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Codificada por: Sol ☀️

Última atualização: 04/06/2025.

abriu os olhos lentamente, como se estivesse saindo de um sonho profundo. O primeiro que sentiu foi o cheiro — terra molhada, madeira antiga e um toque leve de fumaça distante. Um aroma que nunca havia experimentado antes, mas que parecia familiar, como um eco esquecido de outra vida.

Ela piscou contra a luz suave que entrava por uma janela aberta. Lá fora, o céu era de um azul intenso, sem nuvens, e os galhos das árvores se moviam com a brisa morna da tarde. O som de passos apressados e risadas ecoava pelas ruas estreitas, feitas de pedras irregulares que pareciam molhadas pelo orvalho recente.

tentou se lembrar de onde estava. Na noite anterior, ela escrevera até tarde, como sempre fazia — criando, manipulando, dando vida a , seu personagem favorito. Ela sabia cada detalhe da cidade em que ele vivia, cada canto, cada cheiro. E agora… ela estava lá.

Não em seu quarto, não diante do computador, mas naquele mundo. Um mundo real demais para ser só uma criação.

Seus dedos tocaram a madeira da janela. O toque era firme, áspero e frio. O ar era fresco, com um leve cheiro de café que vinha de alguma padaria próxima. Tudo ao redor parecia um quadro pintado, mas com movimento — folhas dançando ao vento, o barulho da fonte no centro da praça, as vozes das pessoas misturadas ao som distante de uma vitrola tocando jazz.

Mas, por mais que tudo fosse reconhecível, uma parte dela gritava que algo estava errado.

Ela tentou chamar por , mas a voz se perdeu na brisa. Quando finalmente o viu, não havia brilho nos olhos dele — não o brilho que conhecia, aquele que ele tinha quando se dirigia a ela no último capítulo que escrevera. Ele a viu, sim, mas como se fosse uma estranha.

sentiu um frio que não vinha do vento. A ideia de que ele não a reconhecesse, de que não sabia quem ela era, a atingiu como um soco no estômago.

Ela não podia contar que era a autora.

Não podia dizer que controlava aquelas vidas, aquelas ruas, aquele destino.

Ela teria que fingir.

Fingir ser parte daquele mundo, mesmo que ele nunca a aceitasse completamente.

E, acima de tudo, descobrir se havia um caminho de volta para casa — ou se, finalmente, ela estava destinada a viver para sempre naquela história.


O som dos passos apressados se misturava com o tilintar de sinos distantes, enquanto descia a rua principal da cidade. Cada pedra no chão parecia carregada de histórias — passadas, presentes e, talvez, futuras. O ar estava fresco, com aquele toque úmido típico das tardes que antecedem a chuva, e um leve aroma doce de flores silvestres vinha de um jardim escondido atrás de uma cerca baixa.

olhou para as fachadas das casas: pintura desbotada pelo sol, janelas com cortinas rendadas e portas de madeira com ferragens enferrujadas, mas cuidadas. O tempo ali parecia correr diferente, mais devagar e mais suave, como uma canção antiga que se recusa a acabar.

Ao seu redor, a vida seguia com um ritmo próprio. Mulheres conversavam animadas em bancos na praça, crianças corriam entre as árvores, e o barulho distante de um moinho girando lembrava que a cidade ainda guardava costumes antigos. Ela tentou absorver cada detalhe, memorizando tudo com a urgência de quem sabe que o tempo pode ser traiçoeiro.

sentia o coração pulsar forte no peito. Ela sabia que não poderia errar. Não podia agir como uma escritora invasora, alguém que havia invadido um sonho alheio. Precisava se tornar parte daquela cidade, daquelas pessoas.

Foi então que ela o viu.

estava sentado em um banco, próximo à fonte de ferro fundido que ela desenhara em seus esboços. Ele estava lendo um jornal, o rosto tranquilo, os cabelos bagunçados pelo vento que soprava suave. Seus olhos, que ela conhecia tão bem de suas páginas, agora eram reais, profundos, com uma luz que a fez esquecer o medo por um instante.

Ela se aproximou devagar, cada passo um peso diferente em seus pés.

? — chamou, a voz quase um sussurro.

Ele ergueu o olhar, surpreso, mas não havia reconhecimento ali.

— Posso ajudar? — ele perguntou, franzindo a testa como se estivesse avaliando quem ela era.

engoliu em seco, forçando um sorriso que não alcançava os olhos.

— Eu… acabei de chegar na cidade — disse, com a voz mais firme que conseguiu.

fechou o jornal, levantou-se e estendeu a mão.

— Eu sou — disse ele, com um sorriso acolhedor, embora ainda desconfiado. — Bem-vinda.

O toque da mão dele era quente e sólido, fazendo o peito de disparar. Ela teve que se conter para não demonstrar o turbilhão de emoções que sentia.

Eles começaram a andar pela rua principal, entre as lojas de móveis antigos, a padaria onde o cheiro de pão fresco fazia sua boca salivar, e o café onde um pianista dedilhava acordes suaves.

falava de coisas cotidianas — o tempo, as pessoas da cidade, pequenos eventos — e respondia como se fosse uma moradora antiga, escondendo o terror e a fascinação que sentia por estar vivendo tudo aquilo.

Ela olhava para ele, para a cidade, e pensava:

Como sobreviver aqui? Como agir como alguém que pertence a esse lugar quando tudo nela grita que é uma intrusa?

As horas passaram entre conversas hesitantes, olhares furtivos e o crescente medo de que alguém descobrisse seu segredo.

Por fim, sentaram-se em um banco à sombra de uma árvore, enquanto o céu começava a tingir-se de tons alaranjados e violetas.

— Eu sei que deve parecer estranho — disse , quebrando o silêncio. — Mas sinto como se estivesse presa entre dois mundos.

a olhou com atenção, sem julgamento.

— Talvez todos nós estejamos — respondeu ele. — Mas aqui, no fim, o que importa é o que fazemos com o tempo que temos.

sorriu, sentindo uma faísca de esperança acender em seu peito. Ela não sabia se conseguiria voltar para casa, ou mesmo se queria. Mas sabia que, a partir daquele momento, sua história seria escrita a cada passo — não mais com a caneta, mas com as escolhas que faria.

Depois de se despedir de naquele banco sob a árvore, seguiu caminhando pela cidade com um misto de fascinação e cautela. Cada esquina parecia saída das páginas que ela escrevera tantas vezes, mas, agora, estavam vivas — pulsando sob seus olhos curiosos.

A rua de paralelepípedos se abria em pequenos becos estreitos e ruas laterais, onde lojas antigas exibiam seus letreiros em letras douradas desbotadas. Havia uma barbearia com um velho globo vermelho giratório na porta, um armazém que vendia tecidos finos e uma pequena oficina de relojoaria, com relógios antigos pendurados nas paredes e o tique-taque constante preenchendo o ar.

parou diante da vitrine de uma livraria, seus olhos se fixando nas capas de livros amarelados pelo tempo. Era quase irônico — ali estava o reflexo de seu próprio mundo, uma prisão de páginas e palavras, e ela, vivendo entre elas.

O sol começava a declinar no horizonte, tingindo as nuvens com tons de ouro e púrpura, e o ar carregava aquele frescor que só as tardes que anunciam a noite possuem. Ela respirou fundo, sentindo a brisa tocar seu rosto como um abraço invisível.

O som de passos atrás dela chamou sua atenção. Virou-se e encontrou caminhando em sua direção, com aquele sorriso calmo que parecia iluminar até o entardecer mais cinzento.

— Você já conhece cada canto da cidade? — ele perguntou, a voz suave, quase brincando.

— Ainda estou descobrindo — respondeu , sorrindo. — Parece que cada rua guarda um segredo.

assentiu, os olhos brilhando com um misto de curiosidade e algo que ela não sabia nomear.

— Quer que eu te mostre alguns? — ofereceu, estendendo o braço em um gesto casual.

Ela hesitou por um instante, mas algo naquele convite simples fez seu coração acelerar. Aceitou o braço dele, sentindo um choque leve no contato, como se aquela conexão fosse mais do que simples acaso.

Juntos, seguiram para uma rua menos movimentada, onde árvores antigas formavam um túnel verde e folhas caídas tapavam o chão. Eles pararam diante de um café quase escondido, com mesas de ferro forjado na calçada e velas acesas nas janelas. — É o meu lugar favorito — disse , sorrindo de lado. — Aqui, tudo parece desacelerar.

olhou para ele, os olhos captando um brilho sincero que não cabia no papel, algo espontâneo e vivo.

— Eu entendo — respondeu ela, sentindo-se mais leve do que em horas. — É um lugar onde você pode simplesmente… ser.

virou o rosto para olhar o céu que já escurecia, estrelas começando a surgir timidamente.

— Eu sempre quis que alguém entendesse isso — disse ele, baixinho. — Que a vida aqui é mais do que apenas rotina e histórias.

Eles ficaram ali, em silêncio confortável, como se o mundo inteiro tivesse diminuído só para aqueles dois momentos compartilhados. percebeu que, apesar do medo e da confusão, havia uma verdade que a ligava a ele — um fio invisível, tênue, mas firme, que resistia a qualquer explicação.

Ela não sabia se aquilo era obra do destino, ou apenas um detalhe do universo que criara. Mas sabia que, por enquanto, seria suficiente. Porque naquele instante, com o braço entrelaçado no dele e o vento leve brincando com os cabelos, sentiu que, talvez, estivesse exatamente onde deveria estar.



Continua...


Nota da autora: Oi, pessoal. Espero que se animem com essa história tanto quanto eu.

☀️


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