Codificada por: Cleópatra
Última Atualização: 31/10/2024Não sentia mais medo.
O lugar era frio e gelado como nenhum outro em que já havia estado, exatamente como no seu interior: sem vida.
A bruxa deu mais alguns passos no escuro à sua volta e sentiu o gelado contra a pele dos seus pés, que lhe causou um arrepio. Mesmo sem poder enxergar, soube que estava no lugar certo, exatamente onde deveria estar.
Em meio à incerteza, ela tateou a sua volta em busca do que procurava. Seus dedos passearam pelas pedras úmidas, enquanto o desespero e a pressa corroía seu interior a cada falha.
Onde poderia estar? Conseguia sentir sua presença.
Não use a varinha. Eles saberão.
Concentrou seus sentimentos em: frieza, indiferença e um completo vazio.
Se não tivesse nada para dar, não iriam atrás dela. Não saberiam da sua presença.
Determinada como era, ela respirou fundo e retomou toda sua concentração. Dessa vez, tateou com mais calma o que buscava, até que, seus dedos encontraram.
Um diário estava disposto entre duas pequenas pedras. O pequeno objeto parecia intacto, apesar da insalubridade do lugar e ela o segurou contra o peito como se sua vida dependesse daquilo.
Então, em meio a escuridão, um vento frio atingiu os fios de seus cabelos e ela paralisou. Não vinha do mar, nem de qualquer criatura.
Na verdade, era muito pior.
— Devolva-o. — Uma voz baixa sussurrou em meio ao vazio.
O frio na espinha lhe arranhou como uma navalha.
Não dê ouvidos às vozes. Ele está morto.
Ignorando o evento anterior, ela seguiu seu caminho para fora dali. Contudo, mais e mais vozes passaram a ser ouvidas, e agora, pareciam reais demais. Gritos de desespero e socorro reverberaram por entre as pedras, junto ao som do mar que só parecia aumentar a cada onda sendo quebrada.
Tudo aconteceu muito rápido. Sem premeditar, sem pensar muito. Ao passo que uma mão gelada tocou os ombros da bruxa, o feitiço foi lançado.
— Avada Kedavra!
Como voltaria a confiar de novo se o seu próprio sangue havia lhe enganado todos esses anos?
O som das vozes ainda reverberavam em sua mente…os gritos, os pedidos de socorro.
Lynx sentiu cada pelo de seu corpo arrepiar e precisou espantar qualquer lembrança para o limbo em sua mente e seguiu para o mais longe possível de onde estava e ao encontrar um lugar seguro, aparatou.
A noite em Londres estava mais quente que o habitual e ela tratou logo de chamar por seu transporte e apontou a varinha. Não demorou nem minutos para um ônibus de tom roxo escuro e três andares aparecer na frente da garota.
Um homem meio esquisito e de cabelos brancos dirigia o que os bruxos chamavam de: nôitibus.
Um transporte exclusivamente bruxo e que era de grande ajuda em momentos de apuros como os que ela estava enfrentando.
— Entre logo bruxinha, não temos a noite toda — A cabeça decapitada pendurada no nôitibus disse em um tom de impaciência.
Lynx nem deu atenção e entrou.
Como não era sua primeira vez, a velocidade excessiva nem a afetou e a bruxa caminhou em busca de um lugar para se sentar.
— Ótimo, agora carregam montanhas no nôitibus — Lynx soprou debochada ao dar de cara com costas largas à sua frente.
— Precha li ti, krasavitse? — Um rapaz corpulento e de olhos negros como a noite se virou, nao tinha intenção alguma de ficar no caminho e quis saber se atrapalhava.
A garota o encarou meio incerta, com um meio sorriso. Aquele rosto não era completamente desconhecido, mas naquele momento, ela não fez questão alguma de tentar se recordar de onde o tinha visto. Só queria encontrar um lugar para sentar e ficar em paz.
Sem dar resposta alguma ela aproveitou o pouco espaço e passou com pressa, esbarrando levemente no bruxo, que a encarou sem nem piscar. Lynx conseguia sentir o olhar dele, mas não se virou para conferir.
Tinha coisas mais importantes para se preocupar.
A bruxa logo se sentou bem ao meio do ônibus em uma fileira vazia, jogou todas as suas coisas no banco desocupado ao seu lado e pegou um livro para poder ler.
Ler era algo que fascinava Lynx Blackthorn, já tinha perdido as contas de quantos livros havia lido em sua vida. Não importava para onde fosse, sempre estaria acompanhada de alguma história que a fizesse suspirar e perder noites de sono.
Sair da realidade às vezes era melhor que encarar a sua própria. E ficou tão imersa no mundo entre páginas, que nem se deu conta de que já estava quase chegando ao seu destino.
— Por favor rapazinho sugiro que se sente — uma voz masculina e fraco soou atrás dela, que tentou esticar o pescoço para saber a que o homem se referia, mas não conseguia devido a sua altura.
Então, ela olhou para o lado e se deu conta de onde estava e teria guardado seu livro, se não tivesse sido surpreendida por um peso enorme sobre seu colo e um líquido de cheiro terrível escorrendo por todo seu rosto e peito.
— Porra! — Lynx gritou, ainda sem acreditar que o cara de mais cedo estava em cima dela e havia lhe encharcado.
Qual era a merda do problema dele?
— Além de não saber falar, não sabe andar também? — A bruxa esbravejou, tratando-se de empurrá-lo para longe.
Ele logo se levantou, meio atordoado diante de toda a situação e meio sem saber o que dizer ao encarar o olhar fulminante de Blackthorn. Teve certeza de que ela cuspiria fogo nele se fosse capaz.
— M-e-d-e-sculpe — ele disse com dificuldade, mas dessa vez em outra língua, e ela quase riu, mas a raiva era maior.
Sua noite só parecia piorar e sentiu os olhos queimarem ao ver o estado de um dos seus livros favoritos. Era uma edição muito rara. Como encontraria outro? Contudo, retomou a expressão impassível de antes.
— Shte ti pomogna. — O rapaz ofereceu ajuda.
— Apenas me deixe em paz — bufou irritada. — Inferno!
— Todos afivelem os cintos, estamos quase chegando! — O motorista gritou e o rapaz não conseguiu dizer mais nada e apenas sentou-se na fileira bem ao lado da bruxa furiosa.
Lynx o encarou por alguns instantes, não por curiosidade, mas por uma raiva descontrolada que sentia por ele naquele exato momento.
Krum sentia-se um pouco deslocado, além da culpa que o assolava por ter molhado o livro daquela garota. Ela não era muito simpática , mas não merecia o que aconteceu.
Depois de chegar ao Caldeirão Furado e se alojar em seus aposentos, tratou de ir até o quarto da bruxa para tentar se desculpar e saber se poderia consertar as coisas de alguma forma. Nem ele sabia muito bem porque sentia-se tão incomodado, mas pareceu o certo a se fazer.
Por sorte, acabou vendo para qual quarto ela seguiu e não foi muito difícil de encontrar novamente. Então, deu três toques na porta e esperou ela abrir.
A garota abriu a porta aos resmungos e ele quase fez um comentário, mas perdeu as palavras ao encará-la. Os grandes olhos expressivos e escuros, agora nao continham mais o que parecia ser algum tipo de pintura e seu rosto estava limpo, alem dos cabelos negros e molhados que caiam ate a altura da cintura dela.
O rapaz tentou, mas não conseguiu se conter e seus olhos desceram pelo corpo da bruxa, que agora vestia apenas um shorts curto e uma camiseta larga.
— O que você quer agora? Destruir mais alguns dos meus livros? — A bruxa esbravejou ao dar um passo à frente e sair levemente do quarto.
Ele quase riu, ao entender parte do que ela dissera.
Tudo o que conseguia reparar era na beleza dela.
— Você é surdo também?
Seu inglês ainda não era dos melhores, mas ele precisava tentar.
— Gos-ta-ria de me d-esculpar — gaguejou, mas pela expressão da garota, ela pareceu compreender suas palavras.
— Ainda isso, cara? — A garota resmungou. — Eu ja di…
Uma voz alta e imponente ressoou próximo aos dois e ele reparou em como as expressões da bruxa mudaram, então acompanhou o olhar dela quando virou o rosto para o fim do corredor.
— Nov….
Sua fala foi cortada pela bruxa, que o puxou com força para dentro do quarto e bateu a porta logo em seguida. Suas expressões agora não eram mais de alguém que estava furiosa, mas sim incomodada…intimidada.
Assim como ela, suas feições mudaram, em uma preocupação que ele nem sabia de onde veio, mas que se fez presente ao vê-la bufar.
— Me desculpa, eu não sei o que deu em mim. — Ela riu sem jeito.
Como anteriormente, foram interrompidos, mas dessa vez por três batidas na porta do quarto.
Os olhos da bruxa se arregalaram na direção dele, que não sabia ao certo o que fazer, então fez a primeira coisa que lhe ocorreu: foi até a porta e a abriu.
Ao contrário do que ele esperava, a Bruxa não se escondeu e logo apareceu ao seu lado.
O dono da voz imponente encontrava-se encostado ao batente, usava roupas pretas e tinha um sorriso irônico estampado nos lábios.
— O que você quer, Nott? — A garota esbravejou, a veia em sua testa agora saltada.
O bruxo não sabia ao certo o que fazer, então deu um leve passo a frente, quase que involuntariamente.
— Lynx…Lynx… — O rapaz do lado de fora debochou e ficou ereto, ao tentar se aproximar. — Eu sei que quer chamar a minha atenção. Mas, Viktor Krum? Patético até para você, Blackthorn.
Lynx.
O nome dela reverberou na mente do bruxo que apenas a observou morder o canto da boca, enquanto ele cerrou os punhos.
Se estivesse em seu país, já teria tirado aquele bruxo insolente dali em um piscar de olhos. Mais uma vez não conseguiu compreender todo o teor da conversa, mas seu nome foi citado e o incômodo de Lynx era o suficiente para ele permanecer onde estava.
Krum sentiu todo seu corpo estremecer, quando uma das mãos da bruxa tocou seu ombro.
— Como pode ver — Lynx estalou a língua ao levar um olhar divertido até Viktor. — Não é bem a sua atenção que eu quero no momento, Theodore.
Theodore sentiu o sangue borbulhar, então deu um passo a frente para ir em direção a Lynx, mas foi impedido por Krum.
— Ne ya dokosvai. — O bulgaro exigiu que ele não a tocasse.
Lynx sentiu-se lisongeada, mas não precisava ser defendida por nenhum bulgaro idiota, sabia muito bem lidar com o imbecil do seu ex.
— Sai logo daqui, Nott! — Lynx esbravejou.
Só queria se livrar dos dois bruxos, mas primeiro lidaria com o pior deles.
Theodore a encarou com raiva nos olhos e então, a encarou sem nem piscar.
— Em Hogwarts não terá Viktor Krum para separá-la de mim, aproveite enquanto pode, Blackthorn.
Lynx nem mesmo deu uma resposta e fechou a porta na cara de seu ex. Seu sangue quase borbulhava de tanta raiva, sentia-se ainda mais idiota do que nunca por um dia ter se relcionado com alguem como Nott ou sequer tido maiores sentimentos por ele.
Ele era o pior dos piores.
Estava com tanta raiva, que demorou alguns minutos para notar que Krum ainda permanecia parado próximo a porta e dentro de seu quarto.
— Saia — ela exigiu.
Estava cansada de ser usada por caras como Theodore e Krum.
— Dobre li si, Lynx? — Krum se aproximou, queria saber se a bruxa estava mesmo bem.
Blackthorn sentiu seu coração ir parar na boca. Seria uma puta de uma mentira dizer que não se sentiu afetada com a proximidade entre eles, afinal, Viktor Krum era o sonho de consumo de qualquer garota no mundo bruxo. Contudo, manteve-se impassível.
— Boa tentativa. — Lynx riu debochada. — Mas não caio nos seus encantos, Krum. Agora saia do meu quarto!
Viktor ficou confuso, mas atendeu ao pedido da bruxa, mesmo a contragosto. E durante todo o percurso para seu quarto, lembrou-se apenas das palavras do tal de Nott.
Hogwarts.
Adoraria vê-la de novo. Nem que fosse para brigarem.
🐍 🗡️
Uma Blackthorn nunca está atrasada; os outros é que estão simplesmente adiantados.
Lynx repetiu seu mantra usual conforme caminhava sem pressa alguma pelas ruas de Londres. O sol brilhava naquela tarde, indicando que o verão havia finalmente chegado à cidade.
A garota não poderia estar mais incomodada, afinal, a estação não era nem um pouco apreciada por ela. Mesmo assim, tinha um sorriso no rosto.
O início das aulas na Universidade Hogwarts, no entanto, eram mais do que apreciados por ela. A melhor época do seu ano.
Chegar em King’s Cross não foi nada difícil, assim como atravessar a plataforma 9 ¾ também não.
Como acontecia todo ano, diversos pais e novos alunos — calouros — estavam amontoados na estação, em uma despedida acalorada. Mas também tinha diversos veteranos, como Lynx, acompanhados por seus pais, exceto que ela estava sozinha.
Os olhos da bruxa baixaram, conforme ela engoliu a seco. Era a primeira vez em que não seria deixada por seus pais na estação e o sentimento de tristeza quase se apossou de seu coração, mas ela tratou de ignorar.
Não se deixaria abalar. Não hoje.
Blackthorn passou pelo amontoado de bruxos e bruxas e seguiu para dentro do trem. Essa também era uma das partes favoritas da garota, pegar o expresso até o castelo. Nunca se cansaria.
Lynx, como sempre, procurou por uma cabine. Todas pareciam cheias, devido ao seu atraso, por isso, entrou na mais vazia que encontrou com somente um garoto sentado bem no canto de um dos bancos.
— Se importa? — A bruxa perguntou antes de se sentar.
O garoto de pele negra e olhos escuros a encarou por um instante, mas logo abriu um sorriso largo.
— Não, claro que não! — Fez sinal para ela se sentar no outro banco. — Fique à vontade.
Calouro. Foi o que ela pensou ao sorrir e sentar-se. Era fácil identificar, eles eram sempre mais educados e animados do que os veteranos.
— Sem pet? — O garoto perguntou.
— Ah, ela já deve estar em Hogwarts a essa altura….o que posso dizer? Aurora não gosta muito de estranhos — Lynx foi simpática, mas não o encarou. Ao invés disso, reparou na gata preta no colo dele.
Lynx amava gatos, por isso precisou se conter para não acariciá-lo.
— Gato legal. — Dessa vez, Blackthorn o encarou.
Raramente ela se comunicava com qualquer pessoa no expresso, que não fossem seus conhecidos, mas ele parecia gente boa e não achou nada mal dar uma chance.
Seu ano já havia começado completamente diferente do que ela esperava, então, por que não mais uma mudança?
— Petunia gostou de você, a propósito. — Ele riu de leve, ao segurar a gata em direção a bruxa. — Quer segurar?
Lynx riu com a interação, mas não recusou.
— Lynx — ela ofereceu a mão livre ao rapaz, conforme pegou a gata em seu colo.
Preferiu não mencionar seu sobrenome, não gostava que a tratassem diferente por ser da família que era.
Petunia parecia realmente gostar dela e não conteve o sorriso, foi como receber um abraço em um momento muito oportuno. E naquele momento, ela precisava muito de um.
— Blásio Zabini. — Ele segurou a mão da bruxa. — Mas todos me chamam de Blaise.
— Nome legal, Blaise — Lynx sorriu, então recostou-se em seu banco para afagar a gata. — Quer a petúnia de volta?
Antes que Lynx pudesse devolver o felino para seu legítimo dono, uma figura com seu moletom de capuz cobrindo o rosto abriu a porta da cabine sem muita cortesia, jogando-se no banco ao lado de Blaise.
— Mattheo Riddle, o que aconteceu com você dessa vez? — Lynx semicerrou o olhar. — ‘Tá parecendo que foi atropelado pelo trem, mas nem partimos ainda. — Ela soltou uma risada, que foi acompanhada por Blaise.
Mattheo soltou a risada mais falsa e sarcástica que pôde, mas seu rosto logo se transformou numa carranca de poucos amigos.
— Realmente, muito engraçado. – Riddle fisgou o walkman dentro do bolso canguru de seu moletom, desenrolando os fones de ouvido.
Os dois bruxos se entreolharam ao tentarem segurar as risadas, mas logo voltaram a gargalhar.
O que não foi, de forma alguma, nem por um instante, apreciado por Mattheo.
O veterano largou seu aparelho de som no banco e se virou para encarar Blaise, inclinando seu corpo um pouco para frente numa postura que deveria ser intimidadora — mas, é claro, na atual condição de seu rosto, não chegava lá.
— Pra ela eu dou um desconto, mas você? ‘Tá rindo do quê, calouro? Estamos indo para uma Universidade de Palhaços, por acaso?
Blaise não soube o que responder, ao ficar meio sem jeito, afinal, o outro bruxo estava invadindo seu espaço pessoal.
— Da sua cara estourada, idiota — Lynx rebateu, afinal estava acostumada com o amigo. — E vai me dar um desconto por que? Nunca foi disso, deve ter apanhado muito forte mesmo.
— Porque sei que sua cabeça anda meio pesada. — Falou, simplesmente, dando um olhar sugestivo para Lynx. Ele sabia.
É claro que sabia. Mattheo Riddle andava com poucos, mas Theodore Nott era seu colega de quarto. Estavam sempre juntos. Sempre fazendo merda juntos.
Blackthorn o fuzilou com o olhar, mas não se deixou abalar. Nada do que saia da boca dele era levado a sério por ela. Não quando se tratava da amizade deles.
— Pelo menos eu aguento as porradas
que levo da vida. — Riu debochada. — E deixa o Calouro em paz, ele não tem culpa de você ser um rabugento incurável.
— Virou protetora dos fracos e indefesos, agora, Blackthorn?
— Sei me defender, mas não chuto cachorro ferido. — Blaise sorriu irônico, ao acompanhar a piscadela recebida por Lynx.
— Olha só, o calouro fala! — Mattheo revirou os olhos e se afundou mais no banco, meio cansado após suas atividades questionáveis antes do embarque. — E qual é a desse bicho? — Apontou para Petúnia no colo de Lynx.
— Uma gracinha, né? Segura ela um pouco, quem sabe melhora essa sua carinha. — Blackthorn pegou petúnia e colocou em direção a Riddle.
Ele franziu o cenho e se esquivou mais para trás.
— Deixa isso longe de mim. Não gosto de gatos!
— Está com medo da Petúnia?! — Blaise sorriu ladino, segurando riso.
Riddle arfou e revirou os olhos.
— Claro que não. Só não confio nesses bichos traiçoeiros.
— Muito engraçado dizer isso, pra alguém que anda por aí com o Nott a tiracolo — Lynx debochou.
— Quer mesmo entrar no mérito de quem vivia no colo do Nott? — retrucou sem hesitar.
Lynx não disse nada, porque contra fatos não havia argumentos, mas decidiu provocar o amigo, erguendo Petúnia e a aproximando de Mattheo.
— Blackthorn. — Riddle a encarou sério, como um aviso para parar imediatamente.
Blaise percebia a aversão que Riddle tinha pela simples presença da doce Petúnia e não pôde segurar uma gargalhada, que logo foi acompanhada de Lynx, tentando assustá-lo ao levar a gata cada vez mais perto do bruxo.
— Chega! Já deu! — Mattheo levantou de supetão, embolando os fones de ouvido e guardando seu toca fitas no bolso de qualquer jeito, completamente estarrecido. — Vocês dois, pro inferno. Prefiro me sentar com o caralho dos grifinórios!
Logo se retirou da cabine, batendo a porta fina ao passar.
Os dois bruxos se entreolharam, mas logo caíram em uma gargalhada que perdurou por uns bons minutos.
— Ai, fazia muito tempo que eu não ria assim! — Lynx ainda ria, conforme seu corpo tremia.
— Então…Riddle, né? — Blaise não conseguiu conter a curiosidade. — Algum parentesco com você-sabe-quem?
— Isso só ele pode te dizer. — Lynx cortou o assunto sem fazer rodeios. Podia até zoar Mattheo na maior parte do tempo, mas jamais falaria sobre a vida pessoal do amigo.
Um clima se formou entre eles, mas logo foi quebrado pela bruxa, ao dizer:
— E então, alguma casa em mente?
Ela preferiu mudar de assunto, não queria ser grosseira ou destratá-lo. Estava simpatizando com o calouro.
— A julgar pelo histórico da minha família, acredito que sonserina. E você?
— A própria. — Lynx sorriu, adorava a casa à qual pertencia.
— E o tal de Nott? Ele parece ainda pior do que Mattheo.
— Para o desprazer dos sonserinos, ele é da sonserina. — Lynx revirou os olhos ao pensar melhor sobre. — Nós três somos. E espero poder dizer quatro, em um futuro muito breve.
Blaise sorriu, Petúnia saltando do banco de Lynx para o dele.
— Também espero. Não por esse tal Nott, claro. — Acariciou a gata que agora se acomodava em seu colo. — E então, já conheceu algum outro calouro? Fiquei sabendo que tive a sorte de entrar no mesmo ano em que alguns famosos — falou com certo deboche. — Viktor Krum e Harry Potter no mesmo trem. Não se falava em outra coisa na plataforma.
Viktor Krum. O nome do bruxo reverberou na mente de Blackthorn e ela precisou de muito esforço para não demonstrar o incômodo.
É claro que ele iria para a Universidade de Hogwarts, por que outro motivo ele estaria tão longe de casa e no Caldeirão Furado?
— Bom, bem-vindo a Hogwarts! — Lynx sorriu simpática ao preferir não comentar mais sobre o assunto e então, a viagem seguiu com os dois em completo silêncio.
Dessa vez, Blackthorn retornou à escuridão de sua mente.
🐍 🗡️
A noite pairava silenciosa sobre o castelo de Hogwarts, envolta em sombras profundas que se alongavam pelos corredores como se as paredes antigas sussurrassem segredos. As chamas tremeluzentes das tochas davam um brilho amarelado à parede fria, mas Lynx Blackthorn preferia se manter oculta. Sob o feitiço de desilusão, ela mal fazia ruído ao atravessar os corredores que a levariam à biblioteca.
Suas passadas eram suaves, quase fantasmagóricas, enquanto o feitiço distorcia sua imagem, tornando-a um vulto invisível.
Seu coração batia firme no peito. Pesado. Ela sabia que a pesquisar sobre artefatos proibidos era arriscada, e sabia que sua curiosidade a levaria ainda mais fundo no caminho que havia escolhido. Mas para proteger sua família, não havia limites que ela não ultrapassaria.
Ao chegar na imponente porta de madeira da biblioteca, Lynx murmurou um feitiço simples de abertura e entrou, o som quase inaudível na vastidão do local. A biblioteca estava mergulhada em uma escuridão densa, exceto pelas poucas velas que flutuavam distantes no teto, iluminando levemente as estantes de livros.
Ela dirigiu à seção restrita.
Seus dedos tocaram suavemente os livros antigos, alguns com capas de couro rachadas, outros envoltos em feitiços de proteção. Ela buscava um em especial, “Magia das Trevas: Artefatos Perdidos”. O nome ecoava em sua mente, um fragmento de uma coisa há muito esquecida.
Enquanto folheava os livros, um peso familiar apertou seu peito, e ela congelou.
— “Você nunca entenderia…nunca escolheria o lado certo.”
A voz. Sua própria voz, mais jovem, ecoando dentro de sua mente. O ar da biblioteca se tornou mais pesado, como se o tempo estivesse prestes a se dobrar sobre si mesmo. E então, foi sugada por uma lembrança.
Lynx tinha quase quatorze anos, e a mansão da família Blackthorn estava fria como sempre. O ar cheirava a velas de cera e madeira envelhecida. Ela se lembrava vividamente do pai sentado à grande mesa de carvalho, com livros e pergaminhos à sua volta, o olhar cansado fixo em um mapa antigo. Havia medo em seus olhos, algo que a bruxa nunca havia visto antes.
— Pai, por que você está se escondendo? — ela perguntou, sentindo a ansiedade borbulhar em seu peito. Ele sempre fora um homem forte, decidido, mas agora parecia diferente. Vulnerável.
— Há coisas que você ainda não pode entender, Lynx. Coisas que não quero que você entenda…— A voz dele soava amarga, quebrada.
A bruxa mais nova se aproximou, determinada. — Você sempre fala em proteger a nossa família. Como posso ajudar se não souber o que está acontecendo?
Ele a olhou por um longo momento, como se avaliasse se deveria contar a verdade. Seus dedos frios deslizaram por um pergaminho aberto, revelando o símbolo de uma serpente enroscada em torno de um artefato brilhante. O artefato. Aquele que os comensais da morte queriam. Ele respirou fundo antes de murmurar:
— O que eu escondo…pode destruir mais do que você imagina.
— Eu posso suportar! — Lynx esbravejou. — Eu sou forte. Eu sou uma Blackthorn.
Ele balançou a cabeça levemente. — Não, lynx. Quando você se aproximar da escuridão, ela sempre encontrará uma maneira de entrar em você. Lembre-se disso.
Lynx se afastou, ferida e confusa. Naquele momento, a semente da rebeldia e da ambição havia sido plantada. Ela jurou que jamais seria ignorante ou impotente novamente.
O cheiro de livros antigos trouxe de volta à realidade. Ela estava de volta à biblioteca, com o livro nas mãos. Seu pai tinha razão. A escuridão estava entrando em sua vida, mais cedo do que ela esperava.
Com os dedos firmes, Lynx abriu “Magia das Trevas: Artefatos Perdidos.” na página marcada com um inscrição vermelho sangue. Ali estava o artefato. O mesmo do mapa de seu pai.
Sua respiração ficou presa por um instante, incerta sobre o que deveria fazer. Por hora, devolveu o livro para a estante. Primeiro, pensaria sobre o que fazer, depois, quando fosse a hora certa, voltaria para buscá-lo.
Não podia arriscar guardá-lo em seu quarto, não ainda.
E então, a bruxa deslizou para fora da biblioteca com ainda mais facilidade do que entrou e seguiu para o salão comunal, afinal, logo a cerimônia de início das aulas começaria.
— Senhorita, Blackthorn, está atrasada! — Professora McGonagall a repreendeu assim que a bruxa chegou à entrada do salão.
— Eu já disse, prof, uma Blackthorn…
— Eu sei, eu sei. Nunca está atrasada. — A bruxa mais velha fez um gesto de tanto faz com as mãos. Gostava da garota, menos de sua petulância. — Que isso não se repita.
— Certamente. — Lynx lançou um sorriso petulante e, então, seguiu sem pressa alguma para a mesa da sonserina.
A bruxa escolheu se sentar ao lado de Mattheo, e por sorte, a seleção ainda não havia começado. Não que estivesse completamente interessada, mas até que era legal ver os novos alunos serem selecionados para as casas que pertenceriam pelos próximos anos.
Usualmente, Riddle sentava com Nott. Hoje estava sozinho. Theodore sentado mais ao final da mesa, rindo e interagindo com outro grupo. Mattheo mais a frente – onde nenhum sonserino gosta de ficar em dia de seleção, tendo que ser simpático com os calouros, o que ele definitivamente não era nem tentava ser.
Ao se sentar, Lynx e Mattheo não se cumprimentaram, apenas tiveram ciência da presença um do outro.
A seleção foi iniciada, e como sempre, nada de diferente, exatamente como em seu primeiro ano.
Blackthorn encarou os calouros com um leve brilho no olhar, ao se lembrar de como se sentiu na sua vez. Nunca teve dúvida de que iria para Sonserina, assim como não se chocou quando sua melhor amiga, Morgan, foi selecionada para Grifinória.
Sua atenção retornou para o que acontecia, quando a professora chamou pelos calouros e pediu que eles se aglomerassem em frente ao púlpito donde todo o corpo docente observavam atentos, sentados na grande mesa de jantar.
Seguindo a ordem alfabética, não demorou muito para que os olhos de Lynx recaíssem sobre Blaise Zabini, um dos primeiros a serem chamados, e ela sentiu um leve nervosismo. Realmente tinha simpatizado com o calouro e seria ótimo tê-lo na sonserina.
— SONSERINA! — O chapéu seletor gritou e a bruxa não conteve o pulinho que deu em seu assento, assim como as palmas acaloradas.
Pôde ouvir Mattheo bufar e resmungar um “era só o que me faltava” a seu lado.
— Seja legal com o calouro.
— Meu cu. — Mattheo respondeu, cruzando os braços e desviando o olhar quando Blaise se aproximou da mesa.
— Bem-vindo, número quatro. — Lynx sorriu calorosa.
— Obrigado, colega sonserina! — Zabini respondeu.
Mattheo encarou os dois com uma carranca maior que a de costume, enojado com a cafonice daquela interação. Aparentemente, Blackthorn e o calouro sem noção do trem já tinham até piadas internas.
— Que quatro?! — Riddle ousou perguntar, meio indignado.
— Eu, você, o pedaço de lixo que você chama de amigo e o Blaise! — Lynx respondeu com um sorrisinho irônico.
— Ah, que lindo! — Riddle respondeu, igualmente irônico. — Agradeço a oportunidade de fazer parte do quarteto maravilha, mas não é pra mim.
— Meio tarde para recusar. — A bruxa rebateu.
— Temos tempo para te convencer. Os próximos seis loooongos anos, para ser exato. — Blaise retrucou, com um sorriso atrevido.
Entre risos, Blackthorn voltou seu olhar para os novos rostos presentes ali. Viu Draco Malfoy ser chamado e caminhar altivo como um pavão até a cadeira do chapéu seletor.
A professora Minerva sequer precisou encostar o objeto encantado na cabeça de Malfoy para que ele anunciasse em alto e bom tom:
— Sonserina!
A mesa de Lynx eclodiu em aplausos, muitos ali vindos de famílias que tinham alguma conexão com os Malfoy ou os Black, as linhagens de que descendia Draco, muito ricos e muito… esnobes. Um prato cheio para aqueles que julgam o garoto de cabelos platinados como o perfeito retrato do sangue puro bruxo.
Mattheo, no entanto, permaneceu quieto. Cerrou o maxilar e apoiou seus cotovelos sobre a mesa, perceptivelmente desgostoso, mas não surpreso.
— Ih, lá vem seu novo colega de quarto! — Lynx zombou.
Mas Mattheo já não prestava mais atenção na conversa. Enquanto Draco Malfoy se encaminhava em direção à mesa e se sentava ao final, junto aos mais sociáveis, Riddle encontrou outro foco à frente do salão.
Ele permanecia quase imóvel, seus olhos vidrados em um alvo bem específico dentre o grupo de calouros. Encarava o que quer que fosse com uma feição sombria, como se a luz sumisse de suas íris. Como se tivesse escolhido, dentre a carne nova, qual seria sua presa.
Por um momento, foi como olhar para Tom Riddle em pessoa e ela sentiu um arrepio percorrer a espinha.
— Mattheo Riddle! Regra do ano? Nada de calouras! — Lynx avisou em tom sério.
Não obteve resposta. O bruxo seguiu inerte. E Lynx não aceitava ser ignorada, então se sentiu ainda mais inclinada a fazer sua mensagem entrar por aqueles ouvidos.
— Estou falando sério! — Lynx se inclinou e tampou a visão dele com seu rosto. — Não. Mexa. Com. As. Calouras!
Mattheo pareceu sair de qualquer que fosse seu transe, finalmente olhando para Lynx.
— Já teve sua vez, Blackthorn, e eu não repito figurinha. Então vê se não me enche.
— Menos, biscate. — Lynx soltou uma risada debochada. — Nem todas as garotas morrem de amores por você.
Riddle curvou os lábios num sorriso convencido.
— Toda cachorra nesse campus morre por mim. — afirmou com veemência.
Lynx revirou os olhos, porque não era de um todo mentira.
Então, entregando-se a sua curiosidade, ela voltou a focar nos calouros em uma tentativa de encontrar a garota que havia prendido a atenção de Riddle.
Os novatos foram subindo e descendo do púlpito, mas ela não conseguia descobrir quem era. E em meio a sua frustração, um nome familiar foi chamado.
— Nosso aluno de intercâmbio, diretamente da Universidade de Durmstrang. — Os gritos dos alunos se espalharam no ambiente, com uma força maior do que para qualquer outro calouro. — Viktor Krum!
Lynx tentou, mas não conseguiu se conter ao bufar auditivamente com todo aquele exagero.
Pior do que os sons animados, eram as garotas cochichando e falando animadas sobre a beleza do jogador de quadribol.
— ‘Tá transtornada por quê? — Riddle, em quem Lynx nem prestava mais atenção, perguntou com um olhar sugestivo.
— Não faço ideia do que você tá falando. — Deu de ombros, ao sentir a irritação corroê-la.
E como se não pudesse piorar toda a situação, Krum a encarou no exato momento em que ele foi anunciado que iria para Grifinória. Blackthorn não hesitou e o encarou de volta, desafiadora.
Mattheo notou. É óbvio.
— Pelo visto, a regra de não mexer com calouros era só para mim. Das suas qualidades questionáveis, a hipocrisia é a que mais aprecio.
Blackthorn negou com a cabeça e apenas mostrou o dedo meio, ainda sem acreditar que teria mesmo de aturar Viktor Krum, suas fanzocas, sua postura perfeita e seu peito sempre estufado, estudando na Universidade de Hogwarts.
A grifinória entrou em festa enquanto as outras casas — incluindo o resto da mesa da sonserina — lamentavam, pois todos o queriam para o time de quadribol.
— É bom ir tirando esse sorrisinho da cara, porque se antes não tínhamos taça, agora não veremos nem a sombra dela. — Lynx riu em escárnio.
E como resposta, Mattheo mimetizou o gesto anterior de Lynx, mostrando-lhe o dedo médio.
— Se você não se garante como capitã do time, renuncie logo. Eu não vou perder pra um mauricinho do cu da europa.
— Vai sonhando. — Lynx respondeu ao voltar a encarar Krum em um olhar de desafio, pois sentia-se como Mattheo. Nunca entregaria os pontos. — Esse búlgaro tá fodido!
— Você é a capitã? — Blaise questionou entre risos, ao encarar a bruxa com um olhar de admiração.
— Uhum. Você joga? — Blackthorn sorriu ao ter uma ideia. — Nem precisa responder. Tá no time, número quatro!
— QUÊ?! — Mattheo arregalou os olhos e Lynx quase podia ver a veia saltada em seu pescoço. — E se ele for um bosta?! Não pode admitir gente na equipe assim!
— Eu sou a capitã, lembra? — Riu debochada. — Quer vencer do bulgaro idiota ou não?
— Ah, e esse mané aí que vai assegurar a vitória? — Apontou para Blaise.
— Esse mané está ouvindo! — Blaise reclamou.
— Nós vamos! — Lynx desviou seu olhar para Nott, e sinalizou o bruxo com as sobrancelhas. — Odeio admitir, mas o imbecil sabe jogar.
— Nott é um escroto, mas precisamos dele. Um dos melhores batedores que a Sonserina já teve. — Mattheo concordou. — Tirando eu, claro.
— Não vai ter espaço para tanto ego nesse time — Lynx riu. — Pois não se esqueça que esse ano abriremos testes para apanhador e artilheiros e não duvido nada que Draco Malfoy e sua petulância vão querer entrar.
— Mas nem que um testrálio tussa. — Mattheo afirmou, como se coubesse a ele esta decisão.
O nome Stella Cheveron foi chamado, e Blackthorn desviou sua atenção da conversa e encarou a garota de cabelos curtos e olhos castanhos. Observou o nervosismo tomar conta da caloura, que abriu um sorriso tímido, mas caminhou confiante até o banquinho e se sentou, sem demonstrar insegurança alguma.
Algo que foi admirado pela bruxa.
— Corvinal…— Lynx sussurrou.
Gostava de tentar adivinhar as casas que calouros iriam, como havia feito em sua primeira vez em Hogwarts.
Acreditava em sua capacidade de ler as pessoas. E ainda queria descobrir quem Riddle estava encarando mais cedo, então acabava prestando mais atenção quando algum nome feminino era anunciado por McGonagall.
— CORVINAL! — O chapéu anunciou alto e ela não conteve o sorriso ladino.
Era sempre excitante ver a alegria de quem era escolhido para a casa desejada.
O grupo de novatos foi se dissipando, conforme eram inseridos em suas novas casas. Lynx ainda não tinha sua resposta, e restava apenas uma última aluna de pé frente aos professores, pacientemente aguardando sua vez.
Os olhos de Mattheo vacilaram, direcionados para a tal caloura com certo interesse, o que não passou despercebido por Blackthorn.
— E por último, mas não menos importante: Zoe Bellerose! — McGonagall chamou, gesticulando com as mãos para que a garota subisse os poucos degraus até o chapéu.
— Sonserina não, Sonserina não, Caloura — Lynx murmurou, ao encarar o amigo ainda vidrado em Zoe.
Com alguns alunos acontecia o fenômeno popularmente conhecido como empata-chapéu, quando a seleção, que geralmente é rápida, demora mais que o esperado. Sendo literalmente a última, o corpo de alunos já estava sem muita paciência, querendo apenas se deliciar com o banquete que vinha depois.
— Por Merlin! Acaba logo! — Pansy Parkinson, uma das calouras que havia entrado para a Sonserina também esta noite, reclamou, gerando risadinhas e burburinhos na mesa.
— Shh! — Mattheo repreendeu, sem paciência, sua atenção focada na cerimônia.
Era a prova que Lynx precisava. A loirinha sentada no púlpito que deixará o chapéu indeciso também era o mais novo objeto de desejo de Riddle, aparentemente.
— LUFA-LUFA! — O chapéu anunciou e o salão eclodiu em palmas, embora a maioria fosse de alunos famintos que não viam a hora de comer.
Lynx nem conseguiu disfarçar a sensação de alívio, ao menos algum tipo de distância separaria Mattheo da garota.
O jantar foi anunciado por Dumbledore e então, a comida simplesmente apareceu na mesa.
Enquanto todos os alunos passaram a comer e conversar animados, Lynx retornou ao limbo em sua mente. E mesmo sem deixar transparecer em suas feições, a incerteza e o medo voltaram a pairar em seu coração. Por isso, procurou pelo único rosto conhecido que poderia lhe dar nem que fosse um pouco de tranquilidade.
Mais a frente, na mesa da grifinória, seus olhos encontraram os de Morgana Fireheart.
Como sempre, ela levou uma das mãos em forma de “hang loose” até o nariz e fez uma careta, o que deixou suas covinhas expostas, assim como as ruguinhas em sua pele.
Morg devolveu quase da mesma forma.
E, apesar das preocupações que só aumentaram nos últimos meses, não deixou de esboçar um sorriso.
Tudo se resolveria. Lynx Blackthorn jamais aceitaria uma derrota. Adorava uma boa briga. Procurava por elas.
Lynx.
Ele a havia visto pela segunda vez na seleção das casas. Era seu primeiro dia em Hogwarts como aluno de intercâmbio, e enquanto estava esperando para ser selecionado, seus olhos a encontraram no Salão Principal, sem que ela notasse. Lynx estava entre os alunos da Sonserina, o rosto sereno, mas havia algo no olhar dela. Então lembrou-se da maneira como ela o encarou quando foi recebido pela grifinória. O olhar frio e calculista. E, mesmo que ela tivesse desviado logo em seguida, aquele momento ficou gravado em sua mente.
Agora, vendo-a ali sentada sozinha no pátio, banhada pela luz da lua, o mesmo olhar parecia perfurar sua memória. Krum hesitou por um segundo, como se aquele mesmo olhar estivesse avaliando cada passo que ele dava. Mas ele respirou fundo e decidiu se aproximar. Algo sobre Lynx parecia o puxar para perto, mesmo que se sentisse apreensivo.
Quando estava próximo o suficiente, ele limpou a garganta, tentando encontrar as palavras certas. Mas, como sempre, sua confusão interna tornava tudo mais difícil.
— Você…Slytherin Girl. — Krum falou baixo, com seu sotaque carregado e o olhar ainda fixo nela. Lynx levantou os olhos lentamente do livro em suas mãos, e, por um momento, Krum teve a sensação de que estava de volta aquele momento na seleção, com o olhar dela novamente o analisando, o pesando. Mas ela não disse nada, apenas o observou em silêncio. — Eu…queria falar com você. — ele continuou, tentando ignorar o nervosismo que crescia em sua garganta. O silêncio dela sempre o fazia sentir que cada palavra era julgada. — Sobre o que aconteceu…no…hm. — Não conseguiu se lembrar do nome do lugar ou dizê-lo em inglês.
Lynx não se moveu, mas ele viu o brilho frio de curiosidade em seus olhos, ela havia entendido.
— E o que exatamente você tem a dizer sobre isso, Viktor ? — A bruxa perguntou, com uma voz baixa e controlada.
Ele engoliu em seco, passando a mão pela nuca. — Eu…Ne iskakh da sazdavam problemi. — Ele parou, percebendo que havia deslizado para o búlgaro e corrigiu-se. — Quero dizer…eu não queria interferir. Naquela noite…com…você sabe.
— Mas interferiu e não era da sua conta. — Ela novamente arqueou uma sobrancelha, então colocou seu livro de lado e cruzou os braços sobre o peito.
— Mas você…você me puxou para dentro daquele quarto. Pensei que talvez...precisasse de ajuda. — Krum franziu o cenho, confuso.
Lynx soltou uma risada baixa, mas seus olhos continuavam avaliando cada palavra dele.
— Eu puxei você para dentro para evitar uma cena ainda maior com Theodore. Não foi um pedido de ajuda. — Lynx deu de ombros.
— No ti me drapna.. — Krum murmurou, novamente em búlgaro, sentindo a frustração crescer. Ele balançou a cabeça, tentando voltar ao inglês. — Mas você me puxou. Achei que talvez…você precisasse de mim.
— Eu agradeço a preocupação — Blackthorn abriu um sorrisinho torto. — Mas eu posso lidar com Theodore sozinha. Eu não preciso que ninguém me defenda.
Krum ficou em silêncio, olhando para ela com uma mistura de confusão e frustração.
— Eu só queria…pedir desculpas — disse finalmente, suspirando, o olhar dela sempre parecendo penetrar suas defesas. — Pelo livro…e pelo que aconteceu depois. Eu não queria te causar problemas.
Lynx o observou, e por um breve instante, seus olhos suavizaram, embora o tom de sua voz permanecesse firme. — Você já pediu desculpas. Está resolvido, Viktor.
Krum assentiu lentamente, a luz da lua refletindo em seus olhos enquanto ele a encarava. — Você é…complicada — ele disse, um leve sorriso surgindo em seus lábios. — Mas…tudo bem. Sem mais interferências.
Ele se virou para ir embora, mas antes que pudesse, um envelope caiu em suas mãos e ele franziu o cenho, confuso. Meio sem saber o que fazer, ele virou para Lynx, que abriu um sorriso travesso.
— Sheguvat li se s men? — Ele quis saber se estavam pregando alguma peça nele.
Blackthorn manteve os olhos focados no bulgaro, louca para ver como seria a reação dele.
O som da carta reverberou pelas paredes de pedra e algumas corujas nos telhados voaram assustadas. Krum deu um salto onde estava, o que arrancou uma risada por parte da bruxa, mas quando a olhou, tinha um leve sorriso de diversão nos lábios dela.
— Festa de calouros, é? — ela comentou, a voz baixa e ligeiramente sarcástica.
Krum, ainda um pouco atordoado pelo berrador, balançou a cabeça e deu um sorriso constrangido. — Parece que sim… — riu meio sem jeito. — Você estará lá?
Lynx arqueou uma sobrancelha, claramente surpresa pela pergunta. Seus olhos brilharam levemente à luz da lua, e ela ficou em silêncio por um instante, ponderando. — Quem sabe.
E então, sem dizer mais nada ou sequer dar a chance para qualquer outra pergunta, a bruxa se virou e sumiu para dentro do castelo, deixando Krum ainda mais confuso do que já se sentia.