupa de ontem e sem querer ir para casa.

Tomei banho, pedi uma roupa emprestada da minha melhor amiga, comemos juntos e eu fui direto para a Fascino. Dei boa tarde aos meus funcionários, caminhei até o balcão do bar e sentei na banqueta. Cristian me olhou e sorriu, aproximando-se.

— Martini? — perguntou.

— Será que ele vai curar a ressaca que estou sentindo? — Pressionei os dedos em minha fonte.

— Eu gosto sempre de pensar que sim. — Eu sorri e confirmei com a cabeça, pedindo para ele preparar um.

Peguei meu celular na bolsa e respondi para as minhas irmãs: estou bem, só precisava sair dali antes que contasse tudo sobre a Carolyn. Precisamos investigar mais a fundo. Bloqueei a tela do celular e esperava que elas não notassem o quanto estava desorientada com toda essa situação. Seria difícil notar por mensagem, mas se tratando de Giulia, eu espero qualquer coisa, a garota é inteligente e observadora. Cristian colocou a taça em minha frente e beberiquei meu drink.

— Gostoso como sempre. — Ele deu um sorrisinho safado e eu ri. — Você também, Cris… Continua gostoso como sempre.

— Quem, eu? — Torci o lábio e cerrei os olhos com a cara de pau do ruivo. — Me sinto lisonjeado, . — Empinou o nariz perfeitamente esculpido e continuou secando os copos.

— Não seja cínico. — Sorri, brincando com Cris, até que escutei vozes alteradas na porta da boate e olhei com o cenho franzido. — O que está acontecendo? — Cristian saiu de trás do balcão e se colocou em minha frente. — Muito obrigada, Cris, mas acho que não precisa de tanto… — Parei de falar assim que vi alguns policiais e logo o detetive que me tirava do sério.

Alonso. — Levantei da banqueta, achando tudo aquilo muito estranho. — Está presa.

— O quê? — Eu ri com a possibilidade, enquanto os dois policiais se aproximavam de mim, porém Cristian não deixou eles chegarem perto, fazendo-os frear os pés. — Está me prendendo pelo que exatamente, Estevan?

— Por contratar imigrantes ilegais e consequentemente, provarei que isso tudo não passa de tráfico humano feito por essa sua boatezinha…

— Você só pode estar brincando… Está me acusando sem provas?

— Esses três contratos fazem parecer que eu vim sem provas, senhorita Alonso? — Ele mostrou três papeis em sua mão e não era possível que isso tivesse dado errado.

Como? Como fomos pegos em algo que fazemos há anos!? Usar o contrato de trabalho com as nossas boates era algo que fazíamos para trazer mulheres de outros países para prostituição. Não na minha boate, obviamente, já que não concordava muito com isso, mas eu não me metia nessa parte dos negócios do meu pai. Contudo, não participar não queria dizer que eu não soubesse ou não estivesse sendo conivente.

A prostituição era coisa antiga, nenhuma das mulheres era obrigada a vir e nem eram tratadas como produto. A Vincere dava casa, comida e roupas, além de elas virem sabendo com o que iriam trabalhar, porém, todos sabemos que pagamento por sexo é proibido por lei.

— Tá tudo bem, Cris. — Coloquei a mão em seu ombro e sorri para ele, que deu um passo para o lado. Virei de costas para os policiais me algemarem, ficando de frente para o meu barman e amigo. — Ligue para Beatrice. — Ele apenas acenou com a cabeça e eu sussurrei a última frase: — Diga para Ettore e Austin não me seguirem.

— Vamos logo, senhorita Alonso, não tenho todo o tempo do mundo — falou Estevan mais alto, fazendo os guardas me levarem.

Eu apenas tentava manter a calma, sabíamos o que não fazer nesses casos, fui todo o caminho calada e, quando me colocaram naquela sala horrorosa de interrogatório, não respondi nada. Eu iria esperar o advogado chegar e quando vi Lorenzo entrar pela porta respirei aliviada, agora, com o advogado da famiglia, eu estaria salva, inocentada de qualquer acusação e em breve sairia dali. Fiquei calada, apenas escutando meu advogado conversar com aquele imbecil do Estevan. A gente deveria ter dado cabo dele enquanto era tempo, agora ficaria muito suspeito se ele sumisse de repente. A não ser que acontecesse um acidente; sacudi a cabeça espantando pensamentos que eu tentava manter abafados.

— Eu preciso ouvir a senhorita Alonso. Ela tem que dar explicações, afinal, o nome da boate dela está no papel. — Olhei para o detetive, olhei para o papel em cima da mesa e inclinei meu corpo para ler.

— Eu não assinei isso.

— É o nome da sua boate.

— E daí? — Cruzei os braços. — Não tem a minha assinatura e nem a assinatura de nenhum dos responsáveis pela Fascino.

— Você quer me enrolar, senhorita Alonso? — Ele apontou no papel e disse: — Aqui tem o carimbo da sua boate.

— Bom, isso pode ser muito bem falsificado, assim como os passaportes das moças… — disse, dando de ombros e vi Estevan ficando possesso, aquilo estava até sendo divertido.

— Agora que você não tem mais argumentos ou provas para manter a minha cliente sob custódia, estamos indo.

— Você não pode-

— E caso impeça… — Lorenzo o interrompeu — será bem pior pra você, senhor Martinez.

Estevan esticou a mão nos dando passagem e eu queria sorrir, mas me contive, caminhei tranquilamente ao lado do meu advogado e ele e o detetive seguiram conversando qualquer coisa que eu já não dava mais atenção. Só conseguia pensar que eu queria ir pra casa, apesar de saber todos os protocolos da Vincere a seguir, aquilo tinha me tirado do eixo.

— Está liberada, senhorita Alonso, mas acredito que nos veremos em breve. — Estevan esticou a mão para apertar a minha, mas fui surpreendida com entrando em minha frente.

— Duvido muito disso… — Meu meio-irmão me empurrou para fora da delegacia sem nem mesmo deixar eu falar nada.

Esse idiota achava que era dono da cidade, não era possível.
Perroni

Eu estava mesmo receoso, era uma decisão que eu não queria tomar, mas depois de ter falado que sentiu medo de mim, tudo ruiu. Eu sempre fiz questão de fazer de tudo para ela ter raiva de mim, não queria que ela sentisse medo, medo é algo muito profundo, latente, um sentimento que te deixa em alerta para lutar ou se defender. Não queria que ela precisasse se defender de mim, não queria que ela olhasse pra mim e sentisse perigo. Escutar aquilo tinha sido cruel até para mim, a sensação que me tomou naquela noite, o desapontamento comigo mesmo de ter deixado chegar naquele ponto, foi devastador.

Eu precisava me afastar dela.

Eu precisava deixá-la em paz.

Eu precisava pensar como um maldito Perroni.

Então, mesmo sem conseguir entrar em contato com Carolyn, eu sabia que ela queria casar comigo, afinal, ela tentava demais, parecia sempre mais disposta do que eu a fazer dar certo, seja lá que relação estranha fosse essa. Quando informei que iria casar, eu não esperava que fosse simplesmente levantar e sair da mesa de almoço sem dar a mínima explicação e me deixar com o olhar inquisidor do meu pai em cima de mim.

Eu estava fodido.

E eu sabia disso no momento que meu pai me chamou no escritório. Seu rosto estava impassível, mas eu sabia que algo o incomodava, aprendi a ler meu pai ainda muito jovem para evitar as penitências do treinamento. Eu não podia desapontá-lo ou teria o que merecia. No geral sempre fui muito observador nas expressões humanas, era um atributo necessário na tortura, por isso eu era tão bom no que fazia.

— Tem algo que queira me contar, ?

Aquela pergunta soou como se ele soubesse de alguma coisa, mas eu conhecia meu pai o suficiente pra saber que ele estava querendo me encurralar para descobrir o que eu sabia que escondia.

— Não, deveria ter? — devolvi de maneira desleixada e sentei na cadeira em frente à sua mesa. Ele apenas me olhou com a sobrancelha grossa arqueada, parecia não acreditar em sequer uma palavra do que eu falava e errado ele não estava, afinal, eu estava mentindo na cara dura. Contudo, enquanto ele não fizesse uma pergunta direta, eu poderia contornar a situação.

— Por que sua irmã saiu daquela forma?

— Como eu vou saber, pai? — Dei de ombros e ele levantou, foi até o canto da sala, onde tinha uma mesinha com bebidas, serviu dois copos com whisky e me alcançou um.

— Quero que descubra, nunca vi fora de si, é a mais centrada das irmãs, não podemos perder a racionalidade dela.

— Farei isso. — Virei a dose e levantei, virando de costas para sair da biblioteca.

— E … — Virei, olhando para ele novamente. — Espero que você não tenha nada a ver com isso. — Apenas acenei com a cabeça e saí dali.

Caminhar parecia algo que eu tinha esquecido, como eu conseguia fingir algo que me deixou tão desnorteado? foi imprudente ao sair daquele jeito, a reação dela foi pior do que eu esperava. Tinha chegado num ponto que eu não fazia a menor ideia do que passava pela cabeça dela. Não seria fácil apenas seguir em frente, ignorar o que aconteceu como se não fosse nada, porque às vezes eu achava que tinha sido tudo.

tinha me deixado quebrado.

Não só meu pau.

Não só minha mente.

Minha vida parecia quebrada.


[...]



! — Ouvi o grito e virei, vendo Beatrice no fim do corredor. — foi presa.

— Como?

Meu pai tinha ido para a Itália de manhã cedo. Com a nova filial da Victoria vindo para a Espanha, Otelo precisava quase que estar em dois lugares ao mesmo tempo. Almocei tranquilamente com minhas irmãs, a indomável nem estava em casa e confesso que aquilo tinha me incomodado um pouco. Achei que o dia iria ser calmo depois de tanto fritar meu cérebro a noite inteira pensando, tentando entender o que tinha dado nela pra reagir daquele jeito, inclusive, a algo que ela mesma sugeriu. E agora essa, presa…

— Cristian me ligou, Estevan levou a por tráfico ilegal de imigrantes.

— Como esse filho da puta… — Massageei minha testa e suspirei. — Chame Filippo e peça pra ele pegar o carro. — Virei e fui em direção ao meu quarto pegar meu celular e minha arma. Eu iria fazer com que ele se arrependesse de ter se metido com ela.

Expliquei para Beatrice que ela deveria ficar em casa, logo eu estaria lá com , ela não iria passar nem uma noite naquele lugar; eu não deixaria. Entrei no carro e Filippo entrou do outro lado, Nero estava dirigindo e eu virei para o meu primo.

— Eu disse pra você resolver esse problema.

— Eu paguei quem precisava, parece que o susto tem que ser maior a esse detetive teimoso.

— Já que chegou a essa conclusão sozinho, faça com que esse desgraçado ande na linha, antes que eu mesmo coloque uma bala na cabeça dele!

Si, .

Nero estacionou em frente à delegacia e eu desci, ajeitei meu terno e subi degrau por degrau, sentindo meu sangue ferver a cada minuto que eu enxergava o lugar que estava sendo mantida presa. Aquela espelunca, cheia de marginais e nada elegante, aquilo não chegava aos pés do chão que ela merecia pisar e ela não deveria nunca ter tido o desprazer de conhecer aquele lugar. Cheguei no balcão e olhei bem o guardinha que estava ali sentado.

Alonso.

— Está em interrogatório.

— Infelizmente — olhei para a pequena placa de metal, grudada naquela farda horrorosa —, senhor Miguel, eu estou com pressa.

— Senhor Perroni. — Olhei para o lado ao ouvir meu nome. — Deve ser meu dia de sorte, dois de vocês na minha delegacia. — Estevan mantinha um sorriso presunçoso no rosto e minha mão chegou a coçar para apertar o gatilho na cara desse otário.

— Estou só de passagem, Estevan. — Fui em direção a ele. — Onde está ?

— Tá sendo difícil interrogá-la, acho que vai demorar…

— Escuta aqui seu-

. — Respirei fundo e trinquei os dentes, enquanto o advogado da família mantinha sua mão em meu ombro. — Tudo bem, senhor Martinez? Eu sou o advogado da , Lorenzo Rossi, e o senhor não poderia mantê-la em interrogatório sem um advogado.

— Claro. — Ele sorriu cínico, intensificando ainda mais o meu ódio por ele. — Por favor, me acompanhe, senhor Rossi.

Estevan se distanciou e Lorenzo virou para mim, pedindo para eu me acalmar que ele resolveria. Precisei sentar naquela sala de espera e me controlar para não invadir aquela sala e tirá-la de lá. Eu estava com ódio líquido correndo pelas minhas veias, minha vontade era arrebentar a cara daquele cretino daquele detetive. Enviei mensagem para Filippo, pedi para que resolvesse com os de cima o quanto antes. Se meu pai descobrisse que ela estava ali, eu não queria ser Estevan e nem ninguém naquela delegacia, não queria nem mesmo ser eu, pois algo sobraria pra mim, definitivamente.

Depois de quase 40 minutos, vi saindo com Lorenzo, ela não tinha me visto, estava totalmente aérea a qualquer coisa que não fosse nosso advogado e o detetive. Levantei e me aproximei para ouvir a conversa.

— Está liberada, senhorita Alonso, mas acredito que nos veremos em breve. — Ele tentou apertar a mão dela, mas entrei em sua frente, encarando fundo nos olhos daquele detetive medíocre.

— Duvido muito disso… — se assustou ao me ver, no entanto, nem deixei que reclamasse, não ali, coloquei a mão em suas costas e a guiei para fora da delegacia. Ela podia gritar comigo o quanto quisesse dentro do carro, a caminho de casa, seja lá onde fosse, mas não ali.

Chegamos na rua e Filippo segurava a porta do carro para que nós entrássemos. entrou e eu vi Lorenzo se aproximando, fazendo com que eu esperasse ainda do lado de fora.

— Trate tudo a respeito disso comigo, tudo bem?

— Sim, senhor Perroni. — O advogado acenou e saiu andando pela calçada.

— Você realmente precisa estar em todos os lugares ao mesmo tempo? — falou assim que entrei no carro.

— Nero, saia do carro — ordenei e ele obedeceu. — Foi presa, , o que queria que eu fizesse?

— Beatrice é uma bocuda!

— Ela ligou para o nosso advogado, não era isso que queria?

— E avisou você de brinde. — Ela cruzou os braços e bufou.

— Acha que quero ter que vir tirar você da cadeia? — Ela seguiu impassível olhando para a frente. — Acha mesmo que foi fácil me controlar para não estourar a cabeça daquele imbecil?

— Não seja tão exagerado, Lorenzo resolveu rapidinho. — Vi as orbes verdes revirarem.

Puxei seu queixo lentamente com o indicador e polegar e a fiz olhar para mim, seus olhos arregalaram. Eu estava sem um pingo de paciência, não tinha como, não diante daquela pose arredia que sempre mantinha.

— Você nunca deveria ter que pisar em uma delegacia e, se depender de mim, nunca mais vai.

Ela riu debochada e disse:

— Nós somos da Vincere, , você acha mesmo que pode impedir que isso aconteça?

— Eu não acho, , eu faço. — Soltei ela para baixar o vidro, acenei para Nero e Filippo entrarem e partimos para casa.

Não imaginei que a discussão se estenderia o caminho inteiro, cada vez mais eu sentia tudo engasgado em minha garganta, eu queria falar tudo, mas não podia, não em frente ao nosso primo e Nero. Aquele assunto era pessoal, pessoal demais. Assim que Nero estacionou, nós descemos e entramos em casa, seguia irritada, brigando sozinha, já que vim calado apenas ouvindo.

Assim que subimos a escada, eu a puxei pelo braço e sussurrei em seu ouvido:

— Já que está tão falante, vamos conversar.

— Me solta, !

Empurrei ela para dentro do meu quarto e tranquei a porta. Virei pra ela e perguntei de maneira séria:

— Por que fez aquilo ontem?

— Aquilo o quê?! — Ela cruzou os braços.

— Você sabe do que eu estou falando, ! — Caminhei até ela, ficando frente a frente. — Você disse para eu casar com Carolyn e fez aquela cena em frente ao nosso pai?

— Eu… Eu não… — Vi ela engolir em seco e me virei de costas com a mão na cintura e pressionando a ponte do nariz. — Não fiz cena alguma, só precisava sair.

— Vai continuar a negar algo que até nosso pai percebeu?

— O quê? — Ela se sobressaltou. — O que o papai falou?

— Pediu para saber por que você estava agindo desse jeito! — gritei.

— Estou do mesmo jeito de sempre! — Ela caminhou em direção à porta. — E me deixa em paz, temos outras pessoas na famiglia pra resolver assuntos banais.

— Você ser presa é um assunto banal? — perguntei, irritado.

— Você já viu quem somos? — Ela virou para mim e abriu os braços, como se mostrasse onde estamos. — Quem é a nossa famiglia, ?

— Isso não quer…

— Isso quer dizer que nós somos o crime — ela me interrompeu. — Ser presa não é nada! Para de ser neurótico.

— Você sempre minimizando tudo…

, me esquece! — Ela girou a chave e saiu do quarto batendo a porta.

Dei alguns passos e me joguei na cama, soltando o ar pelo nariz, sentindo meu corpo quente de raiva e ao mesmo tempo as palavras dela ecoavam em minha mente.

— Estou sendo neurótico?


[...]


Eu estava cansado, depois de tantos Delanteras interrogados eu não iria interrogar um bostinha vendedor de drogas qualquer, já bastava o idiota que tentou matar ser um mero mandado pela concorrência. Mandei Nero fazer o serviço e esperei do lado de fora, sentado em uma cadeira na varanda da nossa casa de campo. Fumava meu cigarro, esperando pacientemente, ouvindo os gritos do homem de onde estava. Nero era sanguinário, sempre foi, era bom ter alguém assim pra te dizer o que é demais, pois se ele, que beirava a psicopatia, achasse algo extremo, eu sabia que deveria controlar melhor a situação.

Filippo surgiu pela porta, trazendo um copo de whisky pra mim, entregou-me o copo baixo e eu beberiquei o líquido âmbar. Aproveitava a brisa e o ar puro do campo, fazia tempo demais que não ficava apenas contemplando a natureza.

— Nero conseguiu arrancar dele. — Apenas olhei de canto de olho, aguardando o restante da informação. — Ele era apenas uma distração para o verdadeiro Delantera se infiltrar na Vincere.

— Então o infiltrado está aqui na Espanha! — Soquei a mesa fazendo o copo bambear. — Enterre esse filho da puta. Vivo.

— Sim, . — Vi ele sumir das minhas vistas.

— Quando eu te achar, Luca, você vai desejar não ter nascido… — Peguei o copo e tomei o restante da bebida.

Assim que saímos da casa, tentei mais uma vez ligar para Carolyn, o celular dela chamava até cair. Era impossível que nada tivesse acontecido, a garota tinha sumido já fazia três semanas, nem uma mísera mensagem depois do Natal. Achei que ela voltaria para o ano novo, mas nem isso. Eu estava preocupado pelo simples fato de que minhas irmãs odiaram a mulher, tirando Luna, e elas estavam esquisitas. Era tão errado eu desconfiar delas, mas estava difícil não o fazer, principalmente depois daquele rompante de na mesa do almoço.


Alonso Perroni
estava sendo irracional, impulsivo e idiota, onde já se viu invadir a delegacia daquela forma e dar na cara que estava no limite por eu ter sido presa, a impulsividade dele ainda nos arrumaria uma merda grande. Depois de um caminho longo demais até em casa e uma discussão com de brinde, tomei um longo banho e deitei na minha cama com um pijama confortável, coloquei os fones e aproveitei o momento para pensar. Digerir tudo que tinha acontecido, principalmente ontem, aquilo não parecia nada com algo que eu já tivesse sentido antes. Minha cabeça girou quando disse aquilo, o tempo pareceu passar devagar em frente aos meus olhos.

Foi estranho.

Uma sensação de… abandono.

Meu coração palpitou, parecia sentir o sangue correndo em cada veia do meu corpo, cada pulsar da pressão. Mordi o lábio e abracei um travesseiro com força. Eu me sentia sozinha, aquele vazio começou a me alcançar de novo, eu precisava de uma bebida. Levantei e desci a escada com meu headfone tocando alto. Preparei uma dose dupla de whisky e subi para o meu quarto novamente. Agradecia por não ter cruzado com ninguém no caminho.

Eu precisava me sentir anestesiada.

E foi assim que dormi.

Acordei com Giulia me sacudindo e eu fiquei completamente desorientada com ela berrando, dizendo para eu acordar que ela tinha que fazer uma reunião com todas nós. Quando consegui finalmente focar no que estava acontecendo, entendi que precisávamos ir até a sala de Giu com urgência. Isso já me fez acordar disposta e sobressaltada, o que tinha acontecido agora?

Os Perroni não tinham um minuto de paz.

Nem vesti uma roupa, coloquei um robe e segui Giulia até sua sala, onde Luna e Beatrice já estavam, da mesma forma que eu, pijama, robe e uma cara de sono, para não falar do ódio em suas expressões por terem sido acordadas. Giu sentou na cadeira e começou a abrir arquivos e então o rosto de um homem, que aparentava ter a mesma idade do nosso pai, apareceu na tela.

— Esse é o pai da Carolyn — começou Giulia e nós ficamos tentando entender por que estávamos olhando para uma foto do cara. — O nome verdadeiro dele é Carlos Diaz…

— O quê?! — todas nós berramos.

— Como você descobriu isso? — perguntou Luna.

— Quando ele foi pesquisado, anos atrás, por quem fazia a segurança da Vincere, ninguém checou a árvore genealógica. — Ela digitou mais algumas coisas e apareceu uma mulher. — Essa é a Camille, tia da Carolyn, ou, mais conhecida na Espanha como: Izabel Delantera, esposa do Consigliere dos Delantera, aquele que Filippo matou.

Nossas bocas ficaram entreabertas, eu não podia acreditar, como ele havia conseguido se infiltrar desse jeito nos nossos associados e, pior ainda, colocou o projeto de esposa dentro da nossa casa. Respirei fundo e tentei acalmar meus nervos, eu precisava pensar racionalmente como sempre, não era à toa que eu achava que deveria ser uma das escolhidas para comandar a Vincere, meu psicológico inabalável, minha vontade de fazer a Vincere prosperar e, claro, minha forma de pensar. Não podíamos simplesmente jogar essas informações na cara de Carolyn, ela iria negar tudo.

Pensa, .

— Eu preciso… — andei de um lado para o outro tentando me acalmar — respirar.

— Espera, … — pediu Beatrice e eu olhei pra ela. — Precisamos decidir o que vamos fazer…

— Ela deve ser a infiltrada que está na Vincere — falei, preocupada.

— Mais um motivo para falarmos com ou até mesmo… com o papai — comentou Luna.

— Me dêem algumas horas, preciso pensar.

Saí dali sem acreditar, estava tudo debaixo do nosso nariz esse tempo inteiro? Como meu pai foi tão descuidado dessa forma? Confesso que eles foram astutos, mas não melhor que os Perroni, ninguém nos engana e sai vivo para contar a história. Fui para o meu quarto e fiquei lá até a hora de ir para a Fascino. Eu já estava com muita coisa na cabeça para conseguir raciocinar e engolir aquela informação tão de repente, precisava de tempo, e acreditava que isso nós tínhamos.

Entrei na Fascino precisando de três martinis, e acreditava que ainda seria pouco, encostei no balcão onde coloquei minha bolsa e chaves, e pedi para Cristian o meu drink favorito.

— Aquela mulher está esperando você já tem algum tempo… — Ele apontou com o queixo e eu me virei, franzi o cenho e voltei a olhar meu barman.

— Quem é?

— Não disse o nome. — Ele colocou meu drink em minha frente, respirei fundo e peguei a taça antes de andar até a mesa que a mulher estava.

— Boa tarde, posso ajudá-la? — Ela olhou para mim e fiquei um pouco surpresa ao ver seu rosto, ela parecia…

… — Ela olhou pra mim surpresa, como se visse alguém que não vê há muito tempo, seus olhos brilhavam e eu comecei a achar estranho. — Podemos conversar?

— Podemos, mas gostaria de saber quem é você. — Sentei na cadeira em frente a ela e cruzei as pernas.

— Meu nome é Alessia… — Beberiquei meu martini enquanto esperava ela dizer o que fazia ali e o que queria comigo. — Eu sou… sua mãe.

Senti como se o mundo tivesse parado, um zumbido tomou conta da minha audição e tudo desapareceu ao meu redor, só restávamos nós duas, em um lugar completamente escuro e silencioso. Eu estava sonhando? Não era possível que tudo pudesse acontecer em um dia só. Acordei do meu choque com o barulho da minha taça se quebrando no chão. Movi meus olhos devagar para baixo, vendo os cacos de vidro espalhados. Finalmente consegui ouvir meus batimentos soando em meus tímpanos, minha respiração era lenta e eu seguia encarando os cacos de vidro, perdida em pensamentos.

Ainda lembro quando tinha apenas 6 anos, lembro pois Marta me contou essa história. Eu a chamei de mãe pois via quase todos os meus colegas da escola com as mães e como era ela que cuidava da gente na maior parte do tempo, fazia sentido na minha cabeça infantil. Com toda a delicadeza, Marta disse que ela não era minha mãe, que eu e as garotas tínhamos apenas o nosso pai, Otelo, ele era a nossa família. Então foi aos 10 que pensei pela primeira vez sobre a possibilidade de ter sido abandonada, lembro de ter pesadelos terríveis e acordar gritando, daí surgiu o meu problema de insônia.

Otelo não tinha muito tempo pra cuidar de nós, mas fazia o que podia, mas ser buscada na escola por seguranças ao invés do nosso pai era frustrante. Quando cheguei aos 13, Otelo finalmente nos contou sobre as nossas mães, então foi a primeira vez que entendi que éramos órfãs, mesmo tendo um pai e uma casa sob nossas cabeças, nossas mães tinham escolhido que, por dinheiro, dariam suas filhas ao Don da máfia. Era estranho pensar dessa forma, mas era a realidade.

— Desculpe, eu não queria assustar você.

Levei meus olhos até a mulher ruiva de olhos azuis, foi como quebrar um espelho em mil pedaços e tentar juntar os cacos, furando os dedos, porém querendo saber o que apareceria no reflexo quando ele estivesse inteiro novamente.

— Você… — minha voz saiu um sopro, então puxei o fôlego e continuei: — está mentindo.

— Não estou, , me escute, eu sou sua mãe e da Beatrice.

Engoli o bolo de saliva que se formava em minha garganta, essa história estava muito errada. Ela não era bem por aí e sobre esse assunto eu sabia os detalhes, afinal, ficava remoendo em minha cabeça há longos anos.

Eu ri, desacreditada e falei:

— Quer dinheiro, é isso?

— Não! — exaltou-se e suspirou, controlando seu comportamento, continuou: — Eu quero apenas… recuperar o tempo perdido, filha, eu me arrependo todos os dias de ter deixado você.

— Não me chame assim! Eu não sou nada sua…

— Precisa acreditar em mim, . — Alessia estava quase implorando para ter um voto de confiança.

Eu não ia deixar aquele pesadelo voltar a minha mente, não agora, não quando tudo já estava bagunçado demais pra sequer pensar que essa poderia ser uma possibilidade.

— Podia ao menos ter pegado uma fonte mais confiável. — Levantei e me inclinei pra mais perto da mulher e falei: — Nosso pai comprou cada uma de nós de uma puta sem coração diferente. — Comecei a caminhar em direção ao bar.

— Aquele homem não é seu pai!

Ouvi a confissão ao mesmo tempo que a cadeira arranhou o chão de madeira e travei onde estava, minha respiração parecia ter parado, engoli em seco e meu peito parecia pesado. Mordi o lábio e lágrimas saíram dos meus olhos sem nenhum aviso. Minha vida inteira seria uma mentira se aquilo tudo fosse verdade, não podia ser. Otelo era o meu pai, a única família que eu tinha era ele e minhas irmãs, se isso fosse verdade, o que restaria?

Não era, não podia ser.

Aquela mulher estava ali no intuito de me desestabilizar, talvez fosse mais um dos Delantera que descobriu um ponto fraco meu e estava usando isso pra nos separar. Só podia ser isso. Olhei para a frente e vi Cristian me encarando preocupado, respirei fundo e comecei a andar novamente.

— O que eu posso fazer pra que acredite em mim?

Parei onde estava mais uma vez, limpei as lágrimas rapidamente e virei, encarando a mulher que já estava chorando, o desespero era nítido, mas eu não iria comprar aquele teatro. Fiz uma expressão altiva e encarei ela com raiva.

— Nada — falei, ríspida. — Você não pode fazer nada porque tudo que diz é mentira e veio até aqui para me atormentar por dinheiro!

— Eu não quero o dinheiro sujo de Otelo!

Arregalei os olhos em surpresa e um certo pânico. Como ela sabia? Ela realmente estava falando a verdade? Não, não podia ser.

— Se o que diz é verdade, você já quis o dinheiro de Otelo uma vez, o que estaria te impedindo agora?

— Quero o amor da minha filha, algo muito mais importante que dinheiro.

Olhei para ela com um certo receio, aquela dúvida que eu sempre tive lá no fundo da minha mente, pedindo para que eu descobrisse a verdade. Anos remoendo aquilo, anos sentindo que me faltava algo, que talvez ali não fosse o meu lugar. Depois de adulta, escolhi negar a mim mesma a vontade de acessar tal sentimento, eu estava no lugar certo, aquela era a minha família, minha vida e eu sempre escolhi acreditar no meu pai.

— Enrico, tire essa mulher daqui. — Virei as costas e peguei minha bolsa e chaves no balcão.

, por favor, me escute! — Ela gritava e se debatia enquanto meu segurança a levava para fora. — Eu vou provar! Eu vou provar!

Vi a tal da Alessia ser colocada para fora e eu ainda tentava respirar fundo para me controlar, fechei os olhos e soltei o ar devagar pelos lábios, sentindo uma dor absurda no meu peito. Minha garganta parecia fechada e respirar se tornava difícil cada vez que minha mente tentava encaixar as peças.

— Está bem, ? — Olhei para Cristian, totalmente apática, e acenei com a cabeça.

Virei as costas e subi para o escritório, assim que estava em meu território seguro, gritei a dor que sentia em meu peito com todo o ar dos meus pulmões. Joguei tudo que estava em cima da mesa no chão e quebrei o cinzeiro de vidro na parede, parecia que a dor iria me rasgar o peito, e destruir algo iria me ajudar de alguma forma. Eu gritei mais forte, sentindo meu peito arder, encostei na mesa e meu choro foi silencioso a partir dali. Quando vi, estava no chão, abraçada aos meus joelhos e olhando a bagunça que eu tinha acabado de fazer. Abri a gaveta ao meu lado e puxei a garrafa de vodca, tirei a tampa e virei direto do gargalo.

Que dia infernal, já tinha começado ruim e foi piorando com o passar das horas, era uma merda atrás da outra. Dei outro gole na garrafa. Apesar de escolher a história que acreditei a vida inteira, agora essa mulher tinha trazido uma dúvida que não me aterrorizava há anos. O rosto da tal Alessia vinha em minha mente e tudo que eu via era Beatrice, ela era muito parecida com a Bea.

Céus, e se ela estivesse falando a verdade?

Não!

Outro gole.

Será que essa era a pessoa que estava trabalhando junto com Carolyn? Como não obteve respostas, essa Alessia veio com esse plano para me desestabilizar? Filha da puta!

Outro gole.

Olhei para o lado e vi minha arma encaixada embaixo da mesa. Virei a garrafa mais uma vez e senti o amargo da vodka descer em minha garganta, fechei os olhos e senti um pouco da tontura do álcool. Tinha bebido muito rápido, mas não importava, iria arrancar tudo daquela vagabunda francesa. Enfiei a arma em minha cintura, peguei minha bolsa e saí do escritório com pressa.

, a Beatrice está lá na cozinha e disse…

— Depois, Cristian. — Passei por ele rapidamente e saí da boate, entrei no meu carro e dei a partida.

De tudo que passava em minha cabeça, a pior delas era pensar que meu pai teria mentido para mim. Não ficaria chateada se ele tivesse me criado como filha dele, mas esconder isso de mim seria demais. Aquela mulher só poderia ter ido até ali a mando de Carolyn, ou até mesmo do pai dela que nem sequer mandou mensagem para o celular dela desde que a prendemos.

Que bela bosta de pai.

Estacionei o carro de qualquer jeito na frente de casa devido ao alto teor alcoólico no meu sangue e entrei, eu só queria uma coisa, saber todos os planos daquela mulher, e eu iria, ah, como eu iria. Peguei a chave reserva do quarto de Beatrice que estava guardada em meu quarto, na gaveta da cômoda, abri a porta e entrei, caminhei até o closet e abri as portas duplas. Eu só notei que estava ofegante quando parei e olhei para o rosto de Carolyn, senti meu coração martelar em meu peito e a raiva esquentar meu corpo. Dei alguns passos e arranquei a mordaça dela, mantive uma distância segura, não queria fazer nenhuma besteira.

— Já descobrimos quem é seu pai, Carolyn, agora você pode parar com o fingimento.

— Do que está falando? — Ela tentou se fazer de desentendida.

— Corta o papel da mocinha que nesse filme você é a vilã, Carolyn. — Apontei para ela enquanto a olhava com uma raiva descomunal.

Vi sua expressão se transformar diante dos meus olhos, ela começou a rir ainda de cabeça abaixada, aos poucos, levantou os olhos para me encarar como se ela estivesse solta e eu presa naquela cadeira. Por um momento foi como me senti, presa em um lugar que talvez eu não pertencesse mais, que talvez nem fosse pra eu estar ali. Se Otelo não fosse meu pai, o que sobraria pra mim naquela família?

— Acredita mesmo que eu seja a vilã? — Ela riu, debochada. — Vocês mataram meu tio! — gritou, seus olhos escureceram de raiva e sua expressão era mortal, de quem arrancaria minha cabeça caso ela não estivesse presa.

— Ele matou o meu primeiro, então acredito que estejamos quites.

— Estamos longe de estar quites! — gritou ela, enraivecida, era nítido que ela queria se soltar dali e me matar, aquela era a verdadeira Carolyn. — Vocês expulsaram a gente da nossa casa, da nossa cidade, do nosso país!

— Vocês provocaram isso, mataram a minha tia, quem deveria estar buscando vingança era meu pai. — A palavra chegou a pinicar na minha língua, agora eu nem mesmo sabia se ele era meu pai ou não. Do que eu estou falando? Entrando no jogo dessa vadia por causa de uma atriz. — Por que mandou uma mulher fingir ser minha mãe?

— Quê? — Ela franziu o cenho.

— Ainda não cansou de fazer cena? — Avancei pra cima dela e gritei: — Óbvio que foi você que mandou uma atriz se passar por minha mãe e dizer que Otelo não é meu pai!

— Você realmente está alucinando…

Tirei a arma de trás da minha cintura e coloquei na cabeça dela:

— Estou alucinando essa arma também, Carolyn? — Vi seus olhos arregalarem. — Pare de me enrolar, diga logo o que quer! Veio desgraçar a minha família…

Que eu nem sabia se realmente era a minha família agora.

Dei batidas na minha cabeça e espremi os olhos, lágrimas começaram a deixar meus olhos e eu sentia uma dor que me possuía cada vez mais, aquilo era insuportável, eu só queria respostas.

— Abaixa essa arma, … — Sua expressão mudou de raiva para preocupação. — Eu juro, eu não mandei…

— Não minta pra mim! — gritei, interrompendo-a, balançando a arma na direção dela. — Desde que chegou aqui tudo começou a desandar… O problema é você e se — destravei a arma e mirei bem em sua cabeça — eu acabar com você, os problemas acabam.

… — Ela começou a chorar, desesperada. — Eu juro, por favor, abaixa essa arma…

— Cadê a mulher que estava rindo e me confrontando ainda agora? — Eu comecei a rir e olhei para ela com piedade. — Conte tudo sobre Alessia… toda a verdade!

— Mas eu não conheço essa mulher! — gritou ela, angustiada em provar sua inocência.

! — Ouvi a voz grossa gritar o meu nome e, com o susto, meu dedo apertou o gatilho, o estouro alto e seco ecoou pelo closet, virei a tempo de ver a cabeça de Carolyn pender para a frente e logo o sangue começar a pingar.

Eu travei onde estava, meu coração parecia que tinha parado de bater junto com o dela, tamanho foi meu choque, mas foi uma angústia silenciosa, latente dentro de mim. Meu corpo adormeceu como se eu tivesse perdido o controle dos meus músculos, meus olhos estavam vidrados nela, meu coração acelerou de repente e me ajoelhei perto dela.

Ela não estava se mexendo!

Levantei seu rosto e vi aqueles olhos sem nenhum brilho, olhando diretamente dentro dos meus.

— Não. Não, eu não fiz isso.

Senti a mão dela agarrar meu pulso e tive um sobressalto fazendo meu corpo gelar com um calafrio, pisquei os olhos e ela continuava parada, estática; morta. Senti meu corpo pesar toneladas e caí sentada no chão, minha mente estava me pregando peças.

! — Ouvi ao longe e virei para trás, percebendo , que parecia confuso com aquilo tudo.

— Eu matei… — falei baixo, olhando novamente para Carolyn, as lágrimas escorriam em meu rosto e eu não conseguia me mexer. — O que eu faço agora? Eu… Por quê?

... — Senti a mão de em meu ombro. — Pode soltar agora… — Não entendia o que ele queria dizer, mas meus olhos arderam e fui voltando a mim, pisquei lentamente tentando controlar minha respiração e senti meu rosto molhado, só então consegui notar que ele estava agachado ao meu lado, sua mão acariciava meu braço indo em direção à arma que eu ainda segurava firmemente e nem tinha percebido. — Solta, . — Ouvi a voz baixa de próximo do meu ouvido e sua mão acariciou a minha, fazendo eu abrir meus dedos devagar e deixando que ele pegasse a arma. — … Fala comigo…

Ele segurava meu rosto tentando olhar em meus olhos e, em um rompante, eu o abracei, eu não conseguia mais parar de chorar. Por um momento me senti bem por ter feito aquilo, como se aquilo tivesse chegado ao fim, mas eu era uma assassina agora.

— Eu sou… uma assassina, … — falei abafado, com o rosto enfiado em seu peito, em prantos.

— Foi um acidente, . — Ele seguiu me abraçando, acariciando minha cabeça. — Vai ficar tudo bem.

— Fui eu que matei, ela está morta, ! — gritei ao me afastar dele. — Eu atirei aquela bala… Alguém está morto por minha causa!

, calma… — Ele foi me abraçar novamente, mas comecei a me sentir claustrofóbica, levantei e comecei a andar para fora daquele closet, eu precisava de ar. — , pra onde você vai?! — Ele me seguiu pelo corredor. — Espera! — Ele me puxou pelo braço.

— Me solta, — falei séria, amassando a gola de sua camisa. — Me solta!

— Você precisa se acalmar antes que a Giulia escute algo, assim como escutei os gritos de vocês.

— Como vou me acalmar?! — Olhei para baixo, sentindo as lágrimas se formando ainda mais e vi minhas mãos com sangue. — Minhas mãos… Minhas mãos…

— Vem comigo. — Ele me pegou no colo e eu não conseguia parar de encarar o sangue na minha pele.

entrou no meu quarto e fechou a porta com o pé, só entendi o que ele estava planejando quando senti a água quente escorrer pelo meu corpo, molhando todas as minhas roupas, assim como as de . Ele me colocou no chão devagar e então olhei para ele, vendo que seguia me encarando como se esperasse uma resposta, no entanto, naquele momento eu não sentia que conseguiria falar. Vi o líquido vermelho escorrer e ir embora pelo ralo, como se não fosse nada. Uma morte em minhas mãos, eu tinha tirado a vida de alguém.

… — Seus dedos levantaram meu rosto pelo maxilar e eu olhei em seus olhos. — Vai ficar tudo bem.

— Como vai ficar tudo bem?

— Confia em mim? — Acenei que sim com a cabeça. — Então termine de tomar banho e venha comigo. — foi sair do box, mas eu segurei ele.

— Fica. — Vi seus olhos negros me medirem, o cabelo pingando água e sua camiseta regata branca, quase transparente, mostrando várias das tatuagens que ele tinha escondidas pela pele. — Eu não quero ficar sozinha… — Ele balançou a cabeça em positivo e voltou, fechando o vidro e então eu abracei ele me permitindo chorar em silêncio.

Era bom.

Seus braços me seguravam com carinho, seu queixo apoiado em minha cabeça e sua mão fazendo carinho em minha nuca era tranquilizador. A diferença entre meu coração em sofrimento, batendo rápido enquanto o dele batia calmamente me deixava mais confiante de que tudo poderia mesmo ficar bem.

Depois de colocar um pijama, ouvi dando ordens para que levasse o corpo para o porão. Saí do meu closet e ele já estava com outra roupa, assim que me viu, falou no celular que precisava desligar. Caminhei até a cama e sentei, ainda olhava minhas mãos e a imagem da cabeça de Carolyn pendendo para a frente ainda vinha em minha mente. Senti uma mão em meu ombro, olhei para o lado, espantada, sentindo o coração acelerar, mas era que tinha sentado ao meu lado, então eu relaxei, soltando o ar.

— Prefere conversar amanhã? — Acenei que sim. — Tudo bem, você quer que eu traga algo? — Balancei a cabeça em negativo. — Eu preciso resolver algumas coisas…

— Não me deixe sozinha, por favor…

— Eu prometo que eu volto em alguns minutos. — Ele acariciou meu rosto, por mais que sempre que tínhamos contato físico alguma faísca de desejo aparecesse, naquele momento eu sentia que ele só queria me acalmar e me fazer ficar bem. — Vamos, deite.

Eu me recostei na cabeceira da cama e ele cobriu minhas pernas com o cobertor, minha respiração continuava difícil, como se algo pressionasse meu peito. Meu corpo estava tenso, retesado, e minha mente não conseguia apagar o que eu tinha acabado de fazer e o que eu tinha visto.

Agora eu era uma assassina.

— Eu já volto, .

Vi levantar e sair do meu quarto, eu sabia o que ele ia fazer, ouvi ele no telefone, ele iria resolver a questão do corpo e provavelmente a limpeza do closet da minha irmã. Eu matei Carolyn, ainda não conseguia acreditar, eu sempre mandei soldados matarem, mas dar uma ordem te deixa longe da real perspectiva de matar alguém. Fechei os olhos devagar e tentei me acalmar, pensar em outra coisa que não fosse a morte que eu causei. Por uma desconfiança, um erro, talvez ela não tivesse mandado aquela mulher lá, talvez ela…

— Fique orgulhosa de ter matado uma Delantera.

Abri os olhos, assustada, mas eu continuava sozinha, meu coração começou a bater mais rápido de novo enquanto eu olhava para todos os cantos do meu quarto, buscando de onde tinha vindo aquela voz tão familiar. Recolhi minhas pernas para junto do meu corpo, assim como meus ombros, meu estômago revirou e senti minha boca secar.

— Você deve ser a vergonha do legado da Cosa Nostra.

Dessa vez a voz feminina se fez mais próxima, me forçando a olhar para o lado vazio da cama depressa, e foi assim que vi Carolyn sorrindo de um jeito vil, com aquele buraco em sua testa e o sangue escorrendo pela pele e nos cabelos loiros.

— Ah! — gritei caindo da cama, me arrastei para longe até encostar minhas costas na parede e quando abri os olhos, não tinha ninguém no colchão ou no quarto. Mordi o lábio com força e me encolhi, sentada no chão, abraçando meus joelhos. — Não, isso não é real, não é real… — Eu me abraçava e me balançava procurando refúgio daquilo, eu só podia ter entrado em um pesadelo. Senti meu rosto formigar, o ar parecia não entrar em meus pulmões devido a minha garganta parecer cada vez mais fechada. As lágrimas molhavam meu rosto e eu apertava cada vez mais meus olhos fechados, tentando ignorar o que tinha acabado de acontecer. — Não é real, ela está morta…

!

— Ela tá morta… — eu repetia sem parar, tentando me convencer de que tudo aquilo não passou de um delírio. — Eu a matei.

… — Apenas senti me abraçando. — O que houve?

— Ela… estava aqui… ela estava aqui — falei aos prantos, entre soluços e lágrimas. — Ela não vai me deixar em paz…

— Eu não vou sair do seu lado, eu prometo.

— Ela estava morta… Eu vi. — Ele me segurou e me puxou para mais perto dele, ouvi seu coração batendo ritmado com o meu, em alerta, preocupado comigo, e era uma merda admitir, mas não existia mais ninguém que eu quisesse ali comigo naquele momento.

— Vai ficar tudo bem — ele acariciou minha cabeça —, vai ficar tudo bem.
Perroni


— Eu não tenho tempo pra isso, Filippo… — Seguia abotoando minha camisa enquanto meu primo falava sem parar sobre os problemas que iriam surgir para a Vincere por uma filha de associado ter sido morta debaixo do nosso teto.

— Otelo chega em dois dias, , o que vai dizer pra ele?

— Uma coisa de cada vez, preciso voltar antes que acorde. — Virei para sair do closet, mas ele me segurou pelo braço.

— Não entenda nada errado, primo.

Virei para ele e o encarei sério:

— Não tem nada para entender errado, Filippo.

— Acaso acha que eu esqueci que você sentia algo por ela?

— Eu tinha 17 anos, Filippo, um delírio adolescente, nada mais. — Ele me soltou e eu segui caminho para o meu quarto, coloquei o relógio e engoli em seco tentando me manter sereno.

, acha que não percebi os olhares? Non sonno un'idiota! (Não sou uma idiota!).

Abbastanza! (Basta!). — Virei para ele irritado. — Não tem olhares nenhum, Filippo! — Engrossei a voz ao olhar para ele determinado a acabar com aquele assunto. — Pare de inventar coisas na sua cabeça! precisa de mim agora, e espero que ela me conte o que diabos aconteceu.

— Ótimo, espero que seja mesmo apenas coisa da minha cabeça — disse em tom de aviso. — Não quero chorar a morte de outro familiar, principalmente você, ...

Ele deixou o quarto e eu respirei fundo engolindo aquelas palavras, pois eu podia até tentar esconder, ou mentir pra mim mesmo, mas a verdade é que sempre teve algo impuro em relação a dentro de mim. Desde aquele maldito momento em que eu disse para Filippo que ela me deixava sem reação, que eu sentia algo diferente do que eu sentia pelas minhas irmãs. A distância e o ódio que eu fiz ela sentir por mim nos mantinha afastados, foi proposital, e a parte de mim que teimava em querer tomá-la, enterrada, porém, termos nos aproximado talvez tivesse sido o pior erro que cometi.

Foi um tropeço que não tinha como voltar atrás.

Peguei meu celular e caminhei a passos rápidos, mas dei de cara com Beatrice no corredor e ela me olhou de cenho franzido, fazendo com que eu parasse de andar quase em frente a porta do quarto de .

— Bom dia. — Ela me analisou de forma interrogativa, como se estivesse pensando o que eu estava fazendo ali.

— Bom dia.

— Pra onde está indo? — perguntei.

— Preciso falar com — disse, dando mais um passo.

— Engraçado, também estava indo ao quarto dela. — Ela deu dois passos em direção a porta.

— Fale com ela no café. — Cruzei sua frente colocando a mão na maçaneta do quarto. — Tenho urgência. — Abri a porta e entrei rapidamente, fechando-a em seguida.

Respirei fundo fechando os olhos e logo os abri, vi que a indomável continuava dormindo e agradeci por isso. A madrugada foi agitada, ela acordou várias vezes assustada e aos gritos. Caminhei devagar e sentei no colchão, tirei o sapato e me recostei na cabeceira. Estava preocupado de como ela iria superar isso, não conseguiu matar nem os homens que a atacaram, não consigo imaginar como ela estava se sentindo em ter matado Carolyn, que estava amarrada e indefesa. Eu já tinha matado mais homens do que eu conseguiria contar nos dedos das mãos, amarrados então… Aquilo não era nada para mim.

Seria impossível me colocar no lugar dela.

Fiquei resolvendo o que podia no celular e assim que vi ela se mexer, busquei seu rosto, ela foi acordando aos poucos, parecia estar voltando à realidade lentamente. trouxe os olhos verdes até os meus e se levantou devagar, encostando na cabeceira da cama. Ela respirava calmamente e olhava um pouco perdida para seu próprio quarto, como se tentasse absorver a noite anterior novamente. As olheiras eram profundas, denunciando que a noite mal dormida tinha sido longa. Odiava vê-la daquela forma, mas eu não tinha ideia do que fazer para aquilo passar. Esperei que ela falasse algo, não queria invadir o espaço ou o silêncio dela que parecia confortável naquele momento. O que eu não esperava era que ela se aproximasse de mim e encostasse a cabeça em meu ombro.

Olhei para o lado vendo os fios ruivos em meu braço, surpreso com a proximidade repentina, larguei o celular na cama ao lado da minha coxa e levantei o braço, fazendo ela apoiar a cabeça em meu peito. Por mais que tivéssemos tido lapsos de comportamentos inadequados, essa aproximação era nova, não era desejo, era carinho e amparo o que ela queria. se acomodou e ali ficou, em silêncio, e eu esperaria até que ela estivesse pronta pra dizer alguma coisa.

— Ela era uma Delantera, — disse ela após longos minutos, sem nem mesmo se mexer e eu apenas arregalei os olhos. — Ela era a infiltrada.

Como caralhos essa mulher era uma Delantera e ninguém sabia? Eu precisava juntar essas peças. Nada parecia encaixar, o infiltrado era homem, não podia ser Carolyn, mas podia ser os dois trabalhando em conjunto, isso era maior do que eu imaginava. Quantos estavam se esgueirando pela Vincere? Com o que e quem estávamos lidando, depois de tantos anos sem nem sequer vermos ninguém dessa gente que tinha a audácia de se chamar de máfia, resolveram ressurgir das cinzas para nos atrapalhar.

— Como você descobriu tudo isso? — perguntei baixo, tentando não me exaltar apesar da informação daquela magnitude.

— Giulia descobriu. O pai dela é Carlos Diaz, ele é irmão da esposa do consegliere que Filippo matou.

Respirei fundo, soltei o ar devagar pela boca, eu não podia brigar com ela agora. Não podia dar um sermão do quanto aquilo foi perigoso e irresponsável, não só da parte de , mas das minhas irmãs também. Quanto tempo elas deixaram Carolyn amarrada no quarto de Beatrice até descobrirem tudo aquilo?

— Por que não me contaram nada?

— Estávamos tentando entender tudo antes de falar qualquer coisa…

— Eu preciso contar para Otelo, .

— Não… — Ela desencostou do meu peito e sentou no meio da cama de frente para mim. — Papai vai me odiar, eu matei alguém dentro da casa dele.

, Otelo vai amar que você matou uma inimiga.

! — Ela arregalou os olhos e então eu percebi o que tinha falado, para ela, o que tinha feito era inconcebível e para mim, nada mais era do que uma tarde de quinta-feira.

— Eu sei, desculpe… — Passei a mão pelo cabelo nervoso e desviei meus olhos dos dela.

— Eu não… — Vi ela fechar os olhos e respirar fundo. — Eu não queria…

— Foi um acidente… — Desencostei da cabeceira no ímpeto, querendo tocá-la, mas lembrei do que meu primo falou e freei minha ação.

— Mas eu apertei o gatilho! — Ela aumentou o tom de voz e soltou o ar com força. Passou a mão pelo rosto e fechou os olhos, respirou algumas vezes, tentando se acalmar. — Não sei o que fazer.

— Beatrice estava vindo aqui quando eu também estava. Ela já deve ter notado… — mordeu o lábio em nervosismo. — Mande mensagem para elas nos encontrarem na sala da Giulia.

— Céus, , o que eu vou dizer?

— A verdade, . — Ela abraçou os joelhos e seus olhos marejaram. — Vai ficar tudo bem, eu prometo. — Acariciei a cabeça dela e beijei sua testa.


[...]



Ouvi Beatrice reclamar sobre onde Carolyn estava antes de ela me ver entrando na sala de Giu bem atrás de , assim que me viu, se calou. Fechei a porta atrás de mim e respirei fundo, olhei para e vi que aquilo seria difícil para ela, principalmente por estar tudo tão recente, porém, não tínhamos tempo. Meu pai logo chegaria, um corpo apodrecia no porão e minhas irmãs nos olhavam como se a gente tivesse ocultado o cadáver. Bom, a única diferença é que Filippo e Nero ocultaram.

Pigarreei e dei dois passos à frente antes de começar:

— Podem me explicar o porquê de eu não saber que a mulher que ia se casar comigo era uma Delantera?

O silêncio se instaurou na sala e elas se entreolharam, menos , que seguia ao meu lado olhando para baixo, cabisbaixa.

— Estávamos tentando juntar informações, — explicou Giulia por fim. — Não era tão simples, Beatrice escutou ela no telefone dizendo que iria comandar a Vincere.

— E nesse momento vocês deveriam ter vindo até mim…

— Eu que disse para não falarmos nada. — suspirou. — Deixei meu orgulho… — Vi ela se calar e olhar para o lado como se visse alguém.

… — chamei e ela me olhou, perdida, seus olhos estavam sem brilho algum. Era nítido o quanto ela estava abatida. — Quer voltar e se deitar?

— Não. — Minhas irmãs a olharam intrigadas, tentando entender o que estava acontecendo. — Não precisa… Precisamos contar pra elas… — Ela se encolheu e se abraçou, estava em choque e em constante ansiedade, dei dois passos em direção a ela, ficando de costas e cobrindo o corpo pequeno dos olhares inquisidores das minhas irmãs.

, você não precisa fazer isso… Eu posso fazer sozinho — falei baixo e ela seguiu olhando para o chão, puxei seu queixo para que olhasse pra mim. — Tem certeza que está bem? — Ela afirmou com a cabeça e então voltei a ficar ao seu lado.

— Vocês estão me deixando nervosa! — exclamou Beatrice. — O que porra aconteceu com aquela parisiense insuportável?

— Eu matei ela! — falou de uma vez, fazendo as outras arregalarem os olhos, Luna cobriu a boca, chocada, e Giulia sequer mudou sua linguagem corporal.

Acariciei o braço dela, tentando acalmá-la e disse:

— Foi um acidente.

— Um acidente? — perguntou Beatrice, incrédula.

— Foi um acidente, Beatrice — falei com ênfase, sério, deixando todas elas cientes de que aquilo não estava aberto para discussões. — Quero todas as informações que você tiver dela e do pai dela, Giulia. Amanhã Otelo chega e vou passar tudo pra ele.

— Sim, .

— Beatrice, cuide da Fascino por enquanto.

… — tentou falar, mas neguei com a cabeça, olhando para ela.

— Você precisa descansar… — falei baixo, tomando o cuidado de não assustá-la. Voltei a olhar minhas irmãs e tentei ao máximo pedir mudo para que elas entendessem a situação. — Espero um relatório, me avise quando estiver pronto, Giu.

— Fica pronto antes do jantar.

— Obrigado.

Virei para sair e me acompanhou, saímos da sala e voltamos ao quarto dela. Eu vi que ela estava paranoica, acreditava que aquilo era estresse pós-traumático, ela precisava de um médico, remédios e descansar. Ela deitou na cama e se encolheu entre os travesseiros, abraçou as almofadas e se cobriu com o edredom. Olhei para ela e só conseguia pensar no quanto eu queria tirar essa dor dela. Mandei mensagem para Filippo arrumar um médico para ontem, deitei ao lado dela e ali fiquei, sem dizer uma palavra por um tempo, que parecia pouco, mas já tínhamos tomado café e almoçado, ali mesmo, na cama.

não queria sair dali, eu percebi que para ela era o único lugar seguro, ali ela estava protegida por alguma coisa que a cabeça dela inventou. Ela pediu para eu ficar, disse que não queria ficar sozinha em nenhum momento e que só eu entendia o que ela sentia. Engraçado era que eu não entendia, entrei na vida adulta achando normal matar as pessoas e não ter o mínimo de remorso por isso. Eu não sabia o porquê de ela achar que eu era a melhor pessoa para lhe fazer companhia em um momento como aquele, mas eu estaria ali, até quando ela precisasse de mim.


[...]


Meu pai me olhava há tempo demais, pensativo, fumando seu charuto e bebendo uma dose dupla de whisky depois que eu contei tudo o que aconteceu. Eu já estava sentindo meu corpo tensionado em cada músculo, Otelo era imprevisível, eu não sabia o que esperar e isso me deixava uma pilha de nervos. Nem mesmo as expressões faciais dele eu estava conseguindo ler.

— Sabemos o porquê de ela ter tido aquele rompante com seu anúncio então… Ela sabia de algo que nós não sabíamos.

— Acredito que tenha sido isso.

— Por que não está aqui?

— Ela não está se sentindo muito bem.

A verdade era que depois que o primeiro psicólogo e psiquiatra disponíveis vieram examiná-la em conjunto, ela finalmente conseguiu dormir com o remédio que o doutor passou. Sem gritos, sem pesadelos, sem ela me agarrar no meio da noite como se estivesse afundando no mais profundo oceano. Ela estava calma e dormindo tranquilamente quando a deixei pela manhã.

— Depois comemoro com ela então…

— Comemorar? — Franzi o cenho.

— Óbvio! Minha filha matou um Delantera, isso é motivo para uma comemoração. — Ele sorriu, orgulhoso.

— Otelo, não é igual a nós…

— Bobagens, , ela é uma Perroni. — Ele virou para meu primo. — Filippo, mande caçarem esse filho da puta que ousou me enganar. Eu quero ele vivo.

— Sim, Don Otelo. — Meu primo deixou a biblioteca e eu seguia tentando processar a discrepância de tudo aquilo.

estava em sofrimento e meu pai, feliz.

— Nos deixem a sós — falei sério para os seguranças presentes e eles nos deixaram. — Pai, está com TEPT.

— Como?

— Estresse pós-traumático. Está dormindo à base de remédios por causa do que ela fez, não fale em comemoração perto dela.

— Está me dizendo como agir com a minha filha?

— Estou dizendo que sua filha está em sofrimento por causa dessa merda toda! — Bati o punho na mesa ao levantar. Estava possesso com aquela mania de relativizar coisas que não eram do entendimento de Otelo ou por simplesmente não estar dentro do que ele achava importante. — Tenha o mínimo de compaixão. Ela não é igual a mim, o monstro que você criou. — Engoli o restante do whisky em meu copo, sentindo o gosto amargo daquelas palavras.

— Tem mais alguma coisa que queira me contar, ? — Ele me olhou como se ordenasse uma explicação pelo meu rompante e eu sabia que tinha passado dos limites.

— Não.

— Pode se retirar.

Saí do escritório pisando duro, a raiva me possuiu de uma maneira que não consegui controlar, foi algo mais forte que eu. Subi a escada e ao ver a porta do quarto de , parei no corredor, virei para a parede envidraçada e me apoiei nela. Tentei me recompor, tentei regular minha respiração, acalmar meus batimentos cardíacos e minha mente. precisava de calmaria e eu estava o próprio caos. Virei e dei alguns passos para bater na porta, em seguida ouvi sua voz baixa permitir que eu entrasse. Abri a porta devagar e ela estava no meio da cama, abraçada aos joelhos e olhando para um lugar qualquer. Era angustiante vê-la daquela forma.

— Você está bem?

— Estou melhor, graças aos remédios.

Caminhei devagar e sentei na cama, olhando para ela, contei que tinha conversado com Otelo e ele enviou homens para a casa de Carlos Diaz ou seja lá qual fosse o nome daquele homem. Ela escutou tudo atentamente e parecia querer dizer algo, mas um medo tomou seus olhos, eu conseguia ler a dúvida se me contava ou não o que queria.

— Eu preciso contar uma coisa… — Balancei a cabeça em positivo, aguardando ela continuar. — Uma mulher foi até a Fascino dizendo que era minha mãe.

Arregalei os olhos sem acreditar, as mulheres que venderam as garotas ao meu pai não podiam entrar em contato com elas nunca mais e isso estava escrito em contrato.

— Ela não poderia…

— Essa não é a pior parte, … — Ela me interrompeu e eu engoli em seco. — Mas não vem ao caso… Cheguei a conclusão que ela só queria me jogar contra a famiglia.

— Como assim, ?

— Ela disse que… — vi ela hesitar, então peguei a mão dela e acariciei, seus olhos verdes vieram até os meus, sua mão apertou a minha mais forte e a vi morder o lábio — que Otelo não é meu pai.

Senti como se meu coração parasse por um segundo e o ar de repente ficou tão denso que eu conseguiria cortar com uma faca. Os olhos verdes me olhavam com um vazio existencial e aquilo me preocupava, tinha sido uma tragédia atrás da outra, ela iria conseguir se recuperar de tudo aquilo? Será que em algum momento nossa família ia parar de ser tão quebrada?

— Eu não acredito nela, não pode ser verdade — cuspiu as palavras de uma forma que parecia tentar convencer mais a ela mesma do que eu.

Tantas coisas me passaram pela mente naquele milésimo de segundo, cheguei a sentir uma pontada de dor de cabeça. Se ela não fosse minha meia-irmã, então…

— E se for? — falei no ímpeto, sem pensar nas consequências da minha, aparente, simples pergunta.

! — Ela se exaltou e levantou da cama, irritada. — Não pode ser verdade! Minha vida inteira teria sido uma mentira!

Eu estava sendo egoísta demais, tinha tanta coisa envolvida nessa possibilidade. Eu não sabia o que era uma vida inteira achando que você era filha de alguém, da única pessoa que realmente quis você, se isso se quebrasse também eu nem sabia como tudo ficaria. Não saberia se a racionalidade de ainda se manteria intacta depois disso.

— Você tem razão, não tem como eu entender o que você está sentindo agora, mas…

— Não tem "mas" — ela me interrompeu e olhou mordendo o lábio, a ponto de chorar —, se isso for verdade… — vi ela hesitar — eu não vou saber mais quem sou eu, .




Alonso Perroni

Desde criança eu me questionava qual era o meu lugar no mundo, aos poucos, conforme fui crescendo, eu entendi qual seria o meu posto na família. Vieram os treinamentos, os seguranças, as armas, as festas e tudo começou a fazer sentido na minha cabeça. Contudo, quando chegou, foi como se eu tivesse perdido aquela certeza sobre o lugar que teria. Depois de alguns anos, assumi a boate e fiquei feliz, estava com aquela sensação de que ali era onde eu precisava estar.

No entanto, agora, ali estava eu novamente, perdida, procurando meu lugar no mundo, pois tudo parecia bagunçado demais. Aquela dúvida latente de que eu não fazia parte daquela família ainda me assombrava dia após dia, mas nada era mais aterrorizante do que viver com a culpa de ter matado alguém. Não importava se era um inimigo, era uma pessoa como eu e eu tomei a vida dela em um segundo.

Viver com aquilo estava pesado demais e a única pessoa que eu achava que poderia me entender era aquela pessoa que roubou o lugar que eu achei que era meu. ; o meio-irmão idiota que eu tinha algum sentimento indecifrável e que eu odiava com todas as forças há alguns anos, ou o qual eu estava beijando algumas semanas atrás. Minha vida era tão conturbada que nem eu mesma conseguia entender o que estava acontecendo e como cheguei até ali.

? — O psicólogo me trouxe de volta ao momento presente. — Como foi seu dia? — Levantei a cabeça para encará-lo e suspirei.

— Nada de diferente de todos os outros dias.

— Seus pesadelos?

— Com menos frequência… — Olhei para o sofá que dormia, quase todas as noites, talvez fosse por tê-lo ali que conseguia dormir bem e isso me assustava um pouco, afinal, o maior poder que você pode dar a alguém é se permitir descansar com ele ao seu lado.

— Isso é uma ótima notícia. Os remédios têm feito seu trabalho. — Acenei com a cabeça. — A terapia também tem seus créditos. Falar ajuda, .

Aquele silêncio constrangedor de quando meu psicólogo queria entrar no assunto que estava rondando a minha mente, ele sabia que eu pensava demais, no entanto, falar era tão mais difícil. Eu tinha essa noção de que ele me observava e tentava me ler nos mínimos detalhes, eu sabia como a psicologia funcionava. No entanto, às vezes eu não queria falar e, em outras, eu sabia que certas coisas eu jamais deveria proferir.

— Talvez eu… — Esfreguei uma mão na outra, mordi meu lábio, não poderia falar isso em voz alta, isso só tornaria tudo mais verdade e eu não podia assumir que tinha um papel fundamental no meu sono ou nos meus dias ou na minha vida. Era tudo complicado demais. — Eu… devesse voltar a treinar.

— Ótima ideia! O exercício sempre ajuda, não só fisicamente como mentalmente também. — Doutor Martin olhou o relógio. — Preciso ir agora, , mas lembre-se, pode sempre me ligar.

— Obrigada, Martin.

Estava sozinha novamente depois de 1 hora de terapia, era sempre a mesma coisa, e, no fim, a pergunta sobre meu dia. Nada mudou nos últimos 18 dias que eu continuava sem conseguir sair de casa, mal saía do meu quarto, na verdade. Minhas irmãs me procuravam todo santo dia, entravam no meu quarto, tentavam conversar comigo, mas eu não conseguia falar mais do que palavras educadas. Não queria descontar nada que passasse pela minha cabeça nelas, ou que elas vissem um surto meu que, mesmo tomando remédio, às vezes aconteciam. Levantei da poltrona e me joguei na cama, eu estava cansada de me sentir assim.

Eu não era mais eu.

Nem eu mesma sabia que iria reagir assim ao matar alguém, nunca tive coragem de atirar em ninguém, mas também nunca tive pena das pessoas. Parecia latente em mim, já que tive um treinamento para ser violenta, porém, nunca consegui mais do que uns tapas, socos e falar atrocidades. Quando as coisas aconteciam realmente, tudo mudava de figura, era aterrorizante olhar para a morte.

Encarei o teto branco acima de mim e senti aquele vazio no peito e minha cabeça parecia pesar toneladas. Não era para eu me sentir melhor depois de fazer terapia? Eu queria um martini, ou melhor, meu whisky, queria me afogar na bebida até esquecer quem eu era. Sentir que fazia parte de outra realidade, outra família, queria ter outra vida… ou vida nenhuma.

Senti meu corpo inteiro retesar.

Fechei os olhos com força e me abracei.

Mordi o lábio e senti as lágrimas escorrerem pela minha bochecha, apertei minha barriga com mais força e minha vontade era de gritar até ficar sem voz. E quando me dei conta, Luna estava me abraçando e chorando junto comigo.

— Vai ficar tudo bem, … — ela repetia em um volume quase inaudível. — Vai ficar tudo bem…

Quando ela tinha entrado no quarto?

— Ela tomou os remédios? — Ouvi a voz grossa e virei a cabeça, vendo na beirada da cama, em pé. — Dê o remédio pra ela, Luna.

— Eu estou bem. — Levantei do colo de minha irmã, afastando-me quando finalmente senti forças para tal, e olhei para , que mantinha a expressão serena, mas dava para ver que ele estava irritado com alguma coisa. — O que aconteceu?

— Nada que deva se preocupar.

Luna me deu dois comprimidos e eu engoli com a água que foi me alcançada também por ela.

— Não precisa ficar me escondendo as coisas, . — Deitei novamente, dessa vez com a cabeça no travesseiro. — Está tudo bem com a Fascino?

— Sim, sua boate está ótima.

— Perfeito… — Senti meus olhos pesarem, virei para o lado e deixei o sono me levar.


[...]


— Vince voltou ao trabalho e a Giovanna também. — Beatrice me contava no café da manhã um dos poucos dias que consegui descer para sentar à mesa. — Ela está começando a perguntar por você…

— Diga que estou doente.

— Isso funcionou na primeira semana, . — Ela levou mais uma colher de salada de frutas à boca. — Deveria falar com ela…

— Não sou uma boa companhia no momento. — Mordi meu sanduíche e suspirei.

— Ela é sua melhor amiga… — Dei de ombros e torci os lábios. — Você não é assim.

— Eu sei. — Levantei da mesa e no caminho para o meu quarto, peguei uma garrafa de champanhe, que se fodessem os remédios.

— Pra onde pensa que vai com isso?

Parei no meio do corredor, tão perto de estar segura do meu quarto, mas tinha que surgir sei lá de onde pra me infernizar. Virei devagar para ele, que já vinha em minha direção, assim que parou perto o suficiente, tomou a garrafa da minha mão.

— Sabe que não pode beber.

— Sei também que não posso me matar, então essa é a escolha menos arriscada.

— ele franziu o cenho e eu dei de ombros olhando pra ele, que se aproximou ainda mais —, não fale isso.

— É a verdade.

— Não sei o que eu faria se perdesse você… — Sua mão veio em direção ao meu rosto e eu dei um passo pra trás, assustada. recolheu seu braço e suspirou, fechando seus olhos. — O que eu posso fazer pra te ajudar? — Voltou a olhar para mim, preocupado, eu odiava aquele olhar.

Continuava encarando ele com os olhos baixos e então olhei para o chão antes de dizer:

— Ninguém pode me ajudar, quanto mais cedo aceitar isso, melhor. — Virei as costas e entrei no meu quarto.

Senti meu peito doer, coloquei a mão entre meus seios, lágrimas deixaram meus olhos e senti aquela dor sufocante de novo. Eu queria tanto que isso acabasse, que eu ficasse bem de novo, que eu fosse eu mesma. Sentei no chão e apoiei minha testa em meus joelhos, era angustiante sentir coisas que eu nem mesmo sabia explicar.

— Você deveria parar de ser tão fraca…

Olhei para cima e vi Carolyn me encarando com aquele ar de superioridade. Fechei os olhos com força e abracei meus joelhos, aquilo era minha imaginação.

— Você não é real!

— O que é ser real pra você, ? — Abri os olhos com receio e a vi caminhar pelo quarto, olhando os porta-retratos que eu tinha ali. — É fingir que não está apaixonada pelo seu irmão?

— Cala a boca! — Levantei com a raiva tomando conta de mim, esqueci que aquilo era só mais um dos meus episódios de alucinação pela crise de ansiedade e deixei o ódio me preencher. — Você nunca deveria ter entrado por aquela porta.

— Ao mesmo tempo que você também não, bastarda!

Peguei um dos livros que havia na estante de canto e joguei com força em direção a ela, fazendo com que desaparecesse. Senti meu peito doer e a minha respiração acelerada de tão nervosa que fiquei. Eu estava perdendo a cabeça e às vezes eu realmente tinha medo de nunca mais voltar à sanidade completa.







Perroni

Doía vê-la daquela forma, eu queria arrancar daquela cama, tirar ela daquela escuridão que tomou seu coração e sua mente. Eu preferia estar brigando com ela ou estar irritado por ela ter feito alguma besteira ou pelo simples fato de amar ser desobediente. Não queria tê-la em casa se fosse desse jeito, quando eu quis foi por sua segurança e não por ela estar destruída psicologicamente.

Ela estava quebrada demais para sequer levantar e reclamar por eu estar mais um dia ali, velando seu sono. Queria vê-la dizer que não precisava de mim, que eu estava invadindo seu quarto, seu espaço e sua privacidade. Era doloroso demais vê-la definhar daquela forma, dormir à base de remédios e viver com aquele olhar perdido, vazio e sem brilho, mas que ao mesmo tempo, parecia que muita coisa perturbava sua mente.

Não tinha como eu ajudá-la, mas todo dia eu tentava.

— Bom dia… — Ouvi a voz sonolenta dela soar pelo quarto, me tirando dos meus pensamentos.

— Bom dia.

— Você pode dormir aqui, sabe? — Ela apontou para o outro lado da cama. — É bem grande e… Dormir nesse sofá deve ser horrível.

— É o suficiente, não são todas as noites.

— Mas quase todas. — Ela levantou e foi em direção ao banheiro.

— Isso foi uma reclamação? — falei mais alto para que ela pudesse ouvir, pude até curvar os lábios achando que aquilo poderia ser ela voltando ao seu normal.

— Foi só uma observação.

Suspirei, murchando os ombros.

— Não esqueça de tomar seus remédios e… — suspirei, encolhendo meus ombros e continuei baixinho: — tenta sair desse quarto… — Abaixei a cabeça, mas fui alertado pelo som dos seus passos, que ela estava voltando ao quarto, então tratei de me recompor.

— Não vou esquecer, você faz questão de me lembrar todo santo dia. — Vi ela pegar os três comprimidos e tomar.

— Te vejo no café da manhã? — Deixei o quarto e assim que me vi no corredor, tentei mais uma vez não me culpar por ela estar daquela forma.

Era impossível não assumir um pedaço de culpa dessa merda toda. Eu deveria ter dito não, deveria ter falado que não iria casar e ter falado para Carolyn voltar de onde veio. Balancei a cabeça em negativo e segui o caminho para o meu quarto, onde eu estava mais seguro para externar os pensamentos autodestrutivos que me atormentavam a todo segundo.


[...]


No dia seguinte, meu pai tinha organizado uma reunião para saber as notícias da busca por Carlos Diaz. Entrei naquele escritório já sentindo de longe a aura pesada estampada em meu primo. Eu tinha esse dom de ler as pessoas facilmente, por isso eu era tão bom nas torturas. Sentei na poltrona em frente à mesa de madeira, logo meu pai entrou na biblioteca exalando poder. Ele adorava quem ele era, isso era muito nítido.

— Vamos ao que interessa… — Otelo sentou em sua cadeira.

— Don, a busca foi feita por toda a propriedade, mas não havia ninguém.

— Como não tinha ninguém? — Meu pai socou a mesa de madeira fazendo todos os presentes, menos eu e Filippo, darem um sobressalto. — Eu fui lá há alguns meses…

— Os soldados disseram que a casa está completamente vazia, Don Otelo.

— Eu quero — meu pai rangeu os dentes antes de continuar: —, que cacem esse maledetto!

Si, signore.

Todos se mantiveram na mesma posição, olhei para Filippo, e nós sabíamos o que viria.

— O que estão esperando? — gritou meu pai. — Agora, vão!

Todos saíram com pressa, eu apenas respirei fundo, esperando o que sobraria para mim de tudo isso, porém, pela primeira vez vi meu pai sentar calmamente e acender seu charuto depois de uma péssima notícia. O que já me deixou ainda mais preocupado. Otelo não era uma pessoa previsível, nunca sabemos o que esperar, no entanto, tem algumas coisas que eu sabia como ele iria lidar, e, definitivamente, esse comportamento era novo.

Levantei devagar quando o silêncio pareceu ser a escolha de meu pai para o momento. Caminhei para fora do escritório e passando pela biblioteca meus olhos foram até a poltrona preferida de . Em um passado não tão distante era raro não encontrá-la ali aquela hora, lendo. Engoli em seco e segui meu caminho até o andar de cima. Tentei desviar meu pensamento para o maior problema que tínhamos nas mãos agora. Não sabíamos onde estava o maior inimigo que tínhamos em anos, um que conseguiu colocar alguém dentro da nossa casa.

Eu ainda precisava descobrir quem era o infiltrado que estava trabalhando junto a Carolyn. Assim que avistei o corredor dos quartos ouvi gritos vindo do quarto de , olhei para frente e vi Luna assustada, eu e ela corremos em direção à porta, que abrimos com pressa. estava gritando, deitada bem no meio da cama, seus olhos estavam fechados e seus braços em volta da cabeça.

Ela estava em outro surto.

Luna subiu em cima do colchão depressa e a abraçou, fiquei de pé na beira da cama, olhando as duas, tentando pensar em algo para resolver aquilo. Eu precisava descobrir um jeito de livrar de toda essa dor e angústia. Eu queria resgatá-la, mesmo que isso fizesse eu me perder novamente.

Saí daquele quarto após deixá-la medicada e dormindo, tentava pensar em algo que fizesse sentido para ajudar , caminhei até a área da piscina e sentei em uma das espreguiçadeiras. Acendi meu cigarro e ali fiquei, conjecturando comigo mesmo quais eram as minhas opções.

Eu poderia forçá-la a sair de casa. Revirei os olhos soprando a fumaça para cima; péssima ideia.

Talvez levar ela até a casa de campo, a natureza ajudaria, porém, a atual… personalidade dela não me garantia que ela iria de bom grado. Por mais que fosse uma das casas preferidas dela.

Talvez se eu trouxesse Giovanna para ver ela… Se bem que ela disse para Beatrice que não queria ver os amigos.

Pensar em uma forma de ajuda era uma tortura, eu estava com cansaço mental há tantas semanas. Estava sendo muito complicado para todos nós passar por isso. Meu pai fingia que nada estava acontecendo, mas eu percebia as mudanças de humor, no comportamento, as madrugadas sem dormir, sem falar que faziam dias que ele nem sequer saía dessa casa. Além dele mesmo ter ido atrás do melhor psicólogo para tratar ela.

Ele estava morrendo de preocupação, no entanto, era nítido que ele não sabia lidar, pois não foi nenhuma vez vê-la.

— Está com uma cara péssima, primo. — A voz de Filippo me tirou dos meus pensamentos. — Já te vi pior, mas você tinha levado uma surra no treinamento. — Ele riu enquanto se sentava na cadeira à minha frente.

— Engraçadinho.

— Meu tio não teve uma reação previsível, por mais imprevisível que ele seja.

— Ele está apavorado, mas não admite.

— Minha prima não está bem, não é? — Ele uniu as sobrancelhas, demonstrando preocupação.

— Ela teve outro surto. Não sei mais o que fazer…

— Ela está sendo bem cuidada pelo psicólogo e tomando os remédios, . Ela precisa de tempo agora.

— Não aguento mais vê-la dessa forma.

— Fale com o psicólogo dela, talvez ele te dando uma opinião profissional do que fazer, você consiga ajudar.

— Você é um gênio, Filippo. — Pela primeira vez em semanas eu sorri e senti aquela ponta de esperança que eu precisava para me manter são.
Perroni

— Bom dia, doutor.

— Senhor Perroni — falou o psicólogo, surpreso.

Eu poderia ter ido até o consultório dele, mas eu mal tinha conseguido dormir, então fui até a padaria que eu sabia que ele costumava tomar café. Claro que eu investiguei a vida inteira dele antes de deixá-lo se aproximar de , mesmo meu pai falando que ele era o melhor psicólogo do país. Jamais deixaria alguém se tornar tão íntimo dela sem saber cada minuto da vida dele desde que ele começou a respirar no mundo.

Abordei ele de uma maneira meio invasiva, mas eu não estava me importando com isso. Eu sentia uma angústia interna e um desespero que não era tão conhecido por mim, porém eu sabia que a única coisa que me movia ultimamente era tirar a da escuridão, nem que para isso eu me fodesse no processo.

— Podemos conversar? — Indiquei a mesa vazia um pouco à frente.

— Claro.

Nunca tinha entrado em contato direto com um psicólogo ou psiquiatra, eu não era daqueles que não acreditava, mas também não via como algo imprescindível, porém, quando vi daquela forma, eu tinha certeza que ela precisaria de um. Então sentamos na cafeteria e ele me explicou que o estresse pós traumático era um transtorno de ansiedade que pode se desenvolver em pessoas que presenciaram eventos traumáticos. O TEPT pode causar distúrbios do sono, humor deprimido, hiper vigilância, alucinações, esquiva de lembranças do trauma entre outros. Era tudo muito complexo, mas tudo fazia muito sentido, eu havia presenciado muitos desses episódios. Era frustrante não saber o que fazer pra ajudar.

Depois de muito debater com o o Dr. Martin e tentar entender a abordagem que deveríamos ter, não só eu como a família toda, eu fui para casa com um objetivo na cabeça: pesquisar. Entrei no meu quarto e busquei meu notebook, sentei na poltrona da varanda e fiquei horas ali sentado em busca de uma resposta ou um milagre, talvez o todo poderoso fosse bonzinho comigo uma única vez. Estávamos em uma situação muito delicada e depois da conversa com o doutor Martin, fiquei ainda mais preocupado, porém, também fiquei esperançoso. Ele me disse que eu estar me dedicando tanto assim a ajudá-la era imprescindível para uma melhora na condição dela. estar cercada de pessoas que cuidam dela era algo bastante positivo na condição atual do seu psicológico.

Eu estava lendo incontáveis artigos sobre estresse pós-traumático, o que ajudava, o que não ajudava, o que as pessoas próximas poderiam fazer ou não fazer para ajudar. Eu já tinha fumado quase duas carteiras de cigarro enquanto corria meus olhos pelos artigos variados. Quando eu finalmente achei um artigo falando sobre o quanto cães podiam ser um ótimo apoio emocional pra quem tem algum transtorno psicológico ou até mesmo o próprio estresse pós-traumático, eu sorri de felicidade.

— É isso! — Podia não ser a solução, mas toda ajuda era bem-vinda.

Ouvi batidas na porta e liberei a entrada, Filippo entrou com uma expressão esquisita em seu rosto, da qual eu não gostei nem um pouco. Franzi o cenho, estava meio em alerta para ouvir o que ele tinha a dizer. Tirei o notebook do meu colo e o coloquei na mesa lateral.

— Seu pai quer que você interrogue um capitão…

Levantei de supetão e perguntei animado:

— Acharam o outro capitão dos Delantera?

Vi meu primo engolir em seco e a sua reação chegou a me assustar, nunca vi ele daquele jeito.

— Um capitão nosso,

— Como? — perguntei, atordoado.

— Eu sinto muito.

— Quem é, Felippo? — Ele desviou o olhar e eu dei passos apressados em direção a ele, ficando perto o suficiente para obrigá-lo a olhar em meus olhos. — Quem é?! — berrei.

— Nero.

Arregalei meus olhos dando dois passos para trás e balancei a cabeça em negativo, aquilo não podia estar acontecendo. Nero cresceu comigo, com a gente, Nero era meu braço direito e tinha toda a minha confiança. Passei a mão pelo cabelo, ansioso, nervoso, sentindo meu coração batendo acelerado em meu peito.

Por que meu pai queria interrogá-lo?

Tentei respirar fundo, eu não poderia, eu não conseguiria interrogar ele, não ele. Nero era como um irmão para mim, assim como Filippo, sempre fomos nós três. Olhei para meu primo, que mantinha a cabeça abaixada, ele deveria estar tão mal quanto eu. No entanto, conhecendo meu pai, eu sei que ele não deu escolha para ninguém. Apenas ordens.

Saí do meu quarto ouvindo Felippo chamar meu nome, mas não me importei, desci a escada com pressa e entrei no único lugar que meu pai poderia estar. Abri a porta do escritório e Otelo olhou para mim com aquela expressão despreocupada. Percebi que deveria estar parecendo um lunático, a camisa aberta, pés descalços, cabelos bagunçados e o rosto cansado de quem não dormiu e passou o dia em frente ao computador.

— Precisa de ajuda com algo?

— Por quê? Me dê um bom motivo e eu não vou questionar.

Ele se recostou na cadeira, deu um gole em seu whisky e suspirou antes de falar:

— Sua irmã vai lhe mostrar.

Eu estava tão desorientado que nem mesmo vi Giulia ali, ela deu alguns passos enquanto mexia no tablet e o colocou apoiado na mesa, com a tela virada para mim. Minha irmã mexeu os lábios dizendo que sentia muito e assim que o vídeo começou, eu nem conseguia acreditar no que via. Meu corpo foi perdendo as forças até encontrar a poltrona, assim como minha boca entreabriu, chocado com o que meus olhos viam.

Nero e Carolyn conversavam de maneira incriminatória e de repente, começavam a se beijar e foi daí para pior. Abaixei o tablet, sem querer ver o restante.

— Como?

— Acreditamos que ele não sabia que tinha uma câmera no quarto de visitas e a noite ele ia até lá pra poder… — Giulia pigarreou e antes que conseguisse continuar, meu pai interrompeu.

— Comer a vadia.

Passei a mão pelo rosto, aquilo não podia estar acontecendo, ele não.

— Nem eu lembrava que tínhamos câmera no quarto em que Carolyn estava, mas nosso pai me pediu para acessar.

— E agora precisamos interrogar esse filho da puta!

— Eu não posso…

— Se não for você, será eu — ditou Otelo, fazendo eu arregalar os olhos ao olhar pra ele. — A escolha é sua.

— Preciso me recompor.

— Eu quero saber onde está aquele cretino! — Meu pai alterou o tom de voz. — Então aja como um Perroni, entre lá e descubra. Agora.

Engoli em seco minha frustração e acenei com a cabeça antes de deixar o escritório. Eu não conseguia acreditar no que estava acontecendo, quando eu achava que essa família não podia ficar pior. Encontrei Filippo no corredor e eu apenas acenei, e ele entendeu, claro. Abotoei minha camisa enquanto caminhava até o bar e servi uma dose dupla de whisky, virei garganta abaixo e comecei a dobrar as mangas indo em direção ao porão com meu primo em meu encalço.

Desci cada degrau sentindo a lajota fria em meu pé, a cada passo que eu dava sentia que meu corpo pesava ainda mais. Quando vi Nero amarrado e elevado pelo gancho onde costumavam ficar homens que ele me ajudava a interrogar, senti uma pontada no peito.

Aquele tipo de traição deveria ser proibida.

— Você me conhece o suficiente pra saber que isso não vai funcionar — disse, ainda de cabeça baixa.

Eu precisava me desligar, precisava desligar a parte do com coração, aquele que ainda olhava para Nero como alguém da família. Ele sabia de tudo, mesmo assim deixou essa mulher entrar na nossa casa e fazer tudo que fez. está aos pedaços por ter matado aquela mulher que merecia estar morta.

— Pelo jeito não o suficiente. — Dei mais alguns passos e levantei sua cabeça pelos cabelos, para poder olhar em seus olhos. — Achei que jamais me trairia, principalmente por uma boceta!

A raiva começou a subir pelo meu corpo, tomando cada pedaço e trazendo à tona o monstro que eu era dentro de uma sala de tortura.

— Carolyn era mais do que isso.

— Não fale o nome daquela vagabunda dentro da minha casa! — Soquei seu estômago com força, fazendo ele tossir.

O primeiro soco foi prazeroso. Esse foi por você, , o homem que a gente confiava nossa vida nos traiu e ajudou a te deixar como está agora e eu jamais vou perdoá-lo por isso.

— Você não vai aguentar quatro horas comigo, .

— Prefere meu pai? — Vi ele arregalar os olhos.

Por mais que não esperasse essa traição, eu conhecia ele muito bem para saber como deixá-lo aterrorizado. Nero pediu para sair do grupo de interrogatório do meu pai, aparentemente ele amava as torturas, mas não tanto assim, já que Otelo era um monstro bem pior do que eu quando ele queria descobrir algo. Meu pai tinha estômago para muita coisa e quase ninguém estava preparado para ver o que ele fazia. Se fosse uma tortura por vingança, com certeza ele era o melhor, sanguinário como nenhum outro, mas se fosse pra arrancar informações, eu com certeza sabia conduzir melhor para o inimigo abrir a boca.

Fui até a mesa onde ficavam os bisturis, facas, alicates e tantas outras ferramentas que serviam para torturar da pior forma que podíamos.

— Você está blefando.

Virei devagar, meus olhos ardiam, não sabia se de raiva ou se eu queria mesmo chorar e não queria fazê-lo.

— Carolyn fez um inferno na nossa família, eu mesmo a mataria se ela estivesse viva.

— Claro, a morte dela causou tanto a sua irmãzinha querida, não é mesmo?

Eu tentava entender de onde vinha aquele comportamento completamente oposto, parecia outra pessoa no corpo do meu fiel soldado, fiquei em choque com aquilo, mas meu primo não. Ouvi barulho de ossos quebrando quando Filippo acertou a costela de Nero com uma corrente enrolada em sua mão.

— Não ouse falar sobre minha prima, seu merda!

Aquela atitude completamente diferente da pessoa que eu conhecia me ajudou a tomar distância da relação que tínhamos. Não era ele, aquela pessoa que viveu tantos anos ao nosso lado não existia. Eu estava cansado demais, fechei os olhos por alguns segundos e respirei fundo. Eu precisava descobrir logo para dar a informação ao meu pai e sair dali.

— Poupe meu trabalho, Nero, e abre o bico. Onde está Carlos Diaz, Delantera, seja lá qual o nome desse infeliz?

— Não faço ideia. Meu sogro é um homem que some e volta quando quer.

Sogro?

Peguei o martelo e bati na lateral do joelho direito, o grito veio em seguida, mas não esperei ele se recuperar, acertei o osso do quadril ouvindo mais um berro sofrido sair de sua boca.

— Onde ele tem casa na Espanha?

Nero começou a rir, rir. Isso me deixou puto e ele sabia que me deixaria, ele conhecia todos os meus truques e cartas na manga. Talvez eu devesse deixar meu pai fazer isso, ele iria levá-lo à exaustão em 15 minutos e tudo seria descoberto. Entretanto, a verdade era que eu estava com pena, estava magoado, traído e me sentindo um idiota por ter confiado em alguém que estava me fodendo pelas costas há sabe lá quanto tempo.

— Melhor me matar logo, , eu não vou falar nada.

Eu não queria usar isso, não queria colocar ela nessa merda toda que Nero resolveu fazer. Ele tinha sido o pior tipo de gente comigo, um traidor da Vincere, mas ela não tinha nada a ver com essa história e nem muito menos com a vida dele. Só que eu sabia que ela era o único ponto fraco dele, a mulher que ele decidiu não amar para mantê-la em segurança.

— Nem que eu mate a Ginevra?

Ele ficou louco, o barulho da corrente que o segurava no gancho foi alto, demonstrando o quanto ele tinha ficado transtornado. Ginevra era o seu amor de infância, eles namoraram por algum tempo na adolescência, mas quando Nero entrou de cabeça na parte violenta da máfia, a melhor decisão foi dar um fim e se afastar da moça. Estar nesse meio era perigoso e alguém que você ama sempre vai ser algo que pode ser usado contra você, na máfia você não pode ter um ponto fraco.

— Não ouse! — Um grito gutural saiu de sua boca.

— Então abra a porra da boca!

Um silêncio pairou o ambiente, olhei de soslaio para Filippo que sentia a mesma dor que eu, era nítido o quanto estávamos odiando aquilo tudo.

— Ele deve estar em Sevilha — disse, simples, deixando sua cabeça pender.

Larguei o martelo no chão e me aproximei dele, esperando que me olhasse antes de dizer:

— Espero que tenha valido a pena. — Olhei para o meu primo e ditei: — Descubra o resto ou eu mesmo matarei a amada dele.

Saí do porão sem esperar por Filippo, eu não estava em condições mentais de fazer nada além de cumprir uma ordem. Dei passos largos até o escritório do meu pai para informar o que descobri e que Filippo descobriria o restante. Nem mesmo esperei sua resposta, subi a escada e me tranquei em meu quarto, tirei minha roupa a caminho do banheiro e entrei embaixo do chuveiro, abri a torneira no máximo e senti os pingos grossos baterem em minha pele, então pendi a cabeça pra trás deixando a água penetrar em meus cabelos.

Aquilo doía, ser traído, perder a confiança que você construiu durante anos, uma amizade que era uma irmandade; aquilo destruiu um pedaço de mim. Gritei, gritei com tudo que podia e soquei a parede. Apoiei meu braço na parede lateral e encostei minha cabeça, respirei fundo diversas vezes e resolvi que empurraria essa dor pra algum lugar.

Eu precisava cuidar da .





[...]





Alonso Perroni


Os dias eram sempre iguais, eram raros os dias em que eu tinha vontade de descer para fazer as refeições, então Marta trazia meu café da manhã, meu almoço e meu jantar. Ao mesmo tempo que me sentia um estorvo para todo mundo, eu dava o meu máximo todos os dias, mesmo que não fosse muito. Era pedir demais que em apenas 29 dias eu conseguisse me reerguer completamente. Não ia ser tão ingrata assim, eu tinha melhorado, meus episódios de surto tinham passado, meus pesadelos tinham me deixado e eu tinha voltado a ler. A leitura me ajudava bastante, já que me dava a oportunidade de sair um pouco da realidade dolorosa.

Eu não aguentava mais tudo aquilo, queria que em um passe de mágica eu estivesse bem.

Ouvi batidas na porta e às vezes eu desconfiava se era coisa da minha cabeça ou se realmente era real. Eu me questionava sobre coisas básicas e era difícil viver sem conseguir acreditar completamente nos meus próprios sentidos.

, posso entrar?

— Pode.

Vi surgir pela porta, ele estava com uma caixa quadrada grande e baixa em mãos e aquilo me fez franzir o cenho. Ele empurrou a porta para fechar com o pé e caminhou até a beirada da cama, fazendo com que eu me sentasse, curiosa. Esse era um sentimento que eu gostava, mas que com o TEPT tinha se tornado pura ansiedade. Contudo, quando eu estava com ele eu não me sentia ansiosa.

Não do jeito que me paralisava.

— O que é isso? — perguntei.

— Um presente pra você.

Ele colocou a caixa em cima da cama com cuidado e sorriu pequeno, olhando para mim parecendo esperar minha reação ao ver o presente, franzi o cenho achando tudo muito suspeito. De repente a caixa se mexeu, dei um sobressalto e fiquei de joelhos na cama.

— Eu juro que se for uma brincadeira…

— Abra logo. — Ele riu, divertido.

Abri a caixa devagar e quando vi aquela pequena bolinha de pelo, senti meus olhos encherem de lágrimas, puxei ele de dentro da caixa e pude ver melhor. Seu pêlo baixo, preto e marrom, os olhos castanhos e um lacinho roxo no pescoço. Abracei ele e senti as lágrimas escorrerem.

— Eu sei que o nosso pai nunca quis te dar um cachorro e também sei o quanto você sempre quis ter um.

… — olhei pra ele e, sem saber o que dizer, me estiquei, ainda de joelhos no colchão, para abraçá-lo — obrigada.

— Não precisa agradecer. — Senti sua mão apertar a minha cintura. — Eu vou fazer tudo pra te ver bem.

Eu sabia o quanto estava tentando me ajudar, eu tinha noção que ele estava se desdobrando para me ver melhor, tinha certeza que fazia coisas que eu nem mesmo tomava conhecimento do seu esforço. Toda nossa relação mudou da água para o vinho ano passado, foi uma montanha russa de emoções e eu ainda lutava com elas. Lutava todos os dias que acordava e o via dormindo todo torto no sofá do meu quarto, ou quando ele me repreendia por querer beber, ou quando ele tentava me tirar do quarto ou só me arrancar um sorriso.

Era difícil lutar contra isso.

Fui me afastando devagar e levantei meus olhos até os dele, senti meu coração pulsar tamanha era minha vontade de beijá-lo. Entreabri meus lábios, nossos olhos se mantiveram presos um no outro, senti aquele impulso maluco depois de tanto tempo. Sua mão queimava em minha cintura, que estava aparente devido a minha posição, e então o cachorro latiu, nos tirando daquela atmosfera carregada e deliciosamente proibida.

Meu corpo desabou em meus calcanhares e curvei os lábios tentando disfarçar, tentando fugir daquele momento constrangedor, e soltei o pequeno filhote no colchão e ele latiu de novo, como se me chamasse a atenção.

pigarreou e passou a mão pelo cabelo, ele sempre fazia aquilo quando ficava nervoso, franzi o cenho ao notar sua mão enfaixada.

— O que foi isso? — Tentei pegar na mão dele, mas ele a colocou atrás do corpo.

— Nada, me machuquei interrogando um Delantera. — Por que eu sentia que tinha mais que isso? — Tem que escolher um nome pra ele. — mudou de assunto.

— É macho?

— Sim, achei que combinaria mais com você.

— Théo seria um ótimo nome pra ele, não acha?

— Não temos mais 16 anos, .

— Mas a piada tem a mesma graça. — Olhei para o cachorro e perguntei: — Você gosta de Théo? — Ele latiu e sentou, me encarando, fazendo com que eu risse. — Viu? — Voltei meu olhar para novamente e ele estava sorrindo de um jeito tão genuíno. — O que você tem?

— Nada. Só… combina com ele. — Arqueei uma sobrancelha, estranhando aquele comportamento.

— Você vai ter que comprar coisas pra ele, — falei, preocupada.

— Não se preocupe, já comprei tudo que ele precisa por enquanto e, caso queira algo, podemos sair para comprar. — Eu sabia que era ele tentando me tirar de casa, e eu sentia que eu estava cada dia mais próxima de querer tentar, mas não agora.

— Eu não… — Engoli em seco.

— Ou você pode pedir pela internet. — Ele me interrompeu antes que eu pudesse continuar.

— Essa parece ser uma boa opção. — Curvei os lábios.

— Mas você vai precisar levar ele pra passear no jardim pelo menos.

— Tudo bem, isso eu posso fazer. — Peguei o cachorro no colo novamente e beijei o focinho. — Ele é tão lindo! — Quando olhei para , ele já estava na porta.

— Falei que combina com você. — Ele piscou o olho, sorrindo antes de sair e fechar a porta.

— Idiota — falei baixo, rindo, enquanto acariciava o focinho de Theo.



[...]



Os primeiros dias de Theo comigo foram cansativos, ele chorava querendo subir na cama de madrugada. Ele mijou no meu edredom 3 vezes, derrubou a água no carpete 6 vezes, mijou no tapetinho do banheiro 7 vezes, duas delas no tapetinho certo, além de ter me mordido e arranhado diversas vezes. No entanto, eu estava sentindo uma felicidade que me faltou em tantos outros dias.

Na primeira vez que levei ele no jardim eu vi Filippo conversando de um jeito esquisito com , mas sempre existiram segredos naquela casa, então eu nem me importei. Eu finalmente estava me sentindo bem depois de um bom tempo e não ocuparia minha cabeça com as merdas da Vincere. Brinquei com o bichinho todos os dias, Theo adorava uma bolinha e morder meus cabelos, se eu deixava meu cabelo solto, Theo lutava contra meus fios ruivos puxando-os com toda a força.

Hoje, quando acordei, tomei café da manhã no jardim, fazia tanto tempo que eu não fazia as mínimas coisas que eu gostava por estar tão mal. Theo pedia atenção quase 24 horas e o jardim era o lugar favorito dele, então eu fui obrigada a passar mais tempo ali e eu nem reclamava, isso era um ponto positivo na minha recuperação. sentou à mesa, logo em minha frente e deu bom dia, fez carinho no cachorro e se serviu de café. Continuei comendo e de olho no filhote, ele aprontava quando eu o perdia de vista.

— Ele está se comportando?

— É apenas um filhote, vai aprender com o tempo a ser um bom menino. — Passei a mão em Theo, que tentava puxar a toalha da mesa. — Não é, Theo? — Ele latiu, como se confirmasse.

— Para alguns isso funciona. — bebericou o café e me olhou com um sorriso despretensioso.

— Alguns não querem ser, é diferente. — Revirei os olhos.

— Com a dona certa eles aprendem.

Soprei o ar pelo nariz e dei um gole em meu suco, chamei Theo e fui sentar na grama próxima da piscina. Eu não iria acabar com meu dia discutindo com ele, mas não entendeu que eu queria ficar longe dele e se juntou a nós. Entretanto, ficou calado, o que foi inusitado, ele brincou um pouco com o filhote, porém parecia que não estava presente, e podia ser impulsivo, mas nunca foi avoado ou desligado dessa forma.

Algo estava acontecendo.

Eu até iria perguntar, mas Marta apareceu me chamando, dizendo que eu tinha visita. Engoli em seco e minha respiração ficou descompassada, senti minha garganta fechando e meu peito doía, crise de ansiedade instantânea. Eu odiava aquilo.

— Ei. — Foquei minha vista em , que segurava meu ombro e sorria minimamente. — Está tudo bem. Quer que eu vá com você?

— Sim. — Nem mesmo pensei se era uma boa ideia, mas peguei Theo no colo e levantei. Olhei para e respirei fundo, fechei os olhos e puxei o ar devagar pelo nariz uma, duas, três vezes e soltei pela boca.

— Eu vou estar aqui. — Abri os olhos acenando com a cabeça e caminhamos para dentro de casa devagar.

! — Meu coração se acalmou assim que vi Giovanna, ela correu e me abraçou. — Que bom que está bem. — Ela se afastou e bufou antes de continuar: — Por que não queria me ver? Eu estava preocupada!

— Eu… eu… — Engoli em seco e olhei para em um pedido de ajuda mudo.

— E essa coisinha linda! — Gio acariciou o filhote e sorriu.

— Giovanna, tente ser menos… — repreendeu a minha melhor amiga que o olhou de cenho franzido, então ele continuou: — você.

— Como é? — Ela cruzou os braços, irritada.

foi me empurrando para subir a escada e Giovanna veio atrás, reclamando um monte, céus, desde que ela finalmente caiu na real que amava o Vince, se tornou um qualquer. Entramos em meu quarto e a loira ainda esperava uma explicação. Eu nem sabia por onde começar, eu não deveria ter protelado tanto para conversar com a minha melhor amiga. No entanto, eu não conseguia conversar com ninguém, nem mesmo minhas irmãs entendiam muito bem como eu estava.

Era complicado.

está passando por um momento que…

— Não quero ouvir de você, . — Ela se voltou para mim e sentou ao meu lado na cama, assim que ela tentou acariciar meu ombro, eu me afastei por reflexo. — O que houve?

— Quando foi que a minha autoridade nessa máfia deixou de existir? — Ela encarou como se nada que ele dissesse pudesse frear sua língua e ele suspirou. — Se você deixar eu falar, Coppola… está me tirando do sério. — Gio respirou fundo e cruzou os braços em frente ao peito. — está em recuperação, ela precisa do tempo dela.

— Recuperação do quê? — Gi me olhou com os olhos saltados e perguntou: — Você se machucou?

— Eu machuquei alguém, Gi.

— Quer que eu saia, ? — indagou e eu balancei a cabeça em negativo. — Talvez seja bom conversar um pouco com a Giovanna…

— Não sei se… consigo.

— Consegue sim… Eu… — Ele pareceu procurar uma desculpa — vou fumar ali na varanda, estarei ali, é só me chamar… — sorriu solícito antes de nos deixar a sós.

Tomei fôlego, larguei Theo no chão e comecei desde o momento que Beatrice descobriu que Carolyn era uma infiltrada, de quando surtei com a mulher que apareceu na boate dizendo ser minha mãe, ocultei algumas informações já que eu não estava preparada para ouvir as perguntas sobre elas. No entanto, a parte em que tinha me ajudado e que seguia ao meu lado eu não podia deixar de fora. Ele tinha sido e continuava sendo uma parte importante da minha recuperação, no entanto, era só isso que eu diria sobre ele.

— Eu não sei o que dizer, .

— Não tem muito o que falar, Gi, eu estou fazendo o que posso pra ficar bem. — Acariciei minhas mãos e olhei para a porta da varanda, vendo encostado no parapeito, fumando. — Tenho tido a ajuda necessária… — Voltei a olhar para Giovanna, que mantinha um semblante de afago.

— Estou um pouco surpresa de o ser quem esteja te ajudando… — sussurrou ela.

— Eu também fiquei…

— Você sabe que pode contar comigo e com o Vince. Ele também queria ver você.

— Diga pra ele que vou ficar bem e que logo ele estará fazendo martinis pra mim.

— Falando nisso… Quando você volta?

— Não sei, Gi, não me sinto pronta pra sair de casa ainda. — Mordi o lábio, baixando os olhos e voltei a olhar pra ela tentando sorrir. — Mas me conte, como está tudo?

— Estou pra jogar tudo pra cima. Beatrice precisou voltar pro laboratório, os cozinheiros estão me enlouquecendo e fiquei uma semana com um barman a menos, Juan pediu alguns dias de folga…

— Mas ele já voltou?

— Sim, foi só uma semana, mas estou sem você, não é?

— Não sei quando volto, Gi, consegue dar conta?

— Sempre.

Sorri pensando que eu sempre teria pessoas ao meu redor que fariam tudo por mim, sou sortuda por isso.
Alonso Perroni




Eu ainda tinha uma certa dificuldade com interações sociais no geral e a única pessoa que eu conseguia conversar e me sentir minimamente confortável era , o que eu achava bem estranho. Afinal, a última pessoa que eu gostaria de ver era ele, ou deveria ser, a essa altura do campeonato eu nem sabia se ainda o odiava. Contudo, eu sabia que odiava o quanto ele era insistente quando queria, já que depois de muito encher o meu saco, conseguiu me arrastar para a nossa casa de campo. Fiquei os primeiros dois dias sem sair de dentro da casa, conseguiu me tirar dela com a desculpa de que Theo precisava de ar livre. Por mais que eu soubesse que era uma desculpa, ele estava certo.

Theo se divertiu correndo atrás dos coelhos pelo caminho até a cachoeira, aquela que tinha um significado enorme pra mim e lembranças infinitas das férias de verão com minhas irmãs. Era nostálgico e me fez esquecer por alguns momentos toda aquela merda, tomamos banho na água gelada, comemos frutas da cesta que a cozinheira tinha preparado e conversamos sobre coisas irrelevantes, tinha se tornado confortável conversar com ele. Quem diria que eu estaria assim com , nem em meus piores pesadelos a gente se daria tão bem e se meu pai visse isso, era capaz de achar que era uma miragem ou alucinação.

Ele estendeu duas toalhas na grama fofa e sentou encostado na árvore, e eu me deitei na outra toalha apoiando minha cabeça em sua coxa. Olhei pra cima admirando o topo das árvores, balançando com o vento, os raios de sol que passavam entre as folhas e ouvir o barulho de água corrente era um calmante natural. Respirei fundo fechando os olhos, aproveitando aquele minuto de paz diante do caos que estava minha vida.

— Queria que as coisas se resolvessem, mas não tenho certeza se vão — disse com pesar, olhando para ele, que acendia um cigarro.

— E tá tudo bem não ter certeza, . — Fechei os olhos novamente e respirei devagar sentindo os dedos de deslizando pelos meus fios molhados. — Um dia de cada vez.

— Odeio não ter o controle da minha vida, da minha própria mente… — suspirei.

— Não seja tão rígida com você mesma. — Ele colocou o cigarro que fumava em meus lábios e o segurei com os dedos abrindo os olhos, puxei a fumaça para os pulmões sentindo a nicotina me dar uma rápida sensação de relaxamento. — Você está fazendo terapia, tá tomando os remédios, você vai ficar bem.

— Mas eu nunca vou esquecer o que eu fiz.

— Precisa ressignificar o que fez, lidar com esse sentimento de negação, está feito e não foi algo ruim. Protegeu a família.

Ri sem qualquer humor e olhei para cima, vendo o olhar soturno sobre mim, era nítido o quanto ele me queria, o quanto tínhamos nos aproximado de novo depois de tudo que aconteceu. era o único que me passava segurança naquele momento de fragilidade, ele era a pessoa com quem me sentia bem em conversar e não sabia bem o motivo, mas ele me entendia, tinha a sensação de que ele podia tirar dia após dia um pouco da dor que eu sentia.

— É tão difícil lidar. — Traguei o cigarro mais uma vez.

— Eu sei, mas você está tentando e isso é o que importa. — Sua mão seguia acariciando minha cabeça.

— Você tem me ajudado também, fazia muito tempo que não sabia o que era não ficar tensa.

— Tenho algumas ideias pra você relaxar…

Senti seus dedos descerem pelo meu pescoço, passarem pela lateral do meu seio, lento, raspando em minha pele de maneira libidinosa, fechei os olhos e puxei o ar de maneira pesada, aproveitando o toque em minhas costelas, onde ele virou a mão, tomando posse da minha barriga com sua palma. Senti o cigarro escorregar dos meus dedos caindo na terra e olhei para baixo vendo as tatuagens, os anéis que ele sempre usava nos dedos, e senti algo que não deveria bem no meio das minhas pernas.

Segurei a mão dele.

Fechei os olhos e soltei o ar.

— Não podemos. — Levantei do colo dele e virei meu tronco para encará-lo. — Você sabe que não.

— Estamos só nós dois aqui, . — Ele olhou para os lados, mostrando todo aquele lugar. Ele se aproximou de mim, segurando a minha nuca, agarrando alguns fios de cabelo, e um arrepio percorreu minha espinha fazendo eu engolir em seco. — Vamos esquecer quem somos por um momento — sussurrou em meu ouvido.

Estávamos ali naquela cachoeira onde eu aproveitei tanto quando era criança e que agora, eu e ele, estávamos ali, tomando banho e curtindo o dia a sós, algo que nunca imaginei fazer. Os quilômetros de terra que nos pertenciam não apareceria ninguém naquele momento, e olhando àqueles olhos negros eu tomei a decisão idiota de beijá-lo.

De me afundar ainda mais naquele desconhecido que a cada momento parecia tão certo.

De me arriscar na profundeza que seria aquele problema caso alguém descobrisse.

De me buscar novamente, àquela parte de mim que o apreciava de uma forma que não deveria.

— Não podemos nos entregar a isso, é perigoso, — falei com meus lábios entre os dele, de olhos fechados, sentindo aquele turbilhão de sensações que corria sem parar pelo meu corpo inteiro.

Os lábios ainda encostados, as mãos acariciando meu rosto e a respiração calma, como se eu buscasse um autocontrole que eu já tinha ignorado completamente.

— Perigoso sou eu viver sem você, cariño.

Ele me puxou pela cintura, me colocando em seu colo, fazendo com que eu sentisse sua ereção bem na minha entrada, que mesmo pelo calção dele e meu biquíni eu sentia o volume. Aquilo era errado de tantas formas, mas ao mesmo tempo meu corpo reagia aos toques dele como se fosse a coisa certa. Gemi jogando a cabeça para trás enquanto ele apertava minha bunda e lambia meu pescoço. Arranhei suas costas, em um pedido mudo pra que aplacasse meu tesão, então senti o laço da parte de cima do biquíni ser desfeito e liberar meus seios, ele chupou meu mamilo direito, e sua mão apertava o esquerdo na medida certa pra me enlouquecer.

Gemi mais alto quando senti seus dentes em meu seio, ele me pegou pela cintura e me deitou na toalha como se eu não pesasse nada. Beijou meu pescoço, meu colo e desceu para minha barriga, então eu segurei ele, que me olhou confuso. voltou devagar ao meu pescoço, beijando e mordendo de uma maneira que me deixava inebriada. A minha respiração era cada vez mais rápida, minha boca entreabriu, eu gemia sem controle algum, mas então eu abri os olhos de repente e minha razão me atingiu. Espalmei minha mão em seu peito, minha respiração descompassada e sentindo minha língua inquieta, querendo tanto continuar a beijá-lo. Então ele olhou nos meus olhos, engoli em seco tendo os escuros lendo a minha alma através das minhas íris e virei minha cabeça mordendo o lábio, sentindo que eu estava completamente entregue a ele ao mesmo tempo que a sobriedade tinha retornado e colocado juízo em mim antes que fosse tarde.


Acreditava que ele tinha entendido, pois ele apoiou a testa em meu peito, respirou algumas vezes, como se tivesse tentando se acalmar. Mordi meu lábio com ainda mais força e meu coração estava aos poucos desacelerando. soltou o ar com força e saiu de cima de mim levantando, deu alguns passos e mergulhou na água gelada. Coloquei o braço sobre meus olhos e fiquei ali deitada, tentando absorver o que quase fizemos. Senti vontade de chorar, senti até uma lágrima deixando meu olho, mas eu não queria tentar entender o porquê, pelo menos não ali, não naquele momento.


[...]



5 meses depois

Eu estava sentada na cama da Beatrice, tentando ouvir o que ela falava, mas era difícil me concentrar com aquela merda daquela cena voltando à minha mente diante do lugar em que ela aconteceu. Depois de tanto tempo sem um gatilho, aquilo foi o suficiente pra me desestabilizar momentaneamente.

— Fecha a porta, por favor. — virei o rosto para a varanda.

— O que?

— A porta do closet, Beatrice!

Ela levantou e fechou as portas duplas, virou para mim e suspirou antes de falar: — Desculpe, eu deveria ter ido até o seu quarto. Quer ir pra lá?

— Não, tudo bem, preciso superar isso, já fazem quase 6 meses. — Ela sentou ao meu lado e segurou minha mão.

— Não se force a superar algo no tempo dos outros, , vá no seu. — O olhar carinhoso da minha irmã me deixava menos nervosa e eu agradecia pelo cuidado que todas elas tinham comigo.

— Apesar de estar me sentindo melhor, Bea, isso ainda me atormenta em alguns momentos… — Respirei fundo.

— E tá tudo bem, não se cobre tanto — minha irmã acariciou meu braço —, a terapia tem te ajudado a passar por tudo isso. — Ela soltou o ar e sua voz se tornou um pouco mais incisiva. — Você tem que colocar na sua cabeça que você nos protegeu. Ela poderia ter matado uma de nós!

— Eu sei, agora eu sei. — Soltei meu corpo na cama e encarei o teto, Beatrice fez o mesmo e entrelaçou seus dedos nos meus.

Ficamos em um silêncio confortável, todo o trauma tinha sido um baque pra mim, me ajudou muito, ele me passava segurança e fazia com que eu me sentisse compreendida. Eu não sabia exatamente o porquê, mas deveria ser pelo fato dele ter me salvado quando fui atacada por aqueles homens e também tinha sido ele ao me encontrar no pior momento da minha vida, naquele mesmo quarto, ele me protegeu e foi o meu alicerce nos meus momentos de fragilidade.

Acho que ele se tornou meu amparo, mesmo que eu odiasse admitir isso.

A verdade era que durante o início, que foi o momento mais crítico, o único que conseguia interagir comigo era o , as minhas irmãs não souberam muito como lidar comigo, apesar delas tentarem, foi muito sofrimento pra todas nós. Eu estava assustada, tendo ataques de pânico, surtos psicóticos e alucinações. Com o tempo eu fui melhorando, meu psicólogo disse que eu estava progredindo rápido, talvez seja por que estou acostumada com a morte, afinal, eu era da máfia. Então por mais que isso tudo tenha me gerado um trauma por causa de como eu penso, a afinidade com a violência me fez superar mais rápido de alguma forma.

Theo também teve um papel imenso nos últimos tempos, ele cresceu tão rápido, segue sendo um filhote levado de 4 meses, mas ele está enorme. pediu para um adestrador treinar ele, tanto pra ser obediente, quanto para me proteger também. Isso tem feito eu me sentir mais segura para sair de casa.

— Então, você aceita? — Olhei para o lado e vi minha irmã com a expressão mais meiga que ela conseguia exibir.

Beatrice tinha aquele jeito durão, a mania de ocultar algumas coisas, a forma de olhar irritada e ser o suficiente para entendermos que ela não está pra conversa. Contudo, ela seguia tendo um coração enorme e continuava sendo a irmã mais protetora de nós. Tão parecida comigo e ao mesmo tempo tão diferente, se não fossemos irmãs eu ficaria tão abalada.

— Claro que eu aceito ser sua madrinha de casamento, Beatrice. — Ela me abraçou forte e eu me senti tão… em casa.



[...]



Era difícil voltar para a rotina, meu psicólogo tinha me aconselhado a voltar para o trabalho aos poucos, então eu estava indo para Fascino no máximo duas vezes na semana e mesmo assim, só ia nos dias de poucos movimento e quando me sentia bem e segura para sair de casa, e claro, com Théo ao meu lado.

Ainda não tinha voltado a dirigir, eu estava indo com a Beatrice, que insistiu para voltar a Fascino pra cuidar de mim, ou quando ela precisava ir para o laboratório, Ettore e Austin me levavam. Era estranho, mas ao mesmo tempo isso me deixava mais confiante para sair novamente e encarar tudo que poderia servir de gatilho. Ainda não estava 100%, mas estava me dedicando para ficar e claro, a terapia me ajudava.

— Chefe. — Olhei e vi Cristian fazendo continência para mim.

— Pode parar, Cris… Em breve seremos família. — Fiz o movimento com o indicador e sentou ao meu lado.

— Isso me dá direitos, é? — Ele debruçou no balcão e colocou meu martini de costume em sua frente. Sorri revirando os olhos e sentei na banqueta. — De quais direitos estamos falando? — Ele me olhou de cima a baixo com um sorrisinho safado no rosto.

— Não abusa, Cristian. — Repreendi ele com o olhar pegando minha taça.

Cris olhou para o cachorro e se esticou para passar a mão nele perguntando: — Como tá, garotão?

— Impressionante como ele adora você.

— Ele sabe que eu já sou da família. — Ele sorriu com falsa arrogância.

Dei um gole em minha bebida e fechei os olhos saboreando o líquido em minha língua e senti ele descendo pela minha garganta. Eu não podia estar bebendo, aquilo me daria um mal estar ou faria eu ficar extremamente dopada, mas enfrentaria qualquer coisa com o maior prazer, pelo simples motivo que eu não bebia nada alcoólico há quase seis meses.

— Fazia tempo que não te via fazendo isso…

— Isso o que? — franzi o cenho para o ruivo.

— Sua forma de degustar a bebida, . — Ele sorriu e se endireitou.

— Tempo demais sem meu martini.

— Aproveite. — Ele piscou e virou as costas indo até o fundo do bar.

Cristian tinha essa característica afetuosa, ele sempre me fazia sentir como uma pessoa especial, acho que ele acabou ficando com essa característica no seu comportamento pra sua irmã se sentir melhor, já que ele era a única família que ela tinha. Os Garcias, pais de Anita e Cristian, eram nossa fonte de informações na Espanha, eles ajudaram a trazer a Vincere pro país, meu pai sabia o quanto devia a eles por tudo que fizeram e morreram fazendo.

Cristian e Anita eram muito jovens quando ficaram órfãos, outro problema de ser da máfia, e ele cuidou da irmã como ninguém. Otelo os abraçou na famiglia após seus pais morrerem em confronto com os Delantera, o que os ajudou a ter alguém amparando eles, mas claro que não era o mesmo que ter o irmão ao seu lado e esse conforto que um deu ao outro os fez construir uma relação linda; eu os admirava. Era bonito de ver a relação dos dois e eu estava feliz que iríamos ser oficialmente família.

Girei na banqueta e vi Anita sentada no palco e Beatrice em pé entre suas pernas, as duas conversavam, riam e se beijavam. Era tão bom ver minha irmã feliz.

— Boa noite, chefe. — Olhei para frente e vi Juan, sorri pra ele, cumprimentando-o.

— Vamos ao trabalho, sorella?

— Sim! — Ela se afastou de Anita e pareceu meio perdida, parecia uma criança que foi pega fazendo algo errado. Ela pegou a bolsa e veio caminhando em minha direção. — Vamos! — Eu ri com o susto da Bea e apenas segui caminho chamando Theo para andar ao meu lado.

— Precisamos finalizar o novo cardápio, Cristian está louco para saber se os drinks que ele sugeriu vão ser bem recebidos pelo público.

— Meu cunhado é um fofo, não é?

Subimos para o escritório e começamos a fazer a parte administrativa da boate e essa parte da reorganização estética, de vez em quando eu olhava para Beatrice, que mantinha um sorriso idiota no rosto. Eu sorri, achando graça da felicidade genuína que ela estava transparecendo sem nem mesmo se importar. Faltava poucos dias até o casamento, então eu achava que ela deveria estar mais preocupada, mas não, ela só estava feliz.

Meu celular despertou, e meu filhote me olhou em alerta, balancei a mão dizendo pra ele deitar novamente. Desliguei o alarme e então abri a gaveta para pegar um dos remédios que eu estava tomando para ansiedade, engoli e respirei fundo. Nunca imaginei que eu estaria naquela situação, era difícil me ver tão fragilizada, logo eu que gostava de não precisar de ninguém para me defender ou lutar as minhas batalhas.

Era frustrante.

— Ei… — Olhei para minha irmã, que sorria de maneira gentil. — Isso vai passar.

Meus lábios se curvaram, Bea me conhecia bem demais para não notar o quanto eu estava odiando aquele momento da minha vida, no entanto, isso não queria dizer que eu iria desistir ou parar o tratamento.

— Eu sei. Obrigada por estar ao meu lado. — Ela acariciou minha mão, que estava apoiada na mesa.

— Lembra quando a gente caiu do gira gira na quinta série?

— E você ralou os joelhos? — Ela assentiu. — Acho que foi a primeira vez que vi você chorar.

— Você também se machucou feio, bateu a testa no ferro do balanço.

— Nossa, fiquei com aquele galo por dias… — comecei a rir.

— E mesmo assim você continuou com a mesma postura e ainda cuidou de mim. — Olhei para ela tentando entender onde ela queria chegar. — Foi ali que comecei a me espelhar em você.

— Bea… — Senti um amor imenso me tomar e uma lágrima teimosa deixou meu olho, fazendo com que eu limpasse rapidamente.

— Não importa o que aconteça, , você sempre dá conta. — Ela sorriu e eu agradeci imensamente por aquele gesto. Eu estava frágil, mas isso não queria dizer que eu deixei de ser forte. Aquilo tudo iria passar e eu ficaria bem.

Com ou sem remédios.


[...]


Eu voltei a treinar, agora sozinha, e de manhã cedo eu tentava meditar no jardim, no começo Theo não deixava, puxava meu rabo de cavalo, latia para eu jogar a bolinha pra ele, mas agora ele entendia que era um momento de relaxamento e deitava com a cabeça na minha coxa pra esperar eu terminar. Era fofo. Ele virou meu companheiro para todos os momentos, me protegia de tudo e de todos, mesmo que ainda fosse tão jovem. O treinamento dele era rígido, mas era necessário, eu entendia que pegou um doberman justamente para que também fosse meu segurança.

De novo ele querendo me proteger a todo custo.

Levantei e entrei na academia, coloquei as luvas e comecei a acertar o saco de areia, naquele dia eu acordei animada, o que já era um marco naquele ponto da minha vida. Nos últimos dias eu sentia que eu estava mais próxima de ser eu mesma novamente e aquela sensação era tão boa. Olhei pra fora da academia, vendo a piscina que ficava na parte de trás da casa e sorri. Encarei o Theo e ele deu um rosnadinho como se soubesse o que eu estava aprontando em minha cabeça.

— O que você acha… — comecei a tirar as luvas — de pular naquela piscina? — Tirei os tênis e as meias com pressa, e meu cachorro, esperto do jeito que era, já levantou e ficou a postos para meu próximo passo. — Vamos, Theo!

Saí correndo em direção a piscina e pulei, meu filhote veio pra cima de mim e eu segurei ele em meu colo.

— Eu não queria me molhar… — Olhei para a beirada da piscina e vi de braços abertos. Ele estava apenas de short e óculos escuros, deitado em uma das espreguiçadeiras, eu nem mesmo vi que ele estava ali.

— Desculpe…

Theo latiu duas vezes e foi para a parte que cobria apenas até a metade de suas patinhas, onde estava, e ele começou a se sacudir. Eu comecei a gargalhar quando vi meu cachorro molhar ele ainda mais e quando menos esperei ouvi o barulho de água. Olhei para os lados e de repente senti ser erguida da água.

— Ah! — gritei com o susto. — Me solta, ! — Eu continuava rindo e batia no ombro dele.

— Não estava achando graça?

— Não fiz de propósito… — fiz bico enquanto me equilibrava em seus ombros.

— Mas o seu sarnento fez, com quem será que ele aprendeu a ser tão… — Ele pareceu ponderar e eu espremi meus olhos esperando o xingamento — cheio de personalidade.

— Esperava mais da sua criatividade — falei com falsa arrogância.

— Não me provoque, cariño.

Ele mantinha os braços em volta das minhas pernas e foi me descendo pra água novamente, eu ia escorregando rente ao seu corpo bem devagar, ele olhava fundo dentro dos meus olhos e sua boca ficava cada vez mais próxima da minha. Lembrei da cachoeira, dos toques, do beijo e senti meu corpo esmaecer.

Aquilo era uma tortura.

Assim que nossos olhos ficaram na mesma altura, senti minha respiração falhar e minha mão apertou seu ombro involuntariamente, como se eu tentasse lutar ao máximo pra não findar aquele distância infeliz de nossas bocas. Senti como se meu corpo se movesse sozinho em direção ao dele, quase que como dois imãs prestes a se chocar, e talvez nós fôssemos mesmo, parecia inevitável lutar contra a força magnética que nos puxava um para o outro. Entretanto, precisávamos ter o controle dos nossos próprios corpos, eu sabia que não podíamos, mas antes que eu fizesse qualquer coisa ouvimos o grito.

!

Olhamos ao mesmo tempo para o lado, vendo nosso primo Filippo parado, olhando a gente com tamanho julgamento estampado em sua cara. me soltou no mesmo momento e foi até a borda para sair da piscina, enquanto eu nadei até onde Théo estava e fiquei ali sentada com os joelhos dobrados, acariciando meu cachorro e vendo os dois se distanciando até entrar na mansão.

Aquilo tudo era uma merda, essa atração que eu tinha por , que claramente não era só da minha parte, não dava para ser explicada, e sim sentida. Todos esses meses conversamos sobre outras coisas com o elefante no meio da sala. Eu sentia que era algo maior que nós dois, uma coisa sem explicação, não podia ser só atração, mas era nisso que eu tinha escolhido acreditar.





Perroni

— Você perdeu o juízo?!

Entrei em meu quarto pingando água da piscina e meu primo gritando em meu ouvido, eu sabia, tinha sido displicente pra caralho, mas porra, estava me levando a loucura com aqueles olhos me dizendo mais do que sua boca poderia dizer.

Ela ia me beijar!

Por mais que depois do que aconteceu na casa de campo nós simplesmente seguimos como se nada tivesse acontecido, o que sentíamos ainda estava ali, nos rondando, como se fosse uma raposa, prestes a atacar sua presa.

— Não sei do que está falando. — Entrei embaixo do chuveiro e Filippo me seguiu.

— Vocês estavam quase se beijando, , e se fosse Otelo a aparecer?!

— Nada aconteceu.

— Por que eu cheguei! — berrou o óbvio, ele estava certo, mais dois segundos eu tinha beijado ela, nem sei há quanto tempo eu quero beijá-la de novo. Nem sei como estou tendo tanto autocontrole. — Está tentando perder a cabeça?

— Talvez fosse melhor.

— Não fale bobagens, distancie-se dela, ela está bem agora. — Continuei lavando meu cabelo de olhos fechados até que ouvi a batida no box, fazendo eu arregalar os olhos. — Olhe pra mim! — Meu primo estava puto de verdade, eu nunca vi ele daquela maneira e tinha um motivo, eu sabia que ele estava certo, mas meu corpo não queria ser racional. — Enterre esse sentimento dentro de você como fez na adolescência, é o melhor pra vocês dois.

Engoli em seco e o vi saindo do banheiro, respirei fundo e apoiei minha mão na parede tentando controlar toda aquela energia elétrica que parecia correr pelas minhas veias. Era assim que me deixava, completamente alucinado por ela. Contudo, ia tentar fazer o que era certo, precisava proteger não só ela, mas a mim também.

Desci a escada após me vestir apropriadamente e encontrei todos já sentados a mesa, o almoço estava sendo esquisito, meu pai olhava pra mim como se soubesse de algo e aquilo alarmou todos os meus sentidos. Olhei para , que mantinha seus olhos no filhote deitado ao seu lado. Os cabelos molhados escondiam seu rosto levemente queimado do sol, as sardas sobressaltadas ficavam lindas contrastando com os olhos verdes. Fechei os olhos me repreendendo por estar admirando ela em plena mesa de almoço e continuei comendo, ela ia acabar com minha sanidade, eu precisava parar de olhá-la dessa forma.

Virei para o lado e vi que Otelo mal olhava para , eu não entendia o porquê dele não dar o apoio que ela precisava, ele sempre foi distante, mas nunca deixou de ser carinhoso com as filhas. Faziam quase 6 meses que ele não saía da Espanha, estava sempre por perto, isso era um recorde pessoal, mas ao mesmo tempo parecia que nem estava ali. Tudo que me vinha na cabeça era que ele queria ficar perto de , mas não se atrevia ou não sabia como conversar com ela sobre o ocorrido.


[...]




Eu estava sentado naquela mesa do Monteros, bebendo whisky, por tempo demais. Os soldados jogavam qualquer jogo de baralho na mesa ao lado e eu analisava cada um deles, qualquer um poderia ser suspeito, e meu primo mexia no notebook em frente a mim. Eu não tinha mais paciência pra caçar um filho da puta traíra dentro da minha própria casa. Eu queria achá-lo e acabar com a raça dele da forma mais devagar possível, ninguém entra na minha famiglia dessa forma e sai impune.

— Giu me enviou algumas imagens, mas não vi nada de estranho.

— Estou cansado, Filippo. Cansado de procurar agulha em um palheiro. — Bebi o último gole do meu copo e levantei, recebendo olhares atentos dos outros. — Podem descansar, eu vou pra casa.

Estávamos no subsolo do nosso restaurante há longas horas, eu queria aproveitar o sol lá fora e ter um pouco de paz, coisa que ultimamente não fazia parte da minha rotina. Subi a escada com meu primo em meu encalço e passei pelo restaurante, acenei para os funcionários e saí pela porta da frente sentindo o sol em meu rosto.

— Primo, deveríamos tentar olhar os mais antigos também. — Filippo abriu a porta do carro e eu parei para olhar para ele.

— Você desconfia de alguém?

— Não, mas… nunca se sabe, todo mundo tem um preço. — suspirei e vi ele dando a volta no carro para entrar pela outra porta.

— Não quero pensar nisso agora, vamos pra casa, Túlio — falei para o novo motorista, assim que meu primo entrou, e o soldado deu partida no carro.

Entrei em casa pela porta principal e vi através das portas de vidro do fundo o cabelo vermelho reluzente. A Beatrice também tinha o cabelo vermelho, mas sempre estava preso, além dela ter compulsão por deixá-lo liso e o de , bom, quase sempre solto e com algumas ondas nos fios, quase sempre ela usava ele natural. Além de que, aquelas tatuagens eu reconheceria a quilômetros. Caminhei mais um pouco pelo salão principal, até chegar a varanda, vi ela deitada na espreguiçadeira e o Theo deitado ao lado dela. Sorri, feliz por ela estar ali, vivendo e fazendo coisas que ela gostava, vi a mão dela afagar os pêlos marrons do cachorro e ele sacudir o rabinho, mesmo sem sair de sua posição.

Corri os olhos pelo jardim e vi Carlo e Angelo, soldados nossos que faziam a segurança da casa, conversando, franzi o cenho e vi eles olharem diretamente pra ela com aquele olhar que qualquer homem saberia interpretar. Automaticamente meu sangue ferveu dentro das minhas veias, mantive minhas mãos dentro dos bolsos da calça e caminhei lentamente até o outro lado do jardim, perto da entrada pra cozinha e assim que eles me viram, ficaram sérios e se endireitaram.

— Não querem me contar sobre o que estavam conversando? — Sentia minha raiva bombear muito sangue e meu corpo pegar fogo.

— Não era nada importante, chefe. — Os dois olharam para o chão.

— Sei bem o que vi… Vocês tem sorte que não estou podendo matar homens de confiança no momento — dei dois passos, aproximando-me dos dois e falei baixo entredentes: —, mas caso façam o que estavam fazendo de novo, será um prazer arrancar os olhos e a língua dos dois.

— Sim, senhor — responderam em uníssono.

Olhei para trás e vi que estava alheia ao que estava acontecendo e que se mantivesse assim, afinal, ela não gostava quando eu era impulsivo.
Alonso Perroni
Eu só queria um vestido florido pra combinar com o calor que estava fazendo lá fora, mas claro, eu não tinha nenhum, todos os verões era a mesma coisa: eu roubava do closet de uma das minhas irmãs. Normalmente era o de Beatrice, ela tinha um coração duro, mas sempre gostou de roupas estampadas, por mais que eu achasse que não combinava muito comigo por causa do cabelo vermelho, ela dizia que era por isso mesmo que ela gostava. Passei vários cabides de forma rápida, queria sair logo dali, achei um preto com umas flores azuis esverdeadas. Puxei de dentro do armário e coloquei em frente ao corpo olhando meu reflexo no espelho, virei a cabeça de lado pensando se combinava.

— Talvez se eu prender o cabelo… — pensei em voz alta.

Ouvi um barulho de celular vibrando e olhei para o meu em cima do gaveteiro de joias e ele estava com a tela apagada. Dei alguns passos e destravei a tela, nada. Segui o som e abri uma gaveta vendo um celular tocando com um número desconhecido, franzi o cenho e o peguei, atendendo.

Carol, ¿dónde estás? He estado buscándote durante semanas! (Carol, onde está? Estou te procurando há semanas!).

— O que… — ouvi a voz de Beatrice e desliguei a chamada — está fazendo no meu closet?

— Beatrice… — Olhei pra ela com os olhos arregalados e ela estranhou.

— O que houve? — perguntou com rugas na testa.

— Eu atendi… — mostrei o aparelho pra ela — eu reconheci a voz, sorella.

— Não me diga que…

— Como fui burra, Beatrice!

— Ei! Não faça isso

— Não faça o quê? — Andei até o quarto, quase relinchando, parecia uma égua selvagem de tanta raiva que estava. — tinha razão e eu fui uma idiota!

— Bom ouvir que eu tenho razão… Principalmente vindo da sua boca. — Olhei pra porta do quarto aberta e estava no corredor e deu alguns passos para dentro do quarto. — Pode me falar em que eu tinha razão?

— Eu… — Fiquei sem reação, eu não esperava ele ali naquele momento, porra.

, só fale, foi por omitir de que deu essa merda do caralho. — Beatrice suspirou jogando as mãos pra cima.

— Eu reconheci a voz. — Levantei o celular e ele viu a foto da megera.

Ele arregalou os olhos e deu mais alguns passos até mim antes de falar:

— Quem? Quem, !?

— Tô preocupada de estar errada, será que eu não posso ter confundido?

— Duvido muito… — comentou Beatrice sentando na cama. — Você é boa nisso, daquela vez reconheceu a voz de um soldado na gravação que você tinha visto três vezes na vida.

— Foi pura sorte.

— Ah, por favor, , nós não contamos com a sorte por aqui.

— Podemos fazer uma armadilha para confirmar? — perguntei, receosa.

— Armadilha pra quem? — Giulia entrou no quarto sorrindo enquanto bebia água de uma garrafa. — Adoro criar armadilhas.

— Pronto, virou reunião no meu quarto. — Bea cruzou os braços e revirou os olhos.

— Juan Alvarez.

Os três arregalaram os olhos sem acreditar, principalmente Giulia, ela deveria estar se sentindo ultrajada, como ele tinha passado pelo pente fino dela? Engoli em seco e olhei para , que parecia querer explodir de raiva devido a veia pulsante em sua têmpora, mas estava se controlando e dava pra perceber que a qualquer momento ele podia berrar comigo, dizendo o quanto eu fui displicente e o pior de tudo, ele tinha todo o direito.

— Eu sei, ok? — falei baixo, olhando pra ele antes de abaixar o olhar.

— Ótimo — disse sério me encarando e voltou seus olhos para Giulia. — Vamos estudar como faremos isso…

Giulia e saíram do quarto conversando e eu sentei na cama desanimada, Beatrice sentou ao meu lado e colocou o braço no meu ombro. Eu estava me sentindo uma idiota, só queria ser boa com alguém e consegui isso: uma bela facada nas costas. Suspirei, cansada de tudo sempre dar errado, eu odiava ser traída e nesse caso quem me traiu fui eu mesma.

— Eu transei com ele, Beatrice.

Santa merda! Tinha esquecido disso!

Soltei o ar com força e fiquei ali, encarando o chão, com a minha irmã me amparando também em silêncio. Longos minutos para me fazer perceber que eu precisava parar de me vitimizar e tomar uma atitude. Eu era a porra de uma Perroni, já estava na hora de agir como tal. Quando me dei conta, com tantos pensamentos e lembranças rodando em minha mente, a raiva já tinha tomado meu corpo e então levantei da cama olhando pra minha irmã.

— Eu coloquei todos nós em risco, Beatrice, coloquei você em risco, coloquei a mim mesma em risco… — falava gesticulando, irritada com tudo aquilo, andava de um lado para o outro tentando me acalmar. — Un figlio di puttana sotto il mio naso. Fanculo! Come ho potuto essere così stupido? (Um filho da puta bem debaixo do meu nariz. Foda-se! Como pude ser tão estúpida?)

Calmati,

— Como? — Parei para encarar Bea e respirei fundo. — tinha razão, fui ingênua e coloquei um Delantera dentro da porra da minha boate, Beatrice!

— Nós vamos conseguir pegá-lo, é isso que importa… — Ela segurou meus ombros e olhou nos meus olhos, ela tinha aquele olhar empático. Ela estava tentando fazer com que eu me sentisse melhor, eu conhecia a minha irmã, mas naquele momento eu precisava ficar sozinha.

— Eu preciso de um tempo… — Sacudi a cabeça em negativo me afastando dela e saí dali a passos largos pelo corredor, entrei em meu quarto e bati a porta. — Merda! Merda! — Peguei a primeira coisa que vi em minha frente e me virei jogando na parede, fazendo o vaso quebrar em pedaços. Fechei os olhos e passei as mãos pelo meu rosto.

— Entendo que esteja com raiva, mas não precisa me matar no processo. — Abri os olhos de supetão e vi encostado na porta da varanda me encarando, bem próximo de onde joguei o objeto.

— Veio gritar comigo? Ótimo, tudo que eu precisava… — Caminhei até minha mesa de cabeceira, abri a gaveta e peguei uma carteira de cigarro pegando e acendendo um deles a caminho da varanda.

— Não vim gritar com você, vim ver como está…

— Me sinto uma imbecil, se você quer saber… — Ri sem humor e virei me encostando no parapeito para olhá-lo. — Veio se vangloriar e me mostrar o quanto você estava certo? — Revirei os olhos.

— Aí é que se engana,

Ele se aproximou devagar, sem deixar de ter contato visual comigo, cada passo que ele dava eu me remexia. Engoli em seco e a boca dele veio diretamente em meus dedos que seguravam o cigarro. Ele o pegou com os lábios, puxou a fumaça pelo canto da boca, soprou para o lado assim que segurou o cilindro branco em seus dedos e sua outra mão se apoiou no parapeito atrás de mim. Seu rosto cada vez mais próximo do meu. Senti o ar pesar e seus olhos vidrados nos meus me deixavam eufórica de uma forma silenciosa.

Aquilo era perigoso.

— Nunca quis tanto estar errado. — Mordi o lábio tentando afastar os pensamentos e vontades que me acometiam com tanta força com tão próximo a mim. — O problema não é você… — Ele levantou a outra mão devagar, e, como se lesse meus pensamentos, querendo me deixar ainda mais nervosa, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — São as pessoas que se aproveitam do seu bom coração.

— Você me vê de uma forma muito bonita, , eu não sou essa imagem que você criou. — Olhei bem em seus olhos e senti um arrepio cruzar pela minha coluna pela forma que suas íris me encaravam.

— Eu vejo o que você é, , mas ao contrário de você, eu não vejo só os defeitos. — Engoli em seco quando achei que estávamos tempo demais com o olhar preso um no outro.

— O que faremos agora? — Mudei de assunto, desviando o olhar.

— Vamos pegá-lo…

— Não quero participar disso… — Fechei os olhos apertando-os e abaixei a cabeça me sentindo uma idiota.

Seu indicador e polegar pousaram em meu queixo, levantando minha cabeça para encará-lo antes dele falar:

— Você não precisa, não pediria que fizesse isso… — Ele deu mais um trago em meu cigarro e o depositou em meus lábios. — Quando voltar para a boate ele não estará mais lá, eu prometo.

se afastou com aquele sorrisinho sorrateiro dançando em seus lábios e virou de costas, dei um trago e peguei o cigarro entre os dedos, soprando a fumaça.

— O que fará com ele? — perguntei incerta.

— É melhor você não saber… — Ouvi sua voz mais grossa que o normal e ao olhar para baixo, vi suas mãos se fecharem em punho.

Senti um arrepio esquisito cruzar meu corpo enquanto ele seguiu andando até deixar meu quarto, respirei fundo e tentei não pensar no que ele faria com o homem que confiei e acreditei ser mais um dos meus. Era difícil lidar com aquilo, mas se ele era o infiltrado, teria que pagar e eu não queria estar presente pra ver quando o pegasse.


[...]


Bati na porta e escutei Giulia dizer que eu podia entrar, então entrei na sala de vigilância e fechei a porta atrás de mim. Caminhei a passos lentos e vi a imagem do meu escritório na Fascino, sabia que aquilo era novidade pois não tinha câmera lá, senão minhas irmãs teriam visto muito mais que apenas um beijo entre mim e . Olhei para Giulia que sorriu pequeno pra mim e eu apenas respirei fundo, vi pela televisão Beatrice entrar pela porta e sentar-se na minha mesa.

— Qual foi a armadilha que vocês prepararam? — perguntei.

— Bea vai pedir para o Juan imprimir os novos cardápios dos drinks enquanto ela vai até o laboratório.

— Entendi…

— Ela vai deixar planilhas da contabilidade abertas, e Filippo estão do lado de fora esperando o meu sinal… — Abaixei a cabeça e voltei a olhar para ela que viu que eu não estava bem, era nítido diante daquela merda toda. — Sinto muito, .

— Eu também, sorellina… Eu também.

Parecia fácil demais, tudo tinha acontecido como previsto, Juan copiou todos os arquivos do computador e não só as planilhas, mas claro, Giulia disse que era tudo falso, não eram as planilhas ou documentos originais. Quando minha irmã avisou , ouvi ele pelo viva voz dizendo que Filippo iria esperar ele sair da boate após o expediente e iria o seguir. Precisávamos saber com quem estávamos lidando, agora que já sabíamos quem era o infiltrado, ficaria mais fácil de achar o resto dos Delanteras.

Por mais que não gostasse de ficar ali naquela sala fria cheia de computadores, eu queria saber o que estava acontecendo, então sentei na poltrona com meu livro e fiquei lendo enquanto as horas passavam. Giulia de vez em quando me atualizava do que estava acontecendo e eu apenas balançava a cabeça.

[...]


— Não quero saber, siga ele até o fim… Não confio em mais ninguém pra isso, Filippo. — A raiva era nítida na voz dele.

Acordei desorientada, ouvindo a voz de , quando ele tinha chegado? E o mais importante, quando eu tinha dormido? Segurei o livro que estava em minha barriga e me ajeitei na poltrona, respirei fundo tentando voltar a mim. Olhei para Giulia e ela estava concentrada nas câmeras da Fascino, algo tinha saído errado? Levantei devagar e me aproximei dos dois.

— O que houve?

— Juan entregou o pendrive para um homem e Filippo está seguindo ele — Giu me respondeu sem tirar os olhos das TVs.

— Estamos cuidando de tudo, não se preocupe. — se voltou para mim e colocou a mão no meu ombro, acariciando-o. — Nem era para você estar aqui…

— A culpa foi minha, coloquei o infiltrado dentro da Vincere, tenho que pelo menos estar presente. — Exalei o ar em frustração.

— Não tinha como você saber… — Ele me olhou com compreensão.

— Está me eximindo da culpa muito facilmente, esperava que brigasse comigo… — Acabei rindo com essa nova versão de sendo tão cuidadoso com as palavras.

— Acho que já passamos dessa fase.

Meus olhos não conseguiam desgrudar dos dele, meus dedos pinicavam querendo tocar o rosto bonito, sentir aquela barba por fazer raspar em meus dedos e a medida que a vontade se intensificava, meu coração batia ainda mais forte. Molhei os lábios, pois minha boca estava secando com tamanho nervosismo e pelo seu rosto, eu sabia que ele não estava assim tão diferente, mas Giulia estava ali, presente, não podíamos sequer demonstrar qualquer rastro de desejo.

No entanto, minha irmã pigarreou, então fechei os olhos me amaldiçoando por ter sido tão descuidada, ela tinha percebido, claro. Minha irmã não era burra, muito pelo contrário, foi ela que descobriu que algo estava acontecendo, ela era observadora demais pra não notar. Virei as costas e fui saindo da sala de segurança.

— Vou dar um tempo disso aqui… — Comecei a caminhar em direção à porta.

— Filippo chegou no galpão, — alertou Giulia.

— Diga para ele chamar 20 soldados para vigiar o lugar, assim que acharmos uma brecha, invadimos. — Ouvi enquanto ainda fechava a porta atrás de mim: — , espere!

Freei meus pés ainda no corredor e respirei fundo antes de virar e ver seus olhos negros me encarando gentilmente.

— Parece que não podemos ficar no mesmo lugar por muito tempo.

— É uma merda se você quer saber. — Ele riu, sem humor. — Antes era pelo ódio e agora é…

— Não quero falar sobre isso… — interrompi sua fala abraçando o livro em meus braços e desviei os olhos dos dele. — Precisa de mim pra algo?

— Juan alguma vez mencionou a família?

— Não… — falei diretamente, mas então um lampejo de memória passou pela minha mente — quer dizer, quando ele pediu alguns dias de folga disse que sua avó estava mal no hospital.

— Ele pode ter mentido.

— O que é bem provável, já que mentiu esse tempo todo… — Tensionei o maxilar enquanto apertava o livro em minhas mãos e ele tinha sentido a tensão que eu exalava.

Eu estava com raiva.

— Vá descansar, está tarde.

Virei as costas e saí andando, mas sentia que seus olhos queimavam em minhas costas, controlei a minha vontade de olhar para trás e fui direto para o meu quarto. Théo estava em sua caminha e então eu sorri, deitei na cama e dei batidinhas no colchão, chamando para ele deitar. Assim que ele subiu, eu o abracei e me permiti descansar.

[...]


Acordei no outro dia ainda cansada, parecia que não tinha dormido nada, desci até a cozinha, tomei café da manhã e resolvi que tomaria um banho gelado pra acordar e ver se resolvia o cansaço. Caminhei a passos lentos até a escada e comecei a subir para o meu quarto, senti uma tontura e meu corpo ficando sem forças, mas senti alguém me segurar, olhei para o lado e vi me encarando sério, como se estivesse bravo. Ele me pegou no colo, fazendo com que eu me assustasse e me agarrasse em seu pescoço. Ele caminhou até meu quarto e me colocou sentada na minha cama.

— Está tentando se matar?

— Só senti uma tontura estranha… Acho que são os remédios — menti, acariciando as mãos.

— Vou falar com o doutor pra saber se já pode parar com eles.

— Na verdade eu… — Não sabia exatamente como dizer aquilo, mas vi os olhos negros profundos me olhando, esperando por uma explicação, porém, ela não existia, então me restava dizer a verdade. — Eu parei de tomar.

— Como? — Ele franziu o cenho. — Sem falar com o médico, ?

— Estou cansada, não posso beber tomando os malditos remédios!

! — ele me censurou. — Quanta irresponsabilidade, você não pode parar com remédios controlados sem… — Ouvi ele parar sua fala quando me viu abaixar a cabeça, bufou e apertou a ponte do nariz. Ele me olhou novamente, dessa vez com um olhar compreensivo. — Desculpe, deve estar sendo horrível pra você.

— Entediante… — Revirei os olhos.

— Não brinque com isso… — Ele se aproximou de mim e me olhou com piedade. Aquele olhar eu não queria.

— Brincar é o que me resta, ! — Levantei, irritada, e fui até a porta do closet. — Senão eu volto para o fundo do poço onde eu estava.

… — Ele colocou a mão no meu ombro e subiu para o meu rosto, acariciando-o. O jeito que ele me tocava me fazia lembrar aquele acontecimento na casa de campo e o olhar dele sobre mim fazia com que eu tivesse a certeza que aquilo iria ficar gravado em nossa mente para sempre, mas ele precisava ser esquecido.

— Não comece, não quero discutir… — Balancei a cabeça em negativo e me afastei, mas sua mão seguia me buscando e ela estacionou em minha bochecha. — E não me toque desse jeito…

— Não quero começar nada, eu só estou preocupado com você.

— Eu estou preocupada comigo, … — olhei nos olhos dele e mordi o lábio tentando não mostrar o quanto aquilo ainda mexia comigo — mas estou fazendo o que está ao meu alcance. — Me desvinculei dele indo em direção ao banheiro e veio ao meu encalço. — Talvez eu não seja tudo isso que meu pai espera que eu seja.

— Você é uma mulher foda, — vi ele se apoiar com as duas mãos na esquadria da porta — assim como também é o elo que une as suas irmãs. Sabe que elas vêem uma líder em você.

— Não se esqueça que quem vai assumir a Vincere é você, não eu. — Fechei a porta do banheiro e suspirei, agora eu tomaria um banho para me acalmar já que o sono tinha me deixado e a raiva se instaurado.


Perroni


Eu deveria saber que tudo que achei daquele cretino era de fachada, não tinha como alguém ser tão certinho assim. Sem uma multa de trânsito, uma briga nas festas de faculdade ou matéria reprovada. Se achava que era culpada, eu também deveria, afinal, não cavei fundo o suficiente a vida desse filho da puta. Acendi o cigarro e me sentei na varanda do meu quarto, em 24 horas saberíamos quem estava naquele galpão e eu iria poder interrogar aquele desgraçado. Soprei a fumaça para o alto e olhei para o céu, a imagem dela me olhando, daquele jeito que até um idiota perceberia o quanto a gente queria se tocar.

Aquilo era enlouquecedor.

Eu tinha que mudar o foco do meu pensamento, então dei a ordem para Filippo que assim que invadissem o galpão, pegassem também Juan. Expliquei tudo para meu pai e ele mandou todos os capitães caçar os Delantera, todos eles. Iríamos limpar a Espanha de uma vez por todas, não sobraria ninguém para contar a história ou criar uma vingança.

Esse seria o fim.

Assim que os soldados invadiram o galpão comandado por Filippo, eles encontraram o ouro que precisávamos. Estávamos eu e meu pai sentados no escritório quando Filippo ligou.

— Só um segundo, vou colocar no viva voz.

Parla, Filippo

— Don, encontramos Guillermo, novo consegliere dos Delantera.

— Magnífico! Traga-o para mim, e aquele rato que ousou chegar perto da minha filha fica aos cuidados de . — Meu pai sorriu perverso para mim, ele iria adorar arrancar cada informação do maldito que ousou tramar contra nós.

— Filippo… — falei — já pegaram o Juan?

— Sim, os soldados levaram para casa de campo, como pediu.

— Perfeito, te encontro lá. — Sorri satisfeito. — Ciao.

Desliguei o celular e olhei para o meu pai, ele estava radiante.

— Uma bebida para comemorar? — perguntou ele e eu assenti levantando, indo até o carrinho de bebidas e servindo duas doses do seu whisky favorito. Brindamos e viramos o líquido âmbar, era maravilhosa aquela sensação de dever cumprido. — Vamos à segunda batalha, , e essa eu tenho certeza que ganharemos.

— Tenho certeza que a guerra já é nossa, pai.


[...]


Respirei fundo e caminhei entre as árvores, vi que Filippo me aguardava na porta do galpão atrás da casa de campo. Eu precisava me controlar, mas tudo que vinha na minha cabeça era sendo gentil com ele, acolheu-o na Fascino e ainda brigou comigo pra manter ele ali. Além de tudo, ele a tocou, ele conviveu com ela por meses sendo o inimigo, além de tudo, eles se beijaram na minha frente.

Aquilo estava longe de não ser pessoal e eu sabia plenamente que não deveria fazer aquele interrogatório, mas seria um desperdício do meu ódio não fazê-lo. Juan merecia sentir cada dor e sofrimento que eu causaria a ele. Meu coração batia forte contra meu peito e minha respiração se tornava pesada a cada passo que eu dava em direção àquele galpão.

— Tem certeza que quer fazer isso? — perguntou meu primo, incerto.

— Não, mas eu preciso. — Puxei um cigarro da carteira que tinha tirado do bolso e coloquei nos lábios, acendi e traguei profundamente.

— Você sabe que não deveria fazer esse interrogatório, , está envolvido emocionalmente.

— Não fale bobagem! Se eu passar do limite você me avisa, simples assim.

— Você acha que é capaz de ser parado?

— Veremos… — Soltei a fumaça e marchei em direção ao alçapão com meu primo em meu encalço.

Desci os degraus devagar, assim que o vi com o capuz vermelho na cabeça, amarrado em uma cadeira, meu sangue ferveu, porém, tentei manter o controle respirando fundo antes de dar outro trago em meu cigarro. Filippo balançou a cabeça pra mim em uma pergunta muda e eu acenei que sim, que poderia tirar o capuz. Franzi o cenho ao olhá-lo, me aproximei ainda mais daquele homem e o ódio me tomou por completo.

— Esse não é o Juan, Filippo!

Meu primo veio para o meu lado e olhou bem o rosto do homem, ele realmente parecia muito, mas não era ele. Aquele filho da puta enganou a gente mais uma vez? Puxei a arma do meu coldre e dei três tiros no peito do homem, eu precisava extravasar meu ódio de alguma forma.

— O que está fazendo?! — perguntou Filippo exaltado. — Ele era uma fonte de informação, !

— Meu pai está com o consigliere, ele tem as informações, esse daí devia só ser um capacho para se passar pelo filhinho dele.

— Não importa… — Ele se desesperou. — Céus, seu pai vai enlouquecer.

— Quem foi que pegou esse homem? — perguntei baixo, meus dentes pressionados um no outro, eu tentava controlar minha irritação o máximo que podia.

— Alguns soldados. — Meu primo ainda olhava o homem caído e parecia tentar pensar em uma desculpa para o meu pai.

— Quero eles aqui na minha frente — disse sério, olhando para o homem no chão.

— O que está pretendendo fazer? — perguntou Filippo ressabiado.

— Desde quando começou a questionar as ordens do seu sottocapo, Filippo? — Olhei pra ele com a testa franzida.

— Desde que você começou a não pensar com a cabeça. — Senti meu maxilar tensionar e respirei fundo.

— Saia da minha frente e faça o que mandei… — Ouvi gemidos e dei dois passos em direção ao corpo caído no chão e apertei o gatilho mais uma vez, dessa vez direcionando o cano em sua cabeça. — Não quero mais ter incompetentes dentro da Vincere.


[...]



Filippo dirigia o carro em absoluto silêncio, eu entendia, também não gostava de ter que bater nos meus, ou dar um esporro e colocar de castigo como crianças. Só que a incompetência deles tinha me tirado do sério e me custado caro, serviço básico: confirme quem você está levando. Juan seguia por aí, sabe-se lá onde, o que eu diria a ? Suspirei audivelmente e meu primo me encarou por segundos. Ele estava bem possesso comigo, os homens estavam sob o comando dele, caso não fosse meu primo quem teria levado punição seria ele.

E ele sabia disso.

Chegamos na mansão e fui direto para o meu quarto, e, pra minha surpresa, estava lá, na minha varanda. Ela não ouviu a porta abrir, estava tudo escuro, apenas a luz da lua a iluminava, era visível o cigarro em sua mão e o copo baixo com os cotovelos apoiados no parapeito. Coloquei minha arma em cima da escrivaninha, tirei meu blazer, o coldre e desabotoei os dois primeiros botões da minha camisa. Dei alguns passos e me encostei no batente da porta, admirando o corpo da ruiva à minha frente apenas de robe de seda e um pijama por baixo, assim esperava. Era perceptível que sua mente estava longe, já que os olhos focavam no horizonte, além do fato dela não ter notado minha presença ainda.

Cariño…

— Credo, ! — Ela se sobressaltou e virou assustada colocando a mão no peito.

— Sua varanda estava te entediando?

— Acordei e vi o sofá vazio… — disse ela sem graça.

— Faz semanas que não durmo lá.

— Eu sei. Só… — disse sem jeito — queria uma companhia.

— E queria logo a minha? — Sorri indo até o lado dela, pegando um cigarro da carteira no meu bolso. — Não parece estar em seu juízo perfeito. — Debrucei no parapeito e acendi meu cigarro.

— Talvez não esteja mesmo… — disse soprando a fumaça para o alto. — Então…

— O quê?

— Pegaram o Juan?

Engoli em seco e falei:

— Não, ele escapou.

Ela me olhou com a testa enrugada, estranhando a minha calmaria, mal sabia ela que dentro de mim estava o próprio caos e a fúria dos 12 Deuses do Olimpo. Aquele cretino nos enganou duas vezes, eu não iria descansar até encontrá-lo e matá-lo com minhas próprias mãos. Não restaria um só Delantera para contar a história, dessa vez eu garantiria isso.

— Você deve estar irritado, entendo que tente esconder isso de mim, mas eu tô bem, , pode explodir se quiser.

A única coisa que eu queria explodir era a cabeça de Luca. Tentei curvar os lábios em uma forma de mostrar a ela que estava tudo bem e olhei para frente. Ficamos os dois ali, em silêncio, fumando e apenas servindo de companhia um ao outro. Há um ano esse acontecimento seria impossível, mas tantas coisas aconteceram de lá pra cá que eu nem sabia ao certo para que caminho estávamos indo. Principalmente eu e , não conseguia ver uma forma de encaixar nossa relação na famiglia sem a gente acabar na cama um do outro.

O nosso autocontrole parecia não funcionar muito bem em certos momentos.

No dia seguinte, meu pai anunciou uma nova reunião em três dias, ele tinha tirado todas as informações necessárias do consiglieri, por mais difícil que tivesse sido. Os nossos homens tinham achado a casa do Carlos Diaz na Sevilha. Giulia fez a investigação de compra de imóveis nos últimos 5 anos já que na Sevilha era cultural as famílias passarem as casas de geração em geração. Minha irmã conseguiu encontrar apenas três casas que não eram de família antiga, foi meio óbvio supor que eles mudavam de local com frequência para não ter nada que comprovasse sua estadia na Espanha. Nossos soldados já tinham cercado a casa e estavam esperando as ordens de Otelo para saber como proceder.

— Gian, dê a ordem para pegar esse stronzzo, mas quero que levem para Guadalajara — Meu pai disse, firme. — Eu mesmo vou interrogar ele.

— Sim, don Otelo.

… — Olhei para meu pai esperando o que ele diria. — Cuide da casa em minha ausência. — Meneei a cabeça, concordando, mesmo que achasse aquele pedido muito repentino.

Otelo levantou de sua cadeira, bebeu o restante do seu whisky e fez sinal para os soldados e seguranças o seguirem. Então todos saíram da sala atrás de meu pai, restando apenas eu e Filippo. Nos entreolhamos de cenho franzido, ele também tinha achado estranho a forma como meu pai falou?

— O que meu tio quis dizer com isso?

— Não faço a mínima ideia.

— Foi esquisito, ele nunca pediu isso pra você.

— Ah não ser que ele… — Meu coração deu um solavanco.

— Ele acha que pode ser uma armadilha, !

Fiquei alguns segundos parado encarando o nada, sim, ele estava certo, meu pai pensava que poderia ser uma armadilha, talvez por isso também quis fazer o interrogatório o mais longe possível de nós, pensar que ele poderia morrer me deixou atônito. Nunca tinha chegado nesse momento de idealizar a morte de Otelo e agora, o fazendo, eu vejo o quanto que meu pai, por mais rígido que fosse, era meu pai e eu o amava.

— Não podemos pensar nisso, meu pai vai voltar. Vamos focar no que importa, continuar atrás daquele filho da puta do Luca.

— Vou falar com a Giulia pra saber se ela conseguiu localizá-lo. — Ele saiu do escritório em direção à sala de segurança, enquanto eu tentava assimilar o que tinha acabado de cair no meu colo.

Apoiei a cabeça em minhas mãos, era difícil quando o lado que poderia perder era o nosso, quando algo ruim poderia acontecer à minha família. Meu pai era durão, ele não fazia despedidas dramáticas e nem choraria por ter que deixar suas filhas, ele foi sucinto e disse o que era necessário. Que eu tomasse conta da casa em sua ausência, porém, não disse se essa ausência seria permanente.

Senti uma lambida em meu braço e logo outra em meu rosto, abri os olhos vendo o sarnento de em minha frente. Ele sentou e ficou me encarando, virou a cabeça de lado e latiu, ele sempre parecia que queria falar com a gente, ou de alguma forma pudesse sentir e saber o que estávamos sentindo. Passei a mão em sua cabeça e afaguei sua orelha.

— Está tudo bem? — Virei o rosto vendo encostada na porta de madeira do escritório.

— Está.

— Você já mentiu melhor, .

Suspirei e vi ela cruzar o ambiente até chegar no carrinho onde ficavam as bebidas, encheu dois copos de whisky e os pegou, entregando um para mim e sentou na mesa. Cruzou as pernas com a maior calma enquanto acariciava Théo e voltou a olhar pra mim.

— Eu sei que parou os remédios, mas deveria mesmo beber essa quantidade? — falei em tom de repreensão.

, se eu não beber eu vou voltar a ficar reclusa, é isso que quer?

— Claro que não!

— Então bebe seu whisky e deixa eu beber o meu. — Ela deu um gole em seu copo e saboreou a bebida daquele jeito que eu adorava admirar. — O que aconteceu?

— Eu realmente não quero falar sobre isso, .

— Você precisa parar de esconder as coisas de mim, … — falou, irritada, fazendo eu fechar os olhos momentaneamente. — Eu estou bem.

— Você quer saber, pois bem, vamos lá… — Mirei seus olhos atentos e comecei: — Tudo que passamos desde o que aconteceu… você sabe. — Desviei meus olhos dos dela suspirando e ela apenas assentiu. — Foi muito doloroso ver você daquele jeito e não poder fazer nada, . Foi… horrível me sentir impotente e ao mesmo tempo talvez um pouco culpado por isso... — Soltei o ar e balancei a cabeça em negativo.

— Você não teve culpa…

— Isso não vem ao caso… — Nem deixei ela continuar, eu não queria o discurso de benevolência. — E como se já não bastasse tudo isso… — falei, rindo sem qualquer humor — Nero me traiu e eu tive que interrogá-lo. — Ela me olhou com os olhos saltados.

— Como?

— Sim, , Nero está preso, estava trabalhando junto com a… — ela fez careta e eu nem continuei para falar o nome Carolyn — e Otelo, provavelmente, saiu em uma missão suicida.

— Espera, onde o papai foi?

— Interrogar Carlos Diaz ou seja lá qual for o nome dele.

— E você deixou?! — disse ela sobressaltada, endireitando-se na mesa, colocando o copo na madeira e descruzando as pernas.

— Eu não tenho o controle de tudo, ! — gritei antes de virar o whisky garganta abaixo, levantei da poltrona colocando o copo em cima da mesa. — Nossa vida é assim! — falei próximo do rosto dela. — Nossa família é assim, afundada em desgraça!

Eu estava farto, coisas demais nas minhas costas, preocupações demais na minha cabeça, eu estava prestes a explodir e acabei explodindo com ela. Não queria falar mais nada, pois acabaria saindo algo da minha boca que não deveria e ela não merecia isso de mim. Tentei me virar para sair dali, mas ela segurou meu pulso, senti aquele tremor pelo meu corpo e tentei me manter calmo.

— Não fuja… — ela acariciou minha pele com o polegar e me peguei fechando os olhos, apreciando aquele toque singelo, pequeno, mas que era tão bem-vindo — do mesmo jeito que cuidou de mim, eu quero cuidar de você.

Girei meu corpo ficando de frente com ela, dei dois passos e respirei fundo, sentindo aquele cheiro adocicado que ela exalava me acalmar de uma forma única. Suspirei olhando pra ela que mantinha uma expressão serena, de acalento. Eu me sentia bem pra caralho com ela, parecia tão certo eu e ela, mas ao mesmo tempo sabíamos que aquilo não podia acontecer. Era cruel demais. Olhei em seus olhos e não pude deixar de notar sua boca entreabrir.

Perto demais, meu lado racional gritava, porém não o suficiente, meu desejo falava.


— Eu não consigo mais, … — Fui baixando a cabeça e a apoiei no ombro dela enquanto minhas mãos estavam espalmadas na mesa, uma em cada lado do seu corpo. — Mais isso pra dar conta, é demais pra mim…

— Eu sei… — Senti sua mão em meus cabelos, seus dedos se infiltrando entre os fios da minha nuca e me deixando ainda mais ansioso e sem controle. — Eu também não…

— O que faremos?

— Manter distância?

— Já sabemos que isso não funciona. — Levantei a cabeça, ficando bem próximo de seus lábios, voltei a encarar os olhos verdes, brilhantes como uma pedra preciosa, eles eram lindos; ela era linda. — Não vou me controlar por muito tempo.

— Eu quero cuidar de você, mas também não sei se consigo… — Ela fechou os olhos e encostou a testa na minha, uma proximidade tão perigosa, nossos lábios quase se unindo em um beijo que eu ansiava há tanto tempo. — Mas não podemos mais ultrapassar esse limite…

— Desculpe — pedi, de olhos fechados, nossos narizes roçando um no outro, sentia meu coração batendo acelerado no meio do peito. Apertei a madeira da mesa e me afastei, tomando uma distância segura.

Aquilo era uma tortura.

— Não peça, é culpa minha também. — Ela levantou da mesa, colocou a mão no meu peito, empurrando meu corpo devagar e foi caminhando até a porta. — É melhor ficarmos longe, dessa vez, de verdade… — Ela virou o rosto pra olhar pra mim, seus olhos diziam tanto, um adeus, um sinto muito e uma vontade de ficar que eu conseguia sentir de onde estava. Eu não estava preparado para tê-la longe de mim mais uma vez. — Vamos, Théo — chamou o cachorro e ele a acompanhou para fora.

Estava me sentindo um estúpido, não deveria ter feito isso, não deveria ter deixado meus sentimentos tão à flor da pele a ponto de me controlarem. Saber que é recíproco me deixava ainda mais fora de controle e isso era um problema.

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Nota da autora: Oi amores, trazendo minha primeira história original pra estreia desse site maravilhoso! As meninas estão se empenhando tanto em fazer um site que seja incrível pra todes, então vamos ajudar a divulgar! Essa história está sendo betada por uma beta que não é do site e só tenho a agradecer a Haylelen, ela é tudor. Espero que gostem 🥹❤️

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