✮⋆˙Autora Independente do Cosmos✮⋆˙
Última Atualização: 07/112/2024A completa escuridão me desnorteava, cegando-me momentaneamente enquanto meus olhos tentavam, em vão, enxergar algo além daquele véu opressor de sombras. Mas, para onde quer que eu olhasse, tudo que via era um mar negro, incapaz de distinguir onde terminavam as paredes e começava o chão.
Uma dor aguda, como o pontada de uma agulha, latejou em meu pescoço, intensificando meu nervosismo e fazendo meu coração bater tão alto que o tum-tum-tum ecoava em meus ouvidos. Eu não fazia ideia de onde estava, mas meu sexto sentido gritava que eu não deveria estar ali.
Observei o lugar mais uma vez, a escuridão parecia ainda mais densa e opressiva. Um arrepio percorreu meu corpo quando meus olhos se fixaram em algo que parecia uma parede, embora eu não tivesse certeza — as sombras que abraçavam a estrutura ondulavam e escorriam até o chão. Um cheiro pungente e metálico dominou o ar, embrulhando meu estômago enquanto mais sombras se espalhavam. O cheiro se tornou mais presente…
Não eram sombras. Era sangue.
Sangue escuro e denso, que parecia misturar-se à escuridão. Saquei a faca presa à minha coxa, assumindo uma postura defensiva, esperando que criaturas da noite emergissem de seus esconderijos sombrios para me atacar.
Uma risada grave ecoou na escuridão, tensionando todos os meus músculos e me enchendo de pavor.
— Finalmente nos encontramos, criança. — A voz, antiga como o próprio tempo, parecia ecoar de todas as direções. — Você não precisa me temer... ainda.
Apertei a faca em minha mão, ignorando o suor que se acumulava em minha palma.
— Quem é você? O que quer de mim? — O medo e o nervosismo estavam claros no meu tom de voz, mas não me importei em escondê-los. Seria inútil. Se esse ser era tão antigo quanto sua voz denunciava, certamente podia sentir o terror que me fazia tremer levemente. Se fosse uma das criaturas infernais, conseguiria até mesmo sentir o cheiro do meu medo.
Esperei por sua resposta, observando o sangue escorrer pela parede e se acumular no chão, parando a poucos centímetros de meus pés.
— Eu sou o seu destino.
O cheiro de cerveja barata me envolveu completamente assim que cruzei a porta de madeira, atraindo os olhares atentos de todos os homens espalhados pela taverna. A visão de uma mulher desacompanhada entrando ali, tarde da noite, não era algo comum. Evitei contato visual com qualquer um deles e segui para a mesa mais afastada, mantendo o olhar fixo no chão, embora sentisse o peso dos olhares curiosos sobre mim.
A capa negra encobria meu rosto, mas o contraste entre o tecido escuro e o tom avermelhado do meu cabelo, que escapava dos capuzes, chamava a atenção. Partes de minha pele pálida, ainda que quase ocultas, pareciam ainda mais expostas sob as luzes fracas do ambiente.
Me acomodei cuidadosamente na cadeira bamba, ainda sentindo dor pelo meu corpo sempre que mudava de posição.
— Boa noite, senhorita. Como posso servi-la? — A voz suave e feminina soou após alguns minutos, desviando minha atenção para a jovem à minha frente, que aparentava ser alguns anos mais nova que eu.
O peso da faca presa em minha coxa se fez presente enquanto eu encarava a jovem que não devia estar fora de casa tão tarde. Eu sabia que ela estava trabalhando, mas as criaturas da noite não se importavam com isso.
Qualquer um que cruzasse seus caminhos encontraria uma morte brutal, e aquela garota não duraria cinco segundos.
Meu estômago roncou, me despertando dos devaneios sombrios que começavam a dominar minha mente.
— Qual o prato mais barato do dia? — questionei, minhas mãos alcançando o gasto e leve saco de moedas.
— Ovos cozidos com queijo de ovelha derretido e pão fresco.
Contentei-me em concordar com um aceno de cabeça, não seria a minha primeira escolha e nem acabaria completamente com a minha fome, mas eu não podia gastar o resto das minhas moedas hoje.
— Duas moedas de cobre. — O olhar da jovem desceu até as minhas mãos, arregalando os olhos ao focar a atenção no pano encardido que agora se encontrava quase inteiramente vermelho após conter o fluxo de sangue da minha mão direita.
Catei rapidamente as duas moedas, criando a noção que agora eu possuía menos de dez, e as depositei na mesa. Deixei meus olhos vagarem pela pequena taverna enquanto minha mente buscava maneiras de conseguir mais moedas; uma única refeição por dia já não era suficiente. Após mais alguns dias me alimentando precariamente, eu mal conseguiria me proteger. Contudo, a fome não era minha única inimiga, as noites passadas ao relento, dormindo no chão, também estavam cobrando seu preço.
A jovem retornou em um movimento ágil, colocando o prato à minha frente com uma leveza quase automática. Seu sorriso, embora cordial, não alcançava os olhos, que me encaravam de forma desconfiada. Em um instante, ela desapareceu, tão rápido quanto havia aparecido, deixando-me apenas com o aroma reconfortante da comida.
Os dois ovos no prato eram tão pequenos que eu duvidava que realmente eram de galinha, e o pão parecia tão duro quanto uma pedra, quase impossível de cortar. No entanto, aquela refeição ainda era melhor do que passar fome.
Peguei o talher de madeira e comecei a comer. O sabor não era dos melhores, mas, com a fome que me consumia, eu teria coragem de devorar até uma pedra mergulhada em ensopado de pombo.
Um burburinho próximo à entrada chamou minha atenção. Um velho corpulento, que eu imaginava ser o dono da taverna, estava parado à porta, numa tentativa tola de impedir que o homem do lado de fora entrasse. O desconhecido era maior em todos os sentidos: tinha vários centímetros a mais que o velho e exibia músculos definidos, enquanto o outro era completamente arredondado.
— Saia d-da minha frente, Radu, ou se-serei obrigado a tirá-lo à força. — Sua voz grossa e rouca combinava perfeitamente com seu porte físico e com a cicatriz que cortava o olho esquerdo, estendendo-se quase até o canto da boca.
— Acredito que o senhor já tenha bebido bastante.
— Eu dis… — A frase foi cortada por um soluço. — Discordo.
Arregalei os olhos, antecipando uma cena em que o velho tentaria expulsá-lo à força, mas o desfecho foi outro. O menor apenas encolheu os ombros, derrotado, e se afastou, abrindo passagem enquanto murmurava algo inaudível.
Observei o desconhecido entrar com passos pesados e trôpegos, mal conseguindo se manter em pé. Seus olhos semicerrados e o jeito vacilante deixavam claro que ele tinha bebido além da conta. A cada passo cambaleante, ele parecia desafiar o próprio equilíbrio, até que finalmente avistou uma cadeira vaga e se deixou cair nela, como se cada músculo de seu corpo tivesse cedido ao mesmo tempo. O ranger da madeira sob seu peso ecoou pela taverna junto com a sua voz:
— Um copo de cerveja.
A mão trêmula do desconhecido jogou um punhado de moedas na mesa — mais de cinco — e xinguei baixinho, indignado. Eu ali, catando cada moeda para garantir uma mísera refeição por dia, enquanto aquele desgraçado esbanjava o próprio dinheiro em cervejas sem nem contar o troco. O copo valia apenas três moedas, mas ele estava tão bêbado que pagava a mais sem sequer perceber, ou se importar. As moedas rolavam na madeira da mesa, e ele nem parecia notar, os olhos já perdidos e as mãos desajeitadas.
— . — A voz grossa ressoou por toda a taverna enquanto a jovem de antes encarava o bêbado.
Aquela não era a sua voz, ela tinha falado comigo mais cedo. Algo estava errado.
A pontada na minha nuca despertou o meu sexto sentido... Demônios.
— Porra! — O bêbado pronunciou de forma arrastada, pondo-se de pé com dificuldade e falhando ao adotar uma posição defensiva.
Antes que eu pudesse piscar, a pele da jovem foi rasgada ao meio, e um grito gutural ecoou pela taverna, paralisando todos ali. Um silêncio tenso tomou conta do lugar, quebrado apenas pelo som úmido e nauseante de carne se retorcendo enquanto a criatura destroçava a pele humana.
Era descomunal, quase o dobro do tamanho do bêbado. Sua pele, escura como a noite sem lua, brilhava de forma sinistra, destacando suas presas pontiagudas, maiores que as de qualquer lobo, de onde pingava um líquido viscoso que caía no chão, queimando a madeira. Os olhos, vermelhos e flamejantes, transbordavam ódio puro, cravados no bêbado como se ele fosse o alvo de uma vingança que vinha de eras.
O ar ao redor parecia pesar, carregado de um cheiro metálico e azedo que fez meu estômago se revirar. A tensão era tão densa que nenhum dos poucos presentes ousava se mexer, como se até mesmo o menor ruído pudesse ser interpretado como uma provocação fatal.
Eu já tinha encontrado algumas criaturas da noite antes, mas nenhuma se comparava aquela.
— Podemos acabar logo com isso para eu tomar minha cerveja? — A pergunta saiu em um tom quase entediado, provocando um silvo de puro ódio do demônio, que, no instante seguinte, avançou como uma sombra densa e cruel, um borrão de força e ódio.
A luta se desenrolou diante de mim, e o desconhecido enfrentava a criatura com uma bravura que eu não esperava de um bêbado. Antes que a criatura o abocanhasse, ele moveu-se rápido e precariamente para o lado, sacando o mais belo chicote que eu já tinha visto.
A lâmina do chicote silvou no ar, cortando a escuridão em movimentos rápidos e certeiros. Ele o estalava como se dançasse em meio à fúria da criatura, desviando de suas garras afiadas com uma velocidade impressionante, mas cada golpe parecia apenas irritá-la mais. As presas do demônio brilhavam sob a luz das velas da taverna, e a cada ataque bloqueado, ele ficava mais frenético, mais imprevisível.
O demônio pulou para o lado, o chicote cortou o ar, estalando como um trovão, e a ponta metálica brilhou de forma ameaçadora. Mas a criatura se esquivou, abrindo a boca em um estranho sorriso assustador.
— Você se cansa rápido. — Zombou o demônio, os olhos vermelhos brilhando de malícia. — Já foi mais forte, não foi? Lembra de como lutou até o fim para tentar salvar a Sypha? E falhou?
O golpe atingiu o desconhecido como uma lâmina, e eu pude ver seu olhar escurecer, a bravura se desvanecendo em um instante. O rosto do homem mudou, endurecendo, mas o brilho feroz de antes se apagou. Ele hesitou, e nesse pequeno instante, o demônio avançou, esmagando-o contra a parede com um riso sádico. O chicote caiu de sua mão, e meu coração disparou.
O cheiro metálico do sangue inundou o ar, e percebi que ele estava vulnerável. Ele morreria. Minhas mãos se fecharam ao redor do cabo do chicote, e eu me levantei, o coração acelerado.
Sem pensar duas vezes, lancei o chicote. O metal cortou o ar, e a ponta atingiu o demônio com precisão, cravando-se em sua carne escura. O efeito foi instantâneo. Ele se contorceu, um grito agonizante escapando de seus lábios, enquanto eu puxava com força, sentindo o poder do chicote agindo. A criatura se debatia, sua força desaparecendo enquanto o metal absorvia sua essência.
Com um último esforço, arrastei-o para baixo, e o demônio desmoronou no chão, os olhos ardendo de ódio se apagando lentamente. O silêncio caiu sobre a taverna, interrompido apenas pelo som de seu corpo pesado atingindo o chão. Eu respirei fundo, o coração ainda acelerado, mas minha atenção logo se voltou para o desconhecido. Ele estava caído, ofegante e ensanguentado, uma expressão de dor misturada com incredulidade estampavam seu rosto. Nossos olhares se cruzaram, e, por um instante, tudo ao nosso redor desapareceu. Ele tentou se levantar, mas a fraqueza dominava seu corpo.
— Você... — murmurou ele, sua voz trêmula, a raiva misturando-se com gratidão. — Quem é você?
Me aproximei dele, ajoelhando ao seu lado e ignorando a poça de sangue que começava a manchar minhas roupas. Depositei o chicote no chão, próximo a seu corpo, focando toda a minha atenção no enorme rasgo em forma de garras que ele exibia na barriga.
— — respondi, simplesmente.
Desamarrei minha capa, sentindo a leve brisa eriçar meus pelos, e saquei a faca da coxa. Com um movimento ágil, cortei o tecido preto em várias tiras, criando bandagens improvisadas para envolver o torso do desconhecido. A ideia de arruinar a única peça de roupa boa que possuía em um homem cuja identidade era um mistério parecia absurda, mas não havia tempo para hesitação.
— Eu salvei sua vida, acho que mereço saber seu nome — falei, enquanto tentava estancar o sangue, pressionando as tiras de pano contra os cortes.
— Eu não precisava de ajuda.
Uma risada descrente escapuliu dos meus lábios. Ele só podia estar brincando.
— Claro, se você realmente quisesse acabar morto — retruquei, desafiando sua aparente bravata.
— Talvez seja isso que eu mereça — ele respondeu, sua voz tão fraca que eu me perguntei se realmente tinha escutado sua resposta depreciativa. — Sou , .
Uma tosse rasgada acompanhou o final de sua frase. A cada tremor de sua barriga, mais sangue jorrava, e gemia de dor. Precisávamos agir rapidamente ou ele não sobreviveria.
— Isso não está nada bem, hm? — comentou, tentando suavizar a situação.
— Tem algum lugar para onde eu possa te levar? — perguntei, ignorando a sua falha tentativa de amenizar o clima.
Ele hesitou, seus olhos revelando desconfiança. Era evidente que não confiava em mim, mesmo que eu tivesse acabado de lhe salvar. Outra pontada de dor o acometeu, forçando-o a se concentrar em suas duas únicas escolhas: confiar em mim ou morrer ali.
— A mansão da minha família, perto de Gresit. Tenho um velho amigo lá.
— Qual é o nome do seu amigo? Duvido que você consiga se manter são até lá. — A desconfiança voltou a brilhar em seu olhar, mas a urgência me forçava a perguntar. — Vamos lá, , preciso saber quem procurar quando a febre roubar a sua sanidade.
— Alucard…
O nome cortou o ar entre nós, provocando arrepios ao longo da minha espinha. Iríamos ao encontro do filho do maldito Conde Drácula. E a pior parte? Eu não estava assustada, pelo contrário, havia uma estranha eletricidade no ar que me deixava alerta e intrigada.
Os olhos de estavam fixos em mim, intensos e profundos, como se tentassem decifrar algo que eu não conseguia entender. Nem mesmo o sacolejar incessante da carroça não conseguia desviar seu olhar, que parecia penetrar a cada segundo mais fundo em minha alma. Mas havia algo ali, algo que ia além da desconfiança. Algo que, de alguma forma, me desafiava. Seus olhos azuis estavam carregados de uma mistura de confusão, uma pequena gratidão e, sim, uma pontada de desconfiança que parecia brilhar intensamente.
O corte em seu abdômen já não sangrava mais, o fluxo estancado assim que o coloquei cuidadosamente na carroça com a ajuda do dono da taverna. Pelo jeito, não foi a primeira vez que precisou ser transportado para fora do local, mas desta vez, foi a primeira em que sua vida realmente esteve em risco. O sangue que havia manchado suas roupas, a expressão em seu rosto, a fraqueza de seus movimentos... Eu sabia que ele tinha escapado por pouco.
E, mesmo que ele parecesse disposta a tentar negar, ele também sabia
Aquela criatura da noite não teria misericórdia, ela destroçaria e depois se banquetearia com nosso horror e sangue. Se não fosse pela minha interrupção em um surto de coragem, ele não estaria ali.
Contudo, o jeito como ele me olhava agora era como se eu fosse a culpada por sua condição, como se eu fosse a causa de seu sofrimento. Como se eu tivesse tentado matá-lo em vez de salvá-lo.
— É melhor você descansar. Vai se sentir melhor. — Me acomodei no bloco de feno que servia de assento, tentando fazer com que ele relaxasse, mas o olhar dele permaneceu inabalável.
Ele rolou os olhos, e a atitude zombeteira não passou despercebida por mim.
— Estou ótimo. — Sua voz estava rouca, um resmungo baixo que não transmitia nem de perto a força que ele tentava transparecer.
Não consegui segurar a risada, embora fosse irônica. não poderia estar mais distante da palavra "ótimo". Ele parecia mais uma sombra de si, mas eu temia que isso não fosse só pelo ocorrido de hoje.
— Você está mais pálido que um espectro. Não seja tolo — rebati. — A viagem até o castelo de seu amigo vai ser longa, e se você continuar se esforçando assim, logo vai desmaiar.
Ele me lançou um olhar penetrante, mais severo do que antes — se isso fosse possível. Seus lábios se comprimiram, e eu sabia que ele estava incomodado, mas não me importava. Ele precisava de ajuda, e se isso significava deixá-lo desconfortável, que fosse.
— Não vou dormir enquanto você me observa. — A rouquidão em sua voz cortou o barulho dos cascos e o ranger das rodas da carroça. — Não confio em estranhos.
Revirei os olhos, deixando escapar um suspiro exasperado. Ele parecia determinado a testar os limites de uma paciência que eu já não possuía.
— Nem nos que salvam a sua vida? — Retruquei, arqueando uma sobrancelha em desafio.
— Nunca precisei de ninguém para me salvar. — A resposta saiu rápida, carregada de orgulho ferido e uma obstinação irritante.
Cruzei os braços, inclinando-me levemente para frente, o encarando com o mesmo olhar duro e hostil que ele vinha lançando desde que nos conhecemos.
— Bom, isso explica muita coisa. — Minha voz foi fria, quase cortante. — Talvez essa seja a razão para você estar agindo como um idiota de merda.
As palavras saíram como veneno, cuspidas sem filtro, e eu sequer me importei que soassem ríspidas. Ele precisava ouvir aquilo.
— Nesse caso, o mínimo que você deveria fazer é agradecer à pessoa que acabou de salvar sua vida.
A carroça continuava sacolejando em um ritmo hipnótico, o som das rodas sobre o terreno irregular contrastando com o silêncio tenso que pairou entre nós. Por um instante, pensei que ele fosse responder com mais um de seus comentários sarcásticos, mas ficou quieto.
Sua expressão permaneceu endurecida, mas algo em seus olhos mudou. A desconfiança deu lugar a algo mais suave — gratidão, talvez, ou até mesmo um vislumbre de vergonha. Era um momento tão fugaz que quase me convenci de que tinha imaginado. Contudo, o olhar duro logo voltou, como se ele se lembrasse de que não podia ceder, nem mesmo por um segundo.
A tensão em seus ombros, ainda rígidos como se carregassem um peso invisível, dizia muito. Ele parecia desconfortável. Homens como não sabiam lidar com a vulnerabilidade, e a ideia de que alguém tivesse arriscado algo por ele claramente o incomodava.
Eu podia sentir o ritmo da viagem se arrastar, cada solavanco da carroça parecia estender a distância entre nós e o castelo de Alucard. Apesar disso, a tensão não diminuía, como se estivéssemos em uma corda bamba prestes a se romper.
— Talvez eu deva pular da carroça. — Murmurei para mim mesma, embora alto o suficiente para ele ouvir.
Seus olhos azuis dispararam para mim, e por um momento, vi algo que parecia próximo a... preocupação? Mas, como antes, desapareceu antes que eu pudesse decifrar.
era um quebra-cabeça, cada peça enterrada sob camadas de sarcasmo e orgulho. Eu sabia que ele nunca se renderia fácil — não a mim, não a ninguém.
Mas, por enquanto, isso não importava. Minha única função ali, era mantê-lo vivo.
O resto da viagem se estendeu em um silêncio desconfortável. ainda direcionava olhares desconfiados, mas não tomou a iniciativa de falar, e eu tampouco. Dividimos um pedaço de pão de centeio quando o carroceiro voltou de sua ida à taverna para se hidratar, e eu permaneci acordada o tempo todo, temendo que a febre — que eu apostava que estava sentindo, mesmo que nunca admitisse — o fizesse perder a consciência e começar a delirar.
Ainda assim, ele permaneceu firme, recusando-se a ceder ao sono ou reclamar, mesmo quando o movimento brusco da carroça fazia o corte em seu abdômen latejar.
Soube que estávamos perto do destino antes mesmo que ou o carroceiro dissessem algo. A arquitetura do castelo não deixava dúvidas. Torres góticas interligadas à construção principal, enormes janelas que pareciam espelhos negros, e a imponência geral do lugar gritavam que aquele era o castelo de Drácula.
— Acho que nunca vi uma construção tão exuberante. — Meu fascínio escapou dos lábios antes que eu pudesse contê-lo.
— Eles são uns amostradinhos de merda. — resmungou, tentando se levantar, mas falhou. Seu tronco curvou-se para frente, a dor evidente em seu rosto.
Corri para ele, segurando seu corpo antes que colapsasse no chão de madeira. Era uma tentativa precária — era praticamente todo músculos —, mas consegui evitar que caísse.
A carroça finalmente parou em frente ao castelo, mas ainda a uma considerável distância. A luz do fim da tarde iluminando as torres góticas e o brilho metálico das portas de ferro. O carroceiro murmurou algo sobre "não ir além disso", deixando claro que essa era a linha que ele não cruzaria.
— Você é mesmo um caso perdido, não é? — resmunguei, passando o braço dele pelo meu ombro para ajudá-lo a descer.
— Eu posso sozinho. — A firmeza na voz dele era completamente desmentida pelo tremor em suas pernas.
— Claro que pode, . — Minha resposta saiu carregada de sarcasmo, mas antes que eu pudesse levá-lo para fora, uma figura se materializou diante de nós, vinda das sombras como se fosse parte delas.
A princípio, só vi os cabelos dourados, brilhando tanto quanto os raios de sol. Quando ele se aproximou, o restante de sua figura se revelou. Um homem alto, de movimentos fluidos e uma presença que parecia maior do que o próprio espaço. Forte e esguio, sobrenaturalmente bonito.
— Alucard — bufou, irritado, mas o alívio em seu tom era inegável.
O outro não respondeu imediatamente. Seus olhos se fixaram no estado lamentável de , depois em mim, avaliando-me com uma calma quase desconcertante.
Prendi o ar sob seu escrutínio, sentindo cada parte do meu corpo esquentar conforme as íris douradas, tão intensas quanto mel derretido, me analisavam. Aquele olhar parecia atravessar camadas, expondo mais de mim do que eu estava disposta a mostrar.
— Você sempre encontra um jeito de se enfiar em confusão, não é, ? — A voz de Alucard era suave, quase divertida, mas havia uma ponta de preocupação quando ele voltou a encarar o amigo.
— E você sempre aparece para comentar o óbvio. — tentou soar firme, mas o cansaço em sua voz o traiu.
Alucard se aproximou, ignorando completamente o sarcasmo de .
— Ele não vai conseguir andar sozinho. — Ele me olhou de forma direta. — Pode me ajudar a tirá-lo?
Assenti, ajustando em meu ombro para que Alucard pudesse segurá-lo com mais facilidade.
— Segure-o aqui. — Apontei para o braço que estava mais firme, enquanto Alucard se abaixava e passava um braço sob as pernas de e o outro por suas costas, erguendo-o com uma facilidade quase insultante.
— Você está péssimo, . — A voz do homem, grave e levemente sarcástica, ressoou enquanto ele carregava como se fosse um saco de penas.
— ... — começou a protestar, claramente irritado. — Me põe no chão, porra!
Eu não consegui segurar a risada dessa vez, uma gargalhada curta escapou enquanto observava a cena. , o homem teimoso que recusava ajuda até mesmo quando estava à beira da morte, sendo carregado como uma criança indefesa.
— E deixar você se arrastar pelo chão? — Alucard retrucou, com um meio sorriso nos lábios. — Prefiro poupar minha visão de algo tão lamentável.
grunhiu algo inaudível, mas se calou quando a dor claramente o alcançou novamente.
Enquanto seguíamos em direção ao castelo, caminhei ao lado de Alucard, observando como ele carregava com uma combinação de força e cuidado. Assim que chegamos ao grande hall de entrada, a imponência do espaço quase me fez esquecer da exaustão.
— Vou levá-lo até um quarto para que descanse. — Alucard olhou para mim por cima do ombro. — Espere aqui.
— Com todo prazer. — Sorri, aproveitando a oportunidade para me sentar em uma das poltronas próximas à lareira.
Quando ele voltou, sozinho dessa vez, sua postura estava mais descontraída, mas os olhos dourados ainda me analisavam como se tentassem decifrar quem eu era.
— mencionou algo sobre um ataque. — Sua voz era tão calma quanto antes, mas havia um peso novo nela. — O que exatamente aconteceu?
Repeti os eventos, desde o ataque que quase tirou a vida de até a luta para mantê-lo consciente durante a viagem. Enquanto falava, a expressão de Alucard permaneceu séria, mas algo em sua postura suavizou quando terminei.
— Obrigado por salvá-lo. Sei que pode ser... complicado, mas ele é importante.
— Não precisa agradecer. — Minha voz saiu mais suave do que eu pretendia. — Apenas fiz o que precisava ser feito.
Alucard assentiu, seus olhos dourados brilhando com algo que parecia gratidão genuína.
— Nem todos tomariam a sua iniciativa, especialmente por um bêbado desconhecido. — Ele fez uma pausa, como se escolhesse as palavras cuidadosamente. — Fique aqui esta noite. Você merece descansar, e... isso é o mínimo que posso oferecer.
Por um momento, considerei recusar, mas o cansaço que pesava sobre mim tornou a decisão fácil.
— Aceito. — Suspirei, permitindo que a tensão deixasse meu corpo.
Alucard acenou mais uma vez, um leve sorriso curvando seus lábios antes que ele indicasse onde eu poderia me acomodar.
— Bem-vinda ao meu castelo, .