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Autora Independente do Cosmos 🛸

"O dia seguinte ao que você roubou o meu coração
Tudo que eu toquei me disse que seria melhor se compartilhado com você
﹝...﹞
E agora você está se escondendo na minha sopa
E esse livro revela o seu rosto
E você se espalha em minhas pálpebras
Enquanto a concentração é continuamente interrompida
﹝...﹞
Eu realmente pedi que a marca que você deixou
Não cicatrizasse tão rápido
Eu escuto sua voz em meio aos silêncios
Será a provocação do fogo seguida por um trovão?"

🖤🎤 Fire and the Thud


Jeon Jungkook tinha histórias famosas sobre bebedeiras no seu histórico.
É claro que as histórias eram conhecidas por um número limitado de pessoas, e que essas sempre estavam muito dispostas a desenterrá-las por pura diversão, apenas pelo prazer imutável de ouvi-lo dizer, como sempre, no final: nunca mais eu vou beber.
Todos sabiam que isso não era possível – ele mesmo sabia –, mas parecia algo que precisava ser dito, só para mostrar que seu lado adulto e responsável estava ciente de seus exageros.
Entretanto, naquela manhã de sábado, quando acordou em cima de algo meio duro e desconfortável, sentindo uma espécie de frio no tórax e na ponta dos pés, e com a garganta tão seca que arranhava e doía os músculos da laringe apenas por abrir a boca, Jungkook pensou que talvez tivesse abusado um pouco da palavra exagero.
A começar pelos músculos de todo o corpo estarem respondendo muito tarde aos comandos do cérebro, porque a partir do momento em que conseguiu abrir os olhos e visualizou aquele teto de gesso branco com vigas pretas horizontais e lâmpadas industriais, ele sabia que não estava acordando em casa.
E não acordar em casa nunca era uma coisa boa, principalmente quando você não se lembrava de como chegou lá.
Só que ou ele tinha sido atropelado por um caminhão ou entrou em uma briga de bar com um time de basquete inteiro – ou talvez as duas coisas no mesmo dia –, porque mover as pernas o fez quase soltar um grito de dor, que irradiou pelo corpo todo, inclusive na cabeça. Minha nossa, sua cabeça parecia estar acordando agora, xingando ele por toda a merda que tinha feito ontem para deixá-la naquele estado de agora: fodida. Molestada. Latejando de ódio.
Desorientado, ele moveu o braço até conseguir tocar em alguma coisa. Um estofado azul marinho foi o primeiro substrato que encontrou, e seus dedos agarraram no encosto até conseguir erguer o corpo para cima, piscando os olhos várias vezes, trincando os dentes pela tortura. Sua cabeça estava tão fodida que ele mal conseguia escutar os sons aos redor. Os olhos semi embaçados ainda estavam tentando voltar ao foco quando ele conseguiu enxergar um cômodo amplo, muito comum, com uma mesa redonda embaixo de pendentes de luzes, uma TV imensa grudada na parede e uma pequena estante com apenas quatro livros, todos eles do Carl Sagan, um aparelho de videogame e um porta retrato com a foto apenas de um céu estrelado, um céu que seria aparentemente comum para Jungkook se ele já não tivesse ouvido falar dele um milhão de vezes. É a Cassiopeia, seu ignorante! Do lado tem Cefeu e Andrômeda, como você sempre esquece?
Ah, claro. Sabia exatamente onde estava agora, e nem ficou surpreso com isso.
— Bom dia, bela adormecida! — A voz de Mingyu entrou na sala e na cabeça de Jungkook como um golpe direto no cérebro. Ele esfregou os olhos enquanto se sentava, agradecendo aos céus pelo amigo ter deixado as cortinas no mesmo lugar — Porra, achei que ia dormir até amanhã. Tá achando que isso aqui é pousada?
— Fala baixo, cacete — a garganta doeu exatamente como ele esperava. Era como se tivesse dormido em uma sauna. Com os olhos ainda um pouco doloridos, ele ergueu a cabeça para se situar no ambiente, e a primeira imagem registrada foi aquele cara de 1,86m de pé, sem camiseta e usando uma cueca samba canção estampada com – lógico – alguma sandice de estrelas. — Ah, cara, pelo amor de deus. Dá licença?
— Licença é o caralho. Você que apareceu na minha casa, você que virou a tequila do meu armário e você que capotou no meu sofá de cueca. Eu tô dentro da minha rotina de sábado: acordar meio dia e montar meu quebra-cabeça de Star Trek — ele ergueu uma sobrancelha, pontuando um fato tão óbvio quanto o dia e a noite. Jungkook tinha conhecimento sobre esse óbvio e sobre os hábitos do amigo e sabia bem o que encontraria naquele apartamento caso aparecesse ali aos sábados, mas o negócio é que naquele momento ele nem sabia que era sábado — Quer dizer… Se levar em consideração que ainda não é meio dia e que virei as 3 doses de tequila com você, podemos deixar a rotina pra depois.
Jungkook balançou a cabeça, ainda tentando relacionar as palavras de Mingyu com imagens dentro da mente.
— Doses? Cueca? Mas que… — e então, um estalo aconteceu e ele olhou para si mesmo, topando com o próprio peito nu e uma manta cinza cobrindo tudo da cintura para baixo. Quando ergueu o tecido, viu a boxer da Calvin Klein sendo a única peça deixada no corpo — Merda. Espera… O que foi que aconteceu ontem?
— Você não lembra?
— É claro que eu não lembro, palhaço.
— Não sei se te julgo por isso, não. Você tava uma bagunça, cara. De um tipo que eu nunca vi, e depois de ter vomitado na pia da área de serviço, espero nunca mais ver — Mingyu comentou enquanto ia se sentar na poltrona mais próxima, aquela bem do lado da mesinha média que apoiava um dos maiores quebra-cabeças do mundo se você fosse fã desse tipo de coisa. Era muito possível que Mingyu jamais terminasse de montá-lo, não porque não tivesse tempo, mas porque sabia que não encontraria outro igual, então tendia a ficar postergando essa tarefa até perder a paciência — Aceita uma aspirina? Suquinho de laranja? Rivotril?
— Água — Jungkook disse enquanto continuava olhando para si mesmo, ou procurando qualquer vestígio das roupas por aí. Além do corpo inteiro dolorido como se tivesse participado de 3 rodinhas de punk num show de metal, não parecia haver nada fora do normal – nada que demonstrasse algum tipo de violação, se é que poderia chamar disso. Uns piercings novos aqui, outra tatuagem ali, a nuca agora livre dos fios de cabelo comprido. Coisas que não estavam ali no dia anterior, mas que ele se lembrava de ter feito, e quando tinha feito.
O problema era a grande tela preta que tinha depois disso. Jungkook se lembrava das cervejas que tinha começado a tomar em casa, e de continuar com elas no estúdio de Polyc, e de mandar uma mensagem para Jimin sobre uma garota, e de entrar na Mercedes com o pensamento em um hotel, e…
E depois nada. Absolutamente nada.
— Mingyu, é sério… — Jungkook enrijeceu a postura, agora jogando as pernas para o chão, vendo o amigo refletindo sobre duas peças absolutamente iguais. — Água. E respostas.
Mingyu revirou os olhos e finalmente se colocou de pé, andando para a cozinha conjugada que ficava a poucos passos da sala aberta.
— Tá, eu só posso dizer o que eu vi, beleza? — ele abriu a geladeira, puxando de lá uma garrafa lacrada de água, e imediatamente jogou na direção de Jungkook — Eu estava em casa na paz, cuidando da minha vida, até o meu interfone tocar e o senhor Yu da portaria dizer que tinha um maluco querendo subir. E eu juro que ele usou essa palavra — Mingyu segurou o riso — O que é hilário, porque olá, pessoas como nós não podem sair abrindo a porta para malucos. Mas parece que seu lindo rostinho ficou super exposto depois de você literalmente tropeçar em cima dele, ele trocou o maluco por “garoto com tatuagem de presidiário do BTS”. Aí eu liberei sua passagem. Só fiquei puto porque eram 4 da manhã.
— 4 da manhã?! — Jungkook quase engasgou com a água. Um intenso desespero começou a subir pelo seu estômago. Eram quase 8 da noite quando ele deixou o estúdio de Polyc e chegou àquele hotel. E não fazia a menor ideia de que horas havia saído dele, mas de 8 da noite para 4 da manhã era muita coisa.
Eram 8 horas de completo nada. 8 horas de memórias roubadas, onde ele não tinha ideia do que tinha feito, mas que no fundo sabia que não estava visitando criancinhas no orfanato.
Ah, Deus. Meu Deus. Talvez fosse melhor não querer saber.
— É, e foi uma merda te trazer aqui pra cima. Tava tão bêbado que trocava as pernas o tempo todo, nem sei como chegou na frente do prédio. Aliás, como você chegou aqui? Foi coisa de profissional.
— Eu não… — atordoado, Jungkook balançou a cabeça, agora segurando a garrafa com um pouco mais de fraqueza, tentando desesperadamente puxar algo da mente — Eu não faço ideia. Eu disse alguma coisa?
— Dizer? — Mingyu riu alto, e aquilo não foi nada acalentador — Sei lá que porra você tava dizendo, JK. Era mais fácil chamar os caras do Sudão para traduzir aquela merda, podia ser uma língua nova tipo klingon ou Dothraki. Mas a sua era linguagem de bêbado, e no meio do choro não tava dando pra entender…
— Choro?! — e nessa hora, foi como se Mingyu tivesse dito o que Jungkook não sabia que tinha medo que ele dissesse — De que merda você tá falando?
O rosto do maknae se transformou na personificação do completo terror. Mingyu não tinha certeza sobre o motivo daquilo, mas pela reação do amigo, foi como se tivesse dito que ele tinha aparecido na sua porta com uma cabeça ensanguentada, e não que tinha chorado.
Mesmo assim, ele seguiu em frente:
— O berreiro que você abriu aqui nessa sala, oras. Meu deus, tive que pedir desculpas pra uns 3 vizinhos, e pode esperar a cobrança das multas na sua conta. Jesus, eu não sabia que você era capaz de… — Mingyu parou de falar quando teve os ombros agarrados pelos dedos pálidos e pelos olhos arregalados de Jungkook quando este se levantou como um jato do sofá, em completo pânico. Mingyu sentiu a cintura do amigo batendo na dele com a pressa — Ô, cara, espera aí, chega com essa coisa pra lá…
— Cala a boca. Como assim eu chorei?
— É, você chorou.
— Você tá me zoando.
— Não tô, não.
— Eu não posso ter chorado.
— Chorou, sim. E ainda cantou Love is a Laserquest 3 vezes nesse sofá, e jurei que você odiava essa música — Mingyu afastou as mãos dele, e de quebra, deu um passo para trás porque, oras, ainda era um pouco estranho e desconfortável ter um outro cara de cuecas na sua sala — Foi bem na hora que você achou uma boa ideia tirar a roupa e se jogar no meu sofá.
— Meu deus — a voz de Jungkook tinha virado um fragmento sem vida. Os olhos, atônitos, encararam o piso, perdidos no dilema de continuar tentando ou não se lembrar, porque algo dentro de si adiantava que aquelas 8 horas tinham sido um combo traumático de todos os seus 24 anos de vida, um que ele tinha jurado que jamais aconteceria.
Ele se arrastou novamente para o sofá, derrotado, afundando o rosto entre as mãos em desalento:
— Tô fodido, meu deus…
Talvez ele choraria de novo, ou bateria com a cabeça várias vezes na parede.
Não dava pra acreditar. A situação era pior do que pensava. Jungkook não estava nem perto de lembrar de seus passos na madrugada passada, mas se o motivo pelo qual tinha aberto aquela Heineken na sua sala no final da tarde fosse porque não estava suportando a ideia de que , a garota que tinha descoberto que amava, estava se preparando para ir jantar e provavelmente beijar e seja lá mais o que fazer com seu melhor amigo naquela noite, ele absolutamente não queria saber o que tinha feito depois. A ignorância é uma benção nesses casos. Não havia problema nenhum em deixar as coisas como estavam.
No entanto, a parte do chorar tinha pegado-o de jeito. E Deus do céu, ele não era o homem mais respeitável do mundo e com certeza tinha feito alguma merda muito grande, mas precisava mesmo ter chorado?
Chorar era o diagnóstico que ele não queria. Era o laudo médico de que sua condição era grave, muito grave.
— Ei, cara. Pega um — Mingyu estendeu para o amigo um saquinho de pano com algo costurado, e Jungkook levantou a cabeça das palmas das mãos e puxou um comprimido sem ver, engolindo-o sem água, sem se importar nenhum pouco se aquilo o matasse. — Eu não ia perguntar nada, porque sabe… Você tava podre demais ontem. Mas daí eu lembrei que eu nunca te vi tão podre assim, nem quando você socou aquele cara em Itaewon. Então, por questões de pagamento de hospedagem, acho que eu mereço uma explicação de por que caralhos você me acordou 4 da manhã pra chorar no meu sofá.
Mingyu passou o saquinho para a mesinha do quebra-cabeça e voltou à sua poltrona. Jungkook puxou o ar pelo nariz, incapaz de desviar os olhos do chão.
— Eu tô fodido, Mingyu.
— Isso eu percebi.
— Não, você não tá entendendo. Eu tô fodido — ele reiterou com um cerrar de dentes. Com um brilho enfático nos olhos. Com um pouco de aborrecimento que quase beirava a um pedido de socorro — Completamente e dramaticamente fodido. De um jeito que deveriam me jogar na fogueira. Ou fazer uma lavagem cerebral. Eu sou um caso perdido.
Mingyu franziu o cenho ao mesmo tempo em que encarava agora três peças do jogo ao lado do tabuleiro principal, em que todas elas faziam parte do céu estrelado de seja lá qual fosse aquela galáxia e que ele jurava que eram muito diferentes entre si.
— Que isso, cara. O que aconteceu? Tá devendo agiota? — disse sem olhar para Jungkook, segurando uma das peças no alto antes de continuar, desdenhosamente: — Participou de uma das corridas do Nitro e perdeu? Se bem que você nunca apostaria a Mercedes naquela merda…
— Eu nunca mais aposto nada na minha vida — agitado de novo, Jungkook se colocou de pé e bagunçou um pouco o cabelo, sentindo um odor um tanto fétido partindo de algum ponto de trás do sofá, mas não queria nem se importar com isso. — Na verdade, eu nunca mais quero pagar pra ver nada. Eu nunca mais… Meu deus, só nunca mais. O que eu tô fazendo?
Com uma careta, ele cruzou a sala até a cozinha, o que fez Mingyu olhá-lo de cara feia, porque fala sério, ele ainda estava de cueca! E quando você não era o dono da casa, estar de cueca virava uma coisa estranha.
Ignorando isso completamente, o rapaz andou até as prateleiras e abriu a primeira gaveta, depois a segunda até chegar à portinha de cima, decorada com um amuleto de proteção igual ao que ele ganhava da avó. Jungkook se certificava de sempre jogar aquele tipo de coisa no lixo, mas depois de tudo que aconteceu na noite passada, talvez tenha sido uma burrice.
— Que porra, cadê a sua aspirina?
— Na gaveta de baixo — Mingyu respondeu, novamente, sem levantar os olhos do jogo. Se Jungkook já não estivesse tão aflito com a própria situação, teria reclamado daquele comportamento absurdo – o jeito como Mingyu se esquecia ou não se importava com o mundo ao seu redor quando estava concentrado em seus hobbies.
O negócio era que Kim Mingyu tinha um grande segredo: ele era inteligente. Ou tão amante de astronomia, galáxias, estrelas e buracos negros que pesquisava um pouco demais sobre o assunto, e Deus sabia o quanto aquilo era mesmo um segredo. Com 15 anos, ele se viu assustado depois de um sonho que teve. O fantasma de seu pai, falecido há menos de 3 meses, dizia-lhe que existiam grandes chances de que ele virasse uma estrela, como contavam por aí. Mas ele tinha medo de ser igual a todas as outras, e assim, Mingyu jamais o reconheceria quando o procurasse. Aquilo pareceu um pouco lunático e desesperador. Ele acordou no outro dia e foi ler sobre os nomes e tipos de estrelas, os conjuntos que formavam nos corpos celestes e por quanto tempo brilhavam no céu. Pouco a pouco, o garoto foi se transformando na pessoa com frases profundas sobre o universo e que se empolgava com qualquer mínima coisinha que envolvia constelações, mas também era um cara jovem normal e sabia que nada disso garantia bocetas.
Mingyu escondia que tinha um cérebro porque não estava afim de papear com uma garota sobre as variáveis do asterismo e descobrir logo depois que ela era cética ou criacionista.
Com isso, Jungkook sabia que não venceria aquela guerra por atenção e se agachou até a última gaveta, remexendo em tigelas de plástico até achar a cartela salvadora do dia – que seria ainda melhor se o fizesse apagar por um dia inteiro.
Ele voltou para o sofá, ainda com o mesmo embrulho no estômago, e ainda com a mente funcionando pela metade. Mingyu o viu passar por ele pelo canto do olho, e finalmente desviou os olhos do jogo para se concentrar no amigo.
— Sem querer ser empata crise existencial, mas além da aspirina, você podia, sei lá, tomar um banho. O que acha? — ele disse com uma careta, balançando uma palma aberta na frente do nariz. — Se passar mais um minuto no meu sofá, vou ter que mandar dedetizar ele, porque você parece ter literalmente saído da Tomorrowland do submundo. Topa?
Jungkook estava prestes a se sentir ofendido, mas se lembrou do cheiro estranho atrás do sofá. E que talvez ele não estivesse vindo de trás do sofá, e nem do próprio sofá.
Levantando o braço até a metade do peito, ele inspirou o próprio cheiro no ombro e torceu o nariz quase imediatamente.
— Ah, que merda. Eu não sei o que pode ter…
Ele parou com a boca entreaberta, os olhos se arregalando pouco a pouco na direção das sobrancelhas.
Provavelmente graças à aspirina milagrosa que começava a pacificar sua cabeça, Jungkook foi tomado por flashes de memórias soltas e soube exatamente porque estava cheirando à banheiro de rodoviária.
Ainda tinha muita incerteza em todos os acontecimentos daquelas 8 horas misteriosas, mas muita maconha naquele hotel tinha feito grande parte do serviço com o cheiro. Ele se lembrou do par de peitos de Siyeon, do seu sorriso safado e entusiasmado, em como ela estava inclinada e prestes a chupá-lo e aí… Aí…
Ele a beijou. Pior: pediu para que ela o beijasse.
Então ela o beijou.
Tem alguma diferença nisso, porra? Ele tinha beijado-a!
Tinha beijado uma garota que mal conhecia num quarto caro de hotel. E não se lembrava de ter recebido qualquer boquete ou de ter desfrutado daqueles peitos. Não se lembrava de nada após o beijo. E constatou, em completo desalento, que não se lembrava do sexo porque não teve o sexo.
Contra todos os resmungos e sugestões de Mingyu, ele se jogou no sofá, ainda com a boca entreaberta pelo choque irracional do que tinha feito. Beijado alguém que não significava nada pra ele, só pra tentar tirar o gosto de da boca. E, com desânimo, percebeu que nem tanta cerveja, whiskey, tequila e cigarro tinham dado conta do trabalho.
— Meu deus — ele arranhou os dentes quando, de novo, afundou a cabeça agora nos antebraços — Porra. Caralho. Puta que pariu. Merda, merda, merda…
Desesperança. Era isso que Jungkook estava sentindo. Definitivamente, não estava afim de saber do restante da noite. Questão de saúde mental.
Mingyu encarou o rapaz aturdido no sofá como se um estranho estivesse ocupando sua sala, e não seu amigo de anos.
— Será que dá pra você respeitar seu anfitrião? Não se entra na minha casa sem fofoca. O que você fez, porra?
Jungkook se colocou de pé antes de responder, decidindo-se de repente que precisava de seu telefone. Mal estava se lembrando dele até aquele momento, mas a questão era muito simples: todas as respostas deveriam estar lá. E se ele tinha feito um monte de merda, tudo bem, mas se tivesse feito aquela merda, a única merda que tinha prometido a si mesmo não fazer, ele não hesitaria em pular daquela janela grande de Mingyu.
— Fiz besteira, ainda não tá claro? Me ajuda a procurar o celular — ele remexeu nas almofadas, e Mingyu estalou a língua em vários “tsc tsc tsc” até que Jungkook o olhasse.
— Tenho duas notícias ruins sobre isso — disse, e apontou na direção da cozinha. — Em primeiro lugar, você gorfou em cima dele quando vomitou as tripas na pia e foi a coisa mais nojenta que eu já presenciei. E parece que você quebrou a tela em algum lugar.
Jungkook bufou alto em frustração, apoiando as duas mãos na cintura.
— Tá. E a segunda coisa?
— A segunda é que ele ainda está lá. Sujo. Esperando por você.
O sorriso travesso de Mingyu cintilou nos lábios grossos, e Jungkook segurou mais um palavrão na garganta, batendo os pés com força no piso conforme corria para a área de serviço, emitindo um som grotesco na garganta e uma careta de asco com a imagem do aparelho misturado com… seja lá o que fosse aquilo.
— Porra, Mingyu. Nem pra passar uma água — reclamou, tentando estudar uma forma de limpar aquilo sem exatamente tocar.
— Você tá louco se pensou que eu fosse te ajudar com isso. Tudo tem limite. As luvas e o desinfetante estão bem nesse armário de cima.
Jungkook revirou os olhos com a resposta já esperada e prendeu a respiração antes de se curvar sobre aquele amontoado de gosma sem sentido que o fez ponderar sobre deixar tudo no mesmo lugar e ir direto comprar um celular novo.
Mas um celular novo não teria as explicações que ele precisava – precisava, não queria. Depois de um apagão daqueles, era difícil pensar que não fez nada de errado. Ele só esperava não ter quebrado o polegar de alguém ou comprado uma arma.
Depois de minutos tortuosos daquela tarefa, ele estava tirando o telefone de dentro de um pote de arroz, constatando a falta de bateria e torcendo para que fosse apenas isso. Uma linha torta de vidro trincado se estendia de uma ponta a outra da tela, e quando Jungkook percebeu que nem a parte de trás tinha se safado, começou a se preocupar de verdade sobre a salvação dele.
— Me dá o carregador — ele pediu à Mingyu quando voltou para a sala. Ainda concentrado no jogo, o rapaz só resmungou e apontou para outra gaveta agora do móvel embaixo da TV e houve mais um rangido quando Jungkook puxou ela com certa dificuldade, tirando um cabo afogado em tantos outros.
Finalmente, quando conseguiu conectar o carregador em uma tomada e a tela do celular começou a acender, Jungkook experimentou um segundo de alívio por ele não ter sido inutilizado. Apenas um segundo.
Porque depois, as notificações dispararam como balas, e isso o causou um certo medo, mas existia um medo muito maior do que mensagens de texto. Ele ignorou todas elas e foi direto para o registro de chamadas.
Seu rosto ficou branco imediatamente. Os dentes se contraíram tanto que quase arrancou sangue da gengiva.
Merda! Mil vezes merda! Era totalmente verdade a frase que dizia que as coisas sempre podem piorar!
— Droga — Jungkook choramingou e deixou as costas deslizarem pela parede até o chão ao lado da tomada, jogando novamente as mãos para o rosto — Porra, merda, caralho.
Finalmente desistindo de ignorar a segunda presença na sua sala – já estava sendo difícil fazer isso quando ela fedia a uma associação de pombos e zanzava por aí ainda de cueca –, Mingyu bufou alto e se colocou de pé.
— Pelo amor de Deus, não sei mais como perguntar. O que cacete aconteceu?!
Jungkook ergueu a cabeça para olhar o telefone ainda vibrando.
— Fiz a merda que não deveria ter feito.
— Já ouvi isso antes. Foi merda envolvendo polícia?
— Claro que não.
— Ah, menos mal. Tudo menos outra confusão com camburão — Kim fez uma careta com a lembrança de uma Itaewon que jamais esqueceria de Jeon Jungkook com seus punhos fortes e um desejo sombrio em quebrar todas as garrafas de sangria do lugar. O anfitrião logo mudou de lugar e voltou para a cozinha, porque a expressão abatida de Jungkook implorava por um café, por uma questão de sobrevivência — Mas vá, o que você fez? Tô ficando agoniado. Tava com cheiro de perfume de mulher, ou o que sobrou dele no meio de toda essa coisa que tá em você agora. Transou com mulher casada?
— Não, porra. Eu não transei com ninguém.
E isso não era nada bom. Com certeza seria acrescentado na lista dos erros da noite passada.
Tomando coragem, Jungkook pegou o telefone e avaliou o maior estrago de todos pela última vez antes de olhar os outros. A tela aberta nos registros de ligações mostravam o nome de no topo, seguido pelo de Mingyu, Yoongi e Eunwoo. Uma sequência de números desconhecidos estavam bem abaixo, mostrando uma chamada perdida de muito cedo, depois das 8 da noite. Jungkook não fazia ideia de quem era, e nem gostaria de saber.
Mas … Puta merda, ele tinha ligado pra ela. Não apenas uma, mas 7 vezes! Todas feitas nas horas mergulhadas em borrão, onde ele não se lembrava nem de ter pegado aquele telefone, quanto menos o que tinha falado, mas isso não era problema. Nenhuma das chamadas se completaram. Ela não o atendeu em nenhuma das vezes. Os números apontavam apenas que a caixa postal dela devia estar bem cheia naquele momento.
Essa era a outra parte do diagnóstico que ele não queria ver.
Além disso, havia pelo menos uma dezena de mensagens de Jimin xingando todas as gerações antigas e futuras de Jungkook por ter “deixado uma gostosa como Lee Siyeon sem mais nem menos no hotel”, e que “se você pretendia ser um merda com uma garota que eu te apresentei, era mais fácil eu ter ido no seu lugar”, e outras demais coisas que ele não continuou lendo.
A outra mensagem era única e vinha de um Yoongi bem direto e objetivo: “não vou falar com você bêbado desse jeito.
Uma de Eunwoo, que se restringiu a apenas um único emoji de um dedo do meio.
E por último… Não.
Aquela, Jungkook iria ignorar. Precisava ignorar.
Todo aquele combo de mensagens não revelavam seu trajeto de verdade até a casa de Mingyu, mas já era ruim o suficiente. Para começo de conversa, ele nunca ligava para ninguém quando tomava um porre, mesmo quando o porre em questão o fazia acordar em sua cozinha grande sem lembrar de nada. E muito menos ligava para mulheres que estava apaixonado, pretendendo falar sabe-se lá o que, mas que estragariam a noite especial que ela com certeza estava tendo ao lado de um cara incrível como seu amigo, atrapalhando um momento que nada tinha a ver com ele.
Isso o deixou feliz por um momento. Aliviado. Saber que não tinha atendido foi um bom jeito de ver as coisas, convencendo-se que talvez não tenha fodido com tudo.
Mas por outro lado… A noite dela estava tão boa assim pra conseguir ignorar 7 ligações? O que ela devia estar fazendo? O que devia estar fazendo com ele?
— Porra… — ele choramingou de novo, e aquela parecia ser sua versão pelo resto do dia. Pensar em fazia toda a aspirina de seu cérebro retroceder. — Caralho. Merda.
— Cacete, sua boca tá tão imunda quanto você — Mingyu estalou a língua mais uma vez, aproximando-se do garoto com uma caneca grande e cheia de café — O que aconteceu?
— Sou um fracasso — Jungkook respondeu com um levantar de ombros. Inspirou a fumaça do café e engoliu um gole grande, fazendo uma careta logo depois. Mingyu nunca soube fazer café. — Sou um grande e imenso fracasso. Preferia ter passado a noite com quatro mulheres desconhecidas e acordar com fotos por todo o lado e sem os meus cartões de crédito. Juro que preferia.
— Que isso, amigo — o outro riu pelo nariz com descrença, mas não recebeu a risada de Jungkook de volta. O maknae inclinou a cabeça na parede, olhando para o teto como se implorasse por um segundo meteoro da época jurássica — Você tá falando sério? Porque Yugyeom já acordou com 4 mulheres, e foi traumático até pra gente. Você não pode querer uma coisa dessas.
— É sério, eu merecia isso. Sou um merda, sem mais. Tá na hora de aceitar — ele olhou tristemente para o piso, como se não houvesse chão o suficiente para enterrar tanto ele quanto sua estupidez. Tomou mais um gole do café, emitindo a mesma careta — Você tem cerveja?
— Que pergunta idiota.
— Beleza, e o bong?
— Outra pergunta idiota.
Jungkook assentiu e começou a se levantar.
— Volto depois do banho.
— Achei que você diria algo mais inteligente e previsível, como “nunca mais eu vou beber”.
A reação de Jungkook foi apenas rir com gosto e balançar a cabeça.
— Depois de toda essa merda, preciso mais do que nunca beber.
— Ah-ah. Espera aí — Mingyu o seguiu, parando-o antes que ele curvasse para o banheiro — Foi muito irritante e engraçado ter assistido seu show embriagado de ontem e ter que ser obrigado a ver isso de manhã também, mas temos um detalhe: são 8 da manhã.
— Desde quando isso é problema pra você?
— Desde que você bate na minha porta de madrugada pra cantar música romântica, porra! É outra recaída pela Ali? Cacete, vai esquecer essa menina nunca?
A primeira reação de Jungkook foi encarar Mingyu intensamente, e logo depois, uma risada ainda mais alta do que a primeira escapou, sem nenhum traço de ironia ou a intenção de gritar com raiva para que Mingyu calasse a boca e não falasse sobre o assunto proibido. Um assunto que era um verdadeiro chá de desgraças: Ali Dalphin.
Mas agora parecia hilário o fato de Ali Dalphin já ter sido um problema algum dia.
— Pela primeira vez na vida, eu gostaria que fosse Ali Dalphin, Mingyu — respondeu ele, aparentemente se divertindo, mas um tom amargo e um pouco triste incrustou cada letra da próxima frase: — Acredite, ia ser muito mais fácil.
E logo voltou a dar as costas e seguir para o banheiro antes que recebesse mais perguntas.
Parado no mesmo lugar, segurando aquela caneca pequena estampada com o desenho de uma mão com dois pares de dedos centrais separados abaixo da frase “vida longa e próspera” que ganhou de Wonwoo há 2 anos, Mingyu enrugou a testa para o dorso de Jeon se afastando, abrindo e fechando a boca enquanto refletia sobre uma questão que estava guardada na sua língua desde que aquele maluco tinha aparecido no seu apartamento. Uma questão que com certeza Jungkook não falaria por vontade própria e, se possível, negaria até a morte porque era isso que ele fazia: fugia das coisas. Fugia dos próprios sentimentos.
Ainda bem que o álcool expurgava todos eles. E se o maknae já parecia perturbado sem todas as lembranças claras na mente, ficaria extremamente transtornado se visse como estava na noite anterior – se visse de verdade, sem o resumo manipulado dado por Mingyu.. E principalmente, se ouvisse tudo que tinha dito.
Porque diante disso, Mingyu soube perfeitamente que não existia mais Ali Dalphin. E ele ainda perguntaria para Jeon na primeira oportunidade, depois que o amigo se livrasse do cheiro de esgoto: quem diabos é e por que não parou de repetir o nome dela?
E por que ele lhe parecia tão familiar?

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Jungkook mal estava prestando atenção na colher.
Mingyu insistiu que ele pelo menos colocasse um pouco de açúcar no café. Não era a praia dele, é óbvio. Jeon Jungkook era capaz de esconder muitas coisas que não gostava na frente dos outros, mas na frente dos amigos? Ele seria capaz de empurrar Mingyu da janela mais próxima se o visse colocar aquela coisa no seu sagrado café. Com café não se brincava. Mingyu entendia isso.
Entretanto, do jeito que o amigo estava contorcendo o rosto em uma careta feia para aquela sopa de ressaca e as olheiras embaixo dos olhos só não estavam assustando o restante das pessoas do restaurante porque estavam devidamente escondidas por debaixo do boné, Mingyu talvez tenha pensado racionalmente que um café sem açúcar fosse terminar de matar aquele cara de uma vez.
— Bebe logo isso, você precisa comer — insistiu ele, um pouco mais irritado do que há 30 minutos atrás, quando tinha recebido uma ligação com apenas uma frase: “fodeu”.
— Já disse que não tô com fome ainda.
— Você vai ficar com fome, porra. Não disse que vomitou no banheiro?
— Eu não vomitei em lugar nenhum — Jungkook se sentiu um pouco ofendido. Ele não tinha mais 17 anos, não vomitava depois de umas cervejas. Ou de whiskey. De qualquer coisa que tenha álcool — Mas se eu comer essa merda agora, isso pode acontecer e talvez seja no seu carro, seu cuzão.
— Filho da puta — Mingyu estreitou os olhos e bufou, deixando as costas caírem para trás no assento acolchoado. Ele entendia, em parte, o principal motivo em ele ser sempre o escolhido de Jungkook para receber um pedido de socorro logo depois de uma noite de exageros. Primeiro: ele não iria julgá-lo. Segundo: ele ficaria calmo caso Jungkook quebrasse alguma coisa de sua casa ou ligasse o som alto, o que compensava um pouco aparecer por lá, mesmo sem querer. E terceiro: ele realmente cuidaria de Jungkook caso as coisas ficassem feias. De novo: sem julgamentos.
Como naquele momento, em que precisou sair de seu apartamento em plena quinta de manhã para ir esticar as pernas em um assento pequeno demais no segundo andar da Rumpus Room, onde ele ocupava o espaço de três pessoas com aquele tamanho enquanto Jungkook andava agitado de um lado para o outro ao lado da mesa reservada grudada na janela, bem longe dos olhos curiosos do andar debaixo.
No próximo instante, um garçom muito simpático os cumprimentou enquanto descia para a mesa o café gelado de Mingyu e uma cartela de aspirina.
— Obrigado, Seungho — Jungkook agradeceu, puxando imediatamente dois comprimidos. O rapaz murmurou um outro e logo se retirou.
Mingyu puxou o canudo da bebida, e observou Jungkook se servir de mais um comprimido e fazer uma careta ainda mais grotesca com o seu próprio café. Com açúcar.
— Tá legal, se tá achando que vim aqui pra tomar café da manhã olhando pra sua cara de merda, tá muito enganado. Fui atraído pela fofoca, porque é claro que você tem uma. Sei que encher a cara desse jeito no meio da semana até anda sendo seu normal, mas me chamar depois disso? Ah, não. Aconteceu alguma coisa.
Não era uma pergunta. Jungkook nem se admirou com tanta certeza escapando da boca de Mingyu. O amigo levantou uma sobrancelha em espera e ele apenas bufou forte, umedecendo os lábios antes de dizer em voz baixa:
— É, aconteceu.
— Que foi? É a notícia do Grammy? — Mingyu afastou o recipiente de guardanapos para que abrisse mais espaço na mesa para os seus dois braços — Por que tá com essa cara de velório? Parabéns, porra! Devia estar pulando e dançando em cima dessa mesa agora. Aliás, devia tá recebendo um boquete de uma gostosa naquela cozinha bem ali. Você vai pro Grammy!
O grande sorriso de Mingyu fez Jungkook se desfazer um pouco da careta de desânimo. Ele estava certo, afinal: Jungkook deveria estar feliz, se lembrar exatamente de todo o trabalho que fez e vinha fazendo antes daquele anúncio do início da semana e ficar ainda mais feliz, porque mesmo com toda a merda que estava assolando sua vida pessoal no momento, a profissional estava melhor do que nunca. E era um sentimento inexplicável ver aquela mesma felicidade e orgulho nos olhos de seus amigos, como se a conquista fosse deles também.
Mas tal coisa durou apenas 1 minuto. Depois, todas aquelas duas últimas semanas caóticas voltavam à mente, e Jungkook se via, de novo, totalmente por fora de toda aquela felicidade que deveria estar sentindo.
— É… Valeu — murmurou ele, e tentou remexer na sopa para começar o processo de ter a vida voltando ao corpo, mas só o cheiro daquela coisa lhe embrulhava o estômago. Mingyu franziu o cenho para a melancolia de Jungkook, que não parecia tristeza, mas sim, tormenta. Um estado de perturbação que não vinha apenas do fato de ter bebido demais e agora ser obrigado a lidar com uma dor de cabeça demoníaca. Na ressaca, Jeon Jungkook não pensava sobre o que tinha feito na noite passada. Ele não se importava o suficiente pra isso.
Mas naquele momento, os olhos dele estavam diferentes, e era um outro tipo de diferente; não tinha qualquer relação com sua dor de cotovelo autodestrutiva que estava se afogando desde que aquelas fotos de Ali Dalphin com outro cara foram para o mundo.
Mingyu passou um longo minuto em silêncio tentando descobrir da onde vinha tal comportamento, mas tudo de ruim que poderia ter acontecido à Jungkook, literalmente, já tinha acontecido. Ele já tinha socado um estranho em Itaewon, já tinha sido pego com Eunha na saída do hotel, já tinha ido à polícia pela briga e já tinha obrigado a empresa a atrasar a produção do álbum porque resolveu dar uma de James Dean no século 21. E em nenhuma dessas situações logicamente terríveis para a sua posição, ele tinha feito aquela cara de quem tinha atropelado um cachorro como estava fazendo agora. O que mais poderia ter acontecido?
Por fim, ele desistiu de tentar adivinhar e perguntou:
— Como foi a festa ontem?
— Uma merda — Jungkook respondeu imediatamente, bebendo mais um gole tortuoso daquele café horrível. — Uma que eu quero apagar da memória.
— Ah, beleza. Qual delas?
— Quê?
— Qual das festas você quer apagar da memória?
Jungkook franziu o cenho, exibindo uma combinação de não ter entendido a pergunta de Mingyu ao mesmo tempo em que tentava se lembrar de quantas festas havia ido.
— Só teve uma festa ontem. A do Grammy.
— Fizeram uma festa de comemoração do Grammy?
— Não que eu quisesse ir — resmungou ele, e a pele de sua boca pareceu ainda mais tensa, trincando os dentes por dentro. — Eu definitivamente não devia ter ido.
— Como se você tivesse alguma escolha — o braço de Mingyu se estendeu sobre a mesa, puxando a sopa de Jungkook para si — Fala aí, o que deu de errado? Não tinha bebida boa?
— Sei lá.
— Não deixaram você fumar?
— Taehyung teria dado um escândalo se não deixassem fumar.
— Não tinham garotas bonitas? — Mingyu perguntou casualmente. Jungkook pareceu imobilizar a mão ainda no café e desviar os olhos taciturnos para qualquer outro ponto da cafeteria — Ah, não tinham garotas bonitas e disponíveis?
— É claro que tinha — Jungkook respondeu a contragosto. Mingyu tomou um pouco da sopa e continuou:
— E você transou com uma delas, não é?
Jungkook não respondeu verbalmente, mas isso foi desnecessário diante do grunhido de frustração que soltou pela garganta. Ele apoiou os dois cotovelos no tampo da mesa e passou uma mão furiosa no rosto, tirando o boné e bagunçando um cabelo que já estava o próprio caos. Seus olhos apresentavam um choque tão grande quanto os olhos de quem presenciou um desastre natural.
— Fiz a maior merda da minha vida, Mingyu.
— O que? Transou com alguma funcionária?
— Não. Quer dizer… quase isso — ele sussurrou com embaraço. Jungkook gesticulou com as mãos, pensando e repensando a melhor forma de falar — Eu… transei com uma garota que nunca deveria ter transado. Porra, eu não deveria nem chegar perto dela, porque eu definitivamente odeio ela. Você consegue entender? Odeio ela, Mingyu. E…
Mingyu mastigou um pouco, olhando para Jungkook ainda sem compreender totalmente.
— Odeia uma garota e mesmo assim abriu as pernas dela? — ele levantou uma sobrancelha de deboche — Isso é novo até pra você.
— Eu sei — Jungkook trincou ainda mais os dentes. — Eu… não sei o que deu em mim. Simplesmente não sei. Não bebi nada diferente, Namjoon jogou fora toda a minha codeína desde a briga e… eu tava na minha. Eu juro. Eu saí de casa, entrei naquele clube e bebi a noite inteira em um canto escuro, sozinho, sem falar com ninguém. Nem sabia que ela estava lá, e de repente… Ah, deus! — A lembrança pareceu ainda mais viva para Jungkook, cada mísero detalhe dela cintilando em sua cabeça: a boca entreaberta de uma ofegante naquela semi escuridão enquanto ele a sentia apertada em volta de seu dedo — Caralho, como eu pude fazer isso?
Mingyu pareceu ainda mais confuso, mas ao mesmo tempo queria rir. Jungkook parecia estar implorando naqueles olhos: alguém, por favor, poderia me matar?
— Que isso, cara. Ela é tão feia assim? Não chupou você direito? Deu um apelido pro seu pau? Queria te enfiar um plug?
— Não, porra. Ela não tem nada de feia — ele logo resmungou, ficando ainda mais puto ao admitir: — Seria ótimo se fosse. Mas não foi essa a questão, nada disso foi. Ela é só… — Jungkook prensou ainda mais os dentes, lembrando-se do rosto dela na escuridão do clube enquanto se sentava ao seu lado sem pedir licença e começava a simplesmente tagarelar — Deus, ela foi tão… irritante. Ridícula. Teve coragem de vir falar da Ali comigo, de me provocar com aquele jeitinho, de dizer que eu estava tão concentrado no meu coração partido que tinha perdido minhas habilidades. Que eu não seria uma boa experiência. Você acredita nisso?!
— Ai — Mingyu torceu os lábios. — Ela pegou pesado.
— Ela é uma escrota! — ele cuspiu, explicitamente furioso. Era lógico que existia mais informação do que aquilo, muito mais. Havia a informação de que os dois não eram tão estranhos assim e que estavam no meio de um acordo vigente sobre uma troca de informações sobre seus respectivos objetivos românticos. Que era exatamente por isso que tinha se dado ao trabalho de se sentar ao seu lado naquela noite. E, é claro, ele jamais contaria à Mingyu que ela era virgem!
Meio-virgem.
Agora não-mais-meio-virgem. Que se foda, ele tinha transado com uma garota completamente inexperiente e Mingyu o crucificaria por isso. Até ele!
— Fiquei com tanta raiva dela — continuou, ainda se sentindo nervoso e bagunçado, perdido no meio daquela história. — Deus do céu, fiquei com raiva de um jeito que não fico, e sei bem como é ficar com raiva dela porque sinto isso o tempo todo, Mingyu. De verdade. Mas daí eu…
— Você foi atrás dela pra mostrar que ela estava errada.
— E agora eu quero me jogar da Namsan Tower por isso.
A frase foi dita em meio a um suspiro cansado, combinando com um pedido. Jungkook se encontrava em um estado tão intenso de perplexidade, como se desejasse com todas as forças encontrar alguém a quem pudesse atribuir a culpa pelo crime de transar com no banco de trás do seu carro. O álcool, um sósia, um clone. Qualquer coisa servia.
Mas Jungkook não tinha para onde fugir. Tinha feito, e pronto. Caiu na chantagem e pronto. Agiu primeiro e pronto. Ele normalmente era bom em arcar com as consequências de suas decisões, por mais idiotas e impensadas que fossem, mas talvez ele fosse se martirizar por aquela em específico por muito mais tempo.
— Bom, se foi tão ruim assim, é só esquecer e seguir a vida, porra. Quantas vezes você já não ignorou as garotas que ficaram no seu pé depois de uma foda?
— Não foi ruim, Mingyu. Esse é o problema, porra — JK grunhiu mais uma vez, a raiva agora escaldando suas orelhas. Por favor, será que Mingyu não estava vendo a urgência da situação? O selo vermelho de apocalipse piscando bem na cara de Jungkook?
Mingyu cintilou em um sorriso.
— Gostosa?
— Demais.
— Mais velha?
— Um ano mais nova.
— Ela te amarrou numa cama e sentou em você até você desmaiar?
— Não. Transamos no meu carro — Jungkook disse a contragosto. Mingyu escancarou olhos e boca com a informação — Para, não fala nada. Isso já tá soando muito bizarro na minha cabeça. E acredite, tenho certeza absoluta que prefere enfiar uma tesoura na garganta a vir atrás de mim depois disso.
? É o nome dela? — perguntou Mingyu, e viu como Jungkook pareceu tenso ao concordar. Certeza que tinha soltado o nome sem querer — Onde foi que eu ouvi esse nome? Ela não é a…
— É. A paparazzi.
Mingyu parou por um segundo até conseguir juntar a história inteira na cabeça. Quando fez isso, soltou um urro tão alto e tão forte da garganta que alguns olhares do andar debaixo da cafeteria se viraram para cima, e Jungkook imediatamente colocou o polegar para fora da mão e o acertou no ombro, resmungando um palavrão sobre sua dor de cabeça.
— Você comeu sua paparazzi particular? — o garoto parecia prestes a gargalhar. As sobrancelhas para cima mostravam um estado genuíno de incredulidade.
— Cala a boca, porra. Paparazzi particular seu rabo. Isso não é motivo de orgulho.
— Meu deus, JK. Você é louco — Mingyu colocou as duas mãos na boca para abafar a risada. Jungkook revirou os olhos e não conseguiu negar aquela verdade. Ele era um louco, sim, alguém só não tinha falado ainda. — Transou com a única garota do mundo que você já odiou?
— Sou um idiota. Já entendi — ele suspirou pesado, e não havia mais o que dizer — Eu sou definitivamente um caso perdido.
Mingyu, ainda imerso em seu espanto, balançou a cabeça várias vezes, estalando a língua com repreensão.
— Caralho, ela deve ser muito gostosa mesmo pra ter feito você perder a linha desse jeito. A paparazzi, cacete! A garota que pegou você e a Ali!
— Por favor, para de me lembrar que ela é gostosa — retrucou JK, com uma singela careta entristecida. A última coisa que precisava era se recordar daqueles seios desenhados e do gosto melado dela no seu dedo. A última coisa! — Foi um erro. Um enorme, gigantesco, magnânimo erro que nunca mais vai voltar a acontecer. Até porque eu te juro que nunca mais eu bebo.
— Ah, nunca mais? — Mingyu levantou uma sobrancelha.
— Nunca mais. Depois disso, vou até fazer campanha para a Lei Seca. Se não foi o álcool, então colocaram alguma coisa na minha bebida, com certeza. Não chegar perto disso é a única solução.
— Aham, colocaram alguma coisa pra te fazer chupar os peitos da paparazzi gostosa. Tudo bem, a gente convive com a verdade que aguenta — Mingyu sorriu e voltou a puxar uma quantidade grande de café gelado pelo canudo, tempo suficiente para que Jungkook tentasse pensar em uma resposta e não conseguisse — Mas ei… e se ela vier atrás de você?
Ele imediatamente balançou a cabeça em negativa.
— Ela não vai.
— Beleza. E se você for atrás dela?
Jungkook soltou a primeira risada verdadeira do dia, exalando sarcasmo enquanto esperava que Mingyu dissesse que era uma brincadeira. Quando não ouviu, ele apenas umedeceu os lábios e se aproximou do meio da mesa para enfatizar:
— Aí você está livre para me internar no melhor manicômio da cidade.

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Impulsos impensados não faziam parte da vida de Jeong Jaehyun.
Cada mísera atitude ou escolha tomada era feita com os nervos totalmente no lugar, pensadas e repensadas por um número adequado de vezes para, aí sim, serem colocadas em prática. Jaehyun conhecia o bastante sobre si mesmo para ter a consciência do que aguentava ou não aguentava, ainda que, nos últimos meses, estava redescobrindo e experimentando um novo tipo de sensação que colocava à prova toda a sua estabilidade:
Os “e se”.
Ter um momento oportuno de “e se” era perfeitamente normal. Esses impasses serviam muito bem na hora de tomar decisões, e quando um lado era escolhido, as dúvidas já não existiam. Mas viver baseado em um “e se” era algo completamente novo e enfadonho para Jaehyun. Olhar para o futuro e não conseguir ver a resposta final com 100% de certeza era motivo suficiente para deixá-lo desconfortável.
Mas foi exatamente isso que fez quando se virou para naquela noite, naquela sala e disse: “Eu não ligo”.
Foi o que fez quando ouviu todo o seu discurso depois e, mesmo com o coração baqueado e uma imensa red flag hasteada entre ele e , Jaehyun decidiu não ouvir seus próprios princípios e avançou.
O tesão maluco que sentia por aquela garota foi prontamente atendido. Sem promessas, sem esperança, sem sentimento. Não o que ele queria. Não o que imaginava.
Mesmo no controle, Jaehyun sabia que ela não tinha se entregado por completo.
Sabia que ela amava outra pessoa.
Sabia que teve uma noite memorável que o deixaria ainda mais apaixonado do que já estava, mas que isso seria tudo que ele extrairia dela.
Por ora. Por ora.
E foi nisso que ele se agarrou quando disse as temidas palavras “eu não ligo”.
Jeong Jaehyun passou por cima de todas as certezas que pregava por aí para se agarrar a um fiapo de esperança que enxergou naqueles olhos turvos e tristes de . Nisso, pelo menos, ele estava certo em supor. Ela estava apaixonada, mas não queria estar. Amava um cara que não a amava de volta. Era só uma questão de tempo para que notasse Jaehyun e o deixasse invadir seu coração de novo. Ele o tomaria por completo e ela se esqueceria da mais breve decepção que possa ter tido por causa do outro.
Ela voltaria a ser a garota que ele conheceu. Uma garota que faria amor com ele. Uma que não hesitaria em aceitar o amor dele. E tudo voltaria a ficar estável, o mundo entraria de volta no eixo.
Naquela manhã, ele a encontrou coçando a testa em frente ao espelho do banheiro, já exalando um aroma de banho recente e vestida com as próprias roupas antes mesmo que ele oferecesse o café da manhã. Ela não parecia acanhada ou envergonhada de ter tomado tanta liberdade em sua casa, ou até mesmo um pouco tímida depois de terem repetido a dose por uma ou duas vezes mais na noite anterior. Também não viu problemas em dormir ao lado dele na cama espaçosa, e nem de contar uma ou duas piadinhas antes de cair no sono. Parecia perfeitamente confortável, pelo menos foi o que ele pensou, se desconsiderasse que ela mantinha-se a centímetros longos demais afastada e que se virou para o outro lado ao menor sinal de silêncio.
Pois ele corrigiu isso se aproximando de volta, e adormeceu quase imediatamente ao bater a cabeça no travesseiro, sentindo o cheiro dela nas narinas e o corpo dela quente junto ao seu.
Entretanto, naquela manhã, parecia agitada. Extremamente atordoada enquanto segurava o celular com força nas mãos e gaguejava algo sobre trabalho e Candice enquanto dizia que precisava ir. Jaehyun não entendeu nada, mas sabia que alguma coisa estava acontecendo. Alguma coisa tinha acontecido, obviamente. Ou até alguém possa ter acontecido, alguém do outro lado da jogada, se fosse considerar todas as opções.
Mas não, ele estava decidido a ser o cara que joga limpo. Que a faria mudar de ideia pelos meios convencionais, promovendo a si mesmo sem precisar rebaixar o outro.
Por isso, antes que ela tentasse sair, ele puxou uma camiseta e disse:
— Vou te levar pra casa.
abriu a boca para negar, mas ele já esperava por isso. Ela parecia estar sempre pronta para negar qualquer coisa. Mas aquilo não funcionaria para Jaehyun. Se ela estivesse repensando tudo que fizeram, com o argumento de que se preocupava com os sentimentos dele, Jaehyun não a deixaria seguir em frente. Ele sabia de seus sentimentos e sabia que eles não estavam sendo retribuídos, não ainda. Um enorme ainda. Porque era uma mulher inteligente e veria que eles dariam certo. Que ela era capaz de esquecer alguém que não a amava. Tempo, era tudo que precisavam. Cada mísero minuto.
Ele se vestiu rápido e seguiu com ela pelo elevador, e então para o estacionamento subterrâneo, cada metro quadrado sendo percorrido com um silêncio nefasto, um que Jaehyun tentava matar com alguns comentários sobre café e o clima daquela manhã, e do quanto seria legal se eles experimentassem Gimbap juntos depois da sobremesa do restaurante não ter sido tão boa, mas parecia irredutível. Seu tom de voz era mais baixo que o normal. Seu sorriso parecia forçado. Tudo parecia errado.
E quando ele finalmente estacionou o conversível na frente do prédio em Seongdong-gu, ele a viu estender as mãos para se desfazer do cinto de segurança rápido demais e falou:
— Vou te ligar mais tarde — parou na mesma hora, virando-se abruptamente para o aviso, sem um ponto de interrogação — Vou te chamar pra ir ao recital. Vou te mandar mensagens também. Posso esperar que você responda?
sentiu o coração descer até o estômago. Ele exibia certa dose extra de confiança naquele olhar, muito diferente das vezes anteriores em que quis muito ir direto ao ponto, mas tinha medo de assustá-la. Com a cabeça aérea, ela só visualizava a segurança de sua casa, do seu quarto, lugares invioláveis onde poderia deixar sair tudo que estava sentindo naquele momento e que nada tinham a ver com ele.
Ainda assim, piscou os olhos e balançou a cabeça lentamente em uma concordância, concentrando-se no que tinha sentido naquele primeiro instante quando acordou naquela manhã e visualizou o rosto dele banhado pela luz do sol. Aquele sentimento imediato, a vozinha que a dizia: você pode tentar! Pode repetir essa visão todos os dias até que alguma coisa mude. A prática leva a perfeição. Esse homem te amou e te protegeu. Repita isso como um mantra e as coisas vão voltar a funcionar!
Ela estava repetindo isso quando se levantou para ir ao banheiro. Quando tomou banho e sorriu ao usar o shampoo dele. Quando saiu de toalha e pensou em fazê-lo uma surpresa. Quando estava quase chegando ao quarto e se lembrou de verificar as horas e avisar à Candice que talvez fosse demorar mais um pouco. Tudo estava dando certo até que ela pegasse o celular jogado dentro da bolsa e visse o que viu.
E então, tudo desmoronou. Bem fácil, pateticamente fácil.
estava tentando segurar a raiva, a tristeza e qualquer resposta que envolvesse uma série de palavrões enquanto pensamentos constantes de “vou matar Jeon Jungkook” passavam pela sua cabeça quando falou, com o melhor sorriso que conseguiu:
— É claro que você pode me ligar — e então, ela se inclinou para beijá-lo rapidamente, e teria mantido as coisas no básico se não fossem as mãos dele que estabilizaram seu rosto no mesmo lugar para que ela fosse beijada com mais elegância. se deixou levar por alguns minutos, trazendo o mantra de volta, abrindo-se para a oportunidade, mas o cântico motivacional sumia e voltava, misturando-se com a outra voz bêbada que tinha saído de seu telefone há menos de uma hora atrás.
, onde você está? Eu quero te encontrar… Por favor. Preciso te dizer uma coisa…
Ela parou de beijá-lo e segurou a maçaneta.
— Obrigada por ontem. Foi muito divertido — disse, e viu o olho dele ganhar um novo brilho. — Vamos nos falar mais tarde, tudo bem? Preciso ir. Tchau.
— Até mais tarde — Jaehyun acenou com entusiasmo e abriu um sorriso maior ainda. Ela retribuiu, mas o seu estava funcionando como o mantra: sumia e voltava. Sumia e voltava. Quando deu as costas para o carro, ele sumiu de vez. Ela marchou com pressa para as escadas da entrada e deu uma última olhada para o carro ainda estacionado antes de entrar pela porta de vidro automática e parar de sorrir de vez.
Quando finalmente os pneus do conversível giraram e se afastaram, respirou fundo, uma respiração que pareceu fazer barulho por todo o térreo, expurgando toda aquela angústia que sentia. Ela parou de andar em frente às caixas de correio, antes de chegar à recepção, respirando e respirando enquanto tentava não socar uma parede qualquer ao imaginar o rosto de Jungkook.
Filho da puta. Desgraçado filho da puta! Canalha maldito! Ele teve coragem de ligar pra ela?! No dia do seu encontro? Teve coragem de ligar 7 vezes e largar 7 mensagens de voz totalmente aleatórias no seu telefone! só teve coragem de abrir uma delas e só pelas palavras que tinha distinguido, já tinham sido suficientes para deixá-la espumando de ódio. Ele era um cretino! Um cretino que ainda estava tentando brincar com ela, mexer com ela, mesmo depois de ter dito tudo que disse a ele no Covil.
Não podia nem dizer que estava chocada. Afinal, aquele era Jeon Jungkook e ela estava cada vez mais certa de que, talvez, ele não tivesse deixado de odiá-la completamente se estava fazendo-a passar por isso. Por outro lado, sentia ainda mais raiva de si mesma porque foi muito fácil. Só de ler o nome no visor, sentiu o coração disparar tão violentamente como não o sentiu durante toda a noite com Jaehyun, e seus dedos agiram primeiro do que o cérebro quando apertaram na primeira mensagem de voz e se pôs a ouvir aquilo.
O que teria acontecido se tivesse atendido? O que teria acontecido se tivesse respondido?
Ela afundou o rosto nas mãos e se odiou ainda mais. Porque não fazia ideia do que teria feito. Não tinha a menor certeza se seria capaz de ignorar suas perguntas. Nem sabia se não queria mesmo ouvir a tal coisa que ele tinha a dizer.
Mas era errado. Se sentir desse jeito era patético. Continuar permitindo que Jungkook a afetasse dessa forma ferraria com todos os seus planos de conseguir seguir em frente.
Ela precisou segurar as pernas no lugar para não sair do prédio, pegar o primeiro táxi e ir até Itaewon esmurrar o portão daquele desgraçado até que ele aparecesse ou alguém chamasse a polícia, e mesmo algemada, seria capaz de dar um jeito de atingi-lo de outro modo. Com as pernas, como um dia já fez, como queria loucamente fazer de novo.
Mas isso era cair no jogo e estava cansada de jogos. Cansada de pensar nele e relacionar seu nome e seus momentos juntos a cada mísera coisinha de seu dia, cansada de sonhar e esperar que ele desse um passo, cansada daquela montanha russa de emoções. Ela sempre tinha sido estável, controlada, focada. Jungkook estava tirando-a do eixo. Atrapalhando tudo. Consumindo tudo. Bagunçando seu quartinho de vivências, levantando seus tapetes, quebrando suas armaduras e queimando seus cadeados. Arrombou a porta e estava ali, fazendo o que bem entendia, pesando muito mais do que toda a bagagem que ela já trazia. E isso não podia acontecer.
ainda não sabia viver sem as bagagens, por mais dolorosas e tristes que fossem. Por mais que tenha se livrado delas quando estava com ele. Não importava mais.
O celular apitou em uma nova mensagem, trazendo-a de volta para a realidade. Era Ji Changmin e um convite. E o aceitou quase imediatamente.
Com isso, naqueles breves minutos em que ainda ficou presa na sua raiva, se viu capaz de fazer uma única coisa: recostar-se nas portinholas de correspondência e se permitir ouvir todas as mensagens de voz daquele miserável, segurando o coração no lugar e torcendo secretamente para que ele falasse alguma coisa.
Mas não houve nada. Apenas um cara que andou bebendo demais e dizia coisas… apenas coisas! Coisas que ela gostaria de ouvir, como o quanto ela era linda, o quanto ele sentia sua falta, e o quanto estava desesperado para encontrá-la, para vê-la, porque tinha algo de muito importante a dizer. Algo que o estava deixando louco. Mas ainda não era o que ela precisava ouvir.
A curiosidade quase a engoliu por inteiro, e seu dedo quase voou por vontade própria no botão que retornaria a chamada, mas ela se segurou. Agora, com raiva e frustração, repetiu aquela sessão de respirações e apagou todas as mensagens, fazendo algo em seguida que lavou um pouco a sua alma.
Ela bloqueou aquele número. Definitivamente. E apertou o delete no minuto seguinte.
E assim, a garota ajeitou a postura, inspirou pela última vez e saiu em direção ao metrô.



Jungkook xingou alto quando ouviu a intro lenta e melancólica da bateria, acompanhando Alex Turner e seu vocal baixo e cansado na versão acústica de Love is a Laserquest.
Mingyu ganhou um soco na costela por aquela provocação fodidamente sem graça, em um momento mais fodido ainda. Mesmo que Jungkook já estivesse de banho tomado, devidamente vestido com uma calça de moletom maior do que ele – não que fosse um problema –, e uma regata puída que certamente pertenceu a um Kim Mingyu adolescente, toda a cerveja e pacotes de amendoim espalhados pelo tapete da sala ainda o faziam parecer um pouco destruído. As olheiras embaixo dos olhos eram apenas um dos elementos que sustentavam esse argumento.
Mas, bem, ele parecia ótimo ali, naquela manhã meio nublada bebendo, fumando e rindo com seu amigo enquanto relembravam histórias comuns com problemas comuns que viveram juntos ou separados. Mingyu era o tipo de cara que sempre se metia em alguma confusão engraçada, enquanto Jungkook se metia em confusões dramáticas. Preocupantes. Do tipo que envolviam sangue, hospitais e polícia.
Bom, o rapaz estava rindo de tudo isso até aquela música de merda começar a tocar. Ele a teria trocado de qualquer forma caso ela aparecesse em alguma playlist aleatória na sua casa, mas ali, naquele momento, aquela melodia perfurava o seu cérebro. Ele odiava Love is a Laserquest desde que Nitro dissera que combinava com Ali Dalphin. Foi cômico no início, porque Jungkook jamais dedicaria uma música dos Monkeys para Ali, principalmente porque sabia que ela os odiava. Odiava porque era fã de artistas como Coldplay e Bon Iver, pessoas que não cantavam apenas por cantar, pessoas que falavam sobre alguma coisa relevante por trás de instrumentos musicais, pessoas que faziam poesia artística e carregavam um legado.
Jungkook não discordava completamente dela. Entre 2006 e 2013, Alex e companhia se viram conquistando um sucesso estrondoso numa era sem redes sociais e facilidade da internet na divulgação. Ali estava certa, eles não falavam sobre nada. Faziam música porque gostavam. Agiam como um cover oficial dos The Strokes. Eram jovens, inconsequentes e estavam pouco se fodendo para lições de moral. Cantavam sobre invadir festas, encontrar prostitutas de manhã, e garotas gostosas inalcançáveis.
Mas Love is a Laserquest era diferente. Uma nuvem bizarra e profunda tinha trazido uma letra enfeitada de amor e drama para Alex, uma letra que Jungkook não entendia porque odiava, mas que, agora, podia estar começando a entender.
Ela era linda. Linda de um jeito triste e fugaz. Não fazia sentido dedicá-la à Ali naquela época. Aquilo não era para quem estava bem e feliz no relacionamento de seus sonhos.
Aquilo era para um Jungkook do presente, que estava tendo o coração massacrado por seus erros e desejos e ainda era obrigado a concordar com “and when I'm hanging on by the rings around my eyes, and I convince myself I need another… For a minute it gets easier to pretend that you were just some lover.”
Até Alex Turner estava dizendo o quanto ele estava fodido. Trocar aquela música foi uma questão de sanidade.
Quando a próxima começou a tocar, uma segura e saudável Fire and the Thud, a campainha de Mingyu soou alta e escandalosa por cima das acordes do baixo.
— Se for o filho da vizinha com aquela bicicleta de novo, eu juro que vou matar esse demônio — murmurou ele, levantando-se e batendo as mãos na bermuda para se livrar do farelo de amendoim restante. Jungkook riu pelo nariz, levantando a cabeça para presenciar uma possível careta revoltada de Mingyu. Aquilo era sempre engraçado.
Mas não houve careta, ou qualquer coisa que Jungkook pensou que fosse acontecer. Aparentemente, o filho da vizinha estava muito bem comportado dentro de casa e quem tinha tocado aquela coisa barulhenta era ninguém mais, ninguém menos que Jeong Jaehyun.
Jungkook queria muito que aquilo fosse uma piada.
Na entrada, Mingyu pareceu demorar um segundo a mais para notar o amigo parado no batente, porque logo Jaehyun estava levantando um braço na frente do rosto, abanando o ar para se livrar da nuvem espessa de fumaça que escapou do pequeno apartamento.
— Jeong! Caraca, o que tá fazendo aqui? — Mingyu sorriu animado, como sempre ficava quando recebia visitas de seus amigos, independentemente se existiu um telefonema de aviso antes ou não. Jaehyun fez uma careta em resposta, mostrando-se explicitamente incomodado por ter sido engolfado com fumaça fedorenta de fumo em sua recepção. Mingyu logo percebeu e estalou a língua, tentando afastar os últimos resquícios de névoa com aqueles braços grandes — Ah, cara, foi mal, devia ter avisado que viria, porra. Você nunca vem sem avisar. O que foi?
— Você sabe que ainda são 9 da manhã?
— E você sabe que ainda veio sem avisar? — Mingyu levantou uma sobrancelha. — Eu tenho um relógio suíço bem grandão grudado na parede, é claro que eu sei que horas são. Que foi? Tava precisando de um lugar calmo pra fazer sua oração à Sha-lá? Qual religião você anda pesquisando no momento?
Jaehyun revirou os olhos imediatamente, mas não parecia mau humorado como era de se esperar que ficaria depois de ter levado um soco de ar contaminado. Embora Mingyu tenha falado daquele jeito desdenhoso sobre um assunto delicado como religião que Jaehyun sempre o dizia para não falar, aquele dia parecia bom demais para perder a cabeça e a felicidade com pouca coisa, então o rapaz apenas riu.
Riu.
— Idiota. Quero meu blazer de volta. Não faria questão se ele não fosse tão caro — disse ele, colocando os pés para dentro do apartamento, sem nem considerar que Mingyu certamente não apagaria seu cigarro por causa dele.
Mingyu o seguiu pelos olhos enquanto o amigo tirava os sapatos no hall e estalou a língua com o mesmo desdém.
— Cacete de Prada. Por que não pega o meu da Balenciaga? São quase idênticos.
— Tenho pavor de mexer nas suas coisas. E se são quase idênticos, por que você não usa? Acho que só os botões são… Jesus! — Jaehyun estava na sala em um piscar de olhos, que não era tão longe assim da porta de entrada, mas que conseguia esconder bem Jungkook e sua posição quase encolhida no chão ao pé do sofá, com as pernas esparramadas pelo tapete e os olhos pequenos e vermelhos — Até você está aqui.
— Eu quem deveria estar dizendo isso — respondeu ele, sem qualquer entusiasmo. A bebida e a erva o deixavam mais letárgico que o normal, mas Jungkook tinha certeza de que não estaria feliz por vê-lo nem se estivesse sóbrio. — O que faz aqui?
— Mingyu nunca se lembra de devolver as coisas. E eu estava perto daqui — Jaehyun correu os olhos para uma vasculhada rápida no ambiente, inclinando um pouco o queixo ao chegar na mesa do quebra-cabeça incompleto e a manta embolada no sofá — Fizeram alguma festinha ontem?
— Só o JK participou de uma comemoração particular. Dentro de um quarto de hotel, e dessa vez com uma só gostosa — Mingyu riu alto, soltando a informação que Jungkook tinha dado há menos de 10 minutos, mesmo que tenha reiterado um milhão de vezes que não tinha acontecido nada.
Mas Mingyu estava bêbado, e tinha como hobby favorito atazanar o juízo de seu melhor amigo. Jungkook, mesmo sabendo disso, se sentiu um pouco estranho quando captou o olhar inexpressivo de Jaehyun para ele na mesma hora, um par de olhos que revirou até as órbitas e suspirou quando disse: “Nada novo sob o Sol.”
Apesar disso, ele não tentou responder. Nem tentou negar. Apenas balançou a cabeça e tragou mais nicotina, olhando para as pernas jogadas e frouxas na tapeçaria, o chão ondulando a cada movimento de cabeça.
— Você não tinha dito que o blazer ficou apertado? — continuou Jaehyun.
— É exatamente por isso que eu quis — Mingyu respondeu ao cruzar a sala e ir para o corredor. O garoto puxou a manga da camiseta do braço direito e bateu nos bíceps musculosos três vezes. — Tá me entendendo?
E desta vez, os outros dois reviraram os olhos.
— Vou ter que procurar onde escondi. Já volto.
Quando Mingyu saiu da sala, Jaehyun voltou a atenção ao outro amigo no recinto. Jungkook olhou pra ele por trás de pálpebras baixas e bochechas um pouco coradas pelo álcool. Parecia mais bêbado do que realmente estava. Mas, pelo menos, não estava mais cheirando a uma caçamba de lixo.
— Ei, Jeon — Jaehyun se aproximou até se sentar no sofá ao lado dele. Jungkook permaneceu no chão — O que é essa coisa? É um piercing? — Ele riu ao tocar de leve no bastonete de metal atravessando a orelha de Jungkook.
— É sim, nunca viu um na vida? — Jungkook estalou a língua e afastou as mãos de Jaehyun. Esperava que seu amigo o repreendesse ou qualquer coisa assim, porque agora Jungkook se parecia ainda mais com alguém que pilotava uma Indian Scout, reforçando o clichê com aquela cara de quem estava puto com o mundo em 90% por tempo.
Mas, em vez disso, Jaehyun soltou uma risada alegre, parecendo mais relaxado do que nos outros dias, erguendo a mão para bagunçar o cabelo de Jungkook, ainda um pouco molhado do banho.
— Finalmente cortou aquele cabelo. Não posso dizer que foi uma decisão ruim.
— O que você sabe sobre decisões ruins? — Jungkook riu com desdém. Jaehyun repuxou os lábios e repousou as costas para trás.
— Nem vem, eu sei um pouco. Você sabe — frisou. — Mas ei, que mensagem foi aquela que me mandou ontem?
Droga.
Droga!
Jungkook sentiu os dedos ficarem imediatamente mais gelados. A cabeça deu uma pirueta vertiginosa que durou um segundo, mas foi o suficiente para que notasse os ombros despencando. A pergunta pareceu uma acusação, mesmo que Jaehyun ainda estivesse sorrindo um pouco, totalmente ingênuo.
— Que mensagem? — ele coçou a garganta, e a voz arranhou com a tensão. Não era normal, mesmo para Jaehyun. Jungkook precisava se aprumar e rápido.
— O áudio bêbado querendo saber onde eu estava — o amigo riu, franzindo o cenho com escárnio — Não deu pra entender quase nada e tinha tanto barulho de trânsito no fundo que você parecia estar no meio da rua.
— Não lembro disso — Jungkook falou rápido, e foi temerosamente sincero. Meio da rua para um cara insanamente embriagado soava como algo perigoso e ruim, mesmo que sua carteira e celular tenham permanecido seguros dentro dos bolsos do jeans agora jogado na lavanderia de Mingyu.
— É claro que não lembra — Jaehyun riu pelo nariz, elevando um braço para passá-lo por trás da cabeça — E você sabia onde eu estava.
— Como eu saberia?
— Porque te contei do meu encontro com .
E, por uma boa razão, Jungkook preferiu manter os olhos no piso, onde era seguro.
Que se dane sua curiosidade. Ele não queria saber o cenário que Jaehyun tinha montado para os dois. Não queria informações sobre isso. Não queria imaginar Jaehyun tocando em , mesmo se fosse um mísero abraço. Jungkook se lembrava de quando ele a abraçou. A sensação que tivera era de que qualquer coisa era possível – até mesmo a cura milagrosa de seu coração partido, fraco, cansado e desacreditado de qualquer sentimento bom no geral.
Tocar em tinha um poder anestésico e viciante, e ele sabia que poucas pessoas tiveram o privilégio de chegar tão perto. Se Jaehyun foi uma dessas pessoas, sua felicidade estava explicada. Aquele sentimento bom devia estar fluindo em ondas pelas suas veias, convergindo em uma euforia cósmica, como se o mundo decolasse à sua frente.
Obviamente, o silêncio reclusivo de Jungkook não passaria batido pelos olhos atenciosos de seu amigo, que perscrutou cada centímetro daquela fisionomia dura e fechada.
— Você tá legal? — perguntou ele, mirando exatamente a nuca de Jungkook.
O garoto quase fechou os olhos com força, umedecendo os lábios com mais um gole da cerveja ao virar o rosto de perfil para Jaehyun no sofá, franzindo o cenho como se a pergunta fosse idiota.
— Claro que sim. Por que não estaria? — Deu de ombros, mesmo sabendo que não foi tão convincente. Eram 9 da manhã. Estava bêbado e chapado às 9 da manhã, e isso poderia ser normal para qualquer jovem de 24 anos com problemas emocionais e tanto dinheiro na conta que mal sabia como gastar, mas Jungkook não parecia estar sofrendo dos mesmos problemas emocionais. Aqueles problemas que tinham nome, sobrenome e olhos cor de esmeralda.
Jaehyun fitou o cigarro queimando em um dos dedos de Jungkook, a cerveja apoiada na outra mão, percebendo algo diferente nele pela primeira vez. Percebendo uma angústia e um padecimento nítidos, mas… Não parecia igual. Seja lá o que mais, neste mundo, tivesse poder de deixá-lo daquele jeito.
Jeon notou a análise sobre si e estalou a língua com desdém.
— Fala sério, cara, é sábado. Preciso mesmo me explicar? — ele revirou os olhos, e voltou a olhar para a janela — Não teve um bom início de fim de semana pra ficar se preocupando com o meu?
Esperou-se uma reação previsível: Jaehyun e seu discurso sobre uma rotina minimamente saudável e longe de drogas lícitas e ilícitas que poderiam colocar Jungkook em uma confusão que não conseguiria consertar, além de poder atrapalhá-lo no trabalho futuramente. Como sempre, o rapaz tentaria dar uma de mais velho e desviaria o assunto dele. Como sempre.
Como era para ser.
Mas quando Jaehyun abriu a boca, Jungkook sabia que ele estava sorrindo sem nem mesmo estar olhando:
— Eu tive. O melhor início de fim de semana de todos.
E de repente, Jaehyun estava falando. Muito. Tagarelando, era a palavra certa.
Jungkook não podia acreditar que ele ia mesmo falar do encontro.
Contou da maravilhosa vista do Privilege que tinha conseguido reservar em cima da hora – com menos de 2 meses de antecedência – por causa de contatos que nunca achou que precisaria usar, dos pratos que escolheu para os dois, da conversa sobre os filmes que gostavam e em como se decepcionou um pouco com o vinho. Seja lá o que Jeong Jaehyun esperava de vinhos, o grande Privilege não foi capaz de suprir.
Jungkook apenas balançava a cabeça vagarosamente, virando o rosto vez ou outra nas partes em que Jaehyun mais parecia empolgado, perguntando-se com ansiedade cruel onde Mingyu estava e por que tinha deixado-o sozinho no meio daquela tortura que era escutar Jaehyun e sua felicidade com ? Ele sabia que não era um homem direito, mas não merecia uma coisa dessas. Não quando a bebida já estava começando a evaporar de seu corpo e ele não conseguia mais fingir um sorriso, e o estômago esquentava com uma vontade de gritar para que seu colega calasse a boca porque fala sério, não quero saber da merda do seu encontro e nem das brincadeiras que fizeram pelo caminho. Não quero mais canalizar a sensação ruim que tenho toda vez que penso nisso. Quero que você pare de falar e vá embora. Não tá claro?
Seria estranho fazer isso. Muito estranho. Ainda que Jungkook estivesse pouco se fodendo para parecer estranho ultimamente.
Um tempo indefinido se passou até que os passos pesados das grandes pernas de Mingyu apontassem de novo na sala, e sua voz extrovertida e confusa disseram ao mesmo tempo:
— Você a levou a um recital?
Jungkook virou a cabeça no susto. Jaehyun o olhou com um sorriso tímido, hesitante.
— Eu vou levá-la ao recital — respondeu, mordendo os lábios. — Da próxima vez. Talvez essa semana mesmo. É uma releitura de La La Land, eles contam uma versão spin-off de Mia e…
— Tá, tá. Por que eu perguntei? — Mingyu jogou o blazer dobrado no colo de Jaehyun e se abaixou para se sentar de pernas cruzadas no tapete, ao lado de Jungkook e de costas para a janela, onde os dois amigos ficavam muito bem localizados na sua panorâmica — Essa belezinha ficou muito bem em mim, falando nisso. Quando vou poder pegar de novo?
— Quando você pedir. Não pegar.
— Pedir as coisas pra você é uma burocracia imensa. Você sempre fala não.
— Você me pede coisas que eu não posso emprestar, como roupas da campanha que ainda nem saíram. Se tiver senso, as coisas podem ser diferentes.
— Você diria não se eu pedisse até aquele casaco xadrez de universidade que você usa pra jogar boliche.
— Como você sabe que eu diria não?
— Porque você sempre diz não pra tudo que é apegado. Não é, Jungkook? — Mingyu se virou para o amigo tatuado. Jungkook estava com os olhos fixos no cinzeiro — Jungkook!
— Oi? — o garoto levantou a cabeça em um sobressalto. Percebeu, com surpresa genuína e consternada, que não tinha prestado atenção em nenhuma palavra dos outros dois — O que foi?
— Jaehyun não divide nada do que ele gosta. Tô errado?
Jungkook engoliu em seco e virou a cabeça para trás para olhar Jaehyun por um segundo até assentir, soltando uma risada seca pelo nariz.
É. Jaehyun cuidava muito bem de tudo que gostava.
E os dois tinham voltado a uma discussão sobre uma situação aleatória em que Jaehyun se recusou a emprestar sapatos para Mingyu, mesmo que eles calçassem o mesmo número, o que era completamente louco, porque Mingyu era 6 ou 7 centímetros mais alto do que Jaehyun. Jungkook sabia que deveria ouvir o que eles contavam, até mesmo participar e zombar dos dois lados, como sempre fazia, mas em vez disso, ele tragou o cigarro e sentiu aquele peso novamente no peito quando se lembrou do que o amigo dizia antes de Mingyu chegar.
E Jungkook odiou cada mísero músculo bucal que se moveu sem sua permissão para abrir aquele reservatório de dentes e mover a língua para perguntar:
— Você não a levou para o recital?
A interrupção fez Mingyu franzir o cenho, sem entender tanto a pergunta súbita de Jungkook quanto a palavra que Jaehyun havia usado um segundo antes: apócrifo. Por que diabos ele sempre tinha que enfiar termos difíceis em um diálogo cotidiano?
Jaehyun apenas negou com a cabeça.
— Não, não levei.
— Sério? Ela também achou que isso seria um programa de merda? — ele riu com o cigarro na boca, tentando fingir que estava comprometido a não fazer piadas horríveis sobre La La Land. — Então o que fizeram depois do jantar?
Não responda, Jungkook logo pensou, com um desespero de quem se arrepende do ato no momento em que ele é feito. Não responda essa pergunta, Jaehyun. Diga que eu não tenho nada a ver com isso. Diga que não é da minha conta. Mas não se atreva a responder.
Jaehyun fez uma pausa e olhou para Jungkook e Mingyu. Normalmente, não responderia mesmo àquela pergunta. Era pessoal demais. E ainda que eles fossem seus amigos próximos, a privacidade de Jeong Jaehyun era um elemento inegociável.
Mas o teor de felicidade que estampava seu sorriso naquela manhã já era resposta o suficiente.
— Depois fomos para o meu apartamento.
Uma pálpebra de Jungkook tremeu ao mesmo tempo em que seus lábios engoliram o sorriso.
Por outro lado, Mingyu soltou uma enorme risada libertina, tão alta que reverberou pelo apartamento inteiro, sendo perfeitamente capaz de ensurdecer o ouvido esquerdo de um homem. Ele fechou o punho no joelho de Jaehyun assim que terminou a frase.
— Cacete! Transou com a garota no primeiro encontro? — disse ele, sem se importar com o tom — Quem é você e o que fez com Jeong Jaehyun?
— Você tá exagerando — retorquiu o outro, mas não conseguia parar de sorrir. Ele afastou o braço de Mingyu, e seria capaz de aceitar até uma bebida para aplacar aquele calor nas bochechas que o invadiram de repente — E para de gritar, você tem uns 6 vizinhos nesse andar.
— Do que tá falando? Vocês transaram mesmo? — A pergunta de Jungkook saiu apressada e sem pensar, soando em meio às risadas de Mingyu, cortando a redoma de divertimento com sua voz seca e baixa, uma voz que anunciava notícias ruins. Ele mal percebeu como agora estava totalmente virado para Jaehyun, e como a fumaça do cigarro tinha apagado, e como tudo dentro dele estava sendo retirado e colocado, retirado e colocado, mexido e remexido, desorientando-o por completo — Mesmo?
Não responda de novo, Jaehyun, ele quase berrou para fora da cabeça desta vez. Um gelo intenso desceu do estômago para o carpete. Ele sentiu o álcool ampliando tudo, inclusive as batidas do coração, inclusive o sangue fervendo sob a pele como lava. Não confirma isso, pelo amor de…
Mas Jaehyun não precisava vocalizar a resposta. Ele estava sorrindo, estava corado e balançava a cabeça minimamente para que ficasse claro. Mingyu urrou de novo, e Jungkook quis bater a testa na parede até que tivesse um aneurisma. Várias coisas piscaram na frente de seus olhos em um lapso de segundos. A primeira delas era que nada daquilo tinha adiantado: toda a bebedeira anormal e as drogas da noite passada foram um escape momentâneo da verdade inevitável que estava ouvindo agora. Que estava vendo agora.
Já era. Se ele tinha alguma esperança – e Deus sabe que ele tinha uma mínima, pequena, considerável esperança cultivada bem no fundo de toda aquela desordem – de que fosse ter uma epifania do quanto tudo aquilo não combinava com ela e quisesse repensar, talvez até mesmo tentar abrir sua porta para Jungkook de novo, ela tinha acabado de ser estrangulada. Foi morta com um tiro na cabeça. Mas mortes com tiros na cabeça costumavam ser rápidas e indolores, e Jungkook sentia o corpo despencando de uma varanda enquanto sangrava e sangrava, doía e doía, e tudo ao seu redor se mexia em câmera lenta, e que se foda se o álcool estivesse ajudando a causar esse efeito, mas ele agradeceu por estar sentado e por Jaehyun estar feliz demais para notar sua palidez.
nunca teria retornado aquelas ligações. Estava ocupada demais para atendê-las. Ocupada demais se entregando para o cara que acreditava ser o seu mais. O cara que nunca a culpou de nada. O cara que nunca teria uma ficha policial na vida. O cara que não foi um babaca desde o início, que a enxergou como a mulher incrível e fascinante que era já no primeiro bater de olhos.
Tinha sido tão fácil pra ela? Isso o dilacerava ainda mais.
— E como foi? — a pergunta de Mingyu só o trouxe de volta à realidade porque ele parecia estar falando para uma plateia de surdos. Jaehyun estreitou os olhos em sua direção — Ah para, a gente fala dessas coisas! E se a gata tirou sua roupa com essa facilidade, ela deve ter um cérebro tão grande quanto os peitos. Ela tem esses peitos, não tem? Pode falar…
— Eu não vou te falar nada — Jaehyun riu pelo nariz, e afastou novamente as mãos agitadas de Mingyu. — é minha futura namorada, e de jeito nenhum vou ficar fazendo propaganda pra você que nunca teve uma. Fora que é escroto pra caramba. Sai fora.
Duas coisas aconteceram simultaneamente, e uma delas Jungkook só entendeu depois que o golpe veio.
A primeira foi a palavra namorada que o atingiu como um tropeço de cara em um rio congelado do Canadá. Se o substantivo fosse uma pessoa física, teria com certeza quebrado o seu nariz. Todos os músculos de seu corpo ficaram rígidos quando virou a cabeça e encarou Jaehyun com firmeza, tendo certeza de que estava estampando um choque desagradável nas pupilas, segurando o desconsolo que gritava por dentro: não, não, não, não!
A segunda foi um Mingyu que relaxou os ombros e franziu a testa ao vasculhar sua memória diante da resposta do amigo.
? — disse ele, girando os olhos para Jungkook logo em seguida, apontando um dedo para o garoto e balbuciando vagarosamente: — parece a garota que você estava falando ontem. Aquele nome que não parava de repetir? pra cá, pra lá, , , … — ele riu novamente, puxando a cerveja quente do chão — , isso! Ele cantou Love is a Laserquest, e trocou para is a Laserquest. Foi hilário.
De repente, Mingyu era a única pessoa de Seul inteira que estava rindo.
Jungkook mirou o anfitrião com um olhar cortante, sabendo com certeza que todo o álcool que tinha se esforçado tanto para ingerir estava exalando pelos seus poros até a última gota. Ele não sabia o que Mingyu estava pensando, mas, olhando para seu estado, teve a evidência clara de que ele não estava pensando em nada. Que não tinha percebido nada!
No entanto, o choque genuíno também vinha do fato de que Jungkook não sabia daquele detalhe. O desgraçado não tinha contado a história toda, afinal. Tinha jogado um verde, feito perguntas que provavelmente já soubesse a resposta só para se divertir às custas da ressaca moral de Jungkook. Não era a primeira vez que ele fazia isso – Kim Mingyu reparava, anotava e guardava as principais coisas que aconteciam à Jungkook bêbado, como uma carta na manga para zombar dele na primeira oportunidade com os outros, mas aquilo…
Aquilo era como puxar a tampa de uma granada no meio da sala e esperar a explosão.
Jungkook não se importou com isso de imediato. Com o silêncio repentino, ele estava ocupado demais travando o maxilar e descobrindo a verdade do que tinha feito. Depois, sentiu o coração disparar mais do que já estava pelo que tinha feito. E então, o garoto fez um grande esforço para fingir que Jaehyun não estava olhando pra ele até ouvi-lo soltar uma risada seca e dizer:
— Quê? — Olhou de Jungkook para Mingyu como se esperasse a risada do outro também — Trocou o nome da ? Ele bebeu tanto assim?
Jungkook desistiu de olhar para Mingyu e apagou os centímetros finais do cigarro no cinzeiro, com os dedos um pouco trêmulos.
— Ele tá viajando, eu não…
Now I can’t think of there without thinking of you, — Mingyu interrompeu com a cantoria desafinada, levando as duas mãos ao peito — I doubt that comes as a surprise, . And I can’t think of anything to dream about, Lizaaa
Mais uma gargalhada estrondosa quase fez com que Mingyu engasgasse com a própria saliva, divertindo-se particularmente muito bem quando deu um soquinho no ombro de Jungkook e disse: “Foi praticamente uma música nova, eu não ia perder a oportunidade! Fora que ele chorou como uma menininha quando cantava o refrão…”
Jaehyun parou de sorrir.
Ele se recordava de ter aquela mesma conversa muitas vezes antes. Algum contexto onde o nome de era mencionado e margeado por algum insulto ou uma simples mudança de expressão de Jungkook. Cada mísera coisinha que a envolvia o desagradava. O compelia a zombar dela como um passatempo. E, mesmo depois daquela conversa inusitada no telefone onde se autodenominou amigo dela, Jaehyun não tinha conseguido levar a sério. Se algo aconteceu no seu tempo fora que o levou a cair em si e reconhecer que sua raiva não tinha mais fundamento nenhum, ótimo. Era um dos motivos do porquê Jeong acreditava que o amigo estava ficando melhor, abandonando pesos e mágoas que o deixariam ainda mais preso naquele poço que só atrasava suas conquistas.
Mas não tinha mencionado nenhum amigo novo desde que se encontraram – e se tornar amiga da pessoa que mais te odiava era, no mínimo, relevante para um comentário. Nesse caso, um pedido de desculpas de Jeon Jungkook era relevante pra caralho.
E como ele saberia se aquele pedido aconteceu mesmo? E se foi realmente sincero?
Talvez Jungkook tenha dito a palavra amigos da boca para fora. Ele estava puto com toda a história das fotos e as respostas esquivas de Jaehyun, porque criou uma expectativa sobre o amigo, acreditando que ele seria corajoso o tempo todo. Ou, pelo menos, na hora que mais precisava ser. Jungkook atribuía uma enorme culpa sobre si mesmo em relação à sua ruína com Ali Dalphin porque não achava que tinha tido coragem o suficiente para lutar por eles publicamente. Jaehyun insistiu que a situação não dependia apenas dele, e Jungkook foi firme ao retorquir: Foi escolha minha ficar calado, não foi? Então as consequências são minhas. Parte da culpa é minha. Você devia estar me dizendo a mesma coisa. Espero que faça diferente quando for a sua vez.
Então, interpretando a situação das fotos como qualquer pessoa de fora interpretou, Jungkook odiou mais a aparente fraqueza de Jaehyun em não admitir a verdade do que odiava . Usou a alcunha amigos para que o amigo se sentisse motivado a reagir, a se livrar da ruiva desconhecida e a lidar com isso da maneira mais correta. Ele sabia de seus sentimentos por . Estava tentando ajudar.
Foi o que Jaehyun pensou. Foi o que pareceu mais inocente e bobo. Mas isso agora não estava fazendo sentido nenhum.
A história de Mingyu não fazia sentido nenhum.
A música não fazia sentido nenhum.
Os problemas novos de Jungkook não tinham o sentido que deveriam ter.
Jaehyun caiu de volta no primeiro dia que reencontrou . E depois na noite passada. E depois no breve momento de tensão em sua sala. E, por fim, na ausência de entrega de e todas as questões ocultas que existiam por trás disso.
E então, pecinha por pecinha, as coisas começaram a se encaixar.
Jungkook teve a coragem de olhar para Jaehyun apenas com a esperança de que conseguiria soltar uma risada como Mingyu e desviar toda a história, transformar aquele comentário idiota em uma piada de segunda mão, e que ninguém deveria ficar bravo com isso. Mas, ao ver a expressão do amigo, qualquer palavra ou reação ficou presa na garganta.
Porque ele o examinava com intensidade, com aquela coisa que transcendia a alma de Jungkook, como se Jaehyun tivesse aberto seu crânio e visse para o que ele realmente estava pensando.
E o que Jungkook estava realmente pensando – aliás, o que ele estava sendo naqueles últimos meses –, estava bem ali, estampado para uma cidade inteira ver, e Jaehyun não tinha percebido!
A mensagem de voz. A pergunta descabida. A bebedeira descompensada meses após Ali. O comportamento no terraço. O estado abatido de alguém que teve o mundo desmoronado. E pelo amor de deus, is a Laserquest? Jungkook odiava aquela música! Mas ele a odiava porque era sobre amor! Suplício de paixão. E o choro…
Meu Deus!
Jaehyun arfou e se colocou de pé em um salto, largando o blazer no sofá enquanto andava até a janela do outro lado. Um entorpecimento tomou conta de seus nervos, enquanto ele voltava ao mesmo estado da noite passada depois de ouvir a história de : pensando, repensando, deduzindo possibilidades. Contudo, daquela vez, ele estava juntando as coisas. Concluindo uma hipótese que nunca poderia ser verdade. Nunca.
— Jaehyun… — Jungkook se viu falando em um fio de voz, levantando-se do mesmo modo, mas sem sair do lugar. Havia uma confissão ali no meio que se instaurou no silêncio. Ninguém precisava abrir a boca para entender. Jungkook não fazia ideia do conteúdo da conversa que o amigo teve com no dia anterior, mas sabia, de alguma forma louca, que Jaehyun sabia. Que estava sabendo agora. Que ele tinha se entregado de alguma forma.
E que provavelmente ele nunca o perdoaria.
Jaehyun não respondeu por um tempo. Na verdade, a cabeça trabalhando a mil quilômetros por hora não permitia que as palavras se condensassem numa frase. Mingyu, ainda sentado, sentiu-se de repente de fora do que quer que estivesse acontecendo, e olhou para as costas de Jaehyun com o cenho franzido.
— O que foi? Por que vocês levantaram? Eu só disse…
E quando Mingyu olhou para o rosto pálido e duro de Jungkook, ele foi finalmente o último elemento do trio que se tocou da situação.
— Ah, merda…
Mingyu se levantou apressado, abrindo e fechando a boca à medida que a palavra ia finalmente abrindo outras lembranças na mente. Uma lembrança peculiar de outra bebedeira, a lembrança do café, a lembrança em que seu melhor amigo contava com todas as letras sobre a única garota que transou que nunca deveria ter transado, porque ela claramente era uma golpista que o odiava. Bonita, gostosa e arrebatadora, mas ainda era uma golpista. Ele a entregaria para o primeiro canal de comunicações da Coreia se deixassem. Era a paparazzi que fodeu com o namoro dele!
E de repente , a paparazzi golpista tinha virado is a Laserquest?
E is a Laserquest tinha ido para a cama com seu outro melhor amigo?
Que porra estava acontecendo?
Jaehyun parecia estar refletindo sobre a mesma coisa quando se virou novamente para Jungkook, o rosto tão sombrio e fechado que se podia contar nos dedos quem vivo no planeta Terra tinha visto aquilo.
— Que história é essa? — conseguiu perguntar, com uma voz que não te dava escolha sobre o tipo de resposta. Ou era a verdade, ou era a verdade. Ele perceberia o contrário na mesma hora. — Música? Choro? Pode me explicar isso?
— Era uma brincadeira — Mingyu se adiantou, antes que Jungkook pudesse pensar em abrir a boca. Para falar a verdade, ele não parecia querer fazer isso. Estava parado como uma estátua, os braços rígidos em volta do corpo, encarando Jaehyun com uma expressão fechada muito parecida com a dele, porém com um pouco mais de… dor? Talvez um aborrecimento? As duas coisas estavam brigando no meio daquelas sobrancelhas juntas. — Ele estava bêbado. Até eu fiquei meio bêbado depois, ele vomitou na minha pia, Jaehyun, você tinha que ver…
— Eu ouvi ele bêbado ontem — Jaehyun interrompeu, e todas as células de seu corpo se agitavam em preparo para um estalo de raiva — Ouvi quando me mandou aquela mensagem. Por que queria saber onde eu ia levar ?
Mingyu girou a cabeça para Jungkook de supetão, quase gritando um enorme: Burro! Por que não me contou essa parte antes? Estou tentando te ajudar! Porque sim, Mingyu não fazia a menor ideia do que estava acontecendo, mas ninguém precisava saber para sentir que alguma coisa muito errada estava se formando no meio dos dois.
E de novo: Jungkook não respondeu. Desta vez, parecia que ele estava sendo incapaz de fazê-lo. Como se estivesse segurando a língua na própria boca, impedindo-a de soltar um grande segredo.
Isso pareceu estremecer ainda mais as dúvidas de Jaehyun, deixando-o ainda mais bravo, avisando-o que as dúvidas estavam por um fio de se tornarem certezas, e ele estava prestes a descobrir uma verdade que não queria. Uma verdade que o revelaria que não conhecia Jungkook tão bem quanto pensou.
— Por que eu sinto que você perguntou porque queria aparecer por lá? — ele emitiu com um tom de desprezo enquanto dava um passo à frente, um desprezo que certamente já estava ganhando espaço dentro de si caso aquela fosse a resposta de Jungkook. — E por que eu sinto que você não queria ir até lá para sei lá, enfiar uma torta na cara de ? Porque é o que se espera de você, não é? Que você infernize a vida dela. Que seja um completo babaca com ela. É isso, não é, Jeon?
— Jaehyun, qual é… — Mingyu tentou interpor mais uma vez, mas Jaehyun deu mais um passo e o olhou com repreensão, ainda fervendo por dentro, encarando um Jungkook que o olhava sem expressão, ou uma que não se via muito: as sobrancelhas juntas em sofrimento. Em calvário. Olhos que não se mantinham muito tempo nos seus.
Olhos que estavam mentindo, porra.
Passando uma mão pelo rosto, Jungkook puxou o ar com força e tentou engolir o que tinha de saliva para a garganta seca.
— Cara, eu já disse. Não lembro dessa mensagem, não faço ideia de que horas fiz isso. Então não sei o que eu teria feito, porque não sei nem onde eu estava — Jungkook confessou em um ruído ansioso. Ele tinha uma expressão no rosto que Jaehyun não gostava; um pouco emocional demais. Uma coisa que fazia quando falava sobre Ali, quando sentia alguma coisa. — Esquece isso. Esse assunto é desnecessário, por que a gente não…
— Não, quero que você me responda — Jaehyun estava se aproximando de novo. Agora tinha chegado a uma distância curta demais de Jungkook, uma em que seus olhos e ombros ficavam na mesma direção, e uma em que Jaehyun conseguia ver aquele rosto lotado de palavras não ditas muito de perto. — Fala, o que te levou a perguntar uma coisa dessas? O que você teria feito com a localização? Geralmente você é sincero demais quando bebe. Teria dado um show na frente de todo mundo? Pretendia humilhá-la como sempre fez? Repetir na cara dela tudo que sempre me disse sobre não se envolver com o inimigo?
— Para… — Jungkook balançou a cabeça em negativa, e ergueu o queixo completamente quando Jaehyun agora estava a um palmo de seu nariz, matando qualquer dúvida de que ele estava a um fio de explodir.
— Você sabe que eu te odiaria se fizesse isso, mas mesmo assim você quis saber. Então me fala, o que você faria de verdade, Jungkook? — insistiu, e a raiva passando por ele era quase palpável. A raiva que se manifestava sempre que o assunto era . Com um sussurro furioso, ele cuspiu para o amigo: — Por que diabos estava dizendo o nome dela?
E de repente, sofrendo o que já estava sofrendo, guardando o que já estava guardando e vendo mais do que gostaria de estar vendo, Jungkook viu aqueles olhos furiosos e odiou todas as coisas do mundo junto com ele. Odiou Jaehyun por ter ficado com ela, odiou a si mesmo por ter permitido tudo aquilo e odiou que estivesse tentando, pela primeira vez na vida, ser um cara quase decente ao tentar dissipar um assunto que manteria sua amizade de pé, mas que Jaehyun não estava ajudando!
Porra!
— Pelo amor de deus, é só uma música…
— Você não chora por qualquer música — Jaehyun refutou imediatamente. — Você não chora por porra nenhuma. O que tá acontecendo? Não deveria colocar o nome dela em algumas das suas letras de ódio?
— Eu não a odeio, Jaehyun.
— Verdade? E por que você não a odeia?
Quando Jungkook abriu a boca e quase deixou a resposta errada sair, ele soube que já era tarde demais para dizer que ia para casa. Era tarde demais para fugir daquela fúria, tanto a do amigo quanto de sua própria.
— Acho que você já sabe a resposta — ele respondeu com a mesma voz oca e vazia de antes, mas que agora deixou uma faísca quase invisível de sarcasmo escapar.
E ali, diante daqueles olhos que de repente se pareciam com os mesmos olhos do Jungkook que ele conhecia, Jaehyun viu a hipótese se tornar verdade. Uma verdade absurda e inimaginável.
Jungkook não estava zangado ao telefone com ele porque não suportava ouvir sobre . Não tinha metido um sermão naquele terraço porque não aguentava ver seu melhor amigo com a paparazzi que detestava, com a pessoa que tinha participado da maior bagunça que uma pessoa pública poderia passar. Não tinha dito a palavra amigos para ajudar.
Não.
Ele queria confirmar.
Jaehyun percebeu, em menos de 2 segundos, que tinha sido um tolo. Estava sendo um tolo. E que Jeon Jungkook tinha ficado puto esse tempo todo não porque, na verdade, não queria com Jeong Jaehyun.
Queria com ele.
As palavras dela da noite passada ressoaram tão altas na sua cabeça que seriam ouvidas do outro lado do terreno.
“Não posso te contar.”
“Eu e ele não estamos mais juntos.”
“Tentamos ser amigos, mas nem isso conseguimos.”
Amigos…
“Porque agora somos amigos e vou odiar se você for mais um motivo para deixá-la triste.”
Jaehyun colocou a mão na nuca, segurando seu choque estúpido, um abalo sísmico que o guiava para fora de sua caverna, revelando-lhe agora fatos muito claros:
não fez amor com ele. mal o deixou tocá-la. sabia essa diferença. sabia muitas coisas.
estava diferente. estava machucada.
Atingida por um cara que teve a audácia de carregar toda aquela desgraça que entulhava seu ser para o coração dela.
E Jaehyun tomou, talvez pela primeira vez em toda a sua vida, uma atitude totalmente guiada pelos nervos.
Ele fechou o punho bem no olho direito de seu melhor amigo.


"Confie em alguns elipses para persegui-lo em volta da sala
Através de curvaturas e metáforas e destruição."

🖤🎤 Library Pictures


Poderia ter sido apenas um soco.
Era o máximo da palavra briga que Jungkook, Jaehyun, Eunwoo, Mingyu e Yugyeom conheciam entre si. Frequentemente, as discussões e divergências eram resolvidas com base no diálogo – às vezes não um diálogo baixo, ou não um diálogo gentil, muito menos um que não fosse recheado de ofensas e palavrões, mas era isso. Jungkook e seus companheiros se irritavam com uma porção de coisas dentro de seu círculo, mas na maioria das vezes, estavam tão sobressaltados por eventos bem mais urgentes e importantes que faziam parte de suas carreiras que se sentiam automaticamente esgotados para começar uma nova briga – ou algo mais sério do que isso.
Seguindo esses termos, nunca havia existido algo físico e pesado o bastante como um soco dentro daquela bolha de 1997.
Um soco dado por impulso, um pouco amador demais, torto e desengonçado se fosse avaliado por um profissional, mas um soco forte. Dolorido. Um totalmente guiado pela adrenalina pulsando nos dedos da mão, fazendo-a agir praticamente por conta própria, doendo mais em Jaehyun do que em Jungkook.
Sem esperar por isso, o maknae se desequilibrou até bater em um móvel, buscando imediatamente uma superfície para apoiar o corpo. Sentiu a borda das pecinhas do quebra-cabeça de Mingyu se infiltrarem entre seus dedos, assim como sentiu a dor irradiando das pálpebras até a bochecha, fazendo-o cerrar os dentes e bloquear um gemido na garganta.
— Jaehyun! — Mingyu gritou imediatamente, espantado. — Ficou maluco, porra? Que merda é essa?
Jaehyun sacudiu o punho. Seus olhos furiosos ainda estavam em cima de Jungkook, que conseguiu não soltar um mísero ruído com o golpe. Devia estar gritando a mesma coisa que Mingyu, devia estar pulando de indignação ou simplesmente se preparando para revidar aquela surpresinha que veio sem mais nem menos.
Mas não era sem mais nem menos.
Ele sabia disso. Jaehyun sabia disso. E Mingyu logo saberia, caso parasse, observasse e escutasse a situação direito.
Tinha sido um presente, de alguma forma. O único presente de aniversário adiantado que ele realmente merecia depois de todos os acontecimentos do ano.
E ele sentiu dor. Pura, límpida e brutal. Tentou esfregar a região levemente para ver se passava, mesmo que acreditasse no fundo do peito que precisava um pouco dela.
Mas outra coisa estava doendo bem mais do que aquilo, e Jaehyun também sabia disso. Imaginou vividamente a cena deles na cabeça e foi tomado por uma nova onda de ódio diante da abnegação silenciosa e verdadeira de Jungkook. Um silêncio que confirmava toda a sua desconfiança desagradável.
Poderia ter sido apenas um soco.
Mas Jeon Jungkook era filho da puta demais para ser presenteado com apenas um golpe.
Pegando carona naquela raiva vívida e louca novamente, onde a voz de da noite passada ainda ecoava em seus ouvidos, Jaehyun desferiu o punho novamente em Jungkook, desta vez com mais atenção e direcionamento, indo especificamente até o canto da boca, pegando toda a região da bochecha e um pouco do queixo, golpeando-o tão forte que uma espécie de rosnado nascido do fundo da garganta o acompanhou durante o ato.
Desta vez, pareceu mais sério. Imediatamente, a silhueta gigante de Mingyu entrou na frente do amigo, empurrando-o para trás ao mesmo tempo que Jungkook agora despencava com as costelas em cima do mesmo móvel de madeira, derrubando caixas, um abajur, uma caneca vazia e desfazendo completamente o jogo de Mingyu. A dor agora foi distintamente maior e mais aguda, e ele imediatamente sentiu gosto de ferro nos dentes e na língua.
— O que você tá fazendo, porra?! — Exasperado, Mingyu empurrou Jaehyun para perto da janela, chocado e ofegante. — Que merda é essa de bater nele? Por acaso esqueceu quem somos? Ele é nosso amigo!
— Ele é um desgraçado! — Jaehyun nem olhava para Mingyu. Ele era apenas uma enorme montanha de escanteio, que tinha se movido de algum jeito para o meio da sala a fim de mantê-lo afastado do outro cara que fazia uma careta de dor e ajeitava a postura do lado oposto do cômodo. Novamente, ele não disse uma palavra, não emitiu um mísero gemido. Isso fazia Jaehyun querer socá-lo ainda mais — Um egoísta de merda! Como você teve coragem de fazer isso?
— Jaehyun… — Jungkook tentou dar um passo à frente, e a cerca de braços de Mingyu não foram o suficiente para conter Jaehyun e sua fúria de se aproximarem outra vez.
— Como você teve coragem?! — Jungkook teve o colarinho da camiseta puxado com violência. Seu estômago gelou. Jaehyun parecia prestes a lhe dar mais um soco, mas esse não era o medo dele. Ele tinha medo de outra coisa. Tinha medo de não conseguir manter a raiva e sua língua trancafiadas. Tinha medo de se permitir sentir tudo que estava sentindo e explodir. — Depois de tudo que você fez e disse pra ela, como pode fazer isso? Seduziu por uma vingança? Queria provar que conseguia foder ainda mais com a cabeça dela se conseguisse mexer no seu emocional?
— Não foi nada disso…
Como não foi nada disso?! — ele apertou os dedos ainda mais em torno do tecido, forçando-o a chegar mais perto. — Como quer que eu acredite em qualquer palavra que você diz? Como conseguiu fazê-la acreditar?! Você é um doente de merda que não estava satisfeito com a porra da sua realidade e simplesmente decidiu ir pra cima de ! Logo de !
Em um impulso da raiva que tentava segurar, Jungkook empurrou Jaehyun pra longe, sufocado por aquela voz tão perto, sufocado pelas palavras que engolia e engolia, e era relativamente mais forte do que o amigo, que se afastou a uma boa distância, ainda que parecesse com ainda mais ódio.
— Eu… Você não devia ter sabido disso. Não assim — Jungkook balançou os braços, odiando a mente letárgica daquela manhã, odiando como não parecia estar presente de verdade na cena, não parecia estar vendo aquela expressão furiosa no rosto de Jaehyun, uma expressão de alguém que passaria por cima do corpo patético de Jungkook com o carro. — Porra, você não devia saber e pronto! Era um assunto a ser esquecido, Jaehyun, um assunto que não muda nada hoje, um que já passou…
— Desde quando? — Jaehyun interrompeu, controlando o ódio dentro das palmas das mãos.
— O quê?
— Desde quando começou! Eu quero saber!
Jungkook umedeceu os lábios secos e vincou a testa com sofrimento nítido. Estava sendo difícil compactar e segurar todos os sentimentos dentro dele mesmo. Se estava se sentindo um lixo naquela manhã, ele era um recipiente com muitos e muitos e muitos entulhos, muitas pizzas estragadas, muitas embalagens de garrafa, muitas bitucas de cigarro, muitos pacotes de droga em uma pessoa só. Nada parecia real, ou aquele momento específico era tão real que ele precisava segurar esse monte de sujeira porque não tinha o direito de soltá-la.
Não tinha o direito de responder a Jaehyun, ou de dizer algo menos que a verdade. Eram amigos, apesar de tudo. Tinham uma certa honra nessas coisas. Mesmo que ele tivesse cagado para todas as regras do grupo e partido pra cima de Jungkook com um soco.
Ficando mais nervoso a cada segundo, Jaehyun gritou:
— Me responde, porra!
Jungkook passou uma mão perturbada pelo rosto perturbado que ainda doía e sangrava, e bufou forte antes de soltar:
— Desde o anúncio do Grammy.
O rosto de Jaehyun se transformou. Passou de uma raiva gradativa a uma fúria impetuosa, tornando-o alguém incapaz de segurar os próprios pés para avançar novamente sobre Jungkook, ignorando a voz que gritava “cara, não!” do outro membro da sala, que conseguiu, por um fio de sorte, que Jaehyun não fechasse mais um murro no rosto de JK.
Deixa ele fazer isso!”, era o que o lado culpado e fracassado de Jungkook queria gritar, o lado que se autoflagelava de vez em quando nos últimos meses, quando se lembrava das mentiras e da hipocrisia que cedeu ao seu melhor amigo.
Mas o outro lado implorava com berros ensurdecedores que ele não chegasse mais perto e que parasse com aquela loucura de punhos, porque Jungkook não se preocupava com punhos, não tinha medo de socos, muito pelo contrário; eles faziam parte de seu dia-a-dia. Mas uma raiva e frustração estava sendo ativada aos poucos no peito semi controlado, uma raiva que não era nova, mas que era disciplinadamente descarregada nas luvas de Tommy, quando palavras e verdades podiam ser colocadas pra fora sem exatamente serem ditas, e Jaehyun não precisava ativar isso agora, não precisava fazê-lo descer mais fundo do que já estava.
Porque a verdade era que Jungkook sentia que merecia os socos, mas também sentia que a hora de amenizar a situação tinha acabado. Que ele finalmente poderia parar de mentir.
Ele podia ver Jaehyun abrindo a boca chocada e dizer os mais escabrosos e inimagináveis palavrões que já foi capaz de dizer, e com mais uma tentativa de se aproximar que foi barrada pelos braços insistentes do outro.
— Me larga, Mingyu! — Jaehyun se esquivou do amigo, e reuniu cada ponto de controle para permanecer no mesmo lugar e não continuar avançando sobre o desgraçado de Jeon Jungkook.
Este, por outro lado, decidiu entender o breve lapso de calma como uma oferta para tentar explicar.
— Cara, você precisa me ouvir…
— Eu tinha acabado de entrar no avião! — Jaehyun trincou os dentes com tanta força que quase não conseguiu sufocar o grito. A voz saiu alta do mesmo jeito. Mostrava claramente que qualquer explicação de Jungkook não ia ajudar — Acabei de entrar no avião e você armou esse plano ridículo para se aproveitar de na minha ausência. Pelo amor de deus…
— Não foi armação! Não é nada disso que você tá dizendo, qual é, Jaehyun…
— Você sabia que eu gostava dela. Você sabia, e em vez de ficar longe dela…
— É, eu devia ter ficado longe dela! — Jungkook interrompeu, segurando a respiração pesada, tentando se manter no limite do controle para não piorar o que já estava quebrando e quebrando — Eu queria ficar longe dela, caramba, pelas razões que você já conhece! Mas as coisas aconteceram, independentemente de quem gostava de quem. Tínhamos um acordo, um negócio! Não foi um ataque pessoal contra você, não foi com propósito de te fazer de idiota, não tinha a porra de sentimento nenhum, era por diversão…
— É claro que você iria enxergá-la desse jeito…
— Ela também me enxergava assim, Jaehyun! — exasperado, Jungkook balançou os braços, aproximando-se um pouco do amigo. — Eu também era a diversão! Eu estava completamente fodido, porra, e ela estava curiosa. Estava apaixonada por você naquela época e não sabia o que fazer, e eu ainda estava com raiva, e não sei, eu só perguntei…
— Espera aí — um momento de silêncio tenso tornou a voz de Jaehyun mais baixa e grave, um amontoado de pecinhas que iam se juntando, se preparando para uma futura explosão. Ele chegou mais perto novamente, estendendo um braço para não deixar que Mingyu o impedisse, os dedos da outra mão totalmente fechados ao lado do corpo; controlando-se, controlando-se — Transou com ela mesmo quando disse que estava apaixonada por mim?
— Não foi por isso que…
— Ela te disse que estava apaixonada por mim? — Uma vibração aguda e sólida era nítida da garganta de Jaehyun. Parecia um monstro intrínseco nascendo de suas cordas vocais. Um monstro que iria escapulir e acabar com Jungkook — Responde, porra! Ela disse que estava apaixonada por mim e mesmo assim você transou com ela?
Jungkook passou uma língua novamente pelos lábios agora rachados, pálidos, engolindo um milhão de vezes para conter a sua própria explosão, uma explosão que o tiraria da posição de culpado e saco de pancadas e o colocaria do outro lado do ringue, um adversário, fazendo um estrago completo.
Mas porra! Mil vezes porra!
— É, transei — ele largou a resposta em uma respiração só, e encarou Jaehyun firmemente sem escolha alguma. — E se quer saber, eu tava pouco me fodendo pra quem ela tava apaixonada ou não, porque vou repetir: não estava pensando em você. Em momento nenhum. Não foi um ataque pessoal, não foi forçado de nenhum dos lados e, de novo: tínhamos um acordo. Um tratado que era pra ser divertido, sem emoção. Mas uma porrada de coisas mudaram desde a primeira até a última vez, e você estar de volta não teve nada a ver com isso.
Desta vez, Jungkook fez o dever de casa. As mãos trêmulas de Jaehyun já adiantavam que ele não se seguraria por muito mais tempo e, assim, foi mais fácil desviar quando ele ergueu o punho novamente, atingindo o ar ao lado dos ombros do maknae depois de seu pulo, mas Jungkook se aliviou com antecedência demais. Não tinha percebido como tinha conseguido deixar Jaehyun com raiva! E assim, ele não viu o outro punho esquerdo do amigo se levantando para agredi-lo na outra metade da boca, um soco equivalente ao outro em força, mas que pareceu ainda pior por atingir o piercing no lábio, fazendo Jungkook grunhir e, involuntariamente, erguer o próprio punho de volta e atingi-lo em alguma parte do rosto.
Ele não percebeu como fez, e muito menos qual parte exatamente lesionou. A dor no lábio era grotesca. Jaehyun gemeu com o rosto entre as mãos, e Jungkook, no pico de sua raiva que tentou manter contida, estava pouco se fodendo para isso. Mingyu novamente xingou, mas Jungkook não o ouviu. Sentia o coração batendo nos ouvidos, sentia o sangue fervendo, sentia sua raiva hipócrita querendo formar as palavras erradas e verbalizar suas observações irônicas de toda a situação.
— Para com essa merda, porra! — Jeon gritou, ofegante, apontando para Jaehyun com firmeza. Sabia o motivo de sua raiva de agora. Sabia mais do que nunca — Sei o que você tá pensando. Sei que você acha que manipulei , que fiz ela ir pra cama comigo seja lá por qual motivo, mas se acha uma coisa dessas, você é um perfeito idiota que não a conhece! é à prova de qualquer charminho besta, ela não faria nada se não quisesse! E sei que é disso que você tá com ódio, mas Jaehyun…
— Cala a boca, porra! — O rapaz explodiu em um grito novamente, e aquela era uma figura difícil de ver. Tanto pelo volume de sua voz quanto pela imagem em si. Aquele sangue escorrendo do nariz, o sangue implacável que brilhava nas costas de sua mão, refletindo no próprio brilho da ira de seus olhos. Jungkook estava registrando na mente o fatídico dia em que Jeong Jaehyun tinha literalmente se misturado aos meros mortais — Não importa o que você diga, é tudo merda! Sabia que ela gostava de mim e mesmo assim propôs um acordo, você usou a mim e a pra sanar o seu ego miserável de vê-la pedir por você, é isso, não foi? Diz que não a manipulou, mas se aproveitou do que ela queria, sem medir nenhuma consequência dessa merda, porra! Você é um filho da puta!
— Sim, Jaehyun! — ele gritou a afirmação, furioso até os ossos — Sim, me aproveitei pra caralho dessa droga de acordo, e acho que tenho uma vaga garantida no inferno por isso, principalmente porque agora não consigo tirar ela da minha cabeça, cacete! Não consigo suportar a ideia de ver ela com outro cara, mesmo que esse cara seja você, mesmo que você tenha chegado primeiro, mesmo que seja a apoteose de perfeição do caralho nessa Terra, mesmo assim! E se essa for a porra da consequência de toda essa merda, então eu me fodi pra caralho. Se é a verdade que você quer, então essa é a verdade!
Jungkook esperou o próximo soco. Esperou agora o maior dos socos, esperou a surra que isso viraria, a troca de golpes que os deixaria feios e quebrados, porque ele não se sentia mais capaz de não revidar com toda aquela raiva saindo dele. E que se foda, ele estava com raiva! Deixando a culpa de lado, aquele cara era sim seu amigo, mas aquele cara tinha transado com , o que o deixava ardendo de ciúmes por dentro! Que se foda, que se foda!
Contudo, Jaehyun já parecia ter sido atingido por um murro invisível, permanecendo parado no mesmo lugar enquanto escutava a informação chegar até ele, penetrar em seus ouvidos e cérebro e processando para ser completamente entendida: Jungkook
Estava
Apaixonado
Por ela?
Aquilo com certeza pareceu pior do que todas as outras palavras ditas e berradas naquele aposento.
Ele não viu quando saiu novamente de seu lugar. Não viu quando trincou os dentes e usou os pulsos, os pés, os joelhos, e seja lá qual parte do corpo conseguia atingir Jungkook com força, com uma força oriunda da raiva cega crescendo e borbulhando no fundo do estômago, e não se importou de levar um, dois e até um terceiro soco, fortes demais, certeiros demais, muito mais alinhados e profissionais do que os seus, que eram lançados por ele através de uma cólera inexperiente. Uma ira tão esmagadora que Jaehyun odiou a agitação da silhueta de um terceiro componente no meio do embate, quando Mingyu, já tomado também pelo aborrecimento contagioso que estava destruindo sua própria sala, empurrou Jaehyun para o lado da janela novamente, gritando mais alto do que os outros dois:
— Para, porra! Eu mandei PARAR! Você também, caralho! — ele se virou e empurrou um Jungkook bufando como um touro na direção oposta, mas ele avançou de novo. Mingyu o empurrou com mais força — PARA, CACETE! Vai pra trás agora! Pra trás! — Mingyu enfiou o antebraço no peito de Jungkook, fuzilando-o com o olhar — Agora, Jungkook!
Se desvencilhando com raiva, o garoto chegou para trás por conta própria, ainda sem tirar os olhos de Jaehyun e de seu rosto agora completamente arruinado. Ele não sabia como estava o dele, mas olhando para Jeong, de repente teve certeza de que era pouco inteligente permanecer naquele apartamento, porque existia uma enorme chance de ele ter quebrado o seu nariz.
Ele quebrou um dos narizes mais perfeitinhos da Coreia.
Era uma merda querer rir naquele momento, especialmente naquele momento, então ele segurou o quanto pode.
— É sério, já chega dessa merda! Eu não faço a menor porra de ideia do que vocês estão falando, mas isso acaba agora! Nós somos amigos, porra! Não podem deixar que uma garota…
— Você não vale nada — Jaehyun, ofegante, levantou um dos braços na direção de JK, trêmulos e inegavelmente fracos. Os nós de seus dedos estavam vermelhos e inchados, provavelmente quase quebrados também — Você disse coisas horríveis sobre ela, agiu de forma tosca e cruel, queria vê-la longe daqui, ostentou todo o seu ódio em cima dela, foi um ser humano de bosta! Deixou bem claro que ela só servia pra transar, seu monte de merda…
— Eu tava errado! — Jungkook explodiu com a frase magnânima que estava guardada com ele há sei lá quanto tempo. Sei lá quantos meses. Talvez até mesmo antes de transar com — Porra, eu tava completamente errado! Sobre tudo, sobre toda essa merda envolvendo , desde New York, desde tudo! É o que você quer me ouvir admitir? Pois escuta: conheci de verdade e me apaixonei por ela. Me apaixonei pra caralho. E ao contrário do que você pensa, não planejei essa merda! — ele declarou com a confiança de um homem sóbrio. Jaehyun sentiu a raiva arder em cada poro — Quer usar a palavra vingança? Tudo bem, eu quis mesmo me vingar! Quis que ela pedisse por mim, quis me divertir por causa do acordo, quis esquecer meus problemas com Ali e foi o que começamos. Mas as coisas saíram do controle. Me senti um merda e tentei de todo jeito possível e impossível não amar essa garota, porque também pensei que era uma insanidade, uma piada. Mas porra... Ela virou meu mundo do avesso — Jungkook abriu os braços em rendição. Ele via a raiva cintilando nos olhos de Jaehyun e sabia que Mingyu teria que prendê-lo para que não avançasse sobre Jungkook de novo, mas até mesmo Mingyu o estava olhando com genuíno choque — E não importa quantos socos você me dê, de quantas coisas me chame, de quanto tempo queira perder nessa briga, não vai mudar nada. Não vão tirar ela do meu coração.
E de repente, no meio daquele caos desordenado, Jungkook sentiu uma espécie de paz. Sentiu um peso saindo dos ombros, um peso destruidor que ele estava mantendo porque achava que merecia. Porque não precisava perguntar aos astros para saber que sim, ele tinha sido um babaca, sim, ele tinha errado pra caralho, e sim, ele podia não merecer , mas o fato é que queria merecer!
Queria tanto merecer. Queria tanto tentar isso!
Mas Jaehyun, cerrando o maxilar tanto de raiva quanto de dor, estreitou os olhos com autêntico desprezo na direção do maknae, e soltou uma risada arranhada recheada de um sarcasmo pouco utilizado:
— Virou seu mundo do avesso? Você não tem vergonha de dizer uma coisa dessas? — ele limpou um pouco de sangue do nariz, e segurou uma careta que se negava a fazer naquela hora — Não tem vergonha de admitir que gosta de ? Será que você não se enxerga? — Era como se fosse o único a enxergar o óbvio. Jungkook prendeu a respiração — Olha pra você, cara. Você tá fodido. Aliás, você é um fodido. E todo mundo percebe isso, todo mundo sabe disso. Não importa quanto tempo você fique de pé e faça o seu trabalho direito, uma hora você vai cair e arrastar alguém junto. É a explicação clara do porquê você vive rodeado de noitadas fúteis e seja abandonado por mulheres que você ama. Porque você vai puxá-las para o precipício, mais cedo ou mais tarde. Você e sua mania de autodestruição, seus problemas de personalidade, seus vícios, imprevisibilidade, imaturidade, sua mania de se isolar, todas essas coisas que tornam você uma bomba relógio, alguém pra se passar longe. Alguém que só serve pra isso: algumas noites, descartando a vida inteira. Você nunca vai ser o porto seguro de alguém. Nunca vai ser um investimento a longo prazo. Nunca seria a pessoa que merece.
Jungkook sentiu uma enorme sensação dormente tomar conta de si. A sensação que Tommy costumava descrever quando o júri gritava: nocaute! Porque era o que derrubava. Era o que acabava com a rodada.
Um silêncio de choque, desgosto e mais choque preencheu a sala por um minuto, focado não apenas nas palavras de Jaehyun, mas no seu tom. No seu rosto. Na repulsa de seus olhos.
— Jaehyun… — a voz de Mingyu saiu como um silvo, abrindo e fechando a boca como se não reconhecesse aquele cara de nariz quebrado na sua sala. Do outro lado, Jungkook estreitou os olhos, sem capacidade cognitiva o suficiente para retrucar.
Jeong Jaehyun, o ser dotado de racionalidade parado na sala, encarou o rosto contorcido e açoitado do amigo como uma vitória. Raiva cega e anormal ainda borbulhava em seu estômago, mas a raiva era totalmente de Jungkook. Totalmente. Ele estava com a consciência limpa – pelo menos sobre . Sobre tudo que tinha feito por ela. Sobre sua certeza intrínseca de que ela iria cair em si.
Lembrar disso o fez olhar para Jungkook com ainda mais repulsa. Mais nojo. Era inacreditável e inaceitável seja lá o que ele tenha feito para que se perdesse. Que saísse da linha da racionalidade. Que a prendesse em um mundo de caos, o puro caos que Jungkook carregava junto de si, enquanto ela merecia apenas um mundo de paz.
A paz que ele podia dar.
— Eu sinceramente não sei como você fez isso — ele se aproximou devagar de Jungkook, sem a intenção de um soco ou começar mais uma briga; ele só precisava falar e ler aqueles olhos estúpidos, ler a dor que estava neles — Não sei como se infiltrou no emocional de , não sei como bagunçou ela por inteiro como um parasita e sinceramente não quero saber. Só quero que você presencie a perda dela, a falta dela. E se lembre que você nunca poderia dar esse tipo de coisa. No fim de tudo, eu estou com ela porque essa era a coisa certa. No fim das contas, você não passou disso: diversão. E o fato de termos ficado juntos só mostra o quanto você não significa nada.
No ringue, aquele poderia ter sido chamado de nocaute extra. Jungkook nem tinha se levantado do chão ainda. Mal estava consciente.
Jaehyun sabia disso. Sentia um ódio descomunal pelas declarações que escaparam da boca de Jungkook, um ódio que apareceria agora todas as vezes que olhasse pra ele, e mais ódio ainda por se lembrar dos olhos de e sua convicção de estar apaixonada por aquele mesmo cara. Pelo amor de deus, ela o amava! Ele não sabia como, mas amava! E ele a amava de volta. E ainda assim, mesmo que ela acreditasse estar mantendo sentimentos que não eram recíprocos, pouco importava! Que continuasse acreditando. Aqueles dois eram a coisa mais errada da face da Terra!
Ele nunca permitiria isso. Que se fodam os sentimentos dele.
Que se fodam os sentimentos dela.
Sendo assim, Jaehyun se preparou para ir embora, farto de dividir o mesmo oxigênio com Jeon Jungkook, farto de todas as coisas que ouviu e que penetravam seus ouvidos, farto de tudo que teria de lidar e pensar quando pisasse pra fora daquele apartamento. Ele estava indo, estava andando em direção à porta, mas quando passou por Jungkook, teve o cotovelo agarrado no mesmo instante, não com força bruta, mas com a firmeza de alguém que não o deixaria sair sem resposta.
E o que Jaehyun viu naqueles olhos, ou melhor, o que leu naqueles olhos odiosos do amigo mexeu com suas estruturas. Ele viu a rejeição de tudo que Jaehyun havia dito, viu uma confiança ridícula de que ele não estava mais afim de abaixar a cabeça.
— Eu sabia que ela não te contaria sobre a gente. Mas te ouvir falando, me deu certeza que ela contou alguma coisa. E você percebeu — Jungkook arranhou um meio sorriso, o que fez Jaehyun franzir o cenho. Ele estava sorrindo?! Aquele filho da puta estava sorrindo?! — O acordo já tinha ido pro ralo antes mesmo de acabar. O sexo é a menor das suas preocupações, Jeong. Porque é minha. E ela é minha de um jeito que você nunca vai entender, porque tudo que te importa é o que te mostra por fora e isso é raso pra caralho. Só o que te interessa são as coisas que ela diz, as coisas que faz, as coisas que você espera. Ela é minha bem aqui — ele colocou uma palma em cima do peito — Bem aqui. No meio da bagunça, no meio dos segredos, das verdades e das máscaras, no meio de tudo que eu sou. Ela é minha de um jeito que eu nunca fui de ninguém, e o contrário também procede. Mesmo que a raiva tenha começado tudo, foi nela que eu não me escondi. Nem se escondeu pra mim. É uma verdade feia e caótica, mas não enfeito mais o amor ou as pessoas como você faz — ele suspirou pesadamente antes de continuar, e um novo sorriso brilhou, um sorriso desafiador e resoluto — E é por isso que não importa quantas vezes ela vá pra cama com você, quantas vezes você consiga um beijo dela, qual anel você compre ou quantas vezes você se declare, ela vai pensar em mim. Cada toque seu vai lembrar o meu. Cada palavra sua vai lembrar a minha. Não sei até quando, não sei até onde, mas de jeito nenhum vou acreditar que não significou nada. De jeito nenhum.
Houve um silêncio nefasto por um minuto, sugando o ar de todas as coisas vivas, paralisando os batimentos de Jungkook, aumentando a fúria de Jaehyun.
Quando se esquivou dos dedos em seu braço, ele finalmente disse:
— Quero que você vá pro inferno — e puxando o ar fustigamente pelo nariz ainda ensanguentado, continuou: — E se gosta de o tanto que diz, não vou te ver chegando perto dela nunca mais. E muito menos de mim. Babaca de merda.
E Jaehyun saiu a passadas fortes, esbarrando no ombro de Jungkook com violência antes de trotar para fora do apartamento, segurando o nariz com uma mão enquanto batia a porta de Mingyu com tanta força que balançou até mesmo os quadros pendurados na parede.
Chocado e estático, Mingyu olhou para Jungkook com a boca entreaberta e um olhar lívido, esperando alguma reação do amigo, esperando explicações, esperando alguma coisa, porra! Ele nem queria avaliar o estrago daquela sala, mas principalmente, não queria avaliar o estrago naquela amizade!
O que tinha acabado de acontecer?!
Jungkook se virou pra ele depois de um tempo, a face avermelhada porém tranquila, com um vinco na testa que mostrava apenas dor e mais nada, já que ele tinha sangue na lateral da boca e um olho direito que já já o deixaria sem enxergar, porque viraria um super cílio se ele não colocasse um gelo. Tinha sangue na curva do colarinho da regata, e porra, como os punhos dele pareciam intactos?
— É melhor eu ir dar comida para o Bam — foi tudo que ele disse quando respirou fundo, virando-se para o sofá como se procurasse suas coisas, ignorando totalmente Mingyu e sua careta de choque.
— Vai dar comida para o Bam?! — Mingyu quase gritou, com voz aguda — Comida para o Bam?! É tudo que você vai dizer, seu idiota? Você não vai embora dessa merda até me explicar que porra você fez!
Jungkook olhou pra baixo, e meteu um dedo em cima da ferida que latejava na curvatura de seus lábios. Doeu pra cacete.
— É uma história longa pra caralho — respondeu, o que significava que ele não diria.
Ainda assim, a situação era insustentável demais para Mingyu.
— Eu quero que se foda se ela é longa! Jaehyun te deu uma soco, porra! E você quebrou o nariz dele, qual o seu problema? Você é quase um atleta! Foi desproporcional!
— Eu não pretendia quebrar o nariz dele.
— Também não pretendia pegar a garota dele? Porra, JK!
— Ela não era a garota dele! — Jungkook grunhiu, retomando o aborrecimento que estava tentando se livrar há minutos atrás — Ela não era nada dele, porra! Não tinha um anel de compromisso e muito menos expectativa de ter um, já que o príncipe encantado deixou ela de molho durante toda essa merda de turnê e não disse nada.
— Mas as coisas não funcionam assim, idiota. O que você diria se algum de nós quisesse tentar alguma coisa com Ali Dalphin antes de ela ser sua namorada?
— Eu não disse que não fui um filho da puta — Jungkook passou uma mão pela caixa de aspirina jogada no chão por causa do baque na mesa. Várias peças coloridas de pedaços de estrelas e galáxia estavam soltas pelo piso, e Jungkook teria de fazer uma varredura na internet pra comprar outra geringonça daquelas pra Mingyu não encher seu saco, mas no momento, precisava de aspirina. E talvez de uma cartela inteira de Ibuprofeno que ele tinha largado no câmbio do carro — Não disse que ele não teve razão em me bater, porque sou um idiota, Mingyu. Fiz tudo que eu disse que nunca faria, inclusive me apaixonar por ela. Mas é simplesmente maravilhosa! — com os olhos perdidos, Jungkook bufou e se jogou novamente no sofá, pendendo a cabeça para cima enquanto sentia o olho direito latejar, e a boca doer quanto mais falava e falava — Ela é simplesmente perfeita. E eu devia ter percebido isso antes, devia ter visto isso e corrido pra muito longe, porque a partir do momento em que soube que ele gostava dela, me senti um lixo do caralho. E eu não devia me sentir assim, porque tecnicamente não tinha sentimento nenhum entre nós dois, então as coisas podiam ter acabado tranquilamente. Deveriam ter acabado tranquilamente. Mas… nunca consegui. Nunca consegui mesmo. Acho que tô fodido desde muito antes do que eu imagino.
Aquela verdade era dolorosa e ao mesmo tempo ambígua. Jungkook ficou pensando no que teria acontecido se ele tivesse conseguido se atirar para longe de e aquela relação ainda no início. Ainda no Japão, quando recebeu aquela ligação de Jaehyun que virou seu mundo do eixo. Ele sabia da possibilidade do amigo estar apaixonado, sempre soube, mas não insistia nisso porque pouco importava. Ele não gostava de . Só estava se divertindo, assim como ela, e foda-se. Sem sentimento, sem competição, sem ciúme. Era uma lógica tão simples, e parecia tão inocente até certo ponto, ainda mais que Jaehyun nunca saberia.
Essa era a parte ambígua. Porque apesar disso, sempre que chegava perto de pensar em acabar com essa dinâmica com , surgia algo escuro e afiado dentro dele. Algo doído, que ia além do que ele podia explicar. Se fosse olhar para fatos resumidos, eles fizeram sexo, bastante sexo, se usaram e se deleitaram um no outro como consta nos autos do acordo, mas o que realmente tinha acontecido, naqueles momentos fora do tesão, ele nunca, jamais, conseguiria colocar pra fora.
Porque foi um tipo de luz e aconchego que ele não sabia que precisava. Foi o impulso de coragem que o permitiu terminar. Seguir. Superar. Voltar. Ela foi demais. Demais para se colocar em palavras. Demais para ficar apenas no coração. Os detalhes dela agora estavam por toda parte, marcados e trancados em lugares que ele já não tinha mais poder de controlar, e só por sentir isso, ah, só de estar sentindo isso naquela hora, já fazia tudo valer a pena.
Só por ser difícil se lembrar como era sua inspiração desfalcada antes dela, já valia a pena. Ele aceitava o título de babaca do ano. Aceitava que era um traidor. Aceitava que era humano.
O sofá afundou quando Mingyu se juntou a ele, ainda balançando a cabeça com um pouco de incredulidade.
— Meu deus, cara. Isso é muito louco e muito barra pesada — comentou, tendo certeza absoluta de que nunca iria superar a imagem de Jeong Jaehyun daquele jeito. Viraria uma memória distante com o tempo, mas ainda seria uma memória muito difícil.
Jungkook tentou dar de ombros, mas isso fazia o olho doer, seja lá como.
— Sei que provavelmente ela vai ficar melhor sem mim. E sei que eu não devia ter dito metade do que disse — suspirou, sentindo um solitário arrependimento, que facilmente se perdia no meio de seu alívio e da leveza que o fazia abrir um meio sorriso novamente — Mas ser honesto foi bem… Bom. Foi bom pra caralho, na real.
— Você ganhou um olho roxo por isso.
— Mas ganhei uma certeza — ele ergueu as costas para cima, virando-se para Mingyu com um outro brilho no olhar. Um brilho de determinação — A certeza de que eu ainda não perdi. Porque ainda não tentei.
— Jungkook… — Mingyu repreendeu após entender. E meu deus, esse cara era doido assim mesmo? Aquele soco tinha tirado uns parafusos do lugar?
Jungkook balançou a cabeça em negação.
— É o que posso fazer, Mingyu — ele se colocou de pé, suspirando pesadamente enquanto agora realmente procurava suas coisas, mesmo que o olho direito já estivesse começando a inchar — Já tô afogado na merda. O que é mais uma gota? Se ela disser não, então é não.
Mingyu queria chamá-lo de louco. Mais do que isso, queria prendê-lo no pé daquele sofá e impedi-lo de fazer algo que o deixasse com o outro olho roxo. Ele não tinha ouvido o que Jaehyun havia dito antes de sair? Não tinha ouvido que a garota estava em outra?
Mas Mingyu não sabia da missa a metade. Não sabia das noites tardias em que a cabeça de era povoada pela imagem e pelo desejo frenético por Jeon Jungkook, um desejo que ia além de uma cama, uma vontade maluca de apenas estar com ele que soava dramática e maluca demais para uma garota tão cética. Também não sabia como tinha sido difícil para Jungkook descer os degraus daquela escada de emergência naquele fatídico dia em que tudo acabou, e em como ele já estava se entregando a ela sem querer, e que agora não tinha mais volta. Ele precisava completar esse trajeto, ainda que não gostasse do destino final.
Mingyu não estava no dia do “você mexe comigo” e não viu aqueles olhos piscando lágrimas quando ela o deu um ultimato. Ele não viu o que Jungkook viu. Que ela se importava. Que tinha atingido seu limite, sim, que estava tentando um novo caminho, sim, mas que ainda esperava uma palavra. Apenas uma palavra dele. E tudo mudaria.
Esperava a honestidade que ele tinha demonstrado há pouco, por mais afiada e egoísta que tenha sido.
Isso o fez rir por um momento. Porque é, as histórias de bêbado de Jeon Jungkook sempre davam um jeito de se entrelaçar.
— Quem diria que você ia mesmo atrás da paparazzi — disse Mingyu, recostando-se no estofado enquanto ria um pouco mais alto — Ainda quer que eu te coloque no melhor manicômio da cidade?
Jungkook olhou para o amigo com um sorriso. E então, sentindo uma pequena onda de felicidade jovem e apaixonada, respondeu:
— Só se for pelo tanto que estou louco por ela.



Mesmo sem escutar claramente, sabia que estavam comentando.
Ela ouviu a voz do senhor Seo, um dos seguranças mais alegres e menos assustadores que já se viu, dizer assim que ela saiu daquele táxi: uau! Acho que não estou adequado para o serviço hoje. Pode me dar uns 20 minutos pra ir em casa me trocar?
Foi então que ela olhou para baixo e viu os saltos. E o vestido. E todo aquele… brilho.
Ah, que ótimo. Ficar com raiva agora fazia sua mente apagar completamente, levando-a a se esquecer até mesmo da dor nos pés com aquele sapato insuportável.
Mas agora já era tarde demais. já tinha aceitado o convite de Changmin, fazendo apenas uma alteração: o lugar. Ela tinha dito a Wonnie que não pretendia trabalhar no sábado, mas que ela poderia dizer caso precisasse de alguma coisa. Wonnie, como sempre, deixou claro que não precisava de ajuda – ainda que precisasse –, porque tinha que mostrar uma certa autonomia para ganhar valorização. ficou um pouco orgulhosa mas, ainda assim, precisava passar lá e torcer para que Wonnie pedisse uma orientação. Qualquer coisa que distraísse de toda aquela coisa desagradável e nauseante que tomava seu estômago.
Em tempos de pré-lançamento, sábado era como qualquer dia útil na grande corporação da Hybe. Talvez por isso, mal foi notada quando entrou no setor, apenas por um carinha escondido atrás de uma baia que parou subitamente de digitar algo no computador, arregalou os olhos para o vestido e, logo depois, voltou ao que estava fazendo.
andou rápido por entre a correria e o barulho de telefonemas e não demorou a avistar Wonnie e seu cabelo colorido a uma cadeira depois da sua, concentrada em algo que a grande pilha de papéis não deixava distinguir.
— Wonnie — ela chamou em voz baixa. A garota bufou forte, sem levantar os olhos.
— Eu disse que já vou pegar o seu café, senhora Song! Será que… ! — ela soltou um grito agudo ao ver a garota parada ao lado da mesa, trazendo olhos antes focados no trabalho para a cena, onde detectou os primeiros cochichos sobre a sua vestimenta anormal. — Meu Deus, que vestido lindo! Onde você estava? Eles estão fazendo uma confraternização por aqui? É fechado? Posso ir? Eu nem trouxe roupa…
— Wonnie — ela trincou os dentes, olhando para os lados com um pouco de vergonha. — Fala baixo.
— Ah, foi mal — a garota se colocou de pé, torcendo a boca com um pedido de desculpas — É que você está tão linda! Não sabia que combinava tanto com saltos.
— Não são bem saltos de verdade.
— Ah, eu sei. Mas ainda são lindos.
Wonnie abanou o ar com as mãos, e de repente quis rir. Aquela garotinha com certeza estava achando que ela nunca tinha andado em saltos de verdade, aqueles encorpados e que a fariam se sentir a nova Andrea Sachs, e nem podia discordar disso. Mas não poderia ir morar com Candice Chaperman se não tivesse nenhum desses guardado para uma emergência.
— E então? — Wonnie chamou sua atenção com o cotovelo, esboçando um sorrisinho sugestivo — Qual o motivo da produção? Está mesmo rolando uma festa?
— Não, eu vim… De outra comemoração.
— Jura? Às 9 da manhã? — Wonnie arregalou um pouco os olhos. A ideia era absurda e ao mesmo tempo interessante.
respirou fundo e mordeu o canto da boca.
— Não, foi ontem à noite e não tive tempo de passar em casa. Você precisa de alguma coisa?
Wonnie piscou os olhos. fez tanto esforço para manter a expressão neutra e ter certeza de que não estava abrindo nenhuma brecha para perguntas demais que sentiu os músculos faciais doloridos. Wonnie abriu e fechou a boca algumas vezes, certamente pensando e repensando um milhão de possibilidades, mas apenas segurou a pasta no peito e balançou a cabeça em um enfático não.
— Tá tudo certo por aqui. Só o Seojun que teve uma discussão com o outro figurinista que disse que as roupas para o performance video da B-side da semana que vem pareciam um pijama. Seojun retrucou e disse que eram as mesmas que ele saía de casa, e aí você já viu. Tiveram que chamar Sooyoung ou a coisa ia ficar feia. Ela disse que as coisas seriam nos termos dela e pronto, os dois ficaram quietos e saíram daqui. Acho que devem ter brigado um pouco mais no corredor, mas não consigo saber porque tive que ficar aqui e começar a montar a planilha do acervo da multimídia que a senhora Song pedi… Ah, Jesus, a senhora Song! — Wonnie arquejou e largou a pasta na mesa. — Me desculpa, , mas preciso ir buscar o café da senhora Song ou ela disse que vai sabotar os meus bolinhos de brócolis. Tudo bem que ela riu logo depois, mas não gosto que brinquem com meus bolinhos. Não com os de brócolis. Nem com os de couve. Então preciso ir.
Ela ajeitou a saia xadrez plissada e disparou para a porta em um piscar de olhos. mal teve tempo de raciocinar e a garota já estava longe demais para que ela dissesse um “tudo bem”. Wonnie era esperta, mas algumas vezes parecia ser facilmente manipulada, e faria questão de lembrá-la depois que, de acordo com os termos de Sooyoung – e os termos dela mesma –, Wonnie era a sua assistente e, assim, não tinha obrigação nenhuma de buscar café para outras pessoas, quanto mais aquelas que ameaçavam sua comida.
Agora sozinha, ela encarou sua mesa organizada ao lado e pensou seriamente em apoiar a bolsa no cabideiro e se sentar ali, procurar algo para fazer e perder horas em uma tarefa que provavelmente não precisava de tanta pressa. Ainda que o escritório estivesse em um aparente caos, sempre cumpria sua parte e deixou coisas organizadas para não ter que se preocupar em pisar ali no sábado de manhã. Porque pensou que estaria ocupada demais nesse dia. Talvez tomando café da manhã com Jeong Jaehyun. Talvez trepando com ele em cima da pia da cozinha. Ou no chuveiro. Ou em qualquer lugar daquele apartamento rústico e lindo.
O plano era estar com Jaehyun. Era isso, ou nada. Isso ou o silêncio de seu apartamento. Mas ficar sozinha naquele momento, depois de tudo aquilo, levaria a fazer coisas que com certeza se arrependeria.
Ainda ponderando entre se sentar e trabalhar como se nunca tivesse falado a palavra folga antes ou ligar para Yoona e perguntar se ela por acaso carregava tênis reserva dentro da mochila gigantesca, o telefone de vibrou em algum canto da bolsa, e ela logo o levou ao ouvido esquerdo sem ler o nome.
— Alô?
Chai latté ou Americano?
Ela suspirou e começou a sair do escritório.
— Me desculpa, esqueci de te avisar. Vim pra agência pra ver se precisam de mim.
E eu imagino que precisavam? — Changmin deu uma risada fraca pelo nariz.
— Pior que não. Minha assistente parece estar se virando bem. Estou descendo agora, me deixa só…
Tá tudo bem, gata. Já tô bem aqui.
— Oi? — apertou o botão do elevador. A porta dupla se abriu em menos de 1 minuto e os dois homens de ternos executivos precisaram segurar a boca para não respirar com força em frente à garota extremamente bonita. — Onde você está?
Aqui embaixo. Por que não me disse que a cafeteria da Hybe se parece tanto com um pub? É mais chique do que muitos bares de Gangnam.
entrou no elevador apressada, apertando o botão do térreo com um pouco de pressa. Estava sentindo a pele quente e dolorida de repente, só pela ideia maluca e não muito convidativa de ficar ali por mais um tempo.
— Olha, se você quiser, a gente pode…
Vou repetir a pergunta, : chai latté ou Americano?
bufou em derrota e logo respondeu:
— Nenhum. Preto, com muito açúcar.



— Senhorita Chaperman! Senhorita Chaperman!
Candice levantou os olhos da tela do computador com um sobressalto. O grito da mulher alta e curvilínea atravessou aquele corredor estreito como um eco no Grand Canyon. Candice quase derramou o próprio café em cima do teclado. Era a primeira vez, em quase 1 semana, que conseguia se concentrar na escrita e revisão de uma coluna, que não se tratava mais de idols, mas sim, da nova matéria prima usada pela Gucci na confecção de saltos altos muito mais resistentes e aparentemente mais amigos do meio ambiente – o que significava que sairiam pelo triplo do preço. Não que Candice não gostasse do tópico moda, mas, bem… Era muito mais interessante falar de pessoas.
Mas ela estava conseguindo driblar esse detalhe naquela manhã, antes de ter a audição bruscamente vandalizada por aquele berro, que logo estava abrindo a porta de sua sala e entrando com tudo, assustando até mesmo Gook Doo na mesa oposta, derrubando luminária e caneta como um perfeito desengonçado.
— Senhorita Chaperman! Graças a Deus você está aqui! — A mulher suspirou de alívio e correu para perto da mesa grande com a plaquinha em vidro indicando a “editora de entretenimento” — Deus, que bom que você está aqui! Eu nem acredito…
— Eu estou aqui, Soo Ah — Candice trincou os dentes com discrição, mas não se controlaria muito caso ela gritasse tão perto da cavidade de seu ouvido outra vez — O que foi? Você quase derrubou o meu café.
— Me desculpe, me desculpe! Eu não pretendia interromper o seu trabalho. Você também, senhor Ahn — ela se virou para o garoto na outra ponta, que ainda tentava puxar todas as coisas que deixou cair — Eu não queria, mas o que aconteceu… Ah, Deus, é uma loucura!
— O que aconteceu? — Candice perguntou rápido, pronta para voltar a atenção à tela. Normalmente, qualquer coisinha desesperava sua secretária. A garota tinha menos de 2 meses de função e chorava por ter imprimido atas de reunião em folhas brancas ao invés de folhas recicladas — Soo Ah, o que diabos aconteceu?!
Soo Ah abriu e fechou a boca várias vezes, deixando Candice ainda mais nervosa. Estava quase se levantando da cadeira e sacudindo a mulher quando ela pegou o celular e raspou os dedos na tela até virá-la para Candice, tão branca quanto as folhas A4 da mesa da editora.
— Min Yoongi acabou de fazer um pronunciamento oficial — anunciou ela, a face talhada em desespero: — Ele confirmou o namoro de vocês.



sentiu a superfície úmida e fria da bebida de Changmin sobre sua pele tarde demais.
Parecia um toque imaginário. Ele tentou chamá-la pelo menos 3 vezes. “. Ei, . Lizaaa!” até encostar o copo suado do frapuccino gelado nos dedos da garota, que encarava o lado de fora por quase 3 minutos direto, focada em tudo e em nada exatamente.
Quando voltou ao mundo real e se virou para ele, Changmin soltou uma risada divertida.
— Caramba, achei que tinha te perdido. Parecia até que você teve um AVC. Mas se suas pupilas virassem pra cima e tudo ficasse branco, eu já pensaria em outra coisa, e não sei o número de nenhum padre por perto — ele deu de ombros e tentou rir o máximo que pode. Tomou um gole de seu café simples para dissipar o momento constrangedor de desatenção em que se colocou sem perceber. Sair com Changmin parecia uma ideia ótima e necessária para fugir do que queria fugir, mas a voz dele começava normal e depois ia se transformando em um ruído, que aumentava e diminuía à medida que ela olhava para fora e deixava a mente se perder sobre a noite passada.
Não do jeito que gostaria que ela estivesse se perdendo, infelizmente.
— Desculpa, eu acho que tô um pouco cansada, só isso. Não dormi bem essa noite.
Mesmo tendo trepado com um cara lindo e gostoso, pensou com frustração.
— Nada que um bom café não resolva — ele balançou a embalagem cheia de gelo na sua bebida, lançando-lhe um sorriso simpático — Ainda mais pra você, que parece mesmo ter tido uma noite agitada.
franziu o cenho até notar que ele desceu os olhos, talvez pela 10º vez desde que ela tinha se sentado do outro lado da mesa, para o seu visual totalmente aquém do padrão. Um vestido chique destacando um rosto sem maquiagem e um cabelo ainda um pouco molhado de pós banho. Talvez estivesse mais óbvio do que pensou de que sim, ela tinha trepado a noite toda com um cara lindo e gostoso, com direito a uma chuveirada e uma escapada rápida.
Nada mesmo seria melhor do que um café naquela hora.
— Mais do que eu pensei — dissera com um espontâneo levantar de ombros, sem vergonha alguma de confirmar todos os pensamentos de Ji Changmin. Tinha sido clara com ele naquele vagão, e seria de novo, se necessário.
Ainda assim, ele não demonstrou um pingo de frustração por saber que ela estava com outro cara. Pelo contrário. Um brilho feroz de desafio se instituiu em suas pupilas num lapso de segundos, mostrando que ele não pretendia cair fora da fila por causa de algo tão bobo quanto orgulho.
— Imagino como você deve ficar quando se diverte. Mas isso é papo pra outro dia — puxou uma pequena bolsa para a mesa, tirando de lá uma câmera preta de tamanho médio — Você sabe o que há de novo no mercado das câmeras digitais?
— O que é isso?
— Essa é uma Nikon F100, a tentativa da Nikon em entrar na fase analógica. Quase tive de dar um braço pra encostar nessa belezinha, e olha que é um empréstimo. A Nikon continua sendo aquele tipo de empresa que só ouve quem quer e quando quer. Eu ainda não tenho 500 milhões na conta para convencê-los de alguma coisa — ele riu com entusiasmo, apertou em alguns botões e girou outros, aproximando a máquina do meio da mesa. — É só um modelo, mas promete um monte de coisas. É compatível com todas as objetivas, tem inúmeras funcionalidades compartilhadas com as outras câmeras digitais, um disparo contínuo mais rápido do que as analógicas comuns, faz fotogramas excelentes, tem modos de autofoco, modos de BKT. E sabe o que finaliza tudo isso? Dupla exposição de luz em um único fotograma — Changmin sorriu como se repetisse números de loteria — Vai estar por todo o canto daqui a pouco. Você vai ver. Só queria que fosse a primeira a experimentar.
aproximou os olhos do aparelho, de repente se esquecendo do que queria prestar atenção antes. Precisava defender o quanto Changmin sabia as horas certas de aparecer. A câmera tinha comandos padrões e reconhecíveis e, ao mesmo tempo, não tão reconhecíveis assim. Parecia algo novo, uma mistureba de passado com presente, normal e anormal. Apagou a mente dela de outros problemas por completo.
passou os dedos pela superfície preta traseira e balançou, ouvindo um “tuc” muito levemente.
— Tem um rolo de cromo. Deixei preparado.
— Uau. Você… Mas você nem gosta de câmeras analógicas.
— Quem disse que não? — Changmin retorquiu. levantou uma sobrancelha — Digo… Claro que sou muito mais fã das tecnologias novas digitais. São meu trabalho, e sou bom em seguir o fluxo. Empresas de moda querem um rosto bonito muito bem evidente, assim como as roupas em total destaque, não em desfoque. E eu normalmente gosto das pessoas. Cada uma é única, ainda que a militância do ramo diga que são todas iguais — ele deu de ombros, com um sorriso confiante — Mas trouxe essa pra te mostrar… E dizer que você pode ter a chance de usá-la.
riu pelo nariz.
— Do que está falando? Como posso usar isso?
— É um tipo de trabalho… informal. Na verdade, gostaria muito que você testasse essa câmera pra mim. Consegui uma chance em um milhão de colocar as mãos nesse protótipo e agora preciso enviar um relatório. É coisa muito séria, do tipo que tem contratos e essas coisas — Changmin explicou, mas continuava com a face em espera. Ainda não via um buraco onde existisse a mínima participação sua naquilo — Gata, esses japoneses fodões da indústria estão tentando se enfiar no mercado de câmeras antigas, mas do jeitinho deles. Adaptando os equipamentos modernos e melhorando o que já era bom. Eles precisam ver o que funciona ou não, o que dá certo ou não e, claro, o porquê devem vender isso ou não. Sabe, o mundo já tá cheio dessas velharias em 35mm, eles precisam de um motivo forte pra soltar isso no mercado e serem minimamente inovadores.
E com o sorriso imenso e animado de Changmin, entendeu o que ele estava querendo dizer.
A boca dela ficou seca como a terra do asfalto castigado pelo calor do lado de fora. Sua expressão se concentrou na de Changmin por mais alguns minutos, esperando que ele prosseguisse e dissesse que “não é bem assim, vou explicar melhor.
Mas o garoto permaneceu calado, curtindo cada instante daquele olhar perplexo que tinha causado nela.
— Quer que eu tire fotos com uma câmera ainda não lançada para um relatório seu? — nem sabe como foi capaz de resumir tudo em uma única frase. Só a ideia causava uma dor de barriga. Um frio que pegava da espinha até a ponta dos pés.
— Eu disse que uma profissional faria o serviço. E tem cachê, não se preocupa — adiantou ele, ficando um pouco mais sério. — Não que eu ache que você faria apenas pelo dinheiro, mas é que é muito dinheiro, sabe? Se você aprovar a câmera para o mercado, eles vão ganhar o triplo. Estamos falando de milhares de dólares, .
— M-meu deus… — deixou as costas desabarem para trás no banco, piscando os olhos um pouco rápido demais — Olha, eu não sei… Eu não sei se sou essa profissional.
— Como não? Vi sua página no Behance. Desatualizada, mas vi. E também vi os trabalhos que fez aqui na Coreia com agências de entretenimento. Não são a mesma coisa, mas dá pra ver o seu toque em cada uma delas. Você faz parte dos dois mundos, tem conhecimento sobre os dois tipos de equipamento, é magnífico — ele afirmou como se fosse a resposta suficiente e o motivo suficiente. continuava com a mesma expressão amedrontada. Uma totalmente hesitante — Qual é, vamos lá. É uma oportunidade perfeita.
Oportunidade perfeita.
tinha certo medo dessa denominação. Tinha aprendido com seu pai que nem todas as oportunidades mereciam esse nome. Tinha entendido completamente esse pensamento quando se deixou levar pelas promessas de James e se infiltrado em uma premiação porque era uma oportunidade perfeita. Não apenas uma oportunidade, mas perfeita. A palavra que faziam as pessoas preferem o juízo por um momento.
Tudo o que ele estava dizendo soava mesmo como uma oportunidade e perfeita, mas ainda assim…
— Por que eu? — Ela se viu perguntando, juntando os dedos em cima da mesa — Gosto muito de você, Changmin. Você é legal e aprendi tantas coisas por sua causa. Mas te conheço há menos de 1 semana e não sei porque você iria fazer essa gentileza comigo a troco de… Bem, eu não sei o que você quer, mas não posso te dar, eu não…
— Changmin enfatizou o nome, e tinha algo diferente e anormal em seu rosto eternamente sorridente. Ele não estava mais sorrindo. Não estava nem com a postura relaxada — Não costumo falar tão sério sempre, acho que você percebeu, mas não vou deixar você ser guiada por essa insegurança. Acho você extremamente linda e atraente desde que te vi segurando aquela Sony Super 8 naquele clube, e ainda admiro suas fotos da minha câmera pela beleza oculta de cada uma delas, e se quer saber, sim, adoraria ser o cara que esteve com você ontem à noite, mas sou conhecido por levar o trabalho a sério e tive sorte de pensar tudo isso de uma mulher com um enorme potencial de sucesso e que está perdendo imensas chances apenas por estar aqui — ele expirou forte, apoiando os cotovelos no tempo. — Me desculpa, mas é a verdade. Eu imagino você rodando o mundo, . Imagino você crescendo e dominando, e não faço ideia se esse é o seu sonho, mas se for, tá bem na sua porta. E eu estou tentando fazer você acreditar nisso. Pode, por favor, acreditar nisso?
relaxou os ombros.
Por muitos anos desde que deixou o Brasil, topou com ocasiões que pareciam boas demais para ser verdade. Quando conheceu Candice Chaperman naquela sala de espera da L.A. Parker, onde duas garotas de polos e vidas completamente diferentes estavam querendo a mesma coisa: independência; quando achou um ótimo apartamento tão perto de seu novo emprego, mas que jamais poderia pagá-lo sozinha se não fosse a mesma loira dizendo que precisava de alguém para que ela não se sentisse tão solitária a ponto de pegar o primeiro avião de volta para o Canadá; quando se enredou durante o dia para dar conta de seu emprego principal e dos vários bicos aleatórias que foram fazendo sua conta bancária encher e encher, colocando-a ainda mais perto do objetivo reunido em uma pasta na área de trabalho do computador: Londres; quando não tinha a menor perspectiva de quando exatamente realizaria seus sonhos traçados em um papel, mas não perdeu tempo em aceitar a primeira proposta duvidosa que lhe fizessem, que na hora soaram como a recompensa de tanto sacrifício.
Em todos os mínimos picos de felicidade de , onde ela tinha certeza de que sua vida mudaria, sua mãe a encarava.
A personificação de um passado assombrado a fazia fechar os olhos e repensar tudo. Trazia o medo do erro e da queda de volta, porque não podia cair. Não podia tomar decisões sem pautá-las um milhão de vezes. Não conseguiria se olhar no espelho e dizer para si mesma algum dia que não deu certo. Que ela não tinha mais subsistência. Que teria que pegar um avião para o Brasil e voltar à estaca zero.
não podia voltar. Não permitia que essa possibilidade nem passasse pela porta.
Mas mesmo com os olhos fechados, ela escutava a voz arrastada de Agda nos pensamentos, ateando pragas sobre sua vida e amaldiçoando por ter ido embora. Por se achar tão boa a ponto de tentar ter uma vida melhor. Era tudo ilusão! Olha pra gente, garota! Não temos absolutamente nada. Precisamos dos outros para sobreviver. Você vai perceber como é patética quando chegar lá fora e ver que não dá conta de acompanhar os outros. Espero que cuide melhor desse cabelo e troque essas roupas sem graça, vai precisar parecer um pouco mais bonita se quiser ganhar dinheiro para o que realmente serve.
Ela sentia como se estivesse caindo nisso de novo. Olhando para uma enorme chance e tendo a vontade de fugir. Não dou conta, pensou ela. Não consigo traçar prós e contras em um intervalo de 2 minutos. Ainda que a promessa do dinheiro fosse um horizonte mais do que tentador para , não seria feliz se pensasse que não o mereceu de verdade.
estava pronta para negar. Ou pronta para dizer que não era apenas insegurança; era medo. O mais leve e puro medo de não ser o suficiente e acabar perdendo mais do que já tinha perdido. Mas essa questão, de repente, pareceu tão absurda e engraçada.
Porque ela tinha perdido. Pra caramba. Mais do que esperou, mais do que imaginou, mais do que quis, e no meio de toda a bagunça que tinha se tornado sua vida nos últimos 2 meses, soube que tanta cautela e medo de perder não haviam impedido que isso acontecesse.
Ela pendeu a cabeça para o lado e puxou a câmera para o colo, sentindo a tatuagem Coragem queimar de repente sob a pele.
— Milhares de dólares, você disse?
Changmin desfez o mal-estar de segundos atrás e voltou a sorrir. havia conseguido acertar algo vital dentro dele.
— Talvez mais.
— Tem peças extras?
— E filmes também.
— Tudo bem — ela trabalhou com os dedos rápidos sobre a superfície da máquina e ergueu na direção do rosto do fotógrafo, batendo um clique num piscar de olhos — Me fala mais sobre o trabalho.
E então, Changmin estava falando e gesticulando com tamanha animação que teve certeza de que só ele tinha. Quando falava sobre trabalho, Ji Changmin conseguia transformar termos complexos em acessíveis, dizendo o que ninguém conseguiria dizer e isso o tornava ainda mais carismático. Em 5 minutos de introdução, uma pasta já estava saindo da mesma bolsa de antes e indo parar no meio da mesa, onde perguntava sobre o básico e recebia uma enxurrada de informações apontadas em cada cláusula e parágrafo. Ela pode notar que, na verdade, o contrato não era para ela. Mas seu nome estava lá, ao lado de Ji Changmin, atestando um tipo de time que ele tinha formado na cabeça, e que estava dizendo o tempo todo que estava aberto a qualquer queixa que ela tivesse por ele ter ultrapassado algum limite.
No momento, ela não tinha nenhuma. Estava curiosa e impressionada, usando aquele tempo para perguntar e se infiltrar naquele plano maluco que já era uma benção só por tê-la feito se esquecer que ainda vestia a roupa de seu encontro quase fracassado e de que estava em um lugar perigoso onde poderia vê-lo.
tinha praticamente se esquecido disso. E, assim que se esqueceu, ele apareceu.
As roupas chamaram sua atenção antes mesmo que ela visse o rosto. desconfiou que era ele pelos tons de preto sempre presentes em algum ponto da vestimenta, mas apenas desconfiou. O cara ultrapassando a porta giratória há muitos metros lá na frente era um pouco… diferente. Usava um jeans rasgado muito maior que suas pernas, botas tratoradas com marcas de sujeira e uma regata quase escondida por um moletom de zíper aberto até o meio do peito. Uma correntinha de prata se balançava pra lá e pra cá à medida que ele apertava o passo na direção das catracas, mesmo que não parecesse alguém que tivesse um crachá de funcionário.
olhou para o rosto. Um boné escuro delimitava uma visão nítida, mas as orelhas cheias de brincos e piercings eram familiares demais, mesmo que houvesse novas joias espalhadas por ele. E uma nova no lábio também, o único elemento visível o bastante na luz do dia. E o cabelo… estava faltando bastante cabelo na nuca, e também ao lado das orelhas. Mas soube que era ele. Estranhamente e indiscutivelmente. Pensou que saberia até mesmo se ele estivesse dentro de um saco de lixo.
E então, toda aquela comida boa disposta em cima de sua mesa de café da manhã não pareceu mais tão apetitosa e a voz de Ji Changmin injustamente se perdeu no vento outra vez.
Há muitos metros daquela mesa ao lado da janela, Jungkook pisava forte no piso na mesma intensidade com que segurava o telefone nas mãos. Esperando uma vibração, esperando que não deixasse seus impulsos gritarem mais alto daquela vez – mesmo que já estivessem gritando. Ele tentou ligar para ela tantas vezes desde que tinha saído do apartamento de Mingyu que aquela voz eletrônica dizendo “este número não está disponível” ficava repetindo em sua cabeça antes mesmo de falar novamente. Estava incapaz de voltar para casa quando percebeu a veracidade da situação: não queria falar com ele. Tinha bloqueado o seu número, erguido a barreira definitiva entre os dois, mais definitiva ainda do que o fato de ter transado com seu melhor amigo.
Esse episódio ainda cozinhava dentro de seu estômago, ardendo junto com o olho direito, o qual ele sabia que já devia ter ido de vermelho para roxo e que precisava colocar o rosto num balde de gelo se quisesse que alguma maquiagem funcionasse.
Ele pensava nisso quando terminou de lavar o rosto no banheiro de Mingyu. Quando pediu o carro do amigo emprestado porque não fazia ideia de onde estava o seu. Quando traçou o caminho do bairro de Sinchon até Seongdong-gu em uma ligação com Polyc, perguntando cautelosamente se ele tinha dito algo que esclarecesse onde ele supostamente poderia ter largado uma Mercedes Benz GT por aí. O tatuador não precisou de mais do que isso para gargalhar e dar uma série de suposições para Jungkook, suposições assustadoras que, caso fossem verdade, acabariam com o pouco de reputação que já lhe restava, e Jungkook mal conseguia se preocupar com isso.
Chegando ao prédio característico de tijolos em que ele já perdeu as contas de quantas vezes havia entrado, o garoto percorreu a entrada em uma mini corrida, passando pela porta automática e marchando na direção dos elevadores, sem ceder mais do que um bom dia para a recepção como sempre tinha feito.
No entanto, daquela vez, as coisas foram diferentes.
— Ei, você! — Jungkook ouviu o grito arranhado de um senhor com menos de 1,65 de altura, rodeando o balcão de madeira até se aproximar dele com um dedo efusivo apontado em sua direção — Para onde pensa que está indo?
Jungkook precisou de alguns segundos a mais para entender aquela pergunta.
— Vou ao 4º andar — respondeu com as sobrancelhas erguidas, e ao mesmo tempo franzidas, porque qual é, aquele homem o conhecia. Não o Jungkook do BTS, mas o carinha misterioso que visitava o apartamento 402 com uma frequência relevante e ia embora de madrugada — O senhor não lemb…
— Claro que eu lembro, seu fedelho! — O grito agora sobressaltou Jungkook ao ponto de quase trazer sua dor de cabeça de volta. Aquele homem o olhava com uma raiva que ele não conhecia. E parecia intimidante demais para alguém que não chegava nem aos ombros do maknae — Mas pelo visto você não se lembra, já que teve a coragem de aparecer aqui! Saiba que já informei a senhorita Chaperman e ela não vai ficar nada feliz quando souber o que aconteceu, muito menos a senhorita , se ela estivesse em casa, saberia disso em um instante. Seu miserável, tive que ligar para a prefeitura e tirar homens de umas horinhas de folga pra consertarem o que você fez, eles não ficaram nada felizes com isso…
E de repente, aquela sensação de vazio voltou ao estômago de Jungkook, um vazio gelado que deixou sua pele automaticamente mais pálida.
— Ah, merda — ele sussurrou para si mesmo, mas tinha sido o bastante para cortar a fala do homem como uma faca. Engolindo em seco, Jungkook se aproximou dele e abriu e fechou a boca algumas vezes antes de pedir, como uma súplica: — O senhor pode, por favor, me dizer exatamente o que eu fiz na noite passada?
E a resposta que recebeu foi tão ridícula, absurda e inesperada que Jungkook não conseguiu mais entrar naquele elevador. Também porque não estava em casa, e também porque nossa, ele nunca se sentiu tão patético em toda a sua vida ao ouvir aquilo. Não sabia se a história tinha sido aumentada pela revolta do homem que teve a paz completamente perturbada por aquele garoto bêbado, mas Jungkook sentia que não. Olhando para as mínimas coisas que se lembrava, tinha certeza que era dali pra pior.
Por fim, ele apenas conseguiu se desculpar da melhor forma que podia e deixou uma transferência de quase 50 mil wons com o senhor antes de agora literalmente correr de volta para o carro.
Meu Deus, como ele era um idiota! Sentia falta de quando seus motivos para encher a cara fossem um álbum finalizado ou uma nova tatuagem.
Em seguida, ligou para Mingyu de novo e pediu que ele fosse de táxi até a rua a algumas quadras de Polyc e levasse a Mercedes de volta para o apartamento. Ele prometeu contratar uma chef de cozinha bem bonita e ateísta para ir a cada duas noites fazer o jantar favorito dele por um mês antes que o amigo começasse a xingar.
E então, estacionando no meio fio em frente ao edifício de vidro da Hybe e entrando pela porta da frente como qualquer pessoa normal, Jeon Jungkook já tinha voltado a pensar em uma única coisa: .
E que aquele era o único lugar onde ela poderia estar agora.
Naquele momento, era a única coisa que enxergava antes de quase trombar com um tórax que invadiu sua panorâmica, fazendo-o parar bruscamente antes mesmo que chegasse às catracas repletas de seguranças.
— Até que enfim te achei — Namjoon arfou quando segurou nos dois ombros de Jungkook, com uma expressão atenuadamente aliviada — Onde você estava? Não leu as mensagens no Kakao? A gente precisa se reunir agora, você não vai acreditar no que aconteceu, o Yoongi…
— Reunião? Agora? — Jungkook perguntou apressado, fazendo uma careta de “não, pelo amor de deus” sem perceber, e uma que Namjoon igualmente não notou, já que o rosto do maknae estava quase totalmente escondido por baixo de um boné e… Aquilo era óculos escuros? — Você pode esperar só 15 minutos? Vou dar uma passada na sala de multimídia, a gente…
— Sala de multimídia? Tá doido? Claro que não, Jungkook! — Namjoon apertou ainda mais os dedos em seu ombro antes que o garoto tivesse a chance de se mexer — Você não tá entendendo, é um código vermelho. Yoongi enlouqueceu! Você não tá ouvindo?
— É claro que eu tô ouvindo, cara, só vou dar uma passada muito rápida e muito importante lá, e talvez no setor de criação, prometo que me encontro com vocês em 5 minutos, então que tal…
— Espera aí — agora Namjoon precisou puxá-lo pelo casaco para fazê-lo voltar, vasculhando aquele rosto intencionalmente escondido e a cabeça intencionalmente mais baixa que o normal, deixando sua própria pressa de lado para apurar o cheiro que escapava de Jungkook naquela manhã.
Era o cheiro de alguém que tinha passado a noite inteira sentado na calçada de um posto de atendimento na saída da cidade, bebendo e carbonizando os pulmões até altas horas da noite.
Mas ele já tinha feito isso antes. Muitas vezes.
Namjoon puxou os óculos redondos em um movimento ninja, abrindo a boca em espanto logo em seguida.
— Mas que porra é essa?! — O grito foi mais alto do que ele esperava, fazendo-o olhar para os lados no segundo seguinte enquanto puxava o garoto para um outro canto afastado da entrada.
— Ai, merda… — Jungkook trincou os dentes em derrota. Não havia momento pior e pessoa pior para vê-lo naquele estado. — Eu posso explicar…
Namjoon ainda parecia espantado demais para falar. Tinha muitas coisas a falar, é claro, coisas que sairiam de uma vez só antes que ele se lembrasse de fazer respiração diafragmática e mudasse o tom e as palavras, mas antes disso, ele só conseguia olhar para aquele inchaço grotesco no olho do amigo, uma contusão que era acompanhada por uma fissura no lábio e alguma coisa também inchando na maçã do rosto, um conjunto de coisas que não o deixaram pensar direito.
Merda, Jeon Jungkook!
Namjoon se aproximou dele, e seu semblante não tinha nada de agradável.
— Lá pra cima. Agora.
Jungkook bufou forte, pegando os óculos escuros de volta.
— Qual é, Nam… — choramingou.
Agora, Jungkook! — e sem abrir brecha para mais argumentos, o líder fechou os dedos na curva do cotovelo do garoto, agora puxando-o na direção das catracas, onde não precisavam de nenhum cartão de identificação para atravessarem em direção aos elevadores.
Do outro lado, observou os dois se afastarem com agora a palidez e o coração descompassado de quem observava uma situação que não entendia, mas julgava grave. Seus dedos apertavam a barra da mesa com força enquanto segurava o corpo na cadeira, arregalando os olhos na direção daquilo que a luz a tinha permitido ver por um lapso de segundos, e apenas porque ela já estava olhando para ele.
Um olho roxo. Um rosto machucado. Um lábio inchado e brilhando em um hematoma.
A mente de viajou há vários quilômetros dali e ela percebeu apenas quando os dedos de Changmin se fecharam em seu pulso, trazendo-a de volta com a pergunta:
— Ei, pra onde você está indo?
Indo?!
olhou para baixo. Estava de pé. De pé e prestes a andar, pelo visto, sabe-se lá para onde, sabe-se lá porquê! Só sabia que toda a irritação e raiva que sentiu ao ver a imagem de Jeon Jungkook no mesmo recinto tinha se transformado em pânico e preocupação com o vislumbre daquele rosto que Namjoon foi tão diligente em tirar de seu caminho.
Passado o momento de cegueira e adrenalina, voltou a se sentar, um pouco constrangida.
— Não, eu não ia… Me desculpa, achei ter visto alguma coisa.
— Alguma coisa? — Changmin virou a cabeça para trás na mesma hora, e estreitou os olhos ao vasculhar todo o ambiente da cafeteria, até ver algo que lhe parecia um pouco familiar — Ei, aquele ali não é Namjoon? E o… — tarde demais. As portas duplas do elevador tinham acabado de se fechar, mas Changmin teve certeza de que o líder pacífico do BTS não estava com a expressão nada tranquila — Deixa pra lá. Era isso que você viu? Caramba, achei que já tinha o autógrafo de todos eles, gata. Até pensei em tirar uma foto, mas acho que se virem um flash nesse andar, vão mandar aqueles seguranças todos pra cima de mim. Você não acha?
O estado entusiasmado de Changmin o impediu de reparar em e seu rosto contemplado ainda de palidez e, repentinamente, de desalento.
— Podemos ir embora? — Ela já estava puxando bolsa e carteira antes que ele abrisse a boca para falar mais alguma coisa. Seu coração estava em um estado de balbúrdia. Precisava sair dali — Juro que te pago um fast food há menos de 7 minutos daqui e continuamos a conversa da proposta. Só… vamos embora.
Ela não queria deixar claro o quanto necessitava disso, mas Changmin não demorou a assentir e concordar, ainda que achasse estranho.
— Ahm… Tá, claro, tudo bem. Só guarda essa carteira, por favor? Devia existir uma multa policial para a mulher que quisesse pagar a conta de um convite. E conheço um restaurante perfeito onde podemos ir para ficar até o almoço, só senta aí que vou chamar um carro, eles devem chegar em menos de 5 minutos. Só vou… — Changmin falava enquanto puxava o telefone. Na hora em que desbloqueou a tela, sua voz quebrou antes de terminar a frase, e ele leu e releu o que estava ali em completa paralisação — Oh-oh.
Ele olhou para ela com apreensão. franziu a testa.
— O que foi?
O fotógrafo pensou no que dizer, mas optou apenas por passar o celular para ela e inspirar lentamente pelo nariz.
— Parece que a nova editora da Vogue vai ter muito a responder.



— 4 dias! Eu te pedi 4 dias, Jungkook!
Namjoon esbravejou agora dentro do cômodo seguro do estúdio do grupo. Era grande o bastante para que sua voz se espalhasse por cada centímetro da sala, e selado com tecnologias acústicas para que ninguém ouvisse caso o líder desejasse estrangulá-lo.
Jungkook se jogou em uma das cadeiras acolchoadas fora do alcance de Namjoon, totalmente derrotado, ainda que não adiantasse muito, já que o líder continuava gesticulando com os braços e andando de um lado a outro insistentemente.
— Você não pediu…
— Achei que você era adulto suficiente pra se lembrar, cacete. 4 dias para a Califórnia! Para o Grammy! Custava muito você não ser um delinquente até lá?
— Eu já disse que posso explicar…
— Vai explicar o quê? Porque saiu no braço com seja lá quem quando estava bêbado por causa de um motivo que eu prefiro nem saber? Pelo amor de deus, olha pra você! — Namjoon apontou os braços para ele com perplexidade, esvaziando os pulmões com força como se o oxigênio estivesse mastigando seus músculos — Senti o cheiro de baseado em você desde lá embaixo! Como não quer que eu fique estressado assim?
— Cara, eu… — Jungkook tentou dizer alguma coisa que não fosse tão patética quanto um pedido de desculpas, mas o olhar faiscante de Namjoon o deixou amedrontado de repente, tão amedrontado quanto a conversa com o porteiro do prédio de . Enquanto era arrastado para aquele cômodo como uma criança pirracenta, ele tentou fazer um plano tomar forma, uma explicação que o livrasse de mais perguntas e que o fizesse ganhar 15 minutinhos rápidos até a sala de multimídia, mas, no fim… — Tá legal, fui um merda, eu exagerei um pouco, mas vai sarar nos próximos dias, pelo amor de deus. Acha que eu nunca passei por isso? Um pouco de gelo, analgésicos e tempo, e pronto. Infelizmente, não posso ficar escondido no banco de trás da van no grande dia, então vai ter que confiar em mim.
Namjoon pareceu ainda mais furioso.
— E como você quer que eu confie em você com ainda 4 dias pela frente? O que vai ser amanhã, uma perna quebrada? Um nariz, uma clavícula, mais sangue nesse lábio? Vou ter que montar guarda na sua porta pelo resto da semana? Pelo amor de deus…
— Eita, o que tá rolando aqui? — A voz de Jin entrou no espaço antes que Jungkook retrucasse alguma coisa, algo que certamente não inspirasse confiança nenhuma. — Daqui a pouco, os carniceiros que estão se amontoando lá fora vão ouvir vocês.
— Ai, que merda — Namjoon expirou forte pelo nariz, o ânimo do resto do dia escorrendo pelo ralo. Deveria ter conversado melhor com Yoongi a partir do momento em que o vestido de lantejoulas de Candice apareceu na primeira página da Dispatch depois da festa e deveria ter raptado Jungkook a partir do momento em que comprou uma Indian Scout.
Vendo por esse ângulo agora, estava na cara que um daqueles dois já estava no limite para fazer o que estavam fazendo.
Jin caminhou preguiçosamente pelo estúdio até puxar a cadeira vizinha de Jungkook e se sentar. Quando se virou para o mais novo, olhou uma vez e estava pronto para olhar para Namjoon, mas reparou direito naquelas linhas púrpura de inchaço agora um pouco mais expostas pela luz fluorescente e sem os óculos.
— Minha nossa — Jin arfou, agarrando nos braços da cadeira de rodinhas e se aproximando de Jungkook. Olhou pra ele pelo que pareceu horas até abrir a boca e soltar uma gargalhada estrondosa — Caraca! Tá parecendo aquele cara do Justiceiro! Você foi assaltado ou alguma coisa assim? Puta merda, isso tá horrível.
— Nossa, que engraçado — Jungkook estreitou os olhos para Jin e suas risadas inacabadas. Talvez, se o fizesse engolir aqueles dentes, seria uma distração suficiente para que ele tivesse tempo de escapar daquela sala e fazer o que queria fazer desde que tinha deixado a casa de Mingyu.
Mais um par de passos adentrou no cômodo antes que o garoto tivesse a chance de reclamar mais um pouco, e desta vez, seu rosto fora do comum foi a primeira coisa a ser avistada.
— Meu deus, o que foi que você fez? — Hoseok arquejou como Jin, guardando o telefone nos bolsos da bermuda enquanto arqueava as duas sobrancelhas para cima. — Na verdade, o que foi que fizeram com você? Cacete, parece que acabou de sair de um porta-malas. Isso deve ter doído pra caramba.
— Se não tivesse cortado o cabelo, dava pra disfarçar mais — Jin fez menção de arrancar o boné escuro do maknae, mas Jungkook afastou sua mão com um tapa.
— Eu concordo — Hoseok riu junto, deslocando-se para uma cadeira perto dos outros dois, igualmente longe de Namjoon e de sua respiração barulhenta. Ao notar que uma conversa particular começava a ganhar força entre os 3, o líder grunhiu ainda mais alto.
— Dá pra vocês pararem de rir? Isso é sério, olha a cara desse fedelho! Como ele vai viajar assim?
— Ah, Nam, isso é o de menos — Hobi deu de ombros. — Ele pratica boxe. Até parece que nunca levou um soco antes.
— Caramba! Tommy errou tanto a mão assim? Ele te deu uma surra — Jin franziu a testa, pronto para rir novamente. Jungkook umedeceu os lábios e respondeu com a voz baixa e um pouco envergonhada:
— Não foi o Tommy.
E antes que um dos três membros pudesse tirar a dúvida, mais um deles pisou com força para dentro da sala, fechando a porta em uma batida alta e aborrecida.
— Tô aqui! — Jimin falou alto, ajeitando a touca de lã na cabeça que escondia quase completamente os fios loiros de seu novo corte. — Eu juro, quase tive que virar o homem-formiga pra passar por aqueles malucos lá fora. Nem sei como não me reconheceram, mas se encostarem no meu carro, eu vou colocar na conta de quem?
— Como iriam te reconhecer com essa calça, cara? — Hoseok apontou para a calça larga de malha do amigo, estampada de rosa pink com bolinhas brancas. Ele parecia ter literalmente acabado de levantar da cama.
— Que seja! Juro que vou matar o Yoongi. Tô pouco me lixando pra hierarquia social, ele vai… — Jimin arrastou os chinelos para o meio do aposento até parar de frente para Jungkook, quebrando sua fala na mesma hora. — Que merda é essa, cara? Não mandaram isso no grupo do Kakao! Que porra você fez?
Jungkook revirou os olhos de novo. Nunca quis tanto a oportunidade de se esconder do mundo, ou de pedir para alguém buscar um saco de papelão com dois furos para os olhos para que conversassem logo o que tinham de conversar sem reparar nele e se livrar daquela sala de uma vez por todas.
Mas se olhasse em volta e realmente considerasse sua situação, veria que não tinha saída. Ele era o réu e estava cercado de inquisidores.
— Valeu, cara, eu tô bem, eu tô ótimo, obrigado por perguntar — ele respondeu entre dentes, olhando para Hoseok e Jin pelo canto do olho pela indireta. — E acho que o papo aqui não é sobre mim, então a gente poderia só…
— Não pensa que você vai escapar tão fácil dessa, Jeon — Namjoon interpôs novamente, e sua voz estava ligeiramente mais baixa. Uma oitava a menos, mas estava mais baixa e controlada. Com certeza deve ter feito um de seus rituais de respiração disfarçadamente enquanto todos se ocupavam em reparar nas feridas do maknae — Tem sorte de termos problemas mais urgentes no momento. Cadê a porra do Taehyung?
— Esquece. Jennie tá na Coreia — Jimin respondeu, jogando-se em cima do tapete — O que significa que ele desligou o celular e só vai aparecer daqui há dois dias.
— Eles não tinham terminado?
— Eles terminam e voltam o tempo todo, cara. Antes de viajarmos, eles devem terminar de novo, mas até lá ainda vão trepar muito naquela cobertura dela.
— Cachorrada do cacete — Namjoon soltou e bagunçou um pouco o cabelo, exibindo o mesmo aborrecimento de antes. — Ah, que pesadelo.
— Acho que o coraçãozinho dele tem um espaço a mais pra ela. Nunca vi tanta disposição pra brigar mesmo depois de meses sem se ver — Jin esticou as costas no banco, falando para ninguém exatamente.
— Eles brigam porque não resolveram a briga passada, e pausam essa nova briga com um outro sexo de reconciliação. Essa é a linha tenebrosa de raciocínio do relacionamento deles — Hoseok murmurou enquanto tinha os olhos grudados no telefone. — Quer dizer, quem sou eu pra julgar? Nunca tive um relacionamento, conturbado ou não.
— E aquela garota que te larg…
— Shiu! Cara, que gatilho! A gente não fala disso!
— Por que não? Acabou de dizer que nunca teve um relacio…
— Dá pra gente parar de falar de relacionamento, por favor? — Namjoon interrompeu novamente, erguendo os braços grandes para os lados para chamar mais atenção — Sei que já passamos por mil e um boatos de namoro, sei que é perigoso não apenas pela nossa posição, mas porque transformam as pessoas conosco em alvos e mesmo assim, estou pouco me lixando pra quem vocês namoram ou deixam de namorar. Só que estamos prestes a entrar em um avião pra tentarmos algo que nunca tentamos antes, e nossos nomes deveriam ser destaque dos jornalistas única e exclusivamente sobre nossa nomeação e nosso novo álbum. Não podemos ficar fugindo de perguntas pessoais a noite inteira. A caçada humana pelo nome de seus parceiros vai causar danos pra gente e para todo o resto. Sabemos como é isso — ele encarou Jungkook na mesma hora, não como acusação, mas um clamor a todos os outros — Eu realmente… Não esperava lidar com isso hoje. Não sei como vocês estão vendo a situação, mas tô um pouco nervoso. Preciso confessar. Não digo que Yoongi não deveria fazer o que fez, mas não nesse momento. Não com tanta atenção. Fico preocupado por ele… Não sei como resolver isso.
A sala entrou em um silêncio tenso por alguns minutos. Sempre era difícil ouvir aquelas palavras saídas da boca de Kim Namjoon: não sei o que fazer. Não sei como resolver. Era notoriamente um pouco desesperador ter o seu líder, o ponto de equilíbrio e junção de todo o grupo, em uma posição onde não sabe como lidar com alguma situação, forçando a todos a pensarem juntos, mesmo sem ter por onde começar.
Jungkook, mais do que todos, não estava sendo capaz de formular nada. Primeiro, porque ainda estava um misto de ansiedade e agonia para segurar as pernas naquela cadeira e não ir atrás do que realmente queria, porque entendia que a situação era maior do que suas decisões extracurriculares e ele precisava pensar nos outros. No entanto, por outro lado, o garoto foi tomado por um déjà-vu à medida que ia afastando o pensamento de e focando naquela sala, no rosto dos amigos, na expressão irada de Namjoon, tudo que remetia a uma mesma reunião da mesma temática há alguns meses atrás. Uma reunião onde ele era o motivo, ele e seu relacionamento recentemente descoberto e exposto.
Apesar de ter a mesma carga de estresse e tensão que tinha naquele momento, a história de Jungkook tinha mais chances de ser resolvida pelo simples fato de que não houve confirmação, não da parte dele, como bem foi instruído por todo o alto escalão, por mais que ele quisesse muito colocar a boca no trombone. Esse foi, de longe, a pior parte da situação: ter que segurá-lo para não falar. Para não berrar que sim, ele tinha uma namorada, e sim, ele a amava e pretendia ter uma vida com ela, e que se as milhões de pessoas que diziam que o amavam realmente sentissem isso, que aceitassem a situação e fossem viver as próprias vidas.
Não, ele não podia fazer isso. Não podia bagunçar mais as coisas. Tinha recebido uma penca de conselhos e ameaças caso decidisse fazer isso. Era um futuro que não valia a pena encarar, não na fase boa em que estavam, por mais que nada estivesse bom para ele. E Min Yoongi estava no meio disso tudo, observando tudo, absorvendo tudo, presenciando tudo.
Mas sem dizer mais do que o necessário. Sem ceder nenhum conselho desesperado sobre o que Jungkook deveria ou não deveria fazer.
Talvez Yoongi não quisesse mesmo se meter na história. Talvez não soubesse o que falar sobre algo que não podia dizer que viveu. Talvez não quisesse fazer suposições sobre o futuro.
Talvez não achasse nada daquilo justo e apenas não quisesse expressar a única opinião do contra.
Estarem reunidos ali por causa dele era, por si só, um baque. Inesperado, para não dizer o mínimo. Se fossem se reunir por causa de um membro que estivesse causando problemas, Jungkook ou Jimin teriam sido uma aposta melhor.
Mas o fato da informação ter saído diretamente da boca de Min Yoongi mudava tudo. Transformava a situação em nova. Um pouco urgente. Ninguém sentiria falta de uma informação pela metade – o namoro exposto de Jeon Jungkook parecia algo tão distante para aqueles que apenas passaram os olhos pela revista ou os olhos que foram facilmente ofuscados pela bomba de novidades que a empresa despejou em cima do público. Boatos passavam facilmente. Verdades nem tanto.
— Olha… Acho que a gente devia se acalmar — Jungkook se viu falando no automático, quebrando o silêncio e trazendo todos os olhos para si. — Vai ser pior ainda se a gente se exaltar sem tentar entender. Yoongi com certeza vai ter uma explicação, e se não tiver… Não podemos simplesmente só apoiar?
— Você só tá dizendo isso porque…
— É, porque eu quis que me dissessem isso naquela época — ele retorquiu para Namjoon, respirando fundo — E tudo bem, tudo estava uma loucura, não sabíamos como agir porque nunca tínhamos passado por isso, e os problemas públicos de cada um acabam respingando nos outros, mas… Não vou julgar Yoongi. Não posso. Se quiserem fazer isso, tudo bem, eu compreendo, mas não vou participar.
Namjoon dilatou as narinas por um instante e se apoiou nas costas de uma cadeira, mordendo o canto da boca enquanto fitava o mais novo e pensava no que dizer – sem palavras duras ou nada que o deixasse mais aborrecido. Contudo, Hoseok falou na frente:
— Não estamos aqui para julgá-lo.
— Talvez só um pouquinho — Jimin fez uma careta.
— Ele podia ter falado com a gente antes — Jin deu de ombros. Namjoon assentiu lentamente com a cabeça. — Acho que ia me deixar menos preocupado de ver 150 mensagens no Kakao sem mais nem menos.
— Ele sempre entregou tudo com capricho. Sempre fez o dever de casa pontualmente — Hoseok continuou, metendo as mãos nos bolsos do moletom — Ele deve ter alguma explicação.
E, de repente, as vozes de Jimin e Hoseok começaram a se embolar em concordância, ao mesmo tempo que Namjoon murmurava explicações do porquê era crucial que um membro mais velho desse o exemplo, e em como Jin fazia careta diante daquela proposição porque, oras, ele era o mais velho, e não tinha interesse nenhum em ser sério e dar conselhos na maior parte do tempo.
E, no meio disso, Jungkook afundava as costas na cadeira, desistindo da ideia de sair dali em um tempo hábil, segurando a vontade estrondosa debaixo da língua de virar para todos e dizer que Yoongi não era obrigado a ter uma explicação. Nem motivos plausíveis. Ele só quis. Só estava cansado. Talvez tenha se cansado de mais coisas do que Jungkook era capaz de mensurar.
E no meio das vozes sobrepondo-se umas às outras, um par de tênis Air Jordan deslizaram pelo piso de madeira em passadas lentas e discretas, sendo notado apenas quando o barulho da porta foi fechada de novo e cessando as vozes ao redor.
— E aí, gente — Yoongi cumprimentou em voz baixa e cautelosa, vasculhando todos os pares de olhos na sala. — Tenho uma coisa para dizer.



— Você tem certeza que está bem? — apoiou o telefone entre o ombro e o pescoço enquanto deixava o táxi laranja e o agradecia com um aceno de cabeça. Ouviu Candice bufar alto do outro lado da linha.
Bem é uma palavra muito forte, . Misturei conhaque com camomila faz 10 minutos, talvez eu tenha uma síncope antes do fim do dia.
Ela estava com a boca cheia. sabia exatamente o que ela estava comendo sem precisar perguntar. Quando ficava muito nervosa, Candice Chaperman cedia a impulsos muito normais entre mulheres obcecadas por aparência, mas em seu caso, o buraco não era tão embaixo. Ela devia estar apenas mastigando raivosamente um hambúrguer empoeirado de um fast food qualquer, a única refeição que poderia ter sem necessariamente sair do escritório.
Mas ceder a um fast food não era um significativo de calma. Aquela coisa serviria apenas como alívio temporário e não ajudaria nada para melhorar o humor de Candice até o fim daquele dia de caos.
Céus, ainda não era nem o horário de almoço!
— Por favor, me diga que Gook Doo está do seu lado — trocou a posição do telefone à medida que andava um pouco mais devagar em direção à entrada do prédio, segurando a caixa com seu novo protótipo com todo o cuidado que conseguia manipular ainda com aqueles saltos. — Preciso que ele não te deixe cometer uma loucura.
O que seria uma loucura pra você, ? — Candice trincou os dentes com um agudo evidente, ao mesmo tempo que algum telefone tocava ao fundo, parando quase imediatamente com o som de um clanc! Ah, que droga. Que pesadelo, essa merda não para de tocar, mesmo que Soo Ah não me passe ligações. Tive que fechar todas as cortinas dessa maldita sala cheia de vidro porque virei a mais nova atração de um zoológico. E é óbvio que Gook Doo está aqui. Até então, foi o único que não me fez perguntas.
— Ele não precisa fazer — grunhiu quando quase tropeçou para dentro, topando com as mesmas caixas de correio as quais foram testemunhas de sua raiva há quase 2 horas atrás. Parecia ter sido um acontecimento da semana passada. As coisas simplesmente se acumularam em uma única manhã. — Me diga que existe algum jeito de você sair daí mais cedo hoje.
Vai existir um jeito, . E estou pouco me fodendo se vão me julgar de anti profissional por isso. Estou sendo observada — ela frisou a palavra, e mais um clanc! do fone voltando para o gancho foi ouvido antes que o toque chegasse na metade. — Tomaram a merda do conhecimento de que a namorada de um astro trabalha bem debaixo dos seus tetos, deve ser difícil fingirem normalidade. Eu não acreditaria se me contassem. Mas ainda assim… Argh! Sabe o que é pior? Yoongi não está me atendendo. E aquele desgraçado nem me avisou que pretendia fazer isso Só deixou um SMS idiota dizendo “Vou te explicar tudo mais tarde”.
andou mais rápido pelo hall, agora também tentando equilibrar a pequena embalagem de muffin que Changmin gentilmente passou pelo seu braço direito quando ela trocou os planos repentinamente e decidiu que não seria uma boa hora para um almoço no restaurante descolado onde ele garantia que a sopa de mariscos havia varrido do mercado o arroz tradicional coreano.
Mesmo se sentindo tentada por esse exagero, não podia ignorar Candice. Não podia ignorar aquela situação cataclísmica.
— Vocês precisam conversar — disse ela, finalmente chegando em frente aos elevadores, ambos parados em algum andar acima. — Aliás, vão conversar. Ele deve ter seus motivos. E as coisas não são tão ruins assim, você sabe.
Precisei privar meu Instagram.
— Você já tinha feito isso depois das fotos na festa.
Eu sei, mas ainda continua sendo um absurdo — Candice arfou, e algumas vozes agitadas de fora se enredaram na ligação, obrigando-a a abafar o som com uma mão e responder a quem quer que fosse. — Ok, vou precisar voltar para os meus documentos como se nada estivesse acontecendo e torcer para que Eunji não queira falar comigo. Se bem que não há o que falar, mas ainda acredito na capacidade deles de inventarem alguma coisa. Min Yoongi vai me pagar, . Vou abraçá-lo e beijá-lo até perder o fôlego, sim, estou animada pra caralho, sim, mas ele vai se ver comigo por não entender a palavra colaboração em um relacionamento. Vejo você em 1 hora.
— Tudo bem, vou preparar a cerveja — ouviu o clique da ligação encerrada no momento seguinte, olhando para cima em busca do número que estava demorando demais a descer. Uma de suas pernas balançou insistentemente de ansiedade, e não era apenas porque a caixa estava pesada, ou que os saltos estavam infernais ou que ela ainda estava digerindo o que Yoongi tinha aberto para o mundo. Era por tudo, cada mísera coisinha e mísero detalhe daquela manhã que pareciam errados demais para ignorar. Claro, tirando o namoro de Candice e Yoongi.
Aquele cara cético e sistemático abriu o coração para milhões de pessoas, sem se importar com as regras e protocolos que faziam parte rígidamente de sua posição. Yoongi tinha cagado para posições! E não se sentia pronta para ler as reações que isso estava causando na internet. Não queria que isso deixasse Candice arredia ou com medo.
De alguma forma, isso a fazia pensar na própria vida.
Ela olhou para o outro único elevador parado um pouco mais perto, apertando o botão para ver se alguém se mancava nos andares acima e liberava aquela coisa para que ela pudesse soltar aquelas caixas e respirar fundo no formato de um grito no travesseiro.
No entanto, antes que o elevador se mexesse, um grito apressado e ofegante surgiu em suas costas:
— Senhorita . Senhorita, que bom que te encontrei — o senhor Ryu se aproximou rápido, apoiando-se em sua inseparável bengala. — Não a vejo desde ontem. Mandei uma mensagem para você e a senhorita Chaperman sobre aquele caso terrível de urgência dessa madrugada. Sinto muito pelo que aconteceu, mas já consegui dar um jeito. Se a senhorita quiser, aquele cara nunca mais pisa aqui.
franziu a testa na mesma hora, por um momento se perguntando se aquele homem, sempre tão simpático e solícito, estava mesmo falando com ela.
— Como… Do que o senhor está falando? — Olhou rapidamente na direção do balcão da recepção, completamente vazio a não ser por um monitor escondido atrás de um vidro, um telefone fixo e alguns vários livros de registros. — O que aconteceu?
A expressão minguada do homem se contorceu em desânimo.
— Não verificaram as minhas mensagens, não é? São da administração, senhorita. Precisam ser lidas — resmungou ele, suspirando pesadamente logo depois. — Prezamos pelo bem estar de todos os nossos moradores, e mesmo que aquele rapaz esteja acostumado a vir aqui, a situação muda quando ele aparece completamente embriagado às 3 da manhã e faz as coisas que fez. Mesmo que a senhorita tenha autorizado.
sentiu um notório frio na barriga, segurando a caixa da câmera com mais força.
— Que rapaz? — perguntou, afastando aquele nome acima de todos.
— Como que rapaz? O que anda de preto e tem aquelas tatuagens no braço, ora essa. Quem mais poderia ser? É uma das únicas visitas autorizadas ao 402. E ele nunca causou problemas antes, mas ontem apareceu aqui tarde da noite chamando pela senhorita, e nem sei como chegou aqui, porque ficou repetindo alguma coisa sobre pneus furados e gasolina, e depois se sentou ali fora por uns bons minutos até que eu o mandasse embora. Mesmo depois de ter tropeçado no vaso de plantas e nas latas de lixo seletivo. Foi um pesadelo!
Agora o frio ficou mais real do que nunca. sentiu uma brisa fraca por trás das orelhas, indicando as portas duplas metálicas do elevador se abrindo e a indicação de que poderia, enfim, subir. Mas agora suas pernas estavam presas no chão, e sua mente parecia estar girando doze vezes mais com as palavras: não, não, não…
— J-Jungkook? — ela baixou o tom de voz, rouca e chocada. — Ele esteve aqui ontem?
— Ele subiu até o seu apartamento — explicou o sr. Ryu, um pouco cansado e aborrecido por ela ainda não estar entendendo a gravidade do cenário. — Fui buscar o meu café para enfrentar mais um expediente com beisebol de má qualidade na TV e quando vi, ele já estava dentro do elevador. Fazia um barulho terrível com aquelas botas e me adiantava coisas ruins. O pequeno Gon também estava junto comigo e disse que o rapaz estava completamente bêbado, mas tinha liberação. Decidi acompanhar a câmera de segurança do corredor e o vi ir até a sua porta e bater e bater, mas ninguém o atendeu. Fez um escândalo sem tamanho. 3 vizinhos nos ligaram reclamando da gritaria e precisei intervir. Infelizmente, foi depois da desgraça acontecer.
Qualquer cor não existia mais nas bochechas de . Ela ainda estava presa na primeira linha do relato: Jungkook esteve aqui?
— Que desgraça?
O velho bufou alto e revirou os olhos, o que não era muito intimidante considerando sua estatura, mas sentiu-o raspar a barra de madeira da bengala por seus calcanhares e ouviu um murmúrio: venha comigo.
Ele andou até o interior do balcão cercado pela divisória de vidro e se sentou em frente ao computador, digitando algo rapidamente até a tela ser ocupada por vários quadradinhos de vídeos em movimento, e com mais um clique, selecionou um deles para ser aberto em tela grande.
prendeu a respiração.
Jungkook era uma silhueta cambaleante em direção à porta de seu apartamento, apoiando os braços na parede enquanto movia a boca na direção do olho mágico. Sem som, não dava para ter ideia do que ele falava, mas pelo movimento de seu pomo de adão, não eram frases normais. Estava gritando. E pela força que sabia que ele tinha, aqueles socos que começou a desferir na madeira não podiam ser nada discretos.
Minha nossa. Minha nossa, ela estava mais pálida do que aquelas paredes.
Queria perguntar alguma coisa, mas só conseguia focar naquele Jungkook e seus punhos batendo insistentemente na porta, por tantas vezes que ela achou que o vídeo estava apenas em looping infinito. Até que, finalmente, ele pareceu se cansar por um momento e apoiou a testa na superfície, ainda mexendo a boca e ainda com os punhos fechados ao lado do corpo, exibindo uma expressão tão perdida e desesperada que fez o próprio coração de quase parar de bater.
O que veio depois talvez tenha sido o motivo para toda a raiva do senhor Ryu.
Parado de pé, Jungkook virou o tronco para trás quando tentou puxar alguma coisa dos bolsos, e ninguém saberia explicar como, em uma sequência de movimentos tão simples, o garoto foi capaz de tropeçar no pequeno tapete de boas vindas e enredar uma perna na outra, fazendo-o tombar para trás e cair sentado, levantando uma das mãos para conseguir se apoiar em alguma coisa. Lamentavelmente, essa coisa foram as folhas dispersas de um enorme bambu-mossô, plantado em um vaso grande e cinzento, uma aquisição recente da senhora Nakada em sua última viagem à China. Jungkook conseguiu puxá-la para baixo pelo seu peso sem qualquer coordenação motora, espalhando terra escura pelo piso e na própria roupa.
arquejou. A boca dele se moveu por mais vezes, usando as pernas para chutar o vaso de cerâmica para longe, espalhando ainda mais terra adubada e fazendo a muda fresca se descolar do fundo do vaso.
Ela nem precisava verificar para saber que o senhor Ryu estava com o rosto contorcido de ódio. Aquele vaso era novinho. Uma decoração delicada e controversa para um lugar que mal pegava a luz do sol, mas não foi feita para ser destruída. Ele mesmo tinha ajudado a senhora Nakada a subir com aquela coisa pelo elevador.
Jungkook se apoiou na parede ao lado da porta e na maçaneta para conseguir se colocar de pé de novo, mesmo com uma óbvia dificuldade de logística. Ele não parecia enxergar um palmo à frente e se preocupou pateticamente se aquilo tudo tinha sido motivo da visão de seu rosto machucado de mais cedo, mas então, ele fez uma coisa que a deixou genuinamente e totalmente perplexa para uma vida inteira – e finalmente com a mesma raiva que o porteiro.
Ele bateu mais algumas vezes e gritou para a porta até parar completamente e lançar mais um chute no vaso, mas sua orientação desequilibrada desviou suas pernas para o lado errado. Ele acertou parcialmente a lateral da cerâmica e não conseguiu voltar a perna para trás, o que o fez inclinar para a frente e simplesmente cair por cima do vaso quebrado, espalhando ainda mais terra, e além disso quebrando as folhas pontiagudas e o caule estreito da planta já destruída.
O rapaz ficou parado de bruços por um tempo até conseguir se levantar. E, como se as coisas já não estivessem catastróficas o suficiente e não tivesse mais onde enfiar tanto constrangimento, raiva e vergonha, Jungkook olhou para algum ponto à frente no corredor, onde a câmera não pegava totalmente, e inclinou as costas e cabeça para o vaso de plantas do vizinho. De outro vizinho.
Inclinou a cabeça. Fez movimentos com os ombros. Como se estivesse… colocando algo pra fora. Vomitando.
Meu deus.
— Basta — o senhor Ryu fez tudo sumir com um único clique, e ficou extremamente aliviada quando tudo parou. Seus músculos por baixo da pele estavam tensionados. Sua cabeça não conseguia pensar direito porque meu deus do céu, o que aquele maluco tinha feito? Como se atreveu a aparecer por ali?! — Isso foi tudo. Esse fedelho acordou todo o andar com essa algazarra. Imagine abrir a sua porta e se deparar com toda essa confusão? Se esses elevadores não estivessem hpa tanto tempo na fila para manutenção, eu teria conseguido chegar antes de ele destruir as plantas da senhora Nakada e do senhor Choi. Ele tinha orquídeas em degradê, pelo amor de deus. Não se consegue uma troca dessas orquídeas em tão pouco tempo, são geneticamente modificadas em laboratório. E o bambu da senhora Nakada veio diretamente do Templo Nanshan. Ela pediu uma dezena de explicações sobre o caso.
tentou, mas não conseguia falar. Não conseguia pensar, se mexer. O olhar duro do homem sobre ela também pedia por uma explicação, mas ela não tinha. Oras, não tinha! Um homem bêbado com autorização para entrar em seu apartamento tinha escolhido um dia propício para ser um maluco.
— Senhor… Eu não… — tentou, mas só conseguia abrir e fechar a boca, sentindo a raiva borbulhar dentro dela como um caldeirão, trazendo aquela vontade impiedosa de volta, a de pegar um táxi e ir piorar o estado do rosto de Jungkook com um chute. — Eu não faço ideia do porquê isso aconteceu. Eu não… — Parou de novo. Não tinha jeito. Por fim, desistiu: — Eu não autorizei isso e com certeza vou tirar todas as satisfações. Por favor, todos os gastos, o senhor pode…
— O problema não são os gastos, senhorita. Eles não interessam mais, já que esse mesmo cavalheiro esteve aqui de novo há menos de 2 horas e já arcou com tudo. O que não foi mais do que a sua obrigação.
sentiu sentiu novamente aquela percepção de coração parado, congelado. A garganta ficou seca na mesma hora.
— O quê? Ele esteve aqui hoje?
— Sim, procurando a mesma coisa: a senhorita. Pelo menos estava sóbrio e prefiro nem saber o que andou fazendo depois que o coloquei num táxi ontem à noite porque parece ter se enfiado em briga de gangue. Não me meto na vida dos inquilinos e não quero saber porque esse rapaz estava te procurando, senhorita, mas não seria melhor avaliar com quem anda se envolvendo? Precisa de alguma ajuda específica? Está passando por problemas?
engoliu em seco e encarou o senhor Ryu com seriedade. Não tinha como explicar aquilo. Não tinha como dizê-lo que sim, ela estava inteiramente e completamente envolvida com aquele palhaço, mas tinha dado um basta. Ela o amava, ela o queria, ela o desejava como nunca tinha desejado ninguém antes, mas ele não estava no mesmo patamar e apenas amá-lo não foi suficiente para que ela continuasse onde estava naquela relação. Tinha dado um basta! E achou que ele tinha entendido.
Mas por dentro, o estômago embrulhou com vertigem quando imaginou qual seria o propósito que o tinha feito ir atrás dela. Que o fez ligar para ela tantas vezes. O que queria com ela àquela hora da noite, naquele estado? Ele não podia achar que eles resolveriam alguma coisa naquela condição.
Ou ele achava que conseguiria o que queria apenas por estar na frente de . Apenas por pedir. Ele só precisava pedir.
Ela abaixou a cabeça e sentiu cada nervo queimar com as possibilidades de toda aquela loucura e bufou, apertando ainda mais as caixas no braço e se livrando do nó na laringe.
— Vou falar com ele, senhor Ryu. Garanto que isso nunca mais vai se repetir — nunca mais, ela incorporou como um mantra. — Me desculpe por tudo isso. Eu jamais teria deixado acontecer se estivesse em casa.
— Eu sei que sim. Já limpamos a sujeira e retiramos os vasos. Devo considerar seguro substituí-los agora. A pior parte nem foram eles, mas sim a coleta seletiva ali fora. Ele tropeçou e caiu, destruiu todas elas. Tivemos que chamar a prefeitura. A prefeitura — ele revirou os olhos mais uma vez e assentiu sem graça, desejando do fundo do coração que Jungkook tivesse desembolsado o equivalente e metade de seu closet sobre tudo aquilo. — Espero que a senhorita saiba que pode falar caso esteja com alguma dificuldade.
A sugestão dele não passou despercebida. Ah, se o senhor soubesse…
deu um sorriso sem graça. Afetado e desesperado. Agarrou suas caixas e começou a caminhar para o elevador de novo.
— Não precisa se preocupar. Vou falar — disse ela no momento que o telefone começou a tocar de novo na bolsa. Ela sabia que não era Candice, então simplesmente ignorou e se virou para a caixa de metal. — Eu vou subir, senhor Ryu. Me desculpa por tudo isso, de novo.
Desta vez, o homem abanou o ar com uma mão e estalou a língua, como se o assunto não fosse mais tão relevante agora que tinha contado e mostrado tudo.
— Tudo bem, senhorita. Só espero que o outro também não acabe causando problemas. Foi uma dor de cabeça explicar aos vizinhos que seu apartamento estava vazio na noite passada, mas qualquer incômodo de hoje não será mais tolerado.
parou no meio do caminho, franzindo o cenho pela última frase.
Outro?
O senhor Ryu piscou os olhos em sua direção como se não tivesse entendido sua pergunta. Depois de um segundo, arqueou as sobrancelhas e deu um pequeno tapa na testa.
— Ah, sim. Tem um rapaz te esperando na porta nesse exato momento. Sinto dizer, mas ele parece um pouco pior do que o da noite passada.
paralisou por quase um minuto inteiro até balbuciar uma despedida e desta vez correr para o elevador recém aberto, quase esbarrando em uma senhora em um carrinho de bebê e socar o botão para a subida.
O telefone na bolsa tocou novamente e tocou o tempo inteiro enquanto ela saía das portas duplas e caminhava pelo corredor que parecia muito extenso àquela manhã, diminuindo os passos à medida que chegava perto do número 402 e via quem estava parado ao lado dela, marcando um posto de espera com as costas escoradas ao lado da maçaneta.
Ele tirou os olhos do teto e se ajeitou imediatamente ao vê-la. Seus tênis deslizaram sobre o tapete escrito em inglês SEJA BEM-VINDO, ESTAMOS ABERTAS! que agora não possuía uma grama de terra do falecido bambu-mossô. Candice teve a ideia de colocar a frase como um letreiro reversível pendurado na porta, mas essa ideia parecia tão idiota agora, já que um Jungkook bêbado não pareceu ter se importado com a pequena plaquinha de “Fechado”.
Jaehyun parecia igualmente desinteressado pelo fato.
Ele escorregou o dedo pela tela do telefone apoiado no ouvido, e o celular de automaticamente parou de tocar. Observou o momento em que ele baixou uma mão enquanto a outra estava completamente enfaixada. Mas elas não eram o problema.
O real choque foi ver as marcas arroxeadas e espalhadas na pele pálida por baixo dos olhos, escapando de um nariz recentemente tratado, mas ainda com um curativo transparente por cima da ponte curvada do osso.
não conseguia recuperar a voz tão facilmente.
— Jaehyun?
Ele tocou um ponto do braço sem perceber, e não havia nada de seu habitual sorriso simpático quando disse em voz grave:
— Precisamos conversar.


"Estou tentando descobrir exatamente o que eu quero dizer
Liguei para ouvir a voz da razão
E caiu na secretária eletrônica
﹝...﹞
Eu deixei minha mensagem, mas a porra da chamada retornou pra mim
E agora estou preso ainda e me perguntando como isso deveria ser
Cantando uma serenata imprudente, serenata imprudente."

🖤🎤 Reckless Serenade


Havia hematomas e arranhões por toda parte.
Pelo menos era o que parecia à , um pouco acostumada demais à visões de brigas e feridas. A imagem de Jaehyun coincidia com o resultado de uma delas, por mais chocante que isso parecesse.
Ela apenas deixou que ele entrasse pelo apartamento sem dizer uma palavra. Não parecia certo manter um cara com aquela aparência na soleira da porta, ainda mais depois de tudo que havia acontecido na madrugada. Os vizinhos certamente ficariam tentando ligar os pontos, esperando algo desagradável, taxando a estrangeira do 402 como um ímã de problemáticos.
— O que houve com você? — Ela largou as caixas e sacolas e quaisquer outras coisas dos braços na mesa imediatamente assim que fechou a porta, agora se sentindo um pouco mais à vontade para arregalar os olhos e demonstrar seu choque. O rosto dele estava completamente diferente daquele que ela tinha se despedido pela manhã. Suas orelhas exibiam um proeminente vermelhão nas pontas, fruto de algum momento de puro estresse insistente.
Jaehyun olhou vagarosamente em volta, como se escolhesse aquele momento particular para deixar um pouco de sua curiosidade vir à tona. Era a primeira vez que pisava no apartamento dela, e esperava que fosse em um momento diferente, um especificamente em que ela o convidasse.
Será que não se sentia segura para fazer isso até hoje? Será que ele, o desgraçado, tinha algo a ver com isso?
— Eu estou bem — disse ele, antes que ela perguntasse ou se aproximasse para avaliar aqueles estragos. — Você ainda está com o seu vestido. — Jaehyun desceu os olhos pelo tecido verde solto que tanto admirou assim que ela entrou no seu carro na noite anterior — Não tinha vindo para casa?
achou que não escutou direito. Aquela era a informação mais desimportante no momento, mas ainda assim, olhou para si mesma e respondeu:
— Fui à agência. Pensei que minha colega estivesse precisando de ajuda, mas me enganei — ela deu de ombros, fixando ainda mais o olhar naqueles traços avermelhados e permanentes que atravessavam o rosto dele, soltando uma respiração pesada e quase tempestiva. — Por Deus, o que foi que aconteceu com você, Jaehyun?!
Ele a viu se aproximar a passos rápidos, erguendo um dos dedos para tocá-lo e se retrair logo depois, porque aquilo poderia doer. Jaehyun enxergava nitidamente o desespero de , e sentia o desejo invisível de mentir sobre o verdadeiro motivo que o colocou naquele carro logo depois de fazer um check-out do hospital, dirigindo o mais rápido que já dirigiu na vida porque algo estava doendo mais do que aquele nariz. Mais do que seus dedos lesionados. Mais do que qualquer soco que tenha recebido na vida.
Ele não fazia ideia do que realmente falaria quando a visse, mas não pensou que sentiria vontade de não falar nada. De acreditar que era mentira. Ou fingir que nada havia acontecido.
Mas aquilo seria uma solução de curto prazo. Engolir sapos era uma tática que não funcionava para Jeong Jaehyun. Uma hora ou outra, sua consciência encontraria uma maneira de pagar essa conta, e poderia ser atingida.
— Briguei com um amigo — a voz dele ecoou da maneira mais inexpressiva possível. arqueou as duas sobrancelhas, sem acreditar.
Ela esperou um complemento, uma resposta melhor do que aquela. Em vez disso, Jaehyun apenas desviou os olhos furtivamente para algum ponto do tapete, girando o bracelete do hospital no pulso.
— Brigou com um amigo? — estava ainda mais abismada. — Mas por que? Como? E que briga foi essa que te deixou assim? Com quem…
— Foi com o Jungkook.
paralisou. Jaehyun sentiu ainda mais dor em pontos estratégicos das lesões e acrescentou sem nenhuma delicadeza:
— Eu sei sobre vocês.
Um silêncio brutal se espalhou quase fisicamente dentro das quatro paredes da sala de 6m2 do apartamento de Seongdong-gu. foi tomada por um fardo repentino em todos os músculos, que se enrijeciam ao mesmo tempo que pesavam seu corpo no mesmo lugar. Diferente do que pensou, ela não conseguiu desviar os olhos de Jaehyun. Não conseguiu se desesperar para negar. Não conseguiu fazer nada do que provavelmente alguém que tinha sido pega em flagrante deveria fazer.
não considerou essa parte na sua superficial relação com Jaehyun. Não tinha pensado nesse momento porque, honestamente, não esperava que ele fosse realmente acontecer algum dia.
— Ele… contou pra você? — ela sussurrou devagar, sem sair do lugar. Jaehyun pendeu a mão machucada ao lado do corpo e soltou uma risada sarcástica pelo nariz.
— Ele é covarde demais pra isso.
E de repente, estava pensando nas terríveis possibilidades do que pode ter sido aquele ápice dos dois. Um momento de descoberta, não de revelação. Uma troca de verdades que causaram aqueles ferimentos horrendos de Jungkook que a deixaram tão preocupada, e agora parecendo ainda pior em Jaehyun…
Os dois continuaram parados, em silêncio tenso e desconfortável. sabia que deveria dizer algo. Que deveria explicar. Ele provavelmente ficaria bravo, ainda que todas aquelas feridas mostrassem que já tinha gastado sua cota de raiva, e diria coisas que ela não gostaria de ouvir, mas não podia se preocupar com isso àquela altura.
Por fim, abriu e fechou os dedos das mãos devagar e disparou:
— É a verdade. Ele era o cara que te disse ontem.
Jaehyun esboçou automaticamente uma careta de repreensão. De raiva misturada com derrota. De alguém que lê um resultado negativo de um processo seletivo. Por dentro, uma singela e evidente esperança martelava dentro dele, repetindo o tempo inteiro: ela ainda pode dizer não! Ainda pode desmentir esse absurdo! Ainda pode dizer que foi tudo um mal entendido!
Mas o rosto de não passava nada além da verdade. Uma que não gostaria de admitir, não naquele dia, mas que não a esconderia agora que já estava ali, escancarada.
E pensando bem, estava escancarada há muito tempo. Da mesma forma como Jaehyun notou o tormento e aquela expressão diferente em Jungkook, percebeu que tudo diferente em remetia à mesma coisa. Os mesmos problemas. Duas pessoas com os mesmos sintomas da mesma doença.
Ele achou que conseguiria se manter parado no mesmo lugar. Mas a raiva borbulhante estava aparecendo de novo, condenando-o a não aceitar aquela situação, a injustiça do que ela lhe parecia.
— Você não pode estar falando sério — ele se viu dizendo em meio a uma agitação que recomeçava a crescer. Os dedos enfaixados ainda latejavam um pouco pelo efeito dos analgésicos, e Jaehyun não sabia se era o restante da dor ou a vontade de socar alguma coisa. — Você e Jungkook, . Você não pode…
— Eu estou falando sério, Jaehyun — o interrompeu com a voz firme, passando as mãos no rosto em seguida, umedecendo os lábios enquanto conseguia finalmente mover os pés. — Não sei a forma como você descobriu, como ele se explicou, e sinceramente, prefiro não saber. Não pretendia te contar, ou qualquer coisa dessas, foi um caso transitório, eu não…
— Não — ele sacudiu a cabeça. Parecia um tanto perturbado. O bracelete ao redor de seu pulso continuava sendo alvo de seus dedos furiosos, algo em que tocar que não fosse quebrar mais de seus dedos. — Não, qual é…
se afastou há alguns passos dele, agora se mantendo em completo silêncio. Não sabia mais como continuar. Ele parecia chocado e era compreensível, enquanto sentia o peito comprimir e comprimir até que quase lhe faltasse ar, odiando a forma como aqueles olhos a encaravam. Odiando tanto que a fazia ter vontade de gritar um “desculpa, desculpa, foi um erro! Por favor, ignora isso. Vamos continuar da onde paramos”.
Mas a verdade estava vencendo sobre mais do que qualquer conveniência. Ela não conseguia mais repeti-la, mas não tentou desviar os olhos de Jaehyun para negá-la.
Ele congelava mais a cada segundo. A palidez de seus lábios se tornou quase doente naquele sol do início da tarde.
— Você está apaixonada por ele — constatou, por fim, em um fio de voz patético, passando a mão boa no cabelo despenteado. — Pelo amor de Deus, você está apaixonada por ele! Tem noção de como isso soa maluco? Tem noção das coisas que ele já falou de você? Das coisas que fez?
franziu os lábios.
— Eu sei…
— Não, você não sabe, ! Não tem como você saber, já que sempre te poupei de toda essa merda! Jungkook odiava você, e ele não odiava como se odeia alguém normalmente, ele odiava você de verdade e dizia coisas horríveis a seu respeito. Disse várias vezes pra mim como eu só deveria te levar pra cama porque você só servia pra isso, reforçava o quanto não te achava confiável! Enxergava você como a escória desse país, queria você longe! Pelo amor de Deus, como você…
— Jaehyun, eu sei — levantou as duas mãos na frente do peito ao notar como ele havia se aproximado de repente no meio de todo seu alvoroço. Suspirou forte, parecendo cansada. Ela estava cansada daquela história de ódio; um repertório que já tinha repassado para si mesma um milhão de vezes desde a primeira vez que tinha ido para cama com Jeon Jungkook. Você é algum tipo de louca por se deitar com um cara que te odeia? — Eu imagino tudo que ele já tenha dito, sei perfeitamente tudo que ele sentia por mim, mas as coisas foram mais complexas do que isso. Nós não…
— Complexas? Não, as coisas foram muito simples, . Ele quis se vingar de você e me usou pra isso. Usou a nós dois — o tom de voz dele aumentou ainda mais, perplexo. A têmpora direita dele a dizia que Jaehyun estava controlando os berros mais agudos, mas que provavelmente não conseguiria ter sucesso nisso até o fim daquela conversa. — Ele não suportava que eu não concordasse com essa campanha contra você e, como o moleque mimado que é, decidiu agir como um adolescente te seduzindo e te convencendo a fazer essas coisas com ele. Meu Deus, isso é nojento! Se quer saber, não me surpreendi tanto quanto deveria, porque ele é um idiota. É de se esperar que faça coisas desse tipo com aquela personalidade de merda. Porco do caralho!
Jaehyun bagunçou ainda mais o cabelo. Seu rosto era um estado caótico de raiva e frustração. Era difícil para ver aquilo tudo, mas não podia dizer para ele ir para casa ou para tentar não quebrar suas coisas. Ele parecia estar em algum tipo de direito caso decidisse fazer aquilo.
Ainda assim, ela não podia ignorar quando escutava, de novo, somente um dos lados recebendo toda a responsabilidade.
— Jaehyun, me escuta. Sei que você estava lá num momento horrível da minha vida, sei que confiou em mim e me ajudou em toda essa bagunça de adaptação, mas eu menti pra você. Eu também menti pra você — falou, aproximando-se um pouco dele. — Tudo o que eu te disse ontem… continua sendo verdade. Fui contra tudo o que planejei pra mim mesma nos últimos meses, e eu nunca quis te magoar, mas aconteceu. Apostei na falta de sentimentos do começo e nunca pensei…
, eu te entendo — Jaehyun se virou para ela abruptamente, esticando a mão ferida para colocá-la ao lado de seu rosto. O olhar dele ainda exibia o choque da confirmação, porém estava lentamente ganhando um brilho de complacência. — Você deveria estar com o psicológico abalado por causa de tudo que passou em Los Angeles. Jungkook foi um completo filho da puta com você e ainda estava sendo quando eu fui embora. Eu devia saber que alguma merda aconteceria porque ele não é confiável, e você já estava fragilizada por causa da culpa que insistia em sentir pelas fotos, então ele…
— Meu Deus, para — tirou a mão dele, enrugando a testa. — Você tá entendendo tudo errado, Jaehyun. Não fui manipulada por ele. Não estava frágil ou coisa parecida. Estava a fim de você e pedi que ele transasse comigo. Eu pedi!
bufou, novamente sem conseguir vencer a verdade em seus detalhes. E aquela pareceu tão verdadeira que a assustou por um momento. Nunca tinha dito aquilo em voz alta – nem mesmo para Candice. Nunca tinha admitido com tanto fervor que, sim, ela tinha pedido, com todas as letras! Poderia existir um motivo mais profundo para ter pensado em Jeon Jungkook em primeiro lugar no seu momento bêbado para fazer aquele pedido inusitado que pertencia há vidas atrás: preciso de prática. Sou meio-virgem. O trabalho é seu.
Alguma parte inacessível e escura de dizia que ela não o rejeitava tanto assim desde o início. Desde que capturou com os olhos aquela expressão apaixonada do artista dentro daquele camarim, antes de capturá-la com a câmera. Desde que o viu olhar pela janela com uma tristeza insondável enquanto ela consertava sua mão. Desde que, a cada farpada de ódio que lançava sobre ela, Jungkook também deixava um pouco dele na cena. A transparência de seus sentimentos. Ela nunca entendeu porque pensou justamente nele naquele momento em que quis novas experiências. Talvez nunca fosse entender.
Jaehyun tinha pés e olhos virados para , recebendo mais uma onda de choque pela declaração, mas desta vez, ele a afastou rapidamente. Para ser franco, ela era algum tipo de louca ou devia estar naquela época, o que era compreensível. Ou seja, pedir uma coisa daquelas para Jeon Jungkook só podia significar que também tinha pensamentos de vingança contra o maknae, também queria brincar com ele, deixá-lo louco e fazê-lo odiar o fato de odiá-la. Nada além disso.
, você não precisa…
— Eu sei que é absurdo. Sim, eu sei — ela adiantou, aproximando-se dele de novo para reiterar: — Fiquei apavorada quando você pediu pra subir aqui naquele dia e corri para a coleção de soju de Candice. Quando vi, estava pegando um táxi e… Foi uma atitude tomada por causa do álcool e se quer saber, ele negou na mesma hora. Você está certo, Jungkook me odiava. Ele estava apaixonado. Nunca nem passou pela cabeça dele tocar em mim.
Mais uma onda de silêncio afundou a sala em uma vala. Jaehyun se via incapaz de responder, enquanto foi a vez de bagunçar o cabelo e começar uma caminhada em semi círculos, engolindo em seco várias vezes.
— Tínhamos feito um acordo antes disso — continuou, sem olhar para ele. — Depois que Ali foi embora, ele descobriu que eu gostava de você. Usou isso para conseguir informações dela, e em troca… Bom, ele me daria informações sobre você. Sobre as coisas que gostava, as coisas que queria fazer e tudo que me fizesse te conhecer melhor.
Jaehyun abriu a boca, estupefato.
— Você… Isso não faz sentido. Estávamos sempre conversando.
— É claro, eu sempre sabia o que dizer.
Jaehyun foi tomado por um novo soco de franqueza, um que ele genuinamente não esperava, causando uma rachadura intensa na imagem de , uma que quebrava mais a cada minuto que passava de pé naquele cômodo.
Sim, parecia irreal para ele. Desde o começo. Parecia tão deliciosamente impossível que ele tivesse encontrado alguém tão compatível. Pessoas normais procuravam por esse tipo de coisa a vida toda e nunca achavam. Contemplava completamente a filosofia de Jeong Jaehyun que os iguais deveriam se atrair e complementar, e não o contrário.
Agora ela não parecia nem fazer parte do mesmo quebra-cabeça.
Dor e raiva brigaram furiosamente dentro de Jaehyun. Ele não sabia o que dizer, além de um:
— Não dá pra acreditar nisso.
expirou uma grande quantidade de oxigênio com força, voltando a odiar aquele olhar de decepção em sua direção, uma decepção que nem ele mesmo esperava sentir. Isso era um saco. Ela queria forçar os pés para o quarto e se encolher debaixo da cama e remoer cada mísera sílaba que tinha soltado ali, mas precisava passar por isso. Precisava enfrentar isso.
— Foi uma besteira. Uma idiotice — admitiu ela, a expressão tão abatida quanto a dele. — Eu não… eu nunca tinha me apaixonado antes. E era praticamente virgem, então… Não sabia como lidar com a situação, e mesmo que Candice dissesse pra ser eu mesma, não parecia ser o suficiente. Achava que isso era normal. Não se sentir suficiente pra um cara incrível.
— Por isso transou com ele? — Jaehyun franziu o cenho novamente, e suas pernas agora chegaram mais perto. — Achava que eu não ia querer dormir com você? Por ser praticamente virgem?
— É, falando em voz alta, foi um pensamento muito idiota mesmo.
suspirou. Parecia o cúmulo da tolice naquela hora. Desespero, sentimento de escassez. O fato de Jeong Jaehyun, o arquétipo da perfeição, gostar e querer ir para cama com uma garota como ela pareceu uma oportunidade única, incomparável. Um sinal que lhe garantiria sucesso por toda a vida. Foi a primeira vez que se sentiu tão atraída por alguém e, de alguma forma, precisava manter esse sentimento. Precisava se manter apaixonada por ele porque não aguentava mais aquele vazio esporádico no peito que vinha da sensação fantasma do não merecimento. Da rejeição que sua mãe tinha plantado nela desde muito nova. simplesmente não podia ser rejeitada por Jaehyun.
Entender tudo aquilo ali, naquela sala, com aquela pessoa, parecia uma virada de chave cósmica. Explicava tudo. E novamente: mudava tudo.
Um milhão de coisas estavam mudando no espaço de tempo em que Jaehyun retraía a postura e mexia na ponta desigual de sua pulseira até erguer o queixo novamente.
— Isso é uma insanamente idiota, . Se entregar pra um cara como ele é uma insensatez. Pode dizer o que quiser, mas Jungkook ter ido pra cama com você sabendo que você era inexperiente só mostra o quanto ele é baixo e nojento. Jungkook nunca se envolve com principiantes, ele não tem a capacidade ou a paciência, ou a atenção…
— Não interessa, Jaehyun — interrompeu com um aumento súbito de voz, um que lançou um alerta de aviso para o rapaz. — Deus do céu, sei de tudo isso que está dizendo, sei antes mesmo de saber qualquer outra coisa sobre essa cidade, mas você consegue entender que não aceitei ir pra cama com ele pensando em sentimentos? Em relacionamento, ódio, amor ou qualquer outra coisa. Não estava nem aí para o que ele pensava de mim, não esperava que mudasse de opinião, e muito menos que eu mudasse de opinião. Seja lá qual foi a intenção dele no início, não me importava. Não tinha essa pressão de emoções, de relacionam…
— Olha pra você agora! Ainda acha que conseguiu ver tudo como sexo?!
paralisou no mesmo lugar, com a boca entreaberta, enquanto o via exalar com força pelas narinas.
Jaehyun segurava uma única palavra na língua. Uma que ele não gostaria de soltar porque certamente se arrependeria na mesma hora, mas que queimava tanto que tinha certeza que estava vendo-a sem que ele precisasse verbalizar.
Hipócrita. Você é uma puta de uma hipócrita, . Quer mesmo jogar esse papinho de sexo sem sentimentos pra cima de mim? Você se subestimou desde o início. Você foi ingênua, porra! A essa altura do campeonato!
E por outro lado, o silêncio declaratório dela deixava a cabeça dele girando e o coração doendo com raiva e culpa de si mesmo, uma culpa esmagadora que repetia: se eu tivesse vindo embora mais cedo, nada disso teria acontecido. Não teria tempo de acontecer.
— Isso é absurdo. É absurdo. Toda essa história é — continuou ele, sem saber para onde andava: para perto da janela ou para perto da porta de entrada, encurtando o caminho que ele sentia que deveria seguir: para casa. Desde cedo. Não devia ter parado ali, não devia estar ouvindo aquelas coisas, não devia estar sabendo. Algum dia, sim, mas não naquele. — Eu não… Não sei mais o que dizer.
assentiu. Lágrimas queriam brotar de seus olhos. Queimaram seu nariz. Olhar para ele perdido e magoado daquele jeito era tão… Ruim. Por mais que ele estivesse dizendo coisas avulsas, frustradas, horríveis e cruéis, não dava para culpá-lo. Não dava para acusá-lo de agir pateticamente como se fosse o fim do mundo.
Era o fim do mundo. Pelo menos, o fim de alguma coisa grande o bastante.
No entanto, quanto pensou que ele ia embora, Jaehyun parou mais uma vez, olhando para ela com o mesmo brilho de antes, estacando algo bem ali entre os dois e a porta da frente.
— O problema maior não é você ter ido pra cama com ele, — disse ele, umedecendo os lábios com um pouco de confiança recuperada. — Que se foda tudo isso. Sei como sexo pode destrambelhar a parte racional do nosso cérebro e nos fazer acreditar em coisas que não existem, como o sentimento que você acha que tem. Essa é a parte que me decepciona: você ter se entregado tanto nisso que se permitiu a ter esses sentimentos. Mas eles não são reais. Se pensar direito, vai perceber isso.
— Jaehyun…
— Você é mais inteligente do que isso — insistiu ele, agora se aproximando devagar, com luzes de determinação nos olhos. se sentiu um pouco sufocada por eles por um momento. — Pode dizer que não, mas sabe que eu falo a verdade. Não faço a menor ideia do que ele pode ter feito ou as coisas que pode ter dito pra te fazer acreditar, mas a partir do momento em que viu que ele não sentia o mesmo, você podia ter saído dessa. Ainda pode, se quer minha opinião. Na verdade, acho que deve.
— Por favor, para — ela bufou em cansaço, e ele ainda estava chegando mais perto. não sabia explicar a sensação de asfixia. — Sei que você está magoado, mas não sou completamente tola a ponto de não saber o que eu sinto. Eu sei, e não quer dizer que eu goste ou que concorde. Não fui pra cama com Jungkook querendo me apaixonar por ele. Não acredito nem que sexo foi o motivo disso. Me apaixonei por ele porque o conheci. De perto, de verdade — e isso nem sempre tinha sido bom, ela pensou, mas era a mais pura realidade. Jeon Jungkook verdadeiro era extremamente apaixonante, com todos os seus medos, erros e acertos. Toda a imperfeição que mostrou e aceitou , saltando de dentro daquelas roupas pretas e correndo para dentro dela de forma silenciosa. — Por maior caos e maior loucura que fosse. Não planejei isso, Jaehyun. Não me preparei para nada disso.
Algo queimou por trás das costelas de Jaehyun. Errado! Aqueles olhos francos e sofridos eram errados. Aquele sentimento dela era errado! Tudo estava errado!
— E como você acha que ele está agora? — grunhiu ele, sabendo que não estava controlando a careta de desprezo. — Acha que ele liga pra isso? Acha que ele tá chorando? Ou sofrendo por você? Acha que ele quebrou meu nariz porque eu contei pra ele da gente? Não, ! Ele não está nem aí! — O tom de voz aumentou, e Jaehyun se arrependia de cada palavra torta que saía de seus lábios. — Jungkook está vivendo a vida dele, levando garotas aleatórias para um quarto de hotel e ficando bêbado por aí em busca da próxima noitada. Ele estava desse mesmo jeito quando o encontrei hoje, se gabando de mais uma farra, bebendo e se drogando como um delinquente, descendo até o fundo como ele inevitavelmente sempre faz. Você diz que ele não te manipulou, mas não preciso nem perguntar pra saber que ele deve ter tentado te encontrar ontem. Te encontrar justo no dia em que íamos estar juntos, porque na cabeça dele, você já está na palma da mão e isso é um ponto a favor dele. Como você consegue amar alguém assim? — Jaehyun bufou, aturdido, perdido. Cada veia pulsava sob a pele. Ele viu os ombros dela despencando e os olhos brilhando de lágrimas. A expressão dura mostrou que ele a atingiu, mas a raiva do fim do mundo não o deixou se preocupar com isso. Muito menos com as próximas mentiras duras que estava prestes a dizer. — Ele não te ama. Ele não sente nada por você. Ele é um merda que vai quebrar seu coração, mais cedo ou mais tarde, porque não sabe lidar com a perda de Ali. É só uma questão de tempo pra tudo voltar a ser como antes e você não vai ter passado de uma aventura dele. Isso me deixa louco!
Jaehyun ofegava. desviou os olhos para esconder as lágrimas, mas agora sabia que elas estavam ali. Sabia que elas iriam jorrar, agora ou depois. Não conseguia mais segurar.
Não era o que Jaehyun queria, mas algo forte e intenso estava guiando suas atitudes, sua língua, seu cérebro, tudo. Algo que ele se esforçava para não sentir, como a raiva esmagadora. A frustração. A iniquidade que toda a situação tinha. Seu egoísmo mascarado que ele mantinha trancado a sete chaves.
O egoísmo que se combinou com o desespero, fazendo-o se aproximar dela e dizer, com explícita dor na voz:
Eu não faria isso com você.
levou um tempo para entender e encará-lo com ligeiro choque.
Quando Jaehyun ergueu uma das mãos para tocá-la de novo, se desvencilhou com um passo para trás, balançando a cabeça em negativa várias vezes.
— Não.

— Não! — Proferiu, e um soluço dramático se entremeou na frase. — Pelo amor de deus, depois de tudo isso, como você pode pensar nessa possibilidade? Como eu poderia ignorar tudo isso e permitir que você pense? Não! — Ela balançou os braços com desassossego evidente — Não foi pra isso que aceitei sair com você, não foi pra isso que me aproximei dele, não foi pra isso que vim até esse país. Não foi pra ver você e nem ele machucados desse jeito — se agitando, contornou a mesa de centro, se afastando ainda mais de Jaehyun. — Sei que estou dizendo como se a culpa fosse minha, mas honestamente, prefiro fazer isso a colocá-la em qualquer um de vocês dois. Não estou feliz com o desfecho disso tudo, e me sinto uma idiota por não ter imaginado isso desde o início e simplesmente ter parado tudo. Vocês não mereciam isso.
fungou por entre os dedos. Jaehyun abriu a boca para protestar, mas precisava pensar direito. Seu lado racional estava encolhido em algum canto, sendo vencido e ultrapassado pelo seu coração, que se desesperava com o mero vislumbre de se afastando e se fechando completamente dele, deixando claro que Jungkook havia ganhado. Que ele, um cara justo e honesto na maior parte do tempo, não conseguia ser melhor do que um mentiroso inconsequente.
Jaehyun nunca pensou em competir com Jungkook, por absolutamente nada na vida. Os dois eram diferentes demais até nas escolhas de comida. Não existiria um único elemento capaz de fazer com que ambos subissem na mesma balança. Ter essa experiência justo com uma garota era inominável. Uma garota que, tanto Jaehyun quanto Jungkook, sabiam que não se achava em qualquer lugar.
Uma que Jaehyun não estava disposto a perder. E ele queria jogar limpo antes, mas isso foi quando não sabia que o outro cara era Jeon Jungkook. Agora ele estava disposto a ver Jungkook fora da cabeça de , fora de sua casa, fora da sua vida.
— Não me importo — a frase ecoou depois de ser repetida um milhão de vezes dentro da mente. Viu expressar mais um choque e também não se importou. Ela precisava enxergar um futuro legal sem Jungkook imediatamente. Com ele, de preferência. Com o cara que tinha demonstrado desde o início que ela era especial. Jungkook precisava ver isso para se sentir ainda pior, para, quem sabe assim, se tornar finalmente um ser humano decente, um que nunca mais maltrataria paparazzis sem culpa de nada. — Quero que você saiba que eu tô disposto. Que as coisas podem se resolver, que uma conversa…
Eu me importo! — contrapôs quase imediatamente, e havia mais determinação e firmeza desta vez. Havia até mesmo uma frustração por aquela reação de Jaehyun. — Sei que ele não me ama. Sei que tudo isso me machuca mais do que eu admito, sei que você provavelmente pode estar certo, mas… Não posso seguir com isso. Não com você.
— Você já se apaixonou por mim. Você pode…
— Mas você não se apaixonou por mim, Jaehyun! — Ela gesticulou com as mãos em rebuliço, arqueando as sobrancelhas. — Você se apaixonou por uma personagem. Alguém que sabia exatamente o que dizer pra você acreditar em almas gêmeas. Eu jamais te contaria meus problemas reais, mesmo que você achasse que soubesse de todos eles. Me desculpa, mas você não sabe da metade. E a culpa não é sua, eu decidi sozinha que você não saberia. E agora não tenho nem eles pra te oferecer.
Jaehyun provavelmente tinha uma resposta na ponta da língua, mas, finalmente, as palavras começaram a se corroer. Craquelaram e viraram pedaços de pó na garganta, retornando e desaparecendo. A racionalidade ganhou espaço mais uma vez quando ele olhou e enxergou de verdade as lágrimas de e se tocou de um fato perturbador: nunca a vi falar desse jeito. Nunca a vi agir desse jeito. Não conheço essa garota.
Quem é ?
Por mais que uma parte de si queria conhecê-la, queria passar por cima de tudo aquilo, a outra estava lentamente sussurrando para que ele desse passos para trás e entendesse o que estava acontecendo.
Não tinha nada ali. Os olhos marejados de eram apenas lágrimas, não eram um convite.
— Não posso fazer isso. Não agora. Por tudo que você já fez por mim. Eu simplesmente não posso. Não posso continuar sendo outra pessoa com você. — Continuou ela, passando as costas da mão na bochecha — Essa sou eu. Tô quebrada. Não tenho nada para te oferecer, não estou disposta a fazer isso. Nem pra você e nem pra ninguém.
E os impulsos de Jaehyun pareciam finalmente ter cessado.
O baque da realidade seria capaz de jogá-lo ao chão. A dor que não vinha do embate físico estava ardendo no fundo do peito. Mesmo que não fosse a primeira vez que ele escutava dizer que não podia dar o que queria, parecia substancialmente mais sério naquela hora. Mais urgente. Nunca existiu um momento em sua vida em que ele quisesse tanto fazer alguém mudar de ideia, mas foi atingido pelo conselho que ele mesmo dava há anos: você não pode forçar alguém a gostar de você. Não pode fazer o bem esperando algo em troca.
Jaehyun nunca pensou que estava esperando algo em troca de , mas se sentia derrotado de alguma forma. Perdendo uma briga. Perdendo a guerra.
Ele não conseguia dizer nada e não fazia ideia de como estava seu rosto – ainda pálido, magoado. Se implorasse, deixaria pior ainda. Se aceitasse, morreria por dentro, mas no momento, nem sabia se queria mesmo isso. Não sabia de mais nada. Estava louco pra fugir daquela cena, louco para ficar sozinho.
Jaehyun se viu andando para a porta em piloto automático, sem enxergar realmente a maçaneta ou qualquer outra coisa, esperando sair daquele andar e daquele edifício com o triunfo de não soltar uma lágrima. Ele nem sabia porque queria chorar. Nem sabia se ia de verdade. Só precisava sair dali.
Mas antes que alcançasse a maçaneta, parou e pensou. Pensou por 3 segundos muito longos e arrastados até se decidir. E quando decidiu, soube que era pra sempre e que era definitivo. Que estava morrendo, mas tinha o direito às suas últimas palavras.
— Eu realmente amei você — ele se virou para ela. — De verdade. E acho que amaria de novo se tivesse a chance. Eu amaria todas as suas versões.
E achou que desabaria. Havia tanta tristeza e tanta dor naquele olhar que escureceriam o mundo inteiro. Era insana a forma que o mundo tinha de girar. Que os planetas tinham a capacidade de desalinhar tanto. Aquela cena estava tão errada que ela não sabia o que dizer.
Nunca existiu uma parte de que quisesse que Jaehyun olhasse para ela como estava olhando agora.
Nenhuma palavra saiu da boca da garota. Nenhum movimento tomou conta de suas pernas. E assim, Jaehyun girou a maçaneta e simplesmente foi embora.
Ela desmoronou no tapete um segundo depois, abraçando as pernas e se derramando sobre verdades dolorosas e mentiras preventivas. Todos os desastres aos quais tinha sido acusada desde que chegou não chegava perto daquele: dor. Rompimentos. Mágoas. Sangue, gritos e medos sem cura. se sentia uma destruidora. A infeliz presença que tirara tudo de ordem. Desestabilizadora do cosmos. Problema e caos disfarçado de solução.
Ela tinha sido Antônio na vida de Jungkook e Jaehyun. Tinha sido a ruptura de um laço já estabelecido antes mesmo que ela pegasse o primeiro avião na vida.
Doía muito. Todos aqueles sentimentos a inundavam, afogavam. O cenário era tão abominável que a deu vontade de fugir. Fazia muito tempo que não pensava em fugir. Fazia tempo que estava tentando montar um futuro diferente. Fazia tempo que desejava ouvir um eu te amo como qualquer garota normal. Fazia pouco que realmente se sentia uma garota normal.
só não sabia que amor confessado da boca errada penalizava mais o ouvinte do que o falante. As palavras cravaram no peito como foice enferrujada, trazendo morte ao invés da alegria idealizada.
Uma ilusão. Como tudo na vida de estava fadado a ser. Ela estava sendo feliz enquanto destruía tudo.
E assim, morrendo um pouco, terminou de destruir todo o restante de suas expectativas.



— Diz que quer me socar.
Yoongi soltou depois do momento confuso e desconfortável de silêncio. Ele olhava diretamente para o líder, agora sentado junto com os demais membros, que sabiam estar ali mais pela conveniência do que para realmente dizer alguma coisa.
Namjoon soltou uma risada sarcástica.
— Eu não vou te socar.
— Mas você quer — disparou Yoongi de volta. — Quer que eu saia lá fora e dê alguma explicação pública, e depois dizer que vou amar nosso fandom para sempre. E que…
— Pelo amor de deus, não quero nada disso — Namjoon negou com uma careta. Ele não gostava de levantar a voz, mas já tinha feito isso umas seis vezes desde que tinha acordado com aquela notícia. — Aliás, se dissesse que estava pretendendo sair lá fora e se desculpar por isso, aí sim eu te socaria. Você tomou uma decisão e agora vai sustentá-la até o fim. Só queria que tivesse passado na sua cabeça pelo menos uma vez contar pra gente. Ou, pelo menos, pra mim, já que Bang deve estar entulhando a minha caixa de mensagens.
— A minha também — Yoongi soltou um suspiro desanimado. Ele já conseguia imaginar as atrocidades que o chefe do alto escalão diria. Não tinha pensado nelas antes de agir porque isso o impediria de agir, mas agora, elas pareciam os cavaleiros do apocalipse marchando em sua direção.
O silêncio continuava pairando entre os outros membros, que ouviram Yoongi contar de sua epifania para uma nova música enquanto trabalhava no estúdio de casa quando recebeu uma ligação de seu agente, apresentando um possível adiamento repentino da nova mixtape que estava praticamente pronta. Yoongi perguntou o motivo, mesmo sabendo o que ele responderia minutos depois:
O que você acha? Candice Chaperman!
Pareceu um soco de realidade da mais insatisfatória. Yoongi não era uma pessoa de gritar – acreditava em uma frase que tinha lido uma vez em algum dos livros que tinha pego de Namjoon: as pessoas gritam quando não têm palavras para sussurrar –, mas percebeu que era exatamente o que estava acontecendo: gritando. Colocando para fora. Dando ordens avulsas para o outro lado da linha e culminando na decisão que tomou horas mais tarde.
Ele não estava arrependido. De absolutamente nada. Talvez apenas de não ter tido tempo de falar com ela antes de soltar a granada, mas ele confiava em Candice. E sabia que, mesmo com a surpresa, ela estava confiando nele.
Namjoon já estava com a voz mais estável quando se colocou de pé e soltou um grande suspiro.
— Ele pode dizer coisas bem ruins.
— Eu sei — Yoongi respondeu.
— Provavelmente ele vai — Jungkook comentou em voz baixa, concentrado em um ponto aleatório do piso. Ele imaginava os piores cenários, baseado em sua própria experiência. Yoongi prestava bastante atenção ao que ele falava.
— Não assim como foi com Jungkook. Talvez… — Namjoon parou no meio da frase e refletiu sobre ela. Não precisou de muito tempo para perceber que estava se enganando — É, talvez ele possa fazer a mesma coisa sim.
Porque não existia tanta diferença assim entre Ali Dalphin e Candice Chaperman, mesmo que Ali fosse famosa e de outro nicho. As duas eram de outra parte do mundo, tinham lugares para ir que eram muito diferentes do lugar onde Yoongi e qualquer outro membro do BTS deveria ficar. Eram estrangeiras, lindas e livres de inibições. As personificações do fim do mundo para uma parcela grande demais de pessoas de um mesmo continente.
As duas eram um problema para quem usava os rostos daqueles 7 rapazes como seu principal ganha pão.
— Você não pode simplesmente ignorá-lo? — Hoseok finalmente disse, e parecia um pouco mais agitado que o normal. Todos os olhares se voltaram para ele — Quer dizer, olha as coisas que ele disse para o Jungkook naquela época. Foram tão babacas e tão cruéis, eu não queria que você tivesse que…
— Não tenho medo de palavras, Hobi — Yoongi se jogou na poltrona logo atrás, bem na frente da mesa de som. — Se ele quiser gritar comigo por 3 horas, que fique à vontade. Não vai mudar minha decisão e muito menos os meus planos de produção, como tentou fazer hoje. Só não vou deixá-lo fazer alguma coisa contra ela — ele imediatamente virou os olhos para Jungkook, que retesou um pouco os músculos por baixo do casaco. Ele tinha passado por isso da pior forma possível: ouvindo ameaças do CEO contra sua namorada, chantagens que envolviam criar histórias patéticas em cima dela e manchar sua carreira pra sempre, mas ele não se importava com isso. Afinal, Jungkook sairia intacto, um coitadinho que foi enganado, enquanto Ali seria pintada como o pior tipo de mulher que existe. Jungkook nunca tinha pensado em quanto custaria uma rescisão de contrato até aquele dia, e não se importaria com o preço que teria de pagar. Se não fosse por Jimin, talvez ele realmente teria pagado. Será que Yoongi tinha pensado na mesma coisa naquela tarde?
Será que ele já tinha pensado alguma vez que viveria uma situação naquele lugar que ajudaram a construir que fosse repulsiva demais para continuar vivendo ali?
— Ele ainda vai dizer que está sendo generoso — Jimin resmungou entre os dentes, e parecia tão indignado quanto Hobi. — Aposto que vai dizer que está fazendo uma caridade não fazendo uma propaganda reversa pesada contra Candice na empresa. Meu Deus, ele é um pouco louco, vocês sabem disso. Yoongi, acho que devíamos ir com você. Esquece o fato de que eu queria te matar há 1 hora atrás, a gente devia…
— Tá tudo bem, eu vou sozinho — Yoongi levantou os ombros levemente, os olhos agora um pouco minguados depois de ter soltado tudo em cima deles. Pra dizer a verdade, era o que mais importava: que eles soubessem e o apoiassem, por maior que fosse o peso da situação pelo lado profissional. Yoongi não pensou em detalhes quando resolveu se abrir, mas depois, olhou para aquele grande passo e viu que tinha sido um tiro de confiança no escuro. Que não fazia ideia do que seria dali pra frente, mas se continuasse ascendendo até o topo, não importava. Estava de saco cheio de pisar em ovos por causa dos princípios dos outros. Por causa de uma cultura de perfeição irreal. — Na verdade… Quero ficar um pouco sozinho. Agora.
Os outros cinco se olharam com apreensão, e Jin estava prestes a se recusar a deixá-lo sozinho naquele momento, mas Namjoon levantou um braço e apenas assentiu.
— Você não quer ir pra casa? Ele não vai demorar a te achar aqui.
Yoongi balançou a cabeça em negação, virando a poltrona de rodinhas para a frente do monitor.
— Não tem problema. Já sei o que dizer.
Os outros se olharam de novo, desta vez com uma surpresa genuína. Deus do céu, ele parecia calmo demais. O nervosismo de antes nada tinha a ver com a reunião tensa que teria com o chefe. Era só para que eles soubessem. Agora que já tinha acontecido… Namjoon conseguia imaginar a postura quase arrogante de Yoongi sentado na ponta de uma mesa larga no topo do edifício, dizendo somente o necessário e cortando Bang Si Hyuk com todas as frases.
Um a um, os rapazes começaram a caminhada para fora da sala acústica, sussurrando e resmungando entre si sobre a tensão que já sentiam e o resultado que poderia vir daquilo. O choque por ser Min Yoongi naquela posição ainda não tinha passado. Os já intensos e tortuosos comentários da internet estavam dizendo a mesma coisa.
Quando o último deles chegou ao batente da porta, ele não atravessou. Jungkook olhou para baixo, para os lados, inspirou e expirou até apertar os dedos dentro dos bolsos do moletom e se virar para o mais velho.
— Como você fez isso?
Yoongi não esboçou nenhuma surpresa ao virar a cabeça lentamente para ele.
— O quê?
Jungkook revirou os olhos e fechou a porta atrás de si, deixando-os sozinhos.
— Como você fez isso? Do nada? Sem nem pensar que… — ele parou e puxou ar para os pulmões. Yoongi arqueou uma sobrancelha. — Você tá fazendo eu me sentir um burro.
— Por que você tá se sentindo burro?
— Porque não tive nem 1% da coragem que você teve. Não tive antes e nem tive agora. Então, é sério, como você fez isso?
Havia um brilho fosco nos olhos do maknae que Yoongi não estava entendendo. A primeira coisa que reparou nele assim que chegou foram naqueles ferimentos escabrosos, que honestamente, não o interessavam tanto assim. Sabia que Namjoon já devia ter dito o que precisava e o que não precisava para ele, e Yoongi realmente pretendia ficar sozinho, mas aquela coisa no olho de Jungkook o fez mudar parcialmente de ideia.
Se fosse usar uma palavra, o garoto parecia estar sentindo algo repulsivo. Sobre si mesmo.
Yoongi balançou a cabeça e voltou a olhar para o monitor agora aceso.
— Senta aí, Jungkook.
O garoto pareceu pensar e hesitar sobre a questão um pouco, mas ainda assim, atravessou a sala e puxou a cadeira ao lado de Yoongi, olhando para as mesmas linhas de frequência sonoras.
— Belo corte de cabelo.
— Valeu.
— Foi o Polyc?
— Foi.
— Fez uma tatuagem nova?
— Fiz.
— E tem alguma coisa a ver com caveiras? Mais uma letra de banda de rock? O nome do Bam?
— Tá tentando me chamar de burro de novo — Jungkook resmungou, olhando-o de soslaio. — Sei o que você quer perguntar.
— Sobre quem quebrou sua cara? — Yoongi deslizou os dedos sobre a mesa de som, fazendo soar uma pulsação alta e baixa ao mesmo tempo. — Você quer falar sobre isso?
— Não parei pra falar sobre mim.
— Tem certeza? — Yoongi riu pelo nariz. — Porque se eu ter dito para o planeta inteiro que tenho uma namorada fez você se sentir burro e covarde, então acho que quer falar de você.
Jungkook franziu os lábios e não tentou negar. Yoongi não tinha dito com nenhuma parcela de acusação ou má vontade. Sabia que Jungkook deve ter sido o único do grupo a não ficar alarmado demasiadamente com a situação. Sabia que sua experiência pessoal tinha lhe ensinado o significado da palavra paciência e coragem, mas ainda assim… ele não parecia um homem muito corajoso no momento.
Parecia perdido.
— Foi o Jaehyun — admitiu ele, o rosto iluminado apenas pela luz azulada do ecrã. — Ele fez isso. E… eu também meio que quebrei a cara dele. Literalmente. Não foi uma briga muito bonita.
Yoongi se virou para ele com o cenho franzido, puxando os dedos de volta do controle.
Jeong Jaehyun fez isso com você?
— É, eu também não imaginei que ele tivesse tanta força no braço. Achei que só se importava com abdominal — Jungkook tentou revirar os olhos e rir, mas Yoongi ainda parecia um pouco chocado. Não era como se Jaehyun tivesse batido sua cabeça contra a parede de Mingyu, mas era difícil imaginar aquele cara até mesmo levantando a voz para alguém, quanto mais partir para a violência.
— Mas por que ele bateria em você? O que você… — Yoongi parou com a boca entreaberta. — Ah. É claro.
Jungkook assentiu e desviou os olhos para outro ponto da sala. A cena do olhar furioso do amigo ainda estava vívida na mente, carregado de tanto desprezo e nojo que faria Jungkook quase pedir desculpas por existir.
Yoongi ficou em silêncio por um momento até perguntar:
— Como ele descobriu?
— De um jeito idiota. Muito idiota. Mas não importa mais — ele deu de ombros, olhando as linhas finas da mixagem se mexerem lentamente ao som do que quer que Yoongi estivesse criando ali. — O que importa é que eu dei um soco nele e não me arrependo nem um pouco disso, por mais babaca que seja.
— Eles ficaram juntos?
Jungkook parou de respirar por um momento, esboçando uma careta.
— Só de ouvir isso, já quero socá-lo de novo.
Yoongi sorriu pela primeira vez, reclinando a cadeira para que ficasse mais confortável.
— Então eu estava certo o tempo todo.
— Sobre o quê?
— Sobre você estar apaixonado por ela — respondeu, ainda sorrindo de uma piada particular. — Achei que você já tinha ido longe demais transando com ela, mas você sempre me surpreende, Jungkook. Desde pequeno.
Jungkook franziu a testa quando olhou para o mais velho, e não segurou uma risada. Yoongi o imitou, achando de repente engraçado o fato de que as coisas não tinham o peso que deveriam ter quando se tratava daquele garoto.
Os dois foram parando de rir aos poucos, agora ambos com a cadeira recostada e os olhos presos na tela e os ouvidos na música baixinha.
— Eu fui longe demais, Yoongi — Jungkook disse em voz baixa. — Longe demais, tarde demais, coisas demais.
— Não me surpreende você ter socado alguém. Sabe, não é tão incomum assim ficar com ciúmes.
— Eu estava morrendo de ciúmes — Jungkook frisou com um suspiro alto. O sentimento ainda parecia estar ali, escancarado. — Morrendo. De um jeito patético, mas muito verdadeiro. Desesperado. E parecia muito errado se sentir assim, mas parecia muito mais errado ver os dois juntos.
Yoongi encarou o garoto pelo canto do olho, sentindo-se um pouco melhor por vê-lo sendo tão sincero sem que ele precisasse pedir. Normalmente, ele diria um alto e intenso “não é da sua conta” caso Yoongi ou outra pessoa perguntasse o que tinha acontecido com seu olho direito, e outro “vá se foder” caso tentasse dar algum conselho sobre isso.
— E como Jaehyun está? — perguntou o mais velho, remexendo na pequena telinha ao lado do teclado, mudando as configurações do sistema, esbanjando agora uma luz esverdeada sobre os dois.
— Com o nariz quebrado. E acho que algum dos dedos também — disse Jungkook. Yoongi riu sem pestanejar.
— Ok, acho que vocês não estavam bem pra ter uma conversa.Você andou bebendo, não é?
— O equivalente a todos os últimos meses — Jungkook respondeu com o timbre baixo e um pouco cansado. Só lembrar disso o fazia afundar o rosto entre as mãos de novo, se martirizando. — Fiz muita merda ontem. E normalmente não dou a mínima para o que eu faço bêbado, mas quando você vai parar num quarto de hotel com uma garota e beija ela ao invés de tirar a roupa dela, acho que preciso repensar sobre onde eu ando descontando meus dias de merda.
Yoongi virou o corpo na cadeira imediatamente.
Beijou? Oi?
Jungkook revirou os olhos e contou toda a história. Pelo menos o principal do que se lembrava, os cenários que foram se desenrolando com o passar do dia, e que ele torcia para que não continuassem porque aquele pouco já era o suficiente.
Yoongi parecia chocado no início, mas agora, apenas tentava segurar o riso.
— Caramba, quanta coisa. Você beijando alguém.
— Alguém que mal conheço e que não significa nada pra mim, Yoongi. Beijei porque estava bêbado, tinha fumado não sei quanta erva e não sabia distinguir um palmo na minha frente, mas de repente eu precisava fazer isso. Precisava beijá-la, porque mesmo chapado e maluco como estava, eu não parecia ser eu mesmo.
— Porque beijar alguém afasta você de você — Yoongi repetiu o discurso que estava meramente cansado de escutar, revirando os olhos levemente. Jungkook batia naquela tecla desde que o conheceu, mas coisas absurdas continuavam sendo absurdas, não importava o quanto continuassem sendo perpetuadas.
— É! Sei que não é algo normal pra maioria, mas é o que eu sempre fiz. Eu não beijo. Não abro a brecha. Nunca quis a intimidade que vem com isso, todo aquele peso de romance e…
— Ou será que você nunca quis se entregar? — Yoongi disse casualmente, desenhando círculos aleatórios na pouca poeira que deixavam acumular em cima da mesa. Jungkook juntou as sobrancelhas em sua direção. — Será que a visão contrária que você adquiriu de um ato tão comum não seja apenas medo de cair de cabeça? Você é um cara que procura ser bom em tudo. Te dá um certo tipo de controle quando as coisas só dependem de você. Mas quando outra pessoa entra na jogada…
— Eu não sei — Jungkook interrompeu, balançando a cabeça. — Quando o assunto é só sexo, não me importo nem um pouco de mandar bem. É algo tão… Trivial. Gostoso, mas instintivo. Dá pra aproveitar sem registrar um casamento ou mandar mensagens de consideração no outro dia, é uma conta que fecha no positivo. Não vou envolver beijos em uma relação que não vai dar em nada, que eu não quero que dê em nada.
— Mas agora você quer se entregar — novamente sem perguntas, Yoongi levantou o canto dos lábios em um sorrisinho cúmplice. Jungkook pairou naqueles olhos convencidos por um instante até suspirar.
— Eu quero me entregar — admitiu. — Quero tanto me entregar. Acho que só de falar isso já tô me entregando. Na verdade, já me entreguei há muito tempo, desde o momento em que não conseguia pensar e querer mais ninguém além dela. Acho que desde a primeira vez que abri os olhos e vi ela dormindo do meu lado. Tô ferrado, Yoongi. Feliz, eufórico, apavorado e fodido.
— Por que você se sente assim? — Yoongi franziu o cenho.
— Porque sinto que cheguei tarde. Na verdade, nem dá pra dizer que cheguei, porque ela estava ali. O tempo todo. E no fundo eu sempre soube o que sentia, mas isso me apavorava. Amar sempre pareceu demais pra mim. Não só por eu me ver exposto e diferente, mas porque tinha certeza absoluta que não tinha como essa garota me amar de volta. Por que ela amaria? Olha tudo que eu fiz pra ela. Fui um idiota completo — ele ergueu um dos braços para se livrar do boné e bagunçar o cabelo, a face endurecida na direção do monitor — Disse coisas, pensei coisas, agi de formas horríveis que fariam qualquer pessoa normal me odiar para sempre. Por que ela me acharia alguém confiável?
— Porque talvez tenha visto em você algo que você não viu — Yoongi contrapôs no mesmo instante. — Talvez tenha entendido o motivo da sua raiva mais do que você mesmo, que você não a estava culpando de verdade, que ela era só uma distração. Uma distração do seu próprio sentimento de insuficiência. Talvez tudo isso fez com que ela te amasse também.
Jungkook travou um pouco no mesmo lugar, adquirindo uma palidez rápida que desapareceu quase na mesma hora, mas que deixou resquícios de pontos gelados nas suas articulações. Ele abriu e fechou a boca várias vezes até conseguir perguntar em um sussurro:
— Acha que ela me ama?
Yoongi sorriu com complacência.
— Acho que você já sabe essa resposta.
Yoongi não o contaria sobre as diversas sessões de reclamações de Candice, que ainda estava muito brava com toda a situação secreta de Jungkook e , mas não pelos motivos que se esperava. Candice Chaperman se atentava a detalhes de um todo. Tecnicamente, a loira não tinha mais motivos para ficar nervosa com o fato de ter ido pra cama com um cara que a detestava por tanto tempo. O que acabou, acabou. Ela não queria ver o que estava fazendo para superar aquilo. Mas Candice ainda tinha tiques de fúria toda vez que Yoongi tocava no nome do maknae, mesmo depois do fim, o que só podia significar que as tentativas de sua melhor amiga de se desvencilhar de toda aquela aventura estavam encontrando uma vala de fracassos.
E Yoongi entendia as coisas rápido, muito rápido.
— Pode ser que ela me ame — disse o rapaz, com o olhar aéreo. — Mas não sei se quer me amar. Porque ela não confia em mim. Porque estou sempre chegando nas horas erradas, Yoongi. Fazendo coisas nas horas erradas. Se não tivesse ficado desesperado e tentado ligar pra ela ontem à noite, não acordaria com meu número bloqueado. E mesmo com isso, procurei ela por todo canto, fiquei maluco querendo encontrá-la, fiz merda atrás de merda e agora… — ele suspirou forte. — Voltei a não ter certeza se a mereço.
está fugindo dos próprios sentimentos, Jungkook. Ela está tentando seguir em frente. É um direito dela.
— Eu sei. Por isso tô me sentindo um filho da puta por querer ir lá e fazê-la mudar de ideia.
Yoongi observou a face contorcida de Jungkook em frente à tela com a certeza de que estava diante de duas versões simultâneas do garoto, brigando entre si: a simplória, aquela que pertencia a um jovem de 16 anos que usava blusões laranja brilhante estampado com um desenho próprio quando se curvou diante dele pela primeira vez e o tratou como um hyung. E a segunda, a ambiciosa, do rapaz que odiava esse blusão com aquele desenho autoral no peito e queria ter um carro chamativo, e que dizia palavras de três a quatro sílabas em qualquer veículo digital porque queria parecer minimamente descolado para pessoas ao redor do mundo. Esse último Jungkook parecia mais legal, mais adulto. As pessoas o amavam. As pessoas o queriam. Para Yoongi, sempre foi abominável ser permissivo demais a ponto de perder a sua essência, mas para quem nunca tinha conhecido Jeon Jungkook de Busan, aquele era seu eu verdadeiro.
Às vezes, o próprio Jungkook acreditava nisso.
Mais do que tudo, Yoongi esperava que ele voltasse à primeira versão. Em algum momento. Ainda que fosse tarde demais.
O mais velho sorriu subitamente, o canto dos lábios se esticando e aumentando, o som das últimas palavras de Jungkook se repetindo sem parar em sua cabeça.
Jungkook se virou para ele, sem entender.
— É sério? Vai rir da minha desgraça agora? Eu não fiz isso com você.
Yoongi riu um pouco mais alto, balançando a cabeça.
— Tinha esquecido de como você podia ser dramático, Jeon.
Dramático?
— É. É muito dramático se sentir um filho da puta. E é uma ingenuidade deixar de agir por causa disso.
Jungkook franziu ainda mais o cenho. Dava pra ver que não estava suportando tudo aquilo dentro dele, mas não sabia como se livrar do sentimento de cabo de guerra.
Yoongi umedeceu os lábios e deslizou os dedos pelo teclado baixo de novo.
— Sabe, sou um pouco mais velho do que você. Vivi coisas que você não viveu, tive pais que você não teve, dificuldades que você não teve, e acho isso muito importante para a dinâmica do nosso trabalho, porque somos tão individuais e temos tanta história pra contar, tanto em grupo quanto no pessoal. Admiro cada pedaço da história de cada um de vocês e sempre achei que eu teria algo pra ensinar. Sempre ensinar. Mas no fim, acabei aprendendo com você — ele olhou para o garoto de soslaio. — Na época da exposição do seu namoro, eu te vi tão desesperado e valente contra todo um meio empresarial que só consegui pensar: ele é uma criança. Sempre foi uma criança teimosa, mas também sempre foi uma criança obediente, assertiva, calada, fazendo mais do que falando, treinando mais do que todo mundo porque tinha tanta insegurança no início que seu maior medo era não ser o que esperávamos. Sempre se preocupou tanto com o que as outras pessoas iriam falar. Então, no fim das contas, era isso que as pessoas esperavam de você. Que obedecesse — Yoongi deu de ombros, e continuou com uma ligeira careta: — Sinceramente, não admirava muito esse lado seu, por mais que entendesse porque ele existia. As pessoas sempre romantizam esforço exagerado como se fosse algo a se louvar, mas a causa do seu esforço não era. Pelo menos não depois. No início, você se esforçava demais porque realmente queria aquilo. Porque tinha largado sua casa e sua família para trás e queria alcançar um sonho. Nessa parte, todos nós éramos iguais e acho que foi o que nos uniu. Um bando de garotos perdidos entrando em uma empresa que não sabia como se manteria depois de 6 meses, entulhados em um dormitório que mal nos cabia e só... sonhando.
— Época boa — Jungkook riu pelo nariz, tentando sorrir.
— Concordo. Mas eu te vi mudar depois que as coisas começaram a dar certo. O que é totalmente louco, porque elas estavam dando certo. Estávamos colhendo nossos frutos depois de alguns anos e de repente você estava se empenhando exageradamente com a dança e com os vocais por outro propósito. Você queria melhorar porque alguém no Twitter disse que você não era tudo isso. Depois queria melhorar ainda mais porque outro alguém disse que você era ótimo, tão ótimo quanto o G-Dragon ou outro artista que você gostava e que ainda não era igual. Você se martirizou por ter bebido vinho em uma live porque não era o que os idols deveriam fazer. Você deixou de postar fotos no Weverse por meses porque as pessoas falaram do seu cabelo. Depois pintou o seu cabelo porque disseram que ficaria bonito de tal cor. Você fazia tantas coisas para os outros que eu nem sabia mais o que você queria — Yoongi respirou fundo. Os traços de Jungkook estavam visivelmente trincados à meia luz do monitor, os olhos mais atentos do que antes. — Você se apaixonou e se envolveu com uma pessoa que achou que era demais pra você. Colocou ela em um pedestal tão grande quanto esse prédio. Não se viu na mesma altura que ela, porque certamente pensou que as pessoas diriam que ela era demais pra você. Sabe-se lá porquê. E então, te vi passar por cima de coisas que gostava, passar por cima daquele garoto da sala de ensaios para se tornar aquele cara que seguia o fluxo. E não falo sobre trabalhos, letras e músicas que precisamos vender porque não somos ingênuos, mas falo de Jeon Jungkook. Aquele que eu admirava. Aquele que não tinha medo de dar um passo em falso porque acreditava que fazia as coisas por um bem maior. Por ele mesmo. Que merecia os bons resultados que vieram.
Yoongi ainda passeava com os dedos pelo teclado, trocando as mixagens em um gesto automático, deixando a música passear sem compromisso pelas quatro paredes. Jungkook ao seu lado agora não olhava para nada e ninguém em especial, lutando contra o constrangimento ridículo que queria dominá-lo ao se lembrar de tudo que Yoongi dizia, ao mesmo tempo em que se sentia mais confortável ali do que não se sentia em lugar nenhum há um bom tempo.
Mesmo com o rosto virado, Yoongi sabia que ele estava prestando atenção.
— Pensei nesse Jungkook quando falei o que falei hoje — admitiu, em uma voz tenra e um tanto paternal. — Pensei nele e naquela raiva explosiva que estava exibindo há alguns meses, vendo tudo que tinha preservado nos últimos anos, simplesmente ir embora. Preservado, não construído. Ir embora, não tirada de você. Eu vi isso tantas vezes e nunca parei pra te explicar. Não achei que era o momento pra te falar nada disso, você não escutaria de qualquer jeito. Mas sei que você entendeu depois. Aos poucos, no seu tempo, você foi avaliando e percebendo. Você não construiu nada com Ali. Você se desconstruiu. Pegou o que ela te oferecia e foi colocando no lugar dos seus tijolos. Tinha mais dela em você do que você nela. A sinergia era desigual. E ainda assim, você estava tão apaixonado... Que não ia perceber ou aceitar a parte do "ir embora". Não ia aceitar que ela quis isso, mesmo com todo o esforço que você fez. Você automaticamente pensaria que não colocou tijolos suficientes. Que deixou um buraco aparecendo — ele suspirou e puxou a mão de volta. — Não, esse Jungkook eu não deveria apoiar. O cara incapaz de ser minimamente prudente no meio daquela confusão que, no fim, envolvia a todos nós. Ninguém estava enxergando os dois lados da situação, ninguém estava sendo imparcial. Eu devia ser o adulto, o mais velho, o braço direito do nosso líder. Deveria ficar do lado da razão. Mas quer saber de uma coisa? Acho que foi exatamente ali que eu voltei a te admirar — Yoongi sorriu languidamente. — Porque vi, depois de muito tempo, você fazendo alguma coisa que você queria. Alguma coisa por você.
— Não era só por mim — Jungkook cuspiu as palavras de volta para ele. Yoongi assentiu.
— Eu sei. Mas, no fim, era a sua felicidade em jogo. Uma felicidade que você escondeu por muito tempo, tendo o cuidado de cumprir as regras da empresa com cautela para manter segura, intacta. Vi você se transformar em um adulto muito rápido, Jungkook, e sei que ter algo importante a se guardar ajudou nisso, mas ver você lutando pela Ali naquelas reuniões do andar de cima que vou enfrentar daqui a pouco me trouxe um gás muito louco. Era irresponsável, era inconsequente, era leviano, mas despertou um lado em você que simplesmente não tinha mais medo das coisas darem errado. Não tinha medo da opinião alheia. Você não tinha medo de nada — Yoongi deu de ombros. — Admirei você pra caralho. Foi corajoso de um jeito que eu nunca imaginei que poderia ser. Até eu realmente ser, hoje, porque simplesmente não suporto mais a ideia de perder tempo. Não suporto mais rótulos, estereótipos, imagens, inverdades, estar em um pedestal. Acho que cansei de olhar pra cima. Estou satisfeito com esse topo.
Foi a vez de Jungkook sorrir, enquanto se empertigava levemente no bando.
— Coragem é um termo que não combina muito comigo — disse ele, sentindo os novos traços de Polyc queimarem na costela. — Com ela, pelo menos, não é o que eu sinto. Desperdicei todas as chances que ela me deu. Você não devia me usar de exemplo, hyung. Mas você mandou muito bem hoje, conseguiu me superar. Principalmente porque nem parece estar se sentindo um filho da puta por isso.
— É a paz de acreditar que fez a coisa certa. De não se esconder. Sei que você queria muito isso antes — disse Yoongi, com uma certeza intrínseca. — Antes mesmo de tudo explodir.
Jungkook o encarou, sem saber o que responder imediatamente. À medida que o tempo passava, ia entendendo e assimilando cada vez mais coisas sobre si mesmo. Retornando à momentos e sentimentos que nem sabia que tinha registrado. Nos últimos 3 anos, Jungkook era apenas um cara com um monte de coisas e um buraco dentro dele que mastigava um pedaço a mais de seu coração a cada ano – seu coração, mente, princípios e valores. Um que ele não entendia a origem, o motivo. Esse tipo de reflexão era sempre afastada por ele, porque no fundo, não importava de verdade quando se estava tão feliz a maior parte do tempo.
— É, eu sempre me escondia com a Ali. De uma forma mais profunda que o literal — ele anuiu, deixando que a reflexão perdida agora tomasse conta. Desde que tinha pensado sobre aquele assunto pela primeira vez, muitas coisas escondidas apareciam. Ele talvez nunca fosse capaz de entendê-las completamente, mas não tentava mais afastá-las. — Me escondia nos restaurantes caros da Europa que eu odiava a comida, no apartamento dela recheado de pílulas, nos momentos em que todas as vezes que ela pisava no meu quarto, eu precisava me livrar de alguma coisa. Não porque ela dizia, mas porque… Parecia tão idiota. Ter uma camiseta do Homem de Ferro parecia tão idiota — uma risada seca escapou com a ideia. — E os mocassins. Eu comprei mocassins. Verdes. E uma camiseta verde, e uma calça de alfaiataria com as barras dobradas. E acho que era bege! — Os dois riram intensamente por quase um minuto. Yoongi levou os braços para trás da cabeça enquanto Jungkook apoiava os cotovelos nos joelhos e virava a cadeira na direção do amigo. Ele abriu as pernas por debaixo da mesa, sentindo-se um pouco mais relaxado e menos retraído desde que tinha visto Jaehyun naquela manhã. — Eu comprei um monte de coisas que eu não queria, cara. Me livrei de um monte de coisas. Aceitei um monte de coisas. E tudo isso porque eu quis. Às vezes, essa é a parte difícil: reconhecer que você tem parte da responsabilidade. Principalmente se foi você quem se perdeu porque decidiu seguir uma placa mais enfeitada que as outras.
— Mas isso ainda não te torna responsável pelas coisas que ela fez — Yoongi retorquiu; o mesmo tom sério, porém revigorante, ainda estava ali. O tipo de coisa que só Min Yoongi tinha. — Você se recusou a ver e aceitar isso por um bom tempo. Preencheu seus dias sendo um babaca por aí depois que ela foi embora. Mas alguma coisa me dizia que você ia mudar de novo. Ia cair em si. Já estava fazendo isso de um jeito meio perturbado, mas estava. Nessas horas, agradeço que apareceu.
Jungkook riu novamente, projetando algo um pouco amargo e desanimador, que partia seu coração em dois ao mesmo tempo que o reconstituía. Yoongi preferiu ver apenas a parte cômica disso.
— O quê? Você foi um imbecil, mas estava sendo verdadeiro, pelo menos. Você reclamou mais que o normal, xingou mais que o normal, fumou e bebeu como se não houvesse amanhã e tentou de todas as formas preencher esse buraco que Ali deixou de formas erradas e burras, mas pela primeira vez desde que te conheço, não estava preocupado com o trabalho. Não queria saber das câmeras e nem do público que criou nos últimos anos, aquele que você sempre se preocupava, ouvia e seguia o que diziam como um mantra. Fazia exatamente o que sugeriam que você ficava melhor fazendo. E mesmo que tenha colocado Namjoon e toda a empresa de cabelo em pé, você estava sendo egoísta. Fazendo merda pela sua sanidade, não para a dos outros — Yoongi levantou os ombros novamente, enfático. Jungkook já tinha parado de sorrir. — Até mesmo pra odiar você não escondia uma mínima parcela do que estava sentindo. Existem milhares de pessoas lá fora que nunca vão poder dizer que viram Jeon Jungkook sendo 100% escroto, sem pisar em ovos, expondo seu verdadeiro eu para alguém que não seja seus amigos mais próximos. Você não usou máscaras perto dela desde o início e isso, de alguma forma, sempre significou alguma coisa.
Jungkook desviou os olhos para baixo, encarando as próprias mãos. Ele levou alguns momentos para localizar as linhas da vida atravessando sua pele, usando-as como molde para uma lembrança que doía, mas que traduzia. Uma verdade irreparável, inquestionável. Em nenhuma das vezes que tinha tocado em , estava pensando em outra pessoa. Sendo outra pessoa. Sentindo o que não estava sentindo. Pensando em mil e uma formas de se adequar à ela, refletindo o que ele tinha de errado e como poderia mudar isso.
— E sabe... Quando a sua raiva passou, já era tarde demais pra você voltar a ser aquele cara de antes dela. Só te restava ser a única coisa que podia: você mesmo. — Yoongi continuou, aproximando-se vagamente do garoto. — E você constrói coisas. Se esforça por algo que quer fazer, e não o que os outros querem que você faça. Conquista as pessoas sem precisar se desfazer de si mesmo. É um cara que merece as coisas que ama, Jungkook. Quando entender isso, não vai mais ficar com medo de dar errado. Não vai se sentir um filho da puta por querer lutar por elas. Não vai ficar com medo de errar e vai ocupar espaços ainda maiores. Quando tiver coragem de lançar aquela música parada, é quando vai mostrar ao mundo que Jeon Jungkook de Busan é o rosto verdadeiro que eles admiraram por tantos anos.
Jungkook ergueu o queixo e riu com um pouco mais de sinceridade, esboçando uma careta.
— Isso não é sobre a minha música…
— Claro que é. Quando você parar e refletir, vai ver que é — Yoongi enfatizou, em tom óbvio. — A música de Ali ainda está com você. Todos os medos e todas as coisas ruins que te transformaram em um covarde também. Todas essas coisas continuam caminhando com você, formando essa sombra bizarra que não te deixa enxergar com clareza. Solta isso.
Yoongi se levantou no momento seguinte, agarrando o telefone que vibrava do bolso de trás. Provavelmente, ele também não tinha tocado naquela coisa desde que decidiu abrir a boca para o mundo, e agora, não podia mais fugir do que o esperava. Bufando, ele olhou para Jungkook por um instante e disse:
— Se quer saber o meu voto, eu torço para o seu time. Gosto do jeito que você fica quando fala de , quando olha pra ela. Não é alguém que está se esvaindo, evaporando. É alguém voltando a si — ele arqueou uma sobrancelha; novamente, como se fosse óbvio. — Mas não conta isso pra Candice. Não preciso me complicar mais do que já estou.
E então, o mais velho bagunçou um pouco do cabelo curto de Jungkook e atravessou a sala na direção da porta.
— Espera — Jungkook se levantou, um pouco afoito. — Você precisa de ajuda? Quer que eu vá com você?
Yoongi sorriu de canto. A cena era adorável e simplória. Jungkook não tinha certeza de como exatamente poderia ajudá-lo, mas só de estar ali, de pé, sua sombra uma coisa pequena e azul ao lado do monitor, com os próprios problemas e questões nas costas que provavelmente seriam mais difíceis de resolver do que Yoongi, já significava muito para o membro mais velho.
— Não precisa. Já disse: tô em paz. Fiz a coisa certa.
Jungkook mordeu a língua para não dizer, mas quando viu toda a confiança de Yoongi, já estava se destrambelhando e avançando:
— E o que eu faço, hyung? — perguntou em voz baixa, insegura. — Parece que as coisas ainda estão… desmoronando.
Yoongi endireitou o corpo na direção de Jungkook, inspirando um pouco de ar para responder.
— Então começa colocando elas de pé — declarou, com os mesmos olhos sérios de antes. — Limpando a cabeça. Organizando suas pendências. Traçando um plano. Pode parecer um banho de água fria e uma incoerência dizer pra não agir impulsivamente dessa vez, mas é isso que vou dizer. Não estou falando do trabalho e da fama como empecilho, mas é a . É alguém do seu eu verdadeiro. Alguém que você se preocupa além de si mesmo, alguém que merece você por inteiro. Se ainda não estiver pronto para oferecer isso a ela, então fique pronto primeiro. Se liberta — Yoongi voltou a virar o rosto de perfil, os pés quase no batente. — As loucuras de amor funcionam melhor em conto de fadas e dramas de TV, Jungkook. Na vida real, dar tempo ao tempo é a melhor estratégia para colher o que dura pra sempre. E se você tiver de lidar com as consequências de ter chegado tarde demais ao invés disso, tudo bem. Você vai ficar bem. Vai sobreviver. Mas saiba que os sinais do momento certo são mais explícitos do que você imagina.
Ele sorriu. E pareceu verdadeiro, descomplicado. Aqueceu Jungkook inteiro por dentro, dando-lhe a certeza de que era tudo que precisava ouvir naquele momento.
— Dar tempo ao tempo… — repetiu para si mesmo, a sentença soando amarga no início para uma mente tão apressada, mas de repente, um estalo a transformou em um hino. Na frase perfeita, as letras perfeitas, as palavras perfeitas. Um momento perfeito. Uma ideia perfeita. Jungkook arfou: — Ei, hyung! — Yoongi parou novamente antes que saísse para o corredor. Virou-se e viu um sorriso presunçoso de Jungkook. — Você ainda tem o número dos Elfos de Balrona?



se esticou para o lado do carro para baixar a janela do passageiro antes que Yoona desse a partida. Algumas gotas da chuva recente ainda salpicavam a maior parte do vidro, embaçando sua visão do trânsito inquieto da capital. Já fazia quinze minutos que a orquestra de buzinas tinha começado, junto com a dança dos limpadores de pára-brisa e garotos de 14 anos costurando a aglomeração de veículos com os braços estendidos debaixo do aguaceiro na direção das janelas em busca de um trocado ou a chance de vender pacotes de balas vencidas por 1000 wons cada.
puxou duas notas de 10000 do compartimento externo da bolsa e as passou por uma frestinha da janela. Recebeu dois pacotes retangulares com desenhos de espirais coloridas. Virou e ofereceu um para Yoona.
— Menta com chocolate? Não, obrigada — respondeu ela, ainda tamborilando os dedos impacientes no volante. Seu pé balançava tão perto da embreagem que um mísero movimento em falso colocaria aquele carro em movimento e geraria um cenário de ainda mais caos.
suspirou e despejou a primeira carreira de doce para o colo, um pouco decepcionada pelo sabor. Ela também odiava menta com chocolate. Tinha gosto de pasta de dente. Puxou a outra embalagem e passou o olho rápido sobre o nome escrito à mão em cima de um pedaço de fita adesiva.
Blueberry.
Mas ela não leu blueberry. Com o cérebro letárgico e um tanto cansado de várias noites de sono agitado, as palavras eram automaticamente trocadas no sistema nervoso central, transformando-as em um eco daquilo que já estava registrado na mente.
Cranberry.
Ela piscou os olhos duas vezes. Foi o suficiente. O alfabeto entrou no eixo. Blueberry. Blueberry. Blueberry.
juntou o segundo pacote com o primeiro e os jogou na bolsa, com um pouco de ressentimento. Era quase 6:00 da noite. Tinha conseguido um recorde: ficar 2 horas sem pensar naquilo. Sem pensar nele. Sem relacionar qualquer coisa com ele.
Yoona afundou a palma da mão na buzina, estremecendo todo o carro.
Argh, estamos a menos de 300 metros da agência. Como isso é possível? — Resmungou, empurrando a franja para cima da cabeça. Ela não parecia mais tão preocupada em manter o cabelo intacto; normalmente escorrido, naquele dia ele exibia um corte repicado nas pontas, sustentado com muito fixador e uma dose de sorte ao conseguir chegar no carro antes da chuva despencar. compartilhou dessa mesma bênção quando entrou naquele banco há 40 minutos atrás, ainda que seu alívio não tivesse nada a ver com o cabelo ou as roupas atipicamente mais elaboradas naquele dia.
Ela virou o rosto para o lado de Yoona na janela. 300 metros talvez fossem uma estimativa esperançosa demais, mas a ponta do arranha-céu da Hybe era visto muito de perto, escondido por trás de um outro edifício quadrado tão grande quanto, mostrando que estavam há uma esquina de distância da porta giratória da entrada.
O carro da frente avançou por alguns míseros centímetros. Yoona grunhiu e afundou a cabeça no volante.
— Não acredito que vamos perder a estreia com a equipe!
olhou no relógio do celular. Faltavam menos de 15 minutos para as 6:00, o horário marcado para o lançamento do MV e do novo álbum dos garotos do Tomorrow by Together. Em clima de festa, todos tinham sido convocados a comparecer em um mega jantar de equipe que aconteceria em algum restaurante já devidamente reservado nas redondezas, o que obrigou Yoona a fazer as unhas e o cabelo e exigir que fizesse a mesma coisa. A parte das unhas tinha sido executada com sucesso, mas o cabelo estava como sempre – talvez com o diferencial de cachos mais soltos e delineados, finalizados com um pouco mais de calma – e os tênis seriam os mesmos, mas aquilo soou como uma ofensa à Yoona e a toda equipe de criação da Big Hit Entertainment, fazendo-a trocar por… outros tênis. Menos gastos, menos arranhados.
Ela repuxou os lábios pintados de um vermelho leve enquanto o carro vizinho andava mais um pouco.
— Estamos quase chegando, Yoona. Infelizmente, o seu Mustang não é igual ao da família Weasley — murmurou, esticando o pescoço para tentar ver por cima do mar de veículos. Alguma coisa estava se mexendo mais rápido lá na frente, dispersando o tráfego com maior agilidade. Yoona resmungou como aquela comparação de era injusta, e que certas coisas não precisavam ser ditas, mas no fim, virou a cabeça na direção da amiga e falou:
— Você devia ter vindo de preto.
revirou os olhos. Era a terceira vez que escutava isso desde que tinha entrado naquele carro. Aparentemente, preto era uma cor óbvia para se usar quando o conceito de lançamento era de uma pegada emo gótica dos anos 2000. Ela devia ter usado um vestido preto, e não… Aquilo que estava usando.
— A saia é preta, não é suficiente? — ainda parecia um pouco indignada. Estava muito feliz com sua saia cargo e a blusa de manga longa azul. Ela tinha um caimento perfeito que deixava seus ombros expostos, e combinavam com o tênis branco. Era o suficiente.
Yoona balançou a cabeça em negação, avançando com o carro por mais alguns metros.
— Isso não é preto, é azul escuro. Dá pra perceber há quilômetros de distância.
não respondeu. No fundo, não fazia diferença. Tinha sido a primeira coisa que apareceu na sua frente depois de ter ficado o dia inteiro simplesmente… existindo. Pensando em desculpas toscas para não comparecer àquela comemoração, mesmo que fosse o momento mais esperado dos últimos meses e que seus colegas com certeza sentiriam sua falta.
Fazia 3 dias que procurava desculpas. Que procurava motivos para não falar ou olhar para ninguém, porque mal conseguia se encarar no próprio espelho. Cada mísero reflexo na retina mostrava Jaehyun e seu último olhar antes de sair pela porta. Ressoava a voz de Jungkook em suas últimas palavras ao telefone. Montava uma bagunça suprema no cérebro de , que sofria com o peso de suas escolhas, seus desejos e suas sentenças. Seu próprio silêncio a matava. A quietude da parte de Jungkook tinha o mesmo efeito, ainda que ela soubesse que era melhor assim, que tinha exigido isso ao bloqueá-lo. Mas saber o que é melhor não significava que as coisas ficavam melhores. A sensatez se tornou um mar de privações, onde era tomada pela ansiedade do que poderia ter destruído e do que seu estúpido coração ainda queria destruir, porque ainda continuava ambicionando o que certamente era uma afronta à todas as boas ações de Jaehyun para ela.
Continuava pensando em Jungkook. Muito. O tempo todo. Mesmo depois das alegações de Jaehyun sobre os verdadeiros sentimentos do maknae.
Isso era impróprio, obscuro. Suas emoções estavam fora de controle. A partir do momento em que Candice abriu a porta e a encontrou encolhida no chão da sala em meio à uma explosão de lágrimas sem precedentes, soube que não estava normal. Que as coisas nunca mais voltariam ao normal. Naquele momento único, entrou em um estado muito explícito de transição, e quando toda aquela angústia e choradeiras esporádicas passassem, uma nova mulher surgiria. Talvez melhor ou pior do que antes – não dava para adivinhar. Não dava sequer para pensar nisso agora, com toda aquela balbúrdia acontecendo com Candice e seu mais novo status social.
Mais uma vez, era hora de segurar as lágrimas e fingir que não estava desmoronando por dentro.
Nos próximos 5 minutos, o trânsito abarrotado deslizou com tremenda rapidez para a frente. Yoona soltou um gritinho alegre pela evolução e não perdeu tempo ao pisar no acelerador, dirigindo por poucos metros até dar a volta em torno da área verde da entrada da empresa para chegar no estacionamento. mal prestou atenção em como ela tinha feito aquilo – foi tão rápido, e um pouco perigoso. Nem foi preciso que ela misturasse o Mustang na pista de quatro faixas que corria ao lado da agência.
— Vamos nessa! — Yoona se livrou do cinto de segurança com certa brutalidade, batendo a porta do carro antes mesmo que saísse do lugar. Lentamente, a garota suspirou e agarrou a bolsa com as pálpebras baixas de apatia, tentando treinar um sorriso convincente no rosto enquanto saía para fora e seguia Yoona para dentro.
Ainda havia um pouco de tráfego e chuva quando parou sob a cobertura da entrada do edifício, puxou a sua nova Nikon F100 e a apontou para cima, na direção da protuberância negra e espelhada que era a extremidade daquela construção, contrastando perfeitamente o céu nublado e inchado de tempestade como pano de fundo.
O clique foi melancólico, exatamente como estava o coração de . E, de alguma forma, ela queria se lembrar disso depois.



— Feito, porra! Acabou!
Jungkook soltou os dedos da guitarra Fender e se recostou na parede de isolamento acústico do estúdio segundos antes de ser engolfado pelo abraço de urso de Dojoon, que já se sentia extremamente íntimo do cantor desde que caminharam juntos para o estacionamento há 2 dias atrás para buscar mais café e energético para suprir outra madrugada de trabalho. Jungkook retribuiu o abraço do tecladista, dando um tapa forte em suas costas, sorrindo tanto a ponto de gritar. Já estaria pulando de alegria se não estivesse tão exausto.
Mas o cansaço se esvaiu completamente dele e de todos os outros caras ao ouvirem aquele berro de finalização. Em um segundo, todos eles largaram seus devidos instrumentos e se reuniram no meio do cômodo apertado, trocando abraços, urros e toques para demonstrar o quanto tudo aquilo era… Incrível. Insano. Demais. Tão significativo para cada um daqueles rapazes, e igualmente relevante para Jungkook.
— Foi incrível, cara! Meu deus, isso foi demais! — Jaehyeong gritou, arrancando a faixa diagonal do baixo e colocando o apetrecho de lado com uma brutalidade de alegria. O rapaz teve sucesso em ultrapassar os outros membros e abraçar o vocalista talentoso que nunca achou que conheceria, quanto mais trabalharia com ele. — Você vai, finalmente, autografar a minha bunda? Diz que vai, por favor!
Uma explosão de risadas tomou o lugar ao mesmo tempo em que a porta era aberta e Joo Hyuk atravessava o batente com um sorriso orgulhoso no rosto e uma caixa nada misteriosa nas mãos.
— Hora de comemorar!
Todos eles berraram e celebraram quando a distribuição das cervejas começou. Estavam quentes e não pareciam nem de longe ser da melhor marca do mercado, mas de que importava? Jeon Jungkook tinha, finalmente, terminado a sua música. Terminado e gravado! Depois de três dias regados a café, muitas latas de Monster Beverage e salgadinhos de loja de conveniência, o Golden Maknae tinha registrado sua primeira música solo em grande estilo, alterando uma coisinha aqui e outra ali até que resultasse em um som completamente inédito e inesperado para alguém do seu nicho, muito bem acompanhado da presença da sinfonia insana dos Elfos de Balrona, reproduzindo com maestria o mesmo feito que haviam executado no palco do Mavinat há algumas semanas atrás.
Jungkook agarrou a latinha quente nas mãos enquanto os outros, automaticamente, abriram um pequeno círculo em volta dele, olhando-o com expectativa. Não se atreveram a dar o primeiro gole.
Jeon não entendeu de imediato, mas quando recebeu um cutucão de Joo Hyuk, arqueou as sobrancelhas em compreensão.
— Ah, vocês estão esperando um discurso? — perguntou inocentemente, e viu todos sacudirem a cabeça em concordância. Jungkook esboçou uma careta. — Acho melhor a gente beber primeiro.
As buzinas de protestos recomeçaram, e Jungkook levantou os braços para dizer:
— Tudo bem, tudo bem — suspirou forte. Ele encarou cada par de olhos com um pouco de intimidação de repente, mas logo respirou fundo e começou: — É… Quero deixar claro que eu não sou muito bom nessas coisas. Geralmente, essa parte é do Nam e eu só fico do lado sorrindo e fazendo cara de paisagem, o que é muito conveniente no meio de um monte de gente, mas na frente de vocês… Não tenho muita escolha — ele riu pelo nariz, vendo-se sem saída. — Eu escrevi Looping em um momento muito fodido da minha vida, talvez um que ainda nem tenha acabado direito, onde eu ficava me perguntando o tempo todo pra onde eu estava indo, o que eu estava querendo e tanta coisa que dava uma ansiedade escrota e uma vontade de fugir, mas também dava vontade de ficar. Queria gritar também, e tenho certeza que Joo Hyuk pegou essa parte. O processo de criação foi um pouco merda, mas… Lançar essa música era pra onde eu deveria ir. Jogar ela no mundo é uma libertação, e nem fui eu que concluí isso. Independentemente do resultado lá fora, quero dizer que foi um prazer trabalhar com vocês por todo esse tempo. Todo mundo aqui precisa de um banho e de 24 horas de sono direto, mas eu com certeza faria isso de novo com vocês. À Looping! — Jungkook ergueu a bebida no ar no espaço aberto. Todos os outros repetiram o gesto, se esgoelando com alegria:
— À Looping!
A cerveja foi entornada de uma vez só, o líquido quente e forte abrindo brecha para os gritos ainda mais altos e limpos, tão altos que talvez a acústica da sala não fosse o suficiente para bloqueá-los. Jungkook recebeu mais alguns tapinhas animados e outros abraços sorridentes. Em poucos minutos, mais duas pessoas entraram em cena, homens dos bastidores que seriam os responsáveis por polir a música e prepará-la para o mundo, e Jungkook fez questão de oferecer mais cerveja e toneladas de porção de frango para todos eles em gratidão e felicidade genuínas. Ele estava mesmo feliz. Feliz e aliviado. Extremamente aliviado.
É claro que, uma hora ou outra, esse sentimento iria aparecer. Mas agora que ele estava ali, espalhado e intenso, Jungkook sentia o corpo inteiro anestesiado. Ocupar a cabeça naqueles últimos dias tinha feito o tempo passar tão rápido, e graças a Deus que os outros embarcaram nessa junto com ele. Caso contrário, seria apenas mais um fantasma que não sairia do estúdio mesmo depois do expediente, resmungando mais alto que qualquer coisa, tentando tirar alguma coisa da cabeça que claramente não seria tirada sozinha.
Ele não precisou disso. Ainda bem. Ficar sozinho seria uma péssima ideia. A oficina do diabo traria aquela vontade que estava tentando evitar até que tudo estivesse pronto. O desejo de sair por aquela porta e ir atrás de qualquer vislumbre de , ou tascar um celular novo para que pudesse conseguir ouvir a voz dela, ou qualquer coisa que o faria dar com a língua nos dentes e falar tudo de uma vez, sem se preocupar com as consequências.
Em 3 dias dessa luta, ele foi capaz de entender que haveria consequências. Maiores do que as que tinha pensado antes. Não era apenas falar. Não era apenas se declarar. Era uma responsabilidade, uma entrega legítima. Ele sabia que estava disposto a nunca mais fazer duvidar de mais nada, mas se ela tivesse desistido de verdade… O que ele poderia fazer?
Quando essa angústia e ansiedade de perguntas que jamais poderia responder tomavam conta dele nos poucos momentos em que esteve só, Jungkook se segurava. Ou melhor, se agarrava às páginas de Chainsaw e descarregava o que não podia dizer à ela. As variadas possibilidades que sua mente criava sobre o que veria em quando a encontrasse de novo. O que ele sentiria quando isso acontecesse. Só de pensar nisso, sentia o coração bater descompassadamente, desesperadamente. O estômago encolhia e gelava. Precisava se segurar ainda mais naquela cadeira para não voltar ao edifício de Seongdong-gu e correr o risco de ser expulso já na entrada pelo porteiro. Ou arriscar ainda mais fundo e bater na porta dela, correndo o risco de sofrer um ataque cardíaco na menor fagulha da imagem de .
Ah, . . O nome dela se esgueirava em sua mente, sua pele, suas veias, seus ossos, boca, olhos, nariz, músculos, pulmão… Era suave como vento, violenta como uma febre, impregnando-se em tudo, marcando cada detalhe. Jungkook não conseguia parar de pensar no seu rosto e no seu cheiro no primeiro segundo em que ficava isolado, e às vezes se lembrava até no meio da tarefa de esquecê-la. Como não poderia? Estava morrendo de saudades. Se fosse uma condição física, ele já estaria na UTI. Era uma condição tão insana que o deixava um pouco assustado.
Naqueles 3 dias, Jeon Jungkook teve certeza de que até já esteve apaixonado, mas nunca tinha ficado apaixonado daquele jeito. Principalmente pelo fato de que a vontade de ver era exclusivamente por , e não para mostrar a ela uma nova habilidade que tinha adquirido ou um novo item que tinha comprado para impressioná-la e garantir que ela não o deixasse.
Ele estava se preparando para essa opção, de qualquer forma. Não fazia ideia de como ela estava com Jaehyun. Não fazia ideia se tinham conversado e se entendido. Não fazia ideia se estava mesmo na posição do “não significou nada”.
Bloquear seu número tinha sido, de alguma forma, uma resposta. Um aviso. E Jungkook sabia que merecia isso. Mas, infelizmente, se esse fosse o destino, ainda precisaria de um tempo para superar , mesmo que seu cérebro repetisse incontáveis vezes que ele não conseguiria fazer isso preso em um estúdio. Tudo bem também. Estava sendo legal ser introspectivo depois de muito tempo. Fazer as coisas por querer fazer. Se sentindo apenas ele mesmo e não um cara com um mundo aos seus pés. O Jeon Jungkook apaixonado por era melhor do que ele esperava. Ele aceitava seus erros e acertos, e só estava tentando seguir em frente, ser um pouco melhor do que ontem. Ele podia fazer isso; a única coisa que não podia era voltar para . O fundo do poço da dependência e da ignorância dos próprios sentimentos e necessidades.
Superfície. Ele estava na superfície. Chegando cada vez mais perto da praia. Nada era mais importante do que isso.
Depois de um tempo, ainda sorrindo sozinho e viajando nos próprios pensamentos, Jungkook sentiu o lado do sofá afundando ao seu lado e ombros muito animados esbarrarem nos seus.
— E aí, JK. Eu não esperava que você fosse liberar essa belezinha — Dojoon balançou a garrafa de Jameson’s quase totalmente seca nas mãos, uma cortesia da coleção pessoal de Jeon Jungkook para um dia especial. — Tô me sentindo honrado. Mais honrado do que já estava antes.
— Para com isso, vocês merecem — Jungkook deu um tapinha no ombro do rapaz, deslizando ainda mais as costas para o banco. Já estava na terceira lata de cerveja, mas sem um pingo de embriaguez. Não era o que pretendia atingir naquele dia, de qualquer forma. Podia ter um momento especial de comemoração sóbrio, pra variar. — E tem mais uma garrafa de Ballantine’s no carro, ao primeiro que se atrever a ir buscar.
Dojoon soltou um gritinho animado, e Jungkook riu. Ninguém ao redor percebeu, imersos demais nas próprios conversas e abafados sob a melodia de Looping que soava ao fundo sem parar, com a voz de Jungkook mesclando e harmonizando completamente à bateria de Hajoon e ao baixo de Jaehyeon.
— Você é o cara! Soube que você quer adicionar um Dalmore 62 na sua adega particular, aquele com a garrafa de cristal e que só tem tipo umas 12 garrafas no mundo. Não se deve conseguir uma coisa daquelas por aqui, que droga. Era o meu sonho — o rapaz bufou, e se virou para o maknae. — Ei, você não viaja amanhã? Se ganhar o Grammy, já tem licença poética pra trazer uma dessas, não tem?
— Licença poética? — Jungkook segurou o riso.
— É! Não precisa ser um Dalmore, mas um Glenfarclas 1955, ou um Macallan, sabe? Bebidas grandes para acontecimentos grandes, cara! Amanhã você vai embarcar em um acontecimento gigantesco! E vamos precisar de outra garrafa pra quando lançar Looping! Já decidiu a data?
— Ainda não. Mas não vai demorar muito, eu prometo. Só preciso esperar…
— … O Grammy passar. Já entendemos, e a terceira vez que você fala isso. Mas eu queria um dia. Um mês.
Jungkook mordeu o canto dos lábios, olhando para o líquido âmbar da bebida enquanto pensava em uma resposta.
— Antes do verão acabar — disse ele, dando de ombros. Dojoon abriu um sorriso cintilante.
— Então estamos muito perto. E a outra?
Jungkook franziu o cenho.
— Outra?
— É. Aquela que você deixou só no violão — Jungkook permaneceu inexpressivo. Dojoon revirou os olhos. — Azul escuro.
Jungkook abriu um pouco a boca, arqueando as duas sobrancelhas.
— Azul escuro?
— É. É o título da sua outra música.
— Eu ainda não dei um título pra ela.
— Não precisa, você escreveu “azul escuro” em um monte de partituras. Perguntei sua cor favorita, e você disse azul escuro. O baixo novo que você comprou para o Jaehyeon quando a corda soltou é azul escuro. Todas as vezes que estava no estúdio, você usou azul escuro. Olha aí — Dojoon apontou para Jungkook, que desceu os olhos sobre si mesmo, confuso. A camiseta preta estava no mesmo lugar de sempre, mas o casaco denim por cima dela realmente era de um tom azul marinho. A calça 90s Loose Jeans da Calvin Klein era igualmente do mesmo tom de preto, mas os tênis eram Sole Leather Low-Top Sneakers da Mihara Yasuhiro brancos com… azul escuro. — E bem, aquela parte do “tudo o que eu vejo são tons de azuis, como a minha camisa que você gosta” não poupa muito a imaginação — Dojoon cantarolou com divertimento e riu pelo nariz, enquanto Jungkook, ainda desnorteado, tentava forçar um riso.
Quando começou a escrever, ele não sabia para onde estava indo. Pensava em com uma saudade fodida, uma que o fazia pensar apenas: “por favor, não diga que não significou nada. Não esqueça tudo que aconteceu”, o que trazia um certo tipo de agonia, como se estivesse preso em um imenso labirinto, em um lugar apertado demais e grande demais, como Seul estava sendo. E seu coração gritava: “Só entra no carro e vai atrás dela. O que mais você pode perder?
Ele realmente não tinha mais nada a perder com , nem com ninguém, mas a voz de Yoongi naquele batente ainda continuava soando. Os sinais do momento certo são mais explícitos do que você imagina.
Então ele parava de escrever e ia fazer outra coisa, que àquela altura se resumia a socar um saco de pancadas com luvas de boxe, brincar com Bam, treinar e cozinhar. Qualquer coisa. Até que não aguentasse mais e entrasse abruptamente no seu carro e fechasse a porta para seguir novamente para o estúdio, mesmo que o céu ainda nem tivesse clareado direito.
Por fim, ele balançou a cabeça e tentou rir de novo para o tecladista, afundando as costas no sofá mais uma vez.
— Essa música é outra coisa, Dojoon — respondeu, encarando o teto. — Ela é pra ficar guardada. Pra mim.
Dojoon quase engasgou com uma risada, contorcendo o rosto em uma careta.
— Fez uma música tão romântica e bonitinha pra você? Ah, tá! Fala sério — ele esticou uma das mãos para dar um tapa no ombro de Jungkook, que não saiu com força suficiente. — Eu não caio nesse papo de música fan service. Fala, quem é a gata?
Jungkook ficou quieto. Dojoon levantou uma sobrancelha, como se não estivesse brincando e quisesse mesmo uma resposta. A situação era um pouco estranha e engraçada. Ele gostava muito de Dojoon – de verdade! O cara era só 4 anos mais velho que ele, mas às vezes Jungkook parecia ser mais maduro. Era engraçado e totalmente desinibido, o que destoava um pouco de sua personalidade com o teclado. Assim que tiveram a primeira reunião de trabalho, a primeira coisa que fez foi zombar de Jungkook e seu olho roxo ainda meio escondido por um boné. Hoje a marca não passava de uma fina camada em degradê – roxo, amarelo e um pouco verde – abaixo do olho, mas ainda assim, Dojoon insistia em perguntar se ele fazia parte de uma gangue secreta.
Às vezes, você precisava tentar duas ou mais vezes respirar fundo para não pedir que ele calasse um pouco a boca, mas de alguma forma, Jungkook gostava disso. Ele era o grande responsável por não deixar o estúdio cair no silêncio quando todos se perdiam em alguma parte específica e tentavam voltar ao tráfego do ritmo.
No entanto, Jungkook não pretendia contar a ele sobre a música. Não pretendia contar a ninguém. Tinha incluído Jaehyeon nessa porque, enquanto Dojoon falava demais, ele falava de menos. Apenas tocava o que Jungkook pedia e pronto. O fato de que chegava mais cedo do que todos os outros também ajudou nisso. Mas a música era dela. Para ela. E parecia algo tão importante e tão precioso que ele não conseguia tratar com leviandade, ainda que admitisse que estava ótima. Perfeita. Muito melhor e mais significativa do que Looping e sua batida pop rock.
As palavras pressionavam em sua boca para responder a Dojoon que esquecesse a música secundária e voltasse a beber, mas antes que emitisse qualquer som, a porta do estúdio estava sendo aberta de novo e Jimin sorriu ao avistar a primeira garrafa de Jim Beam.
— Caramba! Uma festa! — ele saltitou para dentro da sala, cumprimentando todos os demais com hi-fives e acenos, dando um pouco mais de atenção para Joo Hyuk para perguntar o que estava acontecendo e recebendo a resposta. Quando ouviu sobre ela, Jimin se virou rapidamente para Jungkook no sofá, abrindo os braços. — Você terminou! Seu sacana, você nem avisou! — ele se jogou no colo de Jungkook, que por pouco conseguiu salvar a bebida de derramar na roupa inteira.
— Porra, sai daqui — ele gemeu enquanto empurrava o amigo, mas riu do mesmo jeito.
— Não acredito que você terminou essa merda e não me chamou pra assistir. Eu implorei pra você me deixar ver!
— Você devia ter implorado mais — Jungkook deu de ombros, irônico. Jimin revirou os olhos.
— Me deixa ver agora.
— Quê? Não.
— Podemos tocar agora? — Dojoon se animou, batendo uma palminha. — Vai, vamos tocar de novo!
— Tem uma garrafa de whiskey em cima do bumbo da bateria — Jungkook apontou para o instrumento, erguendo uma sobrancelha. — E tocamos essa música um milhão de vezes nos últimos 3 dias, se eu ouvir mais…
— Ah, é verdade, quase esqueci. Não toquem ela agora. Talvez daqui há 30 minutos, mas não agora. Nós temos que ir — ele apontou para si mesmo e Jungkook. O maknae ficou calado, confuso. — Estão chamando a gente na sala de dança dos pirralhos. Querem fazer uma confraternização de lançamento.
Jungkook arregalou um pouco os olhos, erguendo as costas para cima.
— Caramba, é hoje? — Olhou para os lados, de repente mais atento. — Que horas são?
— 6:00 da noite. Você ficou preso aqui por quanto tempo? — Jimin revirou os olhos. — Vamos, vai ser rápido. É bom ter os veteranos na área nessas horas. Esse álbum vai ser um sucesso.
Jungkook assentiu e começou a se levantar, ainda um pouco atônito pelo horário. Não eram nem 6 da manhã quando saiu de casa naquele dia, e mal tinha deixado aquela sala fechada nem para pegar um ar ou olhar para as janelas. Ele mal olhou para qualquer outra coisa que não fosse o microfone condensador, a guitarra Fender e a partitura apoiada no tablado à sua frente, alterando as últimas notas para enfim finalizar aquilo.
Pelo menos tinha conseguido o que queria. Mas sentia a mente um pouco exaurida demais, a ponto de ter se esquecido de quase tudo, inclusive do voo para a Califórnia no outro dia. Inclusive do lançamento. Inclusive de quem poderia estar lá.
Ele não pensou nisso por um segundo sequer. Se pensasse, talvez não teria ido. Arranjaria alguma desculpa, inventaria uma dor de barriga. Era irônico o fato de ter pensado em quase o tempo todo nos últimos 3 dias e não ter considerado a presença dela naquele convite em momento nenhum.
Jungkook se despediu de todos rapidamente, afirmando que estaria de volta depois do compromisso, o que realmente esperava que acontecesse, porque ainda teria uma noite inteira e grande parte da manhã do dia seguinte ficando sozinho sem nada para fazer, entulhando a cabeça com coisas que não deveriam ganhar espaço. Então, se tivesse que estender aquela comemoração para algum bar ou sua própria casa, pouco importava. Tinha o trajeto inteiro para a Califórnia para dormir, afinal.
Quando chegou para cumprimentar Dojoon, o garoto pegou forte em sua mão e apontou com um dedo torto e um pouco embriagado para o cantor até dizer:
— Pensa sobre o que eu te falei. Vamos lançar Azul escuro. É sério, sua garota vai gostar.
Jungkook riu pelo nariz e balançou a cabeça.
— Acredite, isso não é uma boa ideia. Não agora.
— Por que não? A música é linda! É profunda, e eu odeio músicas profundas, cara. Você precisa cantar!
Jungkook contorceu os lábios e meteu as mãos no bolso da jaqueta, permanecendo com a mesma expressão para Dojoon.
— Porque só vou cantá-la quando ela for a minha garota de verdade — ele deu de ombros, e Dojoon juntou as sobrancelhas no meio da testa. — Vou nessa. A gente se vê mais tarde.
E finalmente, alguém no mundo parecia ter conseguido deixar Park Dojoon sem palavras.


"Fé cega
Mágoa
Jogos mentais
Erros
Minha doce bola de fogo
Minha doce bobagem
Eu quero tudo."

🖤🎤 I Want It All


— Você parece bem — foi a primeira coisa que Jimin falou assim que se afastaram o bastante do estúdio abarrotado de gritaria. Jungkook virou a cabeça para ele, um pouco distraído.
— Quê?
— É, aquele roxo escroto no seu olho praticamente já sumiu. Se bem que as olheiras estão quase no mesmo nível, mas isso é o de menos. Já diminui a dor de cabeça do Nam. Não importa o que dizem sobre meditação, ele parece ficar mais estressado a cada ano.
Jungkook riu pelo nariz. Aquilo era um pouco verdade, o que surpreenderia uma parcela enorme de pessoas ao redor do mundo. Kim Namjoon sempre precisou manter o máximo das coisas dele sob controle, mas no fim, via que isso era pura ilusão quando também precisava cuidar dos outros. Elas faziam merda. Jungkook, especialmente, fazia até mesmo quando não pretendia. Na verdade, algumas merdas pareciam caminhar até ele, correr, empalá-lo em alguma armadilha, levando-o a todo tipo de situação.
Ao menos, daquela vez, quando tudo o que queria era realmente fazer merda, o maknae conseguiu se desviar e se concentrar em algo produtivo, que não fosse apenas cerveja e nicotina. Uma parcela significativa de vitória, ele diria.
— Você ainda não me contou a história — disse Jimin ao perceber o silêncio do amigo.
— Que história?
— Da surra que te deram, caramba. Eu quero saber.
— Não foi uma surra…
— Que seja, deram um soco na sua cara! Quem além do Tommy tem coragem de fazer isso? O mesmo cara do bar daquela vez quis uma vingança?
Jungkook revirou os olhos, mas achou graça.
— O que te faz pensar que eu o deixaria ter uma vingança?
— Isso é desviar do assunto, palhaço — Jimin chutou de leve a lateral dos tênis Mihara Yasuhiro. — Se não tivesse desaparecido nos últimos dias e entulhado todos aqueles rockeiros no estúdio, eu já teria ficado sabendo.
— Eles não são bem rockeiros…
— Eles tocam aquelas coisas e fazem barulho demais para um lugar só, então são sim rockeiros. Você não tá me respondendo — Jimin grunhiu, e segurou o cotovelo de Jungkook para que parassem. — É sério, quem fez aquilo com você?
Jungkook umedeceu o lábio inferior, ponderando uma resposta simples que Jimin certamente não aceitaria, mas que seria melhor para ele. Havia agitação demais acontecendo debaixo daquele teto hoje – os preparativos para a viagem ao Grammy somados com o mais novo lançamento do mais recente sucesso da agência não eram o ambiente mais silencioso e calmo para se contar uma história tão grande e complicada. Tudo que tinham à vista eram pessoas correndo de um lado para o outro, sem horários para irem para casa e produtores e profissionais à postos para qualquer mísera coisinha que poderia dar errado. Não era mesmo o momento para nada daquilo. Sinceramente, Jungkook também não queria lembrar do caso. Jimin poderia esperar, ou simplesmente ignorar sua curiosidade até que saíssem do palco da Crypto.com Arena dali há dois dias.
Mas então, Jungkook permaneceu parado no mesmo lugar e aceitou que não teria paz alguma pelos próximos dias se não abrisse a boca e simplesmente dissesse:
— Foi o Jaehyun.
Jimin piscou os olhos freneticamente, confuso.
— Jaehyun? Seu amigo, Jaehyun?
— Isso.
Jeong Jaehyun?!
— Fala baixo, por favor? — Jungkook olhou para os lados automaticamente, cerrando os dentes. — É, foi o Jaehyun e a história é longa pra caralho e estão esperando a gente. Então que tal…
— Foi por causa da ? — Jimin o interrompeu antes mesmo que ele tivesse a chance de começar a se mover. Jungkook ficou calado. — Foi, não foi? É claro que foi! Meu deus, como eu pude não pensar na possibilidade de ter mulher no meio?
Não é qualquer mulher, o maknae pensou. É . E existia uma nuvem intensa de complexidade que rodeava aquela história, uma que Jungkook genuinamente não gostaria de tentar explicar no momento.
Com um suspiro alto, ele assentiu levemente e admitiu:
— É, foi por causa dela sim.
Jimin deixou as duas mãos caírem sobre a cabeça, arregalando os olhos gradativamente.
— Meu deus, você tá apaixonado! — Não era uma pergunta. Jungkook imediatamente abaixou os olhos para o piso. — Claro que você tá apaixonado, eu sabia! A cláusula 13, caramba. Como você não me contou antes?
— Eu não sabia antes.
— Do quê? Que estava apaixonado? Tá me zoando, não é? — Jimin riu pelo nariz com incredulidade. Jungkook permaneceu com a mesma expressão. — Caralho, como você é burro! Achou mesmo que ia trepar por tanto tempo com a garota e não sentir nada? Você se subestima demais. Contou pra ela, pelo menos?
Jungkook desviou ainda mais os olhos. Jimin arfou em frustração.
— Você não contou?!
— Não é bem assim…
— Não é? Aposto que Jaehyun teve coragem de contar. Não foi por isso que ele encheu sua cara de porrada?
— Você está simplificando demais as coisas — Jungkook grunhiu, revirando os olhos. Pensou em ignorar a boca de Jimin se abrindo para mais uma pergunta e simplesmente seguir em frente antes que soltasse tudo na íntegra ali mesmo, naquele corredor semi vazio, mas em vez disso, apenas estendeu uma mão e a colocou nos ombros do amigo — Jaehyun me bateu porque eu mereci, e não faço ideia de como vou consertar isso, mas tem outras partes da minha vida que precisam de atenção agora. Algumas que, se eu não resolvê-las, não vou ser capaz de resolver mais nada.
Ele soltou um suspiro inseguro do tipo que Jimin poderia ver a dois metros de distância. Sem dizer uma palavra, o amigo apenas assentiu e entendeu, mesmo não tendo exatamente compreendido alguma coisa.
— Ei, vocês — a voz de Taehyung se materializou no espaço, vinda da curva da última entrada que levava ao destino final de Jungkook e Jimin. — Já estava achando que tinham se perdido. Entrem aí antes que o papai arraste vocês pela orelha.
Jungkook começou a andar, mas Jimin puxou a ponta de seu casaco novamente, fazendo-o parar. Ele se aproximou e sussurrou:
— Isso não acabou aqui.
E sorriu radiante antes de seguir na direção de Taehyung. O mais novo revirou os olhos e arrastou os pés atrás dele, imaginando a cena óbvia que aconteceria assim que se visse em um espaço sozinho com Jimin: ele se sentando ao seu lado e colocando a cabeça em seu colo, pedindo o início, meio e fim da história, vibrando nas partes chocantes e xingando nos diversos atos de estupidez de Jungkook. Bem, qualquer pessoa agiria da mesma forma. Ele foi mesmo um tolo na maior parte do relato.
No exato instante antes de se virar e entrar, Jungkook voltou a pensar nela novamente. E arrepiou rosto, braços e toda a extensão do corpo quando ergueu o queixo e a viu.
E não estava sozinha.



não esboçou um pingo de surpresa ao vê-lo ali.
Pouca coisa estava sendo digna de surpreendê-la ultimamente, na verdade. Quando você escurecia por dentro, o mundo do lado de fora automaticamente seguia pelo mesmo percurso. Sua única felicidade genuína era saber que o trabalho tinha, finalmente, acabado e ela não precisaria mais usar o cérebro para transpor cenários coloridos, divertidos e pateticamente felizes no clique de uma câmera. O aparelho iria registrar e eternizar a empolgação sufocante de cinco garotos talentosos que nada tinham a ver com o mau humor de , mas emoções à tona não faziam distinção para respingar. só podia tentar controlá-las, afogando-as em seu mar revolto de mágoas e torcendo para que o relógio tivesse a compaixão pela qual ela nunca pediu e andasse mais rápido.
É tensão de lançamento, tinha dito para Yoona no dia anterior, quando passou o expediente inteiro, literalmente, sem soltar uma palavra. Sobreviveu a mais um dia de socialização a base de sons, gestos, olhares opacos e desanimados.
Ela não ficou surpresa ao vê-lo, mas ficou interessada. Deu pra ver no lapso brilhoso que atravessou a pupila como um raio. Ela o reconheceu por um trejeito simples, algo que nem sabia que tinha reparado a ponto de guardar na memória: o jeito como seus polegares trabalhavam de vez em quando no cabelo acima das orelhas. Ele guardava os fios mais desgovernados ali, mas nem todos podiam ser domados; continuavam se soltando e se espalhando, e ele voltava a trazê-los, de novo e de novo, alguns até mesmo se enroscando nos nós de seus dedos pálidos. Aconteceu exatamente isso quando ele, ao erguer o braço para fazer de novo, percebeu as duas silhuetas entrando na sala e virou a cabeça com expectativa.
Seja lá quais eram, a garota de cabelos cheios e saia azul-escura conseguiu supri-las.
! — Ele inspirou com força e caminhou em sua direção antes que ela chegasse ao meio do cômodo. — Você demorou pra chegar.
, ainda não-surpresa porém ainda interessada, perguntou:
— O que faz aqui, Changmin?
Ele emitiu um som áspero pela faringe, uma tentativa de risada incrédula.
— Como o que faço aqui? Te mandei uma mensagem ontem. Vim registrar a estreia — e ergueu uma Sony moderna e compacta para cima, a máquina estirada do tamanho quase exato de sua palma. — Contratado, caso você ainda não tenha superado isso.
O próximo som veio do riso de Yoona, pairando ao lado dos dois como a observadora curiosa e indiscreta que já era naturalmente. Ela sim estava surpresa pela presença inesperada do fotógrafo, e igualmente interessada pelo motivo de não estar.
Changmin notou a segunda garota com um arquejo de desculpas.
— Eu me lembro de você — apontou para o rosto pequeno e fino de Yoona. — Talvez não lembraria se não estivesse junto com essa aqui nas fotos que eu tirei da festa. Muita luz colorida alteram a fisionomia das pessoas.
Yoona não entendeu se Changmin estava lhe fazendo um elogio ou o contrário, e mudou o sorriso antes aberto para uma pequena amostra de dentes que disse:
— É um prazer revê-lo, senhor… — semicerrou os olhos em dúvida. Ele estendeu a mão direita.
— Ji Changmin. Não me apresentei da forma correta na última vez — ela aceitou seu cumprimento, refletindo internamente o quanto ele era mesmo bonito, sem meia escuridão e iluminação estroboscópica para interferir. — Obrigado pelo e-mail. adorou as fotos.
— Eu nunca te disse isso — resmungou, a seriedade e desalento de seu rosto evaporando aos poucos. Changmin sorriu com divertimento e ela faria o mesmo, mais cedo ou mais tarde. Ele tinha o mesmo efeito de álcool ou narcótico legalizado – bom para te tirar de um lugar e colocar em outro, tudo dentro da própria cabeça. Era bom em te entreter. Yoona pensou em uma centena de coisas que ele também deveria ser bom, e arquivou tudo dentro de seus pensamentos. — Não vi a sua mensagem, desculpa. Estava ocupada — uma desculpa padrão que já não estava sendo mais perfeita. Changmin sabia que não era verdade, mas não mudava um terço da expressão mansa por causa disso.
— Não tem problema. O importante é que vou ter a chance de ver seu trabalho de perto.
— Talvez ele não te surpreenda tanto.
— Eu duvido. Tudo sobre você me surpreende.
, ainda não-surpresa pela frase dita tão naturalmente quanto um olá, conseguiu erguer o canto da boca em um sorrisinho de quem acaba de ouvir uma piada. Muito diferente da reação de Yoona, que arqueou as duas sobrancelhas e estava prestes a ficar com as bochechas um pouco vermelhas pela exibição de declarações tão… diretas. Ela não estava acostumada com tanta franqueza. Achava joguinhos mais interessantes. Ou mais normais.
Em apenas alguns segundos, notou a mesma coisa que tinha notado naquele corredor escuro do Mavinat há algumas semanas: um homem que só tinha olhos para uma mulher, e para a mesma mulher, que despejava algo invisível e magnético no espaço, desnorteando homens donos do próprio nariz e que se viam oferecendo-o para ela assim que conheciam aquele poder.
Gong Yoona era intrometida, mas não era vela.
— Eu vou falar com a Sooyeon. Ver se ela precisa de ajuda com… alguma coisa — anunciou, acenando para os dois e se retirando sem nenhuma outra explicação. achou estranho, mas a amiga já estava longe. Independentemente do quanto Sooyeon fosse exigente e casca dura, era impossível que mudasse alguma coisa àquela altura. Datas de lançamento só eram marcadas quando ela dizia a palavra: pronto. Os ajustes estavam terminados há vários dias atrás.
Ignorando isso, se voltou para Changmin, menos tensa do que todo aquele dia.
— Como vai a sua amiga? Conseguindo evitar os comentários da internet? — perguntou ele, puxando assunto. exalou bastante ar pela boca.
— Evitar é autocontrole demais para ela. Mas desprezar o que dizem é o seu talento nato. Ninguém diz a Candice Chaperman o que ela é ou deixa de ser — exprimiu com orgulho. Era muito bom apreciar o processo de Candice em meio à exploração e ostentação de seu nome e imagem desgovernadamente pelos continentes. Ainda que não gostaria de estar na pele dela, sentia uma desopressão por vê-la rindo e bebendo vinho quando lia coisas como: vaca branquela ou girafa de saltos.
Ela era tão real e verdadeira, de uma maneira que nunca parecia ser capaz de ser. Não tão naturalmente, não com qualquer pessoa, não em situações tão importantes.
Changmin se limitou a balançar a cabeça em concordância.
— Isso é bom, fico feliz. As palavras da nossa mente são as que mais importam. Se forem armas inconscientes, tudo de fora tem o poder de nos destruir — ele ergueu o dedo indicador e cutucou delicadamente a testa de , que entendeu o recado, mas não o internalizou com severidade. Até porque Changmin passava muito longe dessa palavra. Ela abriu um sorriso maior e afastou o toque, fazendo-o abrir a boca para uma gargalhada.
alargou o sorriso só mais um pouquinho. Depois mais um pouquinho. Um zíper deslizando devagar para abrir uma jaqueta.
— Você a trouxe? — Ele apontou para o estojo de tecido preto apoiado nos ombros dela. assentiu — E como andam as fotos?
— Bem simples — melancólicas, a verdade de seu coração gritou. — Nada extravagante. Ainda estou procurando um cenário, anda chovendo bastante — tristes. Cinzas. Cadeiras vazias da cozinha, tapete embolado da sala, um cacto quase morto no parapeito da janela, uma tentativa de lámen com queijo e derivados. A casa recheada de rotina solitária, mesmice, vazia não apenas de gente, mas de presença. De ser e estar. odiou cada uma daquelas imagens e decidiu, há dois dias, que daria um tempo. Estava desabitada da vontade de registrar alguma coisa. Não tinha nenhuma relação com o fato do verão estar acabando e as chuvas torrenciais começando. Queria que aquela nuvem negra em cima da própria cabeça passasse e desaparecesse. Ou queria saber assinalar um momento qualquer sem deixar tanta coisa de si escorregar para o material. Queria que não fossem um espelho da sua infelicidade. Por isso tinha desistido, dado um tempo. Não confiava em si mesma para não descarregar seus sentimentos acidentalmente de novo.
No lançamento, todos estariam felizes. Era uma certeza. Ela se dirigiria em silêncio para buscar qualquer mísero sorriso que estava sendo incapaz de dar, e seus dados teriam algum valor para um relatório de negócios.
Changmin cruzou os braços e chegou mais perto da garota.
— Cenários? Quem falou em cenários? Acha que eu quero que você vá a um parque de trailers só para poder usar essa belezinha?
— Parques têm uma incidência de luz ótima — retrucou, sabendo onde ele queria chegar e tentando atrasá-lo um pouco. — É a proposta, não é? Até o final de outubro, quem sabe, as cerejeiras ainda estejam enfeitadas.
— Boa ideia. Mas achei que eu tinha dito sobre um diário da sua vida. Dos seus momentos favoritos. É pra isso que as pessoas compram câmeras analógicas, . Para ver o mundo como quem o vê da janela da cozinha. Natural e espontâneo, mesmo que seja deplorável ou esquisito. A vida real é assim, a luz que se dane — concluiu ele, com uma pitada de frustração. Não por ela não ter entendido sua intenção, mas por se recusar a considerá-la. Seja lá por qual motivo.
ficou sem uma resposta de imediato, mas não era necessário. Sabia que ele estava certo, sabia que estava tentando ajudar. Seu lado cinzento estava pintando o mundo além das paredes e procrastinando o próximo outono. Chovia mais dentro de do que lá fora. Era mais cômodo olhar para trás e repassar cada etapa do verão, de um alucinado, incomum, imprudente e lindo verão do que passar para a próxima estação, que, mais cedo ou mais tarde, tiraria mesmo todas as cores da cidade e ver beleza nisso.
Se sentir triste desse jeito não a deixava enxergar uma solução para um fim, mas, pelo menos ali, ao lado de Changmin e seu lembrete implícito sobre “temos trabalho a fazer”, se sentia um pouco mais apta a lutar contra a moleza cognitiva e querer se animar para cumprir pendências.
— Você está certo, que se dane — ela deslizou a mão para puxar a câmera do estojo, olhando em volta categoricamente em busca do primeiro grupo que estivesse sorrindo demais. Viu de relance o maior deles: Jung Hoseok e sua arcada dentária famosa, sempre à vista. Estava rodeado por pessoas da equipe e agregados. sentiu a câmera escapar das mãos — Ei!
— Para de pensar — Changmin ergueu a máquina para o olho e bateu o primeiro clique, disparando uma luz branca e instantânea no rosto de . — Uau. Não sabia que a indústria tinha aumentado essa potência. Pegou direitinho sua tatuagem. Tem como regular?
revirou os olhos e pegou a câmera de volta, preparando-se para dar a bronca devida a quem tirava fotos suas sem permissão, mas Changmin começou a rir. “Sempre um flash, não é?”, e desistiu de brigar. A feição carrancuda sumiu na mesma hora e ela foi levada a acompanhá-lo, abandonando mais um pouco de apatia.
Um grito encheu o espaço como um eco no vazio. Cabeças e pescoços se viraram imediatamente à menção ditada pela voz escandalosa de Hoseok: Jungkook! Jimin!
Sem nenhuma dificuldade, aquele mesmo gelo disparou no estômago de no instante em que o viu parado na entrada.
Para bom observador, amor e paixão se entregam em qualquer ocasião, independentemente de quão secreto, ardente ou rejeitado fosse. Era tsunami, terremoto e furacão acontecendo dentro, mas que vazava para fora. Todo o corpo reagia ao vislumbre, entrava na alma e a arrebatava para qualquer outro plano dimensional. podia sentir tudo sendo aberto, escancarado, todos os sentidos ativos de novo. Um corpo acordando de uma soneca longa, muito longa. Era diferente de quando se sujeitava à imaginação – ela igualmente causava toda essa desordem, mas era inalcançável. Muita energia para o cérebro, que se cansava rápido e logo deixava passar. Ou passaria mais fácil para , se não estivesse apaixonada por um cara que tinha o nome, rosto e voz estampados em todos os cantos da cidade.
Ele cravou os olhos nela da mesma maneira, lidando com seu próprio maremoto do outro lado da sala. foi rápida em reparar no que tinha mudado: o corte de cabelo, os piercings, talvez uma vestimenta que não fosse totalmente tomada pelo preto. Tênis em vez de botas. Jeans em vez de couro.
Mas quando ele andou junto com Jimin e não tirou os olhos dela, desviando-os rigorosamente e muito rápido para quem estava ao lado, mostrou algo um pouco díspar do que estava acostumada a ver em Jeon Jungkook. Ele olhou para ela. Olhou para Changmin. Sustentou a avaliação e abaixou a cabeça logo em seguida, embrenhando-se no círculo de seus amigos e colegas de grupo.
Sua postura inteira tinha um ar abandonado e triste, e captou na hora. Tristeza dela, para ela. Parecida, igual. Como se ele também estivesse chovendo por dentro.
Besteira. Puro resquício de imaginação, de desejo. Ela tentou se imaginar como ele e não viu espaço ou possibilidades para a existência de uma mísera pontinha do sentimento que ela tinha. O tesão podia ser o mesmo, a saudade do sexo também, até mesmo a mágoa por deixarem de ser amigos, mas a chama da paixão avassaladora que consumia o peito de ? Não. Nem tinha espaço. Já estava ocupado, ocupado há muito tempo.
E já tinham sido amigos algum dia, afinal? Ele já quis ser amigo dela? Não da primeira vez que tocou no assunto, é claro, mas depois disso? Quando ela se resguardou e acabou com tudo, decidindo que seu mundo era obscuro demais para que Jungkook vivesse?
Ela poderia acreditar que sim, caso ele não tivesse beijado sua boca depois. Caso não tentasse prová-la de novo em outras vezes, sabendo que ela queria, queria muito mais. Caso não perturbasse seu juízo com aquele discurso de falta e ligações de bêbado no meio de sua tentativa de esquecê-lo. Ele quebrou essa denominação e, sinceramente, ficava um pouco aliviada com isso. Não ia conseguir ser amiga dele. Talvez nunca.
— Ele é bem mais alto pessoalmente — a voz de Changmin a trouxe de volta, mas ela ainda levou segundos arrastados para tirar os olhos da porta. — Mais bonito também.
já sabia de quem ele falava, mas ainda assim perguntou:
— Quem?
— Jeon Jungkook — Changmin o seguia com os olhos. Havia uma curiosidade faiscando ali, uma análise bem mais bruta do que a que Jungkook tinha demonstrado na direção dos dois. — Não conseguia imaginar que ele fosse grande coisa, sinceramente. Mas dá pra entender — semicerrou os olhos. Era difícil se lembrar de um dia sequer em que Changmin tinha feito aquela expressão taciturna. Nem naquele dia do café, nem quando falou que a moto demoraria mais tempo na oficina. Vinha acompanhada de uma voz arrastada e misteriosa, que logo sumiu e se normalizou quando ele se voltou para ela. — Que pena, eu queria ver as famosas tatuagens. Acho esse cara muito corajoso, sabia? Você o conhece?
— Não — a resposta foi um reflexo. Veloz demais, estranha demais. Changmin inclinou a cabeça, cético. — Não o conheço desse jeito. Só trabalhamos no mesmo lugar. Participei do photoshoot do último single, é o suficiente para um oi e nada mais.
Agora talvez tenha falado demais, e esperava que sua língua mentirosa ainda estivesse dando algum efeito depois de meses internalizando aquela história. Changmin olhou de novo para Jungkook, entremeado no meio dos outros rapazes, só as costas visíveis, exibindo ombros estáticos e uma garganta silenciosa quando todos estavam rindo. Um sorriso provocante foi se abrindo aos poucos na boca de Changmin, desafiando Jungkook a olhar para trás de novo, a avaliá-lo de novo. percebeu, com uma intuição estranha, que seu novo amigo tinha uma opinião já pré-estabelecida sobre o maknae, mas não quis perguntar sobre isso. Ainda mais se Changmin também tivesse compreendido que ela mentiu em cada sílaba sobre não conhecê-lo e agora quisesse examinar Jungkook e pensar se ele era um bom amigo para se ter. Ou um bom amante.
Prestes a chamar sua atenção, foi interrompida antes de abrir a boca pela voz inexorável de Sooyoung, que precisou pedir silêncio apenas uma única vez para mergulhar a sala na mudez.
— Obrigada por acharem um tempinho para vir — disse após os agradecimentos iniciais, encarando furtivamente os 7 rapazes na ponta da sala. — Nossa instituição vem quebrando recordes e fazendo história há 10 anos, e mesmo que eu só tenha chegado na metade desse tempo, ainda sinto orgulho das primeiras escolhas que tomaram quando tinham muito a perder. E perdemos sim, talvez mais do que já deixei contarem, mas também ganhamos muita coisa que precisa ser repetida. Crescimento, principalmente. Do dinheiro, da fama, expansão comercial, ações, música e, claro, vocês, meninos. Sempre foi um prazer ver vocês crescendo — a sombra de um sorriso ameaçou tomar aqueles lábios rígidos, mas era igualmente uma partícula de imaginação. Sooyoung sorria de vez em quando, à sua própria maneira, mas exigia uma grande atenção do observador para saber quando — E agora estamos tendo a chance de ver a próxima geração crescer também. Tanto em tamanho quanto nos charts. Acho que essa coisa de cuidar de crianças realmente funciona.
As risadas foram divididas em divertidas e constrangidas. Hoseok e Taehyung esconderam o rosto por trás de Namjoon para não deixarem tão explícito o quanto as expressões e sorrisos amarelos dos meninos do TXT estavam hilárias. Sooyoung certamente viu a mesma coisa, mas não importava pois ela adorava embaraçar as pessoas.
— É hora de vocês verem com os próprios olhos o resultado da nossa mais nova expectativa de crescimento. É diferente de tudo que fizemos, eu garanto. Atenção na tela!
As luzes se apagaram, e Changmin puxou a mão de para a frente.



Jimin estava falando alguma coisa sobre carros, e a empolgação sobre o assunto não o deixou perceber tão imediatamente que Jungkook não prestava atenção. Jimin já era bem animado por natureza, e bastava para ele que sua companhia tivesse ouvidos atentos e emitisse pequenos sons em resposta para mostrar que ele não falava com as paredes. Jungkook era esse tipo de companhia. Por incrível que pareça, era um homem que sabia fazer duas coisas ao mesmo tempo – ou fingia isso muito bem.
Porém, no meio daquela sala de dança com as paredes pretas e um amontoado de gente falando ao mesmo tempo enquanto se serviam do que achavam em cima de uma mesa comprida no canto – nada além de água, refrigerante e alguns biscoitos. Uma confraternização não era uma festa, segundo Sooyoung –, a voz do amigo se perdia. Enquanto seus olhos insistentes continuavam acompanhando cada movimento natural ou robótico de no mesmo ambiente, estava apto a viver sem saber a história do carro de Jimin.
— Você quer bater nele? — Jimin deu um beliscão na parte exposta de seu antebraço. Jungkook se virou com os dentes cerrados.
— Quê?
— O cara que tá com a . O fotógrafo bonitão. Parece que você quer enfiar aquela lente na garganta dele.
Jungkook desviou os olhos. Sentiu-se arrependido por um momento, porque não era sua intenção validar o ciúme quente e desconfortável que sentiu assim que cruzou o batente da porta. Um ciúme triste e desolado, que Jimin preferiu não comentar, porque Jungkook parecia mesmo que socaria o cara, mas parecia muito mais que sairia dali chorando.
Tão óbvio. As águas de seu tsunami estavam transbordando.
Quase nenhum deles estava mais ali. Yoongi, mestre em entrar e sair sem ser visto, tinha passado para dar os devidos parabéns aos garotos e à equipe e logo estava saindo de novo porque sua paciência era ampla, mas andava reduzida pelas últimas manchetes. Ele andava sendo um completo oposto de Candice em meio ao ciclone de revelações. Ela leve, ele pesado. Ela não estava nem aí para os comentários, ele estava sendo importunado pelos negócios. Fizeram ameaças diante de possíveis quedas de vendas. Deixaram claro que aquela autonomia que ele achava que tinha não era o que dizia no contrato. Disseram, da forma mais falsamente plácida que existe, que eles passaram anos fazendo vista grossa e permitindo que todos vivessem suas vidas da forma que entendessem, exigindo apenas a perfeita discrição de volta. Você lembra de como chegou aqui, Yoongi? Aposto que nem gosta de lembrar. Porque não tinha nada na sua mochila além de uma escova de dentes, um casaco e a sua demo. E tudo que conseguiu de lá para cá ainda é a metade do caminho. Quer foder com tudo isso por causa de uma loira?
Aquela voz ainda devia estar soando atrás de Yoongi, ecoando através de cada porta daquela fortaleza, perturbando-o e minando sua tolerância, porque eles estavam sendo intolerantes! Quando viraram o maior grupo de K-Pop da atualidade, Yoongi esperou que alguma coisa mudasse. Que crescessem através do padrão para quebrar o padrão. Quebrar o tabu. Não alterar qualquer parte da cultura, mas apenas melhorá-la. Consertá-la. Acordá-la.
Jungkook preferiu deixá-lo com sua própria companhia nos últimos dias, prestando o devido suporte caso o amigo precisasse. Ele seria um ouvinte melhor do que estava sendo com Jimin naquele momento.
O restante estava espalhado, e Jungkook pensou ter visto as pernas de Taehyung sumindo pela porta, indo atrás de Jennie ou de algum lugar para fumar. Jeon apostava em Jennie. A viagem que fariam no dia seguinte duraria pelo menos 4 dias, e até lá, existia uma chance enorme de que ela simplesmente fizesse as malas e sumisse para qualquer outra parte do mundo, deixando para trás as questões não resolvidas pelo furor do tesão, que cegava e desorganizava a cabeça dos dois.
Jungkook também seria um bom ouvinte para Taehyung. Já tinha vivido a fase de brigas idiotas que só eram temporariamente resolvidas com sexo indomável. Já sentiu o sangue queimando os ossos em cada estocada de raiva que concedia à Ali, já foi ao paraíso quando ela o engoliu por inteiro pela boca, pelos seios, pelas pernas, pelos braços, por tudo. A raiva estava findada depois do processo, os motivos dela esquecidos. Mas durava pouco. Esquecido não significava desaparecido. E então, no primeiro lampejo, eles voltavam pedindo resolução. E, quando uma das partes não se sente apta a dar o braço a torcer, normalmente se sente apta a convencer. Manipular. Expôr sua perspectiva como a certa; a perspectiva da fuga. Vitimismo egoísta que fazia a outra parte, a que geralmente se incomodava com a bagunça, se sentir culpado por arrumá-la. Culpado por querer colaboração, por tratar um relacionamento como 2 e não 1 + 1. Geralmente, a segunda parte, já condenada, cedia, mesmo que a contragosto. Mesmo entre resmungos e protestos. Cedia porque, afinal, amava, sem saber que amor em caos, lentamente, se desgastava.
Todo o resto se perdeu e misturou, e logo estariam indo embora também. Hoje era o dia de arrumar tudo, deixar as coisas no lugar, exercício que era parte da rotina de quem pega um avião como se pega um ônibus. As de Jungkook já estavam feitas pela ansiedade, e tudo que o aguardava em casa era tédio e solidão, mas provavelmente não deveria ficar naquela sala de dança por mais tempo. Não quando não controlava os próprios olhos, e não quando estava deixando tudo tão à vista.
— Você o conhece? — Ele perguntou para Jimin antes que explodisse. Nunca tinha visto o sujeito, que arrancava uma ou outra risada de enquanto ela dedilhava uma câmera nas mãos que ele igualmente nunca viu. Não tinha certeza se ele era apenas um freelancer ou se estivera lá o tempo inteiro, talvez de olho nela, esperando alguma brecha, um buraco na parede.
— Não faço ideia de quem seja. Mas ele estava na festa da Candice — respondeu Jimin, com lábios repuxados em dúvida. Jungkook afiou ainda mais o olhar para Changmin. Em que hora? Em que momento? Quando?! Esteve olhando para o tempo todo. Em que fenda de distração aconteceu o encontro desses dois?
Devia ser ele o fotógrafo que Jaehyun mencionou, um rosto simpático e amigo que acompanhou na sessão e no coquetel. Um desconhecido que ativava os principais pontos de loucura de Jungkook, principalmente a loucura do anonimato. Do vácuo, do não saber. Eles pareceriam mais amigos se as mãos frouxas dele não ficassem deslizando sobre a dela a cada 10 minutos. Se não inclinasse aquele tronco menor do que o dele para cochichar uma piada para ela. Se não grudasse tanto nela quando se posicionava atrás de suas costas para sussurrar alguma dica idiota de câmeras enquanto ela tentava fotografar alguma coisa.
Jungkook estava fora dessa disputa e lhe doía só de relembrar e Jaehyun, mas de repente, perguntou-se de novo como andava essa relação. Tinham brigado e rompido? Ou os fatos em pratos limpos fizeram o serviço sozinhos? Jaehyun tinha engolido o ressentimento e dado mais uma chance aos dois? Ou a realidade com sua bolha de traição foi demais? tinha saído do planejamento futuro e se tornado uma conquista do presente? Era a namorada de alguém misterioso e não mais a mulher misteriosa que não seria namorada de ninguém?
Não havia coragem para perguntar e muito menos coragem para enfrentar a resposta. Se sim, ele precisaria desenterrar toda a resiliência ensinada por Namjoon por todos aqueles anos, mesmo que não tenha plantado a coisa em momento nenhum e achar um modo de aceitar e seguir em frente. Se não, ele respiraria muito fundo e vestiria a roupa de bravura que tinha deixado separada para aquele momento. O evento da última chance. Uma nova pergunta com as mesmas respostas: sim ou não. E ele faria questão de mostrar à ela seu coração ardendo pelo sim.
De qualquer forma, esse dia não parecia ser hoje.
Lutando contra a vontade de falar com ela, Jungkook se aprontou para ir embora. Não havia bem o que dizer. Talvez ele não quisesse dizer, quisesse apenas olhar. De perto, a uma distância boa para sentir seu cheiro. Ou a uma que dava para enxergar as pintinhas escondidas no canto da boca. Se ela não o mandasse embora depois disso, ele poderia até tentar pedir desculpas. Por tudo, por coisas que foram, coisas que eram, coisas que ele provavelmente ainda seria. Era difícil mensurar a quantidade exata de desculpas que precisariam escapar de sua língua para que a conta com fechasse, mas ele poderia tentar. Ainda que Jaehyun tivesse dito com todas as letras para que ele ficasse longe e Jungkook, depois das reflexões fechadas em uma câmara acústica do estúdio tenha concordado com ele e quisesse respeitar o pedido, era mais forte quando a via. Mais forte do que ele. Ele era a maré e ela era a correnteza. Ele a onda, ela a praia. A bendita praia. O destino final.
— Melhor fechar a boca pra sala não virar um rio da sua baba, imbecil — Jimin foi um sopro gelado no ouvido de Jungkook, que logo abaixou a cabeça e se voltou para o lado oposto, esfregando uma palma no rosto desalinhado. O amigo riu baixinho — Fica tranquilo, eles não devem estar juntos. Não tem o Jaehyun?
— Tem — Jungkook sentiu a verdade espetá-lo na costela. Quando iria superar isso? — Eu vou nessa.
— Já? Por que?
Jungkook olhou na direção dela, tristemente.
— Não tenho nada para fazer aqui.
E se preparou para ir embora, pronto para derramar dois copos de whiskey pela garganta e ter uma noite com sono o suficiente para que sua cabeça não sofresse tanto pelos flashes no aeroporto. Estava cedo demais para encerrar o dia, mas a noite adentro não guardava nada de interessante. De qualquer forma, dormiria o que pudesse no avião a ponto de chegar nos Estados Unidos com o cabelo bagunçado e a marca do estofado no rosto.
Mas Jungkook não foi muito longe. Os passos espertos encontraram o contorno de Sooyeon, materializada de lugar nenhum, olhando-o de cima ainda que fosse mais baixa do que ele.
— Para onde pensa que vai, garoto? — Ela mostrou o que se parecia com um sorriso, ainda que nada no mundo fosse tão frígido quanto aquilo.
Ele tinha uma resposta simples, que pareceu complicada e errada diante daquele olhar duro.
— Eu vou… Eu preciso…
— Depois, você quer dizer — a mulher enroscou uma mão na curva de seu cotovelo, puxando-o pelo mesmo caminho que viera — Temos uma foto em grupo para tirar. Que legal ver que você se mostrou tão animado e solícito com a ideia.
Os argumentos sumiram de sua garganta. Mesmo pequena, a mulher tinha a força bruta necessária para que ele precisasse se equilibrar para acompanhá-la, já que ainda tinha um dos braços presos por suas unhas, parecendo uma criança levada que tentou fugir da festa da igreja. O discurso dela sobre crianças mais cedo estava correto; coitados dos pivetes mais novos. Nunca deixariam de ser uma.
Ele ainda pensava em formas de convencê-la a deixá-lo de lado, mas foi o tempo do pensamento dar liga e a boca abrir em uma fala que seu olhar cruzou com . E não apenas com o olhar, mas com o corpo dela, o cabelo, a roupa azul-escura, com ela inteira. Sem parar de andar – e de arrastá-lo –, Sooyoung apontou para ela e para o cara ao seu lado.
— Changmin, se apronta bem ali na frente da mesa, é a máxima extremidade. , vamos! A Yoona está bem ali.
Durou um segundo e uma eternidade ao mesmo tempo. Quando Sooyoung falou, chegou perto demais dela. 7 metros era a menor distância que tinha chegado há outra eternidade de tempo. , assim como ele, não ouviu a voz de Sooyoung. Soou como anúncio comercial automático na rádio. Servia só para preencher silêncio, não para chamar atenção. Se olharam com força, com dor, com carinho, com um mundo de palavras agarradas. Desorganizou Jungkook por completo. Naquele bloco de segundo e eternidade, ele viu o clarão no rosto dela quando observou para além dos olhos dele. Para baixo, para o lado, para a fisionomia inteira. Parou um pouco mais na faixa roxa em processo de cura na lateral do olho direito, estilhaços da briga. Jungkook soube que ela sabia. Jungkook viu um pouco de raiva. Mas também viu outra coisa.
Remorso. Responsabilidade. Culpa. Tristeza.
Não era para ele entender aquilo naquele momento. Logo depois da ordem, sorveu o próprio semblante e seguiu em outra direção, enquanto Jungkook fazia a mesma coisa, pelo mesmo caminho, porém a muitos metros consideráveis, descruzando-se com ela. Infiltraram-se pela mesma massa de gente, como se infiltram numa plantação de milho. Jungkook tentou vê-la no meio dos ombros, das cabeças, de qualquer uma das brechas entre um esqueleto e outro, mas foi obrigado a parar quando encontrou Jimin e os outros arrumados em uma fileira, exibindo os mesmos olhares frustrados, como crianças de castigo.
— Será que podemos demiti-la? — Jimin sussurrou em um sopro de vento, apenas para Jungkook.
— Tenta a sorte — ele colocou as mãos nos bolsos, ciente da derrota, agora acompanhando Changmin lá na frente, com a câmera pendurada no pescoço e balançando braços e boca, inferindo ordens e “você vai pra lá, você vem pra cá” como um pastor de ovelhas.
Com as posições devidamente tomadas, o fotógrafo se preparou com o equipamento nos olhos, e Jungkook sentiu o braço de Jimin passar pelo seu ombro enquanto ele o dizia para tentar sorrir. Jungkook não sorriu, mas não parecia desanimado. Cansado. Parecia ele mesmo, e foi o suficiente para que Changmin tirasse a primeira.
estava na frente, misturada com a equipe principal e os garotos do Tomorrow by Together, fazendo o mesmo esforço para conseguir regurgitar um sorriso nos lábios. Estaria mais normal se ele não estivesse por perto. Ainda estava tentando compreender porquê ele precisava estar por perto, mas Sooyoung não era alguém que guardava suas intenções. Ela as deixava em uma gaveta aberta, elegantemente escancarada ao público. Qualquer coisa que dizia respeito ao TXT, timidamente, queria dizer ao BTS. E ter o nome e rosto daqueles rapazes em um vislumbre de foto ou vídeo, trazia a multidão ensandecida que a produtora esperava. As interações dos veteranos com os calouros sempre era uma jogada genial.
Pelo visto, Changmin tinha recebido as mesmas instruções. Depois de clicar incontáveis vezes no apetrecho e registrar sorrisos endurecidos, felizes, abertos ou aqueles que já tinham paralisado os ossos, ele gesticulou com os braços mais uma vez, decretando sem olhar:
— Bangtan ainda está aí? Venham para a frente.
Foi automático o afastamento dos demais funcionários, que não eram nem da equipe do TXT ou do BTS em si, que não precisava de nenhuma. Abriram-se como no mar vermelho, obrigando os rapazes a avançarem, a chegarem perto de Yeonjun, Soobin, Taehyun, Beomgyu e Kai. Os garotos pareceram felizes. Encontraram um jeito de relaxar o corpo e ficar normais. Havia uma câmera filmadora catalogando tudo em alguma sombra do recinto, e quem apreciasse o vídeo depois, veria claramente como os rostos mudaram de forma. Talvez Sooyoung os intimidava mais do que admitiam.
A alegria da primeira fileira se chocou com a aflição da segunda. não olhou para trás para vê-lo chegando, mas sentia o corpo se desmontando a cada passo que ouvia. Parou de sorrir, aproveitou os momentos de intervalo. Viu Yoona virar a cabeça e sussurrar com empolgação. Ela olhou para Changmin, buscando apenas algo para manter a cabeça reta, mas ele olhava para trás. Esperava. Esboçou aquele mesmo sorriso de antes, desafiador. Bagunceiro.
— Mais pra frente, gente. Não somos estranhos aqui.
não entendeu o sentido daquilo. Não entendeu porque eles tinham que aparecer. A fome de marketing de Changmin devia ser a mesma de Sooyoung, integradas há muitos anos atrás, mas mesmo assim, o interessante eram os dois grupos da empresa, e não ela e o bando do serviço burocrático e bastidores.
Aproximando-se atrás, Jungkook se manteve na mesma posição de antes, torcendo apenas para se concentrar nos sorrisos e não no tempo, porque esse tinha a tendência de passar mais rápido quando não era visto. As costas rígidas dela estavam mais perto, então ele permaneceu afastado. Não queria dar motivos para constrangimento. Não queria que se sentisse incomodada, de algum jeito.
Mas no meio de uma multidão, decisões de pessoas apaixonadas e feridas não dependiam exclusivamente deles. Sempre existiria as pegadinhas do universo, o desenrolar inocente de um contexto fútil. Jimin olhou para Jungkook e seu maxilar constantemente travado, obrigando os olhos a mastigarem qualquer imagem, qualquer bloco monocromático de parede ou chão, mas que se não deixassem vencer pelo azul-escuro da direita. Jimin estava parado atrás desse azul, ou tão próximo que era possível sentir o aroma do seu cabelo.
cheirava bem. Ele notou desde o primeiro dia. Jungkook certamente deve ter demorado a notar de verdade, assim como outras particularidades, mas todas elas agora pareciam ter passado por cima dele como um caminhão de argamassa. Jimin via não apenas pela inquietação constante das pernas e dos olhos, mas no retrato dele mesmo quando falou dela. Quando olhava para ela. O controle sendo invocado em cada músculo do seu corpo, parecendo tortura e realização ao mesmo tempo. Era uma tortura negar os próprios desejos, sim. Mas tortura é sentir, e sentir é estar vivo. Algo muito diferente do que ele estava sendo naquela época, sentindo o peso de existir.
Jimin sorriu sozinho antes de bufar.
— Troca de lugar comigo? Quero ficar longe da Sooyoung — sussurrou no pequeno espaço entre ele e Jungkook, que não teve o privilégio de entender ou escutar direito antes que Jimin o puxasse para o seu lado e o acomodasse atrás do azul, sem dizer mais nada.
O puxão foi surpreendentemente rápido e desengonçado, roubando o tempo de pensar. Uma mini desordem tomou conta do pequeno ajuntamento de pessoas quando Jungkook esbarrou levemente em braços e costas ao trocar os pés para o metro quadrado vizinho, pedindo desculpas ao líder e…
se virou no susto. Com o corpo inerte e tenso, a pele foi tocada. Um contato de raspão, imaginário, sopro de vento quente. Lava caindo no gelo. Assustou ao mesmo tempo que arrepiou. De alguma forma, o coração já sabia quem era. E, quando olhou para trás, lá estava ele, tão aturdido quanto ela.
O pior não foi olhar e não dizer nada. Não foi o aborrecimento pela piada de mau gosto. Não foi o confronto repentino com a imagem que ainda mexia em tudo.
Foi o cheiro. A proximidade súbita que mesclou as respirações. Um milésimo de segundo de outra eternidade onde as lembranças de vieram e passaram num estalo. Cranberry e tabaco fundidos em um casaco da mesma cor de sua saia. Queimando em todos os pontos onde ele já tinha tocado. A saudade dele quase a devorou. O desespero quase colocou suas pernas em movimento. Teria feito isso, se não fosse Changmin mais uma vez:
— Juntem mais, pessoal. Vamos fazer alguma coisa divertida, que mostre colaboração. Vocês estão muito tensos — ele riu de uma piada própria. mal o ouviu, apenas sentiu. Jungkook se achegou mais às suas costas. Namjoon mandou que ele chegasse ainda mais.
Jungkook cerrou os dentes com raiva. Não era raiva de Jimin pela brincadeira infantil e idiota. Não raiva do fotógrafo que parecia orquestrar um show de marionetes. Não raiva de Namjoon por continuar imprensando-o mais para a frente. Era raiva de si mesmo. Raiva da perda de sentidos, da encabulação, do norte perdido quando se encontrou com o cheiro dela, com aquele tato fugaz que levou seu coração na garganta.
Ele forçou a esquecer, mas, à medida que se aproximava, parava um pouco mais de respirar. O acúmulo de vozes ao redor deviam servir para distraí-lo, mas o afogavam ainda mais nas sensações ferozes que vinha apenas do aroma dela. Já era tarde para mudar de lugar. Tudo bem, passaria rápido, era apenas uma foto. Changmin já estava erguendo a câmera para cima. Levantou e abaixou de novo, estalando a língua, encontrando um defeito. Namjoon o empurrou para o lado, sentindo desconforto com Jin e sua necessidade de espaço excessivo. Jungkook saiu da mira das costas dela. Aproveitou para chegar um pouco para a frente, dividido agora por uma pessoa, um muro de carne e osso que o cumprimentou educadamente e ele retribuiu.
Mas o muro decidiu que era uma boa ideia se imprensar mais à frente, e Yoona serviu como um Jimin para . “Chega para o lado, Wonnie está pisando no meu pé”, e foi empurrada pelos ombros até, finalmente, de fato, tocar nele.
Foi mais rápido do que da outra vez. Um flash cortou o ar no mesmo instante em que olhou para Jungkook e Jungkook olhou para . Desviaram na mesma hora, devorados por um rebuliço estranho, pavoroso. Vontade imensa de ficar, vontade imensa de separar. Jimin voltou a passar um braço pelo ombro de Jungkook quando o fotógrafo gritou: “prestem atenção, vamos tirar mais uma.”
Jungkook engoliu em seco. Deixou os braços caírem ao lado do corpo, derrotados, exauridos. fez a mesma coisa, imóvel, incapaz de reagir. Yoona olhou de soslaio para os dois lado a lado, ambos com o semblante abandonado, a mesma sombra que exibia no Mustang durante todo o trajeto. Não deu nome para o que estava vendo, mas sentia uma parede de vidro separando-os de todo o resto.
Changmin se preparou para a próxima. Jungkook e olharam para a frente, sem saber exatamente que expressão exibiam. O sangue corria rápido pelas veias. A inquietação transformavam os segundos em tortura. achava que precisaria de um médico depois, porque contraía tanto o pulmão que prejudicava o funcionamento.
Daí ela sentiu. Sentiu de verdade. E esqueceu onde estava.
Os dedos dele roçaram nos dela cuidadosamente, uma brisa insignificante. levou choque, reconheceu, mas não virou. Muito menos ele. Jungkook se sentiu quente por dentro e abusou. Tinha dito que era mais forte do que ele e realmente era. Buscou os dedos dela de novo e tocou em um, depois em outro, acariciando a pele lisa, lembrando da sensação, pensando no que perdeu, pronto para receber uma bronca, pronto para que ela o afastasse de súbito, e que se afastasse para o outro lado da sala, bem longe dele.
Mas não fez nada disso. Não se mexeu, não reclamou. Respirou. Deixou. Estendeu os outros para ele tocar. Odiou ter só 5 para oferecer. Odiou estar tão distante dele, mesmo ao alcance das mãos. Odiou e amou ter tanta gente em volta, espreitando seus segredos para que não perdesse o domínio próprio e caísse. Só as pessoas a seguravam no lugar agora. Jungkook a fazia se esquecer do que precisava ser lembrado. De seus discursos, seus princípios, suas decisões tomadas que precisavam ficar firmes. Da raiva que sentiu dele há algumas noites atrás. Uma raiva que era mais tristeza do que raiva, mas que era sentimento o suficiente para nutrir. Lembrar que ele tinha sido a pior pessoa na vida dela em uma época não tão distante, argumento que não se sustentava. Lembrar que o desejo dele não era o desejo dela. Lembrar que ele já estava fadado a outro encontro, outro amor e ela desapareceria em um estalo de dedos dos olhos verdes.
Eles assistiram o espetáculo de flashes como estátuas em chamas, o corpo ardendo nos dedos entrelaçados, alheios à realidade. Quando acabou, Changmin juntou as duas palmas em um aplauso alto e rápido, quebrando qualquer distração.
— Muito bem, vocês foram ótimos!
despertou e puxou a mão num estalo, costurando as pessoas em direção à saída, sem se importar e sem olhar para trás. Jungkook sentiu a cabeça parar de funcionar e o corpo se mover automaticamente, juntando passos para ir atrás dela, mas encontrando a faixa de braços de Namjoon no caminho, que franziu o cenho em repreensão.
— Pra onde você vai? Temos que tirar mais uma com os garotos, não ouviu o fotógrafo? Onde estão os outros?
Que se fodam, porra!, seu pensamento gritou. Tudo nele gritou. Mas Namjoon tinha um certo poder de não ser contrariado e Jungkook reconhecia que aquilo… não sabia o que foi aquilo. Era um monte de certezas e um monte de dúvidas ao mesmo tempo. Tinha que perguntá-las, tinha que saber. Provavelmente nada mudaria, mas o interior dele já estava mudando. Colocou-se entre Hoseok e Namjoon, bem atrás de Beomgyu e Yeonjun, derivando na sensação dos dedos de sobre os dele. Em como ela os ofereceu, chegou mais perto, quis. Isso dizia tudo e nada paralelamente. O afogou numa esperança quase inexistente. Ela quis. Quis, quis, quis.
Olhou para o fotógrafo, com aquela mesma expressão despojada, enquanto o mesmo tinha o rosto virado na direção da saída por onde tinha sumido. Ficou lá por alguns segundos até se virar para o grupo e trazer a câmera para cima de novo.
E Jungkook conseguiu esboçar um mísero sorriso para o flash.



Jungkook não perdeu tempo em cruzar corredores e elevadores para chegar ao setor de criação. Pareceu um trajeto largo e longo demais, a mesma distância de Seul para a Itália. As pessoas que passavam por ele faziam o caminho contrário, ansiosas pela festa, pela confraternização, pela chance quase rara de se reunirem com todos os polos e conhecer quem ainda não conheceram, sorrirem para quem não tinham sorrido e agradecerem a quem ainda não tinham agradecido.
Jungkook não era hipócrita: nunca foi fã dessas comemorações gerais, principalmente quando começaram a envolver tanta gente. Antigamente, qualquer batida nova que Namjoon e Yoongi conseguiam criar dentro daquele estúdio caindo aos pedaços, com cheiro de comida de delivery e um telefone preto e antigo sobre a mesa, que durante o dia servia de escritório, era motivo para uma festa. Coisas boas saindo de lugares ruins. Apesar de que, para ele, aquela coisa apertada nunca tinha sido ruim de verdade; só era ruim para os seus sonhos. Para os planos coletivos de topo, aqueles sonhos tão grandes que não cabiam num espaço tão pequeno.
Mas foi ali que gravaram a primeira música, o primeiro disco e ganharam o primeiro cachê. Foi uma celebração ardente e merecida, só os 7 e um Bang Si Hyuk mais jovem e mais preocupado, sonhando como eles e arriscando tudo diante de garotos diferentes, bizarros e um pouco disfuncionais.
Aquela rodinha parecia mais autêntica, mais feliz. Um monte de nada recebendo um pouquinho do tudo. Valorizando cada migalha de reconhecimento. Conhecendo, aos poucos, a própria força, o prazer de tentar de novo. Jungkook sentia um certo alívio por ter começado pelo mais difícil. As coisas demoravam a ficar boas, mas quando ficavam, seriam boas para sempre.
Cruzar a empresa daquele tamanho, hoje, o fez pensar nisso. E ficou irritado, porque nada parecia fixo. Não parecia mais pequeno, e ele precisava que diminuísse o máximo possível. Quando chegou à porta transparente do andar, encontrou o escritório vazio, cheio de baias espalhadas e bagunçadas, sem nada particular em cima das mesas que justificasse o monopólio de . Nenhuma câmera analógica, nenhum post-it sobre tarefas do dia, nenhum laptop ultrapassado, nada. Ela não estava ali. E ele nem tinha como ligar para ela.
Aquele peso filho da puta começou a querer dominá-lo de novo, e não tinha outro nome para dar para isso. Era o desespero do nunca mais. Um vazio mais vazio que aquela sala. O medo da imensidão do edifício e dos desencontros que abriam espaço para o tempo passar e facilitar o esquecimento. Dela. A chance que se arrependesse do que aconteceu há 20 minutos atrás, afastando-o com mais ainda mais afinco do que antes.
Mas ele estava determinado. Não tinha traçado nenhum plano, não tinha tempo para isso. Os sinais do momento certo são mais explícitos do que você imagina. Se aqueles dedos sedentos procurando os dele na outra sala não fosse um sinal, ele não sabia mais o que era.
Jungkook se virou para sair e quase trombou com o par de ombros atrás dele, que se aproximava sem emitir nenhum ruído.
— Ah, olá, Jungkook — Changmin sorria como antes, alegre e convidativo. Jungkook balançou a cabeça, distraído.
— Oi — e se preparou para sair de novo, sem sentir a demanda automática de ser placidamente educado como sempre era com quem não convivia. Existia algo muito esquisito dentro dele que não o fazia ter vontade de dizer mais do que isso à Changmin. Jungkook acreditou que era o ciúmes, a visão dele com . Mas então, ouviu:
— Acho que ela já se mandou, cara.
Jungkook parou e voltou. Changmin estava tirando a câmera apoiada no pescoço, depositando-a em cima de uma mesa qualquer. Nem olhou para ele quando disse. Parecia mais do que certo do fato.
Jungkook estranhou. Antigamente, quando reprimia qualquer coisa sobre , se apressaria em se fazer de desentendido e negaria suas intenções, se culparia por ter deixado seus sentimentos por ela tão na cara. Hã? E quem disse que estou procurando ? Hoje ele daria uma entrevista na rádio, anunciaria num outdoor. O que era um mísero fotógrafo?
— Como você sabe disso?
Changmin continuava com o sorriso. Uma exibição de dentes lindos e brancos que o tornava, automaticamente, querido por todos. Jungkook não estava na lista.
— Porque eu conheço ela. Era previsível. Você aparece, ela se manda — o rapaz estendeu a mão preguiçosamente para uma das canecas viradas de boca para baixo em cima de um prato de vidro, colocando-a embaixo da garrafa de café. — Eu tinha uma teoria, e ela foi confirmada. Quantas pessoas no mundo podem dizer uma coisa dessas? Sou um gênio.
Jungkook continuou sem entender, e depois pensou que não sabia se queria entender. Ele tinha uma voz estranha, diferente da que usou na sala, mais distante e controversa, enquanto agora sugava um pouco do café na borda da caneca.
— Você aceita um? — Perguntou ele, e Jungkook negou com a cabeça. Naquele pedido, tinha um forte sotaque, um que não era dali.
— Já que ela não está, eu vou nessa. Com licen…
— Estou curioso, Jungkook — ele parou novamente, mordendo o lábio para conter a impaciência. Estava quase na porta, mas se virou para Changmin, arqueando as sobrancelhas. — Olha só pra essa sala. Já viu como ela é enorme? Eu sei que você não precisa se preocupar com isso e tudo mais. Afinal, você é o artista, um dos principais, se me permite a franqueza. Não precisa se rebaixar ao trabalho burocrático, mas já percebeu, alguma vez, como aqui é gigante? Várias sucatas de empresas juntas, vários funcionários entrando e saindo, gente que nunca viu a pessoa que paga o salário. São pessoas que sabem de tudo do mundo lá fora e quase nada do mundo aqui dentro. Me diz — ele recostou os quadris na mesa, balançando a caneca soltando fumaça como se refletisse sobre uma questão matemática — Como você acha que as pessoas dessa empresa, ou melhor, como acha que as pessoas dessa sala ficariam ao descobrir que trabalham com uma paparazzi?
De alguma forma, Jungkook esperou uma pergunta idiota. Esperou algo que pudesse apenas responder com uma risadinha e sair logo depois, ignorando as próximas tentativas de papo furado sem peso na consciência. Mas qualquer coisa que sua mente tenha antecipado não chegava perto daquilo.
Não chegava perto daquela delicadeza de sorriso, como se tivesse dito algo tão banal quanto a cor das paredes.
Jungkook congelou por dentro. Esqueceu do tempo, do que estava indo fazer. Ficou preso no próprio choque.
— Eles não ficariam felizes. Não, não — continuou Changmin, bebendo mais um gole do café. — Ela não colocou isso no currículo. Nunca abriu a boca pra ninguém. Mas também, o que conseguiria com isso? Não teria a mínima chance de trabalhar com o que gosta. A não ser que trabalhasse na Dispatch, no Naver, em qualquer empresa que cuide da vida alheia. Mas em uma empresa de idols, especialistas em guardar segredos, assim como é tudo nesse país? Minha nossa, não consigo descrever a corag…
Em um piscar de olhos, Jungkook estava perto, colado em Changmin, tão rápido que a caneca quente quase derramou entre os dois. Apesar disso, o fotógrafo permaneceu impassível, o susto chegando e indo embora mais rápido que a velocidade de Jungkook.
— De que porra você tá falando? — O maknae manteve a voz baixa, porém ávida. Implacável. Sem pensar no tempo, tinha mais clareza para interpretar aquilo. E Changmin, encarando sua reação, sorriu como quem consegue o que quer.
— Tenho uma pergunta complementar, Jungkook: o que você acha que todas as pessoas diriam se descobrissem que não apenas contrataram uma paparazzi, como também justo a paparazzi que expôs o Golden Maknae? E que, puxa vida, ele sabia disso? Aliás, todos vocês sabiam?
Jungkook cerrou o maxilar com brutalidade, segurando a vontade de avançar para o colarinho daquele cara, tentando se manter na frieza da análise enquanto um pavor silencioso tomava conta de seus órgãos.
Ele pensou no que dizer; sabia que Changmin estava esperando desculpas, uma negação.
— E você sabe de tudo isso porque é um fofoqueiro maldito ou porque tem fontes confiáveis pra me oferecer?
— Tenho a fonte mais confiável de todas: — Changmin sorriu de novo, e era um sorriso dissimulado — Já era chocante o bastante ver que ela trabalhava na mesma empresa que a sua, mas se envolver com você? Isso foi pesado. Era uma teoria tão absurda que doeu muito estar certo sobre ela. Quase não acreditei — uma gargalhada repugnante saiu de sua garganta, aumentando o alvoroço dentro de Jungkook — Mas eu imaginei por mim mesmo, vendo com os próprios olhos. Mas Ali não faz a menor ideia disso. O que você acha que ela…
A algazarra explodiu em um segundo. Jungkook não viu quando, onde, como. Ignorou o recado anotado, há muito tempo atrás, de não se meter em briga com quem não conhecia. Esqueceu de onde estava. Se deslocou tão rápido que Changmin não conseguiu disfarçar o sobressalto, e desta vez, a caneca pesou nos dedos. Ela caiu e se espatifou no chão, um pouco do líquido quente derramando em sua calça, arrancando um gemido de dor ao mesmo tempo em que tinha o pescoço puxado para a frente pelo colarinho que o maknae tanto teve vontade de puxar, encontrando um par de olhos furiosos muito perto do seu.
— Quem é você? — A voz de Jungkook era assustadoramente baixa, abafada. Prendia Changmin numa câmara apertada. Seu sorriso não era mais tão aberto, tão confiante — Anda, me fala! É algum robozinho da Ali? Ela anda me observando?
— N-não… Não é bem assim — ele tentou rir com divertimento, mas Jungkook reforçou ainda mais o aperto. — Ai! Ela não está observando você!
— Então tá observando a ? Ficou entediada e mandou você pra ficar de guarda e fazer ameaças ridículas? Olha pra mim! — Jungkook puxou a cabeça do rapaz para ele quando o viu tentar se esquivar. Changmin não sorria mais — Você é um bosta se se aproximou dela por causa disso, porque agora não vou te deixar respirar perto dela, imbecil. É isso que Ali quer? É isso que você queria descobrir pra ela?
Changmin tentou rir, mas se sentia sufocado demais para isso. Esse não era seu plano: estar tão perto de Jeon Jungkook a ponto de descobrir que ele era tão assustador quanto parecia. Ele sentia que, ao menor sinal de resposta errada, teria a cara virada do avesso, e não era esse o papel que pretendia passar.
— A Ali sabe de muitas coisas, mas não é essa… — ele parou para fazer uma careta quando Jungkook o apertou ainda mais — Não é essa a questão, caramba. Meu negócio não é a Ali, é a .
— O que você quer com a ?
— Não tá óbvio? Eu quero que ela… Ah! — Changmin teve o corpo ainda mais imprensado na mesa por puro ódio, os músculos do quadril se comprimindo na lateral da madeira, a queimadura leve do café doendo como nunca — Me solta, cara! Eu vou chamar os seguran…
— Chama a polícia se você quiser, filho da puta! Vai precisar de uma caso eu te veja perto da de novo fazendo gracinha, entendeu, seu miserável? Se for pra ameaçar, fica ciente que eu também sei fazer isso, inclusive sei cumprir cada uma delas caso você abra a boca sobre qualquer coisa. Seu merda.
Changmin, em um salto de desespero, se contorceu até conseguir fazer Jungkook desafrouxar o aperto, mas sem encontrar a liberdade completa. Seu rosto, sempre tão iluminado de felicidade, estava fechado em uma carranca dura, de raiva.
— Qual é o seu problema, porra? — ele devolveu o aperto no casaco do maknae, agora aflito para se ver livre daquela constrição — Achei que você fosse ficar feliz, droga! Me disseram que você ficaria feliz!
Jungkook franziu o cenho.
— De que porra…
— Ficar feliz por saber que Ali quer voltar, que tá tentando resolver as coisas de vocês, foi o que todo mundo me disse! Me solta, caramba!
— Você não…
— Jungkook!
Um grito acompanhado de um arfar horrorizado entraram na sala, se embrenhando no meio da briga com braços longos e rápidos, empurrando Jungkook para bem longe de Changmin, que começou a tossir desenfreadamente assim que as mãos do maknae se afastaram.
Fingido do caralho.
— Mas o que você tá fazendo?! Perdeu a cabeça? — Sooyeon berrou, ajeitando os óculos enquanto se virava, agitada, para o fotógrafo — Você está bem, querido?
Changmin tossiu mais algumas vezes até se aprumar, ajeitando o casaco desajeitado pela brutalidade de um Jungkook que ainda o encarava com fogo nos olhos.
— Mas o que foi que aconteceu aqui? — Sooyeon reparou no rastro do café no piso, assim como os cacos grossos de cerâmica. Virou seu descontentamento automaticamente para Jungkook — Você perdeu o juízo? Que ideia foi essa de atacar o fotógrafo? Ele é nosso convidado!
— Tá tudo bem, Sooyeon, acho que ele não gostou de uma piada que eu fiz. É raro, mas nem todo mundo entende meu senso de humor — o rapaz riu com exaustão, tossindo logo em seguida pela força do ato. Jungkook sentiu ainda mais vontade de socá-lo. Estava preso naquela expressão sonsa, tão convincente para Sooyeon, enquanto entendia e absorvia aquele jogo. Desgraçado de merda. Tinha conseguido fazê-lo perder a postura.
— … E o Bang vai saber disso, onde já se viu? Ele poderia te denunciar, garoto! Acha que está acima de tudo e todos? Que suas ações na empresa impedem o bom senso? Seu…
— Me desculpa, Sooyeon — Jungkook cuspiu as palavras de mau gosto, sem se importar com a ausência de sinceridade — Não tô de bom humor. Vou nessa.
— Ei, espera aí… — Sooyeon gritou, mas ele já estava indo, se agarrando no autocontrole para se afastar o máximo possível daquele olhar repulsivo que Changmin o lançava por trás das costas da mulher. Se ficasse mais um minuto naquela sala, enlouqueceria. À medida que ia compreendendo tudo que ouviu, tinha mais vontade de fazer isso. O desgraçado plantou uma zona tão grande na cabeça dele, cutucou algumas coisas que Jungkook pensou que estivessem frias e esquecidas, surpreendendo-se com o quão rápido voltaram à tona.
Não podia ser. Que história estranha do caralho. História merda do caralho.
Precisava achar mais do que nunca. Precisava ser mais corajoso do que nunca.


"Eu não consigo explicar, mas eu quero tentar
Existe uma imagem de você e eu
E ela vai dançando pela manhã
E pela noite
﹝...﹞
E pensei que eu era seu para sempre
Talvez eu estivesse enganado
Mas ultimamente eu não consigo passar um dia inteiro
Sem pensar em você ultimamente."

🖤🎤 Fireside


Quem é você?”
A pergunta ressoava por Changmin. Incomodava. Não do questionamento em si, mas da forma como foi feito. O tom feroz que o fez desmanchar a pose intacta, os músculos enrijecendo de temor como quem recebe uma ordem. “Diga a ele quem é você, agora”, uma voz maldita nunca antes ouvida se materializou em seus sentidos, vendo a renúncia como a única saída. Ele sentiu ódio dessa cena enquanto marchava para fora daquele castelo de vidro odioso, agradecendo pela recepção já estar cheia o suficiente para que não precisasse sorrir e puxar papo. Estava trabalhando, ano após ano, para autenticar profundamente seu sorriso. A simpatia. A gentileza. A leveza de presença. Acrescentou escuta ativa como sua principal técnica e percebeu que, para ser gostado pelas pessoas, bastava que elas pensassem que eram gostadas por você primeiro. Fim de papo. Ji Changmin conhecia todas as manhas possíveis para se infiltrar na mente, no emocional e até no corpo das pessoas que queria. Mas na esmagadora maioria das vezes, preferia o raso. A superfície. A ilusão de oferecer e nunca ceder. De ser acessível, mas inalcançável. Um mistério.
A verdade era que Ji Changmin não gostava de ninguém. Não se encantava com a beleza fria e padrão espalhada pelas linhas do globo terrestre. Viajava muito e via de tudo, mas voltava sem nada. Era um desbravador de terras, mas queria ser de pessoas. Observava-as como ninguém observava. Pescava coisas que ninguém pescava. Buscava beleza particular em cada clique caro que doava por aí, alguma peculiaridade, mas nada prendia a atenção. Homens e mulheres, todos tentativas frustradas. Eram lindos, mas eram ocos. Usavam demais o cérebro e pouco o coração. Se penduravam em qualquer esperança de sucesso e fama e mergulhavam. Pareciam mais patéticos a cada ano que passava. Ele foi ficando cada vez mais alheio, desinteressado. Acontecia de tempos em tempos, essa apatia desgraçada pelo mundo. Era quando precisava remodelar a agenda e voltar um pouco para Seul.
Ah, Seul. Aquela cidade tinha uma voz. Sempre dizia a ele que nem tudo estava perdido.
Mas agosto não era época de voltar para casa. Ele ainda estava bem – estava se divertindo em editoriais da Maison Valentino em Bruxelas, ainda estava achando ótimo conhecer as ruas de paralelepípedo, os destroços de pedra místicos e os diferentes valores de suas frutas favoritas no mercado. A novidade de um lugar tinha o poder de captar Changmin por um tempo indefinido, até que seu desinteresse inevitável chegasse. Sempre chegava. E aí ele pensava naquele nome, naqueles prédios, naquela poluição e em tudo que deixou para trás, só para ver que não tinha deixado tão para trás assim. Precisou repetir a si mesmo continuamente nos últimos anos: Eu me chamo Ji Changmin e estou bem melhor deste lado do mundo, em outro continente. Besteira. Estava melhor porque era mais fácil pensar longe da voz e das broncas do pai. Era mais fácil trabalhar, correr atrás, provar a si mesmo e aos outros que ele estava bem longe de toda a sua origem. Mesmo nos dias em que se embolava com R’s e V’s em frases americanas que pareciam extremamente complicadas e fosse ridicularizado por isso, renegado por gente importante e gente comum, duvidando de suas escolhas vez ou outra, se acovardando atrás de desilusões.
A comunicação foi o maior terror de Changmin no mundo lá fora. E, quando entendeu o poder dela, se tornou sua maior meta. Seu maior trunfo. Logo, a frase tinha mudado: Meu nome é Ji Changmin e consigo falar além das lentes. Elas são poliglotas e eu também. Estou bem melhor desse lado do mundo, em todos os continentes.
Ainda não parecia tão verdade, mas uma parte era. Os anos passavam e o nome dele permanecia, se infiltrava, fixava. Seu rosto era exclusivo e o trabalho também. Decidiu abandonar o nome de nascença para quem estava de passagem. Em formulários, contratos, eventos, filmografia, créditos, não existia Ji Changmin. Essa era a alcunha exclusiva de casa, dos iguais. Lá fora, era chamado de outro jeito. De outro tom.
Sendo assim, qual seria a resposta que daria para Jeon Jungkook? Ele estava sendo Ji Changmin de casa ou estava sendo o estrangeiro?
Ainda irritado, remoendo aquela atrocidade em formato de dedos em seu pescoço, ele varreu os olhos pela rua à procura de um táxi, encontrando um em menos de cinco minutos. Assim que entrou, murmurou o endereço do pequeno apartamento em Nowon-gu para o motorista ao mesmo tempo que pegava o telefone, pronto para ligar para ela, sentindo uma intuição divertida ao pensar que Jeon Jungkook não seria capaz de fazer o mesmo. Antes de discar os números, porém, o celular vibrou em uma chamada que era esperada, mas não desejada. Changmin revirou os olhos e suspirou, sabendo que era pior se ignorasse.
— Alô?
Edgar? — A voz, que parecia impossível de ser mansa, ecoou do outro lado da linha. — Ah, pensei que iria me ignorar pelo resto do dia. No caso, noite pra mim.
Changmin olhou pela janela, apático. O céu estava na cor de hematoma. Inchava de chuva a cada hora que passava, prometendo um temporal dos grandes antes que a meia noite chegasse.
— Acabei de sair do trabalho. Aquele que eu te falei que iria. Na Hybe.
Ela estava lá?
— Estava.
E você conseguiu o que eu pedi?
Changmin levou os olhos ao trânsito, que sugava a última gota de caos do horário de pico, avançando lento e rápido. Tentou se lembrar de que poderia largar seus disfarces quando falava com Ali Dalphin, o sorriso e a simpatia fingidos sendo o primeiro deles, mas a casca onde se escondia Ji Changmin de verdade era muito espessa. Por dentro, existia seus próprios interesses e pensamentos, compartilhados consigo e consigo mesmo. Ali era uma das únicas pessoas no mundo que tiveram a chance de olhar apenas por uma fresta, nada além.
— Ainda não — respondeu ele, mantendo a verdade rasa e conveniente. — Ela é uma garota fechada. Não vai sair falando da própria vida para um estranho de repente.
Pedi para você não ser mais um estranho.
— Fica difícil quando tem tanto interesse em cima dela — inclusive o dele mesmo, mas aquela realidade fazia parte de sua vaidade. Do conteúdo secreto de sua casca. A verdade profunda que ele não revelaria para aquela que, por alguma razão, dizia que merecia perecer.
Ele não esperava nada daquela Seul fora de época. Da sua época. Não teve gosto de ver os prédios, os pedidos de trabalho se empilhando, a comida apimentada e um pouco nojenta na mesa de café da manhã, iniciando o dia com mau humor e desprazer. Tudo naquele agosto cheirava, se portava e reluzia a desprazer. Até aquela noite em que teve, enfim, o prazer de conhecer .
Não soube imediatamente quem ela era, mas soube o mais importante: Ela era diferente. Preenchida. Insondável. Profunda. Complexa.
Não importa, as palavras ruins de Ali não tirariam nenhuma parcela das coisas boas que ele viu em .
Que interesse? — Ali perguntou com tensão, um indício à sua rejeição por más notícias. Changmin, ou Edgar, batucou os dedos entediados no puxador da porta. — Tem alguém interessado nela?
Ele quis rir. A risada nasceu estrondosa no fundo da garganta, mas não encontrou vazão para fora. Não quis rir pela incredulidade dela, mas sim pela inocência. Pela arrogância. Pelo martelo que batia todos os dias ao afirmar que jamais deixaria o coração de Jeon Jungkook, de um jeito ou de outro. Nem se ele voltasse ao ritual de ocupar suas noites com corpos desocupados, Ali Dalphin ainda seria um piano encapuzado. Grande demais para se jogar fora, doloroso demais para continuar sendo usado, lembrado. Então ele apenas o jogava debaixo de uma lona e esquecia. Trancava uma porta. Se concentrava na vida além de uma janela. Buscava experiências diferentes com colegas diferentes, mas quando voltava, o piano estava ali. Não cabia outro. Não cabia mais nada. Ela só precisava voltar e tirar a poeira.
Changmin acreditou em toda essa confiança. Estava certo do amor dele tanto quanto Ali estava. Só que, aparentemente, aquele camarada tinha dado um jeito de jogar toda essa tralha fora, e ela ainda não estava pronta para ouvir isso.
— Com certeza tem alguém interessado nela. Jeong Jaehyun, o melhor exemplo de todos.
Ali emitiu um som escarnioso.
Esse idiota nunca me enganou. É claro que tinha alguma coisa com ela. Claro que se conheciam.
— Parece que se conhecem bem.
Ali estalou a língua, e fez um som de ânsia. Um enjoo revoltado, certamente voltado para a imagem daqueles dois.
Changmin raspou os dedos novamente pelo pescoço, trincando os dentes sem notar.
— Mas seu ex é… Um sujeito cativante — ele engoliu a raiva e o ranço para deixar apenas a ironia transparecer. Ali ficou imediatamente mais animada.
Você o viu?
— Difícil não ver. Eu estava no território dele, e devo dizer que ele chama muito a atenção. Disseram que estava no estúdio gravando uma música nova, inclusive. Parecia bem cansado.
Você falou com ele? — Quis saber, ansiosa. O timbre de sua fala denunciava um sorriso imensurável.
Por respeito e ética às suas ambições particulares, Changmin se encolheu no próprio casulo e deu de ombros.
— Um pouco. O necessário. Estava tudo uma confusão, Ali. Dia de lançamento, muita gente, ordens e correria para conseguir juntar todo mundo que vive separado. Foi em um desses momentos, não dava para fazer muita coisa.
Ali murchou, e não escondeu o barulho.
E como ele estava?
A alcunha de Edgar tentou controlar o nervosismo. Só de lembrar da forma como aquele cara o tinha intimidado, olhado-o de cima com insolência e ameaças veladas, prometendo uma lista inteira de golpes que seriam mais humilhantes do que dolorosos, tocado nele sem qualquer hesitação, respondido à Changmin como quem pega o desaforo e o parte no meio, exalando aquele hálito terrível de doce com tabaco em seu nariz, crescendo amedrontador sem levantar a voz… Tinha raiva. Tinha ódio. Ódio específico de orgulho ferido. Um sentimento ruim que poderia atrapalhá-lo a sorrir e fingir. Cada osso do corpo queria abrir a porta daquele carro e voltar lá, ter a última palavra. O que disse sobre Ali não causou efeito algum. Ou não teve o efeito esperado.
— Já disse, ele parecia cansado. Não preciso me aproximar dele também, não é?
Não. Essa é a minha parte — disse, completando depois: — Aliás, recompensa.
A segurança dela continuava sendo extremamente contagiosa, mesmo que Changmin tivesse visto outra coisa naquele cara, percebido outra coisa. Esse era o poder de Ali: transformar qualquer coisa em certa, o possível no provável, e o provável em fato. Tudo isso usando palavras, sentenças, uma certeza de nascença de que conseguiria o que queria. Foi uma das coisas que chamou a atenção de Changmin desde que a fotografou pela primeira vez, desde que cruzou com aquele fogo egocêntrico em olhos de esmeralda, olhos de mar verde, selvagens de natureza, imensidão de florestas, tirando o fôlego e a razão dos despreparados. Ele quis tentar, quis se embrenhar na vastidão das pernas dela, quis saber se toda aquela disposição se sustentava fora da plateia.
Sustentava. Era ainda mais bárbara, mais explosiva. Mas também tinha bateria, também tinha casulo, também se retraía e, daí, enjoava. Desinteressava. Já queria a próxima ponte aérea, as próximas ruas, o próximo ritual. Changmin soube cedo que não daria certo. Não queria mais argumentos para voar. Queria motivos para ficar, arar a terra e se plantar. Criar raízes. Escolher um nome só. Ficar bem sem ter medo de ficar mal.
Ainda assim, Ali foi uma amiga, foi uma igual. De alguma forma, era uma mulher difícil de esquecer, não importava o sentido. As unhas dela demoraram a sarar de sua pele, a língua ainda sugava a dele em pensamento. Não era saudade romântica, era lembrança boa de mente vazia. Era um enxerto esplêndido para quem se sentia carente. Era um molde perfeito para usar com outra pessoa, diversão para o banho de um homem. Ali Dalphin exalava uma íntegra perfeição, mas seu casulo era mais fraco do que o dele. O ego facilmente estremecia e era frágil. As drogas ajudavam nisso, junto com o whiskey e os cigarros. E, logo, ele viu as rachaduras e as falhas, e como eram fortalecidas pela sua loucura. Ela inteira era uma loucura, e Edgar tinha visto as duas partes disso.
A loucura do não saber ouvir um não. A tempestade armada para mudar uma única palavra, uma única decisão. Não existia essa palavra no dicionário de Alison Dalphin. Se queria, teria. Bastava apenas querer.
Essa coisa fresca e mimada tirava um pouco do brilho de Ali para Changmin. Mesmo que admitisse que, de fato, era quase impossível dizer não para ela, o sim não passava de prazer momentâneo. Desejo imediato. Não se encaixava em seus planos de longo prazo. Então, em um instante, a imagem dela estava mudada, restando apenas o molde na cabeça dele, uma lembrança benigna para um homem solitário. Ao ver Ali de verdade, toda essa confiança inabalável começou a parecer forçada, insuportável. Mesmo depois de tudo, ainda jurava pelo Céu e pela Lua que Jungkook estaria esperando por ela, e não importava como exatamente estivesse fazendo isso. Esperar não significava ficar parado. Não significava tédio. Não significava tristeza.
Você vai ver no olho dele, disse ela quando o desafiou a dizer seu nome para Jungkook. Vibrava só de pensar, se animava a cada letra do nome dele. Changmin nunca a viu assim, tão apaixonada. Obcecada por algo que não fosse ela mesma. Fazendo planos de reencontros, e não de novos encontros. Changmin gostaria do que visse se já não a conhecesse. Se já não tivesse visto aquela muralha incendiar. Se não soubesse que, a partir do momento em que Jungkook era um alvo de interesse, não havia para onde fugir. A partir do momento em que a indiferença dele soava como rejeição, não havia lugar no mundo longe o bastante para escapar dela.
Pobre Jeon. Para ser honesto, não lhe importava nenhum pouco o fato do Golden Maknae ter se desgarrado da paixão por sua amiga Alison. Era bom que ela aprendesse. Quem sabe amadurecesse sobre não ter tudo que quer. Quem sabe não pulava para um próximo affair e seguia a vida. Mas isso não iria acontecer, então bastava a ele apreciar o espetáculo. Ir ver com os próprios olhos. Dizer à Ali depois que não precisou perguntar muito para saber um pouco que seja das últimas aventuras do membro mais novo naqueles meses de sua ausência.
Mas o que encontrou no olho de Jeon Jungkook não foi vazio, não foi saudade, não foi abandono, raiva ou Ali Dalphin. Encontrou pressa, fogo e paixão. Uma determinação indômita de alterar os cálculos a seu favor. De novo: preenchido. Insondável. Profundo. Complexo.
Ele viu e tudo que pertencia à ela, e o baque era feio demais para suportar. Aquele cara podia ter qualquer uma. Filas infinitas de opções variadas, uma para cada oscilação de humor. Poderia ter duas, três, quatro de uma vez. A boceta que quisesse, os peitos que quisesse, a bunda que quisesse. Tinha que rabiscar um X logo na de ?
Irritou Edgar. Irritou Changmin. Irritaria Ali. Escureceria o mundo inteiro. Viraria o tempo em questão de segundos, começaria uma guerra mundial. Que droga, ele tinha gostado mesmo de . Gostava do enigma da garota, queria desvendá-lo antes de entregá-la a Ali. Não tinha problema, ele pretendia salvá-la depois. Ser o herói. Retirar as acusações, chamá-la para ir embora com ele. Um plano sucinto e secreto, só dele. Iria usá-lo na hora certa. Mas precisava do caminho livre, sem possíveis intercorrências de Jeon Jungkook.
— Você ainda não sabe se vai dar certo — ele tentou puxar Ali para a realidade, mas ela era inflexível.
Claro que vai. Você conhece Sooyeon, e disse que ela confia em você. Quando tiver tudo em mãos, é só entregar pra megera e ver o resto. Tenho certeza que vai ser um espetáculo imperdível.
— O que vai fazer? Convocar a imprensa como fez na festa de Candice Chaperman e gritar sobre a paparazzi?
Aquilo foi um gostinho. Só não falaram pior dela do que foi comigo porque a princesa não tem fotos de lingerie. Isso parece fazer toda a diferença — quase conseguiu vê-la revirando os olhos. Outra afronta do ego frágil, da rejeição escancarada de milhares de bocas diferentes. Ali tinha anotado tudo isso na mente, ainda que fosse deixá-la doente — E Candice não é minha prioridade, apesar de ter sido bem divertido balançar as coisas. Eu vi que Yoongi confirmou tudo.
— E você deve imaginar como é tudo isso.
Eu imagino. E desejo boa sorte pra ela, de coração. Mas quero assustada. Afinal, quando for a vez dela, vai ser muito pior do que um relacionamento.
Ali riu com a imaginação. Tinha preparado um ritual, estava ansiosa por ele. Não via a hora de despertar seu pior lado para, só então, guardá-lo de novo e ter sua vida de volta. Não conseguia descansar toda vez que pensava nisso.
Changmin abriu um sorriso duro, agradecendo por estar longe daqueles olhos ferrenhos.
— Você vai ferrar com ela, não é?
Não, Edgar — respondeu Ali, tornando-se bruta e impenetrável: — Vou ferrar com todos eles.



A chuva já tomava cada pedaço de asfalto quando Jungkook deixou o edifício, uma hora depois do pretendido, atrasado demais para colocar em prática o método certo de procurar alguém.
Depois de voltas e voltas na grandiosidade daquela construção, ele tinha ido parar novamente no estúdio, sendo arrastado inconscientemente pela lembrança de onde tinha guardado seu celular, topando com a festa esquecida que fervia naquele cubículo, uma festa que se revelou em braços, gritos e cantoria que sobressaltaram um Jungkook desnorteado, que procurava a saída e não a entrada.
Foi quase impossível sair de lá. As várias doses de whiskey falando pelos convidados foram enfáticos ao não permitirem uma segunda evasão da estrela principal. O que exatamente queriam era difícil de decifrar. Queriam que ele cantasse de novo, que bebesse mais um pouco, que fizesse mais discursos, que finalmente falasse sobre datas ou qualquer coisa que cravasse sua presença ainda mais no espaço. Era muito difícil dizer que não queria ficar e, se avaliasse friamente sobre suas modestas chances de encontrar , o fácil era se deixar levar. Levar e ficar, e aproveitar a perdição que o álcool oferecia para as mentes agitadas que só buscavam distração e desistência.
Mas o que ele sentia naquela noite era muito mais poderoso do que já havia imaginado. Quando o amor explode no peito, não há quem segure, e nem quem não seja atingido. A força magnética incrustada em cada veia dizia para ele que não tinha acabado. Que não queria oferecer apenas a mão, que aquele ato tinha nascido do desespero, da falta, a mesma que ele sentia, aquele carecimento de estar junto que incomodava o peito nos dias comuns e se arrebentava quando ficava perto, enlouquecia, dois tsunamis precisando se tocar para terminar o estrago. Era magia e fenômeno natural, milagre e ciência. Tanto faz. No fim, o amor era uma eterna troca de energia, onde um se carrega no outro e volta no fim do dia pedindo por mais.
Os dias sem ela estavam ficando longos demais, e a clareza desse pensamento chovia dentro dele, batia forte como aquelas gotas estavam fazendo no capô de seu carro. Jungkook ficou parado por um tempo com os braços esticados sobre o volante, olhando o vidro embaçado pela tempestade, pensando em formas de encontrá-la, em mantê-la por perto, trazê-la para o seu mundo definitivamente. Torcia para que suas palavras bastassem. Que suas declarações compensassem tanto silêncio e covardia, que a paixão expelindo de sua pele com tanta facilidade fariam o serviço. Tinha que achá-la.
Bufando, ele se preparou para girar a chave na ignição e colocar o carro em movimento até o apartamento em Seongdong-gu, o destino que não fugia do óbvio, mas que não oferecia segurança do paradeiro. com certeza já estava sabendo da confusão que ele tinha armado no hall. O pandemônio bêbado e desesperado que o fizeram perder ainda mais pontos com ela, perder pontos consigo mesmo, com o universo. Não o deixaria subir, não o deixaria entrar de novo. Seria uma decisão agora consciente, já madura do arrependimento anterior, do impulso que tomou naquela sala de dança. Devia ter deixado um aviso na portaria proibindo o rosto dele e qualquer outro parecido o bastante. Se não pudesse fugir para outro país longe dele, pelo menos poderia cercar sua casa e cada ponto de intimidade que compartilharam, deixando a memória viva apenas na cabeça dele, que sangrava, se alegrava e se excitava com qualquer raio de lembrança.
Principalmente sangrava. Jungkook não sabia que um homem podia sangrar tanto sem sucumbir. Estava sangrando desde a sala de Mingyu. Desde que foi alvejado pelo ódio de Jaehyun.
Estava pronto para girar a chave. Mas então, uma ideia maluca, descabida – ah, muito maluca mesmo! – tomou todo o seu corpo à medida que ele a aceitava e se entregava a uma última tentativa.
Ele puxou o telefone e vasculhou sua lista de contatos. Sabia que não teria o número dela, mas ainda esperou. Não havia porquê ter o número dela, não saberia nem como salvaria caso tivesse. Loira Desbocada? Repórter Inconveniente? Melhor Amiga do Inimigo? Melhor amiga do Inimigo Que Dorme Com o Melhor Amigo?
Ele bufou e digitou outro número. Torceu para que ele atendesse o mais rápido possível. Em 2 minutos, ouviu a voz:
Alô?
— Por favor, me diga que está com a Candice.
Yoongi estranhou na mesma hora. Jungkook não precisava nem estar ao lado dele para ver isso. Certas frases são tão absurdas que causavam apenas um tipo de reação. Infelizmente, não dava tempo de contar tudo para ele.
Estamos na minha casa — ele se limitou a responder, e Jungkook se apressou:
— Me deixa falar com ela.
Quê? — Yoongi engasgou. Não contava com essa parte. Ninguém contava — O que você quer falar com ela?
— Você vai saber. Por favor, passa pra ela.
O mais velho ficou confuso, mas afastou o telefone e murmurou alguma coisa para alguém ao longe que ei, você tem uma ligação. Yoongi não tentaria entender naquele momento as razões de Jungkook; ele nunca quis falar com Candice, nem mesmo antes de se envolver e se engraçar com uma parte importante da vida dela. Depois desse fato consumado, se aproximar da loira de saltos parecia ser uma questão de morte.
Certamente, Yoongi não mencionou o sujeito que queria falar com ela. Candice insistiu, duas vezes ao longe, para saber quem era, e Yoongi permaneceu impassível. Com uma expiração forte, a loira aceitou e murmurou com confusão:
Alô?
— Sou eu.
Candice teve uma reação verbal imediata: um grunhido na garganta que se parecia muito com um rosnado. Jungkook ignorou.
— Por favor, me diz onde ela está.
Candice riu daquele jeito de quem vê um absurdo. Vê e fica ainda mais angustiada porque é absurdo. Uma risada seca, sem humor, perplexa.
Você tá brincando comigo, não está?
— Não brinco sobre essas coisas.
Pois você brinca sim — O barulho dos dentes dela quase o morderam do outro lado da linha. — O que mais você fez foi brincar com ela, se aproveitar, minimizar o monte de mal que você jogou pra cima dela. Acha que o tempo fez eu mudar minha opinião sobre você, Jeon? Que suas questões com deixaram de ser relevantes?
— Minhas questões com são minhas e de , Candice. Isso já fica claro no fato de que concordamos em não contar pra ninguém. Agora estou só pedindo pra você me deixar resolvê-las.
Ela riu novamente, mais escandalizada. Resolver? O que seria o resolver?
Fala sério. Não sei qual é o seu problema de agora, mas é muita cara de pau vir me perguntar isso. Ainda mais sabendo que ela te bloqueou. Isso não é resposta o suficiente pra você?
— Tenho um motivo pra achar que não — Jungkook se apegou na sensação dos dedos dela, no toque partido dele e sustentado por , na bolha que se formou e que deixavam um recado claro sobre tentar. Tentar alguma coisa, começando pelo primordial: falando com ela — Se eu tivesse outra opção, não perguntaria pra você. Sei que você me odeia e sei que tem motivos pra isso, mas eu preciso…
Pra quê você precisa? Por que quer ir atrás dela? E por que você acha que eu daria essa informação? Você está certo, não confio em você, não tenho…
— Eu poso pra você — Jungkook disse após um momento de controle em que fechou os olhos com força e soltou a primeira coisa que lhe veio à mente. Uma lembrança verde em um mar de vermelho. Uma informação que ele nem sabia que tinha guardado. Candice ficou em silêncio — Digo, eu aceito a proposta da sua capa. Com prioridade.
O quê?
— Sei que sua equipe manda o convite para o meu agente umas dezenas de vezes por mês e ele sempre recusa, até porque eu não deveria aceitar por questões de contrato, mas que se foda, eu aceito. Vai te dar prestígio, não vai? Pode até te promover de novo em tempo recorde. Sei como essas coisas funcionam, sei o que você pode ganhar. Então eu faço. Só marcar a data.
Não foram muitos os dias em que alguém ousou deixar Candice Chaperman sem palavras, ainda mais quando esse alguém nem estava tentando fazer isso de verdade. A mudez completa que tomou o outro lado da linha não era uma resposta muito certeira para Jungkook. Podia ser um sim, podia ser um não, podia ser uma preparação para um estrondo. Ele não sabia se deveria sentir desespero pela demora, alívio pelo não ter se perdido ou pressa para pensar em um plano B. Ou C, D, E, todas as letras do alfabeto.
Com um tempinho, Candice emitiu uma respiração de novo pelo fone, soando temerosamente mais calma e um pouco surpresa quando disse:
Você… Não tá falando sério…
— Eu estou falando sério, Candice. Sobre tudo — Jungkook frisou, a urgência da voz sendo testemunha da verdade. A chuva aumentava, o tempo passava. Tanta poça, tanto trovão, tanta água feroz com o mundo. Ela odiava tudo isso, Jungkook se lembrava bem. Não queria nem imaginar como ela estaria agora — Faço a sua capa, respondo todas as suas perguntas, aceito qualquer presente. Só preciso saber onde ela está.
Mais uma dose pesada de silêncio o deixou ao ponto da angústia. Era a resposta mais importante do ano. Candice era o carrasco com os pés apoiados no banco que sustentava o corpo de Jungkook com uma corda no pescoço. Ela escolheria empurrá-lo ou tirar a si mesma de cena. Ah, parecia a resposta mais importante da sua vida. Um tipo de Santo Graal, a senha para o próximo nível.
V-você… Argh — ela vibrou novamente na garganta, agora não apenas nervosa, mas furiosa — O que te faz pensar que vou vender minha amiga por isso? Acha que a Vogue é tão importante pra mim assim? Acha que alguns milhões na minha conta vão me fazer mudar de ideia só porque você tá colocando a cabeça no lugar? Me erra, cacete!
— Candice, qual é…
E o “tu tu tu” do fim da chamada expandiu a frustração dele para o mundo. Tornou aquela chuva um desastre natural. Ele fechou os olhos com força e soltou um palavrão. Não adiantava ficar com raiva dela, então só internalizou o fracasso e tentou pensar em alguma coisa. Qualquer próxima coisa. Mais quem poderia saber onde estava? Quem poderia falar onde ela estaria? Algum norte, alguma zona onde poderia começar…
O toque do telefone rasgou o início da corrida dos pensamentos, e Jungkook atendeu em um pulo sem olhar.
Ela tá numa cafeteria em Sinchon. Rua 787, o nome é Jinhan.
A loucura o deixou reconhecer a voz de Yoongi bem mais tarde do que o esperado, e ele repassou e repassou dezenas de vezes a frase na cabeça até perguntar, em voz falha.
— Ahm… Como?
Ela ficou muito brava e quando Candice fica muito brava, fala demais. Mas sei que ela quis falar isso — ele suspirou, e pelo visto estava sozinho na sala. Jungkook tinha certeza de que estaria ouvindo os berros de Candice há quilômetros de distância se não estivesse tão longe da casa de Yoongi — Ela sabia que eu ia te ligar, então não foi por acidente. Pensando bem, acho que ela te deu uma chance — Yoongi deu uma pausa, baixando a voz para torná-la mais enfática: — Não desperdiça.
Jungkook foi tomado pela leveza do alívio e por outra coisa que não saberia o que era na hora, mas que descobriria assim que batesse os olhos nela. Com um sorriso grande e pressa no coração, ele agradeceu à Yoongi e desligou o telefone, pisando no acelerador e rasgando a chuva na direção de Sinchon, tendo certeza de que aquilo também fazia parte de seu momento certo.



Ji Changmin estava no seu mundinho paralelo de conhecimentos técnicos profundos com pitadas de filosofia enquanto abraçava mais um combo de donuts com outro frappuccino gelado, agora de pistache, combinando com o de .
A boca dele se movia sem parar, animado com os planos potentes que se erguiam quase fisicamente naquele estabelecimento aquecido e aconchegante, um mundo inteiro de portas que se abririam quando vissem a ação daquele novo produto, destacando como ele e fariam parte disso, mas repetindo muito mais o nome dela.
Ele falava e falava, e sorria e sorria, a felicidade mais quente do que aquele lugar pequeno e apertado, mas que, infelizmente, não era um lugar escondido. Não à prova de sons e de visão.
Uma enorme janela de vidro estampava o caos hídrico do lado de fora, e o barulho insistente dos trovões cortava qualquer risadinha que tentava dar. Rir não parecia a emoção certa quando tudo por dentro estava se encolhendo de medo e angústia. Conseguia ignorar os ruídos por um tempo, mas o pavor era como um cachorro preso por correntes de metal, latindo sem parar. Ele não se aproximava, mas você ainda escutava. Se irritava. Tinha medo dele escapar. Deixava distraída, em modo de alerta, querendo sair. Mas lá fora é onde se abria o campo do terror, então ela precisava ficar, por mais que tremesse um pouco com os estrondos e desviasse a cabeça ao menor sinal de clarão astuto do céu revolto.
Parecia um flash gigante, miserável, um que te engoliria.
Changmin não percebia sua inquietação. não o culparia. Queria conseguir se concentrar na sua bebida, mas não sabia por qual começar. Ele tinha recheado a mesa com o que chamou de experiências novas. Ela tinha um frapuccino de pistache ao lado, mas fechou os dedos em volta de uma caneca de cerâmica com chocolate quente, que até o momento tinha conseguido beber apenas o chantilly. Um caroço do tamanho de um punho estava fixo na garganta. De fato, estar imersa em uma tempestade era grande parte do motivo, mas todo aquele dia pareceu ser uma antecipação da angústia que sentia agora.
baixou os olhos e encarou os dedos, aqueles dedos, tomados de outro calor que não vinha da bebida quente. Deixou a mente vagar e se perder naquela loucura de toque que aconteceu sem impedimento. Quis, quis muito, ainda queria, desejava, desesperava, se angustiava. Sabia que não era certo e por isso saiu correndo, porque a sensatez e a raiva de Jungkook se explodiram uma após a outra naquele contato, e nada mais importou. Só que as coisas precisavam importar, e precisava voltar a ser bastante lógica para se livrar desse peso no peito. Tinha disparado para o banheiro, se apressado em respirar uma, duas, dez vezes e se forçar a ficar parada no mesmo lugar, invocando seu juízo de volta, lembrando dos momentos ruins e fortalecendo-os sobre os bons, ainda que pensamentos não era mais fortes do que realidades fixas. Não eram mais fortes do que toque, do que pele incinerando, do que balbúrdia hormonal, do que desejo apertado como corda de arame. Teve raiva por sentir isso, muita raiva. Ficou furiosa a ponto de segurar um choro. Não podia chorar, não podia ceder. Já tinha chorado tanto que afundava ainda mais a antiga , aquela com rigidez de coração, de sonho e de voo. Uma que se preocupava com o real e não com o que queria que fosse real.
Ficou muito tempo naquele banheiro. O tempo que fosse preciso até se olhar no espelho e ter uma nova desculpa na cabeça baseada em mal do estômago, cólicas ou qualquer coisa que servisse. Não existia absolutamente ninguém naquele espaço hoje para quem ela contaria a verdade.
A não ser para Changmin, que fez uma ligação em menos de uma hora depois para perguntar se estava bem e se precisava de companhia. Bem era a resposta padrão, mesmo que sua voz passasse longe dessa afirmação, e quanto à companhia… se sentia sufocada só por estar naquele prédio imenso. Sufocada com a ideia de encontrá-lo de novo, nem se fosse por míseros segundos. Aflita com a incerteza do que poderia ou não fazer. Que sensação de merda, sensação horrível essa de não fazer ideia se você agiria da forma certa. Se trairia a você mesma sem piscar. sabia o que era o certo – ou achava que sabia –, mas a todo momento que expulsava a raiva da sala e ficava sozinha com seus outros sentimentos, não sabia mais. Não tinha certeza de nada. O medo era uma das maiores presenças desse clubinho, e ele a olhava sorridente, vitorioso, sabia que estava ganhando uma corrida que não fazia ideia de qual fosse.
De qualquer forma, o sim para Changmin veio sem esforço, assim como andava sendo desde que o conheceu. Mandou uma mensagem para Candice e simplesmente foi. Era estranho esse magnetismo que ele emitia. Por mais que reconhecesse que mais ouviu do que falou em todos os encontros, e que ainda não pretendia dizer nada pessoal pra ele – ainda estava dentro de seu círculo de pedras, como tinha brincado com Jungkook naquele carro depois do hospital, suas pedras de segredos que eram irremovíveis até um tempo atrás –, gostava de ficar perto de Changmin e daquele sorriso que dizia que o mundo ainda era bonito, as pessoas eram legais e seu trabalho era o melhor do mundo. Ele a fazia acreditar que ela só estava começando. Que um país inteiro não podia ser considerado nem o ponto de partida. Então ela ficava, ouvia termos novos de fotografia e ouvia histórias de trabalho muito diferentes entre si e deixava a mente imaginar a do futuro seguindo aqueles mesmos passos.
Não hoje, é claro. Naquela chuva torrencial, onde a tempestade e Jungkook reviravam de dentro pra fora e de fora pra dentro, nenhuma frase de seu novo amigo ganhava vazão. Ela tinha dito ao telefone que não estava muito bem, mas não pretendia demonstrar isso de um jeito tão escancarado.
— Não sei o quanto você conhece a respeito de todas essas coisas — disse ele no intervalo milagroso entre um trovão e outro, conseguindo chegar aos ouvidos de . — Mas acho que não quer saber de nada disso agora.
demorou um tempo para captar a indireta, e piscou os olhos algumas vezes com constrangimento.
— Desculpa, do que você estava falando?
— Não importa — ele espalmou as mãos no ar, com um sorrisinho tranquilo. — Coisas chatas que eu encontrei em feirinhas de arte em Roma. Você ficaria louca com as coisas que os europeus jogam fora. Armaduras da idade média, quadros falsos idênticos aos originais, contrabando de arte… Juro, é insano. Tenho uma réplica gótica perfeita de O Beijo de Judas de Giotto na parede do meu apartamento bem aqui, e comprei com uma estudante de 16 anos no meio da Piazza Navona. Ela primeiro perguntou se eu chamaria a polícia, e eu disse que não. Foi uma pechincha. Tenho certeza que ela estava começando, mas foi legal ver uma garota envolvida em tudo aquilo, eu não…
O próximo trovão causou um espasmo quase discreto em , e Changmin não teria prestado atenção de novo caso ela não tivesse esbarrado no porta-guardanapos da mesa.
limpou a garganta e tentou dispersar.
— Hmm, então você acha que crimes e contrabando tendem a ser uma coisa só de homens?
sorriu fraco. Changmin varreu os olhos dela para o porta-guardanapo que acabava de ser erguido de novo, e notou os ombros tensos e os ossos da clavícula trincados escapando da blusa azul. Ela deu uma olhada rápida demais para a janela longe deles, e o fotógrafo franziu um pouco o cenho ao perguntar:
— Tem medo dos trovões?
engoliu em seco e balançou a cabeça.
— É claro que não.
— Não é o que pareceu — ele riu, achando a ideia engraçada. desviou os olhos e se sentiu ridícula. Não por ele ter necessariamente visto isso, mas por ela ainda viver com isso. — Não acredito que tem medo de trovões. Que legal.
o olhou sem entender.
— Legal?
— É bacana ouvir de uma senhorita tão durona quanto você que há coisas no mundo que te desestabilizam.
riu sem humor. Se ele soubesse de tudo…
— Não sou tão impenetrável assim, Changmin. Devia me ver com um olhar mais real.
— Sim, eu devia — ele suspirou e admirou seu rosto por um segundo até se inclinar para a frente da mesa e completar em tom mais baixo: — Mas é que você me parece boa demais para ser real.
quase engasgou com o recente gole do chocolate quente. Tossiu um pouco e sentiu uma vontade estranha e inexplicável de chegar para trás. Ele tinha dito com tanta firmeza que a deixou sem reação. E um sorrisinho convencido brilhou nos lábios dele por tê-la deixado embaraçada.
— Você não devia falar assim — disse ela, a voz quase esganiçada. Changmin balançou a cabeça, sem concordar.
— E por que não? Você não gosta? Te deixo desconfortável por não gostar ou por que tem outra pessoa na jogada?
Ela parou com os dedos na bebida de pistache.
— Outra pessoa?
— É, tipo o cara que tirou o seu vestido há alguns dias atrás. Ele ainda tá na jogada?
Changmin usou o mesmo tom natural e despojado de sempre, o que era fantástico, porque não via maldade nenhuma em suas perguntas, e nem no fato do rapaz reparar em com quem ela estava. Era como se ele estivesse se divertindo, brincando, sem nenhuma intenção ruim por trás.
Acreditando totalmente nisso, ela deu de ombros e respondeu:
— Não, ele não tá na jogada — realmente, não mais. Jaehyun parecia ser um acontecimento de meses atrás. Algo importante e divertido que tinha acabado de um modo tão ruim que a mente apagava, deixando só alguns recortes de quando tudo era bom. Não falou mais com ele depois, apesar de ele ter tentado uma ou duas vezes, mas tinha entendido rápido que não dava. Acabou. Então, aquela era a verdade verdadeira.
— Ele e mais ninguém, não é? — Changmin prosseguiu, agora sugestivo. Talvez estivesse mais ciente do que ela pensava de seu círculo de pedras. Dos segredos que ela juntava em torno de si, da barreira impenetrável que montava em volta deles. Estava louco para desvendar, decifrar tudo isso. Perfurar a armadura de .
Ela estava pronta para negar, assim como sempre estava pronta para sair de fininho em qualquer borda de assunto que podia trazer à tona os problemas de seu coração, mas naquele dia em específico, naquele maldito dia, se sentia tão quebrada. Tão descontrolada, tão medrosa, triste, eufórica, aflita, tão cheia de emoções misturadas saindo todas ao mesmo tempo que não dava sequer para imaginar uma forma de negar. Seria tão óbvia a mentira que chegaria a ser ridículo. Negar a verdade para Changmin naquela hora parecia ser uma necessidade infundada de correr de uma realidade que já a tomava por inteira, e era um pouco injusto com tanta honestidade que recebia dele.
Ainda assim, a boca se abriu para um não. Ou talvez um sim. Ah, não fazia ideia do que responderia a ele naquele momento. Também não teve a menor chance de saber. Antes que as palavras certas ou incertas saíssem, o sino acima da porta tocou com a chegada de um novo cliente, aumentando o barulho da chuva e sobressaindo ao que diria.
O barulho a distraiu, mas não tanto. estava de costas para a porta, alheia aos estrépitos de dentro do estabelecimento, ouvindo amedrontada só os de fora. Não parou de falar por causa do som. Foi pela expressão de Changmin.
O sorriso iluminado murchando e desaparecendo completamente à medida que cravava os olhos na entrada.
ouviu o estardalhaço das botas antes de se virar para trás.
Tudo parou.
A chuva, os trovões, os desastres, a música, o fim do mundo. Tudo entrou no silêncio perverso do som do sino de boas-vindas e das botas tratoradas no piso de ladrilho.
Jungkook estava entrando pela cafeteria.



Há quem lesse mais tarde, em algum jornal físico ou no noticiário diário da TV, o caso curioso de uma Mercedes GT desgovernada cruzando o centro do distrito, curvando perigosamente nas ruas estreitas e largas, costurando uma avenida inteira há 130km/h debaixo de uma das maiores tempestades do fim do verão, contabilizando uma leitura bastante alta do sistema de multas de trânsito, que quase não conseguiu reconhecer algo tão rápido. O carro era um vulto negro rasgando toda aquela água, e se conseguiu chegar ao destino sem atropelar ninguém, eram apenas sujeitos de pura sorte.
Por fim, a Mercedes anárquica finalmente dobrou na rua indicada, que já se mostrou motivo suficiente para um palavrão de Jungkook. Era apertada, escura e desconhecida. Não que ele conhecesse cada pedaço de Seul, mas qual o sentido de estar tão longe de casa? Ele avançou com o carro até as luzes em vermelho neon de um posto de gasolina, lutando para manterem até o último resquício de energia elétrica. A extensão do pátio estava vazio e encharcado, com coberturas de concreto apenas acima das bombas de autoatendimento, que também pareciam precárias. Nos fundos do espaço, há alguns metros, uma pequena lojinha de conveniência funcionava normalmente, igualmente vazia, com as mesas e cadeiras recolhidas do grande dilúvio.
Não tinha outro lugar pra estacionar. Jungkook enfiou o carro na outra extremidade do posto, onde as luzes vermelhas se espalhavam pela carroceria e mal chegavam ao banco da frente, posicionando-o logo abaixo do que parecia ser uma placa de estacionamento para caminhões e saiu disparado pela rua, avistando logo do outro lado o letreiro circular do Jinhan, um estabelecimento que se parecia mais com um restaurante de segunda mão do que com uma cafeteria.
Levou menos de 2 minutos para completar o trajeto, mas ele ainda parecia um gato molhado quando passou pela porta, sentindo o vento quente entrar pelas suas narinas junto com o aroma de café coado e temperos variados. O lugar não tinha nada de moderno ou chique. As cadeiras eram todas separadas e diferentes umas das outras, tinha um leve cheiro de cerveja, as luzes eram baixas e mal dava para crer que aquilo piscando no fundo era uma jukebox.
Absolutamente ninguém virou a cabeça quando ele entrou. O público era composto basicamente por trabalhadores cansados reunidos em volta da mesa jogando cartas antes de se prepararem para mais uma jornada de trabalho noturno, dois ou três grupos de universitários e… Ji Changmin.
Ele não demorou a vê-lo. O lugar não era tão grande e, quando olhos furiosos focavam em você debaixo de uma luz tão amarela, ficava difícil não ver.
Jungkook se sentiu um pouco aliviado por ter recebido a informação certa, ao mesmo tempo que a raiva pinicava as costelas. Viu as costas de e partiu para a mesinha escolhida no canto, minutos depois vendo-a se virar para trás e olhar para ele.
Ah, ele adoraria aquele olhar no rosto dela. Amaria ver e ter a chance de ficar tão perto de depois de sei lá quanto tempo – parecia uma eternidade – e sentir mais um pouco que fosse do cheiro dela, tocar na sua pele sem querer de novo e experimentar o coração convulsionando tanto até a pele se desprender. Era mais ou menos isso que faria depois que se livrasse daquele desgraçado do outro lado.
Com uma mão, Jungkook puxou uma cadeira para se juntar à mesa deles, sentando-se casualmente no meio.
— Então… — começou ele, fazendo uma leitura das comidas e bebidas espalhadas pelo tampo. — Não sabia que gostava de bar de caminhoneiros.
percebeu que ele olhava para ela, mas qualquer reação tinha sido sugada para outro universo. Ela não foi capaz de emitir nenhuma respiração decente, aturdida e completamente chocada pela presença alta, molhada e em preto daquele cara. Não conseguia nem dizer alguma coisa.
Por outro lado, Changmin trincava os dentes e apertava as barras da mesa com um ódio crescente, ódio daquela presença surgida sem mais nem menos.
— Jungkook? — Ele abriu o sorriso padrão, mesmo que não tenha saído tão bom quanto o resto. Riu pelo nariz e chamou a atenção do maknae, que o olhou de soslaio mas não tirou os olhos de . — Caramba, que surpresa. O que faz aqui?
— Gostaria de perguntar o mesmo — ele se virou para Changmin, apoiando um braço no encosto da cadeira. — Por que você está aqui?
Os olhos se estreitaram em algum tipo de desafio. O sorriso aberto de Changmin sofreu graves hesitações. ainda estava olhando para Jungkook, ainda não conseguia parar de fazer isso, achava um pouco triste como sua capacidade cognitiva falhou tanto em um tempo recorde, mas o próximo trovão veio. Pareceu mais forte, mais violento. tremeu os dedos de susto genuíno e desviou os olhos para o outro lado, finalmente se mexendo, e Jungkook virou a cabeça para ela.
quase sentiu constrangimento. O idol esqueceu Changmin por um momento e levantou um braço para ninguém exatamente, fazendo brotar um garoto qualquer de algum lugar por trás do balcão, que se aproximou correndo com um avental em volta da cintura.
— Fecha essa conta pra mim — disse Jeon, puxando duas notas azuis do bolso de trás, dinheiro vivo, coisa nova e surpreendente pra ele. não sabia dizer exatamente quanto era, mas o garoto da recepção parecia prestes a desmaiar. — E usa o troco pra aumentar o volume dessa música. Trocá-la também, por favor. Ninguém merece ouvir Arirang num dia de chuva.
O menino assentiu sem ter terminado de ouvir o que o maknae dizia, mas com aquela quantia, pouco importava. Ele engraxaria os coturnos de Jungkook se ele pedisse. Quando estava prestes a sair para a caixa de música, ele parou e se virou.
— Tem alguma preferência, senhor?
Jungkook olhou para de novo, abrindo um sorrisinho que já adiantava o que diria depois:
— Daniel Caesar. Bem alto.
O rapaz assentiu e fez o que foi dito para fazer. Talvez nem soubesse quem era o cantor, mas daria um jeito de saber. Tinha gorjeta demais pesando nas mãos pra se preocupar com isso. Jungkook se voltou para a garota na mesa enquanto a música não começava, e ainda estava ausente de reações. Olhava e não falava. Sentia um mundo de coisas e não externava porque a presença dele ali ainda parecia uma alucinação.
A música começou a soar ao fundo. Primeiro baixinha, depois aumentando, estrondosa, maior que o trovão. Era um tipo de som que não entreteria ninguém do recinto, mas esse era o menor dos problemas.
Changmin se remexeu incomodado no banco, torcendo a boca em desgosto não muito bem escondido até falar, por fim:
— Isso foi bem desagradável, senhor Jeon — o tom saiu alto, assegurando que a música não seria um empecilho para ser ouvido. A voz dele, enfim, trouxe finalmente para a realidade, fazendo-a erguer os ombros para cima e ajustar a postura. — Chegar e ir pagando a conta assim, como se eu não pudesse fazer a mesma coisa. Fere um pouco o orgulho de um homem.
Ele parecia estar fazendo uma observação simples, ou uma piada ou sei lá o que. Jungkook estava pouco se fodendo para o que ele queria.
— Na verdade, foi um adianto de tempo. A chuva tá piorando, você precisaria ir logo pra casa — ele sorriu indecente, vendo os cantos da boca de Changmin se contorcerem mais um pouco. — Foi uma gentileza, senhor Ji. Você deve precisar do dinheiro para o táxi de volta. Mas se precisar de mais também, posso ajudar. Eles devem estar cobrando uma grana preta para transportar qualquer um nessa chuva.
acordou pra vida e abriu a boca, um pouco assustada não apenas pelo deboche quase sempre escancarado de Jungkook, mas pelo direcionamento dele à Changmin, alguém que, teoricamente, ele nem conhecia. Em um impulso que tanto se segurou para não ter, ela tocou na barra do casaco do maknae, um pouco molhado da chuva, e grunhiu entre os dentes:
— O que você está fazendo?
Jungkook se virou para ela e seu rosto automaticamente mudou. Se iluminou, relaxou. A voz dela direcionada para ele era um alívio imenso diante de todos os pensamentos conturbados que andava tendo nos últimos dias.
Mesmo assim, ele tentou manter a expressão impassível. Não queria que qualquer sentimento por ela fosse visto e presenciado por aquele merda e usado contra a própria depois.
— Preciso falar com você.
— Não, você não precisa — sussurrou com repreensão. Queria soar furiosa, mas talvez estivesse soando apenas… desesperada. Amedrontada.
Estava presa.
— Ele não precisa mesmo — Changmin se meteu, arrastando a taça grande de frappuccino para o lado, cruzando os braços por cima da mesa. — Ainda mais quando quer falar interrompendo a conversa de outra pessoa. Vocês, jovens artistas, são sempre tão indelicados assim?
De novo: ele parecia estar fazendo uma piada, mais ácida e mais confusa do que as outras, e também pensou em repreendê-lo, mas aquele sorriso fixado nos lábios não cederiam a ela, assim como o outro sorriso solitário e bastante dado a leviandades que era o de Jungkook.
Não dava pra explicar a raiva crescendo dentro do peito de Jeon. Aos olhos de fora, poderia parecer que ali, na mesinha redonda do canto, estivesse acontecendo uma briga silenciosa de dois homens por uma mulher. Um flagra maldito que tinha o potencial de quebrar aquele estabelecimento inteiro, com cadeiras e mesas voando pela janela de vidro afora. Mas por dentro, ali no meio, existiam verdades escondidas e motivos que moravam bem longe de suposições externas. Até mesmo , envolvida diretamente nesses motivos, olhava de um para o outro sem estar certa o suficiente do porquê, quando, onde os dois estavam se olhando daquele jeito.
— Você ainda não viu como posso ser mesmo indelicado — Jungkook desferiu, e Changmin riu pelo nariz.
— Já estou vendo o suficiente quando você faz o favor de entrar desse jeito e ainda fazendo demonstrações chulas de poder com essa carteira, não sabia que Jeon Jungkook tinha essa casca de personalidade tão… Fútil?
Changmin advertiu, mas o fotógrafo ignorou.
— Isso é uma futilidade e, de certa forma, um traço de masculinidade frágil talvez, essa necessidade de se provar o macho alfa na frente da garota. Mas eu entendo, você é jovem e meio que precisa dessas coisas pra fugir de outros rótulos, não é? Acho que a sua abordagem pode estar bem ultrapassada, cara. está procurando outras coisas no momento.
— Changmin — falou de novo, desta vez mais surpresa do que zangada. Do que ele estava falando? Como estava supondo esse tipo de coisa?
Mesmo que não dê para não supor alguma coisa quando um cara apressado entra por uma porta e age daquela forma.
Nenhum dos dois olhava para ela. Jungkook encarou Changmin sem piscar, mas sem um único traço de raiva ou qualquer coisa que indicasse que ele pularia daquela cadeira e lhe daria um soco.
Em vez disso, o maknae apenas deu uma risadinha sem mostrar os dentes e contornou os dedos na taça mais próxima.
— Te ouvir falando por mais de 2 minutos realmente me fez ter certeza que você só fala merda. Vou fazer uma anotação mental sobre isso depois. Agora… — ele se virou novamente pra . — Vamos conversar. Por favor.
— Cara, você é surdo? Não tá vendo que…
— Vim por você. Preciso muito falar com você.
Os olhos dele eram de uma súplica impossível de ignorar. se sentiu jogada contra a parede, mas não como uma sensação ruim de intimidação, mas uma sensação desesperadora de ficar. De curiosidade latente do querer saber. Sentia o coração, o pulmão, a pele ou qualquer coisa do gênero quase sair de debaixo dos ossos pra tocar nele. Pra dizer sim. Ainda não dava pra entender o que ele pretendia com aquela atitude, mas isso não mudava o fato de que ela queria escutá-lo.
Mas não… Se fosse parar pra pensar no que ele provavelmente diria, no que ela achava que ele diria, não tinha mais força pra isso.
— Você… Agora não é o momento — disse a primeira coisa que veio na mente, ainda que seu lábio tremesse com a inverdade. — Estou… ocupada.
Jungkook olhou de soslaio para o fotógrafo espumando do outro lado e, contra tudo que se pensa, sorriu calorosamente para ela.
— Tudo bem. Posso falar na frente dele, se você quiser.
teve vontade de chutá-lo por debaixo da mesa. Teve vontade de gritar para que ele fosse embora, se desesperou. Por incrível que pareça, queimou por dentro e quase perdeu a cabeça só com a ideia de ouvi-lo falar o que ela achava que ele falaria em voz alta. Na frente de alguém. Não, não, não! Seus olhos se arregalaram de medo. Não pelo fato de que Changmin escutaria, mas pelo conteúdo que sairia daquela boca! Acabaria com ela, levaria mais uma porção gorda do seu coração, como se ele já não estocasse a maior parte dele.
Canalha desgraçado! A raiva dela voltou de imediato. Canalizou o quanto pode desse sentimento até dizer, em voz baixa e enfática:
— Agora não, Jungkook. Vai…
— Eu não vou embora — e de repente, ele se aproximou dela com o corpo inteiro, inclinando as costas em sua direção, tão perigosamente e desesperadamente perto que quebrou no meio. — Dessa vez, não vou embora de jeito nenhum. Até você me deixar falar e me escutar, não vou embora, .
Por um lado, ela sabia que aquilo não era literal. Era de conhecimento quase mundial que aquele cara estaria pegando um voo amanhã ao meio dia com o restante dos 6 caras que iriam disputar o maior prêmio da música na Califórnia, e que alguma hora ele precisaria sair de perto dela e deixá-la em paz, e achou que aqueles 4 dias com ele longe seriam um paraíso para andar na empresa sem qualquer chance de vê-lo por acidente, mas ela tinha um limite para mentir para si mesma. O paraíso e o inferno eram duas ideias que se interligavam, assim como o ódio por vê-lo fazendo a mesma coisa que ela pediu pra não fazer – falar com ela, em primeiro lugar – se misturava automaticamente com o amor e o desejo por realmente ouvir o que ele tinha pra dizer, mesmo que fossem mentiras.
Ela sabia o que aconteceria se ouvisse, mas ele estava tão perto, e sua imagem combinada com suas palavras provocavam um tipo de reação em cadeia muito séria no corpo de . O tipo de coisa que era muito difícil fugir.
— Você tá falando sério? — Changmin novamente apareceu como o choque de realidade, dando uma risada seca sem emitir qualquer intenção de simpatia. — Por quanto tempo mais você vai insistir? Existe algum tipo de multa aqui por isso? , será que você não precisa…
— Eu não preciso — parou imediatamente de olhar para Jungkook, tentando se concentrar no presente, tentando despertar sua linha de raciocínio. — Não preciso porque ele vai embora por conta própria. Nada é tão urgente que não possa esperar.
Ela odiou cada sílaba de cada palavra que ousou rolar para fora da boca para formar a sentença. Changmin sorriu do outro lado da mesa, vitorioso, mas Jungkook… ele continuava com os olhos fixados na garota, abrindo igualmente um sorriso. Enxergava medo puro nas recusas dela. Sabia o motivo, estava ali para resolvê-los. Mas no que ela estava se agarrando para isso…
— Poxa vida… — Jungkook passou uma língua pensativa nos lábios, virando-se para Changmin. — Parece que ela quer que você vá embora, amigo.
Changmin parou e o encarou com o cenho franzido, sem esperar por isso. se irritou com Jungkook ainda mais.
Eu ir embora? — Ele arqueou uma sobrancelha. Jungkook assentiu, seguro de si.
— Ela quer muito falar comigo, quer tanto quanto eu quero falar com ela, e deu pra sentir que a conversa é importante e urgente, não deu? É por isso que tá assustando tanto, acho que até você está assustado. Mas ela tá negando e me mandando embora porque tá se agarrando na sua presença medíocre e tentando convencer a si mesma que é melhor ficar sentada nessa mesa, tendo a noite mais entediante e monótona da vida dela do que ouvir o que eu tenho a dizer. E nós dois sabemos que é melhor ela me ouvir. Que ela fique perto de mim, e não de você — Jungkook abaixou a voz, mas ainda estava firme, controlada, ameaçadora. Changmin contraiu os músculos na mesma hora, o pescoço formigando com a imediata lembrança dos dedos, a promessa que eles representavam. Alheia a tudo isso, só conseguia prestar atenção em Jungkook e em como ele estava falando loucuras!
— Jungkook, que merda você está falando? Changmin, não…
— Mas, se ainda assim, ela fizer tanta questão de você ficar, podemos conversar juntos. Os três. , sabe como conheci o seu amigo?
Changmin quase convulsionou em ódio, empalidecendo na mesma hora, olhando para ligeiramente enquanto sustentava a provocação de Jungkook. Aquele filho da puta sabia o que estava fazendo. Abria aquele sorrisinho cínico porque sabia que estava ganhando, sabia que Changmin não brincaria com suas próprias mentiras. Se ele passaria tudo para Ali, que passasse com todos os detalhes possíveis, inclusive dos atritos que Jeon Jungkook estava disposto a implementar.
parou um pouco com a pergunta, voltando ao mesmo questionamento que atravessou a mente quando Jungkook encarou Changmin daquele jeito. O que tinha acontecido? Quando houve aquele encontro? O que ela estava perdendo?
Mesmo assim, ela grunhiu para que ele parasse. Dar trela para o assunto era permitir que ele ficasse mais tempo. Precisava ser firme para mandá-lo embora, para voltar a respirar, ficar com a mente limpa. Poderia tirar as satisfações com o próprio Changmin depois. Mas olhou rapidamente para fora e… Um pouco do medo restante do tempo a invadiu. Não era de hoje que conhecia Jungkook, que sabia da sua capacidade de insistir, de ser teimoso, tão teimoso quanto ela, e aquela atitude que estava tendo para conseguir uma conversa era errada e arrogante, mas de repente se viu sem saída. O que ela poderia fazer, o que ele poderia fazer? Estavam presos.
Presos um no outro. Presos naquela chuva. Presos por coisas além do que se via.
Changmin riu, novamente sendo o ponto da razão, ainda que aquela risada não tenha soado nada espontânea.
— Acho que esse tópico não é nada interessante, Jungkook. Afinal, quem não conhece você? não quer saber…
— Ah, ela vai querer saber. A não ser que você não queira dizer. Nesse caso, como eu sugeri, acho que ela quer que você vá embora. Pode pedir seu café pra viagem e dar o fora. Com tudo pago, é claro. Tenho certeza que você tem muito a fofocar com as suas plantas.
Desta vez, realmente o chutou por debaixo da mesa, e Jungkook fez uma mísera careta com o ato.
Changmin quase rosnou. Jungkook já tinha entendido há um tempo, mas ainda foi satisfatório ver a verdade: ele estava batendo o pé não apenas para ficar, mas para não deixar Jungkook se aproximar. Aquele idiota tatuado sabia muitas coisas, e por algum motivo, Changmin pensou que ele fosse covarde o suficiente para ficar com o rabo entre as pernas. Covarde para proteger , mesmo que ela não fosse mais possível de proteger. Ele poderia dar com a língua nos dentes não sobre Ali, mas sobre ele mesmo e daí então jamais confiaria nele de novo. Já estava devagar que confiasse nele agora.
Jeon sorriu convencido. Não havia um pingo de medo nele. Um pingo de intimidação, de qualquer trava sobre falar do assunto. Se aquele fotógrafo continuasse atrapalhando, ele iria mais longe. Não tinha medo dele, não tinha medo de Ali. Não tinha nem mais medo de ouvir o nome dela, como achou que teria. Não tinha medo das coisas que sentiria quando ouvisse, das coisas que pensasse. Lidaria com toda essa merda estranha depois, bem depois, porque agora outra coisa importava, uma que não tinha a participação alheia daquele babaca no meio.
via as faíscas de raiva crepitando em ambos os olhos, mas não queria saber. Changmin abriu a boca para dizer uma resposta furiosa, mas interviu:
— Por favor, parem — disse, soltando uma respiração profunda. — Changmin, não dê ouvidos a ele. E Jungkook, vou falar pela última vez, vai…
— Você prefere terminar o seu café com ele? Tudo bem, posso esperar — Jungkook deslizou ainda mais as costas na cadeira, sorrindo debochado. — Não tenham pressa. Tenho certeza que ele tem muitas histórias legais pra te contar.
Changmin se irritou mais ainda. O que sentia por dentro já tinha ultrapassado o senso de limite, e o rosto estava contraído sem perceber, uma raiva nefasta que não seguraria para lançar em cima daquele fedelho. Patético, desgraçado. A falta de hesitação nele perturbava Changmin. Se ele abrisse a boca para
Só essa possibilidade fazia Jungkook ganhar a batalha de hoje. Pelo menos a de hoje.
O estresse estava presente em cada indivíduo da mesa, de cores e formatos diferentes, o de se revolvendo à medida que olhava Jungkook e via aquele comportamento anormal e ridículo partindo dele.
— Do que você está falando? Jungkook, pelo amor de…
— Tudo bem, . Já entendi — Changmin disse como quem tem areia na boca, sem tirar os olhos do maknae. Olhos que prometiam alguma coisa, que colocavam um lembrete no cérebro alheio. Changmin olhou para o relógio de pulso e ensaiou um suspiro de decepção, virando pra ela. — Parece que ele está certo, tenho mesmo que ir embora. Não para exatamente fofocar com plantas, mas tenho trabalho a fazer… — ele fuzilou Jungkook com os olhos, como se o trabalho a fazer fosse encomendar a sua morte.
arregalou os olhos de desespero ao vê-lo juntar suas coisas.
— Não, Changmin! Você não precisa ir embora, não escu…
— Acredite, gata, estou indo porque preciso mesmo. Lembra que comentei sobre as avaliações do Behance? Tem uma pilha na mesa da minha cozinha — ele tentou rir, mas odiava tanto estar dizendo aquilo que nenhum sorriso sustentava. — Vou deixar você com seu… colega. Ele parece ter muito a dizer.
E lambuzou com desprezo cada uma daquelas palavras. Jungkook, sem ser um centímetro atingido, sorriu. olhou para ele e Changmin e balançou a cabeça em negação.
— Não, você não precisa, olha a chuva…
— Ele não é feito de papel, não é, senhor Ji? Consegue pegar uma chuvinha dessas sem morrer. Qualquer coisa, é só tirar a segunda pele para secar em casa.
o olhou em choque absoluto. Queria sacudi-lo, berrar para ele o que você pensa que está fazendo?! Por que está falando assim com ele?!
Mas Changmin permaneceu impassível e logo estava de pé, a face fechada e dura e os olhos revirando.
— Enfim… Foi um prazer te ver hoje, . Pode deixar que vamos voltar.
Ele espichou o olhar para Jungkook como mais um desafio declarado e ainda balançava a cabeça em negação, tentando emitir alguma recusa sobre aquilo, mas o fotógrafo já estava caminhando para a porta.
— Tchau, tchau — Jungkook acenou debochadamente com um sorriso para ele, vendo-o erguer a bolsa pasta acima da cabeça e desaparecer pela porta com o sino.
, chocada, revoltada e decepcionada, olhou para ele com o rosto pasmo e deformado de ódio.
— Você… Você é um babaca, Jungkook! — ela quis chutá-lo de novo, desta vez com uma força que o fizesse sair pelo mesmo lugar de Changmin — O que você pensa que tá fazendo?
— Livrando você de um mala. Agora podemos conversar.
soltou um som perplexo. Conversar? Ele queria conversar?!
Ela não queria conversar com ele! Não podia conversar com ele! passou uma mão pelo rosto, tentando controlar seu aborrecimento antes que ele se transformasse em gritos mais altos do que a voz de Daniel.
— Como você me achou? — perguntou, quase esmigalhando os dentes. Jungkook, recostado agora relaxadamente na cadeira, respondeu:
— Eu te acharia em qualquer lugar.
— Para com essa palhaçada — se livrou do formigamento no estômago na mesma hora. Não dava pra acreditar que ele realmente faria aquilo, que realmente falaria aquelas coisas, depois de tudo — Como sabia onde eu estava? Eu te bloqueei. Não queria que você me achasse.
Ele se empertigou no banco, um pouco preocupado com o semblante tão raivoso no rosto dela e em como ele o desmontaria.
— Fiz negócios com a Candice. E com o Yoongi, se quiser pensar assim. Mas eu ainda te acharia em qualquer lugar.
De novo, não. odiou cada fiapo de fogo que tomou conta dos seus órgãos, cada coisa que queria tirá-la da realidade por causa dele. Os olhos dele brilhavam na direção dela. Os pés tocavam nos dela por debaixo da mesa. A boca dele estava entreaberta, pronta pra sorrir, feliz só por estar ali. já queria se jogar nos braços dele de novo. Estava sozinha, encurralada. Não viveria para contar mais uma história de superação a Jeon Jungkook se passasse mais um minuto ali.
Ela desviou os olhos para a mesa, disfarçando toda essa confusão de sentimentos para dizer:
— Bom, não sei porque você insistiu em perder seu tempo nisso, mas sinto te dizer que você perdeu a viagem — e se levantou como Changmin, tomando uma decisão totalmente baseada no seu desespero: — Vou embora.
Jungkook não esperava por essa. Não teve tempo de responder e ela já estava se apressando, travando músculos e dentes na direção da porta.
— Quê? ! — ele se colocou de pé em um jato, tocando na curva de seu cotovelo. — Espera aí, tá chovendo!
— Qual é o problema? — ela tremeu a voz. Ele arqueou as sobrancelhas.
— Você não gosta de chuva…
— Não tô nem aí, Jungkook — puxou o braço de volta por questão de sobrevivência, de não olhar demais e sentir demais o que não poderia ter. Ele a estava irritando e amolecendo na mesma proporção. Mal tinha coragem de ficar olhando muito tempo pra ele porque era bem perigoso avaliar o quanto ele estava tão bonito com aquele corte de cabelo novo, e com os novos piercings, e com tudo que fazia parte dele mesmo que já amava. — Para de falar sobre as coisas que eu gosto ou que eu não gosto, de agir como se me conhecesse, de se preocupar comigo ou fazendo coisas por mim, por mais idiotas que sejam como ficar monopolizando a porra da jukebox. Para de se aproximar!
E teve de contar até dez mentalmente para conseguir se virar e sair, mas perdeu a contagem assim que ouviu e sentiu a chuva. O vento frio que ricocheteou seu braço e quase a fez parar e correr para dentro e se encolher embaixo da mesa como uma criança, mas que se foda. Tinha algo mais urgente do que essa merda. Entre a provação dos raios e a provação de Jeon Jungkook, era mais fácil acreditar que venceria os malditos raios.
Jungkook ficou estático com a rapidez com que ela saiu. Achou que aquilo era uma piada, mas ela estava mesmo indo embora? Estava saindo na chuva?
Ele correu pra fora. Seus pés fizeram exatamente o mesmo caminho que ela, que curvou na calçada e andou determinada para a frente sob um toldo inclinado do restaurante vizinho, seguindo rente ao meio fio em direção a mais um pedaço largo de calçada com pouca iluminação e sem nenhum sinal de um ponto de ônibus.
o ouviu se aproximando, mas não se importou. Ouviu a voz dele chamando seu nome, mas se concentrou nos raios. Pela primeira vez na vida, eles pareciam mais interessantes, pareciam os salvadores da pátria da voz de Jeon Jungkook em mais uma tentativa insistente de que ela mudasse de ideia.
Meu deus, ele devia ser preso por isso. Devia ganhar uma mordaça na boca. Devia ficar o mais longe possível dela, porque tinha medo de ceder e não aguentar o escudo da razão por tanto tempo.
, por favor — ele gritou novamente, dessa vez mais perto. — Meu deus, para de andar e me escuta.
— Te escutar? — parou e se virou abruptamente, sentindo a água já dentro dos tênis, o toldo cobrindo apenas uma metade vertical do corpo, encharcando a outra. — O que você quer falar, vai me pedir desculpas por afastar um cara de mim sem mais nem menos? Você sabe o que isso significa?
— Eu…
Egoísmo! Você com esse seu ego ferido tá me irritando de verdade! Quantas vezes vou precisar dizer que não quero fazer esse papel?
— Você não tem esse papel...
— Não vou ficar parada ouvindo mais um discurso seu. Por deus, eu nem sei como você ainda tem discursos! Nem sei como ainda tem ânimo de perder seu tempo comigo, de ficar deixando mensagens bêbadas na minha caixa de voz, aparecendo na minha casa. Por que não chama umas garotas pra se divertir em um hotel? Já não estava fazendo isso há menos de 1 semana atrás? Você tem cidades e países inteiros para escolher. Agora, por favor, me deixa em paz.
Ela se virou para continuar andando e Jungkook paralisou por um segundo, absorvendo a última declaração. Como diabos ela sabia do hotel?! Um hotel onde não havia acontecido nada além de uma regressão vergonhosa dele, uma chacota que Siyeon já devia estar se empenhando em espalhar por aí.
Mas não havia tempo para se preocupar com isso. já estava se afastando de novo e, desta vez, para mais longe do toldo, entrando em outro agora mais estreito, parte da estrutura decaída de um prédio qualquer. Ele apressou o passo.
, ei… Me escuta. Isso não é justo. O que são cidades e países inteiros perto de você? — Ela parou um pouco, sem querer. Ele bufou forte, desolado pela distância que ela ainda insistia em manter. — O que são todas essas garotas se nenhuma delas é você, ?
Continue, , a parte racional gritou. A que tinha pavor da voz de Jeon Jungkook, porque o mais parecido som tinha o poder de fazê-la retroceder, quanto mais a presença física do sujeito acompanhada daquelas palavras que saíam junto. Ela precisava ir, sabia disso. Mas então, estava girando o corpo para ele, uma silhueta completamente encharcada de chuva, parada ao seu lado.
Ela quis ver mentira naqueles olhos. Quis ver o desejo temporário dele, a vontade de tê-la só mais uma vez, a fraqueza em dizer o que sente. Mas ou a chuva estava desestabilizando sua lógica mais do que aquele cara, ou ele estava…
— Para com isso — ela cortou o pensamento imediatamente, uma ilusão forjada.
, eu...
— Por favor, não fala mais nada — ela chegou para trás assim que ele deu um passo à frente. — É pedir muito que você tenha um pouco de consideração por mim? Que você me poupe de todo esse jogo? É sério, isso não me faz bem, e você deveria parar agora. Não sei mais como pedir isso. Não sei mais…
— Tô apaixonado por você.
O mundo de ruiu. A boca parou aberta no meio da frase, sem palavra pra completar. Ela ouviu e reouviu aquela informação na cabeça, colocou para repetir, mas não deixou absorver. Só ouviu e ouviu e ouviu. Pensou que ele se retrataria um instante depois, mas o coração dela queria parar naquele segundo antes disso. Queria parar no ouvir, parar naquele par de olhos dele que emitiam tanta certeza, parar naqueles pingos de chuva que geralmente eram tão assustadores, mas que agora não passavam de água.
De qualquer maneira, o ouvir parecia mais simples do que falar. O rosto dela, antes tão carrancudo e zangado, tinha se esticado em susto. Em paralisação de músculo. Nada nela se mexia a não ser o coração, que batia em todos os lugares do corpo.
Jungkook também esperou. Um grito, um empurrão, o ápice da raiva dela. A reação esperada de quem não confiava no que ouvia. Mas dizer aquilo tirou um peso dele e dela ao mesmo tempo. Dele, da covardia escancarada e das decisões desvinculadas com seu próprio querer, restando apenas a esperança e a nova felicidade que estava disposto a sentir. Dela, o peso das palavras, o peso da concha que insistia em manter, o peso de reprimir seus desejos.
Ele chegou mais perto, aproveitando a chance de continuar.
— Tô completamente apaixonado por você — e queria chegar mais perto, precisava chegar ainda mais perto, mas apenas abaixou a cabeça o quanto pode para que seus olhos ficassem na altura dos dela. — Louco. Maluco. Gamado. Fodido. Apaixonado por você. Não paro de pensar em você. Não paro de querer você, de querer estar com você, de sonhar com você, mal consigo ficar longe de você. Você me tomou, e é isso. Não quero ser seu amigo, quero mais com você. Eu quero tudo com você! Tá me entendendo? Tudo. Quero beijar você, quero dormir com você, quero ouvir música com você, quero desenhar você, quero cantar pra você, quero saber coisas de você, quero gravar cada pedaço de você na minha boca, na minha mente, na minha pele, no meu coração, porra, eu quero tudo. É assustador. Eu te amo, caramba — Jungkook soltou o ar com a confissão abrasadora e pesada. Muito pesada. A palavra mais pesada que ele já carregou em toda a sua vida. — Me ouviu, ? Eu te amo. Te amo tanto que não consigo respirar. Te amo tanto que não consigo mais pensar em um futuro sozinho. Eu só te amo, e amo a pessoa que eu sou quando estou com você. É a melhor coisa que eu já senti em toda a minha vida.
Jungkook parecia ofegante ao fim de tanta coisa saindo por segundo, e de repente teve vontade de rir. De rir, de gritar, mesmo que isso pegasse mal para alguém que acabou de se confessar, mas cacete! Ele estava tão leve, tão em paz. Tinha atingido a linha de chegada. Tinha falado, tinha colocado pra fora. E , ainda presa no mesmo estado letárgico do choque, ainda não conseguia dizer nada, parecia estar pálida e assustada, mas Jungkook agradeceu aos céus e a todos os astros por ela não ter ido embora. Por ter sido ainda que minimamente tocada.
O silêncio dela começou a deixá-lo nervoso. A chuva empapava ambos os braços para fora da cobertura, e Jungkook respirava e respirava, olhando em seus olhos enquanto vasculhava o rosto dele, os dedos fracos e a mente em rebobinação, abrindo e fechando a boca em busca de… Algo.
— E-eu… — Ela tentou, mas não tinha o que fazer. Jungkook percebeu que ela precisava de mais do que isso. Ele precisava de mais do que isso, precisava dela como nunca!
— Olha pra mim — Jungkook estendeu uma mão para a sua bochecha, aproximando-a dele, aproximando de um jeito gentil e que tinha apenas um significado. A voz abafada e sussurrada em seu nariz mexia com cada milímetro de sangue dentro dela. — Você é… Tudo que eu sempre quis. Tudo que eu sempre precisei. É isso que eu tinha pra te dizer, , do jeitinho que me pediu no Covil. Tô louco por você e vou te beijar agora. Vou te beijar como nunca foi beijada antes, e vou te dar 5 segundos pra pensar nisso. São os 5 segundos em que você pode parar tudo e me mandar embora. Prometo que dessa vez eu vou ouvir, que nunca mais apareço na sua frente. Mas se me deixar te beijar, vai ter que me deixar ser seu de uma vez por todas.
desligou a mente. Aos poucos, o raciocínio ia voltando com o desespero do tempo estipulado. 5 segundos. Não conseguia entender nada, não sabia se queria entender. Ele estava ali, muito perto, tão perto como um sonho, e tinha roubado todas as palavras dela. O nariz ardeu querendo entrar em uma crise de choro, e os sons ao redor eram batidinhas no vazio. O coração de apertou e doeu.
Mas qualquer dúvida tinha desaparecido. Não havia a menor chance de que ela impedisse o que estava por vir.
Não houve resposta. Houve apenas a explosão.
Ele a beijou como se ainda existisse a possibilidade de que ela corresse. Segurou forte sua boca na dela como um pedido firme, uma súplica para que ela pensasse bem, que permitisse. Mas depois de meio segundo, ele não precisou de nada disso. Nunca precisou. imediatamente aceitou sua boca, aceitou seus braços pela sua cintura, aceitou sua língua e o aceitou por inteiro naquele beijo molhado da chuva. Aceitou aqueles sentimentos que ainda estavam explodindo em fogos de artifício no seu peito. Aceitou a quebra de toda incerteza existente e os medos foram queimados em toda essa baderna. Seriam esmurrados pelo seu coração quase escapando do peito.
Jungkook a tomou no meio de uma rua qualquer em uma avenida qualquer em um dia qualquer com uma chuva qualquer em uma cidade qualquer. Nada mais existia. O mundo real se fundiu a um paralelo onde só existia paz. A paz daquele beijo, a paz do alívio, a paz de ter se livrado daqueles verbos e daquela verdade como se livrasse de um peso nos ombros. Ele a beijou com desejo, com fúria, com desespero. Uma de suas mãos puxou o cabelo de para manter sua cabeça perto, o mais perto possível, enquanto ela, ainda desorientada, ainda sendo levada apenas pelo corpo mole, passava os dedos pela lateral do rosto dele, inspirava seu cheiro, trazia-o para dentro de sua boca com violência, pensando por um segundo tosco que estava sonhando, mas que não queria parar de sonhar. Nunca iria querer parar de sonhar. Jamais.
Dentro de , o caos de felicidade vinha acompanhado de uma afirmação deglutida há muito tempo, algo demonstrado ali, no beijo sedento e fervoroso que arrancava partes dela.
Eu também te amo. Eu te amo. Eu te amo tanto que não me reconheço.
Mas a verdade era que nunca se sentiu tão como naquele momento, enroscada nele em um aperto quente e molhado, sentindo a ansiedade mais quente ainda subir pelo seu corpo, um fogo sem igual, desorientando seu cérebro para fazê-lo se esquecer de onde estava.
Onde estava?
Quando Jungkook se afastou por uma fresta de vento para tomar um fôlego e, ofegante como um paciente de asma, olhou para de cima, sem tirar sua testa da dela, sem ousar separar sua mão de sua cintura, sem dar nenhuma brecha para que ela escapasse.
Mas não escaparia nem se pudesse. Quando voltou ao eixo e abriu os olhos devagar, encontrando os dele tão perto, tão perto a ponto de seus cílios se encostarem, percebeu onde estava. Percebeu o leve vento frio ao redor. Percebeu que tinha acabado de beijar um cara mundialmente famoso no meio de uma calçada, onde passavam carros e vozes. Com a chuva.
Estava chovendo.
Estava chovendo e trovejando. Estava tendo uma tempestade.
Mas ela não via. Não ouvia, não sentia. Tudo que existia era ele e aqueles olhos. Era tudo sobre ele e aquele mundinho. Tudo sobre aquela bolha dentro de seus braços.
E percebeu. Percebeu e aceitou. E se lembrou. E naquele momento, foi a primeira vez que amou a chuva.
Porque amava ele.
E ele…
— Volta comigo — Jungkook murmurou em uma voz sôfrega, arrastada de desejo. Seus lábios pousaram em cima dos dela de novo quando sussurrou: — Volta pra mim.
Era um pedido. Uma súplica. Um propósito tão explícito e inflexível que ele seria capaz de cair de joelhos.
O coração de se destroçou. A parte racional queria parar e avaliar a situação, avaliar a veracidade, mas já era. Ele não teve a menor chance. Nem tentou. No fundo, estava esperando exatamente aquilo: uma confissão. As palavras dele, o sentimento finalmente exposto.
A cabeça não ia funcionar agora.
Só sua boca. Só ela a fez erguer os pés e beijá-lo com força, beijá-lo como sempre quis beijar, beijá-lo com vontade absoluta de voltar àquele mundo particular de silêncio e fogo. Aquele mundo em que só ele era capaz de colocá-la. O corpo de agiu por conta própria, o calor queimando nas veias, as pernas bambeando e os joelhos batendo nos dele, a pelve em seu cinto, a bolsa em algum lugar sujo do chão. Ela não sabia onde tocá-lo, onde mordê-lo, e meu deus, parecia estar começando um incêndio, girando a cabeça com loucura e devassidão, liberando aos poucos tudo que estava reprimido dentro daquele coração.
Em um impulso, a voz do juízo falou mais alto, e se afastou dele o bastante para colocar uma mão na boca e arregalar os olhos, aterrorizada com a própria atitude.
— E-e-eu... — a voz não saiu outra vez. Jungkook, com o lábio vermelho e inchado, parecia desorientado e sorrindo alegremente. Bobo alegre. Uma descrença com alívio. — Nós... — ela parou e olhou para os lados. Reparou nos pingos grossos que empapavam a lateral de seu braço. Percebeu que aquela telha ridícula no flanco do restaurante não os protegia da chuva, quanto mais de olhos!
Minha nossa, ele era louco! Ela também era! E com aquele sorriso, Jungkook não parecia se importar um terço com isso.
Rapidamente, ele pegou sua mão. Estava um pouco trêmula, mas mal percebeu porque a dela também estava.
— O carro está no estacionamento do posto. Espera aqui que eu…
— Podemos correr — apertou um pouco seus dedos. Ele piscou rapidamente. — A gente corre.
Ele viu um brilho diferente nos olhos dela. E devia ter mesmo. Um brilho de novidade, de aventura. Um brilho de um grande e belo foda-se. Ainda estava caindo o mundo e odiava pegar chuva, mas…
Mas ele disse que a amava!
E de repente ela se sentia uma super heroína.
Ele quis loucamente beijá-la de novo e puxou sua cabeça para um selar de bocas breve, porém forte e determinado. Era uma promessa. Meu deus, como era uma promessa! Se ela permitisse, ele faria isso todos os dias, cada hora, cada segundo.
Jungkook se afastou antes que se descontrolasse ali mesmo e assentiu quando ela assentiu. Entrelaçou seus dedos juntos e os dois se viraram para a rua e entraram debaixo da chuva forte.
Entraram em outra coisa também. Entraram na maré sem medo. Chegaram finalmente à terra firme.
não percebeu que estava sorrindo quando ele a puxou para o meio do asfalto, quando atravessaram a rua estreita sem faixa de pedestres e quando avistaram as luzes vermelhas enfileiradas do estabelecimento com bombas de gasolina espalhadas. O lugar continuava vazio e inóspito. Jungkook a puxou para a direção da placa de caminhões, um espaço mais afastado e escondido do que ele e toda a sua ansiedade se lembravam, deixando ele e aquela iluminação escarlate do posto como um cenário de filme de mistério.
Mas nada ali era um mistério. Agora tudo era verdade. Tudo era luz. Tudo era felicidade.
Eles pararam ao lado da Mercedes, apenas um pedaço de escuridão no fundo do breu, e Jungkook soltou os dedos de apenas para vasculhar o bolso do jeans encharcado, sentindo a água empapar seu cabelo e entrar em seus tênis.
, de novo, não percebeu que estava sorrindo sozinha. Hipnotizada. Presa no próprio mundo, presa naquelas palavras de antes. Apenas presa.
Ele murmurou alguma coisa. Talvez um pedido de desculpas por não achar a chave tão rápido. Desculpas por fazê-la se molhar. Desculpas e algo que o fez se virar pra ela. Que mostrou a camiseta colada no peito e o cabelo sendo jogado para trás enquanto ele agora finalmente conseguia puxar o bendito molho de metal do bolso da frente.
não pensou. Estava fora de controle. Queria saber como era cada experiência, queria aproveitar cada segundo, queria fazer valer aquela alucinação caso fosse uma, queria sonhar pra sempre, sentir aquilo pra sempre. Puxou o colarinho daquela camiseta molhada e o beijou mais uma vez, dessa vez completamente debaixo do temporal, sentindo o corpo quente como lava, um fio da pelve derreter na calcinha, um mundo de coisas explosivas e carnais e um desejo de outro mundo quando combinava tudo aquilo com a boca dele.
Ele a beijou de volta sem hesitar, traçando a cintura dela com a mão forte e firme, aquela mão que gostava de sua bunda, gostava de apertá-la e também de bater, assim como gostava de enforcá-la no pescoço e gostava de conhecer cada pedaço dela. Ela sentia falta daquelas mãos. Sentia tanta falta de enlouquecer! Sentia falta de ser capaz de tudo para sentir aquelas mãos.
Os dois não chegariam a lugar nenhum daquele jeito. Não aguentariam chegar.
— Banco de trás — ela arfou por cima de sua boca, desesperada e com a cabeça girando. — Agora.
Por um segundo racional, Jungkook levantou a cabeça e pensou em perguntar um imenso "o quê?", mas com aquela mulher não existia parte racional. Existia o obedecer.
Cada mísero músculo dele obedeceu.
Beijando-a novamente, ele apertou o botão de destrave do carro por puro instinto. A libido fazia seu coração disparar como um coelho. Quando o barulho apareceu e Jungkook colocou a mão na maçaneta, abriu-a com uma mão só e se afastou de apenas para deixá-la se abaixar e entrar, seguindo-a logo em seguida.



Jungkook atacou sua boca com violência, com insanidade correndo nas veias. Todas as coisas existentes no mundo tinham ficado do lado de fora daquele carro. parecia igualmente desnorteada, puxando sua boca molhada para mais perto, sentindo o furor maluco tomando-a pelo corpo inteiro apenas com o toque daquela língua na sua, com o jeito que Jungkook a devorava com um beijo que sempre sonhou. Em um segundo, puxou o casaco dele para o forro do carro, e estava pronta para puxar a camiseta também, totalmente alucinada.
Jungkook queria dizer que não era sua intenção trepar na Mercedes quando dirigiu como um maluco pela cidade para finalmente deixar de ser um covarde, mas quem precisava perder tempo com isso? Era óbvio que não precisava perguntar se tinha certeza de alguma coisa porque os dois tinham mais do que isso, os dois tinham necessidade, tinham abstinência, uma abstinência louca e dolorosa que não te deixava pensar em mais nada.
Ele se livrou da camiseta grudada na pele, e se aproximou de não apenas para voltar a beijá-la, mas para deixar suas mãos passearem por ela inteira, o corpo dentro daquelas roupas encharcadas, largando uma mão em cima de seu peito e apertando-o com força, arrancando um gemido gostoso demais da garota.
— Porra, como senti sua falta — ele murmurou em cima de sua boca com o fôlego enfraquecido, sentindo a cintura de se mover vigorosamente, procurando caminhos para se esfregar no colo dele. — De tudo. De você inteira.
sorriu por entre a boca e a língua dele, ouvindo aquela voz gostosa e grave vinda de outro planeta, mas soando como uma canção que ela queria ouvir há muito tempo, uma canção que causava uma reação proporcional em seu corpo, arrepiando todas as partes e todos os orifícios possíveis que já sentiram a presença de Jeon Jungkook.
Desesperada, desceu as próprias alças, e Jungkook puxou a blusa para cima com uma brutalidade não intencional, mas que fez ver o fogo vivo em seus olhos. Quando ela mesma arrancou o sutiã de uma forma um tanto rápida demais e que prejudicaria a vitalidade da peça, jungkook se viu prendendo a respiração e parando por alguns segundos diante da imagem de molhada de chuva, com os cabelos soltos pelas costas e nua debaixo da meia luz daquele estacionamento abandonado. Luz essa que iluminava apenas o que precisava ser iluminado, que a deixava totalmente exposta e linda de uma forma que transtornava sua cabeça mais do que estava transtornada.
No entanto, naqueles breves minutos em que deixou a mente viajar naquela hipnose etérea, Jungkook fitou intensamente os olhos de , sendo dominado por uma certeza abrasadora de que ela era a mulher mais linda do mundo, e de que ele a amava com uma força nova e desconhecida, um amor que o tornaria capaz de fazer qualquer coisa por ela, qualquer coisa estúpida e irracional, seja lá o que fosse.
— Você é linda — ele puxou seu rosto para mais perto, e imediatamente quis colar seus corpos ainda mais. — Linda pra caralho. E minha pra caralho.
não o deixou terminar. Estava ótimo, estava lindo, ouvi-lo dizer coisas daquele jeito com tanta confiança a fazia pensar que poderia explodir de tanta felicidade, mas ela estava explodindo de outra coisa, e era saudade, tesão acumulado, noites e noites de desespero por não tê-lo e imaginação e fantasias que ele tinha implantado nela, que tinham sido responsáveis por fazê-la se sentir exatamente daquele jeito: dele. era tão dele que não podia sequer cogitar ser de outra pessoa.
Com um novo beijo avassalador, Jungkook não estava mais apto a interromper. Ficando mais louco a cada segundo, ele puxou a cintura dela para mais perto, abrindo suas pernas para que elas passassem ao redor dele, apoiando as costas de com cuidado na janela enquanto ele se avolumava para cima dela, puxando sua saia de tecido para a barriga e tocando na região quente e umedecida de seu clítoris por cima da calcinha.
Porra! Molhada pra caralho. Quente pra caralho. Ele gemeu ridiculamente só por sentir. Estava encharcada como suas roupas, e pulsando e pulsando de desejo sórdido como ele, esfregando-se levemente em um pedido implícito.
— Caralho, . Eu queria pegar leve — ele soprou em seus lábios inchados, e afastou a calcinha para o lado, roçando a ponta do dedo agora no pele a pele, fazendo derreter e soltar o ar com força, fechando os olhos em um pedido para o universo — Queria te chupar até você desmaiar. Queria te lamber em todos os lugares primeiro. Mas como posso pegar leve quando você tá tão molhada assim?
— Nem pense em pegar leve — ela conseguiu dizer antes de sentir o carinho dele em cima de seu clítoris, um carinho que fazia um barulho molhado e agudo até que ele mesmo enfiasse um dedo inteiro dentro dela — Não... pega leve... de jeito nenhum.
— Você que manda — ele estalou um beijo forte na sua boca, um beijo que sugou todo o resto da alma de . — Você sempre manda.
E estava sem a peça no instante seguinte, junto com a saia, sentindo a ereção dele ainda dentro dos jeans enquanto mais um dedo se juntava à carícia de seu clítoris, deixando-a zonza, desordenada, agarrando as duas mãos nervosas no cabelo molhado dele enquanto o beijava sem descanso, concentrada em seu próprio mundo dentro daquele Sedan, ignorando os raios e a água descendo como cachoeira no vidro da janela. Tudo o que importava era aquele cara e tudo que queria fazer com ele, tudo o que com certeza faria com ele.
— Espera... — ele interrompeu o beijo e o movimento de seus dedos, roubando um fôlego frustrado de — Vou pegar a camisinha.
Jungkook se preparou para inclinar o corpo para o câmbio, mas o segurou pelo antebraço e disse, quase sem ar:
— Não precisa.
Jungkook parou e se virou, franzindo o cenho sem entender, ainda ofegante e desorientado. umedeceu os lábios túrgidos, e encolheu um pouco os ombros.
— Eu tô... tomando pílula. Então não precisa.
Jungkook continuou com a mesma expressão, agora com uma pitada genuína de surpresa. Uma de suas mãos ainda estavam na cintura dela, e ele tirou um pouco do cabelo molhado da testa para perguntar:
— Desde quando?
— Um pouco depois da minha promoção — ela disse casualmente, e deu de ombros levemente. — Eu estava com uns problemas de ciclo e Candice me convenceu a marcar um médico, e eu fui.
— Era a sua consulta misteriosa depois do dia do hospital?
— Era.
Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, olhando pra ela em busca de alguma... explicação. Aquela época ainda era uma época deles. Ainda houve muitos episódios de trepa, muitas posições desafiadoras e muitos orgasmos catalogados em cima da cama de . Claro que era algo que ele gostaria de saber, porque... bem! Não era óbvio?!
se empertigou no lugar, começando a pensar loucamente que tinha deixado-o desconfortável com o pedido, que era lógico que Jeon Jungkook, Jungkook do BTS, não podia se dar ao luxo de sair trepando com mulheres sem camisinha por aí, onde já se viu? Mesmo que ela quisesse tanto, mas tanto...
Antes que ela abrisse a boca para retirar as palavras, ele suspirou forte, e seus dedos afrouxaram um pouco em torno de sua perna ainda aberta em volta dele, falando em um sussurro:
— Por que não me contou antes? — ele a fitou profundamente, recostando um ombro no banco. — Ainda estávamos juntos, ainda ficamos juntos por um tempo, eu não...
— Eu não sabia se você aceitaria.
— Não aceitar sentir você 100%? Meu bem, sei que fui um babaca, mas nunca escondi o tesão que sinto em você. É claro...
— Não queria que você pensasse algo de mim — ela o interrompeu, tremendo o lábio e desviando os olhos levemente. Seus músculos enrijeceram sob a palma de Jungkook, e se aproximou do rapaz com consternação — Eu não queria que você pensasse que eu fosse uma interesseira, ou que eu estivesse planejando alguma coisa. Vai saber. Você é você. E... eu sou eu. Achei que passaria dos seus limites.
— Achou que eu não confiaria em você?
— Sim, achei.
Jungkook passou uma língua nos lábios e bagunçou um pouco mais o cabelo com a mão livre, pensando em formas menos indignadas de refutá-la, porque era óbvio que ele não negaria se ela tivesse lhe contado antes e quisesse suspender a camisinha. Ele até poderia hesitar no primeiro segundo, porque ela estava certa, ele era ele, mas porra, era ! E Jungkook sempre teve certeza de que ela não era como as outras, por mais que não soubesse como interpretar isso antes.
Com o breve silêncio dele, sentiu o desconforto de novo, balançando a cabeça em negação repetidas vezes.
— Olha, se você não quiser, tá tudo...
Ele a beijou antes que terminasse, e voltou a apertar sua cintura forte, a trazê-la para mais perto, a mostrar suas certezas em vez de apenas dizê-las para que entendesse de uma vez por todas.
Soltando-a, Jungkook puxou seu queixo para cima, compondo a voz de todo o tom firme e confiante para anunciar:
— Eu não tenho nada — disse com segurança. — Faço exames trimestrais, sou cuidadoso, nunca transo com mulher nenhuma sem camisinha, nunca passo desse limite, a não ser que ame tanto alguém como eu amo você. Eu tô limpo, , eu não...
— Confio em você — soltou com toda a honestidade que era capaz de reunir. O coração batia tão forte e transbordava por ele, transbordava de um desejo nunca antes sentido por ninguém.
Jungkook absorveu as palavras com atenção e assentiu, acariciando sua bochecha.
— Também confio em você.
E sua boca estava na dela de novo, dessa vez em um choque mútuo, um que ela também tinha avançado e demonstrado a urgência. As mãos loucas dele traçaram o caminho para trás dos joelhos de , puxando-a para mais perto, enquanto ele a beijava por 2 minutos inteiros de apenas provocação até que não aguentasse mais e começasse a mexer no próprio zíper. Ainda estava tentando se acostumar com aquele mundo paralelo com , porque a partir do momento em que a beijava, sentia que não seria capaz de fazer mais nada sem ajuda de terceiros. Ela o excitava tanto com apenas um beijo que o fazia esquecer dos próximos passos, travando-o um pouco. o ajudou com os botões, sentindo-se ainda mais molhada do que antes, uma expectativa maluca crescendo no peito pela iminência de senti-lo como jamais sentiu, e o quanto isso deveria ser bom.
Quando Jungkook finalmente se viu livre das calças, colou seu corpo no de com rapidez, sentindo a pele dela quente e molhada, soltando um gemido involuntário assim que sentiu a fricção de suas partes em um toque que o arrepiou por todo o corpo.
— Caralho — ele exalou, um pouco perdido e desesperado, olhando o brilho de sua pele molhada cintilando na luz e a boceta encharcada pronta para ele. — Não vou durar muito na primeira — avisou, encarando-a no escuro. — Mas a gente vai de novo. E de novo.
assentiu sem acrescentar nada. Não era preciso. A ideia de ir de novo e de novo com ele a deixava derretida em ponto de bala, ansiando por esse algo nos confins de seu interior, deixando-a pirada e completamente inconsequente. Jungkook não fazia ideia de como ela estava naquele momento, mas se fosse algo parecido com ele.... temia que a Mercedes não fosse aguentar.
Quando ele posicionou-se na entrada, um desespero anormal já queria tomar conta de . Jungkook se sentiu mole, fraco e pequeno, ao mesmo tempo que uma euforia maluca queimava cada célula de seu corpo. E quando, finalmente, ele se integrou a , sentiu o corpo inteiro vibrar como eletrochoque.
A sensação foi um estopim de loucura. Jungkook sentiu como se todos os sons existentes no mundo e do lado de fora tivessem simplesmente entrado em pause permanente. O gemido de entrou por seus ouvidos e reverberou por cada músculo, e ele imediatamente puxou sua boca para a dele ao mesmo tempo em que se afundava para dentro dela. Uma, duas, três, quatro vezes seguidas bem devagar, movimentos que precisavam de toda a sua concentração para que ele não esmorecesse o mais rápido possível, porque porra, precisava prolongar esse momento, precisava muito.
sentiu como se estivesse navegando em um mar de brasas, que iniciavam a trajetória pelos seus pés e iam subindo e subindo, aumentando a intensidade conforme aquela agonia louca de Jungkook entrando e saindo causava. O beijo dele misturado com aqueles movimentos era uma loucura completa. O passaporte para a completa ruína de , o atestado da completa ruína de Jeon Jungkook. Ela agarrou em seus ombros, cravou os dentes em seus lábios e soltou o ar forte pela boca quando ele aumentou os movimentos, murmurando coisas ininteligíveis, toscas, declarações que antes guardava para si mas que agora tinha que segurar para não gritá-las ao mundo. Como ela era perfeita, como era linda, como era uma delícia estar dentro dela, como era difícil descrever o que ele estava sentindo... não tinha palavra, não tinha nome, só um sentimento desgovernado que ele estava adorando colocar pra fora.
— Porra, ... — ele grunhiu dentro de sua boca, o único movimento possível já que as respirações ofegantes não permitiam que um beijo se completasse, mas a posição ainda parecia certa. — Você é tão... minha. Porra, demais. Por favor, diz que você é minha.
— Eu sou sua — disse imediatamente, e se não estivesse tão inebriada pelo tesão, teria se assustado em como dizer aquilo foi fácil. — Totalmente sua. Sempre fui sua.
Jungkook ofegou apaixonado. Se misturou a apaixonado. No pele a pele, ele se sentiu dela como nunca sentiu com mais ninguém. Sentiu que não apenas era dela, mas fazia parte dela. Que no meio da penumbra de sexo, amor e suor, eles eram uma coisa só.
A questão do beijo ainda era delirante, infernal. fechou ainda mais as pernas em volta dele, louca para senti-lo explodir, louca para experimentar a sensação sem pensar em mais nada. Ele ainda se segurava, apoiava uma mão no vidro ao lado da cabeça dela, apertava sua cintura e beijava sua boca como se pudesse morrer ao não fazer isso, mas aquilo elevava tudo que Jungkook já conhecia sobre prazer. Teoricamente, aquela ainda era , gostosa e indecifrável, sexy e maravilhosa, quente como o inferno, mas o jeito que se sentia quando estava dentro dela agora, completamente diluído em seu corpo e em seus detalhes… Era outra coisa, sem nome, sem forma. Não era a forma como fazia, mas a forma como se sentia, como a via agora. Como se quisesse servi-la pelo resto da vida.
— Vem aqui — ele arfou quando ergueu as costas e se sentou, puxando-a para cima de seu colo, sem sair de dentro dela, sem descolar o contato. mordeu o lábio, adorando a mudança. Passou as mãos pelos ombros dele e se remexeu em cima do pau ereto, gemendo baixinho. Jungkook perdeu o fôlego. A luz vermelha refletia na pele molhada de seus seios, na ponta do mamilo duro, no cabelo úmido que virou uma bagunça confusa, nas cores difusas da tatuagem, na boca inchada que ele beijaria a noite toda. Ele gravou cada parte disso, cada pedacinho dela na memória. Guardou aquele momento no coração caso acordasse de manhã e descobrisse que ficou muito bêbado outra vez e sonhou de novo. Aquela cena pintava uma imagem um tanto divina e vívida demais, o bastante para que ele pensasse que nunca seria capaz de superar aquilo. Nunca.
Sempre fui sua.
Um momento depois, ela estava se mexendo, e se mexendo cada vez mais rápido, raspando em cima dele com tortura e prazer, fechando os olhos para viajar ao próprio mundo enquanto ele se agarrava ao seio exposto, colocando a boca em necessidade, sugando forte enquanto apertava a bunda que seguia o ritmo do desespero da dona, que também queria prolongar o momento de apreciar a superfície completa dele, mas que seria impossível com aquelas mãos e com todo aquele fogo matando-a aos poucos. se ergueu e sentou, e depois com mais força e com mais rapidez, ouvindo os palavrões deliciosos dele passearem por sua pele, a boca buscando alívio em seu peito antes de buscar alívio na dela, a mão inesquecível bater em sua bunda pervertida e a outra se fechar na sua garganta, pondo a garota em total estado de loucura e insanidade. Era só um toque, mas parecia sempre o primeiro toque. Era devasso, libidinoso, frenesi completo. não teria qualquer pudor em oferecer tudo a ele, tudo que ele quisesse e pedisse. Faria com gosto, com desejo, pediria mais. Só ele podia tocá-la daquele jeito. Só ele veria seu lado mais vulnerável em ação.
Jungkook foi o primeiro a ceder e a sensação foi indescritível. não esperava encontrar algo que pudesse ser ainda melhor quando se entregava para Jungkook, mas a sensação de ser preenchida foi, oficialmente, o bater do martelo sobre toda aquela situação. Ele gemeu na curva de seu pescoço, segurou sua cintura parada no lugar e ofegou milhares de vezes, perdeu a consciência e voltou em milésimos de segundos e repetiu o quanto pode o quanto aquilo era… incrível. O quanto era a melhor coisa do mundo. O quanto ele a amava. Seus traços não haviam se composto nem um pouco para disfarçar seu sofrimento, seu prazer sendo extinguido. não abriu o olho, não queria se esvair da cena, não queria sair dele. Explodiu junto com ele um segundo depois, e ainda estava flutuando naquela coisa formada entre os dois. Tinha tesão, tinha fogo, tinha faísca, era um incêndio pra dar e vender, era uma troca conservadora de amor. Nada dela era dela e nada dele era dele. Já era. Não tinha mais volta.
Quando abriu o olho, viu a testa dele colando na sua, enquanto Jungkook ainda respirava pesado, puxava o ar pelo nariz, elevava o peito e distribuía um beijo aqui e acolá no seu rosto, na sua bochecha, no seu pescoço, no seu lábio, na sua testa, em tudo que a boca dele podia tocar sem sair do lugar. imediatamente tirou um sorriso do rosto cansado, dormente, ainda trêmulo da explosão, inspirando o cheiro dele de todas as partes daquele carro, de tudo que ele era e de tudo que estava sendo naquele momento.
Vai ter que me deixar ser seu de uma vez por todas.
Ela sorriu de novo. Dessa vez com barulho, uma pequena brisa de riso no ouvido dele, soando como música, assim como a chuva lá fora também era a mais bela orquestra do mundo. Ele não disse nada. Só tomou sua boca em um beijo calminho, lento, molhado, tocando nas costas dela com a ponta dos dedos com carinho, com cuidado, com um pedido. Mais um dos tantos. Fica aqui pra sempre.
Lentamente, escorregou para o lado dele, apoiando a cabeça no braço tatuado esticado sobre o encosto do banco, permanecendo junta e perto dele. Jungkook olhou no olho dela no escuro, firmou o corpo dela com a mão e ficaram assim por sabe-se lá quanto tempo; olhando, respirando, sorrindo, sonhando, vivendo e aproveitando. Sendo um do outro de uma vez. Só aquele fogo convulsionando nas pupilas dilatadas dele já era o suficiente para convencer de qualquer coisa. Convenceria a qualquer um que visse.
Jeon Jungkook apaixonado. Perdidamente. Agora mais do que nunca.
, ainda imersa naquela bolha lacrada do mundo real, conseguiu respirar normalmente e dizer:
— O que a gente faz agora?
Tentou manter a mesma cara, mas Jungkook viu sua expressão um segundo antes de perguntar. Ela queria saber o depois. Já queria pular pra ele, se pudessem. Estava um pouco preocupada com isso, queria confirmar que era real. Estava excitada com o fazer amor dele. Ansiosa para ouvi-lo dizer que a amava, ansiosa para gozar, ansiosa para que ele se derramasse dentro dela de novo. Sem perceber, já estava indo pra cima. Beijou a boca dele com tudo isso e muito mais. Mas Jungkook afastou, tomou o rosto dela e sorriu com satisfação quando soltou:
— Agora vou te levar pra minha casa. Pra minha cama.



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Nota da autora: Olá! É um prazer te ter aqui!
Seguinte: caso você tenha caído aqui de pára-quedas, a história começou no Filme I, uma fic linda, gostosa e esclarecedora. Visite esse surto AQUI caso você ainda não conheça.
Se você está no lugar certo, aproveita pra visitar os links lá em cima. Temos a playlist oficial da fanfic cheia de música boa e também o insta pra saber quando vai sair a próxima atualização. ❤
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