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Revisada por: Hydra

Última Atualização: 19/07/2024
A história de Yuna, a rainha feiticeira, começou muito antes de seu nascimento. O início vem de quando seu bisavô, Valask, decidiu que humanos e criaturas poderosas como feiticeiros não tinham capacidade para dividirem terras e que se tornaria perigoso em algum momento a convivência entre os dois povos. O egoísmo ora ou outra faria com que as faíscas que já existiam se tornassem algo muito mais intenso e difícil de mediar.
Foi então que, na terra média, Valask convenceu os seus iguais a se unirem e fundarem o próprio reino, assim se veriam livres de possíveis conflitos. E Valask teve grande parte o apoiando, incluindo anciãos que por muitos anos viveram sob o domínio de algum senhorio de grande poder naquela cidade antiga. O seu propósito incluía esse livramento de servidão que muitos feiticeiros tinham perante os humanos.
Os planos de Valask eram os mais puros e defendiam sua espécie.
Fundou-se então o reino Ayaseo, comandado pelo rei Valask I e com suas leis fundadas em cima daquilo que era considerado benéfico para a população de feiticeiros. Claro que não foi fácil para Valask convencer os senhores que se consideravam acima dele a aceitar que iriam partir em massa e que, daquele momento por diante, os humanos que se virassem para conseguir suprir suas necessidades que dependiam de magia.
E, como uma medida de segurança até mesmo para que os feiticeiros fossem deixados em paz, um primeiro acordo fora feito com o rei para que, simbolicamente, confiassem que Vaskai não seria afetada e nunca atacada por aqueles que estavam indo embora. Então foi necessário que todos os feiticeiros, os mais de 300 homens e mulheres, produzissem uma proteção que sairia da nascente de água para todas as residências; esta proteção não permitiria que os humanos fossem manipulados facilmente por qualquer magia, portanto, não estariam vulneráveis.
Para I aquele ato era um tranquilizante, pois assim sabia que a ideia de partida do povo de Valask se justificava apenas pela convivência, descartando qualquer ideia sobre um golpe que poderia tomar dos feiticeiros.
A segunda medida de segurança tomada foi um tratado. Nenhum dos dois lados teria poder sobre as terras do outro e, se quisessem algo, como parte de uma boa colheita, deveria ser pedido e não reivindicado. E o primeiro que descumprisse com tal medida seria condenado à sentença de morte, sendo ou não poderoso. O reino, pois bem, seria tomado por aquele que fora invadido.
E o tratado foi firmado em uma pedra, numa estrutura firme de rochas, no caminho que separava os dois reinos, mantendo uma distância certa de cada lado. Selado com a magia forte de todos os feiticeiros representantes daquele reino que estava sendo fundado, junto da tão poderosa espada de ouro do rei humano, que era a única arma capaz de matar um feiticeiro, colocada no meio da pedra, sendo fundida ao concreto.
Poucos anos depois, Valask I faleceu, deixando seu filho como líder de todo um povo. I demorou cerca de vinte anos para seguir o mesmo rumo. Valask II e II seguiram à risca todos os planos deixados em cartilhas e em formato de leis por seus pais. Vaskai e Ayaseo se tornaram dois grandes reinos e em torno deles surgiram outros. Mauok, o reino dos elfos, se juntou para as leis da pedra; logo em seguida, foi a vez de Lysantre, das fadas — o que custou aos dois primeiros acreditarem que realmente existiam fora das canções.
Então, logo se formou o reino Di Quatuor, composto por essas quatro divisões. E com isso se fez necessário as reuniões de seus senhores a cada colheita para que houvesse a paz e harmonia dentre todos.
Pelo ponto de vista padronizado do que se esperava, Valask III não teve a felicidade inicial de ter um filho homem para o suceder. Infelizmente, sua esposa faleceu no parto de Yuna, sua única filha, e casar-se de novo ia contra toda e qualquer lei de sua espécie, os Ayaseanos. Para seu avô, tudo acontecia por uma razão específica e deveria haver respeito quanto a esta natureza. Nada vinha sem propósito.
Portanto, Valask III não teve outra opção a não ser levar Yuna para as reuniões. Ela deveria ser preparada para governar o seu povo futuramente, e, assim como ele, que aos sete anos já ia com seu pai, a hora dela havia chegado.
— Mas papai, eu ainda não sei como controlar meus poderes. — a garotinha disse, enquanto aguardava abrirem a porta de sua carruagem. Ela estava com medo daquele lugar escuro e com aquela atmosfera séria, queria voltar para seu castelo e brincar com Soriah.
— Eu era mais novo que você quando vim pela primeira vez, Yuna. — Valask a disse, tentando ser compreensivo. Com certeza sua doce Ehra saberia lidar melhor com aquela situação. — E também não tinha noção de como controlar meus dons. — olhou-a firme, corrigindo a forma como mencionava seus “poderes” com a magia. — Mas meu pai confiava em mim, assim como confio em você, minha filha. Um dia, no futuro, Ayaseo será comandada por sua sabedoria e estar aqui faz parte desse processo.
Valask apertou a mão da criança suavemente e ela apenas assentiu, mesmo que ainda não compreendesse a necessidade de estar ali.
O rei feiticeiro seguiu com sua filha pelo caminho, entrando naquele lugar rochoso e iluminado apenas por velas e tochas nas paredes. Yuna apertava sua mão, deixando transparecer todo o medo que sentia e ele não a culpava, era apenas uma menina e sua garotinha podia ter o medo que tivesse. Ele a protegeria.
Foram os últimos a chegarem. Sob os olhos atentos dos outros três reis, Valask entrou no ambiente sem receios, mesmo que soubesse dos possíveis comentários sobre, dentre todos, ser o único a não ter tido um filho homem para dar continuidade ao seu reinado. Entretanto, ele não ligava.
— Uma mulher? — III foi o primeiro a dizer, não escondendo sua arrogância humana. Yuna imediatamente se escondeu atrás das pernas de seu pai.
— E qual o problema, ? — Fëanor, rei dos elfos, perguntou. Sua superioridade era algo de classe. — Garanto que ela tem a mesma capacidade que a do pai para governar.
— Nem do reino das fadas tivemos uma mulher… — o humano insistiu.
— Eu acredito que não seja de sua conta quem irá ou não reinar em meu lugar, — Valask disse, se sentando em seu lugar, seu tom sem preocupação nenhuma. — Vocês humanos estão bem amparados pelas leis da pedra e, devo ressaltar, a sua nascente. A lei é a lei, não foi seu bisavô quem fundou isso?
não o respondeu. Apenas engoliu aquilo com todo o desprezo possível.
E enquanto os adultos ali prestavam atenção em seus interesses, naquela breve discussão, Yuna e o filho de III se aproximavam. O garotinho tinha em mãos uma flor que colheu aos pés da mesa de pedra — e que achou adorável por ser a única ali. Ele se aproximou com cuidado e estendeu para a menina em sua frente, porém, ao fazer isso, viu a flor murchar. Yuna a pegou em seus dedos, sentindo o toque na pele do menino. Ao pegar o pequeno lírio em sua mão, sentiu aquela corrente diferente por seu corpo, fazendo-a voltar a ficar em pé e viva.
Valask e encararam a cena atônitos, o filho do humano havia dado uma flor sagrada para Yuna, muito simbólica, inclusive. O lírio simboliza o amor eterno e aquela que estava ao pé da mesa só era tocada por aquele com intenção pura, certo para quem a entregaria. E o jovem IV deu para Yuna. Era o equivalente a prometer para a futura rainha feiticeira seu amor eterno.



Ayaseo
A canção era linda, mas na voz de Soriah soava como o canto das fadas em uma noite estrelada e banhada ao clima bom de uma colheita farta. Não importava o Sol forte que estava no céu, com seus raios escaldantes e cores tão chamativas como a bela estrela brilhava diariamente, para qualquer ayaseano a abundância daquela manhã não seria abalada por nenhum outro detalhe natural. Era tudo sobre a alegria que mais uma temporada de plantio estava lhes entregando, portanto, a cantoria, as cirandas das crianças, dentre tantas outras formas de celebrações não seriam cessadas pelo calor.
O silêncio se fez apenas pelo despontar da carruagem da rainha; claro que era um ato de respeito, recebê-la com aquele mar quieto de pessoas satisfeitas e admiradas não só por sua beleza, mas pelo reinado marcado por bons feitos. A rainha Yuna fora a primeira mulher a assumir o reino dos feiticeiros e há cerca de dez anos já tinha muitas histórias que serviram para conquistar seu povo. Assim como seu falecido pai, Valask III, o terceiro rei de uma linhagem iniciada por seu bisavô de mesmo nome, Yuna estava sendo não só uma boa feiticeira, mas uma excelente líder para seu povo; seu dom da magia, tão grande que era, poderia ser o nível de comparação para medir a satisfação quanto ao seu reinado.
As crianças que estavam mais distantes do caminho de pedras sobre areia, correndo pelas estufas, direcionaram suas corridas para o meio fio, esperando por sua saída da carruagem, como sempre, deslumbradas. Todos os feiticeiros que estavam ali trabalhando pararam o que faziam, a fim de seguirem o olhar para o mesmo foco. E a cantoria de Soriah cessou, com seu sorriso formado nos lábios.
— A rainha! Curvem-se para a rainha! — um dos homens disse, ao fundo da plantação, fazendo com que todos ali se curvassem no exato momento em que o cocheiro abriu a porta.
Ela era elegante, dona de uma simplicidade que nem mesmo o menos afortunado dos homens possuía. Sua presença era sempre rodeada não só pelo carinho de seu povo, mas o seu próprio afeto por eles. Yuna não se esquivava de conversas, não se colocava distante de nenhum homem e mulher, brincava com as crianças que lhe alcançavam, adorava caminhadas matinais pelas estufas abertas naquela zona de plantio mais afastada do castelo e, talvez o mais importante pelo ponto de vista ayaseano, não se distinguia de ninguém por ser a rainha. Era uma feiticeira assim como eles e não se sentia a mais pelo tamanho de seu poder.
Assim como as crianças gostavam de vê-la passar, os adultos, até mesmo os mais velhos, que ainda haviam acompanhado o reinado de seu pai, se agraciavam com o prazer de terem sido abençoados pelos céus por terem uma pessoa no poder do povoado de tamanha competência e companheirismo. E Yuna já estava acostumada com todo esse carinho, talvez tenha sido isso que sempre incentivou a jovem rainha a se colocar no papel de seu povo sem sentir-se diferente, ou maior que qualquer um deles. A criação que seu pai se empenhou em manter acabou por render a boa convivência e harmonia entre todos.
Afinal, Ayaseo fora fundada com base no desejo de seu fundador em ter um clima tranquilo de boa convivência.
Soriah passou por entre os feiticeiros curvados, sorridente como sempre e segurando firme a alça do cesto que carregava, ia em direção de sua, além de rainha e mentora, melhor amiga. Não estava vestindo nenhuma falsa carapuça em seu comportamento saltitante, se sentia extremamente alegre e satisfeita com o que estavam colhendo, e, como de costume, era seu dever cruzar aquele mar de pessoas para chegar a Yuna e lhe relatar tudo. Não era como uma via de regra em que Soriah deveria delatar à rainha tudo o que acontecia no reino, assim como os humanos possuíam conselheiros em meio de seus governantes; por ser sempre ligada em todos os pontos de Ayaseo, Soriah, talvez dentre todos ali, era a pessoa que Yuna mais confiava e sabia poder colocar suas mãos em chamas caso fosse preciso.
Ao alcançar o caminho de pedra, curvou-se brevemente, mesmo com o revirar de olhos vindo de Yuna — ela achava isso uma extrema atitude desnecessária por ser de uma pessoa que passava mais do que o comum de tempo ao seu lado e que não compartilhava uma relação regada às formalidades.
— Você vai morrer revirando os olhos, porque eu nunca irei deixar de me curvar diante da minha rainha. — Soriah comentou, ainda com a mesma animação.
— Até o dia em que eu usar de uma medida mais-
— Ah, não, rainha… Você não usaria magia de manipulação contra sua melhor amiga e conselheira só porque se recusa a vê-la curvar-se diante de ti. — cortou a fala de Yuna, com o uso de humor em suas palavras.
— Conselheira? — Yuna a encarou cética.
Soriah riu fraco, sabendo que aquilo a deixava um pouco incomodada.
Uma das maiores exigências em Ayaseo, desde o primeiro governo daquele povo, era de que não existiriam distinções. Quando foi feita a divisão de reinos, buscando firmar a harmonia para os feiticeiros e, como consequência, para os respectivos que foram divididos e formados, Valask I tomou como exigência que nenhum traço do que era o reino humano fosse vivenciado pelo seu povo. Fundar um reino para os feiticeiros se verem livres da servidão humana foi justamente para que o tipo de cenário em que Yuna estava naquele momento fosse corriqueiro; basear-se em princípios, como o respeito, rendeu aos ayaseanos mais do que um lugar de moradia. Ayaseo tinha esse significado a mais e o ponto principal era sobre a sua essência.
São pessoas com poderes, desde os mais simples aos mais complexos, mas, mesmo assim, não existe o maior ou mais poderoso, cada um aprende com o outro o que deve agregar.
Soriah sabia muito bem que Yuna não gostava de fazer comparações, por menores que fossem, mas, mesmo assim, ainda brincava com sua amiga.
— Não se enrijeça, rainha… Hoje está um lindo dia para ficar se preocupando com trivialidades. — ela movimentou o ombro, encostando em Yuna levemente. — Olhe para isso! — e se virou com os braços abertos, de maneira que o cesto pendurado não caísse.
Yuna tomou um tempo para analisar, virando-se para a imensidão que Soriah apontava. Era um terreno vasto, em que inúmeras caixas estavam sendo carregadas, com os mais diversos itens, dentre verduras, legumes, frutas, tudo o que fosse possível e a terra poderia fornecer em troca do cultivo respeitoso. Em seu mais íntimo, a rainha se sentia afagada por aquele ambiente, como se fosse uma mensagem direta de que estava indo bem e o resultado de mais uma temporada de colheita vinha como um abraço acalorado, em um tipo de tranquilidade por saber que mais uma vez fez certo.
Infelizmente, quando a divisão dos reinos foi feita, os humanos pegaram o melhor pedaço da Terra Média, pois alegavam que não possuíam magia e nenhuma sabedoria elevada para conseguir cultivar em terras menos propícias, e isso poderia acarretar dificuldades com a alimentação de todo um povo. Valask I, o fundador de Ayasseo, não gostava da ideia da necessidade, da fome e da desvantagem. Ia contra seus princípios e ideais, estes que, inclusive, selaram sua busca por separar feiticeiros de humanos; portanto, no fim, ele cedeu e enfrentou o caminho longo e duro para que pudesse cultivar no pedaço de terra que lhe restara.
Entretanto, por terem sido os últimos na formação, Lysantre acabou por ficar com o trecho de todo o conjunto Di Quatuor que menos possuía vida. Isso não foi de fato tão ruim para as fadas, pelo contrário, assim como nas canções antigas que contavam sobre seu cuidado com a criação e manutenção de tudo o que carregava vida, eles conseguiram se manter e erguer-se em cima do solo menos proteico com muito afinco. O trabalho pesado, tanto conjunto quanto individual, com muita doação de cada uma das fadas naquele reino, resultou na abundância de suas colheitas, assim como em Ayasseo. A harmonia, por fim, se estendia entre os dois povos, além dos elfos. Era uma pena que Vaskai, mesmo não estando tão longe dos três, ainda se fazia distante; e sobre isso a rainha Yuna sempre pensava e ponderava, porque era de sua criação e essência se importar com os demais, algo passado de geração em geração desde seu tataravô, idealizador de todo aquele cenário harmônico.
Ver que as coisas continuavam a seguir o rumo ideal fazia com que ela respirasse aliviada e deixasse de lado até mesmo o oposto do trivial, partindo apenas para o pensamento de como tudo sob o seu olhar estava prazeroso de admirar e que seu pai deveria estar orgulhoso de como as coisas em seu comando caminhavam. Fechar os olhos brevemente, pressionados e com aquele sentimento genuíno da saudade, banhada na compreensão da ordem natural da vida, foi um ato de respeito e amor; era exatamente sobre isso, duas coisas que, juntas, fizeram parte da agregação de conhecimento para que Yuna pudesse governar sabiamente seu povo.
Ao abrir suas pálpebras, viu que seu povo já estava se levantando, e em sua maioria o sorriso continuava imenso. Quem não estava sorrindo era porque usava a boca para sibilar palavras de gratidão e admiração, deixando Yuna ser trazida de volta à realidade em que estava. Apesar de apreciar ser respeitada e agradecida, não era apenas seu trabalho como rainha que trazia aquele resultado, parte disso estava ali, bem diante de seus olhos. Eram os homens, mulheres e até mesmo as crianças mais teimosas que se aventuravam em aprender sobre plantações, que fizeram tudo aquilo acontecer, não existia magia certa, se dava pelo cuidado individual de cada um. E mesmo que soubesse ser um reflexo de como era com seu povo, recebendo o que dava, não podia e não queria levar o crédito de tal forma. Se tratava de todo um conjunto daquela cadeia de produção.
Sorrindo levemente para todos, ela assentiu, como forma de resposta.
— O que teremos para o inverno? — perguntou, virando o rosto para Soriah.
— Seria mais fácil perguntar o que não temos, Yuna — a outra respondeu, sob um riso frouxo. Olhou da rainha para o povo, retornando o olhar em Yuna ao continuar: — Talvez apenas a quantia de morangos seja menor do que a da primavera passada. Mas ainda assim podemos lidar com isso, visto que tivemos sobras.
— Sobras? Estas foram enviadas aos vilarejos e compartilhadas com o restante de Di Quatuor, sim? — Yuna se atentou, expressando de forma preocupada, e Soriah podia enxergar isso mesmo que ela não possuísse o franzido no cenho.
— Sim, fizemos nossas entregas — afirmou, não alterando seu tom para cessar a preocupação de Yuna, reconhecia que a reação de sua rainha se fazia um tanto preocupada demais às vezes; uma resposta simples bastaria, de nada iria adiantar debater situações, desde as mais simples até as mais complicadas. — A última carruagem chegou ontem, além das entregas feitas no dia da colheita, dispusemos mais pelas sobras que tivemos.
— Perfeito. E já temos as divisões desta? — devagar a feição de Yuna se suavizou e ela retornou a olhar para aquela extensão de plantio, com os presentes ali retornando seus trabalhos em colher tudo o que tinham para retirar da terra.
— Sim, a primeira entrega será para Lysantre.
— Não iremos deixar Vaskai por último. Comece pelos humanos. — a voz de Yuna foi firme, ainda mantendo seu olhar na direção do horizonte de sua plantação.
— Mas… — Soriah não compreendeu muito bem.
Vasakai não possuía um bom relacionamento com nenhum dos reinos que formavam Di Quatuor, eram isolados, apesar de estarem no mesmo pedaço de terra e terem sido o primeiro reino formado e de conhecimento geral. As histórias antigas, por mais pesadas, tristes ou cheias de caos que eram, podiam soar menos terríveis e assustadoras do que se ouvia na atualidade. Apesar de serem quatro reinos divididos, ainda possuíam o respaldo da mesa de pedra, construída para que leis fossem criadas quando houve a divisão e formação de novos reinos. Eventualmente faziam reuniões para serem discutidas as questões que espelhavam entre si; não sabiam o que a cruzada no oceano reservava em nenhum de seus lados, portanto era necessário que se mantivessem em harmonia e na boa convivência para quem quer que fosse a despontar pela costa de qualquer um deles, fosse combatida em conjunto e não houvesse prejuízos.
Tanto Valask quanto , os primeiros de suas linhagens, acordaram que o princípio daquela divisão era este: harmonia.
Não houve muitas divergências em ideias para a criação de leis, mesmo que tenha sido um tanto difícil encontrar a concordância, por parte dos humanos, claro. O passo mais difícil, contudo, fora a primeira ação: lutar por aquela divisão. E Vaskai havia feito com muito afinco, portanto, mesmo que fosse um reino com histórias ruins e não muito bem-visto pelos seus vizinhos, era necessário que os deixassem viver conforme queriam, desde que os interesses alheios não fossem afetados. Isso, todavia, ainda era mantido; IV poderia ter tido todos os erros e cometido todos os seus equívocos, Yuna manteria o propósito da saúde daqueles que a importavam, agindo sim pelas beiradas e também cuidando, da forma como podia e lhe cabia, fosse de Vaskai, Lysantre ou Mauok.
Afinal, era uma cadeia de interesses, se não cuidasse do externo, de que adiantaria seu ambiente interno ser harmonioso?
— Faça o que estou pedindo, apenas isso. — Yuna soou o mais simples e saiu em caminhada para a direção do campo à sua frente, iria cumprimentar cada um ali e expressar sua gratidão.

🗡️


Di Quatuor era formada por quatro reinos, sendo: fadas, elfos, feiticeiros e humanos, e cada um deles possuía suas características cantadas nas canções que rodavam de um a um.
Sobre Lysantre era fortemente dito como eles tinham o poder e a delicadeza para fazer com que a vida fluísse e não enfrentando nenhuma forma de ser podado. Zhara, o rei fada, era tratado como um ser doce, assim como suas antepassadas foram, e isso também complementava a história lysantrina. Os trechos variavam sobre como era possível sentir-se encantado e ter a sensação de estar maravilhado com o que encontrava atrás do bosque de cores, assim como sempre dito, tão vivas. O caminho de dois dias desde o centro de Di Quatuor, local da gruta das leis, levava a uma parede verde de árvores robustas e maiores até mesmo que as torres que escondiam os interiores do castelo élfico e, por detrás da brisa que as folhas emanava, existia aquele pedaço com um povo tão aconchegante. Qualquer um que adentrar o bosque, dizia a canção, irá se sentir acolhido e perderá o caminho de retorno, sua linha tênue, inclusive.
Em Mauok o traço contado era sobre como os elfos tinham tamanha presença e elegância, vivendo de forma fechada e tão pouco preocupados, visto que para eles o egoísmo não era encarado como uma presunção. A imortalidade se fazia como o ponto alto, embora fosse a beleza tão exuberante que se fizesse mais impactante para os demais seres. Muito era cantado a forma como eles viviam, pouco de fato se falava de como e de onde surgia a longevidade. Fëanor, o rei elfo, era, inclusive, o ser mais velho de toda Di Quatuor, e chegou na mesma época de fundação, pouco depois de seu pequeno povo desbravar o oceano, saindo de uma ilha minúscula que fora atacada, colocando em risco de extinção os elfos. Na letra da canção mauokana, além da elegância e imortalidade, Fëanor era bem lembrado por seu feito de navegar um oceano e reconstituir seu povo em um outro continente.
Sobre os humanos se tratava do poder físico, sua forma de viver em um pedaço de terra com outros reinos de poderes distintos e, se equiparado, mais elaborados e que permitiam certo poder a mais. Até mesmo a imortalidade élfica trazia muito conhecimento e habilidades para os elfos, enquanto o que os humanos aprendiam em seu tempo curto de vida, nem mesmo se fazia relevante. A canção mais curta era sobre eles, pois não se falava muito sobre a outra parte e as letras cantadas eram criadas para divertir e gerar o entretenimento de quem ouvia. Quem iria gostar de ter em seus ouvidos um conjunto de palavras que fosse retratar mesquinharia?
Como tudo precisa ter um equilíbrio, assim como todos os reinos acreditavam fielmente pelo céu que se equilibrava em dia e noite, que cada reino possuía seu lado obscuro. Porém, sobre isso as canções eram censuradas e as que tratavam dessa questão eram pouco cantadas. Levou muito tempo, por exemplo, para que Yuna soubesse que Ayasseo era o reino fadado à solidão, mesmo que tanto doasse. Era algo sobre o anseio de seu tataravô em se distanciar de humanos, ou qualquer outra criatura existente que pudesse querer se apossar de seus iguais pelo poder com magia, ter gerado aquele tipo de realidade onde ninguém se aproximaria. Por um lado isso era bom, mas até qual ponto da história sendo construída, Yuna já não tinha mais certezas.
Por mais aterrorizante que pudesse chegar a ser, ainda que Vaskai fosse amedrontada em suas letras por ser fadada sempre ao fracasso da mesquinharia, ou que Mauok tivesse em sua história a certeza da imortalidade, para ayaseanos, a solidão se fazia mais cruel. Entretanto, já se faziam mais de trezentos anos desde a fundação de Di Quatuor, com isso veio a aceitação e o costume de viver com tal cenário.
Então, nenhuma canção, censurada ou não, seria capaz de arrancar a alegria daquele povo ao dar boas-vindas para mais uma abundante colheita. Talvez não existisse naquele continente um único ser não ayasseano que estivesse mais feliz estando distante dali. Não existiam sorrisos maiores e brilhantes, ou tão genuínos quanto. Se tratava de todo um trabalho árduo de meses, com dias e noites chuvosas, o alto calor que a cada temporada se intensificava mais. Era sobre a gratidão. E isso, Yuna também carregava em seu peito. Olhava para aquela imensidão de homens, mulheres e crianças, enquanto sentada em sua cadeira, ao lado de seus amigos, mantendo a satisfação e tranquilidade em todo o seu ser.
— Você podia sorrir mais, Taeyon. — ergueu a taça com seu vinho, levando aos lábios para entornar parte do líquido, ao mesmo passo que virava seu rosto de perfil, encarando o homem do seu lado direito. — Talvez seja o inverno em que estaremos mais bem protegidos e com as dispensas repletas de toda a variedade que nossa terra produziu. — completou, ao ter a atenção dele, após seu gole curto da bebida.
Ele a encarou de volta, com sobrancelhas erguidas, parecendo retornar de alguma viagem interna de sua mente. Abriu os lábios, não dizendo nada antes da lufada de ar que tomou. Então sua voz saiu um pouco mais baixa que o comum, porém ainda assim audível.
— Peço desculpas, minha-
— Não sou sua. Não complete essa frase. — Yuna retornou o rosto para o modo ereto, olhando à frente e novamente bebendo vinho.
Odiava formalidades com aqueles que eram tão próximos de si.
— Me desculpe… — Taeyon respirou lentamente desta vez, também virando o rosto para frente. — Talvez seja o cansaço de ter ido para o sul e voltado em apenas uma semana.
O sul, era isso. Ouvir qualquer coisa que se remetia a Vaskai trazia em Yuna um formigamento, o qual ela nunca saberia dizer do que exatamente se tratava. Viviam em extremos opostos, Ayasseo estando no norte e Vaskai no sul. Se encontravam no centro quando era necessário e tinham reuniões dos respectivos reis e a única rainha, e isso já se fazia extremamente mais do que o necessário. Encontrar o humano tinha aquele peso em seu ser, como se ele trouxesse para ela sugar todos os seus problemas e anseios; não era como se seu cenário fosse perfeito e banhado em somente coisas boas, não, Ayasseo também tinha problemas, mas a forma de lidar com eles sempre prevalecia como um bom divisor para comparativos.
Era cansativo encarar o olhar carregado dele, por mais que tenha sido um nome presente e marcante de sua infância. Contudo, ainda era extremamente importante manter a boa convivência, nem que fosse apenas aparência. Os encontros eram bem eventuais, nos últimos dez anos, aliás, haviam se visto cerca de quatro vezes e isso já era bom o suficiente. Yuna se preocuparia com a visão que tinha em sua frente, de seu povo celebrando. Mesmo que Tayeon tivesse citado algo que se remetia diretamente a , ela iria focar apenas naquilo que de fato importava: Ayasseo.
Mas a voz dele se fez presente novamente depois do silêncio dela, os dois estando na mesma posição ainda.
— Pergunte, eu sei que você está se perguntando sobre ele…
Ela pousou a taça em cima da madeira que formava sua enorme mesa naquele palanque do salão real, que dava total visão de todo o ambiente, podendo sempre enxergar até mesmo as entradas laterais e a principal estando posicionada diretamente na frente da porta. Yuna tomou a mesma lufada de ar que fora pega por Taeyon há poucos segundos e evitou expressões.
— Não tenho nenhum interesse no rei de Vaskai — respondeu, sem muita demora.
— Sim.. — Taeyon murmurou, ficando mais confortável na cadeira em que estava, de modelo menor do qual a rainha se sentava. — Ele ainda segue sendo o primeiro Vaskai a não ter se casado.
— Não prossiga com esse assunto, Taeyon! — Soriah apareceu entre a cadeira dos dois, dizendo firme ao colocar uma tigela com frutas na mesa. — Hoje é sobre celebrar, não incomode sua rainha com trivialidades.
— Eu só estava dizendo o que Yuna gostaria de saber. — ele se defendeu, dobrando o cotovelo no braço da cadeira e colocando o queixo na mão. — E, palavras dela, ela não é minha.
Olhou de Soriah para Yuna, recebendo um revirar de olhos da segunda.
Yuna arrastou a cadeira, levantando-se imediatamente. Ajeitou a saia longa de seu vestido e bateu firme as botas no chão, dando a volta no móvel.
— Vou descansar, não tirem a proteção da porta. Não queremos os adultos usando magia neste estado embriagado.
Não esperou por nenhuma resposta e caminhou para a saída do palanque. Sua caminhada foi feita pela saída lateral, na mesma direção do local em que estava, dando direto para o corredor que, seguindo reto, a levaria para a escadaria e então poderia subir para seu aposento.
De maneira alguma Yuna gostaria de saber sobre como estava vivendo sua vida, não lhe cabia os interesses pessoais do rei vaskaino, fora criada sabendo que humanos e feiticeiros não tinham a menor ou mais remota chance de uma boa parceria. Por muitos anos, seus antepassados foram objeto de servidão para os seres que, até Valask I partir em direção à alforria, eram submetidos a todo tipo de serviço para seus senhores. Não existia a vontade ou os feiticeiros sequer podiam viver suas vidas sem medo, uma vez que viviam nas terras colonizadas por um humano. Seu poder não era de uso próprio, era detido por qualquer senhorio e sempre usado para coisas supérfluas e sem muito sentido. Uma prova da mesquinharia humana se dava em como o reino de Vaskai ficou após a divisão, pessoas imploravam para serem aceitas nos reinos vizinhos.
Pensar nos mínimos detalhes não era para qualquer um, disso Yuna sabia e era um conhecimento que fora passado para ela desde que começou a compreender melhor quem seria no futuro, ainda na infância. Então tinha esse padrão de reinado, com decisões que se encaixavam dentro de todos os tópicos de cuidado, precisando existir estratégias e uma boa visão na amplitude séria do que tudo era de fato. Seu tataravô deixou escritos, pergaminhos com todas as características que poderiam situar aquele bom reino, claro que tendo por base como era o caos humano e tudo o que ele não gostaria de viver em seu próprio pedaço de terra conquistado após muito suor.
O que na atualidade, comandada pela sabedoria advinda de gerações passadas, para Yuna era uma consequência. Se ela tinha aquele salão repleto de pessoas felizes e preparadas para o novo inverno, com previsão mais intensa, era porque desde a raiz tudo fora feito com extremo cuidado.
Isso nenhuma música retrataria, nenhuma letra teria em suas entrelinhas e nenhuma voz daria ênfase.
Então, de forma alguma ela queria saber sobre o reino que ficava do outro lado do continente, não lhe importava as questões internas, desde que suas estratégias continuassem rendendo o que era almejado, de nada importava saber quem levaria para sentar-se ao seu lado do trono ou não. Nenhum pedaço do céu sagrado diria que a rainha feiticeira possuía qualquer sentimento pelo rei humano, o que importava a Yuna era somente a segurança de seu povo.
Nem mesmo um lírio iria interferir nisso.
Ao chegar à ponta da escadaria que a levaria para o primeiro andar do enorme e majestoso castelo, sentiu a brisa do ar um tanto frio, lembrando que era o gélido da pré-estação mais gelada, que trazia tempestades de neve. Para se apoiar, colocou a mão direita no corrimão de prata, brilhante, e que tinha o reflexo da luz do luar, invadindo aquela área interna da entrada do castelo pelo teto de vidro transparente bem no alto. Yuna ergueu o rosto, olhando para aquele céu tão escuro quanto os mais sombrios tons da magia proibida, com pontilhados brilhantes das estrelas que constelavam aquele infinito. Era sagrado demais para que ela passasse por ali e não agradecesse ao céu.
Pelo menos em Di Quatuor todos os reinos tinham aquilo em comum: a crença na divindade que era o imenso céu que os cobriam, não existia nada tão ou mais perfeito que aquela infinitude do equilíbrio.
Sentindo-se entregue ao momento de agradecimento e calmaria, ainda com a brisa gélida que batia em seu rosto por conta do vão da porta de entrada aberta, ela fechou os olhos. Entretanto, pela primeira vez em sua existência, teve a sensação incomum do incômodo; não sabia como era aquele buraco negro que seu pai tanto a contava, nomeando como algo que fosse capaz de implodir qualquer feiticeiro, porque cada um sempre tinha sua camada sombria da feitiçaria, mas ela poderia afirmar que se sentiu como se estivesse implodindo. Os olhos não queriam se abrir e o peito estava pesado, a mão no corrimão parecia estar envolta de uma camada grossa de energia que a levaria para algum lugar desconhecido. E então o que a trouxe de volta foi o barulho estrondoso da enorme porta batendo, seus olhos se abriram instantaneamente e por reflexo virou o corpo na direção do barulho, assustada.
“Você precisa controlar seu pandemônio, Yuna… Uma hora aquilo que fora prometido será cobrado”, a voz sussurrada de seu pai ecoou em seus ouvidos, mas, olhando para os lados, ela não encontrava nada, ninguém. Seu corpo, sozinho, se firmou no lugar e a mão que usava para a apoiar se apertou no corrimão de prata.
Ela foi sugada e não estava mais em seu castelo.
Era ela, conhecia aquela criança em frente à mesa das leis. Em sua frente só poderia ser ele, , com o lírio murcho em mãos, estendido em sua direção. Yuna pegou o lírio e imediatamente a flor reviveu, aquilo era a promessa eterna. Mas, tão rápido quanto começou, acabou, e em seguida podia ver Fëanor preocupado, não sabia o que seu pai lhe dizia, era uma reunião que ela não esteve presente e só tinha o elfo com o rei de Ayasseo. Ela tentou interagir com aquilo, mas fora sugada de novo e então seu pai estava do seu lado, à beira do lago Lahyane, que cortava o caminho entre Ayasseo e o centro Di Quatuor, ele a dizia as palavras sobre controlar o pandemônio — naquela época, Yuna tinha apenas dez anos e não sabia o que isso significava, mas confiou no que seu pai dizia. Então, por fim, estava em sua frente, sorrindo, adulto e lindo, usando uma coroa, mas não era qualquer coroa. A cor desta brilhava em um azul diferente.
Era o azul de Ayasseo. De seu reino.
— Yuna!
De repente, fora expelida para fora daquela situação.
Sentiu os braços de Taeyon servindo como amparo para o que poderia ter sido sua queda e abriu os olhos, forçando suas pálpebras a se manterem abertas mais do que era possível e já estavam. Encarou ele, parecendo um pouco atônita e saiu da aproximação que estavam, subindo o primeiro degrau e usando o corrimão de prata para se manter em pé. Quando se colocou nessa posição, pôde ver Soriah e Zara paradas, confusas e soando preocupadas.
— Soriah, envie um corvo para cada reino. Precisamos de uma reunião.
Mais uma vez naquela mesma noite, ela não esperou por respostas, deu as costas, fazendo o caminho forçado pelos degraus. Taeyon não ousou segui-la, a conhecia muito bem para saber que se fazia mais perigoso ir atrás dela do que a deixar se virar sozinha, de qualquer forma, estariam ali caso fosse necessário. Yuna estava pesada, mas não poderia externar o que havia acabado de ver, não antes de ter uma reunião para que fosse confirmado. As visões nem sempre se mantinham fiéis e esse lado ela não teve como desenvolver com tanta maestria, uma vez que o desenvolvimento desse “dom” — como seu pai chamava — fora tardio e Valask já tinha falecido.
Estava lidando com isso sozinha desde a primeira ocorrência.
Quando a viu finalizar o último degrau e sumir para o corredor à sua esquerda, Sauriel virou-se para Yuna, curiosa.
— O que foi isso? — perguntou em um volume baixo de voz.
— Yuna teve uma visão — Taeyong respondeu, olhando para Soriah, que ainda encarava o lugar em que viu a amiga pela última vez.
— Por favor, me diga que não tem nada a ver com o lírio — Sauriel pediu de forma encarecida.
— Não sei. Espero que não.
— O que acontece se ela tiver visões com o lírio? — parecendo um pouco perdida na ordem das coisas, Sauriel perguntou, recebendo então o olhar profundo de Soriah. Não parecia a mesma mulher que estava extremamente contente desde antes do primeiro raiar do Sol na manhã do dia que já havia acabado. Porém, foi Taeyon quem respondeu:
— Significa que o amor será reivindicado.
— E se-
— Não é o amor que ele irá reivindicar. Todos sabem disso — Soriah cortou o que poderia surgir de dúvida de Sauriel, iniciando sua caminhada para o lado oposto do caminho que daria a volta para o salão.
Naquele momento, ela tinha que enviar corvos para o que poderia ser, em sua concepção, o início de uma disputa a qual era evitada por anos, não haveria mais festas. Infelizmente, talvez tenha sido a última.

🗡️


— Tem certeza de que IV foi avisado?
Yuna piscou lentamente e encarou Zhara apenas com o movimento de seu globo ocular, em uma espécie de olhar ladino. Tanto ele quanto Fëanor haviam notado como a rainha estava limitando-se em palavras diante daquele ambiente sagrado, não sendo pelo lugar em si e toda a sua atmosfera, mas porque algo de fato a incomodava. Muitos anos já tinham se passado para que não levassem a sério o conhecimento que tinham sobre a feiticeira, principalmente o rei elfo, que praticamente a viu crescer e ter seu caráter formado. Entretanto, a demora de para dar o ar de sua graça dentro do templo das leis quatuoranas, não impediu ao rei das fadas que demonstrasse sua inquietação, para o conhecimento não só dele, o caminho de qualquer um dos reinos até o centro de Di Quatuor, não levava mais de duas luas, portanto aquela demora do humano o preocupava.
A preocupação vinha apenas do lado fada, pois a feiticeira sentada em um dos lados daquela mesa quadrada e o elfo à sua esquerda não tinham a menor pressa. Embora os anos de convivência entre os quatro reinos já fossem em um número suficiente para que houvesse costume de uns com os outros, Zhara não gostava do atraso. Pelo outro lado, seus dois companheiros de espera pouco se preocupavam em, de fato, se importar com aquilo, sabiam que não era nenhuma novidade.
E se fosse tratar de algum acontecimento catastrófico, com certeza já saberiam, a luz contava.
— Está duvidando da entrega de meus corvos, Zhara? — Yuna perguntou, sem mudar sua posição.
Em sua cadeira de assento alto e na cor verde, Zhara se movimentou desconfortável, aquele olhar que recebia se fazia tão intenso que ele podia sentir um certo formigamento dentro de seu estômago, mesmo sabendo que Yuna não poderia produzir nenhuma magia ali.
— Não. Não é sobre você, feiticeira. — ele respondeu, limpando a garganta. — Mas que deveria ter sido o primeiro a chegar, isso é fato.
— Está agindo como um inexperiente, Zhara. — Fëanor riu anasalado, mantendo sua postura ereta, completamente encostado em sua cadeira tão dourada quanto ouro. Sua superioridade sendo, como sempre, exalada por seus movimentos e modo de falar, com os braços alinhados em cada um dos apoios laterais no móvel em que estava sentado. — A pontualidade humana não é nem mesmo citada pelo nosso sagrado infinito.
— Não coloque o céu no meio das falhas humanas.
— Até porque todos vocês são seres de tamanha perfeição… — Yuna murmurou, tomando atenção dos dois homens. Moveu a cabeça pela primeira vez, virando-a para a direção de Fëanor. — Com exceção da sua beleza, elfo, isso não deve ser contabilizado.
— Muito bem adiantado, feiticeira. — Zhara riu, recebendo o olhar incisivo do elfo, em resposta ao seu riso pelo tom de humor imposto na fala de Yuna.
— Fizeram uma reunião para termos um momento amigável e convidaram o humano?
A voz grossa de foi ouvida, trazendo um eco junto, pelo formato do ambiente. Seu rosto surgiu quando terminou de cruzar o corredor que vinha da porta, sendo iluminado pelas diversas tochas de fogo. Zhara cessou sua gargalhada instantaneamente, endireitando-se na cadeira, enquanto Fëanor não moveu um músculo sequer, tratando aquela chegada com toda a indiferença conhecida. E Yuna, diferente de todos os outros encontros anteriores, não conseguiu desviar o olhar ou sequer contabilizar a própria respiração.
Ela podia ver o azul brilhando em cima da cabeça de , assim como a visão que tivera, e aquilo estava a assustando. Era tão assustador quanto a existência do pandemônio que implodia feiticeiros relapsos.
— Tudo isso é saudade, minha rainha? — perguntou, ao encerrar sua caminhada, chegando à cadeira vermelha, do outro lado da mesa, na mesma direção que a dela.
Então, ouvindo o tom e reconhecendo aquele mínimo traço de sorriso, Yuna se recompôs. Voltou ao propósito que tinha quanto àquela reunião.
— Não, estava buscando em você qualquer resquício de sangue, fiz uma aposta com Zhara de duas plantações de Namantrê e ganhei — ela respondeu, tomando uma postura menos rígida. Virou-se para Zhara e completou: — Mandarei Taeyon em Lysantre para buscar suas melhores fadas assim que acabar o inverno.
— Mas o quê?
— Como sempre esquecendo das entrelinhas, lysantrino. Lastimável. — Fëanor riu da feição confusa do outro. — É aquilo que os humanos de Vaskai dizem: rir por último para rir melhor. — Piscou para ele, em devolutiva.
Ninguém disse nada pelo intervalo daquele diálogo, enquanto se ajeitava em sua cadeira. Zhara encarava um ponto da mesa, lembrando-se em qual momento havia afirmado a aposta com Yuna, deixando os ombros murcharem ao lembrar do diálogo que teve com a rainha assim que se encontraram na entrada da gruta. Praguejou por mais uma vez ter sido lento ao notar o tom dela, esquecendo-se de como a mulher tinha uma personalidade versátil e que, apesar do perfil centrado, ainda tinha seus lapsos de humor e descontração.
Duas plantações de Namantrê era muita coisa para se apostar, já que a erva não se produzia facilmente.
E enquanto a fada estava em seu próprio consciente, organizando-se para aquela dívida que havia agregado em sua terceira participação na reunião, soltava seu suspiro, estufando o peito com o ar inspirado em seguida servindo para inflar seus pulmões, seu olhar fora direcionado à rainha em sua frente, perfeitamente na mesma direção.
— Qual o motivo de um corvo ter adentrado meu castelo, feiticeira? — perguntou diretamente.
Sem hesitar, Yuna manteve a troca de olhares. Ela não sabia naquele momento o que dizer, entretanto, pediu por aquela reunião justamente para saber o que deveria fazer e se suas visões tinham qualquer fundamento ou se era o pandemônio a consumindo — afinal, se lembrava de seu pai dizer que, na idade em que estava, isso acontecia de forma comum. Tentou desenvolver qualquer tipo de assunto para ser tratado ali, mas não encontrou outro a não ser a preocupação. Demonstrar interesse em como seus vizinhos lidariam com a temporada de frio poderia ser uma boa forma de especular o que tinha em mente.
Embora aquele sorriso camuflado dele já a respondesse antes mesmo de qualquer pergunta.
— Essa temporada tem previsão de temperaturas mais baixas que o normal. Achei que seria necessário uma conversa para sabermos no que podemos ajudar uns aos outros.
— Está disposta a abrir seus portões, rainha? — ele questionou em tom de surpresa, elevando a mão para a direção de seu queixo, mantendo o cotovelo dobrado no apoio da cadeira.
— Não se trata de abrir portões, mas apenas deixar claro que Ayasseo não será egoísta, nunca fomos — rebateu.
Tanto Zhara quanto Fëanor ouviam o diálogo quietos, ambos sabiam que a história entre feiticeiros e humanos vinha de muito antes, sendo apenas o elfo o único a ter presenciado o início da relação entre e Yuna. Ele sabia muito bem que aquela conversa entre eles já carregava o tom do que o futuro tinha guardado e que Valask III tanto prezou para que não tivesse tomado tal rumo.
E entendendo como Fëanor não demonstrou qualquer reação, Zhara seguiu o mesmo perfil.
— Não abriria seus portões para um povo que cruzou Di Quatuor entrar? No meio de um inverno extremo? — estreitou o olhar na direção dela.
— Fazemos muito por todos os nossos vizinhos, mas também é necessário manter a ordem, não acha? Isso tem sido o grande ponto aqui. Equilíbrio.
O humano aumentou o sorriso um pouco, deixando-o aparecer de forma mais visível, porém ainda não tão explícito. Com os dois cotovelos apoiados nos braços laterais da cadeira, uniu as mãos à frente de seu peito, apoiando o queixo no nó de seus dedos. O olhar estreito continuando como se fosse uma atividade imparável.
— Somos o reino mais antigo, responsável principal pela divisão de toda Di Quatuor, merecemos e podemos ocupar parte de suas terras. — como se ainda fosse possível, a voz dele levou para o corpo de Yuna toda a cadeia elétrica do incômodo. — O erro de vocês é acreditar que há qualquer submissão humana. Não se esqueça, pequena rainha, que é graças a Vaskai que os reinos de vocês existem.
Infelizmente, era tão previsível, que suas visões não foram um erro ou a confusão de seu inconsciente que temia o que fora mostrado e a interpretação que isso levava.
Ela estava certa, afinal.
Seu corpo se enrijeceu e Yuna estufou o peito, sentindo o broche que prendia o tecido de sua capa na altura de seu ombro direito pesar contra a sua pele.
— Não foi você quem idealizou a divisão dos dois reinos, que ainda sequer sabiam sobre a existência de lysantrinos. — disse firme em resposta. — Está tudo na mesa de pedra, as leis, as histórias. Não é necessário magia para acessar, basta ler! E eu sei que leitura é ensinado desde jovem para os mais afortunados do seu reino, assim como é seu caso, .
Ele a encarou com os lábios se abrindo mais no sorriso, causando a trepidação no coração de Yuna. E quando se levantou, mantendo o olhar ainda fixo no dela, apoiou as duas mãos sobre a pedra das leis, aumentando a voz para dizer:
— Então eu não vou pedir, rainha… Eu vou reivindicar.
Fëanor engoliu a seco, seu olhar vagou para a direção do rosto da rainha, vendo-a estremecer com sua mandíbula travada. O rosto dela se inclinou levemente para que a troca de olhares não fosse cessada. Ele poderia dizer que, se o templo não fosse protegido para que nenhum dos quatro usassem suas habilidades e dons uns contra os outros ali dentro, Yuna teria acabado com a vida de apenas com aquela íris escura. E não se lembrava da doce garotinha que acompanhava o pai para aprender o ofício ter uma profundidade no olhar tão sombria.
Mas ele não julgaria, era de conhecimento antigo que todos os reis ayasseanos possuíam tamanha proteção por seu povo e qualquer coisa, principalmente se tratando de humanos, causava a reação de defesa neles. Estranho era ter levado tantos anos para isso se despontar, porém compreensível, uma vez que IV fora o primeiro de sua linhagem a ser desprovido de tanta intelectualidade para além de um horizonte. Era, de longe, o rei humano mais egoísta e mesquinho que Di Quatuor já havia visto.
— Você não pode fazer isso… — Fëanor apenas disse audivelmente, recebendo um olhar de repreensão vindo de Zhara. O rei das fadas definitivamente não achava uma boa ideia qualquer um dos dois entrarem naquela discussão.
— Ah não, elfo? E por quê? É uma promessa da mesa, do santuário em que tudo fora selado e acordado. — bateu na pedra em sua última palavra, firme, usando o punho esquerdo. — Eu tenho direito de reivindicar o nosso amor! — olhou para Yuna com o rosto direcionado para baixo devido a ela estar sentada.
Mas a rainha se levantou tão rápido que as palavras de Fëanor pararam no meio de sua garganta. No tom mais alto e firme que podia, saindo da posição passiva em que se sentiu ser colocada no momento que ele se levantou e posteriormente agiu com palavras agressivas batendo na pedra das leis, ela rebateu:
— Basta! Você não irá colocar um dedo sequer em meu reino, IV, nem que eu tenha que-
— Tenha que o quê? — ele riu nasalado, cortando-a. — Está ameaçando o amor de sua infância, rainha? Sabe que estamos em um lugar sagrado, não sabe? Não pode ameaçar aquele que te deu um lírio. Ele saiu pelas minhas mãos, devo eu te recordar sobre o significado disso?
O lírio, claro.
A última coisa que Yuna gostaria de ouvir falar sobre era isso. Se pudesse, voltaria no tempo e nunca teria aceitado aquela flor murcha do homem que estava em sua frente, naquela época ainda uma criança, assim como ela. Não teria alimentado a ideia de que seria seu amor eterno por dar a única flor à base da mesa, que, pela história, só saia na mão de alguém que possuísse coração puro. Yuna faria tudo novamente, porém diferente, porque o maior fardo de sua vida não era o que a canção sobre seu reino censurava, mas sim aquela promessa de que um humano seria dono de seu amor para toda a eternidade.
Não existia um pedaço sequer abaixo do infinito sagrado que testemunhasse uma feiticeira e um humano se amando; de um lado o interesse sempre iria prevalecer no poder.
— Mas você não é o mesmo garotinho daquela época, com intenções puras, tente olhar para seu reflexo em um espelho ou qualquer rio limpo que tenha no caminho daqui para Vaskai… — juntou o máximo de coerência que podia. — E se é que ainda possui algo bem cuidado nos arredores mais próximos da sua terra.
Zhara se encolheu, Fëanor engoliu as palavras que haviam parado em sua garganta e o tempo estava estremecido com aquela reunião. Seria aquela a primeira dentro de todos os anos desde sua formação que, pela primeira vez, fora marcada pela quebra do equilíbrio em Di Quatuor.
— Você erra em pensar que eu um dia terei medo de qualquer coisa, Yuna. Principalmente de feiticeiros. — se vestiu do mais incômodo sorriso prepotente. — Nós fizemos vocês. A matéria nessa coroa que você tanto ama e pensa ser suficiente para te dar qualquer poder e proteção foi forjada em Vaskai. Este continente todo foi criado por vaskainos. Coloque-se no seu lugar.
Yuna manteve o olhar seco grudado nos olhos flamejantes de avareza do rei humano, mas optou por deixá-lo com a última palavra. Sairia dali imediatamente, pensando em como faria para que a sua visão não se tornasse real e que na cabeça de IV brilhasse qualquer coisa, menos a coroa azul de Ayasseo.





Ayasseo
Segredos são máscaras que escondem muitas coisas não ditas.
Houve uma época em que Yuna acreditou em diversas possibilidades. Com certeza já havia existido um tempo em sua vida em que ela acreditava ser possível sim nutrir qualquer sentimento por , outrora até mesmo pensou ser aceitável unificar os dois reinos. Mas a forma como Ayasseo sempre foi colocada em posição de subestimação, desde os primórdios dos seus antepassados, nunca a deixou ir muito longe em suas ilusões.
A verdade era uma só: ela havia perdido a vida dentro de si quando descobriu a verdade da vida em Di Quatuor, e isso foi pouco antes da morte de seu pai. Já não era mais apenas uma menina mesmerizada com o que ia descobrindo aos poucos sobre sua própria vida, sobre seu reino, quando Valask faleceu por uma doença estranhamente incurável, ela pôde entender como era a perturbação em ser uma rainha. Como foi uma morte repentina, Yuna não estava totalmente preparada para ser uma figura máxima em Ayasseo, porém não teve escolhas.
Criou-se então a sua máscara. Ela era uma rainha respeitada apenas porque seu povo não conseguia enxergar por detrás dos seus segredos. Não havia o porquê dizer como era ser atormentada por seus próprios dons e ainda ter de se manter alinhada para governar e manter o equilíbrio.
“Controle seu pandemônio, Yuna” , mesmo não estando mais vivo, ela continuava escutando seu pai dizer as mesmas palavras. E a cada vez que isso ecoava em seu interior, bloqueando-a do tamanho de seu poder, ela sentia-se mais distante de si mesma.
Hipocrisia de sua parte julgar , quando, na verdade, era ela quem deveria ser contida todos os dias. Entretanto, estava exausta de se manter apagada em uma mentira. E, afinal, quem ela era de verdade? A rainha amada? Sempre foi seu destino cuidar de um reino e interesses de múltiplos feiticeiros, incluindo suas famílias?
Muitos conflitos, muitas dúvidas e ela sequer sabia como seria agir em coerência com a ameaça que vinha sentindo cada vez mais iminente. Infelizmente, estava cansada demais de mascarar sua reatividade com uma bondade obrigatória. Não deveria se curvar ou tentar cavar o melhor em algo que só tinha o pior para lhe mostrar. E esse cenário se criava tão infeliz, sem contornos ou qualquer sombra sobre luz, que desde o retorno da rainha Ayasseana da reunião frustrante com os outros líderes dos três reinos vizinhos, Yuna não tinha conseguido descansar. Relaxar seu corpo de qualquer forma parecia impossível. Era doloroso demais sentir que estava abaixando a guarda. Por isso, se manteve distante de qualquer um.
E isso já fazia mais de cinco dias.
— Não existe um único lugar neste reino que eu não tenha procurado, Soriah! — Taeyon tinha uma certa súplica em sua voz quando repetiu mais uma vez.
— Impossível. Onde ela pode estar? — Soriah passou as mãos no rosto em mais um ato nervoso. — Ninguém a viu voltar da reunião. Será que…
— Podemos fazer um feitiço localizador. — Sauriel disse baixo, como se não quisesse ser ouvida. Estava com medo de como Soriah parecia perturbada com o não retorno da rainha.
Os pares de olhos ali presentes, no salão real, se direcionaram para Sauriel. E ela se encolheu mais em seu canto.
— Não podemos. Feitiços localizadores são considerados inoportunos. — Sauriel engoliu a seco. Ela odiava essa colocação para um feitiço tão importante. No livro dos feitiços banidos daquilo que era considerado comum e aceitável em um reino, o localizador era proibido para encontrar pessoas; partia do princípio de que o livre arbítrio deveria ser respeitado.
Na mente de Soriah isso não passava de um absurdo. Mas ela não era nenhum membro da corte para dizer isso.
— Podemos fazer no Grande Salão. É um evento extraordinário, Soriah. E se a rainha estiver em perigo? Como poderemos ajudá-la se não sabemos o que há de errado? — Sauriel justificou, olhando para Taeyon refletindo a mesma súplica que ele possuía a pouco.
Ele respirou fundo, ponderando sua opção — basicamente ele não tinha nenhuma.
— Ela tem razão, Soriah… — pigarreou, enfrentando o olhar nervoso dela. — Sauriel tem um bom ponto. Você mesma pode descer e fazer… Não contaremos a ninguém e…
— Vigiamos a porta. — Sauriel completou.
— Vocês dois só podem estar malucos… — Soriah novamente esfregou o rosto com as duas mãos. Estava perto de uma janela e aproveitou para tomar um pouco de luz em seu corpo, olhando para o horizonte que tinha em seu campo de visão. Homens e mulheres trabalhavam duro com a colheita, terminando as últimas estocagens. Suspirou com a visualização de qualquer tragédia que poderia ter acontecido com a rainha de toda aquela gente esperançosa, imaginando como não era exagero pensar que poderia ter feito algo com Yuna.
— Soriah… — Taeyon se aproximou dela, tocando em seu ombro com certo cuidado. — Yuna vai entender se você fizer isso. Ela pode não estar querendo ser encontrada… Mas e se ela estiver precisando ser encontrada?
Outro suspiro e mais uma vez o mesmo olhar lançado para o lado de fora da janela. Soriah ponderou suas prováveis opções, sentindo-se encurralada por muitos “e se”. De novo procurou pelos olhos de Sauriel e Taeyon, ambos ainda insistentes, muito suplicantes.
Em silêncio, a melhor amiga da rainha desceu do pequeno espaço onde ficava o trono. Eram apenas três degraus, mas ela pisou em cada um deles com extrema pressão. Havia algo em seu interior lhe gritando para não fazer aquele caminho pelos corredores escuros do castelo. Porém, ela fez mesmo assim. Não se tratava apenas sobre seu medo, Yuna realmente deveria estar precisando. Tamanho foi o erro de deixar sua rainha ir sozinha para aquela reunião. Ela não costumava demorar tanto assim para voltar; mas também, até então, a ousadia de não passava de um tom presunçoso exalando de seu ser, agora tudo estava diferente.
Ao menos era o que a rainha sentia. E as visões de Yuna não possuíam qualquer margem de erro.
O Grande Salão era um tipo de masmorra no subsolo do castelo. Tinha sido nomeado assim por mera formalidade, apenas para não causar medo. Era usado apenas para situações que demandassem uso de magias muito poderosas, capazes de drenar qualquer vitalidade do feiticeiro executante. Somente situações extraordinárias poderiam ser usadas como motivo para adentrar aquele lugar que, no ponto de vista de Soriah, parecia um mausoléu.
Este, por sua vez, era o segredo mais obscuro de Ayasseo. A única coisa que o povo não sabia: existia um lugar obscuro naquele reino, parte do castelo, inclusive.
Acionando uma chama flamejante em cada tocha que tinha presa às paredes, Soriah iluminou seu caminho. Quando tocou na maçaneta, sentiu o vazio adentrar seu coração. O poder das sombras, das magias importunas e banidas. Era assim que um feiticeiro se sentia quando deixava a obscuridade tocar-lhe.
Soriah, uma mulher tão Sol, de repente estava nublada.
Porém, nem tão cheia de trovoadas quanto sua rainha dentro do Grande Salão, enquanto manipulava algo em cima da grande mesa, com livro proibido aberto.
— Yuna? — sua voz saiu esganiçada e, pela surpresa, Soriah até mesmo esqueceu sua reverência.
E o esquecimento não foi pela surpresa de Yuna estar ali, mas sim porque aquele sentimento mórbido que estava lhe dominando era emanado dela. De sua rainha.
Uma rainha que sempre foi o dia para seu Sol.
— Você esqueceu a reverência.
Não soube decifrar o comentário dela, afinal, Yuna estava irreconhecível e sequer havia lhe encarado.
— M-M-Me… Me desculpe vossa majestade. — gaguejou, curvando-se brevemente.
Yuna, então, pela primeira vez, ergueu o rosto. Seu olhar estava escuro e profundo. Não havia nenhum brilho em cada um de seus traços.
O pandemônio era o cartão de visita da rainha.
Soriah sabia que cada feiticeiro tinha algo com que lidar dentro de si. O tão conhecido e contado “pandemônio” nada mais era do que uma criação de seu interior. Ela sabia muito bem que o de Yuna poderia ser deveras poderoso, mais nublado do que se fazia possível. Afinal, ela era a feiticeira de maior poder em Ayasseo. Sua linhagem era de grande e majestoso dom.
— O que está fazendo aqui? — Yuna a questionou.
Retomando sua postura, Soriah entrou e fechou, por fim, a porta.
— Estávamos preocupados, ninguém a viu retornar. Eu… Eu-
— Ia tentar me localizar? — a rainha a cortou e recebeu apenas um aceno positivo. — Me desculpe por causar preocupações desnecessárias. Eu estive aqui desde que voltei dentro do tempo previsto.
— Sim… E como foi com os outros reis? — Soriah tentou se manter fiel ao natural.
— O mesmo de sempre. Dois reis temerosos e um soberbo. — soprou um riso nasalado. — A diferença é que desta vez não será como das outras… O inverno será muito mais… — considerou, observando os itens em sua frente. Soriah seguiu com o olhar, mas não conseguiu identificar muita coisa. — ...vazio para um lado.
— Yuna, não estou entendendo. O que está acontecendo? O que houve com você para se prender aqui? — partindo do posto de melhor amiga da rainha, Soriah não conseguiu se manter presa ao papel limitado de súdita.
Ao se aproximar mais, quebrando totalmente a distância entre as duas enquanto demonstrava sua preocupação. Soriah pôde garantir que, de fato, era o pandemônio de Yuna assumindo as paredes daquele lugar. E não só as paredes de concreto, mas também as que compunham a tão doce e competente rainha. Parada ao lado do perfil de Yuna, ela a analisou por inteira, sentindo-a muito distante.
— Sabe qual é a verdadeira história do pandemônio de um feiticeiro, Soriah? — Yuna ignorou suas perguntas e perguntou sem encará-la. Não obteve resposta, claro. — É o acúmulo de um poder. Nossos dons são tão poderosos, movidos pela vida que há dentro de nós, que não podemos usá-los. Mas por qual finalidade ser impedida de proteger-se com algo tão forte? — enfim a encarou. — Você não acha isso confuso? Nós somos feiticeiros. Manipulamos terra, ar, água e tudo o que é composto por vida. A matéria não é nem um pouco difícil para nós. Mas temos que aceitar ameaças de seres tão pequenos?
— O que fez? Ele quer reivindicar Ayasseo pela flor?
— Ele não pode, mesmo se quisesse. — Yuna riu com deboche, dando a volta na mesa e indo para um armário com diversos líquidos. — Quando ele me ofereceu aquela flor, Soriah, ela estava morta. Não foi o coração puro dele que deu vida à ela. Fui eu. Uma criança não corrompida com a nojeira daquela mesa de leis inútil.
— Como assim? — Soriah se viu confusa. A história para ela era muito clara.
— A flor precisaria ter sido entregue a mim com vida. É o significado de se prometer um amor: uma vida para a outra. Mas o que ele fez foi me oferecer a vida dele pela minha quando eu dei vida àquela florzinha indefesa. — o sorriso de Yuna exalava um ar de superioridade que jamais havia sido observado na rainha. — Não existe amor prometido. Não existe chance alguma de reivindicar o meu povo e nos assolar na mesma podridão que Vaskai. Está no Livro das Balbúrdias. — apontou para a mesa, fazendo Soriah ver a página aberta.
Ela estava surpresa com a nova face da história. O que todo mundo sabia era que tinha entregado uma flor da mesa das leis à Yuna, sendo equivalente a prometer ela em amor; disso, em algum momento, ele poderia reivindicar, exigir por direito, que Yuna se casasse com ele, e ela não poderia negar. Fim. Essa era a tragédia; assim, então, Valask, o último da linhagem, achou por bem manter sempre as boas relações com vaskainos.
Ao menos era o que ela imaginava.
— Suponho que você esteja pensando em algo. — concluiu ao engolir metade da história.
— Sim. Estou. — Yuna foi direta, voltando para a mesa com um vidro de líquido verde musgo. — Me cansei de controlar o incontrolável. Dizem que sou conhecida em Mauok e Lysantre por proteger meu reino de todas as moscas. Mas em tom de piada, sabia? — revirou os olhos. — e seus soldadinhos acham que têm qualquer direito sobre algo que jamais foi deles. Está na hora de provar o contrário. Eles não durariam segundos se estivessem do lado de cá, Soriah.
— Você quer entrar em guerra com Vaskai? — a voz de Soriah saiu trêmula.
— Não. Não haverá guerra. Eles não terão tempo para isso.
— E o que você pretende? Posso saber? Como isso afetará nosso povo? — o corpo de Soriah enrijeceu.
— Não irá. Mas eles saberão a verdade. E a verdade é de que Ayasseo tem uma rainha que jamais se calará diante de ameaças. Nada é mais importante do que este reino, Soriah. E quem não aceitar, será como uma forca para sua própria origem. — sem nenhuma sombra de cuidado, de preocupações, Yuna estava decidida. — Eu posso contar com você, conselheira?
— Se você me prometer não virar uma tirana, eu sempre vou estar ao seu lado e de Ayasseo .
O sorriso de Yuna, de lábios fechados, se manteve simples e ela assentiu positivamente com um movimento único de sua cabeça, sem abaixar muito o queixo. Pegou a adaga em cima de sua mesa, mostrando para Soriah no espaço entre elas.
— Te apresento ao pandemônio de . — fez a introdução e, passando as pontas dos dedos na lâmina muito afiada, completou: — Ela reflete muito bem o amor que ele tem prometido. O dele mesmo. — virou para Soriah ver o próprio reflexo e entender o que ela queria dizer.
Se estava entendendo bem, a conselheira da rainha não se eximiu da confusão. Ao verificar o novo feitiço escrito no livro com a caligrafia de Yuna, entitulado de “Aya” — que, no idioma antigo dos feiticeiros, se tratava de um termo para pactos envolvendo a magia sombria —, Soriah sentiu o corpo estremecer.
— O que foi que você fez?
— Este caos precisava de um sacrifício. Só isso. — Yuna a respondeu com tranquilidade.
Uma tranquilidade que assustaria qualquer um.

🗡️


O outono já estava quase em seu fim, mas como todos no continente sabiam: o inverno que se aproximava seria mais forte do que o passado.
Fez certo sentido para Yuna quando ela se deu conta do que estava fazendo ao chegar na entrada de Vaskai. Totalmente decidida do que iria fazer, a rainha não tinha medo, mas não podia negar o sentimento mórbido que aquele reino a causava. Não era uma coisa apenas dela também, isso vinha de forma generalizada.
A ganância humana transcendia em tragédias.
Para comprovar tal visão, lá estavam os guardas da entrada de Vaskai quando Yuna chegou, prontos para atacar a qualquer movimentação diferente dela. A acompanharam em uma escolta tensa do ponto de início do reino até o enorme e exuberante castelo, com a rainha sendo encarada por todo o povoado com a sensação de que ela pertencesse a uma escória. Sozinha, manteve a cabeça erguida, sentada em seu cavalo de trote elegante. Com a feição o mais próxima possível de arrependimento, porém.
Precisava convencer de que estava ali em paz, arrependida da forma que havia tratado e que queria selar a paz. Afinal, ele havia lhe entregado uma flor.
— O rei a aguarda, feticeira. — um dos brutamontes montado em um lindo e bem cuidado cavalo, disse em tom grosseiro para ela, abrindo a grande porta do salão real.
Yuna quis retrucar, claro, mas não podia deixar sua farsa cair.
Seria a última vez que usaria uma máscara, certamente.
Apenas assentiu para ele e mirou seu olhar para dentro do salão quando a porta foi aberta, carregando um barulho grosso pela madeira pesada e as trincas de ferro. Sentado no trono, com sua pose de onipotência, a encarava com um sorriso de escárnio na face. O mesmo que todo seu povo também havia lançado a ela.
Talvez fosse um povo que não tinha mesmo como salvar deles mesmos. Estavam tão parecidos com seu rei, que nem mesmo o bom coração ainda existente no fundo do mais íntimo de Yuna seria capaz de ter solidariedade.
Num cenário diferente, quando ela contivesse todo o escândalo gerado por sua reação a na última reunião, ela abriria lugar para vaskainos em Ayasseo . Mas, como já imaginava, ninguém se salvaria. Não haveria um albatroz.
— A feiticeira está aqui, meu rei. — o mesmo homem rude anunciou para , caminhando ao lado dela.
Petulante criatura, se ela não estivesse tão absorta em seus planos, rigorosamente decidida, ele já teria soletrado a palavra rainha em todas as formas possíveis. E jamais esqueceria que este título viria antes de qualquer coisa ao se referir a ela.
— Yuna. — se manteve com o mesmo tom irritante. — O que de tão importante fez a rainha de Ayasseo sair de seu reino tão abundante e feliz para pisar na escória humana? — disse teatralmente, virando-se para o seu bobo da corte ao lado de sua cadeira. — Não é isso que eles pensam de nós só porque não temos poderes, orelhas pontudas ou falamos com animais? — soprou um riso sarcástico.
Respirando fundo, ela usou o melhor de si para convencê-lo.
Escondida atrás de uma pilastra estava Sauriel. Totalmente encolhida, a jovem feiticeira trocou um olhar medroso com a rainha. Sem perder sua postura.
— Eu sei que você tem algo que pertence a Ayasseo. Mas eu não vim aqui para barganhar. — Yuna disse a plenos pulmões, olhando brevemente para Sauriel. — Foi uma escolha de Sauriel buscar refúgio em seu reino e posso ver que a acolheu bem.
analisou a rainha por inteira e seu conselheiro, ainda parado no mesmo lugar, sussurrou algo em seu ouvido.
Estranhamente, já parecia convencido.
— E devo acreditar que cruzou o continente só para me dizer isso? — disse ainda sem mudar o tom.
— Não. — Yuna suspirou e olhou em volta. Eram observados por alguns guardas e serviçais. Todos curiosos, claro. Não pareciam muito medrosos pelo fato da feiticeira mais poderosa de toda uma linhagem estar ali. Embora a água de Vaskai fosse um meio de proteção do solo humano e deles próprios, ainda assim Yuna era sinônimo de poderio.
— Então… — o rei gesticulou com tédio.
— Estou aqui para me retratar com você, meu rei . — a sinceridade dançou por seus lábios. — O fato de Sauriel ter fugido do meu reino por não concordar com minha governança, mostrou que eu estava sendo egoísta, afinal. A culpa é minha por achar que você seja obrigado a se curvar diante de Ayasseo . E, é claro, não posso ir contra um destino que foi traçado pela mesa das leis. Está escrito que nossos reinos foram feitos para se unificarem. Que nós dois fomos feitos sob um pacto de poder. Você me deu a promessa do seu amor. A sua vida para a minha. A minha para a sua. Então talvez seja a hora de cumprirmos com essa promissão…
a encarou por um tempo. Não era possível ouvir nada, somente o silêncio tomava conta do ambiente. Incrédulos, lhes faltaram palavras e até mesmo reações.
Até que o rei se levantou, caminhou em direção a Yuna e ergueu o rosto dela com um indicador em seu queixo. Seus olhos varreram toda a feição da rainha e, por fim, gargalhou. Todos os outros lhe seguiram, até mesmo Sauriel, já parcialmente longe da pilastra em que se escondia.
— Você precisa de mais do que isso para me convencer de que desejas unir seu precioso reino com o meu, feiticeira. — disse após o longo tempo gargalhando.
deu as costas para ela, voltando para seu trono. Foi então que se viu confuso com o burburinho coletivo e a feição de surpresa da feiticeira que estava sob sua submissão. Ao se virar, viu Yuna ajoelhada e com a cabeça abaixada.
— Nós só temos abundância porque fomos abençoados por seus ancestrais. — disse alto o suficiente para que ele pudesse ouvir. — Por favor, nos dê outra chance. Você e eu podemos ser a soma do onipresente e onipotente.
O rei se virou para Sauriel e a chamou com um aceno.
— Aquilo que você me prometeu está pronto? — perguntou e ela apenas assentiu. — Então, aqui está a sua chance de me provar. De vocês duas me provarem que estão falando sério.
Yuna ergueu o rosto, mostrando-se assustada. Porém, continuou ajoelhada e entregue. Não tinha mais como voltar atrás e deveria confiar em Sauriel.
A jovem feiticeira tirou de dentro de sua bolsinha de pano presa ao vestido um par de braceletes feitos em ouro. Era o mesmo ouro usado para a manipulação da espada vaskaina ; para ser produzida, a fim de apenas o rei vaskaino utilizar nos primórdios de Di Quatuor, o ouro era derretido e banhado na água de proteção. Tal água era servida como um antídoto contra a magia, dando proteção aos humanos de não serem facilmente manipulados por feiticeiros e deixando ayasseanos com seus dons enfraquecidos. Logo, podia-se concluir que aquele bracelete iria manter Yuna incapaz.
— O que está esperando? Coloque nela! — insistiu em tom de ameaça.
Saurielassentiu com medo, se aproximando de Yuna e agachando.
— Me desculpe, vossa majestade. — sussurrou, tomando os dois punhos da rainha.
Assim que estava com os dois braceletes fechados em si, a puxou com brutalidade, erguendo os braços dela para cima.
Ele se sentiu vitorioso e seus súditos também.
— Eu disse que nenhum feiticeiro ameaçaria Vaskai. Hoje vocês testemunham a grandeza de sua origem. Sintam-se orgulhosos, pois teremos de volta aquilo que nos pertence. — discursou alto. — E você, feiticeira, considere este ouro como nossas alianças de casamento. — disse somente para ela, com o rosto próximo ao seu.
Yuna sentiu o estômago vibrar. Por ela, ali seria a melhor hora e momento. Mas ainda parecia um pouco cedo, porém, precisava de mais para que seu ego fosse acariciado.
Nada poderia fazê-la se sentir mais viva do que aquele momento.

🗡️


— Durante o dia o horizonte é menos assombroso.
Yuna acabou por acordar de seus pensamentos ao ouvir a voz grave de ecoar por seus ouvidos. Sentiu reverberar algo em seu estômago e apenas virou o rosto, sorrindo simples para ele. Estava observando a noite naquele reino que tanto lhe causava desconforto, quando ele entrou no quarto e sua presença a lembrou que dormiriam na mesma cama por exigência dele.
Afinal, pelas palavras do rei: estavam casados.
— Você tem um reino bonito, . — disse sem mentir, recebendo uma taça dele com vinho. Olhou desconfiada para dentro, claro. Estavam muito próximos agora.
— Não precisa temer, minha rainha. É apenas um vinho. — trouxe um tom ameno, sereno até demais, e bebeu um gole da taça de Yuna. — Está vendo? Nada além de vinho. Vocês nos ofereceram excelentes uvas e produzimos safras tão boas quanto.
— Fico feliz que tenham aproveitado… . — ousou chamá-lo pelo nome, sorrindo de lábios fechados antes de beber de sua taça com o olhar preso ao dele.
— Bem, se você não for dorminhoca, poderemos cavalgar antes do amanhecer para as colinas. — ele apontou para a direção que Yuna estava olhando antes, onde a lua parecia tão próxima. — É lindo. Existem lugares em Vaskai que podem te fazer sentir-se em casa.
— Digo o mesmo sobre Ayasseo. — ela ergueu a taça em forma de brinde, tomando mais um gole.
Após finalizar o próprio vinho, deixou a taça na pequena mesa ao lado da janela, colocando a mecha de cabelo de Yuna atrás de sua orelha.
Estranhamente, ela estava sentindo-o muito diferente. Completamente distante do tirano que sempre foi. Muito parecido com a história de um príncipe apaixonado por uma princesa, esperando o tempo necessário para que pudessem ficar juntos.
Se não fosse boba, Yuna acreditaria nele.
— Sabe, Yuna, eu sempre me perguntei como seria se tivéssemos tido oportunidades. — iniciou, a mão direita no rosto dela. — Se nossos pais tivessem acreditado em nós dois. Nada disso — mencionou os braceletes. — teria acontecido. Nada disso seria necessário.
Yuna foi pega desprevenida, mostrando-o sua surpresa e vulnerabilidade.
Seu segredo mais obscuro: quando era jovem, uma moça descobrindo as verdades da vida adulta, se pegava pensando em um conto de que tinha seu amor prometido. Pensava em , desejava que ele lhe desejasse e se visse apaixonado por ela como ela acreditava que era por ele.
Mas isso foi muito antes de descobrir o quão cretino eram os ideais do homem à sua frente.
— Estamos aqui agora. — disse quase sussurrado.
— E eu sempre quis isso. — ele completou. — Passei muito tempo imaginando se você algum dia se sentiria como eu me sinto em relação a isso tudo. Quando éramos crianças e eu te entreguei aquela flor, não foi em vão. Eu realmente queria que você me enxergasse como alguém. Acho que já estava apaixonado por você antes mesmo de entender o que isso era de fato.
— Eu sinto muito que tudo tenha sido difícil até aqui. — Yuna tocou o peito dele, descansando a mão espalmada por sobre o tecido fino da camisa branca, quase transparente. — Mas temos a chance de recomeçar.
— Você acredita que podemos? — os olhos de brilharam e Yuna assentiu lentamente.
O rei procurou qualquer empecilho que o impedisse de se aproximar mais dela, tirando a taça já vazia da mão de Yuna e a colocando ao lado da sua. Com doçura, selou os lábios da feiticeira em uma demora nada incômoda para ela. Ambos precisaram de um tempo para sentir a ardência daquele toque e assimilar a sensação intrigante.
Para Yuna, foi diferente dos outros beijos que ela furtivamente dava em homens dispostos apenas para seu prazer em segredo. Para , foi como beijar seu primeiro e único amor. Para os dois, certamente, foi algo único.
Quando se aprofundaram no beijo, buscando um ritmo definido em conjunto, a segurou pela cintura firmemente, e a trouxe para seu colo ao pegá-la por uma das coxas. Levou-a até sua cama e a deitou, se mantendo por cima dela ainda com ambos os lábios grudados um ao outro. Sutilmente foi erguendo o vestido da rainha, passeando sua mão por todas as camadas que cobriam suas roupas íntimas bem amarradas — com nós nem um pouco difíceis para a experiência de desfazer, porém. Enquanto isso, Yuna também desamarrou a camisa dele, liberando o tronco másculo e forte do rei.
Não foi demorado, não existiram preliminares que atrasaram o desejo de em ter sua rainha e à Yuna em se entregar ao seu rei. Infelizmente, do ponto de vista prático ao seu plano, ela acabou por ser vencida pelo desejo carnal e não se impediu de gostar dos toques dele até deixá-la completamente nua em cima daquela cama. Pelo contrário, Yuna o ajudou em todas as etapas. E quando sentiu ser penetrada, vociferou um gemido de satisfação, cravando as unhas nos ombros que lhe cobriam; a cada vez que ele foi e voltou para dentro de si, Yuna agradeceu pelo prazer que aquilo estava lhe causando.
Tampouco pensou em como estava traindo a si mesma no instante que mudou as posições, forçando a ficar por baixo de seu corpo enquanto ela investia o quadril em movimentos dominantes e usava os ombros dele como apoio. O toque das mãos grandes do homem em sua coluna, apertando sua cintura vez ou outra, a motivava, lhe dava uma noção libertina da vida. Não só isso, mas a forma como respirava entrecortado enquanto se deliciava com seus seios também fez com que Yuna se sentisse totalmente dele. Totalmente no poder dele.
Até que ambos encontraram um ápice juntos.
Ela, cansada, deitou a cabeça no ombro dele, ainda sentada em seu colo. Ele, também cansado, se manteve em silêncio após depositar um beijo no pescoço dela.
Foi um intervalo para se recuperarem não só do que fizeram, mas da realidade.
— Aonde você vai? — Yuna perguntou ao ser pega de surpresa no momento que ele a colocou de volta no colchão e se levantou. — ? — questionou novamente por não ter resposta. Ele se vestia sem encara-la. — O que há de errado? — então se levantou e tentou ir até ele, mas foi completamente ignorada.
estava indo para a porta.
— Qual o seu problema?
— Nenhum, feiticeira. — ele enfim se virou para ela, abrindo a madeira pesada. — Tenha uma boa noite. — disse simples, saindo e fechando-a ali.
— Volta aqui! — ela tentou abrir a porta, mas não conseguiu. — ! Volte aqui!
— Você está louca de pensar que vamos ser como um lindo e belo casal, Yuna! — escutou ele rir do outro lado. — A partir de hoje, até que nosso herdeiro nasça, você só sairá quando eu desejar!
— Você vai se arrepender por isso… — Yuna murmurou sem qualquer reação.
Ele precisava acreditar que estava no poder.
Ela precisava fazer ele ter certeza de que ela não era nada.

🗡️


As colinas eram bonitas mesmo. Ainda que de longe Yuna pôde ver o quão lindo era o amanhecer em Vaskai. Mas ela não poderia ligar menos.
A parte boa em ser feiticeira, era crescer com muitos ensinamentos, isso a permitia entender sobre fases. O que a impediu de colocar todo o castelo abaixo no instante em que lhe usou. Passou a noite em claro na cama, sem coragem de se vestir outra vez, sem coragem de encarar o próprio reflexo. Seu único foco foi em manter-se enjaulada dentro de si para que não implodisse a ponto de destruir tudo ao seu redor pelo mais profundo ódio que estava sentindo. Durante o dia recebeu comida, foi banhada por serviçais sem a mínima vontade, sendo tratada pior do que um traidor. Seu banho? De água fria. A esponja? Parecia uma faca. Seus cabelos? Se ainda tivesse sobrado algum depois de terem sido escovados, ela estava no lucro.
Mas tudo tinha um propósito.
Sauriel não havia sido sacrificada à toa.
O barulho da porta sendo destrancada mais uma vez, agora à noite, lhe causou um leve medo. Uma criada entrou com roupas e as jogou no chão.
— O rei quer que você vista isso para o jantar. — ela disse no tom mais rude possível e saiu.
A hora perfeita estava chegando, enfim.
Se levantou da cama e se esforçou para vestir a roupa com decote profundo que a deixava completamente desconfortável. Nem mesmo roupas íntimas foram deixadas.
Quando já estava pronta, encarando seu próprio corpo pelo espelho, perturbada em como pôde ser tão ingênua e se perder do propósito em estar ali ao se entregar a um homem tão sujo como . No fim, sua sequência de sacrifícios valeria a pena.
— Já está sonhando com nosso herdeiro? Está sentindo a vida dentro de você?
Se assustou com a voz de , tendo uma sensação familiar com tal surpresa. O encarou se aproximar dela pelo reflexo do espelho e tão rápido quanto surgiu, ele estava atrás de seu corpo, a abraçando e colocando as mãos por cima das suas que estavam em cima de seu ventre.
— Espero que ele herde a beleza da mãe e inteligência do pai. — sussurrou no ouvido dela.
— Eu espero que ele herde a nossa longevidade. — Yuna disse simples, afastando-se sutilmente. — Como estou?
— Como deve estar. Linda para seu rei. — ele tocou o queixo dela apenas e ofereceu o braço para que ela o segurasse.
Então caminharam para fora do quarto. Os corredores do castelo pareciam como masmorras, mas a cada passo que Yuna dava adiante, ela se sentia outra vez mais viva. Outra prova de que toda a desgraça que sua vida enfrentou e foi velada pelas máscaras da rainha genuína mais uma vez havia sido necessária para que pudesse controlar-se.
Ninguém jamais aguentaria metade do que ela viveu.
jamais sobreviveria ao inferno em que era estar na pele dela.
Ao chegarem no grande salão real, uma mesa enorme estava montada com muita comida e homens e mulheres conversando entre risadas. O silêncio, entretanto, trouxe certo drama para a entrada dos dois de braços dados. Os súditos de Vaskai observaram atentos o caminho feito por eles até estarem devidamente à mesa, com puxando a cadeira para Yuna.
O melhor, claro, ficou para quando ele se colocou na ponta, diante de sua cadeira e com uma taça de vinho erguida.
— Hoje, meus queridos súditos, comemoraremos uma nova vida. Não estou falando apenas do casamento entre um rei como eu e a feiticeira. Mas sim do nosso filho. — seu tom egoísta e presunçoso a fez engolir em seco o que estava retornando por sua garganta. — Daqui alguns meses teremos o símbolo do retorno de feiticeiros sob o poder de Vaskai. E eu quero que vocês sejam os primeiros a saberem que eu, , rei de Vaskai, garanti mais uma vez o futuro de vocês. — o que parecia ser sério acabou sendo um vexame quando ele completou: — Ao fazer um filho na rainha feiticeira.
Yuna não pôde evitar. Seu desgosto com palavras tão desconexas e uma síndrome soberba de a fez se revelar antes do que gostaria, porém dentro do esperado. Já estava farta de continuar fingindo que aquele braceletes poderiam conter todo seu poder, que Sauriel era uma traidora e havia dado as costas para seu reino em troca de se submeter a alguém tão desprezível como .
Seu plano até ali havia sido executado com perfeição e, se realmente estivesse tudo de acordo, Sauriel já estava fugindo dali, pois ela sabia que, tudo o que Yuna guardava dentro de si, prestes a explodir, faria com que não sobrasse ao menos pó — ela também era esperta o suficiente para saber que a rainha usaria daquele momento para colocar um ponto final em tudo.
Sua gargalhada confundiu o rei e os demais à mesa. Foi um riso tão profundo e verdadeiro, que a melodia não tinha nada de doce.
— Um filho? — tentou dizer entre o riso. — Você acredita mesmo que fez um filho em mim?
— Mas é claro que sim… Todos ouviram você gritar o meu nome ontem, Yuna. — ele se defendeu, trazendo risos dos outros.
— Realmente, . — ela enfim se levantou. — Você tentou fazer um filho em mim. Uma pena não ser possível crescer qualquer tipo de vida aqui… — colocou as mãos em cima da barriga.
De forma repentina, os braceletes em seus punhos estouraram como vidro, se espalhando em volta. Em reação, guardas a postos sacaram suas espadas, mas assim como os braceletes, elas estouraram.
Em susto, todos começaram a se levantar, a fim de buscarem uma saída. Yuna, porém, fechou todas as formas que eles poderiam encontrar de escapar dali. Então lhe apontou a espada.
— Você já ouviu falar em sacrifício? — ela perguntou olhando nos olhos dele, enquanto trazia uma taça de vinho aos lábios. — Para vocês humanos, sacrificar algo ou alguém é muito doloroso, embora o façam, sempre viverão com a culpa. — saiu de perto da mesa.
— O que você pensa que está fazendo? Sua magia é bloqueada aqui, Yuna. Não pense que eu não teria coragem em entregar a sua cabeça aos seus feiticeiros. — vociferou, ainda apontando a espada de ouro para ela.
— É mesmo, ? — riu com o tom usual dele de superioridade. — Quantas vezes você acreditou na mesma história? Você realmente acha que consegue me matar com essa lâmina? Que eu sou tão indefesa e ingênua a ponto de vir até aqui buscar uma guerra da qual não posso vencer?
— É o que está parecendo.
— Então deixa eu te contar uma história. Já que você acredita em todas, não pode duvidar desta. — Yuna se aproximou mais dele, fazendo com que a ponta da espada tocasse o seu busto nu. — Era uma vez um príncipe e uma princesa, ambos ainda eram crianças quando foram levados para um encontro onde adultos iriam discutir coisas que eles ainda não poderiam entender… Até que o menino, ingênuo por seu próprio ego, ofereceu uma flor à delicada princesa, lhe dizendo que aquele lírio poderia ser tão lindo quanto ela. Só que ele não sabia que, ao oferecer o lírio murcho, sem vida, estaria selando uma promessa.
— Já conhecemos essa história! — ele forçou a lâmina e ela não se sentiu intimidada.
— Não, espera! Você precisa ouvir ela de verdade. — Yuna sorriu mostrando os dentes. Olhou em volta, vendo a feição dos outros em completo pavor. Isso a causou uma comoção, servindo como motivação para continuar. — Sabe o que o jovem princípe também não sabia? Era que essa promessa lhe custaria sua própria vida ao oferecer a uma feiticeira uma flor sem vida e deixá-la revivê-la. Uma vida pela outra.
— I-I-I-sso não faz sentido! — tentou argumentar. Mas algo dentro dele lhe dizia o contrário, principalmente ao ter a memória.
— Eu vim aqui lhe cobrar o que me deve, .
Os olhos de Yuna tomaram a cor nublada, uma ventania se iniciou e cada um dos humanos ali presentes procurou algo em que se segurar.
— Quando eu percebi que cuidar de Ayasseo não era só fazer o bem para os outros reinos, notei quão ingênua todos os meus ancestrais foram. A verdade, , é que sim, vocês nos fizeram, nos deram um lar… Mas a gente permitiu que vocês vivessem no mesmo mundo. — suas palavras começaram a ficar mais duras e tudo em Vaskai começou a tremer, paredes do castelo rachavam e os gritos vindo de fora se tornavam mais altos. — E no momento em que eu cheguei aqui, ainda tinha um pouco de esperança em que ao menos uma criança eu poderia salvar da podridão. Mas, infelizmente, não há nada que possa ser salvo daqui. Você tem um povoado à sua imagem e semelhança.
— Você se vê como uma figura absoluta e que pode julgar os outros, não é? Este sempre foi o mal de todos os feiticeiros. Acreditarem que o poder de vocês é supremo.
— E não é? Se não fosse, vocês não dependeriam da nossa manipulação para se sentirem protegidos de nós mesmos. — outra vez Yuna riu com escárnio. — Não seja tolo, . — o encarou com tédio e segurou na lâmina da espada. — Vamos, faça. — encorajou a raiva dele com suas palavras e o olhar firme.
Sem pensar muito, cruzou a espada no peito de Yuna, soltando um grunhido de ódio. No instante em que a espada estava totalmente atravessada no corpo dela, Yuna o jogou longe, fazendo com que um único movimento de sua mão ele voasse contra uma pilastra perto do trono e caísse no chão.
Ao caminhar até ele, da sua mão, surgiu uma adaga com as mesmas cores da coroa de Ayasseo . O azul tão brilhante quanto um dia a rainha Yuna havia sido.
— O meu sacrifício foi ter oferecido minha vitalidade para que esta adaga tivesse efeito para toda a eternidade. — lhe contou a cada passo tranquilo que deu, enquanto ele tentava se colocar em pé. Enquanto ela caminhava sobre o chão que continuava rachando, os humanos tentavam se manter o mais distante possível. — Enquanto eu estiver viva, você estará adormecido. E sabe quando eu irei morrer? Nunca. Porque eu ofereci o meu útero em troca de te manter aprisionado para sempre em um sono do qual você jamais sairá.
— O que? Você ficou louca? — tentou gritar, mas não conseguiu.
— Não, eu não fiquei. Eu sou. — Yuna usou outra vez de um único movimento para mantê-lo caído no chão, agachando-se ao lado dele. — Olhe em volta, . Seu povo pede por socorro, mas você os enterrou em seu próprio asilo de fantasias. — passou a adaga pelo contorno do rosto dele. — Sauriel? Ela jamais viraria as costas para mim. Esses braceletes que ela forjou foram apenas ilusões da sua cabeça. A vinda dela para Vaskai foi apenas para interromper a nascente de vocês, para que o solo não estivesse tão fortificado quando eu chegasse.
— Yuna… — , cada vez mais fraco devido ao quão forte seu corpo havia se chocado contra a pilastra, tentou suplicar, mas foi interrompido por tosses.
— O que foi? Você quer implorar? — ela sussurrou, erguendo o rosto dele com a ponta da adaga em seu queixo. — Olha só como você é medíocre, com apenas um movimento da minha mão, sem te tocar, eu te coloquei no chão. Seus guardas estão todos feridos com os estilhaços das espadas que eu estourei apenas com meu pensamento…
— Você vai pagar caro por isso. Acha que algum dia será feliz sem um herdeiro? Até mesmo seu pai aceitou o destino de uma sucessão. — ele tentou ameaçá-la.
— Eu vou ser feliz todos os dias da minha vida quando eu acordar e lembrar que você não está mais no meu caminho e que Vaskai será um ponto esquecido no mapa de Di Quator. — outra vez ela sorriu, agora levando a ponta de sua adaga para o peito dele. — Antes de qualquer coisa, algum último pedido?
se manteve quieto, aturdido em seu ódio e também assolado pelo medo.
Com a ponta da adaga posicionada no peito dele, Yuna o segurou pelo pescoço, puxando-o para cima. Em pé, no ar, tentou se debater contra ela enquanto era levado para a janela atrás de seu trono. Ela o colocou de frente para a vista ampla que tinha de todo o reino, agora com tudo caído ao chão e sendo consumido pelo fogo.
Yuna aproximou os lábios do ouvido de , ao tê-lo em sua frente e ela de costas para a janela, e, antes de enterrar a adaga inteira no peito dele, fazendo com que ela desaparecesse, disse:
— Quem deveria me temer se não você, ?



Felizes para sempre nunca foi uma realidade.
Nada se tem para sempre, pois tudo dura de acordo com a existência da vida. E nem mesmo para a imortalidade com a magia o para sempre é uma verdade.
As pernas do pequeno feiticeiro nunca haviam se movido tão depressa como naquela jornada que fez do porto até a entrada em Ayasseo. Mas ele não queria perder o momento em que a cavalaria que havia descido dos mais de cinco navios chegasse aos pés da rainha Yuna. Outrora ela fora mais receptiva.
Se ela sentisse que aquilo era uma ameaça, muitos homens estariam condenados e nem mesmo suas armaduras seriam suficientes. Mesmo que eles estivessem trotando em calmaria.
Tudo variava de acordo com o julgamento que ela deliberava. Talvez, por sorte, ela estivesse em mais um dia bom após outro inverno sem preocupações.
Talvez.
O menino entrou sorrateiro pelo castelo, quando a porta já estava para ser fechada, e seguiu até o salão real, onde se escondeu atrás de uma pilastra. Infelizmente a conversa havia sido iniciada antes que ele fosse rápido o suficiente para chegar.
— Posso lhe oferecer algo puro como prova do meu interesse genuíno, vossa majestade. — o homem que vinha no primeiro cavalo disse em tom ameno.
— Não sei se existe alguma coisa que sua espécie toque e se mantenha pura. — a rainha se mexeu irritadiça em seu trono.
Para a surpresa de todos, o homem se moveu com confiança, mesmo tendo os guardas ayasseanos lhe apontando lanças afiadas. Tirou de dentro da sua armadura uma pequena flor.
Os olhos da rainha se estreitaram.
Era um lírio.
E ele estava vivo.




Fim!


Nota da autora: Bem, aqui estamos! São três anos tentando concluir uma história, sabe? E ela nem é tão grande assim! É só que… Eu me perdi dela. Porém, mamãe Taylor veio aí com meu bote salva-vidas e eu simplesmente estou entregando um dos meus maiores xodós de todos os tempos depois de um período intensivo curando minha ressaca da escrita.
No mais, é isso. Só um curto desabafo para vocês saberem que esta história estava engavetada desde 2021 e finalmente teve liberdade.
Obrigada por ler e (se deixou) deixar seu feedback. Até a próxima!

(OBS: E se você viu esta história com o nome de Aya em algum lugar, não se preocupe, era este nome mesmo que ela tinha. A história é minha, só troquei o título.)

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